163

V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

  • Upload
    buikien

  • View
    218

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função
Page 2: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função
Page 3: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

V.6,

Nº1

, Jan

-Jun

201

5

Anselmo TakakiAntônio Renato Henriques

Bruno Iankowski Bruno Theodoro Luciano

Diego Pautasso Gustavo Resende Mendonça

José Maurício Vieira FilhoLuisa Geisler

Tatiana Zismann

Page 4: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

EXPEDIENTE

PresidenteJ. Roberto Whitaker Penteado

Vice-Presidente AcadêmicoAlexandre Gracioso

Diretor Geral da Unidade da ESPM-SULRichard Lucht

Diretor de Graduação e Pesquisa – ESPM-SULRene Goellner

Diretor do Curso de Relações Internacionais – ESPM-SULSérgio Wollmann

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Bibliotecária Responsável: Sabrina Leal Araujo - CRB 10/1507

A Século XXI: Revista de Relações Internacionais é uma publicação semestral do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Relações Internacionais (NEPRI) da ESPM-Sul.

S446 Século XXI : Revista de Relações Internacionais/ESPM-Sul. Vol. 6 n. 1 (jan/jun. 2015), Porto Alegre, 2015.

ISSN 2179-0582

1. Relações Internacionais - Periódicos. I. Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM-Sul.

CDU 327 CDD 327

Page 5: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SUMÁRIO

Apresentação: Perspectivas Teóricas e o campo das Relações Internacionais ...5Ana Regina Falkembach SimãoAdriana Schryver Kurtz

Dossiê: Teoria das Relações Internacionais

As teorias do desenvolvimento: a propósito dos conceitos de Centro e Periferia .......................................................................................................................11Marcos Costa Lima

Notas sobre a Teoria Social da Política Internacional de Alexander Wendt .23Flavio Elias Riche

O monopólio das teorias anglo-saxãs no estudo das Relações InternacionaisWilliams Gonçalves ....................................................................................................51Leonardo Valente Monteiro

A diferença que a ontologia faz: Intergovernamentalismo Liberal, Construtivismo e Integração Europeia ................................................................69Fabiano Mielniczuk

Uma luz no fim do túnel? As Possibilidades de Integração Regional, Inspiradas Pela Indústria Elétrica Da América Do Sul, Iluminada Pela Teoria Neo-Funcionalista ..............................................................................................................85José Antônio Moreira das Neves

Teoria das Relações Internacionais: do Realismo à Teoria Verde ................ 107Leonardo Dutra

Artigo

The Transatlantic Bloc of States and the Political Economy of the Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP).............................. 121Claude Serfati

Page 6: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 4 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Page 7: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 5 -

APRESENTAÇÃOPerspectivas Teóricas e o campo das Relações

Internacionais

Ana Regina Falkembach Simão1

Adriana Schryver Kurtz2

1 Editora da Revista Século XXI, pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Relações Internacionais (NEPRI) e Professora do curso de Relações Internacionais da ESPM-Sul. Doutora em História pela UFRGS. ([email protected]).2 Editora Assistente da Revista Século XXI, pesquisadora do Núcleo de Estudos em Jornalismo (NEJOR) e Professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da ESPM-Sul. Doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS. ([email protected]).

O campo das Relações Internacionais vem sendo construído desde o século passado a partir de debates – e embates – teóricos persistentes, cuja dinâmica certamente está atrelada aos grandes movimentos históricos da política internacional. Assim, o chamado “primeiro grande debate” está pautado pelas guerras mundiais que convulsionaram o mundo na primeira metade do século passado, com destaque evidente para a I Grande Guerra. Idealistas – como escarneceram seus detratores -, os defensores do internacionalismo liberal buscaram refletir sobre as causas da(s) guerra(s) objetivando entender as condições possíveis para uma pacífica ordem internacional, embasada numa crença implícita acerca da moralidade e racionalidade humanas, que deveriam levar a humanidade a um progresso marcado por interesses nacionais mais harmônicos.

Tal utopia do internacionalismo liberal foi duramente confrontada com o realismo político, corrente bem mais afinada com as heranças intelectuais de Maquiavel e Hobbes para a qual a política internacional deveria ser mais bem vista como um tipo de “estado de natureza”, diante do qual nenhuma moralidade fazia frente a uma inevitável luta dos Estados por seus próprios interesses – e naturalmente, pelo poder. Se a lógica da balança do poder – mecanismo segundo o qual os poderosos conservam seu status quo contendo as nações que desafiam a configuração política em vigor – caracteriza as relações internacionais, as guerras não seriam uma anomalia a ser entendida e erradicada, mas antes um aspecto inevitável no processo histórico que envolve as grandes potências.

Assim, o “primeiro grande debate” se destaca na história do campo que, só a partir dos anos 50, vai se consolidando enquanto disciplina acadêmica, capaz

Page 8: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 6 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

de avançar para questões de ordem metodológica, momento que inaugura um segundo grande debate. Sob a denominada revolução behaviorista nas ciências sociais, uma geração de novos estudiosos – com forte influência de áreas como Economia e Ciência Política e clara vocação positivista – substituiria os primeiros pensadores, em geral ligados à área das humanas. Neste contexto, os debates capitaneados em função da metodologia nos estudos de Relações Internacionais vão opor os cientificistas (ou “behavioristas”) aos adeptos de uma abordagem “tradicional” (os “humanistas”). Note-se que o debate metodológico entre behavioristas e humanistas dos anos 1950 terá uma espécie de revival na década de 80, envolvendo positivistas versus pós-positivistas.

Ainda um terceiro grande debate é reconhecido na longa história do desenvolvimento das reflexões acerca das RI. Uma reação contra a corrente realista formaria, a partir dos anos 1970 o denominado “debate interparadigmático”, no qual a noção de “paradigmas” (de Kuhn) substitui o conceito de “teoria”, fazendo coexistir na disciplina de Relações Internacionais as visões de mundo ligadas ao realismo, liberalismo e globalismo. Desta forma, cada paradigma responderia – dentro de sua própria lógica – a questões comuns como os principias temas, atores e processos definidores das relações internacionais.

Atualmente, uma mudança está em curso, mas as visões de diferentes pensadores acerca do campo são divergentes. O certo é que um quarto grande debate está se delineando desde as últimas décadas do século XX, mas há muitos polos de discussão: neorealistas versus neoliberais; racionalistas e construtivistas sociais, configurando uma oposição entre positivismo e pós-positivismo. Já no século XXI novos atores entram em cena para aquecer a cena teórica no campo das Relações Internacionais. A Teoria Crítica, o construtivismo social, as reflexões a partir da questão de gênero, o pós-estruturalismo, pós-colonialismo e finalmente, mas não menos importante, o pós-modernismo.

Desta forma, o espectro das teorias das Relações Internacionais vai se ampliando, ao passo que o próprio campo, enquanto disciplina acadêmica e tema corriqueiro na vida cotidiana de milhares de pessoas, sobretudo através da mídia, não para de crescer. Vale lembrar que as teorias das Relações Internacionais formulam conceitos e métodos fundamentais para a compreensão da natureza e do funcionamento do sistema internacional. Por suas peculiaridades, o espaço internacional e as questões que nele se desenrolam, sem dúvida desafiam os analistas ao encerrar em si uma gama de problemáticas efetivamente distintas daquelas investigadas pelas ciências sociais que dão conta dos processos que ocorrem no espaço doméstico. Por isso, a primeira edição do ano de 2015 da Século XXI – Revista de Relações Internacionais dedica à teoria o merecido espaço em seu Dossiê Temático. Entendemos ser uma bela maneira de marcar a décima edição da Século XXI – uma publicação do Curso de Relações

Page 9: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 7 -

Internacionais da ESPM-Sul e do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Relações Internacionais (NEPRI).

Abrindo a revista e o Dossiê Teoria das Relações Internacionais, o texto “As teorias do desenvolvimento: a propósito dos conceitos de Centro e Periferia”, de Marcos Costa Lima, discute as teorias de desenvolvimento, a partir de um eixo central estruturado sobre os conceitos gêmeos de centro e periferia. Mostrando enorme erudição, o autor discorre sobre as diversas contribuições de autores clássicos no tema, como Rosestein-Rodan, W.W.Rostow, Furtado, Prebish, Perroux, Hirschmann, Gunder Frank entre outros. Em primeiro lugar, cada um dos autores revisitados terá apontadas suas especificidades teóricas – funcionalistas, liberais, institucionalistas e marxistas -, com ênfase para as respectivas abordagens com relação à política. Como defende Marcos Costa Lima, há uma ampla riqueza teórica sobre desenvolvimento, sobretudo em autores heterodoxos, que criticam o etapismo e introduzem os conceitos de assimetria, dualismo e dependência. Por outro lado, autores propriamente marxistas recusam o desenvolvimentismo, o dualismo, e estabelecem o conceito de imperialismo, de desenvolvimento do subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O artigo procura atualizar a questão, sobretudo a partir das crises sucessivas do capitalismo, que atingem os países do centro, quando a dinâmica do sistema passa a ser puxada pelos periféricos.

Já “Notas sobre a Teoria Social da Política Internacional de Alexander Wendt”, de Flavio Elias Riche, analisa com propriedade a teoria de Wendt, tal como disseminada a partir de sua obra referencial, “Social theory of international politics”, considerando ligeiras alterações subsequentes. Flavio Riche ressalta a relevância deste esforço, não apenas pelo impacto do construtivismo wendtiano na teoria das relações internacionais – especialmente em função do contexto proporcionado pelo terceiro grande debate –, mas também pela mudança operada por Wendt a partir da publicação, em 2006, de “Social theory as a Cartesian science: an auto-critique from a quantum perspective”. Neste momento, Wendt faria uma revisão radical de seu pensamento por meio da combinação de princípios da mecânica quântica e de aportes inovadores desenvolvidos a partir das ciências da mente. Riche também destaca a opção por trabalhar de forma mais direta com os textos de Wendt e incidentalmente com obras de comentadores, visando centrar o debate na concepção original da teoria das relações internacionais de Alexander Wendt, de modo a servir de contraste para o desenvolvimento do que denomina de “guinada quântica” em seu pensamento.

No texto intitulado “O Monopólio das Teorias Anglo-Saxãs no Estudo das Relações Internacionais”, Williams Gonçalves e Leonardo Valente Monteiro buscam analisar o estado da arte do estudo das relações internacionais no Brasil, centrando-se especialmente na influência para este campo do que chamam de

Page 10: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 8 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

desmedida dedicação às Teorias das Relações Internacionais. Provocativamente, os autores partem da tese de que o monopólio anglo-saxão de produção teórica nesta área dificulta a construção de uma disciplina com perspectivas nacionais e regionais, “comprometendo sua utilidade para o desenvolvimento, e tornando-a mais um importante instrumento de manutenção do status quo”. A reflexão empreendida pelos autores também destaca os problemas resultantes da transformação de apenas um olhar teórico sobre as relações internacionais, vendendo um recorde de mundo como a única forma de se entendê-lo. Algumas perguntas são colocadas como um fio condutor para a reflexão: para que serve a teoria? Qual é a utilidade da teoria nas Ciências Sociais e, mais especificamente, qual é a utilidade de uma teoria das Relações Internacionais? Privilegiar o estudo das teorias em detrimento do estudo da realidade faz algum sentido? Assim, Williams Gonçalves e Leonardo Monteiro chamam a atenção para a importância da quebra desses paradigmas e o desenvolvimento de novos modelos teóricos e novas formas de se pensar a disciplina.  

“A diferença que a ontologia faz: Intergovernamentalismo Liberal, Construtivismo e Integração Europeia”, de Fabiano Mielniczuk, explora, por sua vez, o debate entre Intergovernamentalismo Liberal (IL) e Construtivismo sobre as motivações subjacentes ao processo de integração europeia. Após apresentar as posições dos principais autores dessas abordagens, Mielniczuk analisa, de um ponto de vista metateórico, a possibilidade de síntese teórica entre ambas as abordagens. “Assume-se uma postura cética em relação a essa possibilidade, a partir da compreensão de que os pressupostos ontológicos que fundamentam as teorias restringem o emprego de ferramentas epistemológicas para explicar a realidade”, sustenta Mielniczuk. Nesse sentido, conforme defenderá o autor, a síntese baseada na aplicação de uma epistemologia positivista a partir de uma ontologia construtivista é considerada impossível, servindo apenas para enfraquecer a contribuição original do construtivismo para os estudos de integração.

José Antônio Moreira das Neves contribui com o texto “Uma luz no fim do túnel? As possibilidades de integração regional, inspiradas pela indústria elétrica da América do Sul, iluminada pela teoria neo-funcionalista”. O trabalho analisa como a Comunidade Europeia para o Carvão e o Aço (ECSC/CECA) impulsionou a integração europeia, objetivando verificar o potencial sinérgico para a cooperação que uma eventual instituição supranacional de energia elétrica teria para estimular a integração da América do Sul. A experiência europeia é utilizada pelo autor, “ como um caso de controle e comparação para verificar se as condições de integração ocorridas naquele continente podem se assemelhar com aquelas do processo sul-americano”. José Moreira das Neves utiliza o referencial teórico Neo-funcionalista de Ernst Haas e sua microteoria

Page 11: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 9 -

do spill-over ou desborde, buscando observar se esse tipo de fenômeno pode ser repetido no caso de uma possível constituição de um sistema elétrico integrado na América do Sul. Embora os aspectos sociais, econômicos e políticos sejam diferentes da experiência europeia, sustenta o autor, a pesquisa colheu evidências convergentes e satisfatórias para a formação do spill-over, a partir da eventual integração do setor energético na América do Sul, apontando para a possibilidade de construção de um processo de integração regional que pode ser explicado e inspirado pela teoria Neo-funcionalista.

Fechando o Dossiê Temático da Século XXI, o artigo intitulado “Teoria das Relações Internacionais: do realismo à teoria verde”, de Leonardo Dutra, recupera as principais ideias que construíram e foram resultado da construção de uma ciência da Política Internacional, hoje difundida como Relações Internacionais. O trabalho inicia com a descrição das primeiras ideias registradas nesta linha de pensamento durante a segunda metade dos anos 1940 que dariam origem a uma Teoria das Relações Internacionais. Em seguida, Leonardo Dutra aborda a complexidade do pensamento destas teorias “desde uma tríade de representações da realidade proposta pela Escola Inglesa das Relações Internacionais”. O florescimento desta perspectiva, sustenta o autor, é contemporâneo aos juízos sobre uma teoria da interdependência e uma abordagem teórica da estrutura do sistema internacional, ambas igualmente apresentadas neste trabalho. Chegando aos anos de 1980 e 1990, o texto aborda as principais críticas sobre o sistema internacional, a nova ordem mundial e, neste âmbito, os temas que se destacam já no século XXI, exemplificados em perspectivas teóricas que apresentam o Pós-colonialismo e a Teoria Verde nas Relações Internacionais.

A Seção de Artigos oferece aos leitores a reflexão de Claude Serfati, “O Bloco Transatlântico dos Estados e a Economia Política do Comércio Transatlântico e Parceria de Investimento (TTIP)”. O texto, originalmente escrito em língua inglesa, aborda o que denomina de o “bloco transatlântico hierárquico dos Estados”. O pesquisador associado do Instituto de Pesquisa Social e Econômica e do CEMOTEV (Centre for the Study of Globalisation, Conflicts, Territories and Vulnerabilities) da Universidade de Versailles-Saint-Quentin-en-Yvelines, lembra que o espaço do mundo é um espaço politicamente construído e, como tal, dominado pelo grande capital altamente concentrado. A política econômica de globalização é o produto do desenvolvimento desigual e combinado sob a dominação dos países desenvolvidos, definido pelo autor como o “bloco transatlântico”, no centro do qual se encontra os EUA, apoiado por seus antigos aliados políticos e militares na Europa e na Ásia. A partir deste contexto, Claude Serfati analisa o Comércio Transatlântico e Parceria de Investimento - Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) – e seus principais objetivos, no contexto da atual conjuntura econômica e política mundial. O autor

Page 12: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 10 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

leva em consideração a forte oposição “daqueles que vem de baixo” e as próprias diferenças entre os lados negociantes para uma projeção das possibilidades do TTIP diante dos interesses maiores do capital concentrado.

A décima edição da Século XXI – Revista de Relações Internacionais dedica assim à Teoria seu merecido espaço, não sem exercer a liberdade e o dever crítico de refletir sobre seu próprio peso. Como de costume, esperamos que nossos leitores aproveitem os trabalhos aqui reunidos e que a reflexão acerca da Teoria das Relações Internacionais possa iluminar nosso campo. Assim, resta apenas desejar uma prazerosa leitura.

Page 13: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 11 -

AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: A PROPÓSITO DOS CONCEITOS

DE CENTRO E PERIFERIA

THE THEORIES OF DEVELOPMENT: ABOUT THE CONCEPTS OF CENTRE AND

PERIPHERY

Marcos Costa Lima1

RESUMO:O artigo tem por objetivo tratar das teorias de desenvolvimento, tendo por eixo central os conceitos gêmeos de centro e periferia. Para tanto, discute as diversas contribuições de autores clássicos no tema, como Rosestein-Rodan, W.W.Rostow, Furtado, Prebish, Perroux, Hirschmann, Gunder Frank entre outros, apontando as suas diferenças teóricas – funcionalistas, liberais, institucionalistas e marxistas, salientando suas abordagens com relação à política. Há uma ampla riqueza teórica sobre desenvolvimento, sobretudo em autores heterodoxos, que criticam o etapismo e introduzem os conceitos de assimetria, dualismo, e dependência. Mas também de autores propriamente marxistas, que recusam o desenvolvimentismo, o dualismo, e estabelecem o conceito de imperialismo, de desenvolvimento do subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O artigo conclui numa tentativa de atualizar a questão, sobretudo a partir das crises sucessivas do capitalismo, que atingem os países do centro, quando a dinâmica do sistema passa a ser puxada pelos periféricos.

PALAVRAS-CHAVE: Teorias do desenvolvimento; centro e periferia; sistema-mundo; novas hierarquias; novas relações Norte-Sul

ABSTRACT:The paper aims to address the theories of development, with the central axis in the twin concepts of center and periphery. Discusses the different contributions of classical authors on the subject, as Rosestein-Rodan, W.W.Rostow, Furtado, Prebish, Perroux, Hirschmann, Gunder Frank and others; pointing their theoretical differences - functionalist, liberal, institutionalist, structuralist, marxist- , and stressing their approaches with regard to politics. There is a broad theoretical wealth on development, particularly in heterodox authors as critical of the stageism, introducing concepts as asymmetries, dualism, and dependence. But also Marxist authors who, refusing developmentalism, dualism, end by insert concepts as imperialism, development of underdevelopment, which would prevent the autonomous national development. The article concludes attempting to update the question, particularly given the successive crises of capitalism, which affects the countries of the center, when the system dynamics becomes to be driven by peripherals.

1 É professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP-SP e pós-doutor pela Université Paris XIII- Villetaneuse.

Page 14: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 12 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

KEY WORDS: Theories of development; center and periphery; world system; new hierarchies; new North-South relations.

Introduzindo o ConceitoO conceito articulado de centro e periferia, da determinação da posição

de determinados entes em um espaço, é largamente utilizado nas ciências sociais, mas também no urbanismo, na física, na história da ciência. No caso da física e no estudo do átomo, sabemos que os elétrons são minúsculas partículas que vagueiam aleatoriamente ao redor do núcleo central do átomo, onde os prótons e nêutrons são as partículas localizadas no interior do núcleo e contêm a maior parte da massa do átomo.

Já no contexto das ciências sociais, o centro nos remete, nos termos do paradigma vigente, às regiões que consolidaram suas hegemonias, não só em termos de produção científica como em termos econômicos, caso da maioria dos países industrializados da Europa, da América do Norte e de alguns países da Ásia.

Já antes do fim da Segunda Guerra Mundial, economistas poloneses, como Kalecki e Rosestein- Rodan2 estavam preocupados com o futuro dos países da Europa Central, de como se daria a superação de capitalismo tardio. Sobre qual seria o futuro dessa periferia.

Para os economistas liberais “neo-clássicos”, o subdesenvolvimento seria um atraso na via real do capitalismo. W.W.Rostow3, em 1959, estabeleceu a sua “teoria das etapas” do crescimento econômico como sendo um processo universal evolutivo que toda sociedade, necessariamente, passaria. Seriam cinco as etapas do crescimento: uma sociedade tradicional; passando para um estágio de transição; até alcançar a fase do Take-off ou “arranque”; daí para uma fase “madura”, para finalmente atingir a era do consumo de massa. Este percurso, que é o próprio percurso do capitalismo, esteve fundado no pressuposto do progresso, enraizado na cultura ocidental, do progresso técnico, tido como neutro e sendo expressão da racionalidade.

A escola cepalinaUma teorização diferenciada sobre o desenvolvimento foi estabelecida

por Raúl Prebish4, dez anos antes, em 1949. Na introdução que escreveu ao

2 ROSENSTEIN-RODAN, Paul N. “Problems of Industrialization of Eastern and South-eastern Europe.” Econ. J. 53, 202-11, June-September, 1943.3 W.W. Rostow, The Stages of Economic Growth: A Non-Communist Manifesto (Cambridge: Cambridge University Press, 1958).4 PREBISH, Raúl, “O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus principais problemas” , CEPAL,1949.

Page 15: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 13 -

primeiro Estudo Econômico da América Latina “O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus principais problemas”, elaborou a tese das “trocas desiguais”, que estruturavam as relações centro-periferia, o que o lançou a secretário Executivo da Comissão Econômica para a América latina. Em seu livro “Dinâmica do desenvolvimento latino-americano”5, Prebish analisa o problema do estrangulamento externo da região, e indicava uma debilidade congênita da periferia que era incapaz de reter o fruto de seu progresso técnico. Essas regiões importam manufaturas que aumentam rapidamente, ao passo que suas exportações primárias aumentam lentamente. Esse desequilíbrio só seria superado via industrialização, através de políticas de substituição de importações. Mas a sua interpretação não descura da política, pois não haveria aceleração do desenvolvimento econômico sem transformação da estrutura social. E para ele, a democracia estaria ameaçada sem um processo articulado de distribuição de renda.

Para muitos desenvolvimentistas latino-americanos, uma concepção sociocêntrica do desenvolvimento significaria, sobretudo: (i) recuperar uma visão crítica e de longo prazo; (ii) estabelecer como eixo fundamental o papel do Estado, que assumisse a responsabilidade de contribuir para a definição de uma estratégia nacional de médio e longo prazo, caracterizando o aprofundamento democrático e a superação da pobreza; (iii) centrar na cidadania, ou seja, na criação de uma institucionalidade participativa, que seria efetivada por meio da descentralização, da regionalização, da iniciativa local, o que exigiria como contrapartida uma profunda mudança cultural.

Os desenvolvimentistas haviam percebido a mudança no entendimento do conceito de desenvolvimento através da segunda metade do século XX. As próprias transformações vividas pelo capitalismo e seus efeitos perversos em termos sociais produziram como contrapartida uma sociedade civil que foi adquirindo novas formas de articulação e de ação. Os exemplos são muitos, dos movimentos campesinos, de favelados, étnicos, ambientalistas, de gênero, de jovens, de consumidores, de direitos humanos, justamente entre segmentos tradicionalmente marginalizados, até setores de classe média, que passaram a construir pautas mais abrangentes de reivindicação, caracterizando novos atores sociais não tradicionais. Dentre as reivindicações, temas relacionados à solidariedade, participação, associativismo, com reclamos de um desenvolvimento que não se limite apenas ao crescimento econômico, que não responda a essas novas expectativas. Mas, ao mesmo tempo, o tempo dilatado dos regimes políticos de exceção em muitos países periféricos e as políticas de ajuste estrutural adotadas por exigência do Fundo Monetário Internacional fizeram crescer a

5 PREBISH, Raúl, Dinâmica do desenvolvimento latino-americano. Rio de Janeiro: Editora Fondo de Cultura, 1964..

Page 16: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 14 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

adesão entre amplos segmentos das classes altas e médias ao padrão de consumo norte-americano, reforçado pela alienação política.

Um tema que na obra de Celso Furtado6 tem um lugar central é o subdesenvolvimento, um desafio teórico que se empenhou em decifrar. Para ele, o subdesenvolvimento é um processo histórico autônomo, no sentido em que não é uma “etapa” pela qual tenham necessariamente passado as economias que atingiram um grau superior de desenvolvimento. Muito embora reconhecesse essa autonomia como necessária para o aprofundamento e equacionamento do fenômeno, ele também entendia que uma economia subdesenvolvida não deveria ser considerada isoladamente da divisão internacional do trabalho no qual está inserida. Dizia mais, ao reconhecer que em suas raízes o subdesenvolvimento é um fenômeno de dominação, ou seja, de natureza cultural e política.

A Teoria do Desenvolvimento Econômico em sua formulação deve ter por base uma explicação do processo de acumulação de capital. As escolhas e decisões econômicas são políticas e, no entanto, os investimentos e a inversão decididos pelos economistas são tidos como algo sem ambiguidades. Essa suposta “neutralidade axiológica” dos procedimentos da economia positiva não era aceita por Celso Furtado, e seus argumentos e questionamentos são de outra ordem: “Que relações existem entre a estratificação social, os sistemas de dominação e as mudanças que ocorrem em uma sociedade, em decorrência da acumulação? Como integrar o desenvolvimento econômico no processo de mudança social e relacioná-lo com os sistemas de decisão e as estruturas de poder? 7”

Para tratar da condição periférica nos últimos trinta anos, que assiste a uma revolução tecnológica e a um forte e concomitante processo de globalização, é fundamental estabelecer uma articulação entre a techné e as teorias do desenvolvimento8, sobretudo porque a periferia é tributária da inovação e não o seu foco de criatividade. Nesse sentido, Furtado9 estabelece o conceito de “imperativo tecnológico”, ao admitir que a tendência da globalização seria aquela em que os mercados imporiam a sua lógica e ritmo sobre o espaço econômico mundial.

Na história do capitalismo, prevaleceu a concentração geográfica das atividades industriais nos países centrais e uma repartição de renda mais igualitária nesses países. Seja porque a ação dos trabalhadores organizados e suas lutas redundaram em aumento dos salários reais, exigindo de seus governos políticas protecionistas para a defesa dos mercados internos, seja porque esses

6 FURTADO, Celso Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1983., p.148. 7 FURTADO, Celso, Prefácio a Nova Economia Política. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p.258 COSTA LIMA, Marcos. Revisitando a Teoria do Subdesenvolvimento de Celso Furtado. Rio de Janeiro: Contratempo Editora e Centro Internacional Celso Furtado, 2008.9 FURTADO, Celso, Capitalismo Global. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p.26

Page 17: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 15 -

países não sofreram o processo colonial. O dinamismo da economia capitalista, assim, provinha da interação de dois fatores: a inovação técnica, que se traduz pelo aumento da produtividade e que em seu desenrolar opera pela redução da procura por mão de obra, e a expansão do mercado, que crescia com o aumento da massa salarial.

É importante assinalar aqui a concepção inerente à lógica de capital, onde o desenvolvimento de uma sociedade não é alheio à sua estrutura social e, mais ainda, que o aumento da eficácia do sistema, em geral apresentado como o principal indicador do desenvolvimento por economistas conservadores, não é condição suficiente para que sejam mais bem satisfeitas as necessidades elementares da população. Tem-se mesmo observado a degradação das condições de vida de uma massa populacional como consequência da introdução de técnicas mais sofisticadas10. Ou seja, não basta o avanço técnico e que o mesmo seja apropriado apenas por alguns grupos sociais. Trata-se, então, de introduzir a questão da qualidade do desenvolvimento, de como o esforço de inovação e de produção tecnológica irá beneficiar o maior número possível de pessoas e não gerar ou reforçar uma estrutura de privilégios.

Uma outra heterodoxiaHá uma ampla riqueza teórica sobre desenvolvimento, sobretudo

em autores heterodoxos como François Perroux11; Gunnar Myrdal12e Albert Hirschman13, que criticam o etapismo e falam de assimetrias, dualismo, e dependência. Mas também de autores propriamente marxistas, que recusam o desenvolvimentismo, o dualismo, e introduzem o conceito de imperialismo, do passado colonial, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. É nesse sentido que André Gunder Frank14 vai aprofundar a tese do “desenvolvimento do sub-desenvolvimento”, reforçada por complementações de Samir Amin15 e Arghiri Emmanue16l, que tratam dos mecanismos de acumulação mundial, dos quais só se escapa pela ruptura. A história intelectual da teoria do sistema mundo, atribuída a Immanuel Wallerstein17, mas com aportes de Amin e Frank, tem

10 FURTADO, Celso, Introdução ao Desenvolvimento. Enfoque histórico-estrutural. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.11 PERROUX, François, L´économie du XXème Siècle, Paris:PUF, 1969.12 MYRDAL, G. Economic Theory and Underdeveloped Regions, Harper and Row., 1957: 13 HIRSCHMAN, Albert, The Strategy of Economic Development: Yale University Press, 195814 GUNDER FRANK, A, The Development of Underdevelopment. Monthly Review Press, 196615 AMIN, Samir, Le développement Du capitalisme em Côte-d’Ivoire, Paris : Ed. De Minuit, 196716 Emmanuel, Arghiri, L’échange inegal. Essai sur les antagonismes dans lês rapports économiques internationaux, Paris: Maspero, 1969.17 WALLERSTEIN, Immanuel, The Modern World-System, vol. I: Capitalist Agriculture and the Origins of the European World-Economy in the Sixteenth Century. New York/London: Academic Press., 1974.

Page 18: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 16 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

raízes na sociologia clássica, na política econômica marxista e no pensamento dos teóricos da dependência.

As obras de Amin e Emmanuel explicitam a dimensão da punção que sofrem os países periféricos, pois os termos de intercâmbio se degradam, as disparidades se perpetuam em função da troca desigual entre eles. Para Amin, a transferência do excedente para o centro, sob formas variadas, é a questão central, e esses mecanismos de acumulação primitiva alimentam a expansão capitalista18.

Para Chase-Dunn19, o moderno Sistema-mundo pode ser entendido estruturalmente como um sistema estratificado, por um lado composto por sociedades centrais que são econômica, cultural e militarmente dominantes, e elas próprias em competição entre si, e por outro, por regiões periféricas e semiperiféricas. Algumas regiões dependentes foram bem sucedidas em melhorar suas posições com relação à ampla hierarquia centro-periferia, ao passo que a maioria simplesmente não alterou suas posições periféricas e semiperiféricas. Essa perspectiva estrutural na história mundial permite-nos analisar o perfil cíclico da mudança social e o padrão de longo prazo de desenvolvimento em perspectiva histórica e comparativa.

A entrada no Século XXI em termos comparativos mundiais manteve a concepção centro-periferia, quando o núcleo do grande capital internacional não apenas ganhou uma espacialização planetária, mas realizou uma transformação técnico-produtiva radical. A esfera dependente do sistema estrutura e aprofunda a sua dimensão de exportadora de capitais, através do mecanismo permanente de punção da dívida, que articula instabilidade política, social e econômica, sem minimizar a escala predatória do meio ambiente.

A profundidade das mudanças e sua rapidez transformam a uma só vez a realidade social e as categorias interpretativas. A consolidação da hegemonia financeira, mediada seja pelas Bolsas de Valores, seja pelos Fundos Mútuos e de Pensão passa a redefinir uma nova orientação geoeconômica sob o controle dos Estados Unidos da América. Nesse novo cenário, a América Latina abandona por completo o projeto de desenvolvimento, quer autônomo ou dependente, condicionada agora pela falência financeira que exige o controle não apenas dos sistemas bancários nacionais, através das privatizações, mas dos Estados e de seus instrumentos de intervenção. Como bem afirma Fiori20 (2001:82), “o capital financeiro diluiu e flexibilizou ao máximo as fronteiras variáveis dos seus

18 COSTA LIMA, Marcos, Região e desenvolvimento no capitalismo contemporâneo. Uma interpretação crítica. São Paulo: Ed. Unesp, 2011, p.146.19 CHASE-DUNN, Christopher, Encyclopedia of Sociology. Edited by George Ritzer. London, Blackwell, 2007,p.1060.20 FIORI, José Luis, Sistema Mundial: império e pauperização para retomar o pensamento crítico latino-americano. In: FIORI, J. L.; MEDEIROS, C.: Polarização mundial e crescimento. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 39-75.

Page 19: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 17 -

territórios econômicos, passando de um para outro país e região mundial sem se propor nenhuma fixação permanente, nem muito menos qualquer tipo de projeto ‘civilizatório’ para a periferia do sistema”, o que torna reféns os países da periferia, atados à lógica dos movimentos internacionais do capital e sujeitos aos seus humores e crises.

A discussão teórica e empírica contemporânea, decorrente dos processos de globalização, que incidem sobre as transformações ocorridas no espaço, nas tecnologias, nos processos produtivos, na manutenção das desigualdades sociais, nas dinâmicas regionais, nos territórios, nos fenômenos da metropolização do meio ambiente e no papel do estado, passou a exigir uma abordagem inter, multi e transdisciplinar como condição para enfrentar essas novas realidades e fenômenos. - Como explicar o fato de que as atividades econômicas tendem a se concentrar em um número finito de pontos bem definidos no espaço? Como explicar as novas hierarquias e centralidades do desenvolvimento?

A Contribuição dos GeógrafosDo ponto de vista da geografia, os primeiros estudos que procuraram

identificar uma estrutura urbana que se organiza em torno de uma dicotomia centro/periferia, com certeza, possuíam uma característica muito mais descritiva do que propriamente teórica ou paradigmática. De uma maneira geral, as constatações empíricas da estruturação urbana e a distribuição/segregação da população em determinadas regiões dentro da cidade puderam ser observadas nos estudos de Georg Simmel e Max Weber, que influenciaram em grande medida as pesquisas desenvolvidas pela Escola de Chicago. Em 1925, Burgess realiza um estudo pioneiro, onde propõe a construção de um modelo analítico que compreende a expansão da cidade através de um ponto central e de diversos círculos concêntricos em direção à periferia e que delimitariam espacialmente as diversas formas de agrupamento social-funcional de uma cidade.

A partir de uma perspectiva funcionalista, tratava a segregação, a dispersão e as desigualdades urbanas sob análises centradas exclusivamente no indivíduo, tendo por base a noção de que as suas decisões de moradia seriam pautadas exclusivamente pelos gostos, preferências e redes de sociabilidade. Tratava-se, portanto, de um reducionismo que fazia da produção social do espaço um mecanismo de racionalidade individual, deixando de lado as variáveis conjunturais e estruturais.

Abordagens diferenciadas e críticas buscavam entender as áreas e espaços urbanos periféricos distantes, precários e desvalorizados no mercado imobiliário, além dos conflitos que ocorriam em razão, por um lado, da violência do status-quo e da marginalização e, por outro, a demanda por assentamentos urbanos por parte das populações pobres, sem acesso a alternativas habitacionais impossibilitadas

Page 20: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 18 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

pelo mercado ou pelo Estado, criando assentamentos “sem ordem nem lei”, irregulares, que se estabeleciam em áreas de mananciais protegidas ou impróprias, reproduzindo as fragilidades e os desastres. Na outra ponta, um centro equipado, valorizado e com grande oferta de empregos e serviços qualificados. É nesse contexto que se dá o confronto entre a propriedade fechada e sem uso aguardando valorização, a possibilidade de moradia de baixo custo, e os projetos de renovação que expulsam a população local de renda mais baixa. Aqui, portanto, diferenciam-se teorias estabelecidas para os países do Norte e do Sul, para regiões avançadas e industriais ou pós, e aquelas regiões de baixo desenvolvimento. Os desníveis regionais não são apenas fenômenos internacionais, mas também nacionais.

Esforços são realizados no sentido de aprofundar teorias da concentração geográfica da atividade econômica. As cidades são percebidas como lugares onde intercâmbios materiais e imateriais acontecem, onde redes das mais diversas formas e conteúdos se estabelecem em fluxos contínuos, endógenos e exógenos. São lugares onde a inovação acontece, produzindo informação e conhecimento. Mas essas cidades também têm suas redes de hierarquias, estruturadas no sentido centro-periferia.

Atualizando o temaNo período recente, um número crescente de economistas tem voltado

sua atenção para esse fenômeno e, num sentido mais amplo, para os seus impactos no que se refere ao desenvolvimento regional. Desde o início dos anos 90, a Nova Geografia Econômica (NGE) tem balizado teoricamente vários estudos sobre as estruturas regionais e urbanas. Como afirmaram Fujita,-Krugman e Mori21, as cidades têm ampliado sua importância como unidades básicas dos sistemas econômicos internacionais.

Desde o final dos anos 1990, a desigualdade de renda, medida pelo coeficiente de Gini, tem aumentado em quase metade dos países em desenvolvimento, mas a tomar os indicadores elencados por Joseph Stiglitz22 em seu último livro, o país mais rico do mundo, os Estados Unidos, também tem ampliado a desigualdade entre a sua população.

O prêmio Nobel23 fala sobre o crescimento da desigualdade de renda e da riqueza nos Estados Unidos nos últimos trinta anos. Diz ele, logo no prefácio, e em tom quase bombástico que “existem momentos na História quando as pessoas em todo o mundo parecem levantar-se para dizer que algo está errado”. Seus

21 FUJITA, M.; KRUGMAN, P.; MORI., T. On the evolution of hierarquical urban systems. European Economic Review, v.43,p.209-251, 1999.22 SITGLITZ, Joseph, The Price of Inequality. How today’s divided society endangers our future, New York, W.W.Norton & Company, 2012, p. ix:2:3.23 COSTA LIMA, Marcos (2013), “Reflexionando sobre Globalización y el Nuevo Orden Mundial”. Ciudad de Buenos Aires: Puente@Europa, Año XI, nº 1/Centro de Excelencia Jean Monnet, Universidad de Bologna, Representación en Argentina

Page 21: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 19 -

dados são contundentes sobre os efeitos de políticas econômicas que geraram desigualdade de renda e riqueza nos Estados Unidos após os anos 1980, que há trinta anos atrás os 1% das maiores rendas entre os americanos recebiam apenas 12% da renda nacional e, em 2007, passaram a perceber 65% do total do ganho nacional dos rendimentos. A renda de um trabalhador masculino típico de tempo integral estagnou por mais de um terço de século.

Como afirmam Dunford e Yeung24, há mais de 200 anos, vêm aumentando, de modo geral, as desigualdades econômicas mundiais. Para os dois autores, o motivo das divergências globais está em que muito poucas economias na busca de modernização econômica e social atingiram um crescimento sustentado. Mais recentemente, a ascensão da Ásia representou um passo importante na reconfiguração do desenvolvimento global, justamente porque uma série emergente de macroeconomias de mercado conseguiu fugir ao Consenso de Washington. Uma das razões para tanto foi, graças à maior integração global, um aumento acentuado na força de trabalho mundial. Uma segunda razão, e mais importante, foi o fato de, na Ásia, devido às desvalorizações competitivas, ter alcançado fortes surtos de exportação e a transformação em devedores de uma série de países que, antes, eram credores. O argumento central dos autores é que, com toda a probabilidade, o grupo das economias emergentes, em especial a China, vai sustentar as suas recentes vantagens de crescimento no contexto de um crescimento global, agora com um ritmo mais lento.

No mundo ocidental, um conjunto de estratégias destinado a restaurar o crescimento sustentado tem-se mostrado insuficiente, e a recente crise econômica produzirá um impacto negativo ainda maior e mais renitente no mundo desenvolvido por não haver, no horizonte, qualquer modelo alternativo de crescimento. A China, por seu turno, tem o potencial de sustentar taxas relativamente altas de crescimento ainda por muitos anos. Para isso, ela precisará, no entanto, alterar profundamente o seu modelo de desenvolvimento. Se assim o fizer, e se outras grandes economias asiáticas, em conjunto, talvez, com países como a Índia, a Rússia e o Brasil, que constituem os grupo “BRIC”, continuarem crescendo, esses países emergentes deverão liderar o crescimento mundial. Se assim ocorrer, dentro de 25 anos, a Ásia poderá responder por 66% do PIB mundial. Caso consiga, terá de fato revertido a discrepância criada pela Revolução Industrial, pelo colonialismo e pelo imperialismo. Por certo as desigualdades de renda per capita se manterão ainda por um período maior, mas a relação centro-periferia passará por substantivas alterações.

A crise mundial iniciada em 2008 tem provocado perplexidades e alterações na compreensão dos fenômenos globais. As desigualdades econômicas

24 DUNFORD , Michael; YEUNG, Godfrey, “Towards global convergence: Emerging economies, the rise of China and western sunset?”. 2011 18: 22 , November, European Urban and Regional Studies. Sage.

Page 22: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 20 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

e de toda a natureza fazem com que ainda 1,57 bilhão de pessoas vivam em estado de “pobreza multidimensional”25. De todo modo, a partir das grandes transformações ocorridas nos países emergentes, liderados pela China, se novas concepções ainda se valem da concepção centro-periferia, com complexidades redobradas, uma questão se impõe: em que medida as realidades contidas no contexto das relações Norte-Sul, ou dos centros e periferias serão alteradas, junto com as suas interpretações?

25 PNUD (2013), Relatório do Desenvolvimento Humano 2013. A Ascensão do Sul. Progresso Humano num mundo diversificado. United Nations Development Programme.

Page 23: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 21 -

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASAMIN, Samir (1967), Le développement Du capitalisme em Côte-d’Ivoire, Paris : Ed. De Minuit.

CHASE-DUNN, Christopher (2007), Encyclopedia of Sociology. Edited by George Ritzer. London: Blackwell.

COSTA LIMA, Marcos (2013), “Reflexionando sobre Globalización y el Nuevo Orden Mundial”. Ciudad de Buenos Aires: Puente@Europa, Año XI, nº 1/Centro de Excelencia Jean Monnet, Universidad de Bologna, Representación en Argentina

______ (2011), Região e desenvolvimento no capitalismo contemporâneo. Uma interpretação crítica. São Paulo: Ed. UNESP.

______ (2008) “Revisitando a Teoria do Subdesenvolvimento de Celso Furtado”. Rio de Janeiro: Contratempo Editora e Centro Internacional Celso Furtado..

DUNFORD , Michael; YEUNG, Godfrey (2011), “Towards global convergence: Emerging economies, the rise of China and western sunset?”. European Urban and Regional Studies. November, Sage.

EMMANUEL, Arghiri, (1969), L’échange inegal. Essai sur les antagonismes dans lês rapports économiques internationaux, Paris: Maspero.

FIORI, José Luis,(2001), “Sistema Mundial: império e pauperização para retomar o pensamento crítico latino-americano”. In: FIORI, J. L.; MEDEIROS, C. (Orgs.) Polarização mundial e crescimento. Petrópolis: Vozes

FUJITA, M.; KRUGMAN, P.; MORI., T (1999), “On the evolution of hierarquical urban systems”. European Economic Review, v.43, p.209-251.

FURTADO, Celso (1976), Prefácio a Nova Economia Política. Rio de Janeiro, Paz e Terra,

______ (1983), Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Abril Cultural.

______ (1998), Capitalismo Global. São Paulo: Paz e Terra.

_______ (2000) Introdução ao Desenvolvimento. Enfoque histórico-estrutural. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

GUNDER FRANK, A, (1966), The Development of Underdevelopment. Monthly Review Press.

HIRSCHMAN, Albert, (1958), The Strategy of Economic Development: Yale University Press.

Page 24: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 22 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

MYRDAL, G. (1957), Economic Theory and Underdeveloped Regions, Harper and Row.

PERROUX, François, (1969), L´économie du XXème Siècle, Paris:PUF.

PNUD (2013), Relatório do Desenvolvimento Humano 2013. A Ascensão do Sul. Progresso Humano num mundo diversificado. United Nations Development Programme

PREBISH, Raúl, (1949), “O desenvolvimento econômico da América Latina e alguns de seus principais problemas” , CEPAL.

______ (1964), Dinâmica do desenvolvimento latino-americano. Rio de Janeiro: Editora Fondo de Cultura, 1964..

ROSENSTEIN-RODAN, Paul N. (1943), “Problems of Industrialization of Eastern and South-eastern Europe.” Econ. J. 53, 202-11, June-September.

SITGLITZ, Joseph, (2012), The Price of Inequality. How today’s divided society endangers our future, New York, W.W.Norton & Company.

WALLERSTEIN, Immanuel, (1974), The Modern World-System, vol. I: Capitalist Agriculture and the Origins of the European World-Economy in the Sixteenth Century. New York/London: Academic Press.

W.W. Rostow, (1958), The Stages of Economic Growth: A Non-Communist Manifesto (Cambridge: Cambridge University Press.

Recebido em Abril de 2015 Aprovado em Maio de 2015

Page 25: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 23 -

NOTAS SOBRE A TEORIA SOCIAL DA POLÍTICA INTERNACIONAL DE

ALEXANDER WENDT1

NOTES ON THE SOCIAL THEORY OF INTERNATIONAL POLITICS OF

ALEXANDER WENDT

Flavio Elias Riche2

RESUMO:O presente artigo busca analisar a teoria de Alexander Wendt a partir de sua principal obra, “Social theory of international politics”. Uma vez que o autor realizou uma mudança radical em seu pensamento, torna-se relevante esse esforço a fim de poder comparar, em um próximo artigo, os pontos centrais de sua proposta original com a sua “Ciência Social Quântica”.

PALAVRAS-CHAVE:Alexander Wendt, Construtivismo, Política Internacional, Teoria, Metateoria.

ABSTRACT:This article aims to analyze Alexander Wendt´s theory based on his major work, “Social theory of international politics”. Since Wendt shifted his though radically, it is important to make this effort, in order to, in a forthcoming paper, compare Wendt´s original main ideas with his current “Quantum Social Science”.

KEYWORDS:Alexander Wendt, Constructivism, International Politics, Theory, Metatheory.

I. Questões introdutóriasO presente artigo busca analisar a teoria de Alexander Wendt tal como

disseminada a partir de sua principal obra, “Social theory of international politics” (STIP), com ligeiras alterações subsequentes. Consideramos o esforço relevante, não somente pelo impacto do construtivismo wendtiano na teoria das relações internacionais – especialmente em função do contexto proporcionado

1 Esse artigo foi escrito a título pessoal e não reflete necessariamente as posições oficiais do Ministério das Relações Exteriores2 Diplomata de carreira. Doutor em Relações Internacionais (UnB) e Mestre em Ciências Jurídicas (Puc-Rio).

Page 26: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 24 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

pelo terceiro grande debate –, mas também pela mudança operada por Wendt a partir da publicação, em 2006, de “Social theory as a Cartesian science: an auto-critique from a quantum perspective”3, quando o autor faz uma revisão radical de seu pensamento por meio da combinação de princípios da mecânica quântica e de aportes inovadores desenvolvidos a partir das ciências da mente4.

Optou-se por trabalhar de forma mais direta com os textos de Wendt e incidentalmente com obras de comentadores. A referida escolha tem por objetivo centrar o debate na teoria das relações internacionais de Wendt, tal como o autor a concebeu, de modo a servir de contraste para o desenvolvimento de um próximo artigo dedicado àquilo que denominamos de “guinada quântica” em seu pensamento (RICHE: 2012).

Nos itens II e III serão detalhados aspectos epistemológicos e ontológicos essenciais para a elaboração da proposta construtivista wendtiana. Nos itens IV, V e VI, será analisada a aplicação de sua proposta construtivista à política internacional propriamente dita.

II. Epistemologia positivista e ontologia pós-positivista O argumento central de STIP consiste em sustentar que a adoção de uma

ontologia específica – no caso dele idealista, ou pós-positivista – não tem efeitos deterministas sobre a posição epistemológica a ser defendida. Na verdade, a maior parte do seu livro trata de assuntos correlatos à ontologia. Entretanto, visto que o autor pretende construir uma ligação entre positivismo e pós-positivismo, a parte inicial de STIP é dedicada para tratar de problemas epistemológicos5.

Tomando por base o realismo científico, Wendt procura demonstrar a possibilidade de: desenvolver pesquisas sociais científicas não obstante a adoção de teorias construtivistas (o argumento de Wendt aqui é direcionado a críticas pós-positivistas) e realizar considerações ontológicas sobre “inobserváveis” (neste caso, procura-se refutar críticas empiricistas).

O realismo científico – ao qual Wendt também se refere simplesmente pelo termo “realismo” – possui as seguintes premissas (WENDT: 1999, 47):

3 O texto já circulava como “paper” desde 2004. Posteriormente, tornou-se capítulo do livro “Constructivism and international relations: Alexander Wendt and his critics”, publicado pela editora Routledge em 2006.4 Para conhecer melhor essa proposição do autor, além de WENDT: 2006, cf.: WENDT: 2010; WENDT: 2015; e RICHE: 2012.5 “Given my idealist ontological commitments, therefore, one might think that I should be firmly on the post-positivist side on this divide, talking about discourse and interpretation rather than hypothesis testing and objective reality. Yet, in fact, when it comes to the epistemology of social inquiry I am a strong believer in science – a pluralistic science to be sure, in which there is a significant role for ‘Understanding’, but science just the same. I am a ‘positivist’. In some sense this puts me in the middle of the Third Debate, not because I want to find an eclectic epistemology, which I do not, but because I do not think that an idealist ontology implies a post-positivist epistemology. [grifos nossos]” (WENDT: 1999, 39-40).

Page 27: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 25 -

(i) O mundo existe independemente dos seres humanos (distinção entre sujei-to e objeto).(ii) Teorias científicas amadurecidas devem se referir a esse mundo.(iii) A qualidade inobservável de um objeto não é suficiente para a refutação da premissa anterior.

Posto em uma sentença, A teoria reflete a realidade e não a realidade reflete a teoria (WENDT: 1999, 47). Logo, para o realismo, a ontologia precede a epistemologia: “The world is what it is, wether we see it or not.” (WENDT: 1999, 52).

Na visão de Wendt, a maioria dos pesquisadores em relações internacionais (RI) seriam realistas tácitos6, ainda que, paradoxalmente expressassem por vezes posições antirrealistas. Isto porque a natureza representa a fundação material da sociedade, mesmo que esta não se reduza àquela (WENDT: 1999, 51). Essa contradição aparente decorre, segundo Wendt, da ênfase dada à epistemologia nas relações internacionais. Ocorre que, para mudar o fiel da balança em prol da ontologia, seria preciso o desenvolvimento de uma argumentação epistemológica sólida, qual seja: o estado e o sistema de estados são reais e, muito embora inobserváveis, passíveis de apreensão científica (WENDT: 1999, 48).

A este respeito, duas críticas antirrealistas merecem destaque. A primeira questiona se as teorias científicas de fato proveem conhecimento sobre uma realidade exterior.

Sua versão mais moderada, de ordem empiricista, consiste em fazer com que a epistemologia preceda a ontologia a fim de sustentar a impossibilidade de teorizar a respeito de inobserváveis. Consequentemente, estado e sistema de estados seriam na melhor das hipóteses ficções úteis, mas jamais estruturas dotadas de realidade. Sua versão radical, de filiação pós-moderna, afirma ser possível questionar a existência em um mundo exterior inclusive de entidades observáveis, pois as mesmas decorrem comumente de uma prática discursiva. Nesse caso, epistemologia e ontologia se equivalem, de modo que o mundo seria construído por teorias em uma acepção quase literal (WENDT: 1999, 49).

A segunda crítica antirrealista sustenta que muito embora se possa conhecer a natureza por meio da ciência, o mesmo não é possível quando o objeto é a sociedade: “On this view, even if we can be realists about nature, a ‘realism about ideas’ is incoherent, and as such there can be no via media between positivist and post-positivist approaches to social science.” (WENDT: 1999, 50).

6 A posição de Wendt aqui deve ser vista contextualizada, no sentido de que um de seus objetivos com semelhante afirmação seria redirecionar o terceiro debate. Isto porque, se tanto positivistas quanto pós-positivistas são realistas – com a diferença de que enquanto aqueles o são de forma expressa, estes o são de forma tácita –, então não há muito sentido em se discutir problemas de ordem epistemológica. A seu ver, “The debate should be about what the international world is made of – ontology – not how can we know it.” (WENDT: 1999, 90).

Page 28: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 26 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Conforme o autor reconhece, o problema maior nesse caso não é levantado por empiricistas, mas por construtivistas, na medida em que, ao postularem que os tipos sociais são compostos por ideias, terminam por inferir a impossibilidade de utilização da distinção sujeito/objeto, sob a qual o realismo se funda. Ademais, aplicam a dicotomia explicar (erklären)/entender (verstehen), para dissociar as ciências sociais do realismo, alegando que o mesmo é compatível tão somente com efeitos causais, quando os efeitos decorrentes das ideias são predominantemente constitutivos.

Com base nesse quadro geral, Wendt procura explicitar a epistemologia por ele adotada. Para tanto, o autor retoma a definição do realismo supramencionada, recordando que a mesma representa uma forma de filosofia da ciência e, enquanto tal, não é capaz de responder a questões de primeira ordem (empíricas): “Realism makes it possible to concieve of states and states systems as real and knowable, but it does not tell us that they exist, what they are made of, or how they behave.” (WENDT: 1999, 51). Não se trata, portanto, de uma teoria social.

Após detalhar as duas principais premissas do realismo científico – independência do mundo e necessidade de referência a esse mundo por uma teoria que se pretenda científica (WENDT: 1999, 52-60) – Wendt se debruça sobre o principal óbice levantado por empiricistas e pós-modernistas à aplicação do realismo nas RI, isto é, a capacidade de uma teoria prover conhecimento sobre referentes não observáveis.

Na medida em que semelhante raciocínio poderia implicar a falácia do argumento realista segundo o qual a realidade condiciona as teorias (ainda que não as determine) – também formulado sob a roupagem “a ontologia condiciona a epistemologia” –, Wendt procura rejeitar o entendimento antirrealista de que, perante os inobserváveis, somente seria possível uma posição teórica instrumentalista. O problema, contudo, é que na medida em que se desprovê o inobservável de existência real, abre-se espaço para uma forma especulativa de raciocínio, ou, como define o autor, “‘as if ’ thinking”:

“If theories are merely instruments for organizing experience, then it does not matter whether their assumptions are realistic. The task of theory becomes me-rely to predict successfully or ‘save the phenomena’. The problem is that just because a process can be modeled ‘as if ’ it works a certain way does not mean that it in fact works that way. If our view of science makes successful explana-tion dependent on successful prediction, and nothing else, then insofar as we believe that there is a world independent of thought we may never get around to explain how it really works.” (WENDT: 1999, 61).

Como alternativa, Wendt propõe a defesa do status ontológico dos inobserváveis por meio da inferência à melhor explicação (“inference to the best explanation”, ou simplesmente IBE). Segundo os realistas, a IBE não fornece

Page 29: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 27 -

o mesmo nível de certeza que a dedução lógica. Contudo, enquanto forma de indução, estaria presente no núcleo-duro do método científico, capaz de produzir um conhecimento seguro sobre objetos não observáveis.

Em termos práticos, a inferência à melhor explicação pode ser aplicada mediante perguntas do tipo: “Is it reasonable to infer the existence of the state from the activities of people calling themselves customs officials, soldiers, and diplomats, given that state theory is our best satisfactory explanation of these activities yet might turn out to be wrong?” (WENDT: 1999, 62).

Com isso, ainda que a premissa sobre o condicionamento das teorias não seja refutada, é certo que a teoria passa a ter maior peso ao tratar de categorias inobserváveis. Wendt não rejeita esse fato, mas tão somente recorda que admitir estar a própria observação, até certo ponto, imbuída de teoria, não implica aceitar qualquer espécie de relação determinística subjacente (WENDT: 1999, 63).

Uma vez aceita a defesa oferecida pelo autor, ainda resta um último desafio ao realismo científico: provar sua aplicabilidade a tipos sociais: “Realism about natural science is based on a materialist ontology, whereas the nature of social kinds seems to imply na idealist or nominalist one.” (WENDT: 1999, 68). De forma mais precisa, a primeira premissa do realismo científico, relativa à existência do mundo independentemente da ação humana, pareceria, a princípio, contradizer a própria essência de um tipo social.

A fim de provar o contrário, Wendt procura primeiramente estabelecer uma distinção entre tipos naturais e tipos sociais, baseado em quatro critérios (WENDT: 1999, 69-74):

(i) Tipos sociais são mais peculiares do ponto de vista espaço-temporal, quan-do comparados a tipos naturais.(ii) Ao contrário dos tipos naturais, os tipos sociais possuem sua existência vinculada a ideias compartilhadas pelos atores.(iii) Na mesma linha, tipos sociais dependem de práticas humanas.(iv) O reducionismo muitas vezes aplicado aos tipos naturais não seria viá-vel no caso dos tipos sociais, pois estes são dotados tanto de estrutura interna quanto de estrutura externa (aspecto relacional).

Frente aos desafios impostos por esses fatores, a solução do autor consiste em postular que, não obstante baseados em ideias compartilhadas, os tipos sociais continuam objetivos. Aqui, três caminhos são possíveis. O primeiro consiste em enfatizar o papel exercido por forças materiais na constituição de tipos sociais, ainda que a relevância de uma base material na política internacional seja relativamente menor.

O segundo se funda no papel exercido pela auto-organização na constituição de tipos sociais. Se a auto-organização é um dos elementos que impedem, por exemplo, que a existência de um tipo natural seja negada, o mesmo

Page 30: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 28 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

ocorre com os tipos sociais, com a seguinte diferença: “[...] social kinds lie on a spectrum of varying combinations of internal, self-organization and external, social construction, the relative weights of which determine whether we should be realists or anti-realists about the term.” (WENDT: 1999, 74).

Para Wendt, entretanto, mesmo no caso de atores corporativos, como o estado, é possível verificar a existência de dinâmicas internas de grupo que, a despeito de serem incapazes de gerar auto-organização em absoluto, propiciam uma estrutura interna capaz de fazê-los agir no mundo de uma forma específica (WENDT: 1999, 75).

O terceiro caminho se resume à constatação de que tipos sociais podem depender de mentes e de discursos, mas na medida em que esse fenômeno não se dá no plano individual, e sim no plano coletivo – “Individuals do not constitute social kinds, collectives do.” (WENDT: 1999, 75) – sua constituição como fatos sociais objetivos torna-se mais plausível.

Dessa forma, Wendt afirma como regra a reificação dos tipos sociais sob a forma sujeito/objeto, ainda que ligeiramente obscurecida pelo papel exercido por teorias nas hipóteses de inobserváveis. Tal reificação só não seria aplicável em momentos de maior reflexividade, quando as coletividades adquiririam maior conscientização sobre os tipos sociais por elas constituídos, abrindo espaço para sua transformação.

Sendo possível a articulação entre positivismo (epistemologia) e pós-positivismo (ontologia), resta ainda a questão da abordagem científica dos tipos sociais. Neste ponto, é preciso aprofundar o pensamento de Wendt, uma vez que a menção a expressões como “reificação” ou mesmo “sujeito/objeto” pode levar a uma simplificação de sua teoria, caso não se reconheça a distinção feita pelo autor entre relações de causalidade e relações de constituição, fundamental para a compreensão do papel efetivo das ideias no meio social.

III. Sobre causalidade e constituição: o poder das ideias Em um primeiro momento, causalidade e constituição parecem oferecer

a melhor justificativa para a distinção entre as atividades desenvolvidas por cientistas naturais e por cientistas sociais. Enquanto os primeiros, segundo o mainstream positivista, desenvolvem explicações de ordem causal, os segundos, conforme pensam boa parte dos pós-positivistas, elaboram teorias de ordem constitutiva. Para Wendt, este é um mal-entendido responsável por boa parte da falta de comunicação entre as duas correntes, visto que ambas recorrem em suas teorias a elementos tanto causais quanto constitutivos:

Tome-se, por exemplo, o debate agente/estrutura, expresso de forma mais abstrata sob a forma individualismo/holismo. Perguntar como, ou até que ponto, agentes produzem (ou são produzidos por) estruturas, implica uma abordagem

Page 31: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 29 -

causal de um dos temas centrais da teoria social, na medida em que se pressupõe o estabelecimento de uma relação de interação entre unidades independentes (provavelmente com a prevalência de uma sobre a outra).

Grosso modo, dizer que A causa B, significa pressupor que: (i) A e B existem de forma independente; (ii) A antecede a B, temporalmente; (iii) eliminado A, B não ocorrerá (WENDT: 1999, 79). Todavia, pode ocorrer que na prática verifiquem-se (i) e (ii), mas não (iii). Nesse caso, do ponto de vista lógico, estaremos diante da falácia denominada falsa causa.

Por exemplo, quando se afirma que o rufar de tambores produziu a chuva, há a existência de dois entes independentes, assim como a precedência temporal, porém sem qualquer nexo de causalidade, uma vez que choveria de qualquer forma. Isso não significa, obviamente, que a referida prática seja desprovida de um sentido específico para determinado grupo social, podendo contribuir não apenas para o comportamento de seus membros, mas para a própria forma como suas identidades são construídas. Esta, contudo, é uma questão diversa.

A teorização constitutiva vai de encontro às premissas causais supracitadas, de modo a desenvolver um modelo de investigação científica no qual referências a variáveis dependentes e independentes – típicas de teorias causais – simplesmente não fazem sentido (WENDT: 1999, 85)7.

Fenômenos naturais e sociais estão sujeitos à constituição tanto pela sua estrutura interna quanto pela sua estrutura externa. A estrutura interna não representa a causa das propriedades associadas a um fenômeno, mas apenas responde, parcialmente, pela formação de suas propriedades, principalmente no caso dos tipos sociais.

Wendt, todavia, demonstra maior interesse no papel exercido por estruturas externas e discursivas na configuração dos tipos sociais, seja quando apenas designam seu significado – “[...] ‘treaty violations’ are constituted by a discourse that defines promisses, ‘war’ by a discourse that legitimates state violence, ‘terrorism’ by a discourse that delegitimates non-state violence.” (WENDT: 1999, 84) –, seja quando estabelecem uma relação de necessidade conceitual com outros tipos sociais – “[...] masters are constituted by their relationship to slaves, professors by students, patrons by clients.” (WENDT: 1999, 84).

Diferenciadas causalidade e constituição, faltaria ainda um empecilho indicado pelo autor, qual seja, o tratamento dado tanto por positivistas como por pós-positivistas ao tipo de relações e efeitos decorrentes dessas categorias em termos de um jogo soma-zero (WENDT: 1999, 85).

Wendt busca superar o obstáculo a partir de três proposições: (i) análises

7 “Causal and constitutive theories simply ask different questions. Causal theories ask ‘why?’ and to some extent ‘how?’. Constitutive theories ask ‘how-possible?’ and ‘what?’. These questions transcend the natural-social science divide, and so do the corresponding forms of theorizing.” (WENDT: 1999, 78).

Page 32: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 30 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

constitutivas são feitas por positivistas, ainda que de forma tácita ou secundária; (ii) estruturas sociais e ideias são capazes de gerar efeitos de ordem causal; (iii) teorias constitutivas precisam ser avaliadas em função de evidências empíricas, tanto quanto teorias causais: “All scientific theories must meet the minimum criterion of being in principle falsifiable on the basis of publicly available evidence.” (WENDT: 1999, 85 e 89).

A partir desse arcabouço, Wendt retoma a temática do debate entre materialistas e idealistas, porém com formulação outra. Conforme é destacado, neoliberais e neorrealistas concordam que boa parte dos eventos na política internacional podem ser explicados em termos de poder, interesse nacional e instituições. O desacordo existente diz respeito ao peso relativo desses fatores. Mais ainda, “[...] power, interests and even institutions are treated as idea-free baselines against which the role of ideas is judged.” (WENDT: 1999, 93). Dito de outro modo, haveria na síntese neo-neo não somente uma convergência para a explicação causal, mas também para a ênfase da preponderância de fatores materiais em suas teorias.

Quando conferido algum espaço às ideias, como no caso dos neoliberais, estas não raro assumem a forma de variável interveniente capaz de afetar apenas de forma secundária, ou mesmo residual – isto é, no espaço eventualmente deixado após os efeitos decorrentes do poder, interesse e instituições –, o comportamento dos atores.

Wendt contrapõe a esse aporte sua proposta construtivista, centrada em averiguar a extensão na qual ideias constituem causas consideradas puramente materiais por neoliberais e neorrealistas. A principal consequência de semelhante abordagem consiste em rejeitar a dicotomia ideias versus poder e interesse. Ideias constituem tanto o significado do poder quanto o conteúdo de interesses – e a sua distribuição no sistema representa um dos fatores mais importantes da política internacional (WENDT: 1999, 96).

Ao mesmo tempo, Wendt se afasta de versões construtivistas que conferem um pleno poder às ideias (ideas all the way down). Com base no realismo científico adotado, defende ele a existência de um materialismo residual (rump materialism), decorrente de forças materiais brutas – “[...] things which exist and have certain causal powers independent of ideas, like human nature, the physical environment, and, perhaps, technological artifacts.” (WENDT: 1999, 94) – e, portanto, indeclináveis.

Para o autor, o construtivismo não deveria desprezar a importância da natureza. Ocorre que, muito embora ideias não expliquem tudo per se, as forças materiais apenas produzem efeitos na política internacional por meio da interação com as mesmas: “[...] The distribution of power may always affect states’ calculations, but how it does so depends on the intersubjective understandings

Page 33: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 31 -

and expectations, on the ‘distribution of knowledge’.” (WENDT: 1992, 397). De forma mais simples, poder e interesse, longe de representarem forças materiais brutas, sempre irão pressupor ideias8.

IV. O estado como pessoa Ao discorrer sobre a personalidade do estado, Wendt inicia a aplicação

de seu construtivismo social à política internacional. Para o autor, é possível sustentar uma visão antropomorfizada do estado, assim como atribuir-lhe algumas qualidades, e.g., crenças, desejos e intencionalidade. Uma vez que fique clara a existência do estado como ator, Wendt procura identificar como a relação entre identidades e interesses fornece a base para uma definição de interesse nacional, a qual permite evitar postulados realistas recorrentes sobre o tema.

O ponto de partida consiste em reconhecer a precedência ontológica do estado sobre o sistema de estados: assim como o corpo humano é pré-social, o estado também o é. Ambos são constituídos por estruturas internas auto-organizáveis, seja biológica, seja social (WENDT: 1999, 198). Ocorre que, muito embora se adote aqui uma visão essencialista, Wendt procura minimizá-la o quanto possível, a fim de poder compatibilizar a proposta em questão com o construtivismo social por ele advogado: “[...] many of the qualities often thought to be inherent to states, like power-seeking and egoism, are actually contingent, constructed by the international system.” (WENDT: 1999, 198).

Com efeito, Wendt busca definir o que seria um “estado essencial”, isto é, apontar as características necessárias para que se possa afirmar a existência de um estado, passível de ser identificado como ator unitário. Consequentemente, o autor faz referência a três teorias do estado recorrentes no campo da ciência política: weberiana, pluralista e marxista. A contribuição da primeira para o conceito de estado defendido por Wendt concentra-se em seu tratamento como um agente organizacional, ontologicamente independente da sociedade. A segunda, por sua vez, traz à tona a importância da relação entre política interna e política externa. Finalmente, a terceira enfatiza o papel da estrutura de autoridade política que vincula o ator estatal e a sociedade, por meio de uma relação de mútua constituição.

Demonstrando maior influência de Weber, mas sem ignorar as abordagens pluralista e marxista, Wendt define o estado nos seguintes termos: “[...] an organizational actor that is internally related to the society it governs by a structure of political authority, which in effect rolls all three views up into

8 Basta, enfim, recordarmos uma citação que se tornou recorrente em artigos de RI: “500 British nuclear weapons are less threatening to the United States than 5 North Korean nuclear weapons.” (WENDT: 1995, 73).

Page 34: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 32 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

one.” (WENDT, 1999, 201). Como seu objetivo não consiste em analisar formas históricas dos estados, mas sim em prover uma base para o desenvolvimento de uma teoria sistêmica, Wendt pretende somente indicar os elementos de um estado essencial, isto é, aqueles fatores que seriam perceptíveis em qualquer estado, independentemente da época em questão.

Existiriam, portanto, cinco propriedades essenciais para a existência de um estado: (i) ordenamento institucional-legal; (ii) monopólio do uso legítimo da violência; (iii) soberania; (iv) sociedade; (v) território. Enquanto (i) diz respeito à teoria marxista do estado, (ii) e (iii) possuem filiação weberiana – sendo as mais relevantes para a defesa do estado enquanto ator –, e (iv) está associada à teoria pluralista. O item (v) seria um ponto de convergência entre as três teorias (WENDT, 1999, 202).

Não basta, contudo, abordar o estado como ator. A fim de evitar críticas antirrealistas, é preciso reforçar o status emergente do estado, sob o prisma ontológico. Com este fim, Wendt recorre à noção de agência corporativa, a qual viabilizaria um aporte antropomórfico do ente estatal.

Nesse sentido, o principal problema reside no fato de agentes corporativos serem inobserváveis: “[...] we never actually see the state. What we see is at most government, the aggregate of concrete individuals who instantiate a state at a given moment. State action depends on the actions of those individuals, since social structures only exist in virtue of the practices which instantiate them.” (WENDT: 1999, 216). De forma mais precisa, o estado é algo mais que uma ficção útil9 e a ação estatal não é mero fruto do somatório de ações governamentais individuais. O estado diz respeito a uma estrutura real que, apesar do status de inobservável, é plenamente capaz de gerar padrões de efeitos passíveis de apreensão empírica.

Até o momento, Wendt procurou demonstrar a realidade dos estados e sua irredutibilidade a unidades de análise que o compõem (indivíduos). Contudo, para que o círculo se complete, faltaria a intencionalidade, sem a qual não se poderia falar no estado como pessoa10. A fim de que isso seja possível, é preciso ao estado dar mostra de três atributos específicos: (i) agência corporativa, fundada na noção de conhecimento coletivo; estrutura decisória que (ii) institucionaliza11 e (iii) autoriza12 a ação coletiva (WENDT: 1999, 218)13.

9 “If John refuses to pay taxes on the grounds that the US state is merely a fiction, then he is likely to experience consequences just as real as he does when he stubs his toe in a table.” (WENDT: 1999, 216)10 Sobre eventuais problemas de uma visão antropomórfica do estado, cf. WENDT: 1999, 221-224.11 “To say that collective action is institutionalized is to say that individuals take it for granted that they will cooperate. The expectation of cooperation is sufficiently deep that their collective action problem is solved.” (WENDT: 1999, 219).12 Autorização nada mais significa que a possibilidade das ações individuais serem constituídas como as ações de um todo coletivo, personificado no ator estatal (WENDT: 1999, 220).13 Em texto mais recente (WENDT: 2004), o autor realiza algumas atualizações em sua concepção do

Page 35: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 33 -

Para finalizar esse item, resta abordar o tema das identidades e interesses do estado como ator. Filosoficamente, a identidade seria tudo aquilo que torna uma coisa o que ela é. Wendt prefere, no entanto, restringir o conceito, de modo a considerar a identidade como uma propriedade de atores providos de intencionalidade, responsável pela produção de predisposições comportamentais e motivacionais (WENDT: 1999, 224).

Com isso, a identidade seria uma qualidade subjetiva, fundada na percepção que o ator tem de si mesmo. Ao mesmo tempo, dependeria do modo pelo qual esse ator é representado pelos demais, denotando, portanto, um caráter intersubjetivo: “John may think he is a professor, but if that belief is not shared by his students then his identity will not work in their interaction.” (WENDT: 1999, 224). Logo, a identidade é constituída por estruturas internas e externas, composta por ideias tanto do ego quanto do alter.

Uma vez que as identidades não explicam sozinhas as ações tomadas pelos atores, Wendt busca inserir no debate o tema dos interesses. Identidades implicam interesses, mas não se reduzem a estes. Se as identidades dizem respeito àquilo que os atores são, representando designações de tipos sociais e estados do ser, os interesses se referem ao que os atores querem e, portanto, representam as motivações que auxiliam na explicação do comportamento dos agentes (WENDT: 1999, 231). Posto de forma clara, os interesses são pressupostos pelas identidades por uma simples razão: se eu não sei quem eu sou, não terei meios de precisar aquilo que desejo.

Assim como há variações nas formas de identidade, o mesmo ocorre com os interesses. Neste caso, Wendt apenas diferencia interesses objetivos – imperativos funcionais indispensáveis para a reprodução de uma identidade – de interesses subjetivos – crenças dos atores sobre como alcançar suas necessidades identitárias, sendo que estas configuram, no fundo, a motivação mais imediata

estado como pessoa. O escrito em questão tem como objetivo extrapolar o referido argumento a fim de verificar a possibilidade de o estado, além de um ator corporativo intencional, possuir outras qualidades comumente associadas à personalidade, quais sejam: a qualidade de organismos, entendidos enquanto formas de vida, e a existência de consciência coletiva, entendida enquanto experiência subjetiva estatal (WENDT: 2004, 291). Wendt afirmará que, no caso do estado, sua definição enquanto pessoa poderia dar-se apenas nos seguintes termos: um superorganismo (mas não um organismo), desprovido de consciência coletiva (entendida como first-person experience, ou simplesmente subjetividade), porém dotado de intencionalidade. Além disso, se em STIP o autor chega a falar em emergência (WENDT: 1999, 221) para caracterizar as relações entre o estado e seus componentes (ainda que sem aprofundar o conceito), em The state as a person Wendt se contenta com a superveniência, a seu ver suficiente para sustentar o argumento a favor da realidade estatal. É verdade que tudo isto pode parecer, de certa maneira, mais distante que o desejável da realidade internacional. Todavia, a intenção de Wendt com o recente artigo foi justamente levar o realismo subjacente à personalidade estatal às últimas consequências, para em seguida considerar a melhor alternativa cientificamente viável: “[...] before we accept only a limited realism about state persons, we should at least consider what a more robust one might look like.” (WENDT: 2004, 292). Posto em uma frase, limites e possibilidades do estado como pessoa.

Page 36: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 34 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

para o respectivo comportamento.O problema surge, contudo, uma vez que, a fim de atender a necessidades

decorrentes de sua identidade, o agente pode deparar-se com um caso de contradição entre interesses objetivos e subjetivos. Wendt cita o seguinte exemplo:

“To successfully reproduce her identity, a beginning professor must typically have two interests: to publish and to teach. How should she weight them? That will depend on both personal and contextual factors, but the possibil-ity of mistakes – not just in behavior but in how she defines her interests in the first place – is very real. If she is disposed to understand her interests, however, she will proceed as a lay scientist, using a combination of Reason and Experiment to continually test whether her beliefs about her interests are helping her enact the identity of ‘professor’. This might not become clear for several years during which she may face structural uncertainty about whether the subjective and objective interests are properly aligned – and this is an example where the implications of an identity are relatively well defined.” (WENDT: 1999, 233).

No caso de atores corporativos, como o estado, a situação se torna mais complexa, dado o maior leque de consequências de suas identidades para seus interesses correspondentes. Muito embora o autor defenda a necessidade de uma compatibilização entre interesses objetivos e subjetivos, ao abordar o tema do interesse nacional, Wendt tem em mente a primeira modalidade.

Assim, o interesse nacional seria definido a partir de alguns requisitos fundamentais para a reprodução da identidade estatal: (i) sobrevivência física; (ii) autonomia; (iii) bem-estar econômico; e (iv) auto-estima coletiva (WENDT: 1999, 235-237).

O que importa aqui, em última instância, é a recusa de Wendt em aceitar os interesses como plenamente pré-sociais (crítica tanto a neoliberais quanto a neorrealistas) sem, contudo, implicar uma visão do estado como tabula rasa (WENDT: 1999, 234), na qual qualquer interesse poderia ser inscrito (crítica ao construtivismo radical). Constitui, portanto, uma postura coerente com as premissas gerais de seu construtivismo social.

Com isso, Wendt oferece a base para rejeitar um dos postulados mais caros ao realismo: a definição do estado como um ator guiado, por natureza, pelo autointeresse, isto é, por um agir puramente instrumental perante os demais estados, vistos sempre como objetos, como meios, e jamais como fins em si mesmos. Mais precisamente, onde os realistas veem determinismo (natureza), Wendt vê relativa contingência (cultura), motivo pelo qual o estudo do processo de formação dos interesses estatais passa a adquirir particular destaque: “Self-interest is not an intrinsic property of actors, like having blue eyes or brown hair, but a contingent belief about how to meet needs that gets activated in relation to specific situations and Others, and as such it is culturally constituted.” (WENDT:

Page 37: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 35 -

1999, 240). Ainda que haja uma espécie de viés por parte do sistema internacional no

sentido de corroborar a tese realista, Wendt simplesmente assinala a possibilidade de superação de pressões sistêmicas em prol do autointeresse, transformação esta que, a seu ver, já estaria em andamento, ainda que não de forma generalizada. Para compreender as implicações desse raciocínio, é preciso, antes, atingir o coração do neorrealismo14.

V. As culturas de anarquia e o sistema de estados O estado representa um ator central na política internacional, cujas ações

não podem ser sopesadas em detrimento da estrutura na qual se encontra inserido, estrutura esta marcada pela anarquia, entendida enquanto a ausência de uma autoridade centralizada. A princípio, esse trecho parece reproduzir argumentos tipicamente neorrealistas, indo de encontro a qualquer forma de construtivismo. Este, porém, não é o caso.

De fato, Wendt confere papel de destaque para o estado e para a análise estrutural. Porém, diversamente do neorrealismo, Wendt acredita que as propriedades dos agentes (identidades e interesses) são socialmente construídas (até determinado ponto) e a estrutura da qual fazem parte é eminentemente cultural (dada a existência de certo materialismo residual). Nesse contexto, as relações estabelecidas entre agente e estrutura, assim como seus respectivos efeitos, são também constitutivas, e não apenas causais. Reconhecidos esses pontos, é preciso ainda revisitar o significado da anarquia para as RI.

Posto de forma resumida, a visão predominante da anarquia na política internacional decorre do entendimento neorrealista, que a caracteriza como o princípio ordenador de um sistema que, justamente por ser desprovido de uma autoridade central, tende a produzir balanças de poder, corridas armamentistas e, em última instância, a guerra. Em outras palavras, a anarquia possuiria uma única lógica, qual seja, a autoajuda: “Self-help is necessarily the principle of action in an anarchic order.” (WALTZ: 2010, 111).

Diversamente, Wendt argumenta que o conceito neorrealista de anarquia – isto é, inexistência do monopólio legítimo e organizado do uso da força no plano internacional – não implica a adesão às conclusões propostas por essa corrente de pensamento: “Anarchy as such is an empty vessel and has no intrinsic logic; anarchies only acquire logics as a function of the structure of what we put

14 Não custa lembrar que um dos objetivos principais de Wendt consiste em desenvolver uma teoria do sistema de estados capaz de se contrapor ao neorrealismo de Kenneth Waltz . Não é por acaso que seu livro é intitulado “Social theory of international politics” – basta recordar o título da obra de Waltz publicada originalmente em 1979, “Theory of international politics”, para se ter uma impressão da importância que o neorrealismo possui para o desenvolvimento da proposta construtivista de Wendt

Page 38: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 36 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

inside them.” (WENDT: 1999, 249).Dessa forma, haveria ao menos três possíveis estruturas no nível macro

para a anarquia, conforme o papel preponderante em um sistema – inimigos, rivais ou amigos. Inspirado na escola inglesa – principalmente em autores como Martin Wight15 e Hedley Bull –, Wendt denomina essas estruturas (entendidas sob o prisma cultural) da seguinte forma: hobbesiana, lockeana e kantiana16.

Contudo, como bem percebe Wendt, abordar as possíveis estruturas anárquicas enquanto culturas, não basta para demonstrar como as mesmas contribuem para a construção de seus respectivos agentes: os estados. Para tanto, é preciso igualmente verificar os motivos pelos quais os atores são levados a observar normas de estruturas das quais fazem parte: força, autointeresse e legitimidade. O que está em jogo aqui nada mais é que o grau de internalização da norma.

O cruzamento entre as culturas e os graus de internalização ofereceria, em última instância, os possíveis cenários de um sistema internacional anárquico: “The structure and tendencies of anarchic systems will depend on which of our three roles – enemy, rival, and friend – dominate those systems, and states will be under corresponding pressure to internalize that role in their identities and interests.” (WENDT: 1999, 249). O gráfico abaixo sintetiza as relações entre culturas e internalização de normas:

15 Wight desenvolveu um estudo célebre sobre as três tradições na teoria internacional. Segundo o autor da escola inglesa, em um extremo estaria a tradição realista, tendo como referências principais Maquiavel e Hobbes, fundada, ademais, na autonomia do interesse nacional. Em outro extremo estaria a tradição “revolucionista”, cuja maior referência seria Kant, onde importaria o interesse da fraternidade entre a humanidade, de modo que o interesse das partes não poderia sobrepor-se ao interesse do todo. Entre ambas, encontrar-se-ia a tradição racionalista, que toma Grotius como referência basilar e admite a busca do interesse nacional pelos estados, porém com ajustamentos, decorrentes, por exemplo, da necessidade de respeito aos interesses dos demais entes. Apenas para ilustrar e fornecer um parâmetro de comparação com a discussão proposta por Wendt, eis o entendimento do autor sobre como se deve conceber as relações entre as três tradições: “The three traditions are not like three railroad tracks running into infinity. They are not philosophically constant and pure like three stately, tranquil and independent streams. [...] They are streams, with eddies and cross-currents, sometimes interlacing and never for long confined to their own river bed. They are, to change the metaphor, interwoven of tapestry of Western civilization. They both influence and cross-fertilize one another and they change, although without, I think, losing their inner identity.” (WIGHT: 1991, 260). 16 Muito embora a menção de autores clássicos da teoria política tenha uma função mais simbólica do que propriamente vinculante ao pensamento de cada um deles (WENDT: 1999, 247).

Page 39: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 37 -

Figura 1.17

Na cultura hobbesiana, os estados possuem conhecimento compartilhado em pelo menos três aspectos: (i) os demais atores com que lidam também são estados; (ii) tais estados representam grave ameaça à sua própria existência; (iii) há relativo reconhecimento de formas de se lidar com inimigos, isto é, como promover a guerra, como fazer uso da coação, como recorrer à balança de poder para dissipar ameaças emergentes (WENDT: 1999, 268).

Predominaria nessa cultura o papel de inimizade, onde a postura do ego com relação ao alter se funda na possibilidade de uso ilimitado da violência, tendo em vista que este é visto por aquele como uma permanente ameaça: “Enemies are constituted by representations of the Other as an actor who (1) does not recognize the right of the Self to exist as an autonomous being, and therefore (2) will not willingly limit its violence toward the Self.” (WENDT: 1999, 260).

Quanto aos graus de internalização, o primeiro (e menos denso) corresponderia pura e simplesmente à força, corroborando a hipótese do realismo clássico, de modo que os atores agiriam conforme uma norma mais por razões externas que internas: “In this situation [...] it is private meanings plus material coertion rather than culture which does most of the explanatory work.” (WENDT: 1999, 269). Ou seja, uma vez retirado o instrumento que compele um estado a observar certa norma, a mesma passaria a ser violada, tendo em conta que esse grau de internalização não chega mesmo a contemplar o autointeresse: obedeço porque sou obrigado.

O fator distintivo entre os dois primeiros graus de internalização – a força e o autointeresse – reside na ideia de escolha. No primeiro caso, é quase

17 Adaptado de WENDT: 1999, 254.

Page 40: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 38 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

como se os atores não tivessem outra opção, tendo em conta que a rejeição de determinada norma poderia colocar em risco sua própria existência; no segundo caso, é possível ao ator conferir sentido à adesão a uma norma, ainda que em termos puramente instrumentais e estratégicos, visto que tal ação se reduz a um meio para a consecução de um fim específico. Obedeço porque me beneficio.

Aqui, a dimensão interna começa a ganhar peso, muito embora pouco comparável ao que ocorre no último grau (legitimidade). De qualquer modo, importa que a internalização movida pelo autointeresse é um nível no qual se torna necessário aos agentes justificarem seus comportamentos devido a expectativas compartilhadas. Na cultura hobbesiana, a raison d´état seria sua materialização mais recorrente (WENDT: 1999, 271).

No terceiro grau de internalização, a ideia de interesse ainda se faz presente, porém não como antes. Perde-se sentido falar em autointeresse, pois self e other, até então vistos como antagônicos, passam a se constituir mutuamente, de forma que os motivos que levam um ator a seguir uma norma se tornam minimamente externos e precipuamente internos. Em suma, o outro deixa de ser um objeto para o self, ao mesmo tempo em que as normas passam a ser vistas como legítimas, representantes de interesses coletivos. Interessante notar que apenas quando há a referida legitimidade é que se pode afirmar que normas constroem agentes. Portanto, o construtivismo social de Wendt está intimamente associado ao terceiro grau de internalização. Obedeço porque concordo.

À primeira vista, parece contraditório associar um nível tão aprofundado de incorporação normativa com a cultura hobbesiana. O senso-comum parece ditar que esta seria compatível apenas com o plano da força e da coerção, tendo em conta que os atores assumem o papel de inimigos. De acordo com Wendt, essa contradição se resolveria a partir da constatação de uma limitação material por parte dos estados, qual seja, a falta de poder suficiente para que destruam uns aos outros de forma definitiva. Na medida em que os estados passam a reconhecer esse fato, a inimizade passa a ser vista, além de necessária, como legítima: “Power politics is now not just a means but an end in itself, a value constituted collectively as ‘right’, ‘glorious’ or ‘virtuous’.” (WENDT, 1999, 274).

Em termos concretos, complexos militares industriais poderiam ser vistos como exemplos de uma relação simbiótica entre inimigos, ocupando o quadrante superior à ocupando o quadrante superior ‘e uma simbiose entre inimigos zade deixa de ser vista apenas como necesss de forma definitiva. esquerda na figura 1 (WENDT, 1999, 275). No caso da Guerra Fria, para muitos, teria havido interesse comum por parte das duas superpotências no exercício do papel de inimigos, dado que a descrição e a exacerbação do outro como uma ameaça real terminava por beneficiar cada uma das partes, justificando, no que se refere a gastos militares, a adoção de medidas igualmente excessivas.

Page 41: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 39 -

Quando há o predomínio da cultura lockeana, equivalente à sociedade anárquica de Hedley Bull18, a lógica hobbesiana de kill or be killed dá lugar a um cenário ainda anárquico, porém mais ameno – live and let live (WENDT: 1999, 279). Ao invés de inimigos, têm-se rivais, competidores que usam a violência para garantir seus interesses, evitando, contudo, a destruição recíproca.

Na rivalidade, as representações sobre ego e alter relativas à violência ainda são responsáveis pela constituição dos agentes. Contudo, há uma expectativa entre os rivais no sentido de que suas respectivas ações respeitarão a soberania dos demais atores, tomando a vida e a liberdade como um direito. De certo modo, o direito à propriedade também seria minimamente respeitado, em razão da fundamentação territorial da soberania estatal (WENDT: 1999, 279). Ao mesmo tempo, ainda não é o caso da renúncia ao uso da força na resolução de controvérsias interestatais, postura esta pertencente, na verdade, ao papel de amizade.

Afirmar que os estados possuiriam direitos, ainda que limitados, significa reconhecer que, dentro da cultura lockeana, há relativa autorrestrição por parte do outro, tendo em conta seu consentimento relativo a certos poderes inerentes ao self. Aplicado semelhante raciocínio ao conceito de soberania, cria-se um cenário mais propício para o desenvolvimento do direito internacional:

“When states recognize each other’s sovereignty as a right then we can speak of sovereignty not only as a property of individual states, but as an institution shared by many states. The core of this institution is the shared expectation that states will not try to take away each other’s life and liberty. In the Westphalian system this belief is formalized in international law, which means that far from being merely an epiphenomenon of material forces, international law is actu-ally a key part of the deep structure of contemporary international politics. Despite the absence of centralized enforcement, almost all states today adhere to this law almost all of the time.” (WENDT: 1999, 280 e 281).

18 Bull bem percebera, em período anterior ao desenvolvimento do construtivismo social de Wendt, a fraqueza de alguns postulados realistas que, em última instância, impediriam o recurso à noção de ordem na política internacional: (i) o sistema internacional se assemelharia ao estado de natureza hobbesiano; (ii) a impossibilidade de se falar em ordem sem um governo supremo; (iii) a analogia entre a anarquia no plano interno e no plano internacional. Bull refuta tais premissas ao afirmar: “Para comparar as relações internacionais com um hipotético estado de natureza pré-contratual entre os indivíduos, podemos escolher não a descrição de Hobbes, mas a de Locke. Ele concebe o estado de natureza como uma sociedade sem governo, oferecendo-nos assim uma analogia estreita com a sociedade de estados. […] Embora se possa dizer que o governo é uma condição necessária para impor a ordem entre os indivíduos, há boas razões para sustentar que a anarquia entre os estados é até certo ponto tolerável, mas o mesmo não acontece com a anarquia entre os indivíduos.” (BULL: 2002, 60). Ao mesmo tempo, reconhece o autor que há limitações à dimensão social do sistema de estados, em função da anarquia: “O elemento da sociedade internacional é real, mas os elementos do estado de guerra e das lealdades e divisões transnacionais são também reais, e é uma ilusão reificar o primeiro elemento, ou vê-lo como se anulasse o segundo e o terceiro.” (BULL: 2002, 63).

Page 42: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 40 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Entretanto, não se pode falar ainda em um sistema efetivo e pleno de império do direito (rule of law), pois é lícito aos estados recorrerem à violência na resolução de suas contendas. O que está em jogo, na verdade, é o nível de violência que os atores esperam uns dos outros – a partir de agora passível de ser concebido com limites.

No que diz respeito à política externa dos estados, a rivalidade traria consigo quatro consequências principais: (i) tendência para o respeito à soberania alheia, mesmo quando haja o uso da força entre atores; (ii) possibilidade de ganhos absolutos sobrepujarem o contexto de perdas relativas, uma vez que a soberania, como instituição, torna a segurança menos escassa; (iii) o poder militar ainda possui importância, muito embora relativa, pois os estados não têm a existência ameaçada em uma cultura lockeana; (iv) quando a guerra se mostra como caminho inevitável para resolução de disputas, os atores limitarão sua própria violência (WENDT: 1999, 282).

Por sua vez, os três graus de internalização das normas em uma cultura lockeana poderiam ser analisados a partir das respectivas respostas à seguinte pergunta: qual a diferença da soberania para o sistema internacional? (WENDT: 1999, 286).

No primeiro nível, a soberania alheia é respeitada apenas em função de um poder superior, que pode ser exercido de forma direta, por uma coalizão de países (como ocorreu após a invasão do Kuaite pelo Iraque), ou de forma indireta, onde recursos como a balança de poder tornam os custos de oportunidade para a violação da soberania de um terceiro estado consideravelmente elevados.

Com isso, a capacidade explicativa das forças materiais sobrepuja a das ideias compartilhadas, visto que determinados estados não aceitam a soberania como instituição. Para Wendt, importa notar que esse grau de internalização não logra conferir estabilidade à cultura lockeana, a qual poderia rapidamente degenerar para uma cultura hobbesiana (WENDT: 1999, 286 e 287).

A durabilidade da cultura decorrente da Paz de Westfália, conforme Wendt, sugeriria que as respectivas normas teriam sido internalizadas para além da mera coerção. Assim, o segundo nível, coerente com os postulados neoliberais, sustentaria que os estados observariam a soberania dos demais como forma de garantirem seus próprios interesses (exógenos, como predica a melhor tradição racionalista), relativos, por exemplo, à segurança ou ao comércio.

Por um lado, a soberania existe aqui como instituição, com efeitos causais e reguladores sobre os estados, abrindo espaço, portanto, para o poder explicativo das ideias compartilhadas. Por outro lado, ainda que a cultura possua maior relevância que no grau anterior, ela se reduz a uma variável interveniente entre poder e interesse, e resultados (WENDT: 1999, 287).

No terceiro nível, as normas de respeito à soberania não somente exercem efeitos sobre o comportamento dos estados, como também constituem seus interesses, o que faz delas legítimas. De acordo com o autor, o respeito do direito internacional pela maioria dos estados contemporâneos estaria fundado

Page 43: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 41 -

nesta combinação, correspondente ao quadrante central superior do gráfico anteriormente mencionado.

Por fim, Wendt faz referência à cultura kantiana, marcada pelo papel de amizade. De início, mostra o autor certo ceticismo quanto à noção presente em A paz perpétua, segundo a qual a única forma de se chegar a uma liga de paz entre as nações seria por meio de estados republicanos. Conforme mencionara, Wendt recorre a Hobbes, Locke e Kant tão somente como referências estilizadas para as três culturas de anarquia por ele concebidas.

Do ponto de vista histórico, Wendt enxerga indícios do surgimento de uma cultura kantiana no fato de, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, o recurso à violência nas eventuais disputas entre países do atlântico norte não ter ocorrido. Ademais, esses estados, longe de tratar o tema de segurança de forma individualista, agiram praticamente como uma “equipe” de segurança.

Mesmo com o colapso da União Soviética, não houve o ressurgimento de rivalidades intraocidentais, fato este que contribui para a refutação da tese neorrealista, segundo a qual tais conflitos teriam sido apenas suprimidos temporariamente pela distribuição bipolar dos recursos materiais. Por isso, a explicação a ser oferecida para os referidos padrões deve ser de outra ordem, eminentemente idealista: “[...] a new international political culture has emerged in the West within which non-violence and team play are the norm.” (WENDT: 1999, 297).

A fim de evitar interpretações equivocadas de sua obra, já que a aplicação da noção de amizade à relação entre estados tende a gerar pré-conceitos por parte do leitor no sentido de uma teoria inocente e “idealista” sobre a política internacional, antes normativa que descritiva, e assim por diante, Wendt procura precisar o que entende por amizade – até mesmo porque, quando comparado ao conceito de inimigo, o conceito de amigo se mostra pouco recorrente nas RI:

“As I shall use the term, friendship is a role structure within which states expect each other to observe two simple rules: (1) disputes will be settled without war or the threat of war (the rule of non-violence); and (2) they will fight as a team if the security of any one is threatened by a third party (the rule of mutual aid).” (WENDT: 1999, 298).

Alguns comentários aqui merecem destaque. Em primeiro lugar, Wendt concebe as regras de não violência e de ajuda mútua como independentes e igualmente indispensáveis. Em segundo lugar, o conceito de amizade só possui aplicação para o tema de segurança nacional. Por último, a amizade seria diferente da condição de aliados na medida em que não seria limitada do ponto de vista temporal: “Allies engage in the same behavior as friends, but they do not expect their relationship to continue indefinitely. [...] Friends may of course have a falling out, but their expectation up front is that the relationship will continue.” (WENDT: 1999, 299).

Sobre a internalização das normas, o primeiro grau seria na verdade uma extensão do raciocínio aplicado ao caso da cultura lockeana. Enquanto nesta a

Page 44: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 42 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

coerção material faz com que os estados não destruam uns aos outros, na cultura kantiana a coerção material impede inclusive que os estados possam fazer uso da violência contra os demais.

O segundo grau de internalização em uma cultura kantiana implica um sistema de segurança coletiva fundado no autointeresse de cada ator. A adesão às normas se dá antes por estratégia que por identificação com as mesmas: “[...] friendship is a strategy, an instrumentality, that states choose in order to obtain benefits from themselves as individuals. There is no identification of Self with Other, no equating national interests with international interests.” (WENDT: 1999, 304). Caso se verifique aparente sacrifício pelo grupo, seu fundamento será a realização de interesses exógenos do próprio ator, considerado de maneira individual.

O terceiro grau de internalização, ao fazer com que os estados se identifiquem uns com os outros, termina por permitir a construção dos interesses pela cultura kantiana, de modo que a segurança do outro não está relacionada apenas de forma instrumental com a segurança de um determinado estado, senão que constitui parte de sua própria segurança (WENDT: 1999, 305). Uma vez que o bem-estar do ego passa a incluir também o do alter, abrir-se-ia caminho para uma ação coletiva exitosa, para além do clássico jogo soma-zero, ao menos no campo da segurança internacional.

Até o momento, Wendt forneceu elementos para se pensar a política internacional, especialmente no que diz respeito aos seus atores, estruturas, formas de interação e de interdependência (ou constituição mútua). Contudo, não foi explicitado, ainda, como seria possível a ocorrência de transformações estruturais. Para tanto, é preciso recorrer à noção de processo utilizada pelo autor.

VI. Processo e mudança estrutural Antes de descrever como as práticas dos estados contribuem para a

reprodução ou mudanças estruturais no sistema internacional, Wendt tece breves comentários sobre o significado do progresso. Tomando como referência a figura 1, o autor indaga se haveria no aspecto vertical (grau de internalização cultural), e no aspecto horizontal (grau de cooperação das culturas), uma tendência de progresso com o passar do tempo, sob a forma de evolução linear. No primeiro caso, da força à legitimidade, a resposta é positiva19; no segundo caso, da cultura hobbesiana à cultura kantiana; a resposta é negativa, da seguinte forma:

19 “As cultural practices get routinized in the form of habits they get pushed into the shared collective background, becoming taken for granted rather than objects of calculation. Other things being equal, therefore, the longer a practice has been in existence, the deeper it will be embedded in the individual and collective consciousness.” (WENDT: 1999, 310 e 311). No entanto: (i) a velocidade de aprofundamento da internalização normativa pode variar, por exemplo, conforme necessidades exógenas dos atores; (ii) ainda que, como regra, só se possa chegar à legitimidade após se passar pela força e pelo autointeresse, como exceção, poderia ocorrer uma espécie de supressão de etapas (muito embora Wendt prefira o termo “grau” para se referir ao processo de internalização).

Page 45: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 43 -

“[...] the high death rate of the Hobbesian culture creates incentives to create a Lockean culture, and the continuing violence of the latter, particularly as the forces of destruction improve in response to its competitive logic, creates in-centives in turn to move to a Kantian culture. But there is no historical necessity, no guarantee, that the incentives for progressive change will overcome human weakness and the countervailing incentives to maintain the status quo. The pas-sage of time may simply deepen bad norms, not create good ones. [grifos nossos]” (WENDT: 1999, 331).

Há, entretanto, uma ressalva à resposta negativa, pois, não obstante a dimensão contingencial do progresso sob o prisma estrutural – uma vez que é possível falar-se apenas em tendências de transição desde a cultura hobbesiana até a kantiana –, seria impossível haver retrocesso: internalizada a cultura lockeana, dificilmente esta se degeneraria em alguma modalidade hobbesiana de cultura (exceto por breves períodos históricos)20, o mesmo valendo para as demais hipóteses.

Por meio do processo, agentes e estruturas interagem e se constituem mutuamente. Por meio do processo, explica-se tanto a reprodução como a transformação em nível sistêmico. E como estruturas sociais e agentes corporativos existem somente mediante sua corporificação em práticas, é lícito inferir que, de certo modo, agentes e estruturas são também processos, isto é, realizações em andamento decorrentes de ações concretas (WENDT: 1999, 313).

Tendo isto em mente, e reconhecendo que, muito embora o construtivismo social pregue a possibilidade da mudança estrutural, em momento algum nega a dificuldade de sua ocorrência – devido a tendências “homeostáticas” inerentes a cada cultura, principalmente quando suas normas se encontram profundamente internalizadas –, Wendt traz à tona o seguinte paradoxo: uma vez aceita a premissa de que anarchy is what states make of it, como seria possível aos agentes estatais criar uma nova cultura quando a estrutura existente os impele a reproduzir o status quo? (WENDT: 1999, 313).

Para responder à pergunta, é preciso esclarecer antes como deve ser concebida a relação entre agente e processo: (i) os agentes são exógenos ao processo (racionalismo); (ii) os agentes são endógenos ao processo (construtivismo). Wendt, na linha do interacionismo simbólico, opta pela segunda opção21: “Agents themselves are on-going effects of interaction, both caused and constituted by it.”

20 Tanto no exemplo da Revolução francesa e as subsequentes guerras napoleônicas, quanto na ascensão de Hitler ao poder e a Segunda Guerra Mundial, ocorreram choques exógenos de magnitude bastante para gerarem o breve retrocesso da cultura lockeana para a cultura hobbesiana (WENDT: 1999, 270 e 312).21 As consequências da contribuição de Wendt, nesse ponto, podem ser assim descritas: “Com esse argumento, Wendt acabou fechando um ciclo: processos relacionais podem levar a mudanças nas identidades coletivas que, por sua vez, podem modificar a lógica de funcionamento da anarquia. Com isso, uma das premissas centrais do realismo – a ação dos Estados em prol da defesa do interesse nacional – pôde ser modificada.” (MESSARI ; NOGUEIRA: 2005, 176).

Page 46: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 44 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

(WENDT: 1999, 316). Isto não significa dizer que, a cada interação, identidades e interesses dos atores sofrerão mudanças, mas tão somente que, caso se mantenham os mesmos, ainda assim a estabilidade verificada seria de ordem endógena em relação à interação. Trata-se apenas de não reduzir as propriedades dos agentes a um dado pré-social, a um mero input, como fazem os racionalistas22.

Mudanças estruturais na política internacional dependem, pois, da redefinição operada pelos atores sobre quem eles são e o que eles querem. Mais precisamente, Wendt crê estar ocorrendo uma transição, ainda limitada ao ocidente, direcionada para um modelo kantiano de cultura, fundado em políticas pró-sociais, que seriam responsáveis pela formação de uma nova identidade coletiva23.

Isto seria possível a partir da combinação de pelo menos dois dos seguintes mecanismos causais, ou variáveis: interdependência, destino comum, homogeneidade e autorrestrição24. Enquanto as três primeiras variáveis são consideradas como causas eficientes da identidade coletiva, a última variável é considerada como causa permissiva. Dito de outro modo, para que seja constituída uma identidade coletiva (e, consequentemente, haja mudanças sistêmicas), a autorrestrição deverá estar presente sempre, combinada com no mínimo um dos demais mecanismos.

Como se pode perceber, há uma noção de progresso implícita no tratamento dado por Wendt às relações entre estrutura e processo, a qual, na verdade, foi explicitada no começo deste tópico. Contudo, se em STIP o progresso é concebido a partir de uma teleologia fraca, na qual há espaço para a contingência (mas não para o retrocesso estrutural), a partir de “Why a world state is inevitable: teleology and the logic of anarchy”, Wendt desenvolve uma teleologia forte, na qual o progresso resulta da necessidade histórica, cujo ápice seria a emergência de um estado mundial no lugar do atual sistema de estados.

A teleologia, a partir de então, passa a beirar o determinismo, quando, por exemplo, calcula o autor que um estado mundial surgiria em aproximadamente 100 anos (WENDT: 2003, 1)25. Uma afirmação como esta certamente é polêmica,

22 Robert Keohane, ao abordar as causas para êxito ou fracasso da cooperação em um cenário de interesses comuns, expressamente afirma: “The theory that I develop takes the existence of mutual interests as given.” (KEOHANE: 2005, 6).23 A aparente inocência do argumento do autor pode ser mitigada por seu reconhecimento de que, dificilmente, identidades coletivas serão plenas: “In most situations, the best that can be expected is concentric circles of identification, where actors identify to varying degrees with others depending on who they are and what is at stake, while trying to meet their individual needs as well. [grifos nossos]” (WENDT: 1999, 364).24 Para um exame mais detalhado, cf. WENDT: 1999, 344-363.25 A despeito de o autor fazer uma ressalva sobre a velocidade de concretização do estado mundial, afirmando ser a mesma historicamente contingente, cumpre notar que o não determinismo e a não linearidade processuais são sustentados apenas na escala micro, em função das múltiplas possibilidades de realização. Na escala macro, contudo, todo e qualquer caminho terminaria por direcionar o sistema internacional para o mesmo estado-fim, inevitavelmente (WENDT: 2003, 1). É lícito, portanto, alegar que, nesse sentido, Wendt passou a tratar o tema do progresso de forma determinista.

Page 47: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 45 -

seja por seu teor especulativo, seja pela tentativa de resgate do discurso teleológico na teoria política contemporânea.

A ideia-força do artigo consiste em, sem abrir mão de temas caros a STIP (relações micro/macro, agente/estrutura, efeitos causais/constitutivos etc.), sustentar a inevitabilidade do surgimento de um monopólio global sobre o uso legítimo da violência organizada26 mediante um processo composto por cinco estágios – sistema de estados, sociedade de estados, sociedade mundial, segurança coletiva e estado mundial – cuja sucessão decorreria justamente das instabilidades existentes na etapa anterior e que, simultaneamente, implicaria um aumento gradativo de intencionalidade do sistema. O cenário de um estado mundial poderia, então, ser descrito da seguinte forma:

“With the transfer of state sovereignty to the global level the recognition of individuals will no longer be mediated by state boundaries, even though as recognized subjects themselves, states retain some individuality (particularism within universalism). Individuals and states alike will have lost the negative fre-edom to engage in unilateral violence, but gained the positive freedom of fully recognized subjectivity. The system will have become an ‘individual’.” (WEN-DT: 2003, 51).

No que se refere ao conteúdo de “Why a world state is inevitable”, os breves parágrafos bastam para os fins propostos. Resta, portanto, tecer alguns comentários conclusivos.

VII. Conclusão Não obstante dedicar toda a segunda parte de STIP para a formulação de

uma teoria das relações internacionais focada na política entre os estados, Wendt foi constantemente questionado pelo alto grau de abstração de seu trabalho. Inclusive quando procura atualizar seu pensamento, por meio da análise da teoria da história (WENDT: 2003), a crítica à abstração permanece – o que permitiu uma disseminação de seu pensamento até certo ponto caricatural, como se houvesse por parte de Wendt pouca ou nenhuma preocupação com a política internacional contemporânea e com questões empíricas.

Cumpre, portanto, fazer não uma defesa do autor, mas um esclarecimento sobre o assunto. Primeiro, STIP tem uma organização com grau decrescente de abstração ao longo do texto, por motivos didáticos: primeiro Wendt oferece uma visão do construtivismo social por ele proposto, para em seguida perquirir

26 Na verdade, Wendt aventara a hipótese em STIP, porém sem maior profundidade, ao especular sobre a possibilidade do desenvolvimento das culturas de anarquia desembocar em um sistema de governança sem governo, isto é, uma estrutura que possui autoridade, porém descentralizada. A seu ver, tentar conceber um mundo pós-anárquico representaria um dos principais desafios impostos a pesquisadores de RI (WENDT: 1999, 308), desafio este que o autor retoma no texto de 2003, com certas alterações com relação à sua principal obra.

Page 48: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 46 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

sobre sua aplicação na política internacional. Segundo, a política é um ponto de partida para Wendt, dado este que demanda uma interpretação tanto sistemática quanto contextual de sua obra. Tanto é assim que um de seus principais alvos é o neorrealismo, cujo materialismo restringe massivamente as chances de mudança na política internacional. E, de fato, os limites e possibilidades da mudança sistêmica são uma preocupação constante em STIP, visível ao longo de toda a obra.

O dilema surge quando se reconhece que, nas ciências sociais – e especialmente nas RI –, inexiste observação que não seja impregnada de teoria (“theory-laden”), dependente de ideias que compõem um pano de fundo normalmente considerado como não problemático, composta por premissas ontológicas que, sendo muitas vezes naturalizadas pelos pesquisadores, passam por despercebidas. Nao é por outro motivo que “[...] even the most empirically minded students of international politics must ‘do’ ontology, because in order to explain how the international system works they have to make metaphysical assumptions about what is made of and how it is structured.” (WENDT: 1999, 370).

Logo, seria impossível a Wendt questionar o paradigma dominante das análises sistêmicas em RI sem trazer à tona algumas de suas cristalizações ontológicas. E o autor não para nesse ponto. Ao final do livro, trata da relação entre teoria e prática, para mostrar que o realismo, muito embora se autoconsidere puramente científico, possui também uma dimensão normativa. Isto porque, o desenvolvimento de estudos fundados em premissas realistas termina por contribuir para a formação, com o passar do tempo, de uma espécie de teoria de resolução de problemas, cujo resultado concreto seria a reprodução do status quo.

Idêntico raciocínio poderia ser aplicável ao construtivismo social, com a ressalva de que, em razão das premissas advogadas, a teoria produzida pelo construtivismo seria de ordem crítica e reflexiva, mais útil para mostrar como os mesmos estados que criam uma cultura podem também transformá-la, do que para tão somente trabalhar dentro de um status quo: “Both kinds of knowledge are scientific, but to different normative ends.” (WENDT: 1999, 378).

É justamente essa constatação que leva Wendt a perguntar, ao final de STIP, “[...] what is IR ‘for’?” (WENDT: 1999, 378). Tal questão, muito embora deixada em aberto pelo autor, demonstra claramente que a crítica ao grau de abstração presente em sua obra estaria, pelo menos, mal direcionada.

Page 49: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 47 -

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASObras de Alexander Wendt

WENDT, Alexander (1987). The agent-structure problem in international relations. International organization, 41 (3), pp. 335-370.

WENDT, Alexander (1991). Bridging the theory / meta-theory gap in international relations. Review of international studies, 17 (4), pp. 389-392.

WENDT, Alexander (1992). Anarchy is what States make of it: the social construction of power politics. International organization, 46 (2), pp. 391-425.

WENDT, Alexander (1995). Constructing international politics. International security, 20 (1), pp. 71-81.

WENDT, Alexander (1996). Identity and structural change in international politics. In: LAPID, Yosef; KRATOCHWIL, Friedrich (Orgs.). The return of culture and identity in IR theory. Londres: Lynne Rienner.

WENDT, Alexander (1998). On constitution and causation in international relations. Review of international studies, 24, edição especial, pp. 101-117.

WENDT, Alexander (1999). Social theory of international politics. Cambridge: Cambridge University Press.

WENDT, Alexander (2000). On the via media: a response to the critics. Review of international studies, 26 (1), pp. 165-180.

WENDT, Alexander (2003). Why a world state is inevitable: teleology and the logic of anarchy. European journal of international relations, 9 (4), pp. 491-542.

WENDT, Alexander (2004). The state as person in international theory. Review of international studies, 30 (2), pp. 289–316.

WENDT, Alexander (2006). Social theory as a Cartesian science: an auto-critique from a quantum perspective. In: GUZZINI, Stefano; LEANDER, Anna (orgs.). Constructivism and international relations: Alexander Wendt and his critics. Londres e Nova Iorque: Routledge.

WENDT, Alexander (2010). Flatland: quantum mind and the international system. In: ALBERT, Mathias et al. (orgs.). New systems theories of world politics. Londres e Nova Iorque: Palgrave.

WENDT, Alexander (2015). Quantum Mind and social science: unifying physical and social ontology. Cambridge: Cambridge University Press.

Page 50: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 48 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Demais referências

BATTISTELLA, Dario (2009). Théories des relations internationales. 3. ed. Paris: Presses de Sciences Po.

BEHNKE, Andreas (2006). Grand theory in the age of its impossibility: contemplations on Alexander Wendt. In: GUZZINI, Stefano; LEANDER, Anna (orgs.). Constructivism and international relations: Alexander Wendt and his critics. Londres e Nova Iorque: Routledge.

BULL, Hedley (2002). A sociedade anárquica. Tradução de Sérgio Bath. Brasília/São Paulo: Editora Universidade de Brasília/Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

COPELAND, Dale (2006). The constructivist challenge to structural realism. In: GUZZINI, Stefano; LEANDER, Anna (orgs.). Constructivism and international relations: Alexander Wendt and his critics. Londres e Nova Iorque: Routledge.

DRULÁK, Petr (2006). Reflexivity and structural change. In: GUZZINI, Stefano; et al. Constructivism and international relations Alexander Wendt and his critics. Londres e Nova Iorque: Routledge.

GUZZINI, Stefano; LEANDER, Anna (2006). Preface. In: Idem (orgs.). Constructivism and international relations: Alexander Wendt and his critics. Londres e Nova Iorque: Routledge.

GUZZINI, Stefano; LEANDER, Anna (2006). Wendt’s construtivism: a relentless quest for synthesis. In: Idem (orgs.). Constructivism and international relations: Alexander Wendt and his critics. Londres e Nova Iorque: Routledge.

HOPF, Ted (1998). The promise of constructivism in international relations theory. International security, 23 (1), pp. 171-200.

KEOHANE, Robert (2005). After hegemony: cooperation and discord in the World Political Economy. 3. ed. Princeton: Princeton University Press.

KRATOCHWIL, Friedrich (2006). Constructing a new orthodoxy? Wendt’s Social theory of international politics and the constructivist challenge. In: GUZZINI, Stefano; LEANDER, Anna (orgs.). Constructivism and international relations: Alexander Wendt and his critics. Londres e Nova Iorque: Routledge.

LAPID, Yosef (1989). The third debate: on the prospects of international theory in a post-positivist era. International studies quarterly, 33 (3), pp. 235-254.

MESSARI, Nizar; NOGUEIRA, Jõao Pontes (2005). Teoria das relações internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier.

MINGST, Karen (2009). Princípios de relações internacionais. Tradução de Arlete Marques. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier.

Page 51: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 49 -

RICHE, Flavio (2012). Riche, Flavio Elias. A guinada quântica no pensamento de Alexander Wendt e suas implicações para a teoria das relações internacionais. Tese de Doutorado. Brasília: iRel/UnB. Disponível em <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/ 11754/1/2012_FlavioEliasRiche.pdf>.

SODUPE, Kepa (s.d.). La teoría de las relaciones internacionales a comienzos del siglo XXI. Bilbao: Universidad del País Vasco.

WALTZ, Kenneth (2010). Theory of international politics. 4. ed. Long Groove: Waveland.

WIGHT, Martin (2002). A política do poder. Brasília e São Paulo: UnB/Imprensa Oficial de São Paulo/IPRI.

WIGHT, Martin (1991). International theory: the three traditions. Leicester: University Press.

Recebido em Abril de 2015 Aprovado em Maio de 2015

Page 52: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 50 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Page 53: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 51 -

O MONOPÓLIO DAS TEORIAS ANGLO-SAXÃS NO ESTUDO DAS

RELAÇÕES INTERNACIONAIS

THE MONOPOLY OF THE ANGLO-SAXON THEORIES IN THE STUDY OF THE

INTERNATIONAL RELATIONS

Williams Gonçalves 1

Leonardo Valente Monteiro2

RESUMO:Este artigo tem como objetivo analisar o estado da arte do estudo das relações internacionais no Brasil, centrando-se especialmente na influência para este campo das chamadas teorias das relações internacionais. Parte-se da tese de que o monopólio anglo-saxão de produção teórica nesta área compromete a construção de uma disciplina com perspectivas nacionais e regionais, comprometendo sua utilidade para o desenvolvimento, e tornando-a mais um importante instrumento de manutenção do status quo. Destaca os problemas resultantes da transformação de apenas um olhar teórico sobre as relações internacionais, vendendo um recorde de mundo como a única forma de se entendê-lo, e ressalta a importância da quebra desses paradigmas e o desenvolvimento de novos modelos teóricos e novas formas de se pensar a disciplina.  

PALAVRAS-CHAVE: Teoria das Relações Internacionais; Teorias Anglo-Saxônicas; Desenvolvimento econômico-social brasileiro; Autonomia Política; Inserção Internacional do Brasil.

ABSTRACT:This paper aims to analyze the state of the art study of international relations in Brazil , focusing especially on the influence of the theories of international relations. It starts with the idea that the Anglo-Saxon monopoly theoretical work in this area is committed to building a discipline with national and regional perspectives, compromising their usefulness for development, and making it an important tool maintenance of the status quo . Highlights the problems resulting from the processing of only a theoretical look at international relations, selling a world record as the only way to understand it , and highlights the importance of breaking these paradigms and the development of new theoretical models and new ways of thinking about the discipline.

1 Williams Gonçalves: Doutor em Sociologia pela USP; Chefe do Departamento de Relações Internacionais da UERJ; Professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UERJ; Colaborador Permanente do Centro de Estudos Políticos e Estratégicos (CEPE) da Escola de Guerra Naval; Conferencista Especial da ESG.2 Leonardo Valente Monteiro: Doutor em Ciência Política pelo IESP/UERJ; professor de Relações Internacionais e do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ); coordenador do Laboratório de Estudos Asiáticos da UFRJ (LEA/UFRJ).

Page 54: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 52 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

KEYWORDS: International Relations Theory; Anglo-Saxon Theories; Economic-Social Brazilian Development; Political Autonomy; Brazilian International Insertion.

IntroduçãoO estudo das relações internacionais no Brasil, desde que se generalizou

a partir dos anos 1990, tanto em nível de graduação como de pós-graduação, apresenta uma característica muito marcante, qual seja a desmedida dedicação às Teorias das Relações Internacionais. De modo geral, estudar Relações Internacionais tornou-se sinônimo de estudar Teoria das Relações Internacionais. Nada é considerado mais importante que isto. O conhecimento a respeito das correntes teóricas anglo-saxônicas, os nomes dos estudiosos mais importantes, os debates travados entre eles, e o conhecimento de todas as novidades teóricas por eles produzidas são coisas consideradas muito mais importantes do que o conhecimento da realidade brasileira e da inserção internacional do Brasil. Os estudiosos brasileiros das relações internacionais costumam apresentar grande fluência em citar teóricos anglo-saxões de todas as tendências, mas habitualmente costumam revelar certa dificuldade em se expressar sobre a realidade nacional.

O que se pode dizer a respeito disso? É assim mesmo que deve ser ou isso é estranho e merece alguma reflexão? Um quadro como esse suscita diversas questões, que podem ser pensadas de diferentes pontos de vista. A primeira questão serve como bom fio condutor para a análise, é a seguinte: para que serve a teoria? Qual é a utilidade da teoria nas Ciências Sociais e, mais especificamente, qual é a utilidade de uma teoria das Relações Internacionais? Privilegiar o estudo das teorias em detrimento do estudo da realidade faz algum sentido? Além destas interrogações, podemos também acrescentar as seguintes: esse estado de coisas tem alguma importância? É algo inofensivo ou tem alguma consequência negativa? Tentar precisar, portanto, o status da teoria no âmbito do trabalho acadêmico, especificamente na construção das relações internacionais como campo de estudo, é o principal objetivo deste trabalho.

Teoria e seu lugar no trabalho acadêmicoA discussão sobre teoria é interminável. Faz parte do trabalho científico o

permanente questionamento sobre a adequação da teoria às necessidades da Ciência. Não é o caso de nos determos nessa discussão geral. O que interessa, neste caso, é tentar elucidar o lugar dos estudos teóricos no trabalho analítico desempenhado pelos estudiosos de Relações Internacionais. Para tanto, primeiramente, basta-nos lembrar de que existem diferentes concepções de teoria, que, por sua vez, correspondem a diferentes inscrições teóricas e filosóficas de seus elaboradores. Grosso modo, é possível distinguir teorias filosóficas e teorias científicas; teorias gerais e teorias parciais; e, teorias explicativas e teorias compreensivas.

Page 55: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 53 -

Pelo fato do objetivo deste trabalho não ser o de discutir essas complexas questões, que nos exigiriam longa digressão, desde logo recorremos a uma definição de teoria nas ciências humanas, aquela elaborada por Dortier (DORTIER, 2010, 610): “conjunto de conceitos, de proposições e de modelos articulados entre si cujo objetivo é explicar um fenômeno (as teorias do desenvolvimento, a teoria da luta de classes, a teoria quântica, etc.)”.

A definição do autor satisfaz aos propósitos aqui definidos porque ele indica clara e simplificadamente o objetivo da teoria, que é a de proporcionar o conhecimento da realidade. A teoria existe para cumprir essa finalidade: gerar o conhecimento dos fenômenos. No caso das teorias das Relações Internacionais, gerar conhecimento dos fenômenos atinentes à realidade das relações internacionais. Ainda que possa parecer óbvio, o objetivo do trabalho teórico deve ser sublinhado.

A teoria é, portanto, um meio. O meio pelo qual o sujeito que quer conhecer obtém acesso à realidade. Considerando-se que a realidade na sua totalidade é incognoscível em sua amplitude e em sua riqueza, o sujeito não pode ter acesso direto a ela. Caso fosse possível o acesso direto à realidade em sua totalidade, o sujeito não obteria conhecimento sobre ela, mas sim uma duplicação dela. Por isso, faz-se necessário a teoria. Nesse sentido, a teoria é uma simplificação abstrata, formulada a partir da observação empírica do real, que instrumenta o sujeito em seu trabalho de investigação da realidade em busca do conhecimento mais próximo possível da verdade. Conhecimento que o esclarece o sujeito e que o orienta para intervir e mudar a realidade. Assim sendo, quanto mais articulada for a teoria, quanto mais densos e concatenados entre si forem os conceitos, mais credível será o conhecimento do sujeito e, por consequência, mais esclarecida poderá ser a intervenção dos agentes sociais na realidade.

Disso se deduz que a teoria é de fundamental importância para o trabalho de investigação científica. Sem teoria simplesmente não pode haver ciência. Por isso, a reflexão sobre o emprego da teoria é, e não pode deixar de ser, incessante em qualquer área da ciência. Todavia, há que se ter muito claro que a teoria é uma ferramenta que possibilita o acesso ao real, mas não pode substituir a realidade e tampouco pode ser confundida com ela. O sentido da discussão teórica é o aperfeiçoamento dessa ferramenta, com vistas a se alcançar o conhecimento mais credível possível da realidade. A teoria demonstra sua utilidade social proporcionando o conhecimento mais profundo da realidade, de modo a propiciar, por sua vez, a intervenção política mais esclarecida possível. Embora as disputas acadêmicas envolvam glória, prestígio, poder e financiamento de mais pesquisas, sua finalidade última somente pode ser a de gerar conhecimento válido da realidade. Se se perde de vista esta finalidade última do trabalho científico, independentemente das questões sociais que cercam o trabalho científico no

Page 56: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 54 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

interior das instituições, as disputas teóricas passam a ser mero entretenimento socialmente inútil.

As condições sob as quais se realiza o trabalho de produção de conhecimento teórico é outro aspecto muito importante, que não pode ser negligenciado quando se discute a respeito do papel da teoria. A produção teórica é trabalho intelectual socialmente determinado. O cientista que se dedica à produção teórica não pode se subtrair das circunstâncias nas quais está inscrito. Os problemas que ele percebe e as questões que ele levanta são tanto condicionados pelos seus vínculos institucionais, como o são pelas suas posições políticas e pelas suas afiliações ideológicas. Na condição de agente social, o cientista inescapavelmente se acha envolvido pela teia cultural de seu meio social. Não há como transcender essa condição; não há como se colocar em uma posição externa, isento dos valores que permeiam a vida em sociedade. O que não implica em discutir questões como objetividade e imparcialidade na pesquisa. Tanto a objetividade como a imparcialidade se dão no respeito devido pelo pesquisador aos preceitos teóricos e no rigor metodológico com que conduz a pesquisa, mas a produção teórica é resultante do trabalho de um indivíduo, de um grupo de indivíduos ou de uma instituição que integram uma dada sociedade em um dado momento.

Apesar de todas as diferenças que separam o trabalho científico das ciências da natureza e exatas das ciências humanas e sociais, em ambas as áreas os cientistas igualmente formam parte das relações sociais de seu lugar e de sua época. Quanto a isso não existe qualquer diferença. Entretanto, tem toda razão Seitenfus (SEITENFUS, 2004, 5) ao afirmar que o estudioso das Relações Internacionais, muito mais que os demais cientistas sociais, além dos condicionantes sociais conhecidos, também se encontra condicionado “pelo horizonte espacial que a ele se oferece”. Ou seja, em mundo dividido em Estados-nação, o vínculo nacional do cientista, a princípio, constitui outro importante fator condicionante de seu trabalho. Embora seja possível argumentar que essa condição não pode ser atribuída exclusivamente ao estudioso das Relações Internacionais, uma vez que todos os demais cientistas de todas as outras áreas também se inserem num espaço nacional qualquer e igualmente mantém vínculo nacional, é necessário não esquecer que a especificidade do trabalho do cientista voltado para o estudo das relações internacionais é produzir conhecimento para consumo do Estado. A utilidade social dos estudos de Relações Internacionais está em produzir conhecimento que se oferece às instituições do Estado, para que os homens que as dirigem possam melhor se instrumentar de modo a tomar as decisões mais convenientes aos interesses do Estado a que servem. Evidentemente que esse conhecimento também é útil para a formação de cidadãos conscientes e esclarecidos, que mediante esse conhecimento podem alcançar melhor

Page 57: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 55 -

entendimento dos problemas internacionais e também acompanhar criticamente a ação de seu Estado na política internacional, porém não deve haver dúvida que os principais interessados no conhecimento produzido pelos estudiosos das Relações Internacionais são as instituições do Estado envolvidas diretamente nas relações internacionais. Se assim não fosse não faria nenhum sentido o Estado financiar esses estudos, seja reconhecendo cursos universitários, seja concedendo bolsas de estudos, seja financiando pesquisas e think tanks dedicados às Relações Internacionais. Em vista dessa marcante característica das Relações Internacionais, a inscrição social do cientista tem um peso significativo em sua produção de conhecimento. A janela através da qual o cientista vislumbra o mundo é um elemento condicionador de sua reflexão. Afinal, o mundo visto a partir de Washington é muito diferente daquele visto de Montevidéu, assim como o mundo visto de Paris é igualmente muito diferente daquele visto de Maputo ou de Teerã.

Uma possível objeção a essa ideia pode ser feita por meio do argumento de que a disciplina Relações Internacionais constituiria o domínio do relativismo absoluto, o que, na verdade, representaria a negação de qualquer trabalho a ser reconhecido como científico. Teria inteira razão quem assim argumentasse, caso de fato houvesse diferentes teorias das relações internacionais de nacionalidade uruguaia, norte-americana, francesa, moçambicana ou iraniana. A realidade, todavia, não é esta. Não existem essas teorias. Antes pelo contrário, apesar de o lugar de onde se produz a teoria ter considerável peso em seu processo de produção, a produção teórica norte-americana reina absoluta no mundo acadêmico. Isto significa que, na maior parte do mundo, as relações internacionais são analisadas mediante o uso de teorias produzidas nas instituições norte-americanas. Como reconhecimento dessa realidade, o estudioso Stanley Hoffmann, p. e., não hesita em afirmar que Relações Internacionais é uma ciência norte-americana (HOFFMANN, 1991, p. 17).

No seu artigo – An American Social Science: International Relations -, publicado originalmente pela revista Daedalus em 1977, Hoffmann explica as razões pelas quais os acadêmicos norte-americanos “inventaram” e têm conservado a disciplina Relações Internacionais com as características que a distinguem desde o início.

Segundo ele, as circunstâncias da criação devem ser separadas das condições do desenvolvimento da disciplina. Depois de considerar que a problemática das relações internacionais reclamando estudo científico específico somente se formou com a crescente complexidade das relações internacionais globais e com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, Hoffmann conclui ter sido a transformação dos Estados Unidos em grande potência que suscitou entre os norte-americanos a necessidade de conhecer a realidade internacional. A

Page 58: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 56 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

existência de uma elite política com um projeto de poder em um meio social predisposto a acreditar que a ciência pode resolver todos os problemas que se apresentam aos homens em sociedade levou, de acordo com Hoffmann, a disciplina Relações Internacionais a prosperar nos meios acadêmicos dos Estados Unidos.

Três fatores institucionais combinados, somente encontrados nos Estados Unidos, serviram, segundo nosso autor, como impulsionadores da disciplina. O primeiro deles é o vínculo direto que liga o mundo acadêmico ao “mundo do poder”. Ao contrário do que se passa em outras partes do mundo, nos Estados Unidos o mundo acadêmico é consciente que o conhecimento se produz para o Estado e para a sociedade. O mundo acadêmico é parte do Estado e trabalha para municiá-lo de conhecimentos que possam fortalecê-lo ainda mais. Não existe nenhuma espécie de pudor em relação a isso, e os acadêmicos transitam da academia para as instituições de Estado de modo natural. Enfim, a ideia tão arraigada em outras partes do mundo de sociedade contra o Estado não existe nos Estados Unidos. Servir ao Departamento de Estado, à CIA ou a qualquer outra agência de segurança, inteligência e espionagem não é motivo de espanto ou desdém entre os acadêmicos daquele país. O segundo fator são as circunstância políticas. Para Hoffmann, essa excelente relação dos acadêmicos com as instituições do Estado resulta numa numerosa participação de egressos do mundo acadêmico não apenas nas instituições de Estado, mas também e principalmente à frente de fundações e agências financiadoras de pesquisa. Num país de recursos financeiros fartos, esse entrelaçamento de academia e instituições de Estado significa abundância de recursos para os estudos sobre as relações internacionais. Por último, o terceiro fator, denominado por Hoffmann de oportunidades institucionais. Para ele, isso se traduz na grande flexibilidade existente nas universidades norte-americanas, aliado ao índice de ensino superior massivo, que permite e também induz os acadêmicos a uma especialização cada vez maior, bem como induz a uma intensa competição entre eles. A liberdade de que gozam para desenvolver suas pesquisas determinaria, portanto, esse estímulo constante para o desenvolvimento dos estudos de Relações Internacionais.

A convergência dessas circunstâncias com esses fatores singularizam indelevelmente a disciplina Relações Internacionais. Para Hoffmann, as marcas da tipicidade norte-americana podem ser assim enumeradas. Primeiramente, a busca da certeza, da exatidão. Os estudiosos empenham-se permanentemente em formular aquela teoria geral capaz de produzir uma análise exata, assim como prever o futuro com toda a precisão. Em segundo lugar, o acento sobre o presente. A análise está sempre centrada na atualidade, quase nunca se recorre ao conhecimento histórico, e quando se o faz prepondera uma visão colegial da História, sempre esquemática e simplificada. Em terceiro lugar, os

Page 59: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 57 -

estudiosos somente se interessam pelas relações entre as grandes potências, que, naturalmente, envolvem os interesses dos Estados Unidos. Do ponto de vista do conhecimento, significa que nada do que acontece no mundo interessa se não estiver relacionado aos interesses dos Estados Unidos. Do ponto de vista político, isso significa que o interessa debater é o que convém aos interesses nacionais dos Estados Unidos.

A penetrante análise de Hoffmann consegue apontar as razões que levaram o mundo acadêmico norte-americano a criar a disciplina Relações Internacionais e a promover seu incessante desenvolvimento. Por meio do seu estudo faz-se possível entender as mais importantes características que tem acompanhado a disciplina ao longo de sua evolução. Entretanto, Hoffmann não é capaz de explicar por que essa disciplina não floresceu em outros países, mesmo naqueles onde existem sólidas instituições universitárias e cujos países já figuraram no sistema internacional como grandes potências. É necessário que existam reunidas exatamente todas aquelas mesmas condições que cercaram a criação das Relações Internacionais nos Estados Unidos para que a disciplina se desenvolva em outras partes do mundo? Essa resposta Hoffmann não nos dá.

O Professor britânico Arthur John Richard Groom, por outro lado, ao se propor a analisar a situação dos estudos de Relações Internacionais na Europa – The world beyond: the European dimension – num livro bastante conhecido (Contemporary International Relations – A Guide to Theory (GROOM, LIGHT, 1994, p. 219), afirma que o idioma inglês é a língua franca das Relações Internacionais. Segundo ele, o fato de “as fundações da disciplina terem sido assentadas com argamassa de molde anglo-saxão” tornou o predomínio da língua inglesa inevitável. Ao mesmo tempo em que considera o idioma inglês indissociável das Relações Internacionais, Groom reconhece que em virtude de sua estrutura, de suas metáforas e de seu vocabulário qualquer língua impõe um modelo de pensamento que reflete uma cultura particular, ainda que a vocação das Relações Internacionais seja a sociologia política da sociedade global. Por isso, todos aqueles que, em qualquer parte do mundo, se lancem à análise das relações internacionais usando os estudos teóricos formulados pelos acadêmicos norte-americanos não podem escapar de perceber a realidade das relações internacionais segundo o entendimento desses teóricos a respeito do que é relevante nessa realidade e que deve, por conseguinte, ser concebido como objeto científico.

A reflexão de Groom é muito pertinente. Não há como rejeita-la. Como ele também observa, mesmo que os textos sejam traduzidos para outras línguas, as marcas da maneira anglo-saxã de se exprimir não desaparecem no texto traduzido. A propósito disso, é muito interessante perceber como muitos estudiosos brasileiros das Relações Internacionais adotaram o modo anglo-saxão de se exprimir qualificando as teorias e os modelos analíticos como elegantes

Page 60: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 58 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

(elegant), a ponto de tornar essa expressão comum na literatura acadêmica. A maneira dos acadêmicos brasileiros exprimirem a ideia das virtudes de uma teoria, no passado, era qualifica-la como coerente. Isto é, uma teoria se revela coerente quando seu corpo conceitual articula-se harmonicamente, apresentando certa racionalidade, e proporcionando, mediante seu uso, análises confiáveis. Todavia, o hábito de ler em inglês e muitas vezes falar nesse idioma levou a que se adotasse essa forma tipicamente norte-americana de qualificar uma teoria, enquanto na forma brasileira de se expressar o adjetivo elegante era antes reservado para ser usado junto a outros substantivos. Este pequeno exemplo de assimilação de uma forma anglo-saxã de representar o pensamento dá razão a Groom sobre a profunda influência que a estrutura linguística exerce sobre quem consome massivamente literatura anglo-saxã de Relações Internacionais.

Apesar dessa rara sagacidade em perceber o efeito produzido pelo monopólio anglo-saxão da invenção e da inovação na área das Relações Internacionais, Groom faz comentários muito curiosos. Em primeiro lugar, considera que esse monopólio é expressão de comportamento paroquial numa disciplina paradoxalmente com vocação global. Em segundo lugar, nosso autor atribui à falta de habilidade dos estudiosos dos Estados Unidos em se exprimir em línguas estrangeiras o fato de as instituições norte-americanas revelarem-se impermeáveis aos estudiosos de outros países, ao contrário do que acontece com os estudiosos dos outros países, que demonstram grande habilidade em se exprimirem em inglês. Comportamento paroquial e falta de talento para outros idiomas são, portanto, as explicações que Groom encontra para essa ampla preponderância internacional dos estudos de Relações Internacionais de matriz anglo-saxônica. Tais comentários de Groom são muito curiosos por que ele apresenta o amplo domínio da percepção norte-americana das relações internacionais sobre grande parte dos acadêmicos em tudo quanto é lugar do mundo como uma limitação dos acadêmicos dos Estados Unidos, e não como uma supremacia que os capacita a influenciar diretamente a visão de todos os demais acadêmicos a respeito das relações internacionais. A primazia acadêmica norte-americana nas Relações Internacionais, ao contrário do que muitos pensam, seria desse modo fruto da introversão e da despretensão dos acadêmicos daquele país.

O mais distinguível sintoma da injunção de elementos culturais norte-americanos por meio das Relações Internacionais, como nos adverte Groom, é a apresentação da evolução dessa disciplina em debates paradigmáticos. As etapas do progresso das Relações Internacionais são exaustivamente expostas por todos os estudos teóricos da disciplina. Constitui autêntico mantra, encontrável nos numerosos manuais produzidos pelos acadêmicos anglo-saxões. Para muitos, o conhecimento dessas etapas e o conteúdo básico de cada um dos paradigmas chega a ser considerado como sinal distintivo de inclusão na área acadêmica

Page 61: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 59 -

das Relações Internacionais. Aqueles que pretendem ser reconhecidos como acadêmicos da área e, porventura, revelam desconhecimento sobre a ordem da evolução dos paradigmas ou não se mostram capazes de citar os nomes dos estudiosos norte-americanos mais destacados em cada uma dessas etapas e suas respectivas obras, têm sua reputação de estudiosos das relações internacionais colocada em dúvida. Diante disso, torna-se relevante a exposição, ainda que simplificada, dessas principais correntes de pensamento, fundadoras e ainda hoje dominantes no estudo das Relações Internacionais.

Os paradigmas monopolistas das Relações InternacionaisHollis e Smith (HOLLIS, SMITH, 1990, p. 16), por exemplo, após

advertirem o leitor sobre a amplitude dos debates que ocorrem no interior das correntes teóricas e sobre a porosidade das fronteiras que as separam, atesta a existência de três paradigmas que estruturaram Relações Internacionais como disciplina na academia do mundo anglo-saxão. São eles: Idealismo, Realismo e Neorrealismo. De acordo com os autores, há intenso debate sobre hipóteses de trabalho e sobre métodos, porém todos de alguma maneira se reportam a esses três paradigmas. Behaviorismo, Transnacionalismo e Interdependência, Pluralismo e Institucionalismo são exemplos dessas compartimentações teóricas em que os estudiosos anglo-saxões se dividem e se reconhecem.

O primeiro paradigma – Idealismo - é aquele a partir do qual a disciplina se edificou. Sua base filosófica é constituída pela teoria política de John Locke e pela teoria da paz perpétua de Immanuel Kant. Do “Segundo Tratado sobre o Governo Civil” (1690), de Locke, vem a ideia que os Estados vivem em estado de natureza no meio internacional, mas que essa situação de anarquia não impede, no entanto, que os mesmos façam acordos mútuos e criem instituições que reduzam os conflitos entre eles. Da “Paz Perpétua – Um Projeto Filosófico” (1795), de Kant, vem a ideia que a paz entre os Estados é possível, desde que os homens procedendo segundo os ditames da razão consigam estabelecer algumas condições de possibilidade, tais como: 1 – A constituição civil em cada Estado deve ser republicana; 2 – O direito das gentes deve fundar-se numa federação de Estados livres; 3 – O direito cosmopolita deve limitar-se às condições de hospitalidade universal. Essas duas teorias filosóficas formam até hoje o alicerce da concepção liberal das Relações Internacionais e, nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, quando a disciplina começou a se esboçar, consubstanciaram-se na prática político-diplomática do presidente norte-americano Woodrow Wilson, cujo maior símbolo é o conhecido documento “Quatorze Pontos”, apresentado em janeiro de 1918 como proposta de armistício.

O segundo paradigma – Realismo – é aquele a partir do qual a disciplina se consolidou. Sua base filosófica é formada pela teoria política de Thomas

Page 62: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 60 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Hobbes. Apesar de se assinalar a precedência do historiador grego Tucídides e de Maquiavel como pensadores realistas da política, é o autor de “Leviatã” quem proporciona os elementos que estruturam a teoria Realista das relações internacionais. Segundo Hobbes, os Estados vivem em estado de natureza no meio internacional. Tal e qual naquele estado em que os homens viviam antes de entregar todo seu poder nas mãos do Soberano, para que ele estabelecesse as leis que pacificariam as relações sociais e garantiriam a segurança de todos, os Estados vivem em permanente insegurança. Sem a possibilidade de entregar todo seu poder a um terceiro, uma vez que isso significaria sua renúncia à condição de ente soberano, os Estados buscam permanentemente aumentar seu poder para dissuadir os demais de qualquer ato hostil contra si. E em assim fazendo, estimulam os demais a aumentar igualmente seu poder, por temerem que o aumento do poder do outro tenha por finalidade algum ato hostil contra si. Inspirada por essa teoria construída por Hobbes, segundo a qual o meio internacional é anárquico e a lógica que move os Estados é a da maximização do poder para obter segurança, ergueu-se a Teoria Realista.

O Realismo se esboça nos anos 1930, a partir da crítica ao Idealismo liberal. Suas referências principais são as obras de Reinhold Niebuhr, “Homem Moral e Sociedade Imoral” (1932) e de Edward Hallett Carr, “Vinte anos de Crise – 1919/1939” (1939). Porém, é com a publicação de “A Política entre as Nações” (1948), de Hans Morgenthau, que o Realismo assume a condição de uma teoria geral, capaz de explicar e prever o comportamento dos Estados, como a Guerra Fria podia comprovar.

O terceiro paradigma – Neorrealismo – é aquele que se organiza para recuperar o prestígio do Realismo, que fora abalado pelo Transnacionalismo. A fonte de inspiração para a elaboração do Neorrealismo é a obra de Jean-Jacques Rousseau, especialmente o trabalho intitulado “Extrato e Julgamento do Projeto de Paz Perpétua de Abbé de Saint-Pierre” (1756). Ainda que Rousseau na verdade concorde com a ideia de Hobbes, que é apenas uma ilusão pensar que se possa criar uma situação de paz entre os Estados, Rousseau, diferentemente de Hobbes que deposita a culpa pelo estado de beligerância dos Estados na natureza humana, considera que as guerras são inevitáveis consequência da situação de anarquia do meio internacional. Para ele, portanto, é a condição de anarquia sob a qual os Estados vivem que determina a luta pelo poder e a ocorrência de guerras.

O Neorrealismo tem por obra central o livro de Kenneth Waltz, “Teoria da Política Internacional”, publicado em 1979. Rejeitando as teses que são os homens ou então os Estados que constituem a chave explicativa das relações internacionais, Waltz adota a perspectiva sistêmica pela qual as ações dos Estados em relação aos demais são determinadas pela lógica do próprio sistema internacional. O Neorrealismo exerce a função de recuperar o cerne da tese Realista procurando

Page 63: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 61 -

eliminar o que os críticos dessa perspectiva teórica consideram falho na teoria de Hans Morgenthau.

Posteriormente aos paradigmas considerados clássicos, foram desenvolvidas outras perspectivas teóricas nos estudos das Relações Internacionais, tanto no campo epistêmico quanto no metodológico e que, por mais que formassem aparentemente um bloco de discussão alternativa aos modelos anteriores, em nenhum momento se constituíram como teorias de natureza divergente, ou seja, apesar da nuances e embates, continuaram tratando o mundo a partir de uma visão anglo-saxã.

Quase todas as novas teorias fora dos debates envolvendo teorias clássicas são classificadas como teorias pós-modernas em relação internacionais. O Pós-modernismo surgiu desafiando o que denominou como a construção positivista do conhecimento. Essa corrente, ainda considerada marginal de pensamento no campo das teorias de Relações Internacionais, tem como expoentes, conforme citado em Sarfati (2005), os intelectuais Derrida e Foucault. Esses argumentam que não existe um modo neutro de se realizar uma pesquisa, mas sim métodos de acordo com o pensamento vigente, o que torna toda e qualquer pesquisa parcial. Sendo assim, o que é tido como verdade depende diretamente do poder dominante no dado período histórico.

Derrida tenta desconstruir a filosofia ocidental, apontando para as diferenças nas estruturas textuais que constroem o conhecimento e a essência metafísica do pensamento. Através dessa desconstrução, o autor tenta provar que toda análise dita científica é na verdade produto de um viés carregado de visões individuais do mundo (DERRIDA, apud SARFATI, 2005).

Para exemplificar o modo de pensar pós-modernista, Ashley (1986) toma o Estado, peça central da análise Realista e de outras correntes teóricas, como referência. Nas correntes teóricas anteriores, o Estado era tido como uma premissa não problemática, porém, países não são unidades “naturais”, mas sim criações humanas. Por isso, é necessário, segundo este modo de ver a teoria em relações internacionais, levar em conta a construção do espaço geográfico internacional e das relações de poder que nortearam esse padrão. A partir deste entendimento, duas grandes correntes teóricas se formaram sob a marca de teorias ditas pós-modernas: a Teoria Crítica (também conhecida como Escola de Frankfurt) e o Construtivismo.

A Teoria Crítica, utilizando-se dos pensamentos de dois dos maiores filósofos alemães, Kant e Marx, tenta desenvolver um projeto emancipatório das Relações Internacionais, voltado à eliminação de todas as formas de dominação que existem na humanidade. Tendo como fundadores Walter Benjamin, Jurgen Habermas e Herbert Marcuse, o pensamento desenvolvido na universidade de Frankfurt norteia-se principalmente em conceitos pós-marxistas (SARFATI 2005).

Page 64: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 62 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

De forma bastante utópica, esses autores acreditam que os homens podem construir sua própria história, mas vão além de Marx ao criticarem sua ênfase nas condições materiais e nas lutas de classe. Para eles, maior valor deve ser dado aos aspectos cognitivos da dominação social, bem como a todas as formas de dominação social, não apenas entre duas diferentes classes.

O pensamento crítico kantiano é incorporado pela crença de que as afirmações ditas por certas linhas de conhecimento possuem limites, e não podem ser entendidas como verdades absolutas. Habermas afirma que não existe realidade objetiva, sendo todo o conhecimento fruto de valores identificáveis. Assim, a Teoria Crítica propõe duas tarefas: despir a epistemologia das teorias de Relações Internacionais e, em seguida, propor a construção de um discurso inclusivo com base na ética universalista.

Linklater (1996) diz que foram quatro as principais realizações da Teoria Crítica. Primeiramente, a reflexão sobre a construção social do conhecimento, no qual não há forma de avaliar objetivamente a realidade. Em segundo lugar, desmente a imutabilidade social, mostrando que há formas alternativas para a manutenção do status quo. Outra grande realização é a superação do Marxismo, afirmando que a luta de classes não é a única forma de exclusão social, bem como a forma de produção não é a única variável para a determinação da história e da sociedade. Por fim, a quarta realização é que a Teoria Crítica avalia as sociedades de acordo com suas capacidades de promoverem um diálogo aberto com a humanidade, para assim sobrepor a ordem soberana vigente.

Cox e Sinclair afirmam que, na história das Relações Internacionais, toda teoria é voltada para algum grupo, sempre para algum propósito. Estes autores notam que as teorias tradicionais são marcadas pela metodologia positivista e buscam apenas legitimar a ordem social e política vigente. Mas a Teoria Crítica não aceita as instituições como dadas e questiona tanto suas origens como as mudanças que ocorrem com o passar do tempo, para assim formular uma renovação. Finalizando, as circunstâncias históricas são produtos das relações sociais em um determinado espaço/tempo e por isso podem ser modificadas.

Já para o Construtivismo, “o modo pelo qual o mundo material forma e é formado pela ação e interação humana, depende de interpretações normativas e epistêmicas dinâmicas do mundo material” (ADLER, 1999, p.205). Dentro dos debates teóricos em Relações Internacionais, a premissa básica da abordagem construtivista é a de que o mundo está em constante transformação, pois é socialmente construído. Em adição, os atores políticos e as estruturas sociais se constituem e as ideias moldam o modo como esses atores definem a si mesmos, os seus interesses e o seu comportamento no sistema internacional. Os interesses, as práticas e as preferências dos Estados seriam, portanto, socialmente construídas,

Page 65: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 63 -

uma vez que as estruturas sociais não existiriam de forma independente das atividades que as governam, e nem dos agentes, de seus conceitos ou motivações.

Este paradigma teórico costuma ser visto como uma nova abordagem nas Relações Internacionais. No entanto, além de não escapar de um visão anglo-saxã, apenas sob um novo ângulo de visão de sua própria realidade, e de ter como contraponto as teorias clássicas como o Realismo e o Idealismo, utiliza como núcleo central de seu pensamento antigas premissas provenientes de textos do filósofo italiano do século XVIII, Giambattista Vico. Vico considerava que o mundo natural foi feito por Deus, mas que o mundo “histórico” é feito, constantemente, pelo homem. A história, segundo o filósofo, não é feita de maneira independente das relações humanas. O homem cria sua história e organiza os Estados, que são estruturas históricas. Esse pensamento aborda a conscientização humana necessária para enfocar as questões mundiais, não como algo externo à sociedade ou de estrutura dada como o sistema solar, por exemplo, mas como algo que não existiria por conta própria, que existe somente pela ligação intersubjetiva das pessoas. É, dessa forma, uma construção humana, não física ou material, e sim intelectual e/ou idealizada. Sua criação parte de ideias, pensamentos, normas, organizados por determinado grupo de pessoas em uma época e local particulares. Uma vez que existem variações nas crenças e formas de pensar entre os homens, nas relações internacionais essa também é uma afirmação válida. Porquanto o construtivismo entende que métodos científicos de estudos do caráter internacional devem ser o histórico e o sociólogo e não simplesmente o positivista.

Dessa forma, a teoria Construtivista pode ser classificada como mais uma rejeição aos postulados positivistas de Relações Internacionais, porém não nega a ciência social como tal. Apesar disso, vem sendo criticada pelos pensadores radicais liberais e realistas por não possuir um caráter de teoria substantiva, explicativa. Para Mingst (2009, p. 68) “os construtivistas compartilham a posição de que, visto que o mundo é tão complicado, nenhuma teoria totalmente abrangente é possível”.

Wendt (1992), um dos representantes mais expressivos desta teoria, ressalta a importância das interpretações, costumes, crenças e do pensamento humano em relação aos recursos disponíveis para que seja mantida a segurança. No sistema internacional de segurança e defesa, segundo os autores, há territórios, populações, armas e recursos físicos disponíveis. No entanto, as ideias e o entendimento sobre a utilização desse material em alianças e forças armadas, entre outros arranjos, são mais importantes. Constata-se, nessa análise, que o raciocínio ligado à segurança internacional é mais relevante que os meios utilizados para obtê-la, uma vez que estes recursos não têm qualquer utilidade intelectual e, isoladamente, são apenas “objetos”.

Page 66: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 64 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Wendt também considerou, acerca da estrutura social, a presença de três elementos fundamentais: conhecimento comum, recursos materiais e práticas. Em uma situação como a de segurança internacional o autor compreende esse sistema como problemático, pois a estrutura é formada por entendimentos subjetivos, na qual os Estados são tão desconfiados que já elaboram as piores suposições sobre as intenções dos outros atores e, consequentemente, agirão de forma egoísta.

Mas se o mundo é formado por uma estrutura social composta por diferentes crenças e ideais, como isso influencia e explica os diversos conflitos existentes nas relações internacionais? Os construtivistas não conseguem abordar a positividade na causalidade; consideram, portanto, a pesquisa uma questão muito mais de interpretação do que explicação. Assim, a “bola de sinuca”, expressão comumente utilizada em Relações Internacionais para explicar os conflitos, não é usada pelos construtivistas, pois o que eles, de fato, atentam é ao que compõe tal bola.

Os conflitos, ao invés de serem considerados choques entre forças, são entendidos como equívocos, como falhas na comunicação ou como desacordo. Um programa de pesquisa construtivista em meio a um conflito internacional, então, poderá ser comparado à atividade de um diplomata, que investiga a disputa com finalidade de interpretar os interesses e opiniões, objetivando a resolução do caso.

Em suma, as relações internacionais para os construtivistas são mais complexas do que a abordagem dada até então pelos demais estudiosos, mas acabam caindo em um erro fundamental: aumentam o fosso entre teoria e realidade, transformando os estudos das relações internacionais em um exercício endógeno onde a discussão teórica por si só já confere as respostas necessárias.

A discussão teórica sobre todos esses paradigmas poderia se estender por um número considerável de páginas, mas em nenhum momento se conseguiria encaixá-las em realidades que não sejam as dos países desenvolvidos. Todas essas teorias nasceram e se desenvolveram como perspectivas complementares e/ou dissonantes de suas próprias ideias e concepções de mundo, e contribuem de forma sistemática para o resto do mundo, desprovido de material próprio para este tipo de reflexão, reproduza essas mesmas ideias e perspectivas, com todas as consequências que isso implica.

  Após essa apresentação dos paradigmas que estruturam de forma geral a disciplina Relações Internacionais, segundo Hollis e Smith, torna-se importante tecer alguns comentários, cuja finalidade é demonstrar que a visão anglo-saxã das relações internacionais condiciona totalmente o estudo e a pesquisa, conforme afirmamos na introdução.

O primeiro ponto a ser observado é a própria ideia de paradigma. Não é este o lugar para se discutir em profundidade o conceito de paradigma. Tal

Page 67: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 65 -

como utilizado pelos estudiosos anglo-saxões das Relações Internacionais, paradigma está muito distante do conceito elaborado por Thomas Kuhn (KUHN, 1998). Ideias de Kuhn sobre Ciência Normal e Crises e Emergência das Teorias Científicas não serão aqui discutidas, mesmo porque os estudiosos das Relações Internacionais estão conscientes de que a ideia de paradigma nas Relações Internacionais nada mais é senão uma adaptação, sem maiores pretensões em relação à evolução do pensamento científico. Em vista disso, buscamos definir paradigma da maneira o mais aproximadamente possível de seu uso nas Relações Internacionais: conjunto de hipóteses racionalmente construídas, resultantes de uma determinada percepção da realidade empiricamente observada.

Os estudiosos anglo-saxões costumam se distinguir, segundo o critério das diferenças de paradigma, como Liberais, como Realistas e, em alguns casos, Construtivistas. Liberais seriam aqueles que analisam as relações internacionais através das lentes fornecidas pelas teorias políticas de John Locke e de Immanuel Kant. Realistas, por outro lado, seriam aqueles que analisam as mesmas relações internacionais através das lentes fornecidas pela teoria política de Thomas Hobbes, assim como pelas lentes apresentadas por Jean-Jacques Rousseau, em se tratando de Neorrealistas.

Ora, se essa distinção faz algum sentido, ele somente o pode fazer para os estudiosos do mundo anglo-saxão. Na verdade, se entendemos o conceito de paradigma como um modelo analítico, tal como o definido acima, existe apenas um único paradigma, que é aquele decalcado da teoria política contratualista. Não faz nenhum sentido considerar a separação de Liberais e Realistas como um critério paradigmático. Os quatro filósofos aos quais às teorias das Relações Internacionais recorrem em busca de inspiração – John Locke, Immanuel Kant, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau – compartilham “o mesmo conjunto de hipóteses racionalmente construídas, resultantes de uma determinada percepção da realidade empiricamente observada”, que é aquela que informa que a sociedade é formada por um conjunto de indivíduos que, em determinada altura (seja do ponto de vista lógico, seja do ponto de vista histórico) decidiram firmar um pacto ou um contrato entre eles, com vistas a se estruturarem politicamente mediante a criação do Estado, para que este produzisse as leis que pacificam as relações sociais e tornam a vida de todos melhor. Julgando haver assim explicitado as razões da existência e da finalidade do Estado, qual seja o resultado da decisão de indivíduos livres e racionais situados em pé de igualdade buscando preservar suas vidas e proteger seus bens, os quatro filósofos tiveram que enfrentar o desafio de explicar as razões que impedem esses mesmos Estados a viver em paz entre eles. A resposta de todos os quatro foi praticamente a mesma, isto é, assimilando a posição dos Estados à aquela dos indivíduos na fase que antecede o pacto social, concluem que os Estados vivem em estado de natureza reproduzindo o mesmo comportamento

Page 68: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 66 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

dos indivíduos. Sendo assim, a diferença que existe entre a teoria de cada um dos filósofos é aquela que os separa relativamente à concepção que tem do indivíduo em estado de natureza. Para Hobbes, o indivíduo nessa condição é aquisitivo, egoísta e agressivo; para Locke, o indivíduo é pacífico, porém sujeito a entrar em conflito com os demais por causa de problemas decorrentes da propriedade; e, para Rousseau, os indivíduos são pacíficos, mas acham-se expostos à vocação da propriedade de exercer opressão. Desse modo, podemos dizer que os quatro compartilham a mesma hipótese (individualista ou liberal) de que a sociedade e o Estado têm por base indivíduos que, por necessidade ou interesse, escolheram firmar um pacto de convivência.

Para que fique bem clara a distinção, o paradigma contratualista diferencia-se daqueles outros paradigmas cujas hipóteses são: primeira, a sociedade e o Estado resultam da expansão da família; segunda, a sociedade e o Estado representam a organização de classes sociais que se formam em torno da produção material de bens necessários à subsistência e reprodução do conjunto social.

A contrafação contida no discurso teórico padrão dos estudiosos anglo-saxões das Relações Internacionais, segundo o qual as teorias políticas formuladas pelos quatro filósofos que servem de base às teorias Liberal, Realista e Neorrealista das Relações Internacionais constituem diferentes paradigmas, produz efeitos importantes. O primeiro deles é restringir as possibilidades teóricas para a análise das relações internacionais. De acordo com o discurso teórico padrão anglo-saxão, somente é possível conhecer a realidade das relações internacionais mediante as teorias que se vinculam a esses paradigmas. Eles são, portanto, legitimadores da disciplina. Quem quer que seja, esteja onde estiver, e pretenda ser reconhecido como acadêmico das Relações Internacionais, precisa se mover no interior do campo assim delimitado por esse discurso. Evidentemente que essa ideia tem o poder de colocar a academia do mundo anglo-saxão, especialmente a dos Estados Unidos, como a Meca dos estudos sobre as relações internacionais. O fato de os mais importantes encontros de especialistas ser organizado por instituições norte-americanas é uma extensão natural dessa situação. O segundo efeito é que essas teorias pautam a análise, impondo as questões que são tidas como objetos relevantes. Os encontros internacionais promovidos pelas instituições mais importantes servem justamente a esse fim. O terceiro é o efeito político de impor a ideia de que o meio internacional é uma arena onde não há lugar para solidariedade e harmonia, somente para dominação e resistência. E o quarto efeito é, consequentemente, considerar heterodoxa e exótica qualquer outra formulação teórica que se proponha a examinar criticamente as relações internacionais.

Page 69: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 67 -

Considerações finaisO Brasil não é o único país sobre o qual se exerce o monopólio norte-

americano das teorias das Relações Internacionais. Na verdade, ele se exerce sobre quase todo o mundo. Poucos são aqueles países em que o mundo acadêmico pensa as relações internacionais segundo sua própria tradição cultural e segundo seus próprios interesses nacionais.

Poderíamos aprofundar a ideia (que ficará para outra ocasião) que pensar as relações internacionais segundo a própria tradição cultural e segundo os próprios interesses nacionais corresponde à situação de autonomia intelectual e nacional. Alcançar tal situação é um dos indicadores do desenvolvimento de um país, embora para se alcançar a situação de desenvolvimento seja necessário obter essa autonomia. Ou seja, não se alcança a situação de desenvolvimento se não se luta para alcançar a autonomia intelectual.

A respeito dessa questão, queremos finalizar essas ideias provisórias evocando a inspiradora reflexão de A. Methol Ferré – A América Latina do Século XXI (METHOL FERRÉ, 2006, 31) -, sobre a América Latina:

A autonomia intelectual é uma conquista lenta e penosa no nosso continente, ainda hoje deslumbrado com as luzes psicodélicas da urbe distante. Não con-seguimos deixar de pensar em nós mesmos sem nos compararmos com o “cen-tro”; mas não podemos sequer conquistar uma originalidade de pensamento sem sermos conscientes da nossa particular relação com ele.

Page 70: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 68 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASDORTIER, Jean-François. Dicionário de Ciências Humanas. São Paulo, Martins Fontes, 2010.

GROOM, A. J. R., LIGHT, Margot. Contemporary International Relations: A Guide to Theory. London, Pinrer, 1994.

HOLLIS, Martin, SMITH, Steve. Explaining and Understanding International Relations. Oxford, Clarendon Press, 1990.

HOOFMANN, Stanley. Uma ciencia social norteamericana: relaciones internacionales. In: Jano y Minerva – Ensayos sobre la guerra y la paz. Buenos Aires, GEL, 1991.

KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo, Perspectiva, 1998.

METHOL FERRÉ, Alberto, METALLI, Alver. A América Latina do Século XXI. Petrópolis, RJ; Vozes, 2006.

SEITENFUS, Ricardo. Relações Internacionais. Barueri,SP; Manole, 2004.

Recebido em Abril de 2015 Aprovado em Maio de 2015

Page 71: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 69 -

A DIFERENÇA QUE A ONTOLOGIA FAZ: INTERGOVERNAMENTALISMO LIBERAL,

CONSTRUTIVISMO E INTEGRAÇÃO EUROPEIA

THE DIFFERENCE ONTOLOGY MAKES: LIBERAL INTERGOVERNAMENTALISM,

CONSTRUCTIVISM AND EUROPEAN INTEGRATION

Fabiano Mielniczuk1

RESUMO: O presente artigo explora o debate entre Intergovernamentalismo Liberal (IL) e Construtivismo sobre as motivações subjacentes ao processo de integração europeia. Após apresentar as posições dos principais autores dessas abordagens, a possibilidade de síntese teórica entre ambas é analisada de um ponto de vista metateórico. Assume-se uma postura cética em relação a essa possibilidade, a partir da compreensão de que os pressupostos ontológicos que fundamentam as teorias restringem o emprego de ferramentas epistemológicas para explicar a realidade. Nesse sentido, a síntese baseada na aplicação de uma epistemologia positivista a partir de uma ontologia construtivista é considerada impossível, e serve apenas para enfraquecer a contribuição original do construtivismo para os estudos de integração.

PALAVRAS-CHAVE: Integração Europeia; Construtivismo; Intergovernamentalismo Liberal.

ABSTRACT: The paper explores the debate between Liberal Intergovernamentalism (LI) and Constructivism about the process of European Integration. After presenting the contributions of the most representative authors of these approaches, the possibility of a theoretical synthesis is analyzed from a metatheoretical perspective. The paper advances a skeptical stance toward this possibility, based on the understanding that ontological commitments in which theories are founded constrain the epistemological choices available to make sense of reality. In this sense, a synthesis that suggests the employment of a positivist epistemology to analyze a constructivist ontology is considered to be impossible, and works to weaken the contribution Constructivism has to offer to studies on European integration.

1 Doutor em Relações Internacionais pelo IRI/PUC-Rio, é mestre em Relações Internacionais pelo mesmo Instituto e graduado em Ciências Sociais pela UFRGS. É professor de Relações Internacionais da ESPM-SUL. Diretor da AUDIPLO.

Page 72: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 70 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

KEY-WORDS: European Integration; Constructivism; Liberal Intergovernamentalism.

1. IntroduçãoO presente artigo pretende explorar o debate teórico entre

Intergovernamentalismo Liberal (IL) e Construtivismo sobre as motivações subjacentes ao processo de integração europeia. Após apresentar as posições dos principais autores dessas abordagens, a possibilidade de síntese teórica entre ambas é analisada.

Na perspectiva dos que aceitam essa idéia, a teoria sintética resultante agrega valor à análise, na medida em que há abertura para o emprego de aspectos das novas abordagens para explicar a Integração Europeia. Dessa forma, uma síntese teórica é sempre mais completa do que teorias tomadas individualmente, embora alguns ajustes sejam necessários. Essa concepção está em conformidade com a visão de que a realidade empírica é única, objetivamente separada dos observadores, e de que o aprimoramento dos métodos que dão acesso à lógica de funcionamento dessa realidade conduz a melhores teorias. Aqui, o conhecimento é tratado estritamente em um nível epistemológico, a partir de perguntas sobre como é possível comprovar a validade das asserções sobre a realidade comparando os dados empíricos com as previsões teóricas. Ao longo do texto, o leitor perceberá que muitos autores que tomam parte no debate assumem deliberadamente essa postura. Tratar de metateoria, para eles, seria perda de tempo.

O problema é que o IL e o Construtivismo estão assentados sobre bases ontológicas distintas. O mundo que um intergovernamentalista vê não é o mesmo que o de um construtivista. Por isso a síntese é impossível. Para sustentar esse argumento, é necessário discutir os pressupostos dessas abordagens, e comparar se a descrição dos mundos para os quais essas teorias se aplicam são semelhantes. Esse é um movimento eminentemente metateórico, pois se restringe a discutir as teorias a partir de suas propriedades teóricas, e não tendo como base de comparação a realidade empírica. Curiosamente, tal modo de análise ganhou força depois do chamado “terceiro debate” da disciplina, travado entre positivistas e pós-positivistas (Cf. George, 1989; Lapid, 1989). Na esteira do debate, alguns construtivistas importantes sugeririam que os teóricos de RI se preocupassem mais com ontologia, e menos com epistemologia (Cf. Wendt, 1999). Nos estudos de Integração Europeia, parece que essa parte do debate não foi tão absorvida pelos construtivistas do continente quanto pelos anglo-saxões.

O texto está dividido em quatro partes. Na seção 2 é apresentado um resumo dos pressupostos ontológicos do Intergovernamentalismo Liberal (IL), e sua aplicação ao processo de Integração Europeia é ilustrada com alguns exemplos, no intuito de elucidar a epistemologia empregada nas análises. A seção 3 trata do construtivismo social e discute seu emprego nos estudos europeus.

Page 73: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 71 -

Como a pertinência da abordagem é justificada em comparação ao IL, as semelhanças e diferenças entre as duas são ressaltadas, em níveis ontológicos e epistemológicos. O debate sobre a síntese entre IL e construtivismo é feito na seção 4. Nele, é exposto o argumento do artigo: ao invés de enriquecer as análises sobre a Integração Europeia, uma síntese teórica levaria ao empobrecimento da capacidade de entendê-la. Na seção 5 são tecidos alguns comentários sobre as consequências práticas do argumento.

2. O Intergovernamentalismo Liberal e os Estudos de Integração EuropeiaO principal expoente do Intergovernamentalismo Liberal, e talvez único,

segundo a avaliação de alguns europeianistas (Schimmelfennig, 2004; Diez, 1999a), é Andrew Moravcsik (Moravcsik, 1993). De modo mais amplo, sua contribuição para as Relações Internacionais é a tentativa de reformular a teoria liberal em bases “não ideológicas” e “não utópicas,” tendo em vista que as abordagens liberais clássicas ou teleológicas não se enquadram nos critérios científicos de parcimônia, coerência, adequação empírica e consistência multicausal. O fundamento de sua nova teoria liberal é a centralidade das relações entre sociedade e Estado para a política mundial. A partir dessa importância, são elaborados três pressupostos - sobre a natureza dos atores sociais, do Estado e do sistema internacional - e, com base neles, propostas três formulações teóricas: liberalismo ideacional, liberalismo comercial e liberalismo republicano (Moravcsik, 1997, p. 514-515).

Para além das especificidades de cada vertente do liberalismo Moravcsikiano, o importante são seus pressupostos, pois eles indicam com precisão a ontologia racionalista na qual sua teoria está assentada. O primeiro pressuposto afirma a primazia dos atores sociais (indivíduos ou grupos sociais) como agentes da política internacional. Esses, por sua vez, são definidos como “(...) racionais e avessos ao risco, na média, que organizam trocas e participam da ação coletiva de modo a promover interesses diferenciados sob as restrições impostas pela escassez material, por valores conflitantes e por variações nas influências sociais” (Moravcsik, 1997, p. 516). Assume-se que os Estados representam legitimamente os interesses da sociedade, interesses estabelecidos nas disputas entre indivíduos e grupos de pressão. Por definição, as preferências dos Estados são “(...) causalmente independentes de outros atores e, portanto, anteriores a interações interestatais específicas” (Moravcsik, 1997, p. 519). Já o sistema internacional é interdependente, e a sua configuração responsável por determinar o comportamento dos Estados. Por interdependência o autor entende “(...) o conjunto de custos e benefícios criados por sociedades estrangeiras quando grupos sociais dominantes buscam realizar suas preferências, ou seja, o padrão de externalidades transnacionais que resulta das tentativas de perseguir propósitos nacionais distintos” (Moravcsik, 1997, p. 520).

Page 74: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 72 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Aplicado à Europa, o IL trata a integração como uma instância da política internacional, na qual os Estados interagem em um ambiente anárquico por intermédio de negociações entre os governos, e suas explicações são dadas a partir da ontologia racionalista exposta acima, com os atores sociais agindo para maximizar a utilidade de suas escolhas em virtude de seus interesses. De modo resumido, a análise teórica do IL pode ser apresentada em três níveis de abstração: a formação de preferências dos Estados, as barganhas intergovernamentais e as instituições europeias resultantes (Schimmelfennig, 2004). Em primeiro lugar, a formação das preferências estatais é determinada pela disputa entre grupos econômicos, pois se assume que motivações econômicas são os aspectos mais importantes do processo de integração, o que implica relegar explicações ideológicas e geopolíticas a um papel secundário. Posteriormente, as barganhas intergovernamentais são realizadas para superar os problemas de ação coletiva quando a interação egoísta produz resultados subótimos. Nesse processo, o que conta é o poder de cada Estado, medido em termos da distribuição assimétrica de informação e das opções de se retirar das negociações. Acredita-se que as negociações mais importantes envolvam a distribuição dos benefícios gerados pela cooperação, o que no jargão da teoria da escolha racional é chamado de problemas de segunda ordem, e não a superação dos problemas de cooperação, conhecidos como de primeira ordem. Devido a isso, as instituições europeias fortalecem o papel dos Estados, pois os governos não dependem delas para resolver os problemas de cooperação, mas podem utilizá-las para resolver os problemas de controle e distribuição, com a prerrogativa de transferir para as instituições supranacionais a responsabilidade quando atores sociais domésticos exigirem medidas que protejam seus interesses específicos (Schimmelfennig, 2004, p. 76-80).

Dois exemplos ilustram a abordagem. Ao analisar o Ato Único Europeu, conclui-se que sua causa não decorreu da ação de atores supranacionais, como as explicações tradicionais o retratavam, mas de negociações intergovernamentais impulsionadas pela ameaça de França e Alemanha em continuar o processo de integração sem a Inglaterra. Por sua vez, isso só foi possível devido à mudança prévia do governo socialista francês em relação à sua política econômica (Moravcsik, 1991). Em relação ao Tratado de Maastrich, o IL sustenta ser possível explicar os resultados das negociações quando se considera que as preferências dos Estados foram determinadas pela importância de alguns assuntos para atores sociais específicos, que as barganhas foram realizadas em um ambiente assimétrico e que nas negociações os Estados almejaram um desenho institucional que garantisse a aplicação do acordado. Dadas às diferenças nas preferências dos Estados frente aos inúmeros assuntos discutidos e às distintas capacidades de barganha, os resultados institucionais das negociações foram modestos (Moravcsik e Nicolaidis, 1999).

Page 75: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 73 -

Em termos epistemológicos, Moravcsik (1999) defende que a ciência social deve ser conduzida por intermédio do exercício da autocrítica, o qual está fundado na preocupação com o emprego do método científico, com a formulação de hipóteses e o contraste com as evidências ex ante, para validar as relações de causalidade estabelecidas entre a teoria e os fenômenos empíricos. Nesse sentido, a teoria é vista como uma ferramenta para aproximar o analista da realidade histórica (Moravcsik, 1999, p. 389). É com base nessa visão que o autor se defende das críticas de que suas previsões a respeito dos interesses econômicos dos governos não passam de explicações ex post facto, enviesadas pelos dados empíricos escolhidos para análise (Diez, 1999a; Schimmelfennig, 2004). Para Moravcsik, suas conclusões são previsões que sua teoria estrutural de formulação das preferências sugere a partir da análise de variáveis como fluxo de comércio, inflação e competitividade (Moravcsik, 1999, p. 377). Do lado do institucionalismo histórico, há a crítica de que o IL omite o papel que o peso do feedback institucional desempenha na formulação das preferências. Em resposta, o autor enfatiza que os interesses de setores econômicos distintos influenciam a formação das preferências governamentais em decorrência de sua posição estrutural nos mercados globais. Por isso, o feedback (o termo será tratado mais adiante) existe, mas ele é determinado pela transformação da economia global, e não pela adoção de novas identidades (Moravcsik, 1999, p. 382).

Percebe-se que o IL está assentado sobre uma ontologia racionalista, que parte de atores que maximizam seus ganhos de acordo com seus interesses egoístas e pressionam os governos a agirem de modo semelhante nas barganhas com os outros Estados. A origem dos interesses reside na posição que os atores ocupam na economia global, e a transformação em preferências estatais será determinada pelos arranjos políticos domésticos; por isso a formação das preferências é exógena. Epistemologicamente, o critério de verdade para as asserções teóricas é a correspondência com os dados empíricos, demonstrada por meio da especificação precisa dos mecanismos causais que determinam os rumos do processo de integração.

3. O Construtivismo e os Estudos de Integração EuropeiaDe modo geral, três características são citadas pelos estudiosos da

integração europeia para definir o construtivismo. A primeira é que a realidade é socialmente construída (Risse, 2004; Checkel, 1998; Christiansen, Jorgensen e Wiener, 1999). Isso implica que as estruturas materiais posseum significado apenas por intermédio do contexto social em que estão inseridas (Checkel, 1998, p. 325). A segunda característica diz respeito à interação entre agentes e estrutura. Para os construtivistas, o ambiente é responsável pela definição dos interesses dos agentes, o que ocorre por meio da constituição mútua na relação agente-estrutura.

Page 76: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 74 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Nesse sentido, não há antecedência ontológica entre os termos do binômio. Assim, é possível afirmar que o construtivismo baseia-se em “uma ontologia social que insiste que os agentes humanos não existem independentemente de seu ambiente social e de seus sistemas de significados coletivamente compartilhados” (Risse, 2004, p. 160). O terceiro aspecto é a preocupação com as práticas discursivas, uma vez que é por intermédio do discurso que os agentes conferem significado ao mundo. Por exemplo, os adeptos da racionalidade argumentativa sustentam que as preferências dos agentes podem ser alteradas durante o processo de interação (Risse, 2004, p. 165), e inúmeros estudiosos apontam o papel dos discursos na construção de um vocabulário próprio que constitui uma organização como a União Europeia (Christiansen, Jorgensen e Wiener, 1999, p. 541).

Dessa forma, os autores apresentam uma figura bastante fidedigna da abordagem construtivista conhecida na área de Relações Internacionais, pelo menos em sua vertente moderada. Todavia, ela não indica qual a relevância de sua incorporação aos estudos sobre a integração europeia. Para isso é necessário delimitar o significado que o termo assume para esse tipo de estudo. Essa definição pode ser feita pela análise de dois elementos recorrentes em seus textos. Em primeiro lugar, deve-se mencionar a inovação que o construtivismo social representa para uma área dominada por “debates estéreis e com foco bastante limitado entre neofuncionalismo e (liberal) intergovernamentalismo” (Risse, 2004, p.159). Assim, aspectos até então desconsiderados pelos racionalistas podem ser tratados pelos construtivistas, principalmente no que se refere à formação das preferências dos agentes e às limitações racionalistas em explicar mudanças a partir de preferências pré-estabelecidas, dois temas centrais nas abordagens construtivistas sobre a formação de identidades e interesses. Em termos práticos, e apesar da ressalva de Checkel (1998) de que falta uma teoria da agência à abordagem, os construtivistas tratam o processo de integração como uma via de mão dupla: a construção institucional parte dos Estados para definir a identidade da União Europeia e retorna para realimentar (feedback) a própria identidade e os interesses desses Estados (Risse, 2004, p. 162).

Portanto, o primeiro elemento se refere aos efeitos benéficos que a ontologia construtivista introduz na área de estudos de integração. Vale ressaltar que o mundo racionalista não é o mesmo que o construtivista. Como foi visto, para os racionalistas, a realidade é material, e as preferências são definidas pelas recompensas que ganhos dessa natureza proporcionam aos agentes, motivados por cálculos de custo-benefício. A aceitação desse mundo limita as possibilidades analíticas dos pesquisadores. Por isso o novo mundo construtivista parece mais promissor. O argumento é ilustrado pelas justificativas de Christiansen, Jorgensen e Wiener (1999) sobre a relevância do construtivismo para os estudos de integração europeia. Os autores afirmam que as realidades sociais afirmadas pela ontologia

Page 77: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 75 -

construtivista existem apenas por intermédio do entendimento intersubjetivo entre indivíduos, e são, portanto, mais voláteis quando comparadas à realidade material. Em decorrência, a abordagem se adequaria ao estudo do processo de integração europeia, notável por suas mudanças de rumo ao longo da história. Além disso, a ontologia construtivista permite incluir áreas bastante distintas da realidade internacional em um mesmo arcabouço teórico, representando a possibilidade de diálogo entre algumas subáreas que compõem tradicionalmente os estudos sobre a União Europeia. Finalmente, por ser uma teoria social que se aplica às várias disciplinas, o construtivismo permite superar diferenças de enfoque entre as abordagens de Relações Internacionais, Ciência Política e Estudos Europeus sobre o processo de integração (Christiansen, Jorgensen e Wiener, 1999, p. 530-531).

O segundo elemento é que a maioria dos construtivistas da integração se define em oposição ao racionalismo quanto ao caráter agente-centrado do individualismo metodológico que o fundamenta, e não em relação à epistemologia positivista utilizada (empiricismo, explicação por meio de relações causais, etc.). Negar o individualismo metodológico permite considerar o papel das normas na formação das preferências dos agentes. Assim, Risse (2004, p. 164) e Checkel (1998, p. 326) afirmam que os agentes se comportam de acordo com a lógica da apropriação, isto é, fazem o que é mais adequado ao contexto da interação, ao mesmo tempo em que não descartam que suas análises devam demonstrar causalmente como ocorre esse processo. Portanto, há conformidade entre os autores no papel complementar que o construtivismo pode desempenhar nos estudos de integração, mesmo com uma ontologia diferente da racionalista. É a preocupação com a causalidade e o empiricismo que torna possível afirmar que o construtivismo ocupa o middle ground ontológico entre individualismo e estruturalismo (Risse, 2004, p. 161), entre racionalistas e pós-modernos (Checkel, 1998, p. 327) ou entre racionalistas e reflexivistas (Christiansen, Jorgensen e Wiener, 1999, p. 532-543). Adotando uma perspectiva moderada, os construtivistas da integração europeia assumem que a divergência entre sua abordagem e o racionalismo não é epistemológica, mas ontológica.

Alguns exemplos ilustram como uma ontologia construtivista pode ser analisada a partir de estratégias epistemológicas empregadas por racionalistas. Schimmelfennig (2002) emprega o método estatístico de análise histórica de eventos para testar a hipótese de que quanto maior a aceitação das normas liberais pelos Estados não membros da União Europeia, maior a probabilidade de ingresso na organização. O mecanismo causal por trás da relação é a ação retórica de alguns Estados membros favoráveis à expansão. Aliando seus interesses ao padrão de legitimidade estabelecido pelas normas que conferem identidade à organização, esses Estados criam uma armadilha para os membros

Page 78: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 76 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

contrários ao alargamento: acusam-nos de, ao negar acesso aos candidatos, negar a própria identidade. A obediência aos padrões de legitimidade é garantida pela ameaça de desmoralização dos membros que caírem em contradição defendendo seus interesses particulares em detrimento da identidade coletiva. Aqui, os pressupostos envolvendo cálculo racional e defesa egoísta de interesses pré-estabelecidos contribuem para a construção intersubjetiva da União Europeia (Schimmelfennig, 2001).

Já Checkel (1999) pretende aperfeiçoar a abordagem construtivista, pois essa valoriza excessivamente o papel constitutivo das normas nas identidades dos agentes e, em decorrência, não oferece uma teoria da agência capaz de demonstrar o vetor causal presente no sentido inverso (Checkel, 1998, p. 339). O autor elabora um quadro analítico a partir de hipóteses sobre a situação de interação entre os agentes e a probabilidade de difusão de aprendizado. Com isso busca determinar, com base nas evidências empíricas, como a constituição das normas também é determinada pela agência (Checkel, 1999, p. 549-550). Metodologicamente, sua análise se utiliza da técnica de process tracing, ponderada pelo uso de contrafactuais. Para verificar a adequação entre dados empíricos e as previsões teóricas são realizadas entrevistas, análise qualitativa de conteúdos de mídia e pesquisa em documentos oficiais. Esses procedimentos são necessários para mensurar a veracidade das informações coletadas junto aos informantes (Checkel e Moravcsik, 2001).

A análise de Marcussen et al. (1999) é outro exemplo de uma opção analítica que engloba a ontologia construtivista e a epistemologia racionalista. Os autores pretendem explicar as causas das diferentes identidades de França, Alemanha e Inglaterra em relação ao projeto de integração europeu. Para tanto, elaboram um modelo de análise fundado em três pressupostos, que juntos conferem sentido à análise empírica da constituição mútua entre agente e estrutura. Em primeiro lugar, novas identidades só possuem chances de prosperar quando introduzidas em um ambiente institucional que as aceite como legítimas. Em segundo lugar, é necessário que exista uma conjuntura de crise para que as elites decidam, por intermédio de uma manipulação instrumentalmente orientada, os discursos que constituem a nova identidade do Estado. Por fim, quando há consenso sobre a nova identidade, ela é institucionalizada, o que dificulta a possibilidade de novas mudanças (Marcussen et. al., 1999, p. 615). Além do caráter estratégico presente no processo de escolha das identidades pelas elites, outra semelhança com a epistemologia racionalista é percebida pelo tratamento conferido aos discursos: eles retratam de modo objetivo uma realidade construída intersubjetivamente. Nesse sentido, os discursos refletem a realidade, e não a constroem, e sua análise empírica permite localizar temporalmente a mudança de identidades e demonstrar suas consequências.

Page 79: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 77 -

Uma ressalva se faz necessária. Nem todos os construtivistas da integração europeia aceitam a junção analítica entre uma ontologia construtivista e uma epistemologia racionalista. Porém, todos acreditam que a ontologia construtivista oferece um ponto de vista privilegiado para os estudiosos da área. Para citar um exemplo, Diez (1999) adota uma ontologia construtivista e uma epistemologia pós-estruturalista, ao tratar os discursos como ferramentas de construção da realidade, e não de descrição. Nesse sentido, eles não são a causa dos fenômenos, mas delimitam as fronteiras dos eventos possíveis; não faz sentido, portanto, procurar por relações causais entre eles. Todavia, seu construtivismo discursivo é justificado como uma tentativa de preencher uma lacuna nos estudos sobre a integração, a saber, a falta de atenção sobre o poder da linguagem na constituição da Europa. Isso indica que, para o autor, a ontologia construtivista é mais completa que a racionalista, e é mais bem compreendida a partir de uma epistemologia não positivista. De modo geral, o mesmo pode ser dito de Shaw (1999). Assim, é possível complementar Smith (1999, p. 682) quando sustenta que as diferentes abordagens construtivistas possuem em comum apenas sua oposição à ontologia racionalista: elas também compartilham a crença de que a ontologia construtivista é mais completa para quem pretende entender/explicar o processo de integração da Europa.

Em suma, o construtivismo dos “europeanistas” é definido a partir de três aspectos: 1) a realidade é socialmente construída; 2) a relação entre agente e estrutura é de constituição mútua; 3) os discursos desempenham um papel fundamental para a análise. Outras duas características marcam a aplicação do construtivismo aos estudos europeus. Em primeiro lugar, os construtivistas acreditam que a abordagem oferece uma ontologia mais completa que a ontologia racionalista, pois a Europa enxergada pelo prisma construtivista oferece respostas a perguntas que os racionalistas sequer formulam. O problema da origem da formação das preferências entre os agentes é recorrentemente citado como prova dessa “superioridade”. Em segundo lugar, a maioria dos construtivistas aceita conduzir análises baseadas em uma ontologia construtivista a partir de uma epistemologia racionalista. É com esse grupo que o IL estabelece o debate sobre uma síntese entre as duas abordagens.

4. Síntese teórica?Pelo que foi exposto nas seções anteriores, é possível elaborar um quadro

situando as contribuições do IL e do Construtivismo para o estudo da integração europeia, a partir de duas dimensões, uma ontológica e outra epistemológica. No eixo ontológico, o racionalista afirma que o processo de integração é constituído por atores egoístas, cujas preferências são estabelecidas independentemente dos outros atores e são motivadas por interesses materiais derivados de preocupações

Page 80: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 78 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

com perdas e ganhos econômicos. O que conta é aquilo que os atores fazem, e não aquilo que falam. Já o construtivismo sustenta que as motivações dos atores também são, além de materiais, socialmente determinadas e que as preferências são definidas no processo de interação, do mesmo modo que suas identidades (coconstituição). O que os atores falam importa, pois os discursos são ferramentas importantes para conferir significado à realidade social. No eixo epistemológico, os positivistas defendem que a boa teoria é aquela que oferece condições para a formulação de hipóteses que possam ser testadas empiricamente. Além disso, dada à necessidade de adequação entre as previsões teóricas e os dados empíricos, ela deve identificar com precisão os mecanismos causais que atuam sobre os eventos e determinam sua capacidade preditiva. O positivismo também advoga a separação entre fato e valor e sujeito e objeto, o que implica que o universo empírico possui uma lógica própria que só pode ser entendida a partir de teorias científicas. Já a epistemologia não positivista não se preocupa com relações de causalidade e muito menos com a comprovação empírica das formulações teóricas. Nesse tipo de abordagem, todos os dados são determinados teoricamente, pois não há separação entre sujeito e objeto, nem entre fato e valor (Neufeld, 1995). A Figura 1 localiza os autores citados até aqui nessas duas dimensões.

Figura 1 – Contribuições do IL e do Construtivismo ao Processo de Integração da Europa

OntologiaRacionalista

OntologiaConstrutivista

A B

EpistemologiaPositivista

Moravcsik Moravcsik e Nicolaidis

RisseCheckelSchimmelfenigChristiansen, Jorgensen e WienerMarcussen et. al.

D C

EpistemologiaNão Positivista

DiezShaw

De modo geral, a posição do IL sobre a possibilidade de síntese teórica é clara. Para Moravcsik (2003), ela é desejável e constitui as Relações Internacionais enquanto Ciência Social progressiva. Por isso mesmo não é contraditório sustentar que a realidade é complexa demais para ser explicada de modo unicausal, e

Page 81: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 79 -

defender a síntese teórica. Já sua validação ocorreria por intermédio de análises empíricas, como quando se testa a validade de uma única teoria. Portanto, sua posição é fundamentada a partir da concepção de que as Ciências Sociais se ocupam de relações de causalidade verificáveis empiricamente. Segundo o autor, essa é a concepção weberiana de discurso científico, cujo propósito é aprimorar a compreensão sobre padrões de causa e efeito e sua relação com o mundo empírico e distanciar o cientista do político, do filósofo e do artista (Moravcsik, 2003, p. 131-133).

Como consequência Moravcsik (1999, p. 389) afirma que um tipo de teoria crítica com viés estritamente pós-moderno não permite crítica sistemática, pois o contraste entre as afirmações teóricas sobre o mundo empírico e o próprio não é considerado, em uma referência explícita a Diez (1999a). Essa afirmação descarta a possibilidade de síntese entre o IL e as abordagens compreendidas no quadrante C da Figura 1. Restam as abordagens do quadrante B. De fato, a maioria dos autores que aceitam uma ontologia construtivista e uma epistemologia positivista acredita na possibilidade de síntese (Checkel, 2000; Schimmelfennig, 2004, p. 92-93; Risse, 2004, p. 175). Conforme demonstrado na seção anterior, o construtivismo complementaria o IL nas questões não respondidas por ele em razão das limitações de sua ontologia racionalista, sendo a formação das preferências o exemplo emblemático. O problema é que a aceitação de seu caráter complementar, que no primeiro momento parece indicar a superioridade do construtivismo vis-à-vis o IL, o coloca em uma situação de submissão aos critérios de validação do conhecimento aceitos pelos racionalistas. Isso fica explícito no debate entre Moravcsik (1999), Checkel (2000) e Checkel e Moravcsik (2001).

Ao criticar o construtivismo aplicado aos estudos de integração europeia, Moravcsik (1999, p. 670-671) afirma que ele pode ser reduzido à pretensão de comprovar duas proposições: em primeiro lugar, que as elites governamentais definem seus interesses de acordo com o que é mais consistente com idéias e discursos compartilhados coletivamente, os quais não são reduzidos a interesses materiais e, em segundo, que as ideias e os discursos compartilhados coletivamente mudam apenas em situações de crise. De acordo com o autor, para que as proposições sejam consideradas verdadeiras, elas precisam ser verificadas empiricamente. Para isso, seria necessário que existissem mecanismos causais que demonstrassem, em relação à primeira proposição, “quais processos de escolha de políticas e definição de interesses ocorrem (...) a fim de se pronunciar sobre quais ideias e discursos influenciam (ou não) quais políticas sob quais circunstâncias” e, em relação à segunda, “quais crises políticas levam a mudanças em quais ideias e discursos sob quais circunstâncias” (Moravcsik, 1999, p. 671). Ele é bastante categórico ao afirmar que os construtivistas falham em especificar esses mecanismos. Subentende-se, em seu argumento, que isso ocorre devido ao

Page 82: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 80 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

medo de colocar suas teorias à prova e perceber que teorias racionalistas, dentre as quais o IL, explicam melhor essas relações do que o construtivismo. Para tanto, os construtivistas distorcem a capacidade analítica das teorias concorrentes, pois qualquer teoria é imbatível quando comparada com “espantalhos.” A fixação de Moravcsik em mecanismos causais e na comprovação empírica é tão intensa que ele chega a admoestar Diez (1999b) por não considerá-los em sua abordagem (pós-estruturalista) sobre discursos! O autor afirma ser mais fácil para os construtivistas buscar abrigo em discussões meteóricas.

“Philosophical speculation is being employed not to refine and sharpen concre-te concepts, hypotheses, and methods, but to shield empirical conjectures from empirical testing. Meta-theoretical musing does not establish but evades points of direct empirical conflict between sophisticated rationalist and constructiv-ist theories. Abstract discussions of competing modes of positivism, ideational causality, rationalist explanation, the relationship between agents and struc-tures, often serve as principled excuses for not engaging in competitive theory testing. At the very least, such speculation expends a great deal of time, effort, and space that might have been devoted to the elaboration of concrete con-cepts, theories, hypotheses, and methods.” (Moravcsik, 1999, p. 678-679)

Portanto, o IL se nega a discutir os aspectos relacionados à ontologia, único ponto sobre o qual os construtivistas são unânimes quanto à capacidade superior de sua abordagem, e mantêm a discussão restrita a um debate sobre epistemologia positivista, aspecto compartilhado apenas pelos construtivistas moderados. Dessa forma, Moravcsik desqualifica o que há de mais promissor na abordagem e impõe os termos do debate sobre o que é a maior fraqueza do construtivismo, a saber, o não reconhecimento da incompatibilidade entre a ontologia construtivista e a epistemologia positivista.

O argumento que se pretende avançar baseia-se em Smith (1996, p. 18), para quem a epistemologia é importante porque determina o que é aceito ontologicamente, ao mesmo tempo em que a ontologia determina o que é aceito epistemologicamente. Há apenas uma pequena mudança de ênfase no uso dessa relação. Enquanto Smith (1996, p. 11) está preocupado em demonstrar como a epistemologia delimita os contornos da ontologia, aqui se propõe a discussão inversa: os efeitos da escolha de uma ontologia particular sobre as opções epistemológicas. O argumento é o seguinte: uma vez que a realidade é socialmente construída, o construtivismo deve aceitar que há conformidade intrínseca entre as propriedades ontológicas que definem o objeto de estudo e as ferramentas conceituais utilizadas para validar o conhecimento acerca desse objeto, pois ambos são criados, mantidos ou alterados em função das práticas sociais dos agentes. Por conseguinte, não é possível encontrar relações causais em um mundo fundado sobre relações de coconstituição. Se o argumento for levado às suas últimas consequências, é possível entender, também, a conformidade entre

Page 83: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 81 -

a ontologia racionalista e a epistemologia positivista do IL. O mundo racionalista pressupõe uma série de relações causais, na medida em que está assentado na noção de cálculo instrumental, uma vez que relações de custo e benefício são, por sua natureza, estimativas de causa e efeito utilizadas pelos atores no processo de definição de suas preferências. Isso ocorre porque o pressuposto da racionalidade organiza a realidade a partir de uma concepção de tempo que privilegia a sequência (lógica da consequência) em oposição à simultaneidade (lógica da apropriação). Portanto, da mesma forma que a ontologia construtivista pressupõe o emprego de uma epistemologia não positivista, uma ontologia racionalista demanda explicações causais. Essa é a diferença que a ontologia faz.

O que ocorre no debate entre IL e construtivistas é que o emprego forçado de uma epistemologia positivista leva os próprios construtivistas ao abandono de sua ontologia. Isso fica bastante claro em Checkel (1998, p. 335), para quem é necessário identificar com precisão quais são os fatores causais que atuam nos dois sentidos da relação de coconstituição entre agente e estrutura. Essa tentativa está fadada ao fracasso, pois relações de coconstituição ocorrem simultaneamente no tempo, ao passo que as relações causais pressupõem que a causa anteceda o efeito. Uma alternativa viável é recorrer à técnica dos parênteses como recurso metodológico: colocar entre parênteses a estrutura ao se estudar a agência, e fazer o mesmo com a agência ao se tratar da estrutura (Cf. Wendt, 1987; Dessler, 1989; para a crítica, Carlsnaes, 1992). Todavia, para um autor que condena a abstração dos debates teóricos e acredita que as análises devem ser orientadas por problemas empíricos (Checkel, 1999, p. 546), tal solução seria por demais metateórica. Por isso, as tentativas de conferir cientificidade ao construtivismo por intermédio de uma epistemologia positivista são descartadas com o argumento de que elas reproduzem as explicações racionalistas de modo empobrecido (Checkel e Moravcsik, 2001, p. 239). Essa afirmação só se sustenta quando há uma única base ontológica em comum, o que evidencia a transmutação da ontologia construtivista em uma racionalista. Essa é a violência que a epistemologia comete.

5. Conclusão: a diferença que a ontologia fazEm uma área de conhecimento na qual debates metateóricos são vistos com

desconfiança, talvez o melhor indício sobre os efeitos que as escolhas ontológicas exercem sobre as opções epistemológicas esteja na inexistência de abordagens que pressuponham uma ontologia racionalista e aceitem uma epistemologia não positivista (quadrante D da Figura 1). Se o argumento exposto nesse paper estiver correto - que as escolhas epistemológicas devem estar em conformidade com a ontologia que fundamenta a análise - essa ausência é resultado da incompatibilidade entre ambas. Parece evidente que as ferramentas de análise pós-positivistas não foram talhadas para compreender o mundo racionalista. Aliás, o

Page 84: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 82 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

argumento mais forte a favor de análises dessa natureza é que elas evidenciam o que geralmente é deixado de lado pelas abordagens tradicionais. Todavia, se essa é a explicação mais adequada, seguindo o princípio de correspondência entre ontologia e epistemologia, o quadrante B, onde está localizada a maior parte dos construtivistas dos estudos europeus, também deveria estar vazio. Mas esse não é o caso. Por quê?

A resposta segue o argumento de Smith (1996). Contra as pretensões de neutralidade axiológica dos racionalistas, as teorias influenciam a prática política, pois na medida em que se estabelecem como referência para estudar a “realidade objetiva”, limitam aquilo que pode ser tratado nos debates acadêmicos. Nesse sentido, “as teorias não preveem ou explicam simplesmente, elas nos dizem quais as possibilidades existem para a ação e intervenção humana; elas não definem apenas nossas possibilidades de explicação, mas também nossos horizontes éticos e práticos.” (Smith, 1996, p. 13). Dessa forma, ciência e política se fundem, em uma disputa para definir os contornos do que é legítimo no âmbito acadêmico. A falta de compreensão dessa dinâmica levou os construtivistas a procurarem relações causais onde elas não existiam, na busca por legitimidade em uma área de conhecimento dominada pela epistemologia positivista. O resultado foi o empobrecimento da análise e o abandono, ou deformação, de sua maior contribuição: uma nova ontologia para os estudos de integração. Posto dessa maneira, a ideia central do debate entre IL e construtivismo é falsa. Não se trata de uma discussão sobre síntese, mas de submissão.

Dois resultados práticos decorrem do argumento. Em primeiro lugar, deve-se aceitar o pluralismo teórico e abandonar as pretensões de síntese, pois elas são, na verdade, tentativas de imposição e manutenção de discursos hegemônicos no âmbito acadêmico, revestidas de cientificismo e neutralidade. O segundo resultado prático é inverter as suspeitas levantadas sobre discussões metateóricas. Se há algo que desperta desconfiança, as suspeitas recaem sobre as análises que insistem na evidência empírica e nas relações de causalidade como critérios para validação do conhecimento. Esse resultado vai de encontro ao consenso de Checkel e Moravcsik (2001) sobre a necessidade de retirar a discussão das “nuvens metateóricas” e trazê-la para terra firme, de modo que haja um fundamento empírico para as afirmações a respeito das qualidades teóricas do IL e do construtivismo. O presente artigo oferece um argumento para que o debate continue sendo metateórico, na crença de que do alto se enxerga mais longe.

Page 85: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 83 -

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASCARLSNAES, W. (1992), “The Agency-Structure Problem in Foreign Policy Analysis.” International Studies Quarterly, 36, 3, 245-270.

CHECKEL, J. (1998), “The Constructivist Turn in International Relations Theory.” World Politics, 50, 2, 324-348.

_____. (2000), “Bridging the Rational-Choice / Constructivist Gap? Theorizing Social Interaction in European Institutions,” ARENA Working Papers, no 11. Disponível em: http://www.arena.uio.no/publications/working-papers2000/papers/wp00_11.htm

_____. (1999), “Social Construction and Integration.” Journal of European Public Policy, 6, 4, 545-60.

_____. & Moravcsik, A. (2001), “A Constructivist Research Program in EU Studies?” European Union Politics, 2, 2, 219-249.

CHRISTIANSEN, T.; JORGENSEN, K. & WIENER, A. (1999), “The social construction of Europe.” Journal of European Public Policy, 6, 4, 528-544.

DESSLER, D. (1989), “What’s at Stake in the Agent-Structure Debate?” International Organization, 43, 3, 441-473.

DIEZ, T. (1999a), “Riding the AM-track through Europe; or, The Pitfalls of a Rationalist Journey Through European Integration.” Millennium: Journal of International Studies, 28, 2, 355-370.

_____. (1999b), “Speaking ‘Europe’: the politics of integration discourse.” Journal of European Public Policy, 6, 4, 598-613.

GEORGE, J. (1989), “International Relations and the Search for Thinking Space: Another View of the Third Debate.” International Studies Quarterly, 33, 3, 269-279.

LAPID, Y. (1989), “The Third Debate: On the Prospects of International Theory in a Post-Positivist Era.” International Studies Quarterly, 33, 3, 235-254.

MARCUSSEN, M.; RISSE, T.; ENGELMANN-MARTIN, D.; KNOPF, H.; ROSCHER, K. (1999), “Constructing Europe? The evolution of French, British and German nation state identities.” Journal of European Public Policy Special Issue, 6, 4, 614-633.

MORAVCSIK, A. (1993), “Preferences and Power in the European Community: A Liberal Intergovernmentalist Approach.” Journal of Common Market Studies, 31, 4, 473-524.

_____. (1991), “Negotiating the Single European Act: National Interests and Conventional Statecraft in the European Community.” International Organization, 45, 1, 19-56.

Page 86: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 84 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

_____. (1997), “Taking Preferences Seriously: A Liberal Theory of International Politics.” International Organization, 51, 4, 513-553.

_____. (1999), “The Future of European Integration Studies: Social Science or Social Theory?” Millennium: Journal of International Studies, 28, 2, 371-391.

_____. (2003), “Theory Synthesis in International Relations: Real Not Metaphysical.” International Studies Review, 5, 1, 131-136.

_____. (1999), “‘Is something rotten in the state of Denmark?’ Constructivism and European integration.” Journal of European Public Policy, 6, 4, 669- 81.

_____ & Nicolaidis, K. (1999), “Explaining the Treaty of Amsterdam: Interests, Influence, Institutions.” JCMS: Journal of Common Market Studies, 37, 1, 59-85.

Neufeld, M. (1995), The Restructuring of International Relations Theory. Cambridge: Cambridge University Press.

RISSE, T. (2004), “Social Constructivism and European Integration.” In: Weiner, A. & Diez, T. (Orgs.). European Integration Theory. Oxford: Oxford University Press.

SCHIMMELFENNIG, F. (2001), “The Community Trap: Liberal Norms, Rhetorical Action, and the Eastern Enlargement of the European Union.” International Organization, 55, 1, 47-80.

_____. (2002), “Liberal community and enlargement: an event history analysis.” Journal of European Public Policy, 9, 4, 598-626.

_____. (2004), “Liberal Intergovernamentalism,” In: Weiner, A. & Diez, T. (Orgs.) European Integration Theory. Oxford: Oxford University Press.

SHAW, J. (1999), “Postnational constitutionalism in the European Union.” Journal of European Public Policy, 6, 4, 579-597.

SMITH, S. (1996), “Positivism and beyond.” In: Smith, S. & Booth, K. & Zalewski, M. (orgs.). International Theory: Positivism and Beyond. Cambridge: Cambridge University Press.

_____. (1999), “Social constructivisms and European studies: a reflectivist critique.” Journal of European Public Policy, 6, 4, 682-691.

WENDT, A. (1987), “The Agent-Structure Problem in International Relations Theory.” International Organization, 41, 3, 335-370.

_____. (1999), Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge University Press.

Recebido em Maio de 2015 Aprovado em Junho de 2015

Page 87: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 85 -

UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL?AS POSSIBILIDADES DE INTEGRAÇÃO

REGIONAL, INSPIRADAS PELA INDÚSTRIA ELÉTRICA DA AMÉRICA DO SUL, ILUMINADA

PELA TEORIA NEO-FUNCIONALISTA

A LIGHT IN THE TUNNEL END? THE POSSIBILITIES OF REGIONAL INTEGRATION, INSPIRED BY THE

ELECTRICAL INDUSTRY OF SOUTH AMERICA, ILLUMINATED BY NEO-

FUNCTIONALISM THEORY

José Antônio Moreira das Neves1

RESUMOO processo de integração regional busca implementar o atendimento de questões gerais que os Estados Nacionais, pela sua limitação de recursos, não conseguem enfrentar isoladamente. O exemplo mais tangível destes processos no sistema internacional é a integração europeia. Na América do Sul, embora exista um número significativo de instituições com o objetivo de fomentar a integração regional, ela não tem evoluído. As disputas políticas e fiscais têm embaçado a visão dos principais atores que poderiam estimular essa nova ordem regional. Assim, este trabalho analisou como a Comunidade Europeia para o Carvão e o Aço (ECSC/CECA) impulsionou a integração europeia, com o objetivo de verificar o potencial sinérgico para a cooperação que uma eventual instituição supranacional de energia elétrica teria para estimular a integração da América do Sul. A experiência europeia foi utilizada, portanto, como um caso de controle e comparação para verificar se as condições de integração ocorridas naquele continente podem se assemelhar com aquelas do processo sul-americano. Nesse sentido, utilizando o referencial teórico Neo-funcionalista de Ernst Haas e sua microteoria do spill-over ou desborde, o estudo pretendeu observar se esse tipo de fenômeno pode ser repetido no caso de uma possível constituição de um sistema elétrico integrado na América do Sul. Assim, ainda que os aspectos sociais, econômicos e políticos sejam diferentes da experiência europeia, o trabalho colheu evidências convergentes e satisfatórias para a formação do spill-over, a partir da eventual integração do setor energético na América do Sul, apontando para a possibilidade de construção de um processo de integração regional que pode ser explicado e inspirado pela teoria Neo-funcionalista.

1 Licenciado em Ciência Sociais, Mestre e Doutor em Ciência Política / UFRGS. CV: http: //lattes.cnpq.br/1831467324481646. E-mail: [email protected]

Page 88: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 86 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

PALAVRAS-CHAVE: integração – sistema elétrico – Neo-funcionalismo

ABSTRACT:The regional integration process seeks to implement the care of general questions that the National States, for its limited resources, can not face alone. The most tangible example of these processes in the international system is European integration. In South America, although there is a significant number of institutions in order to promote regional integration, it has not evolved. Policies and tax disputes have blurry vision of the key players that could stimulate this new regional order. Thus, this study examined how the European Community for Coal and Steel (ECSC / ECSC) boosted European integration, in order to verify the synergistic potential for cooperation that any supranational institution of electricity would have to stimulate the integration of South America. The European experience was used, therefore, as a case of control and comparison, to verify that the integration conditions occurring on that continent may resemble with those of the South American process. In this sense, using the theoretical framework Neo-functionalist Ernst Haas and his micro-theory of spill-over or overflowing, the study aimed to see if this kind of phenomenon could be repeated in the case of a possible creation of an integrated electrical system in America South. Thus, although the social, economic and political aspects are different from the European experience, the work gathered convergent and satisfactory evidence for the formation of spill-over from the eventual integration of the energy sector in South America, pointing to the possibility of building a regional integration process that can be explained and inspired by neo-functionalist theory.

KEYWORDS: integration - electrical system - Neo-functionalism

IntroduçãoEste trabalho, de forma prospectiva, sustenta que a integração elétrica da

América do Sul, regulada por uma unidade de controle e supervisão, amparada inicialmente, nos arranjos interestatais e nas relações bilaterais dos Estados Nacionais, poderá influenciar as demais áreas, através de estímulos econômicos, sociais e institucionais, aprofundando a integração da região. Nesses termos, ao valorar os acordos e as relações bilaterais que existem no setor de energia, no sentido da eventual criação de uma malha elétrica regional, admite-se que esse processo poderá “transbordar”, segundo a teoria Neo-funcionalista, influenciando e estimulando outras áreas para integração da região. Assim, este estudo utilizou a teoria Neo-funcionalista e sua microteoria do “transbordamento, desborde ou spill-over” para verificar se o processo de integração sul americano poderá se desenvolver de forma semelhante à integração europeia. Se a European Coal and Steel Community (ECSC), mais conhecida como Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), inspirou a Europa, por que uma entidade também supranacional, mas de energia elétrica, não poderá estimular a integração da América do Sul?

Dessa forma, esta pesquisa observou o modelo de integração europeu a partir do ponto de vista teórico neo-funcionalista. Esse foi utilizado como um caso de controle e comparação, verificando se as condições de cooperação que ocorreram naquele continente podiam encontrar semelhanças com o processo de integração sul-americano.

Page 89: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 87 -

Assim, inicialmente foram observados os elementos contextuais, a forma e o conteúdo dos discursos realizados dentro dos principais blocos da região - CAN, MERCOSUL e UNASUL - verificando como se comunicam os grupos políticos, os grupos de interesse e os governos nacionais, na tentativa de identificar uma tendência para convergência ou não dessas narrativas. Nessa linha o estudo se concentrou entre os elementos proferidos pelos executivos e legislativos nacionais, bem como outros grupos de interesse, por ocasião das reuniões desses blocos e instâncias, onde tema integração estivesse em pauta. Além disso, também observamos alguns índices do Latinobarômetro, alguns documentos da Comissión de Integración Energética Regional (CIER), da Organización Latinoamericana de Energia (OLADE), da Comissión Econômica para América Latina (CEPAL) e Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), bem como de um trabalho realizado pelo NUPRI/USP sobre integração na região.

O contexto da pesquisa foi delineado sobre a atual conjuntura e estrutura dos países sul-americanos, principalmente a partir dos processos de redemocratização, com a aproximação entre Brasil e Argentina, em meados dos anos 1980, e das reformas dos setores elétricos no final do século passado.

1. O Fio Condutor – A Teoria Neo-funcionalistaO Neo-funcionalismo se inspirou na tese funcionalista que lhe antecedeu.

Dessa forma pode-se dizer que teoria Funcionalista de David Mitrany foi determinante para o avanço das ideias de Ernst Haas. A crença de Mitrany apontava para a necessidade da cooperação internacional e sua força, superando os limites das fronteiras dos Estados Nacionais, para resolução de temas cada vez mais complexos, dados pela evolução da sociedade.

A Doutrina Funcionalista da Cooperação Internacional, como ficou conhecida essa teoria, determinava que a forma devesse seguir a função.

Sobre a teoria Neo-funcionalista, cujas características principais se assentam no sucesso das transações econômicas e das necessidades de bem-estar da sociedade, possui no “spill-over”2, transbordamento ou desborde, sua essência conceitual. Esse conceito central toma como premissa que os processos para integração necessitam de certa cooperação e novos arranjos para realização desse objetivo.

Para posicionar o Neo-funcionalismo frente a outras teorias, Philippe Schimitter, discípulo e defensor das ideias de Ernst Haas, desenvolveu uma

2 Escrita por Ernst Hass, essa microteoria derivada do neofuncionalismo acredita que o desenvolvimento das várias ações, dentro de uma área técnica específica, gera um comportamento semelhante em outras áreas; uma colaboração funcional em um setor gera a necessidade de colaboração em outros setores, auxiliando na manutenção da paz, pois os atores envolvidos no processo ficam estimulados a cooperarem, evitando decisões que prejudiquem seus parceiros. É o que muitos chamam de processo de “transbordamento ou desborde” de uma área para outra.

Page 90: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 88 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

observação importante sobre algumas teorias de integração. Essa pode ser observada no quadro 1.

Quadro 1 – Características gerais das principais Teorias da Integração em relação as suas bases ontológicas e epistemológicas.

Teorias da Integração Ontologia EpistemologiaReprodução das caracte-rísticas do sis-tema regional e dos Estados-- M e m b r o s participantes

Transforma a natureza dos atores sobera-nos nacionais e suas relações uns com os ou-tros

Fundamentada nas relações e acontecimentos políticos dos Es-tados-Membros participantes

Fundamenta-da nas rela-ções e trocas sociais, econô-micas e cultu-rais

Neo-Funcionalismo Não Sim Não SimRealismo Sim Não Sim NãoFederalismo Não Sim Sim NãoIntergovernamentalismo Sim Não Não Sim

Fonte: Elaboração própria a partir do artigo NEO-NEO-FUNCTIONALISM de Philippe C. Schmitter - European University Institute, July 2002.

A premissa da teoria Neo-funcionalista de “transbordamentos ou

desbordes” das ações da organização regional central sobre as associações, atores não estatais, estruturas sociais e econômicas, movimentos sociais e políticos, estimulam a criação de novas pautas e agendas, alterando a natureza das relações iniciais no âmbito do processo. Porém, no campo político, pela necessidade de um ambiente plural e democrático para a tomada de decisões, isso ocorre de forma menos dinâmica. As variações entre os estímulos para integração e as estratégias nacionais, por vezes, são controversas, provocando conflitos no interior da arena política, determinando a necessidade de atribuição de autonomia para uma instância central ou supranacional. Essa possui a função de organizar, planejar e coordenar a evolução dos arranjos da integração num ambiente inicialmente incerto, assegurando uma efetiva resolutividade e aplicabilidade às decisões pelos parceiros do acordo.

Outro fator importante para o estudo de Haas e sua teoria é determinado pela relação que acontece entre Integração Política e Comunidade Política. As percepções e valores dos grupos, indivíduos e governos que participam do sistema requerem um ajustamento baseado em consensos mínimos. Assim a Integração Política é concebida como um meio e não como uma condição. É o avanço dos sentimentos e ideias integradoras que sedimenta a cooperação para um novo arranjo institucional. Assim a dimensão institucional e suas etapas para

Page 91: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 89 -

alcançar a integração se encontram inseridas nos processos de formação da nova comunidade política. Dadas suas características, uma vez que as instituições associadas ao sistema se efetivem, podem ocorrer mudanças nos sentimentos e nos valores, não apenas dos grupos fundantes do sistema, mas de toda a comunidade que deverá ser envolvida nessa nova relação. No entanto é preciso observar que, toda nova formação política é sempre uma aposta.

Para formação da Comunidade Política, assim entendida por Haas, três atores surgem como basilares: os grupos de interesse, os partidos políticos e os governos nacionais. Esses devem asseverar um compromisso inequívoco com a instância supranacional. A necessária lealdade desses grupos para com a instituição política central deverá ser capaz de associar os valores ideológicos com procedimentos normativos. A construção da lealdade para com uma instituição política regional central nem sempre se estabelece de forma imediata, com um sentimento de pertencimento a essa região. O importante é observar até que ponto as instituições nacionais possuem algum grau identitário de convergência e que seja possível encontrar interesses comuns e compartilháveis. Essa argumentação assenta a indústria elétrica regional em um ponto convergente, ou seja, a questão do abastecimento energético é determinante para o crescimento do continente e isso estabelece um interesse comum na região.

Nesse ponto, é possível afirmar que a construção do processo integrador não necessita do apoio de um sentimento regional de forma incondicional. O que deve haver é uma capacidade contínua de se avaliar o retorno positivo dessa nova instituição para com determinados objetivos e que esses sejam compartilháveis entre os principais atores envolvidos no processo. Uma nova lealdade não implica rejeição do Estado ou dos governos nacionais. Nesse sentido, não é correto afirmar que a teoria de Haas privilegia uma lealdade em detrimento de outra, ou seja, o aumento de uma identidade regional pode não necessariamente enfraquecer o valor do sentimento nacional.

1.1 Equivalentes FuncionaisBastante próximo do conceito funcional desenvolvido por Merton

e apresentado por Lakatos (1986, p.57), Haas utiliza a noção de equivalente funcional ou substituto funcional, significando que um determinado elemento social, cultural, econômico ou político pode estar ocupando o lugar, ou sendo substituído por outro que seja mais eficaz. Dessa forma, Haas sugere a observação desses elementos da estrutura sócio-econômica da região a ser analisada para a adaptação funcional da sua teoria em outras regiões diferente da Europa do pós-guerra. Nesse sentido, Haas adota uma simplificação interessante e prática, a saber, a utilização de “Equivalentes Funcionais”. O primeiro equivalente são as homogeneidades estruturais, aquelas fundamentadas no pluralismo social e nos

Page 92: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 90 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

valores democráticos. O segundo equivalente são aqueles que, segundo Haas, se assentam nos sentimentos e expectativas que experimentam os principais grupos dirigentes. Por fim o último equivalente é a burocratização da adoção das decisões. Para Haas, os serviços estatais europeus eram muito semelhantes entre si, o que levou a criação de um pensamento e decisões uniformes entre a administração regional dos funcionários do Estado e dos funcionários do órgão central ou supranacional.

2 A Política da Indústria Elétrica na América do SulUm sistema de energia elétrica é basicamente composto por geradores

localizados nas usinas, pelas linhas de transmissão e de distribuição de energia. Todos esses componentes são conectados eletricamente e devem ser monitorados de forma constante e instantânea. Assim, considerando que a produção de energia elétrica não pode ser armazenada de forma economicamente viável, a impossibilidade de armazenamento determina a necessidade de equilíbrio constante entre oferta e demanda de energia. Nessa linha, uma instituição central poderá organizar esses fluxos elétricos, estabelecendo uma complementaridade entre os países sul-americanos, através da coordenação centralizada de todo o processo.

Segundo dados da Comissión de Integración Energética Regional (CIER) para o ano de 2012, o mercado regional elétrico sul-americano possuía em torno de 244.783MW, com uma integração elétrica regional em torno de 10.800MW. Se fossem considerados todos os estudos e projetos em andamento, ainda assim, essa integração, atingiria aproximadamente 16.900MW. Portanto, isso aponta para um processo muito incipiente, ou seja, a interligação elétrica regional representa pouco mais de cinco por cento do total do mercado de energia. Outro ponto importante é que, observando os mercados nacionais de eletricidade, encontramos 60% do total estabelecido sobre o potencial hidro, ou seja, a produção de energia elétrica é, portanto, predominantemente gerada através de hidrelétricas, que em períodos de baixos índices pluviométricos ou de seca, operam abaixo de sua capacidade nominal, o que pode colocar em risco as necessidades do mercado.

No Brasil, o grande mercado de consumo da região, mais de quatro milhões de pessoas encontram-se sem acesso à energia elétrica. Na Bolívia e no Peru, este percentual ultrapassa a faixa de 10% do total da população. Analisando toda a região, observa-se que mais de dez milhões de pessoas não são beneficiadas pela energia elétrica (CIER, 2012).

Com os processos de redemocratização de Brasil e Argentina, em meados da década de 1980, os arranjos de cooperação passaram a fazer parte da agenda regional, impulsionando a formação de novos acordos interestatais. A formação do MERCOSUL, especificamente, deu ânimo e incentivou novas relações

Page 93: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 91 -

comerciais na região. Contudo este processo não estimulou a formação de novas agendas para integração, apenas estabeleceu prioridades nas relações diplomáticas entre países, desenvolvendo ações estratégicas nacionais e pontuais. O modelo de busca de recursos energéticos, por meio de negociações bilaterais, fundamentou os acordos entre as nações da região. Mesmo após as reformas implantadas no setor elétrico, no começo dos anos noventa, esse quadro permaneceu inalterado. Assim o processo de cooperação elétrica na América do Sul se desenvolve através de compromissos bilaterais entre os Estados Nacionais envolvidos.

Com relação às interligações elétricas, podemos salientar mais algumas questões técnicas e políticas no atual estágio da região. As interconexões entre Venezuela e Colômbia, via de regra, só são usadas em situações de emergência; as interconexões menores entre Argentina-Uruguai-Brasil estão sendo afetadas por divergência nos mecanismos regulatórios; as interconexões entre Argentina e Paraguai estão limitadas por questões técnicas. O Chile, que apresenta uma dependência significativa dos combustíveis fósseis para movimentar sua matriz energética, depende basicamente da exportação de gás da Argentina. Dessa forma, as usinas geradoras no Chile vêm utilizando cada vez mais o óleo diesel, que é cerca de três vezes mais caro, para garantir o abastecimento. O Brasil, com uma matriz essencialmente hidro, os baixos índices pluviométricos preocupam, o que remete para uma maior dependência das gerações térmicas movidas a gás e a carvão. Entretanto, essas possuem um custo maior e são mais poluentes na comparação com as outras fontes de energia. Por outro lado, na tentativa de reduzir dependências e aumentar seu parque gerador, a política elétrica brasileira tem apostado na construção de usinas a “fio d’agua”3. Essas possuem algumas características diferentes das grandes usinas construídas em outros tempos. Por não possuírem reservatórios, a área necessária para sua construção é menor. Isso é positivo, pois reduz os impactos ambientais e sociais. Atualmente se observa essas questões na construção da Usina de Belo Monte na região norte do país. Entretanto, as geradoras com essa tecnologia possuem baixo fator de capacidade4. No caso de Belo Monte, a capacidade total instalada é de 11.233MW, mas possui uma restrição importante, com uma expectativa de geração média em torno de 4.571MW, ou seja, um fator de capacidade pouco maior que 40%. Outro fator questionável na construção dessa usina é que o mercado elétrico brasileiro é aproximadamente da ordem de 110.000MW. Belo Monte, sem restrição, geraria em torno de 11.000MW. Com o consumo elétrico nacional crescendo a taxas

3 São aquelas que não dispõem de reservatório de água, ou possuem em menores dimensões do que poderiam ter. Uma usina “a fio d’agua” significa optar por não ter estoque de água que poderia ser acumulado em uma barragem. 4 Fator de capacidade é uma grandeza adimensional obtida pela divisão da energia efetivamente gerada ao longo do ano, pela energia máxima que poderia ser gerada no sistema. Trata-se, na realidade, de uma limitação da usina na sua capacidade de gerar energia.

Page 94: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 92 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

de 5% ao ano, em dois anos essa capacidade de geração estaria esgotada e os problemas permaneceriam. Dessa forma, ainda que o discurso da classe política seja diferente, o panorama das principais interligações físicas no continente estabelece a pouca evolução no sentido de uma integração efetiva. No quadro abaixo é possível observar essa realidade.

Quadro 2 – Intercâmbio entre as matrizes elétricas na América do Sul.

IMPO

RTAÇ

ÃO (G

Wh)

– 20

04 / 2

009

EXPORTAÇÀO (GWh) – 2004 / 2009Argentina

2004/2009

Brasil2004/2009

Colômbia2004/2009

Equador2004/2009

Paraguai2004/2009

Peru2004/2009

Uruguai2004/2009

Venezuela2004/2009

Total2004/2009

Argentina2004/09

1112/993

6239/6831

10/251

7361/8075

Brasil2004/09

4/0

38975/38478

0/14

471/300

39451/38792

Chile2004/09

1903/1348

1903/1348

Colômbia2004/09

35/21

13/0

48/21

Equador2004/09

1642/1077

0/63

1642/1140

Uruguai2004/09

1934/963

413/505

2347/1468

Venezuela2004/09

1/282

1/282

Total2004/09

3841/2311

1525/1498

1643/1359

35/21

45215 /45309

0/63

10/265

484/300

52753/51126

Fonte: CIER (2004 / 2009).

Evidentemente que é precipitado analisar esses números de forma imediata, mas é inegável que o potencial energético da região para interligação não faz parte, até então, do planejamento dos governos nacionais.

3 A Teoria Neo-funcionalista e a Integração da América do SulA integração elétrica exige, antes de tudo, a construção de uma base

institucional realmente importante para tal. A necessidade de uma coordenação centralizada do despacho de carga dos fluxos elétricos, com certa independência, junto aos Estados Nacionais, pode introduzir novos mecanismos para consecução dos objetivos visando à integração da região.

Uma das premissas da teoria Neo-funcionalista é a capacidade da Comunidade Política para fazer novos acordos, estimulados pelas ações

Page 95: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 93 -

necessárias de compromissos anteriores, efetivando com isso o spill-over ou desborde. Portanto, é necessário diminuir os pontos de tensões no interior dessa comunidade. As adesões para formar um sistema elétrico regional devem se inserir dentro de uma perspectiva de benefícios mútuos, acima dos debates sobre a moderação do poder dos Estados Nacionais.

Na América do Sul, as divergências políticas surgidas das orientações ideológicas dos governos não são recentes. Esse quadro político, com características nem sempre evidentes na orientação ideológica, torna o cenário político regional heterogêneo. A necessidade de alguns executivos nacionais acumularem poder no curto prazo, através de políticas específicas para uma determinada demanda, expõe uma dificuldade maior na obtenção de ações uniformes para solucionar questões de cooperação. Em um quadro político diverso, todos têm de lidar com um duplo desafio, ou seja, tornar as sociedades nacionais menos desiguais e procurar resolver tensões históricas com seus vizinhos. Contrariamente, este desafio comum pode demandar soluções integracionistas que serão mais fortes do que as dissensões em assuntos específicos. Mas, é importante observar que todo esforço político é sempre uma aposta, uma construção de difícil definição.

Observando o processo europeu de integração, é inegável que a ECSC ou a CECA deixou um legado institucional relevante, estimulando a interdependência econômica e a cooperação naquela região.

Para a abordagem Neo-funcionalista, a criação de uma instância supranacional de coordenação técnica e política pode ser o começo de toda integração. Verificando o processo europeu de integração, observamos que a criação da ECSC pela Europa dos Seis5 foi a entidade que impulsionou tal movimento. A definição de critérios normativos para a exploração e o uso do carvão e do aço, suprimentos essenciais à siderurgia e principalmente para a indústria bélica, possibilitou a pacificação da Europa pela via da integração.

Nesse ponto, é muito importante tornar claro que a criação de um ente supranacional se daria pela necessidade de centralizar o despacho de carga6 na região. A ausência dessa forma de coordenação pode tornar as ações difusas, dificultando a evolução de todo o processo. Portanto, não se trata aqui de valorar a supranacionalidade como determinante para o sucesso nos processos de integração, apenas apontar que essa forma de organizar determinados setores, assim como se deu na Europa através da ECSC, pode ser positiva para a integração. Na Europa, a presença de um organismo supranacional foi importante na medida em que abriu espaço para o diálogo nas agendas dos países envolvidos, pois, depois

5 Em 18 de abril de 1951 é criada a Comunidade Européia do Carvão e do Aço em um tratado assinado pelos membros do que viria a ser conhecida como a Europa dos Seis (França, Alemanha, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo).6 Despacho de carga é o estudo da ação do uso ótimo das unidades geradoras do sistema elétrico.

Page 96: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 94 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

de muitos conflitos, a região passou a possuir um canal de debate permanente, que por vezes extrapolava os próprios limites da indústria do carvão e do aço.

3.1 Os Equivalentes Funcionais e o Neo-funcionalismo na América do SulNa América do Sul é possível afirmar que os debates e as práticas sobre

integração na região se inserem na pauta e na arena política com o fim dos regimes de exceção, sobretudo no Brasil e na Argentina. É a partir do Tratado de Iguaçu, em 1985, que esses países se aproximaram com a ideia de integrar econômica e politicamente o cone sul. No entanto o que se observa é um processo com baixa institucionalidade, que não alarga as competências integradoras. Percebe-se ainda um corpo institucional construído e centralizado nos executivos da região e que, na tentativa de fazer avançar a integração, trabalha sob uma visão estadocêntrica, acatando demandas políticas nacionais em detrimento de um valor comunitário.

A construção, na América do Sul, de uma instância supranacional de energia elétrica que coordene o mercado elétrico, pode criar instituições importantes para região, alargando o processo de integração.

Na formação da Comunidade Política, assim entendida por Haas, três atores surgem como fundamentais: os grupos de interesse, os partidos políticos e os governos nacionais. A necessária lealdade desses grupos para com a instituição política central deverá ser capaz de associar os valores ideológicos com procedimentos normativos. Nesse ponto, é possível afirmar que a construção do processo integrador não necessita do apoio de um sentimento regional de forma incondicional. O que deve haver é uma capacidade contínua de se avaliar o retorno positivo dessa nova instituição para com determinados objetivos e que esses sejam compartilháveis entre os principais atores envolvidos no processo.

Uma das premissas desse trabalho foi analisar os elementos textuais, a forma e o conteúdo dos discursos realizados pelo corpo diplomático dos governos da região, com o objetivo de buscar evidências nas diversas narrativas institucionais sobre a integração existente na região. Assim, observando a verbalização institucional que emerge das chancelarias nacionais pertencentes aos blocos regionais, com suas recorrências verbais e terminologias discursivas, é possível encontrar pontos com determinados significados, identificados por Harold Lasswell (1979, p.22) como “símbolos-chaves que proporcionam uma experiência comum a todos os cidadãos de um Estado, desde o mais poderoso chefe ao mais humilde leigo ou filósofo”. Nesse sentido, esse autor observa que “uma das poucas experiências que unem os seres humanos, independentemente da raça, religião, profissão, partido ou regionalismo, é o fato de estarem expostos ao mesmo signo de palavras-chave”. Dessa forma, buscando encontrar convergências discursivas nos comunicados oficias ou notícias dentro das análises textuais e das narrativas, foram analisados alguns documentos, dispostos no quadro seguinte.

Page 97: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 95 -

Quadro 3 – Narrativas, Discursos e Dados Oficiais

Narrativas, Discursos e Dados Oficiais. Data da publicação dos documentos

Argentina celebra la decisión del Parlamento paraguayo de reconocer a Venezuela como membro del MERCOSUR.

Miércoles 18 de Diciembre de 2013MRE - Información para la Prensa N°:  301/13

Comunicado Conjunto de los Cancilleres de los Estados Partes del MERCOSUR sobre el estado actual de negociación MERCOSUR - Unión Europea.

Miércoles 30 de Octubre de 2013MRE - Información para la Prensa N°:  260/13

Reunión de los Cancilleres de la Argentina y Bolivia. Lunes, 09 de Diciembre de 2013MRE - Información para la Prensa N°:  292/13

Brasil e Argentina criarão empresa estatal para administrar hidrelétricas de Garabi e Panambi

Jornal do Comércio / Porto AlegreEconomia | Pág. 16 em 17/02/2012

“A Política Sul-Sul é Prioridade.” Entrevista concedida pelo Ministro Antonio de Aguiar PatriotaRevista Carta Capital - 14/02/2011

Palavras do Ministro das Relações Exteriores em declaração à imprensa após encontro com a Chanceler da Colômbia, María Ángela Holguín.

Bogotá, 05 de novembro de 2012.

Discurso proferido pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo Machado, na abertura dos “Diálogos sobre Política Externa”.

Palácio Itamaraty, 26 de fevereiro de 2014.

Reunião Informal de Chanceleres do MERCOSUL. Brasília, 30 de julho de 2012.

Intervenção por ocasião do Seminário “Brasil-Chile: Novos horizontes - amizade sem limites.”

Rio de Janeiro, 08 de outubro de 2012.

Lobão quer exportar programa “Luz para Todos” Valor Econômico - Brasil | Pág. 4 em 13/01/2012

Brasil defende integração energética com vizinhos OLADE – Portada/Notícias em 21/11/2013.

Transcrição da Audiência Pública com o Ministro de Estado das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo Machado, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal.

Brasília, 06 de fevereiro de 2014.

Elementos de la Intervención del Canciller Moreno en la Primera Reunión de Gobernadores Argentinos e Intendentes Chilenos de la Frontera Común.

MRE - Santiago, 18 de mayo de 2011.

En Santiago se realizó la V Reunión Binacional de Ministros, ocasión en la que las autoridades energéticas de Chile y Argentina acordaron una serie de medidas para profundizar la agenda energética bilateral

Ministério de Energia – Gobierno de Chile/Santiago, viernes 23 de Agosto de 2013

Palabras del Ministro de Relaciones Exteriores de Chile.Inauguración del Consejo de Integración Social Chile-Perú.

MRE - Martes, 28 de mayo de 2013.

- Bolívia entre o divisionismo e a integração sul-americana.

ANSA (Agência Italiana de Notícias) – Publicação em 31 de outubro de 2011.

Bolívia y Ecuador llevan a cabo a la Primera Reunión del Comitê de Cordinación Energetico

Estado Plurinacional da Bolivia – Ministério de Hidrocarburos y Energia em 16/08/2013

Governo da Colômbia ratifica adesão oficial à Unasul. ANSA - Quito 15 de dezembro de 2011.

Colombia ratifica compromiso con proceso de integración eléctrica regional

OLADE – Portada / Colombia ratifica compromiso con proceso de integración eléctrica em 19/11/2013

Page 98: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 96 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Saída do Equador da CAN será tema de reunião de presidentes.

ANSA - Bogotá, 25 de outubro de 2011.

Inauguración del encuentro Binacional Equador-Perú. MRE - Piura, 14 de noviembre de 2013.

Intervención del Presidente Rafael Correa em la reunión de Jefes de Estado de UNASUR

MRE - Cochabamba, 4 de julio de 2013.

El presidente de la República lanzó esta frase cuando se referia a la integración energética com Colombia luego de la reunión com su par, Juan Manuel Santos. “Hemos toamdo nota de la experiência colombiana em hidroenergia”, dijo.

El Diário de Economia y Negocios em PerúOllanta Humala: El desarrollo no puede deterse por el tema energético em 11/02/2014

Intervención en el acto masivo de celebración del séptimo aniversario de la revolución ciudadana.

MRE - Guayaquil, sábado 18 de enero de 2014.

VII Reunión ordinária del consejo de jefas y jefes de Estado y de gobierno de la UNASUR

Declaración de Paramaribo – 30 de agosto de 2013.

Discurso del Ministro de Relaciones Exteriores, embajador Eladio Loizaga, em ocasión de lacto de posesión de cargo de los Viceministros de Relaciones Exteriores y de Relaciones Económicas e Integración.

Sala de Eventos de la Cancillería Nacional – Asunción 3 de setiembre de 2013

Perú y Brasil hacia uma nueva década de la Alinza Estratégica.

MRE - Información para la Prensa N°:  215/13Lima, 11 de novembro de 2013.

Presidentes del Perú Ollanta Humala y de Chile, Michelle Bachelet, sostuvieron primer encuentro.

MRE - Información para la Prensa N°:  220/13Lima, 27 de novembro de 2013.

El Mercosur, eje de la agenda exterior. MRE - Montevideo, 22 de agosto de 2013

Uruguay deposita instrumento de ratificacióndel protocolo democrático de UNASUR.

El 18 de febrero de 2014 el Encargado de Negocios de la Embajada de Uruguay em Ecuador procedió al depósito ante el Canciller ecuatoriano del Instrumento de Ratificación del Protocolo Adicional al Tratado Constitutivo de la UNASUR sobre Compromisoconla Democracia, suscrito em Guyana el 26 de noviembre de 2010.

Mujica defende boas relações de seu governo com Bra-sil e Argentina.

Montevidéo, 2/01/2012 (ANSA) - O presidente do Uruguai, José Mujica, defendeu hoje as boas relações de seu país com o governo da Argentina e do Brasil, em entrevista à imprensa local.

Brasil e Uruguai terão interligação elétrica em 2013; países poderão comprar e vender energia firme.

Jornal de Energia – Brasil maio de 2013

Comité Intergubernamental del sector electrico Vene-zuela-Colombia se presentó el plan de trabajo para los proyectos de interconexion entre ambos países.

OLADE – Portada/Comité Intergubernamental del sector electrico.em 22/10/2013.

La conferencia: “América Latina: Los desafíos de la integración liberadora.”

Miércoles, 14 de marzo. Por el Instituto de Altos Estudios Diplomáticos “Pedro Gual” de la Cancillería en el marco de la Feria Internacional del Libro de Venezuela, FILVEN 2012.

Fonte: elaboração do autor com base nos documentos analisados.

Assim, se torna importante salientar que a opção por analisar esses documentos, na sua maioria distante dos principais encontros diplomáticos, busca encontrar uniformidades discursivas para além dos foros específicos da integração regional. Evidentemente que os pontos aqui analisados se distribuem

Page 99: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 97 -

de forma irregular no amplo cenário regional e estão longe de encerrar qualquer incerteza nos processos de cooperação do continente. Contudo, tomando como premissa que o universo político é um reflexo da sociedade na qual esse se insere, é possível obter alguma indicação que satisfaça, ainda que preliminarmente, à pesquisa.

Do ponto de vista da formação de uma identidade regional, essa aparece apenas em seis documentos verificados e com um argumento instrumental sobre valores comunitários, ou seja, sinalizam pouco apreço e difusão identitária, mais do que um conjunto de elementos comuns. Já, sobre os processos de integração, se observam as maiores referências entre as nações da região, mesmo quando os modelos de entendimento para cooperação sejam distintos. Essa constatação é importante, pois aponta para um consenso regional significativo a respeito da integração. Sobre as relações bilaterais, a prosperidade econômica e os interesses comuns são possíveis observar uma aproximação de ideário, o que evidencia que as relações bilaterais existentes têm aprofundado determinados acordos interestatais, fortalecendo novas ações no âmbito regional. Essas últimas têm sido orientadas por alguns interesses comuns, notadamente a recuperação da economia e o desenvolvimento do continente. Por fim, o exame dos documentos e textos selecionados aponta para certa cautela quando o assunto são as conexões físicas e a segurança energética.

Em recente trabalho sobre a construção de identidades na América do Sul, através da análise da formação discursiva das normas e declarações no âmbito da UNASUL, Meunier e Medeiros7 observaram alguns aspectos relevantes para a pesquisa. Do ponto de vista identitário, este se encontra “significativamente presente na UNASUL, seja em suas normas e declarações institucionais, seja nos discursos de chefes de Estado e ministros das relações exteriores em ocasião das reuniões da organização”. Evidentemente que esta pesquisa, ao analisar esse aspecto, o faz sobre valores inseridos de forma oficial nos discursos da UNASUL. Nesse ponto é mister verificar que essas manifestações tendem manter um posicionamento alinhado com os objetivos da instituição, bem diferente daqueles proferidos fora desse contexto. Entretanto, deve ser observado, mas com alguma cautela. Sobre questões de “prosperidade econômica”, os autores apontam que essa está longe de ser negligenciada no discurso da UNASUL e assume um papel central junto à dimensão social e às questões ligadas à segurança e à paz. Já sobre os “valores ligados ao processo de integração regional”, os discursos regionais assumem traços distintos em cada país, compreendendo divergências e conflitos importantes, apontando para o fato de que a UNASUL se constitui como estrutura

7 Meunier, Isabel; MEDEIROS, Marcelo de Almeida. Construindoa América do Sul: Identidades e Interesses na Formação Discursiva da UNASUL , Rio de Janeiro, v 56, n. 3, de 2013. Disponível a partir do <http://www.scielo.br/scielo>, acesso em 13 de abril de 2014.

Page 100: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 98 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

institucional de mediação entre o discurso sul-americanista comum e os vários discursos baseados nos interesses nacionais.

Dessa maneira, as diferenças apontadas entre as pesquisas revelam uma forma de comportamento político distinto entre uma arena específica e um quadro mais abrangente regional. Percebe-se que as diplomacias, quando inseridas no contexto da UNASUL, agem e reagem de forma a privilegiar os valores comunitários, que são em linhas gerais o objetivo específico da instituição. Por outro lado, quando colocadas de forma autônoma e em contextos regionais variados, atuam de forma mais comedida sobre o alcance e a dimensão do processo de integração. Portanto, essa conduta dicotômica e racional, em alusão ao processo de cooperação, oferece pontos comuns e divergentes, suficientes para manter algum cuidado quando na agenda dos Estados surge a questão da integração do continente.

Sobre valores democráticos e estrutura social pluralista, importante para qualquer arranjo de cooperação, é possível determinar que estes quesitos vêm obtendo um crescimento na sua média nos últimos anos.

Mesmo com democracias não longevas, fruto de emancipações políticas recentes, é possível observar que o apoio à democracia tem aumentado de forma consistente desde 2007 e, pela primeira vez, surge uma evolução sustentável de crescimento. O apoio ao regime na região nos últimos anos se sustenta com valores superiores a 50%. Outrossim, a faixa sobre aqueles que consideram ser a forma de governo indiferente para o continente também se mantém num patamar próximo a 20%. Assim, Brasil, Equador, Venezuela e Paraguai possuem os maiores índices de rejeição a governos democráticos, ficando Argentina, Uruguai e Venezuela com os maiores índices de apoio à democracia. Dessa maneira, excetuando o Paraguai, que pode ser considerado um “ponto fora da curva”, os dados apresentam uma aproximação sobre os índices de aprovação de regimes autoritários. Isso pode apontar na direção de que esses valores ainda estão bem presentes na região.

Sobre partidos políticos e congressos nacionais, é possível observar certo incremento positivo na região e que existe uma tendência para manutenção e avanço da democracia representativa entre os países da região. No entanto, quando o assunto é a percepção de pluralidade, onde todas as classes da população podem participar em muitos aspectos da vida política e social do seu país, surge uma crise de representação significativa. Segundo o mesmo informe, apenas 53% da população acredita que suas ideias políticas sejam consideradas pelos seus representantes. Contudo, em relação à primeira homogeneidade estrutural que se assenta sobre os princípios do pluralismo social e dos valores democráticos, apontada por Haas como determinante para integração, essa pode ser considerada como um fator de equilíbrio regional e é um ponto positivo para o processo de integração.

Page 101: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 99 -

Já, em outra homogeneidade valorizada por Haas, a arena política, essa se caracteriza por uma particularidade, ou seja, os partidos políticos nacionais, com algumas exceções, mantêm uma relação distante com os partidos dos outros países. Esses podem ser localizados dentro da classificação elaborada por Sáez e Freidenberg,8 ainda que abranja toda a América Latina. No primeiro caso, com universo partidário anterior às imposições dos regimes autoritários, situam-se os partidos radicais e justicialistas na Argentina; democrata-cristãos, radicais e conservadores no Chile; colorados, blancos e da frente-ampla no Uruguai; APRA e Ação Popular no Peru. No segundo caso, aparecem os partidos surgidos durante os regimes militares ou nos períodos de transição. No Brasil, os principais foram o PT, PMDB, PFL, PDS, PTB e o PDT; na Bolívia surge o MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), o ADN (Ação Democrática Nacionalista) e o MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária); no Equador aparece o PRE (Partido Roldosista Equatoriano) e o PSC (Partido Social Cristão). No terceiro caso, pode-se inserir o Paraguai com os Partidos Colorado e Liberal Radical, onde somente após as eleições constitucionais, do final do século passado, o jogo político ficou legitimado.

Portanto, uma análise inicial dessa classificação salienta certa heterogeneidade regional dos principais quadros partidários.

Sobre outra homogeneidade importante para o avanço funcional do processo de integração, Haas observa a semelhança dos sentimentos e expectativas dos grupos dirigentes. Hoje, se pode dizer que existe certo consenso na região, qual seja, a necessidade de crescer e se desenvolver, o que se aproxima da unidade de pensamento na Europa à época em que se fundou a ECSC e a Comunidade Econômica Europeia (CEE).

Outro ponto que pode ser inserido nessa perspectiva é a confiança nas instituições. Essa tem variado bastante entre os países da região. Na Argentina, no Brasil e na Venezuela há um aumento significativo no ano de 2010, tanto no âmbito do governo, do congresso e do judiciário. Por outro lado, no Peru, na Colômbia, no Uruguai e no Chile, não tem havido alterações importantes. Já no Equador, na Bolívia e no Paraguai, registra-se um declínio na confiança das instituições democráticas. Dessa forma, é possível afirmar que, ainda que exista crescimento individual por país, a região aponta para a necessidade do crescimento dessa variável como forma de desenvolvimento da sociedade.

A última homogeneidade requerida refere-se à adoção de tomadas de decisões por parte dos Estados envolvidos na integração. Nesse ponto, a comparação com a região sul americana precisa ser aproximada, principalmente no que alude à relação entre supranacionalidade e base estatal. Isso se deve à inexistência de uma organização supranacional institucionalizada na região. Sobre a base estatal,

8 Alcantara Sáez, Manuel & Freidenberg, Flávia. Partidos Políticos na América Latina. In Opinião Pública. Campinas. Vol. VIII, N°2, 2002, pp. 137-157.

Page 102: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 100 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

é preciso observar que os Estados Nacionais estão organizados de forma bastante diversa. Por outro lado, a formação dos mercados comuns como a CAN, o MERCOSUL e, mais recentemente, a UNASUL tem auxiliado, ainda que de forma difusa, a construção de consensos mínimos para efetivar a integração regional. Importante verificar que, mesmo com as recentes nacionalizações econômicas na Bolívia, Venezuela e Argentina, é possível observar uma maioria favorável no sentido de que o desenvolvimento regional dependa menos das empresas estatais e mais da economia e das empresas privadas. Contudo, essa crença se torna bastante suscetível dos impactos fornecidos pelas crises econômicas. A queda dos índices em 2009 são reflexos da crise econômica mundial de 2008. Por outro lado, as recentes rupturas de contrato tanto na área econômica como política na região evidenciam uma provável instabilidade que precisa ser observada.

3.2 As Elites Regionais e a Comunidade Política na América do SulSe uma Comunidade Política, conforme Haas, abarca três atores, grupos

interessados, partidos políticos e governos nacionais, pode-se inferir que essa formação se sustenta, primeiramente, através das elites políticas e sociais. Assim a conduta desses atores pode ser observada por meio das ações e discursos provenientes dessas interações, isto é, aqueles indivíduos ou grupos que tomam as decisões importantes, cujas consequências influem significativamente na vida da comunidade em que estão inseridos. Essas deliberações se apresentam entre as adoções de decisões públicas, sejam como partícipes de um governo, sejam como pessoas de influência ou como porta-vozes dos partidos políticos. Estas carregam a prerrogativa de serem decididas por dirigentes maiores em contraste com a massa de seus participantes. Entretanto, longe de formar um grupo coeso, essas elites possuem percepções diferentes, que se originam dos seus interesses de classe e das ações políticas nacionais.

Nesta perspectiva, a pesquisa se valeu do trabalho, realizado em 2008, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, sobre a “Percepção das elites sul-americanas e o impacto das desigualdades sociais na estabilidade democrática”. O trabalho sistematizou determinados posicionamentos políticos das elites de seis países latino-americanos, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, México e Venezuela.

Sobre integração regional, o questionamento “sobre com qual grupo o país deveria colaborar mais estreitamente”, é possível definir que o sentimento do empresariado possui uma tendência significativa para colaborar preferencialmente com aquelas organizações fora do contexto da região sul-americana, em oposição aos demais grupos, salvo o setor governamental, que se divide quanto à questão. Chama atenção que o Chile e o Brasil possuem de parte do empresariado, os maiores índices de preferência para colaboração com as organizações externas, respectivamente

Page 103: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 101 -

93,5% e 71,7%. Já, pelo lado dos governos e partidos políticos nacionais, a Argentina com respectivamente 80% e 78,9% e a Venezuela com 92,3% e 81,8% mantêm a preferência de associação com as entidades regionais. Da mesma forma, mantêm um apoio relevante à integração regional, a Argentina, com 73,3%, e a Venezuela, com 78,8%%. Ainda que as percepções para cooperação sejam distintas, pode-se considerar que o valor “integração” está presente entre todos esses atores sociais de cada país pesquisado, dado importante para o futuro da cooperação regional. Por outro lado, é interessante verificar que os partidos políticos apoiam a associação com as instituições regionais, fator que se altera quando esse grupo alcança o poder. Esse último fenômeno, segundo essa mesma pesquisa, deve ser mais bem estudado, pois representa uma mudança de percepção importante.

Em outras indagações sobre integração na região, a pesquisa questionou “a solução para acabar com os problemas sociais e se ajuda financeira aos países vizinhos prejudicava a distribuição de renda nacional”. Sobre isso se pode dizer que, com exceção do empresariado, existe um consenso importante para integração da região.

Sobre a “capacidade de aumentar as trocas comerciais e os investimentos interestatais”, fatores determinantes para o crescimento regional, a pesquisa apontou também uma convergência de percepção significativa entre os atores sociais envolvidos. Somando todos os fatores, os índices atingem uma aceitação superior a 70% em todos os grupos pesquisados.

Ainda que a pesquisa não contemple todos os países do continente sul- americano, mas aborde os principais, ela apresenta determinadas convergências significativas nas ações e no pensamento dos principais atores em prol da formação de uma possível Comunidade Política na região. Tanto os valores estruturais, quanto a percepção das elites regionais, apontam para uma tendência de compartilhamento das necessidades para o crescimento da região. Se esta constatação não estabelece uma relação direta com a criação de uma instituição regional central, indica certamente um sentimento favorável para essa construção.

3.3 O Mercado Elétrico e a formação do Spill-Over na América do SulComo conceito, o spill-over refere-se à dinâmica pela qual determinados

atores de um bloco regional são persuadidos a incrementar o nível de cooperação. Dessa forma, uma determinada ação alusiva a um objetivo específico determina uma nova condição em que esse objetivo só será preservado por meio de novas ações adicionais, que criam uma nova exigência e necessidade de alargamento das propostas iniciais para manutenção e efetivação do tratado fundacional.

Em linhas gerais, quando os interesses da burocracia técnica ou elites interessadas não são acolhidos no plano nacional, essas buscam realizar tratados no âmbito regional. Essa atitude, em algum momento, tende a deslocar as lealdades

Page 104: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 102 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

nacionais para a arena regional. Acordos deste tipo devem, preferencialmente, possuir duas dimensões: pressionar as políticas domésticas para um novo alinhamento comunitário, inspirado por algum tipo de cooperação econômica, e ter capacidade de estabelecer e prover novos compromissos na região. Em vista disso, esses compromissos devem ser realizados entre áreas com grande potencial estratégico e, como observou Schmitter, “com baixo nível de controvérsias”. Nesse sentido, a capacidade elétrica regional, com seus abundantes recursos, pode ser inspiradora de um processo de integração mais avançado na América do Sul.

A possibilidade de encontrar interesses mútuos e compartilháveis na indústria elétrica pode influenciar a formação de uma lealdade disposta sobre uma unidade central de planejamento e organização dos fluxos elétricos regionais. A Alta Autoridade da ECSC foi criada dentro dessa perspectiva, incluindo a prerrogativa de propagar as vantagens de cooperação de modo a legitimar tais condutas, intensificando o processo daquela base institucional. Nesse ponto é relevante observar que além de garantir uma isonomia no cumprimento dos contratos, as questões pertinentes ao mercado do carvão e do aço possuíam força para estimular outras áreas, estimulando e alargando todo processo de integração.

Embora todos os esforços dispendidos pelas instituições sul americanas existentes, não se verifica a lógica expansiva do neo-funcionalismo na região. A forma e o conteúdo das relações interestatais se baseiam essencialmente na vontade política das lideranças nacionais. Concretamente, pode-se dizer que as ações difusas, que compõem o arcabouço decisório dos grupos interessados para integração regional, facilitam a postura política dos governos nacionais. Esses tendem a utilizar os espaços institucionais criados na região para fortalecer interna e externamente suas relações de poder. Dessa forma, todos os processos de cooperação na América do Sul têm um forte apelo político, marcado pela tendência dos governos nacionais determinarem o rumo que a integração deva seguir. Essa constatação sugere o oposto da teoria de Ernst Haas, subordinando todos os demais enlaces regionais ao poder político. Assim, a integração econômica não se estabelece na fase inicial de tais processos, senão sendo consequências de outras ações em nível regional. Não se verifica, portanto, a formação do spill-over ou desborde, pois, o ponto de partida dessas ações é o político, não o econômico. Essa importante observação, que perpassa todas as instituições regionais, pode, na perspectiva neo-funcionalista, ser a causa de avanços irrisórios e fracassos recorrentes quando o tema é integração. Portanto, essa lógica de integração, inversa aos pressupostos do Neo-funcionalismo, sustentada pelas volições políticas imediatas, não avança. O reflexo dessa situação pode ser verificado quando se observa a realidade da dimensão político-institucional comunitária da região. Com exceção da CAN, os outros organismos voltados para integração revelam uma frágil base institucional na comparação com a União Europeia (UE).

Page 105: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 103 -

Desse modo, observa-se que UE e a CAN possuem uma forma automática de internalização das normas nas legislações nacionais dos seus Estados partícipes, apresentando os maiores índices de instituições coordenadas por técnicos com dedicação exclusiva e com sede própria para essa atividade.

Mesmo que exista uma tendência decrescente das trocas comerciais, alinhada com fortes apelos protecionistas nacionais, o intercâmbio elétrico, ainda que de forma incipiente, ocorre na região sul-americana. É bem verdade que esses têm privilegiado as relações bilaterais, utilizando uma lógica que se estabelece envolvendo os Governos Nacionais e suas políticas mais imediatas. Por outro lado, a natureza essencial, que qualifica o setor elétrico como fonte fundamental para estruturar a sociedade, determina que as ações ocorridas no âmbito da indústria elétrica possuam capacidade para influenciar outros setores de maneira definitiva. Isso indica um possível potencial para formação do spill-over na região, o que se observa em determinadas aproximações interestatais. Estes acordos possuem um forte significado, ou seja, a construção da bilateralidade energética tem potencial para alargar competências para outras áreas, constituindo-se num catalizador para realização de novos enlaces comerciais intrarregionais.

Além disso, é razoável verificar que mais energia elétrica disponível significa, em tese, maiores investimentos na infraestrutura, propiciando maiores investimentos nos setores produtivos, gerando mais empregos, que podem derivar em maior consumo, tudo isso fechando um ciclo econômico e “transbordando” para efetivar a integração. Contudo, a prática das relações comerciais no continente aponta, entretanto, para outra realidade. Com exceção de Bolívia e Paraguai, extremamente dependentes das trocas inter-regionais, os demais países apresentam uma prioridade comercial com os países fora do eixo das Américas do Sul e Latina. Dessa forma, ainda que as relações comerciais possuam a característica de sinalizar para políticas comuns e objetivos compartilháveis, o que se observa na região é certo vacilo comercial, fruto das políticas nacionais comprometidas com valores locais para manutenção e alcance do poder político.

Sobre o começo da integração europeia, se faz necessário ressaltar a dimensão política que apoiou a criação da ECSC. Embora a premissa econômica estivesse presente como fator de desenvolvimento e segurança regional, o viés político apareceu muitas vezes subjacente nessas questões. Mas, nesse ponto, é preciso observar que, na formação da ECSC, os políticos eram apenas mais um grupo participante do processo.

4. Considerações FinaisO processo de integração regional sul-americano, passadas quase três

décadas da aproximação efetiva entre seus principais blocos regionais, ainda não se efetivou. Na comparação com o modelo Europeu de integração, a forte presença dos executivos nacionais, ditando as condições para o processo de integração

Page 106: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 104 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

evoluir, é um diferencial relevante e que deve ser observado. Se as instituições para integração existentes criam as leis e normas desse processo, a institucionalidade, ou seja, a forma como essas leis e normas são aplicadas e acatadas não refletem seu processo de criação. Nesse ponto, é importante discorrer que a centralidade desses executivos não se transforma numa capacidade coordenadora para que o processo de integração avance, senão se insere numa lógica de vantagens e acúmulo de poder imediato.

A observação do potencial elétrico regional e das dificuldades nacionais para atender os anseios da sociedade estabelece um baixo nível de controvérsia e um alinhamento comunitário importante para a integração elétrica regional. A grande capacidade hidráulica, associada a importantes reservas de gás e carvão, bem como a crescente utilização das fontes eólicas e outras menos efetivas estabelecem uma significativa possibilidade de complementaridade elétrica, que pode surgir do uso racional dos recursos energéticos nacionais, compondo uma matriz regional relevante.

Do ponto de vista das características que podem influenciar a dinâmica expansiva funcional formada por uma nova Comunidade Política estimulada pelo setor elétrico, podemos elencar algumas convergências que se revelam importantes para essa construção.

Politicamente, a democracia e os valores de uma sociedade estabelecida sobre valores plurais vêm se consolidando na região. No que concerne à uniformidade do pensamento político e partidário, é possível observar certa dispersão na região. Contudo o pragmatismo e o protagonismo dos executivos nacionais, associados a certo altruísmo político, podem alterar esse quadro.

Outra característica que se faz necessária observar é o grau de expectativa e de sentimento com o processo de integração na região. Entre as elites regionais, com exceção dos empresários, os demais atores, formados pelos governos nacionais, partidos políticos, sindicatos e outros interessados se posicionam eminentemente favoráveis a esse processo.

A natureza essencial do setor elétrico determina que as ações ocorridas no seu âmbito tenham capacidade para influenciar outros setores de maneira definitiva. A forma como esse processo pode operar indica uma probabilidade satisfatória da aplicação do referencial teórico Neo-funcionalista e sua microteoria do spill-over.

Assim, ao longo do trabalho, procuramos identificar alguns aspectos sociais, políticos e econômicos na América do Sul que corroborassem com a utilização da teoria Neo-funcionalista e seu uso como referencial teórico para integração da região. Dessa maneira é possível, portanto, afirmar que o trabalho corrobora com a possibilidade de construção de um processo de integração regional que, teoricamente, pode se assentar na teoria Neo-funcionalista de Ernst Haas e, empiricamente, na integração de seu setor elétrico.

Page 107: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 105 -

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALADI (Associação Latino-Americana de Integração). Estatísticas de Comércio Exterior e Indicadores Socioeconômicos. Boletim.On-line: http://www.aladi.org/

Atlas de desarrollo electrico del América del Sur. OLADE, Equador, 2003.

CEPAL (COMISSIÓN ECONOMICA PARA AMERICA LATINA). Anuário Estadistico América Latina y Caribe. Santiago de Chile, 2008.

CIER (COMISSIÓN DE INTEGRACIÓN ENERGETICA REGIONAL). Datos eléctricos de la CIER. Documento informativo. On-line: http://www.cier.org.uy/datos_electricos/

DOUGHERTY, James E. and PFALTZGRAFF JR., Robert L. Relações Internacionais, As Teorias em Confronto. Lisboa: Gradiva Publicações, 2011.

HAAS, Ernst. The Uniting of Europe, Political, Social and Economic Forces 1950-1957 (Partidos Políticos y Grupos de Pressión em la Integración Europea). Stanford University Press, Stanford, California, 1958 - INTAL, 1966.

LASSWELL, Harold. A Linguagem da Política. Brasília: UNB, 1979.

LAKATOS, Eva Maria. Sociologia Geral. São Pulo: Editora Atlas, 1986.

MEUNIER, Isabel; MEDEIROS, Marcelo de Almeida. Construindo a América do Sul: Identidades e Interesses na Formação Discursiva da UNASUL. Dados, Rio de Janeiro, v56, n° 3, 2013. Disponível em http://www.scielo.br/scielo

NEVES, J. A. M.. O Setor Elétrico na Integração da América do Sul: O Desafio da Autonomia Energética, maio de 2007, 89 pgs, Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, maio de 2007

SCHIMITTER, Phillippe. A Experiência da Integração Européia e seu Potencial para Integração Regional. Lua Nova N° 80, São Paulo, p.9-44, 2010.

SCHIMITTER, Phillippe. Neo-Neo-Functionalism. European University Institute, July, 2002.

Recebido em Abril de 2015 Aprovado em Maio de 2015

Page 108: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 106 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Page 109: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 107 -

TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: DO REALISMO À TEORIA VERDE

INTERNATIONAL RELATIONS THEORIES: FROM REALISM TO GREEN THEORY

Leonardo Dutra1

RESUMO:O presente artigo apresenta as principais ideias que compõem as Teorias das Relações Internacionais desde seus primeiros registros nas anotações de Edward Carr até os modernos entendimentos teóricos do cenário internacional que abordam questões relativas ao Pós-colonialismo e a problemática do meio ambiente.

ABSTRACT:This article presents the ideas that underlie the Theory of International Relations starting from the earliest records found in the notes of Edward Carr and leading up to the modern theoretical understanding of the international scene that deals with questions regarding Post-colonialism and the problems of the environment.

PALAVRAS-CHAVE:Relações Internacionais, Teorias das Relações Internacionais, Novas Perspectivas Teóricas.

KEYWORDS:International Relations, International Relations Theories, New Theoretical Perspectives.

IntroduçãoO presente ensaio apresenta as principais ideias que construíram e foram

resultado da construção de uma ciência da Política Internacional, hoje difundida como Relações Internacionais. Este trabalho inicia com a descrição das primeiras ideias registradas nesta linha de pensamento durante a segunda metade dos anos 1940 que deram origem a uma Teoria das Relações Internacionais.

Em seguida, é abordada a complexidade do pensamento destas teorias desde uma tríade de representações da realidade proposta pela Escola Inglesa das Relações Internacionais. O florescimento desta perspectiva é contemporâneo aos juízos sobre uma teoria da interdependência e uma abordagem teórica da estrutura do sistema internacional, ambas igualmente apresentadas neste trabalho.

1 Doutor em Teoria Jurídico-Política e Relações Internacionais. Pesquisador do Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade de Évora, Portugal. Email: [email protected]

Page 110: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 108 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Do mesmo modo, algumas críticas sobre o sistema internacional, as quais em sua representação teórica são apresentadas neste ensaio em suas ideias reflexivas sobre as relações internacionais, descrevem um horizonte temporal que abarca os anos 1980 e 90 dentro de uma nova ordem mundial. Segue que esta nova ordem já no século XXI acaba por ser desenvolvida a partir de outros temas que constroem o enredamento da política internacional, aqui exemplificados em perspectivas teóricas que apresentam o Pós-colonialismo e a Teoria Verde nas Relações Internacionais.

Os primeiros anos das Relações InternacionaisAs Relações Internacionais, enquanto área de conhecimento acadêmico,

tiveram origem em torno das duas grandes guerras do século XX, experimentando seu nascimento em meados dos anos 1940. 2 Nesse período, enquanto a teoria política estava relacionada à existência doméstica do Estado, a teoria das Relações Internacionais foi caracterizada como uma especialização da teoria política, não existindo como conhecimento autônomo.3 No entanto, a evolução do pensamento sobre uma realidade doméstica para um ambiente internacional conseguiu não mais se confundir com outros ramos de estudos nas ciências sociais.

Dessa forma, a multiplicidade de interpretações do cenário internacional, antes entendido exclusivamente pela história, pela economia ou pelo direito internacional,4 reuniu-se nas Relações Internacionais. Inicialmente a discussão sobre a ordem internacional girou em torno da sustentação ou rejeição à natureza do homem como ponto central das relações internacionais. Buscaram-se explicações para o cenário internacional em conceitos desvinculados da realidade, ou em contrapartida, na realidade aparentemente incoerente do ambiente internacional. 5

De tal modo, as Relações Internacionais existiram inicialmente na urgência da busca por alterações no mundo pautadas por conceitos universais.

2 “A ciência da política internacional está em sua infância” é a frase inicial do livro “Vinte anos de Crise” de Edward Carr, um dos marcos iniciais das Relações Internacionais publicado em 1946 (CARR, 2001, p. 3).3 Martin Wight publica no ano de 1960 um artigo fundamental para o desenvolvimento das Relações Internacionais discutindo o conceito da existência de uma teoria das Relações Internacionais (WIGHT, 1960).4 Hans Morgenthau publica em 1948 uma das obras basilares para o realismo nas Relações Internacionais. (MORGENTHAU, 2003).5 Em sua “Política entre as Nações”, Morgenthau propõe a seguinte perspectiva metodológica para as teorias das Relações Internacionais: “A prova pela qual tal teoria deve ser julgada tem de caracterizar-se por uma natureza empírica e pragmática, e não apriorística e abstrata. Em outras palavras, essa teoria deve ser testada, não em função de algum princípio abstrato preconcebido ou de determinado conceito desligado da realidade, mas sim pelo seu propósito: trazer ordem e sentido para uma massa de fenômenos que, sem ela, permaneceriam desconexos e incompreensíveis” (MORGENTHAU, 2003, p. 3).

Page 111: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 109 -

Assim como aconteceram no entendimento racional do mundo na forma como ele é, e não como poderia ser. A primeira abordagem sustentou a existência de um ordenamento moral nas relações internacionais baseado em pressupostos abstratos e universalmente válidos nesse ambiente. Desde a evolução da ordem política pautada pela educação de uma natureza humana dotada de maleabilidade infinita, o desenvolvimento internacional seria possível. Dessa forma, supondo o desenvolvimento das obsoletas instituições da sociedade como um caminho para a evolução desse ordenamento internacional (MORGENTHAU, 2003).

Particularmente pode ser verificada, nesta perspectiva, uma despreocupação com os meios que poderiam sustentar tal desenvolvimento. Nesse caso, apostando na evolução natural de um senso de humanidade como remédio para instabilidade da ordem internacional. Negligenciando a desconexão entre objetivos da sociedade internacional em consolidação com as possibilidades de execução desses objetivos pelas jovens organizações internacionais na metade do século XX. Contudo, outra linha de pensamento compreendeu um mundo diferente do supracitado. Essencialmente um mundo preso à natureza humana, logo, dotado de imperfeições. O resultado da interação entre forças oriundas de interesses contrários à natureza humana seria o motivo da impossibilidade da plena realização de princípios morais no ordenamento internacional.

Logo, o desenvolvimento constante seria impossível no ambiente internacional. E assim, o ambiente internacional apenas experimentaria equilíbrios temporários suportados por tipos de soluções precárias dos conflitos no ordenamento internacional. (MORGENTHAU, 2003). Irremediavelmente sempre retornando para natureza conflituosa da existência conjunta das comunidades políticas no espaço internacional. Segue que foram as preferências de determinados atores ou teóricos sobre uma ou outra dessas escolas doutrinárias que estabeleceram inicialmente as Relações Internacionais. Nesse contexto, uma variável recorrente dominou a discussão sobre o espaço internacional: o poder.

Na infância das Relações Internacionais, o poder com ênfases de crítica e de horror, ou resignação e admiração, inicialmente dominou a descrição do cenário internacional. 6 Nesse ambiente, o termo política de poder passou a ser coloquialmente utilizado como sinônimo para designar a política internacional.7 Assim, as relações internacionais foram interpretadas pela capacidade de um ator influir nas ações de outros, desde sua capacidade de impor sua vontade aos demais (ARON, 2002). Contudo, igualmente é destacado, em meados do século

6 Raymond Aron apresenta em 1962 uma via média entre o realismo e o idealismo nas Relações Internacionais (ARON, 2002).7 Martin Wight publica “Power Politics” em 1946. Wight revisa “A Política do Poder” nos últimos anos de sua vida, contudo, vem a falecer em 1972 antes da publicação desta edição atualizada. Entretanto, as anotações de Wight são aproveitadas e publicadas em uma edição expandida desta obra em 1978. Martin Wight, “Power Politics.” Looking Forward. n.8, 1946 (WIGHT, 2002)

Page 112: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 110 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

XX, o entendimento de fatores que extrapolam a natureza do homem como variáveis importantes nas relações internacionais. Particularmente, questionou-se se homem vivendo em sociedade poderia ser mais bem entendido mediante o estudo do homem, ou em contrapartida, da sociedade. 8

Buscando uma conexão entre o indivíduo e o agrupamento deste, teóricos buscaram isolar o comportamento do homem, do Estado e de um sistema de Estados para entender o ambiente internacional. Nesse caso, buscando compreender as relações internacionais como a justaposição dessas três perspectivas. 9 Igualmente, nesse período, a dicotomia entre otimismo e pessimismo funde-se em um entendimento de complementaridades dessas perspectivas nas relações internacionais. Desde algumas suposições sociológicas, ambas abordagens foram descritas como estágios sucessivos da representação de nossa realidade no mundo (ARON, 2002). Isso demonstra a possibilidade de alargamento do debate exclusivo entre cooperação e conflito nas Relações Internacionais.

Assim, a evolução do pensamento sobre a política internacional passou a descrever um ambiente mais complexo do que sugerem alguns pensamentos racionais do mundo, baseados exclusivamente na forma como as relações internacionais efetivamente são. Contudo, também conseguiu analisar um ambiente internacional de forma mais razoável do que a luta por alterações e desenvolvimento do mundo, pautadas por conceitos universais daquilo que o ambiente internacional poderia ser. 10 Logo, as Relações Internacionais também conseguem entender a atuação dos Estados no cenário internacional desde a explicação dos interesses comuns dessas comunidades.

Desse modo, os objetivos semelhantes das comunidades políticas distinguem duas variáveis para o entendimento do ambiente internacional. 11

8 Kenneth Waltz apresenta em 1954 as ideias iniciais sobre o neorrealismo que se consolidaria no final dos anos 1970. Nesta primeira abordagem, Waltz enfatizada uma problemática do período: a questão da guerra e da paz (WALTZ, 2004).9 Um ensinamento específico ainda pode ser salientado na obra de Kenneth Waltz sobre o comportamento do indivíduo e do Estado. Waltz afirma que atribuir ação aos Estados consiste no emprego de uma palavra para o estabelecimento de uma lógica entre esta – o Estado; e o sujeito da ação – o indivíduo: “Dizemos que o Estado age quando queremos dizer que as pessoas que estão nele agem, da mesma maneira como dizemos que a panela ferve, quando queremos dizer que a água que está dentro dela ferve” (WALTZ, 2004, p. 101).10 Ensinando sobre a Escola Inglesa das Relações Internacionais que registra suas primeiras ideias ao final dos anos 1950, Andrew Linklater no artigo “The English School,” publicado na obra Scott Burchill (1996), aponta que existe muito mais no ambiente internacional do que os realistas sugerem, contudo, igualmente existe muito menos do que os cosmopolitas desejam.11 Martin Wight, como muitos pensadores de seu tempo, salientou a dicotomia entre realismo e idealismo: “O excepcional contraste entre a situação de 1945 e a situação de 1918, que está refletido no contraste entre a Carta das Nações Unidas e a Convenção da Liga, consiste na ausência do otimismo, o maior dos realismos. O realismo pode vir a ser algo muito bom: tudo depende se significa o abandono de ideais elevados ou de expectativas tolas” (WIGHT, 2002, p. 310).

Page 113: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 111 -

A primeira variável apontou o interesse dos Estados em sua própria liberdade, mesmo quando estes demonstram pouca consciência do valor desta liberdade em períodos de paz. Já um segundo ponto demonstrou o interesse comum dos Estados em existir desde a predominância de uma comunidade política no cenário internacional, a qual garanta a salvaguarda de alguns valores desse ambiente (WIGHT, 2002). Igualmente, durante o desenvolvimento dessas conjunturas, dois outros entendimentos das relações internacionais trouxeram para o palco teórico internacional diferentes fatores que extrapolaram a natureza humana.

Por um lado, a percepção de um cenário internacional complexo onde a estrutura desse ambiente interfere e constrange as ações dos Estados em suas políticas externas. E por outra perspectiva, uma percepção de uma maior ligação entre os atores no cenário internacional, marcada pela interdependência entre os Estados com outros agentes nesse ambiente. Tais perspectivas originam um debate internacional que passou a considerar novos padrões da existência internacional. Inaugurando no último quarto do século XX um campo original de ideias sobre novos paradigmas aceitos pela política internacional. Particularmente, é inserido no enredado cenário teórico das Relações Internacionais a economia e os fatores ambientais como importantes variáveis para o entendimento do cenário internacional, inaugurando novos olhares sobre a ordem internacional e destacando novas perspectivas como únicas, até que estas cedessem lugar a novas visões dessa mesma ordem.

A sofisticação das teorias clássicas nas Relações InternacionaisAs alterações no mundo durante o século XX desenvolveram formas

sofisticadas de relacionamento entre os atores internacionais. São aprofundadas as interconexões de uma sociedade internacional em desenvolvimento. E os objetivos desse grupo social fomentam em alguns casos uma maior ligação das comunidades políticas, e em outros, o afastamento. Nesse ambiente, no mínimo três vertentes teóricas se destacaram nas Relações Internacionais.

Primeiramente, uma via média racionalista de entendimento do espaço internacional com origem na academia europeia. Bem como um novo debate entre a interdependência e a estrutura do sistema internacional na academia norte-americana. Na Europa, pensadores delinearam o cenário internacional a partir de três tipos de representações capazes de descrever a realidade em diferentes tempos e espaços. A anarquia, os hábitos de uma sociedade internacional e a potencialidade de uma solidariedade moral entre os povos apresentam uma via média de entendimento entre o mundo que existe e aquele que poderia

Page 114: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 112 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

existir. 12 Todavia, para além dessa via média13 das Relações Internacionais, duas percepções concorrentes também encontraram espaço em uma teoria da política internacional.

Nos Estados Unidos são sugeridas duas equilibradas análises do cenário internacional. Por um lado, uma perspectiva pautada na interdependência, e por outro, pela estrutura do sistema internacional.Desse modo, em um mundo de paradigma liberal, as Relações Internacionais deram maior importância para variáveis como a interdependência econômica e ecológica dos Estados.14 Tal paradigma propiciou um aprofundamento nas relações entre os Estados, salientando uma interdependência complexa entre essas comunidades. Essa situação pode ter sido resultado de alterações nas características dos próprios Estados e do cenário internacional nos últimos dois séculos.

O desenvolvimento do estado de bem-estar social em algumas comunidades, diversos progressos tecnológicos, os aumentos da capacidade de destruição dos armamentos, entre outras variáveis, sustentam essa abordagem. Contudo, o paradigma liberal é um fator condicionante na construção de objetivos para a sociedade internacional. Uma falsa liberdade experimentada pelos atores internacionais impulsiona a edificação de metas pautadas pela livre existência das comunidades políticas no mundo.

No entanto, o exercício desta liberdade é condicionado pela dependência que os Estados têm de diversos fatores no mundo. Dependência de elementos econômicos, militares, ecológicos e ideológicos, entre outros, que extrapolam as fronteiras das comunidades políticas independentes.Segue que, dentro de um paradigma liberal, o cerceamento das liberdades dos atores internacionais nem sempre é sentida por esses atores. Dessa forma, imputando uma semelhança temporal nas escolhas individuais e livres dos atores sobre os elementos que

12 A Escola Inglesa (embora ainda não assim denominada) oferece por meio de Hedley Bull em 1977 a descrição de uma “Sociedade Anárquica” composta por três tradições de pensamento: Hobbesiana ou Realista, Grociana ou Racionalista, e Kantiana ou Universalista. A abordagem de Bull remonta os seminários de Martin Wight na London School of Economics durante os anos 1950, onde Wight classificou tais tradições como Realista, Racionalista e Revolucionária (BULL, 2002; WIGHT, 2005).13 José Maltez registra que as Relações Internacionais em Portugal desde os pensamentos de Adriano Moreira assumiram um lugar paralelo aos juízos franceses e ingleses sobre o tema, indicando uma “terceira via” em que “o legado maquiavélico vive[u] em permanente tensão com certas ascensões ao idealismo” (MALTEZ, 2002, p. 211). Por seu turno, Adriano Moreira, ensinando sobre “divisões paradigmáticas” registrou que as produções sobre as relações internacionais mantêm ainda hoje uma referência a algumas perspectivas clássicas, nomeadamente o realismo, o racionalismo e o universalismo dependentes de Maquiavel, Grotius e Kant (MOREIRA, 2011).14 A necessidade de institucionalização do liberalismo que trouxe paz para o final do século XIX e a capacidade de cooperação técnica experimentada pelos Estados europeus em reconstrução depois da Segunda Guerra, conjuntura teórica conhecida como Funcionalismo e Neofuncionalismo, entre outros fatores, fomentaram a publicação em 1977 de “Poder e Interdependência”, consolidando o Neoliberalismo como uma importante fonte de argumentos para as Relações Internacionais. (KEOHANE; NYE, 2011).

Page 115: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 113 -

sustentam suas existências. Ou dito de outra forma, os atores internacionais são livres para fazerem suas escolhas somente dentro de um paradigma liberal. Logo, podem escolher desde que suas escolhas encaixem dentro um reduzido número de opções aceitas como legítimas pela sociedade internacional. E assim, as comunidades políticas experimentam uma falsa impressão de liberdade de escolha em suas existências. Garantindo dessa forma a homogeneidade de objetivos no espaço internacional. De tal modo, atribuindo coesão a uma sociedade formada pelos atores internacionais.

Segue que esses elementos tornaram mais complexa a análise da existência das unidades políticas independentes. Sugerindo a existência de um cenário internacional mais complexo do que o ambiente descrito por uma perspectiva de poder e segurança da natureza humana (KEOHANE; NYE, 2011). Todavia, mesmo diante da interdependência entre os atores internacionais, essa abordagem não conseguiu refutar a existência de um ambiente onde o poder existe em um mundo assimétrico. As capacidades de poder e as características de barganha dos atores internacionais nesse ambiente ratificam as tradicionais compreensões das Relações Internacionais. Dessa forma, corroboram a atenção já dada a fatores como segurança e o poder militar dos Estados, porém, existindo em um conjunto dotado de novos paradigmas, como a dependência dos atores internacionais a variáveis como a economia em escala global (KEOHANE; NYE, 2011).

Em um ambiente onde o ordenamento dos Estados não encontra um poder tangível capaz de barrar as intenções dos atores internacionais, a insegurança é uma realidade internacional. Logo, a insegurança que as comunidades políticas experimentam sustenta velhos enfoques teóricos sobre os tradicionais entendimentos das Relações Internacionais15. Devido à impossibilidade de os Estados determinarem uma quantidade ótima de poder diante dos outros atores, uma luta eterna por crescimento é a realidade das comunidades políticas. Pois é impossível estabelecer o número apropriado de poder necessário para um Estado, constrangendo as comunidades políticas a uma infinita busca por melhores capacidades relativas diante dos outros atores internacionais. 16

15 Kenneth Waltz consolida uma revisitação ao Realismo clássico com a publicação de “Teoria das Relações Internacionais” em 1979. Neste, Waltz apresenta o Neorrealismo pelo isolamento da estrutura do cenário internacional. Sobre o Neorrealismo, Waltz ressalta: “Primeiramente o poder fornece os meios para mantermos a nossa autonomia face à força que os outros exercem. Segundo, maior poder permite maiores raios de ação, enquanto deixa incertas as resultantes da ação. [...] Terceiro, os mais poderosos gozam margens mais largas de segurança ao lidarem com os menos poderosos e têm mais a dizer sobre que jogos serão jogados e como. [...] Quarto, muito poder dá aos seus possuidores uma grande participação no seu sistema e a capacidade de agir para o seu bem. Para eles, a gestão torna-se, ao mesmo tempo, valiosa e possível” (WALTZ, 2002, p. 265-266). 16 Persistindo no tempo (desde Morgenthau, Waltz, e outros), John Mearsheimer, já no século XXI, demostra a natureza do homem transposta às Relações Internacionais em seu realismo ofensivo (MEARSHEIMER, 2007).

Page 116: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 114 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Contudo, apesar da ratificação de velhos entendimentos do ambiente internacional, a complexidade da ordem também é discutida em alguns círculos acadêmicos. Nesse período, uma compreensão mais profunda da ordem e da natureza do ambiente internacional se consolida desde uma via média oriunda da academia europeia. 17 Pois as relações internacionais podem ser entendidas não só pelo conflito ou uma balança de poderes. E assim, os estudos sobre a cooperação se destacam nas análises das teorias das Relações Internacionais. Nessa abordagem, a cooperação no cenário internacional passa a ser caracterizada por diversas perspectivas. Particularmente, pela coerção, pelo interesse próprio e benefícios recíprocos, pelos hábitos institucionalizados ou pela inércia dos agentes envolvidos. Da mesma forma, existe cooperação desde um senso de comunidade pela legitimação de regras. Ou ainda, coopera-se a partir da solidariedade moral que poderia advir de um senso de justiça compartilhado no ambiente internacional (ROBERSON, 1998).

Assim, uma ordem global baseada em uma dupla abordagem entre o poder e a operação das normas legais e morais poderia igualmente explicar as relações internacionais. E aliando-se a isso, algumas dimensões econômicas, sociais, políticas e ecológicas, foi possível constatar no período a consolidação do entendimento de uma ordem mundial. Pois o aumento na densidade do processo de globalização tornou mais complexo o entendimento das relações internacionais. Dessa forma, inserindo novos atores nessas interações, delineando a complexidade do entendimento da ordem internacional. Apresentando novos entendimentos sobre as normas em uma sociedade internacional. Desenvolvendo a construção de regras sobre temas como a autodeterminação dos povos ou os Direitos Humanos.

Nesse contexto, um autoquestionamento sobre os fundamentos que sustentam as relações internacionais aparece no último quarto do século XX entre os pensadores do espaço internacional. Dessa forma, inserindo a questão epistemológica no entendimento do ambiente internacional e inaugurando o reflexivismo e as novas formas de pensamento sobre as Relações Internacionais no século XXI.

O Reflexivismo nas Relações InternacionaisO fim de uma ordem mundial bipolar na transição para o século XXI

trouxe consigo a manifestação de diversas abordagens explicativas nas relações internacionais. Nesse período, algumas teorias fomentaram investigações de fatores como a cultura, as identidades e a razão do indivíduo enquanto sujeito

17 Andrew Hurrell, expoente da Escola Inglesa das Relações Internacionais contemporânea, apresenta avanços sobre a ordem internacional no artigo “Society and Anarchy in International Relations,” em livro editado por Barbara Roberson (1998).

Page 117: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 115 -

nas Relações Internacionais. Algumas dessas abordagens sugeriram a alienação do homem no cenário internacional causada pela imposição de um campo de conhecimento normativo nas relações internacionais.18 Nessa perspectiva, o conceito de poder estaria construindo paradigmas aceitos como verdadeiros no espaço internacional. Logo, edificando um julgamento sobre a guerra ou a paz como perspectivas naturais da nossa existência sem conseguir comprovar a naturalidade dessas experiências.19 Da mesma forma, evidenciando que as teorias nas Relações Internacionais são sempre para alguém e para algum propósito (COX, 1986).

Uma das questões que surgem nesse período é o papel das Relações Internacionais enquanto campo de conhecimento. Porque seria possível que as Relações Internacionais não apenas descrevessem a realidade. Contudo, construíssem a realidade no mundo quando prescrevem comportamentos caracterizados como naturais para os atores internacionais. Centralizando na soberania dos Estados os entendimentos sobre as interações internacionais20. Nessa perspectiva, o progresso seria o ponto central para a teoria política interna ao Estado, enquanto a anarquia seria o ponto fundamental para as Relações Internacionais. Desde uma produção de saberes, as Relações Internacionais sustentariam a reprodução das diferenças no mundo desde dicotomias como o realismo e o idealismo, a identidade e a diferença, ou a comunidade e a anarquia (WALKER, 1993). Assim, as teorias das Relações Internacionais estariam difundindo a importância do Estado e negligenciando mudanças das relações no mundo contemporâneo, como a porosidade das fronteiras e a desconstrução da figura do Estado.

De tal modo, o reflexivismo nas Relações Internacionais aumenta a complexidade desse campo de estudos. Pois é possível que o interesse e os objetivos dos atores internacionais transcendam uma abordagem unicamente racional para o entendimento das relações internacionais. Demonstrando o desconhecimento que temos sobre a formação desse interesse em oposição à formação dos interesses dos outros atores. Porque em um processo de interação contínua entre os agentes e as estruturas, seria facultada aos atores internacionais a possibilidade de

18 Mudanças nas últimas duas décadas do século XX fomentam novas abordagens nas Relações Internacionais, nomeadamente perspectivas Reflexivas neste campo de estudo como o Construtivismo, a Teoria Crítica e o Pós-modernismo. 19 Nas anotações sobre uma Teoria Crítica nas Relações Internacionais, Robert Cox sustenta que as teorias pautam-se por perspectivas que inevitavelmente derivam de posicionamentos sociais e políticos de diferentes tempos e espaços (KEOHANE, 1986).20 Robert Walker defende que as teorias das Relações Internacionais são mais importantes como um aspecto da política do mundo contemporâneo do que como explicação da política mundial atual. As teorias das Relações Internacionais podem ser interpretadas como um discurso do Estado moderno, como uma prática constitutiva deste, gerando assim, efeitos nas diversas realidades da vida cotidiana (WALKER, 1993).

Page 118: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 116 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

construção de novas identidades. Sugerindo tanto a constituição de identidades heterogêneas entre comunidades, como indicando a homogeneização de identidades em outras regiões. Logo, suscitando a possibilidade de cooperação de grupos que não mais se veriam como antagônicos, porém, semelhantes.21

Além disso, a linguagem passa a receber atenção das Relações Internacionais nesse contexto, apontando ligações entre o discurso e a ação no cenário internacional. 22 Segue que a cultura, ou o aprendizado ocorrido no processo de comunicação entre diversos indivíduos, constrói conceitos sobre o válido ou desejável, inválido ou não desejável. Esses julgamentos funcionam como ideias abstratas que fornecem sentido e direção aos seres humanos na interação com o mundo social (GIDDENS, 2010). Tal perspectiva nos permite analisar a construção daquilo que as comunidades políticas julgam como verdade. Por exemplo, suscitando que o conceito de soberania pode não ter sido dado a priori para as comunidades humanas.

Logo, os grupos que conflitam pela diferenciação entre soberanias o fazem porque aprenderam a interpretar suas existências em um alargado processo de comunicação no tempo (WALKER, 1993). Igualmente, novas abordagens reivindicatórias no cenário internacional ganham espaço no debate sobre o certo e o errado nas relações internacionais. Criticando os impactos da história na construção de realidades pouco apropriadas para algumas comunidades não desenvolvidas no cenário internacional. 23 Tal perspectiva critica o atual sistema formado pelos Estados e demanda um alargado universalismo no cenário internacional. Assim, essa abordagem contesta algumas das instituições que deliberam sobre o ordenamento internacional, reclamando mais poder de decisão para aqueles que foram deixados à margem das decisões do cenário internacional

21 Abordagens que transcendem o racionalismo são representadas aqui pelo Construtivismo proposto por Alexander Wendt no livro “Social Theory of International Politics” de 1999. Trabalhando a perspectiva de que agentes e estruturas se formam mutuamente no cenário internacional, Wendt constrói uma tipologia de análise para buscar clarificar a formação das estruturas culturais e seus respectivos resultados desde três dimensões: primeiro entre o que conceituamos como conhecimento comum e coletivo; segundo, entre a causalidade e constituição dos fatos; e terceiro, entre os efeitos desses fatos sobre as identidades e os interesses. Desses fatores, Wendt consegue distinguir uma estrutura “material” e uma estrutura “ideacional” nas relações internacionais, as quais, fundem-se em um único sistema social constituído por ambas as estruturas (WENDT, 1999).22 O Construtivismo proposto por Nicholas Onuf estabelece a perspectiva de que os grupos humanos podem constituir lógicas de discurso baseadas na racionalidade, no carisma ou nas tradições, construindo respectivamente, tipos de comunicação assertiva, comprometida e diretiva nesses grupos. Isso pode explicar a composição das comunidades políticas, por exemplo, onde a comunicação se liga com a construção de organizações qualificadas desde diferentes características, como as sustentadas pela hegemonia de determinadas partes, pela ausência de autonomia delas, ou ainda, pela hierarquia, estabelecidas respectivamente a partir das tipologias dos discursos acima propostas (ONUF, 1989).23 Tais reivindicações de maior voz para os excluídos do cenário internacional podem ser alocadas dentro da perspectiva teórica chamada de Pós-colonialismo. Entre outros autores, Siba Grovogui em seu artigo “Postcolonialism,” presente na obra editada por Dunne et al. (2013), sustenta tal abordagem.

Page 119: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 117 -

no tempo. Em última análise, sustentando a necessidade de integração entre identidades, culturas e instituições híbridas no cenário internacional.

No entanto, a crítica generalizada ao sistema formado pelos Estados24 ocupa um relevante espaço entre as teorias das Relações Internacionais no mundo contemporâneo.

Tal abordagem, remontando ideias de 1970, aparece no início do século XXI propondo uma releitura de enfoques racionais e reflexivos das Relações Internacionais dentro da moderna percepção da humanidade sobre a degradação ambiental causada pela expansão industrial do último século.

De tal forma, alguns teóricos reinventam antigos conceitos sobre a roupagem de “segurança ecológica”, “desenvolvimento sustentável” e “justiça ambiental”, entre outros, para descrever ou prescrever o comportamento de alguns atores internacionais no mundo contemporâneo. Assim, condenando os principais modelos ideológicos que sustentam a realidade do cenário internacional pelo subdesenvolvimento de algumas partes do planeta. Particularmente, censurando as perspectivas que elegem a liberdade como ponto fundamental para as sociedades humanas. Bem como, igualmente, criticando as abordagens que apontam a igualdade como pedra fundamental para nossa existência em sociedade. De tal modo, a pluralidade de ideias apresentadas por diversos pensadores das Relações Internacionais ilustra a pluralidade de valores no espaço internacional. Construindo Teorias das Relações Internacionais tão simples quanto o enredamento dos atores no espaço internacional.

Considerações FinaisComo abordado neste ensaio, existe uma variada gama de entendimentos

sobre o ordenamento dos atores no espaço internacional. Nesse contexto, o debate entre a repetição ou o desenvolvimento das relações internacionais tem marcado o entendimento sobre o espaço internacional na história. Pois, enquanto algumas visões de mundo entendem a impossibilidade de expansão do equilíbrio internacional, outras buscam provar a naturalidade dessa possibilidade. Contudo, todas representações teóricas possuem uma variável de trabalho comum: o cenário internacional.

Dessa forma, embora a ênfase na paz e na guerra ou no racionalismo e no reflexivismo seja relativa, todas conjecturas precisam teorizar sobre a mesma matéria prima.

Logo, é possível que o conjunto das diferentes visões que compõe as relações internacionais seja distinto apenas em perspectiva. Ou seja, as visões

24 Conforme registra Robyn Eckersley em seu artigo “Green Political Theory,” publicado na obra editada por Dunne et al. (2013), a Teoria Verde acabou por abarcar conceitos mais complexos que a preocupação unicamente com o meio ambiente. Desde os anos 1990, a Teoria Verde ocupa-se em desafiar e propor mudanças mais generalistas às principais tradições políticas que construíram o atual ordenamento mundial, nomeadamente o liberalismo e o socialismo.

Page 120: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 118 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

do espaço internacional privilegiam perspectivas distintas do mundo em suas abordagens. No entanto, ainda possuem bastante similaridade em vários aspectos descritivos de suas definições da realidade.

Segue que alguns elementos cognitivos influem na construção da realidade nas relações internacionais. Pois as perspectivas existentes sobre o espaço internacional podem estar relacionadas com a incapacidade dos indivíduos de apontar certos comportamentos em uma determinada realidade.Entre outros motivos, porque essas realidades podem ser resultado de uma reorganização contínua de processos mentais que acabam por construir os mundos em que vivemos, os quais as Teorias das Relações Internacionais buscam explicar.

Nesse contexto, é possível conjecturar que a sociedade internacional acaba por determinar quais tipos de ideias são predominantes diante das demais. Ou posto de outra maneira, define quais paradigmas ou teorias são aceitas como verdadeiras no cenário internacional.

Pois o analista contemporâneo das Relações Internacionais frequentemente tem dificuldade em escapar de uma contemplação de mundo que não compreenda ou demande algumas verdades específicas.Segue que a tentativa de agrupamento dessa massa de elementos aparentemente desconexos produziu, e ainda produz uma diversidade de perspectivas sobre a interação dos atores no espaço internacional. Abordagens estas que versam sobre o mesmo mundo. Discutem o mesmo ambiente internacional e, portanto, apesar das diferenças, possuem severas semelhanças em suas perspectivas sobre as relações internacionais.

Page 121: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 119 -

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASARON, Raymond. (2002), Paz e Guerra entre as Nações. Brasília, Editora Universidade de Brasília.

BULL, Hedley. (2002), A Sociedade Anárquica: um estudo da ordem na política mundial. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

CARR, Edward. (2001), Vinte anos de Crise: 1919 – 1939: uma introdução ao estudo das Relações Internacionais. Brasília, Editora Universidade de Brasília.

BURCHILL, Scott et al. (1996), Theories of International Relations. Londres, Palgrave Macmillan.

DUNNE, Tim et al.. (2013), International Relations Theories: discipline and Diversity. Oxford, Oxford University Press.

KEOHANE, Robert. (1986), Neorrealism and Its Critics. Nova Iorque, Columbia University Press.

KEOHANE, Robert; NYE, Joseph. (2001), Power and Interdependence. Nova Iorque, Longman.

MALTEZ, José. (2002), Curso de Relações Internacionais. S. João do Estoril, Principia.

MEARSHEIMER, John. (2007), A Tragédia da Política das Grandes Potências. Lisboa, Gradiva.

MOREIRA, Adriano. (2011), Teoria das Relações Internacionais. Coimbra, Edições Almedina.

MORGENTHAU, Hans. (2003), A Política entre as Nações. A luta pelo poder e pela paz. Brasília, Editora Universidade de Brasília.

ONUF, Nicholas. (1989), World of Our Making: rules and rule in Social Theory and International Relations. Columbia, University of South Carolina Press.

ROBERSON, Barbara. (1998), International Society and the Development of International Relations Theory. Londres, Continuum.

WALKER, Robert. (1993), Inside/Outside: International Relations as a Political Theory. Cambridge, Cambridge University Press.

WALTZ. Kenneth. (2004), O Homem, o Estado e a Guerra: uma análise teórica. São Paulo, Martins Fontes.

WALTZ, Kenneth. (2002), Teoria das Relações Internacionais. Lisboa, Gradiva.

WENDT, Alexander. (1999), Social Theory of International Politics. Cambridge, Cambridge University Press.

Page 122: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 120 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

WIGHT, Martin. (2002). A Política do Poder. Brasília, Editora Universidade de Brasília.

WIGHT, Martin. (2005), Four Seminal Thinkers in International Theory: Machiavelli, Grotius, Kant, and Mazzini. Nova Iorque, Oxford University Press.

WIGHT, Martin. (1960), “Why is there no International Theory?” International Relations. n. 2, 35-48.

Recebido em Março de 2015

Aprovado em Abril de 2015

Page 123: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 121 -

THE TRANSATLANTIC BLOC OF STATES AND THE POLITICAL ECONOMY OF THE TRANSATLANTIC TRADE AND INVESTMENT PARTNERSHIP (TTIP)

O BLOCO TRANSATLÂNTICO DOS ESTADOS E A ECONOMIA POLÍTICA DO

COMÉRCIO TRANSATLÂNTICO E PARCERIA DE INVESTIMENTO (TTIP)

Claude Serfati1

RESUMO:O espaço do mundo é um espaço politicamente construído, dominado pelo grande capital altamente concentrado. A política econômica de globalização é o produto do desenvolvimento desigual e combinado sob a dominação dos países desenvolvidos, definido aqui como o ‘bloco transatlântico hierárquico dos Estados’. No centro encontram-se os EUA, apoiado por seus antigos aliados políticos e militares na Europa e na Ásia. O presente paper analisa o Comércio Transatlântico e Parceria de Investimento - Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) – e seus principais objetivos no contexto da atual conjuntura econômica e política mundial.

PALAVRAS-CHAVE:Comércio Transatlântico e Parceria de Investimento; Globalização; Corporações Transnacionais.

ABSTRACT:The world space is is a politically buit space, both dominated by large highly concentrated capital, with finance standing at the apex, and fragmented along national lines. The contemporary political economy of globalisation is the product of uneven and combined development under the domination of developed countries, defined here as the ’hierarchical transatlantic bloc of states’. At the centre can be found the USA, supported by its long-standing political and military allies in Europe and in Asia. The Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) analysed in this paper has, as its main objectives : to facilitate the increase of its members’ share of profits drained from the labour process (or from the ‘marketisation’ of nature and ‘commons’); to organise at the international level the competition between national ruling classes and different states of the transatlantic area; and to preserve their domination through the enforcement of international rules. Given the strong opposition from ‘those from below’ (trade unions, NGOs, etc.) and persisting divergences between the negotiating sides, the TTIP should not be seen so much as a ‘turnkey’ project to be easily wrapped up as a work in progress by the USA and

1 Claude Serfati is a Associate Researcher at IRES (Institut of Social and Economic Research) and at CEMOTEV (the Centre for the Study of Globalisation, Conflicts, Territories and Vulnerabilities) at the University of Versailles-Saint-Quentin-en-Yvelines, France.I would thank an anonymous referee for his/her comments and Ursula Huws for helping me, through the English editing of this essay, to sharpen some of my arguments.

Page 124: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 122 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

the EU, constituting an overarching forum that will cement the transatlantic bloc in order to promote the broad interests of the huge concentration of capital based on their territories.

KEY-WORDS:Transatlantic Trade and Investiment Partnership (TTIP); Globalisation; Transnational Corporations.

IntroductionApologists of ‘Globalisation’claim that it is an economic process resulting

from, and meeting the needs of, the law of the market. Such claims, inter alia, neglect the role of the political forces that have pushed the globalisation agenda onward, among them the most powerful states in the world, and the international organisations they strongly influence. What is called globalisation is the result of two closely intertwined processes. The first of these processes is capital’s compulsion to look for new sites of accumulation, a compulsion that takes concrete form in the development of the large, industrial organisations, global in scale, that we call transnational corporations (TNCs). TNCs account for a significant share of the goods produced in the world, and capture a significant share of the value produced. The second is the way that powerful states go on controlling the world space. In this space, cooperation, competition and rivalries are combined, between states and between TNCs. States and the TNCs that are based in these states use different means to defend and strengthen their positions, but their interests often converge. This article starts from the hypothesis that TNCs are not ‘apatride’(nationality-free) organisations, with their ‘footloose capital’ moving freely around the world. The social relations which enable TNCs to thrive – namely the labour process - are politically built and territorially bounded. For most TNCs, relations with their national governments remain key assets. The majority of world leading governments and world leading TNCs belong to the same countries.

The world economy is thus a politically built space; it is not a genuinely open space in which competition among TNCs is at arm’s length. This politically-constructed world economy is shaped by governments involved in asymmetrical relations with each other. The state form remains absolutely essential to the protection and expansion of capitalist relations. Far from dissolving into globalisation, as advocates of globalisation predicted, the number of states in the world has increased steadily over the last thirty years. In 2014, 193 states were members of the UN, compared with 159 states in the early 1980s. Those who claim that we are close to the ‘end of nation-states’ should therefore add ‘except in the membership of the international organisations’. This does not mean that all these states would pass the Weberian test of the ‘monopoly of legitimate coercion’ on their own territories. Still, what is essential is that they have a right to vote in international organisations, signifying that legitimacy has been conferred on them by the ‘international community’. In other words, the dominant powers at the summit of the international and hierarchical system of states

Page 125: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 123 -

still need an agency, even one made up of dozens of ’failed states’, to preserve the world economic and geopolitical order.

Thus, the world space is both dominated by large highly concentrated capital, with finance standing at the apex, and fragmented along national lines. And the contemporary political economy of globalisation is the product of uneven and combined development under the domination of developed countries, defined here as the ’hierarchical transatlantic bloc of states’. At the centre can be found the USA, supported by its long-standing political and military allies in Europe. In Asia, the bloc includes traditional US allies (such as Australia and New Zealand) and those countries (notably Japan, South Korea and Taiwan) that joined the ‘western’ camp after World War I (Serfati, 2004). The Transatlantic area is a geo-economic space which has been built over decades. Countries which make up the bloc have dominated international economic and political relations for centuries, a domination that has been buttressed by close bipartite links between some countries. In an era in which finance capital is dominant, the Transantlatic area accounts for a very high share of world financial activities. NATO, a military alliance built on common values, is the most ‘crystallised’ form of the Transatlantic bloc, and, since the collapse of the USSR, has transformed itself into a global security force, charged not only with protecting its member countries against their military enemies, but also with responding to threats to common values, including the ‘global commons’.

Over the last seventy years, the political solidity of the bloc has been shaken by internal crises, in particular when France left NATO’s military command, a decision following de Gaulle’s refusal to accept a total submission to US ruling. More recently (in 2002-2003) France and Germany undermined the solidity of the bloc when they refused to comply with Bush’s war in Iraq. Nevertheless, the bloc is resilient, based on very deep-rooted and strong economic and financial links between its members.

The Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP), the negotiations for which were launched in 2013, is a joint political project of the US Administration and the EU Commission on behalf of EU Member States. Its aim is to consolidate the world domination of the Transatlantic Bloc through the further integration of US and EU markets, an aim that is inseparable from attacks on social rights and lowering of environmental regulations.

This objective is challenging for a number of reasons. First, the USA and the EU have been at the epicentre of the global financial crisis, whose larger economic and social effects have yet to be felt. Second, their influence on the world economy is increasingly challenged by the most powerful emerging countries. Third, economic competition is not suppressed within the Transatlantic bloc, and has indeed been sharpened by the macroeconomic slowdown which has led to a

Page 126: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 124 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

situation of industrial overcapacity, which no country in the bloc (or China) can escape. As documented in this article, the TTIP negotiations cover a broad range of issues, some of which are ridden with significant disagreements between the USA and the EU.

The structure of this article is as follows. The first section proposes that the Transatlantic hierarchical bloc currently dominates the geopolitical and economic world configuration. The second outlines the main factors driving the search for a TTIP. The third analyses the objectives of the TTIP and the fourth discusses the major issues that contribute to the complexity not only of relations within the bloc, but also those between governments and the firms that are based on their own national territories. A conclusion summarises the main findings.

The Transatlantic Bloc Of States For the last two hundred years, the construction of the world space has

resulted from two processes: a permanent need for capital accumulation and the associated requirement to find new sites of investment, and the geopolitical rivalry and competition between contending states. How economic and political international relations are organised and reproduced is a core question for political economy, and international political economy as an academic field has been built on tentative responses to this question, focusing on one central issue: the absence of an international state performing the functions of a national state at the world level. The concept of ‘international regime’, ‘hegemonic stability’ (said to be more or less stable), and, more recently, the imprecise notion of ‘global governance’ (simply defined as ‘the way in which global affairs are managed’) have been some of the theoretical explanations offered by the mainstream. Among Marxists, theories of imperialism have offered an alternative way to analyse how the world is structured (Serfati, 2015).

This article is based on the hypothesis that a hierarchical transatlantic bloc of states stands at the core of actual international relations. At its centre stands the USA, supported by its long-standing allies in Europe and in Asia (SERFATI, 2004). The transatlantic area (here ‘transatlantic’ is a close equivalent of ’occidental’ or ’western’2), is a geo-economic space which has been built up over decades. Countries which make up the bloc have dominated international economic and political relations for centuries, a domination that has been buttressed by close bipartite links between particular countries (VAN DER PIJL, 1984). It is not enough to observe that, in 2013, The USA and the EU each accounted for 23% of total world GDP, and both together even more - 47.4% - of total world trade. In an era when finance capital dominates, the Transatlantic

2 The political and-economic content of these words are evident, as despite their localisation Japan, Australia, etc., , are usually considered as belonging to the ‘western’ side, opposed during the Cold war to the USSR-dominated ‘astern’ world, to which China was generally associated.

Page 127: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 125 -

area also accounts for a very high share of financial activities. As a share of worldwide volumes, the EU and US markets account for between 85% and 89% of derivatives activities (2012), 75% of international debt security markets (2014), 55 % of banking assets (2012) and 55% of stock market capitalisation (2013)3. The financial power of the USA and the EU is reflected in the wealth of the ruling class. In 2013, private wealth held by US and EU households accounted for 58% of all world wealth (BGC, 2014).

Finance capital is not the only way the US and EU economies are intertwined. Just the USA and the EU, the core of the transatlantic bloc, account for over 50% of world GDP, 56.7% of the inward stock of foreign direct investment (FDI), 71% of outward stock of FDI (Hamilton & Quinlan, 2014), and the total of bilateral FDI flows is also around five times higher than the level of European-Chinese or EU-Latin America investment (Deutsch, 2013). The number of TNCs based in the USA and the EU is overwhelming, with 83 of the world’s top 100 non-financial TNCs, ranked by foreign assets in 2013, based there (UNCTAD, 2014), and only 7 TNCs based in emerging countries. In 2013, US and EU TNCs accounted for 70% of total world mergers and acquisitions. The story is similar in relation to technological capabilities: EU and US-based companies account for 65% of the top R&D companies worldwide4. These figures are summarised in Table 1.

Table 1: Share of the USA and EU in world economy (%)

Production and trade % (last year available)World GDP 46 (2014)World trade 47.4 (2013)Financial marketsDerivative markets 85-89 (2012)International debt security markets (residence of issuers) 75 (2014)World stock market capitalisation 55 (2012)Bank assets 55 (2012)Household wealth 58 (2013)TNCs activitiesUNCTAD Top 100 (based on Foreign assets) 83 World Business Research-development spending 55,6 (2014)Cross-border M&As 70 (2013)Outward FDIs (stocks) 71 (2013)

Source: Author’s analysis of data from,BIS, Battelle, BCG, IMF, , UNCTAD, WFE, WTO.

3 Various sources : BIS, ECB, IMF, WB, WFE.4 Source : Battelle.

Page 128: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 126 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

The grip of the Transatlantic bloc over the world increased after World War II, for at least three reasons. First, there was a need to put an end to the barbarism which had resulted from the long-standing inter-imperialist rivalries that had devastated not only Europe but also many other parts of the world. Then there was the growing international status of the USA, which was increasingly able to make western countries play by the rules it designed and enforced. Finally, huge new challenges were posed by the fact that over a third of the world’s population was living outside the ’free world’ and therefore outside the capitalist world market.

The creation of NATO, as a military alliance built on common values, can be seen as a ‘crystallised’ form of the transatlantic bloc, and it is this model that has led a number of leading policymakers to see the TTIP as a potential ‘economic NATO’ (as will be discussed below). After the collapse of the USSR, NATO was transformed into a collective security organisation with a global reach, not just in terms of its territorial scope but also in the large range of military and civilian, political and economic issues it now addresses. NATO is not only the overarching military alliance in the world, it also tries to use the language of ‘soft power’5. NATO spokespeople stress that ‘the economic architecture of the modern world rests on assured access to the Global Commons’, by which they mean international waters and airspace, outer space, and cyberspace. NATO should, they say, be prepared to respond to the eventuality that ‘serious upsets to the global commons exist, especially in the uncertain motives of the rising BRIC states and the fragility of the globalised economy’ (Dowdal & Hasani, 2013). The targets are thus openly articulated.

The concept of a ’hierarchical transatlantic bloc of states’ is based on a number of hypotheses.

First, globalisation is not ‘dissolving’ the most powerful states, as was fashionably speculated in the 1980s and 1990s by those called ‘hyperglobalists’ (Held et al, 1999). Of course it is the case that the configuration of their relations has changed over time. The inter-imperialist rivalry among developed countries that resulted in the two World Wars gave way to a ‘peaceful’ economic competition among transatlantic countries. Thus, the first part of the prognosis established by Kautsky that ‘the result of the [first] World between the great imperialist powers may be a federation of the strongest, who renounce their arms race’ (Kautsky, 1914) seems to have been realised, even though it took over three decades of subsequent barbarism for peaceful cooperation among developed countries to be firmly established after World War II. There is no need to add that, contrary to the second of Kautsky’s hopes, the arms race has continued unabated over the last seven decades, fuelling further militarism. While wars directly waged between the most developed nations have ceased, so-called ‘resource wars’ have flourished. Although

5 As recalled in the 2010 strategic concept : “NATO member states form a unique community of values, committed to the principles of individual liberty, democracy, human rights and the rule of law”.

Page 129: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 127 -

mainstream World Bank opinion regards these wars as reflecting the inability of the countries concerned to adhere to the rules of ’good governance’, leading them to become ’marginalised’, it has been argued elsewhere that ‘resource wars’ are both an outcome and a component of a highly uneven and combined process of economic globalisation and geopolitical rivalry (Aknin & Serfati, 2008).

Second, while transatlantic economic and military integration has deepened over recent decades, strengthening the domination of the transatlantic bloc at the world level, this cannot be equated with the coming of age of a transnational state reflecting the formation of an international ‘transcapitalist’ class and, beyond that, of a future transnational state (Robinson, 2004). The Transnational state hypothesis is an attempt to address the sweeping changes that have taken place in the economic background over the three last decades. The approach put forward in this article is different. It is argued here that the fact that capitalism is flourishing all over the world does not mean that there is convergence in the mode of surplus value extraction; instead its growth is accompanied by a highly uneven process in which different modes of production are combined. Against this background, the fragmentation of the world along nation-state lines cannot be seen as a vestige of the past bound to fade away with ‘globalisation’. The situation is perhaps closer to that described by Trotsky, as one in which ‘each country’s specific features are not “merely supplementary to the general features” of capitalism, like warts on a face. In reality, the national peculiarities represent an original combination of the basic features of the world process’ (Trotsky, 1930). The underlying political organisation of the world, in other words, goes on relying on the enduring existence of an international system of states.

This does not mean that all countries competing for a role at the world level (e.g. China or Russia) or the regional one (e.g. Iran or Brazil) are playing by the same rules as the transatlantic states. Put differently, while the ruling classes of the non-transatlantic area are interested in increasing their wealth and the value they can appropriate not only in their own countries but also at the world level, their strategies are not leading to the creation of a single transnational capitalist class. The social relations of production (and capital is a social relation) remain territorially bounded and politically built, and the pursuit of value creation and appropriation, which even the internationalised factions of capitalist class depend on, still rely on strong state involvement. The ambiguously-named ‘globalisation’ of production does not mean that labour processes themselves are de-territorialised, any more than it can be said that the transnationalisation of corporations has turned capital and its owners into nationality-free ‘apatrides’ (Serfati, 2013). But this does not mean that state institutions are not undergoing transformation. Some para-state institutions are emerging at the EU (i.e. community) level as a result of strong economic integration, widely supported by governmental policies, but even these institutions are connected to, and depend on, the intergovernmental body (the European Council), which remains a core

Page 130: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 128 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

component of the EU’s institutional design. Furthermore, the seven-decade process of EU integration has been so specific that it would be disproportionate to extend it at the world level (Serfati, 2015b).

Another approach that attempts to explain how economic and geopolitical forces combine at the world level assumes that the world is ruled by an ‘informal empire’, sometimes also termed the ‘capitalist imperial state’ (Panitch & Gindin, 2005; 2013): ‘At the head of a global empire, the American state is more than the mere agent of the particular interests of American capital; it also assumes responsibilities for the making and management of global capitalism’ (Panitch & Gindin, 2005). There is no doubt, as explained above, that the USA is the overarching country in the ’transatlantic bloc’ and the most powerful country in the world. The country possesses a unique status, embedded in seven decades of international political and economic relations. Still, the USA is plagued by at least two problems.

The first problem is that, since it was at the epicentre of the financial crisis, it can hardly claim that it has successfully resolved the underlying contradiction of capitalist dynamics: the overaccumulation of industrial capabilities and decline in profitability (in the Marxist sense of the rate of profit). These difficulties are accompanied by strong imbalances in foreign accounts and a sharp deterioration of the labour market – both for workers and the unemployed. The dominant posture of US imperialism allows it to pass the buck, unloading the consequences of its own economic crisis onto other countries, but only within limits which are delineated by the resistance of these other countries. The view that the USA rules other countries as its empire is challenged; but those arguing that ‘Empire proved the last and most desperate form of US imperial mimesis’ (Desai, 2013:273), is that the ‘the reinstatement of the state’s economic role’ (Desai, 2013:276) will lead to a multipolar world.

This brings us to the second criticism of the concept of ‘empire’ as an analytical category applicable to the USA. To determine whether it is an imperialist country as a primus inter pares or in a category of its own is a dead-end discussion. Whatever its status is, other imperialist states do not just fade away. They are still present within the transatlantic area, in particular the United Kingdom, France and Germany, not to speak of the non-transatlantic countries (China and Russia) which are also in contention and can hardly be said to be dependent upon the ‘empire’. States are the underlying political structures beneath the social relations on territories; they are bounded – though not closed to the penetration of foreign capital. States are involved in interactive negotiations with each other, and they form the underpinning foundations for the reproduction of uneven and combined development at the world level.

In short, the transatlantic bloc of states is the driving force at the world economic and geopolitical level. It has been developed as an institutional response to the economic and political challenge that the USA and EU had to address

Page 131: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 129 -

in the aftermath of World War II. Its dynamics embody both the tendency of capital to overcome national boundaries (evidenced by the intensity of financial and economic links among developed countries) and the persistence of the inter-state system, which so far has neither broken up nor been replaced by any other form of political organisation at the world level. However the transatlantic bloc of states should not be conceived along an isomorphic analogy, as reproducing at the world level, or even at the transatlantic level, the role the state performs at the national level. Its three aims are: to facilitate the increase of its members’ share of profits drained from the labour process (or from the ‘marketisation’ of nature and ‘commons’); to organise at the international level the competition between national ruling classes and different states of the transatlantic area; and to preserve their domination through the enforcement of international rules. The TTIP crystallises these three objectives.

Ttip: Acceleration Of A Long Process Transatlantic networks

Against a long-term background of close transatlantic economic and political links, the objective of moving in the direction of more institutional integration between the USA and European countries gained momentum in the 1990s. The trail was blazed by transatlantic business networks, a number of which were set up, of which only a few are discussed here6. One important example is the Transatlantic Policy Network (TPN), a political body launched in 1992, whose US and EU members represent world-leading corporations and business associations (such as the American Chambers of Commerce EU and the European Round Table of Industrialists), American and European think tanks (e.g. The Brookings Institution, Council of Foreign Relations, Bruegel and the Centre for European Policy Studies), influential members of the European Parliament and the United States Congress, and academics. As early as 1994, it recommended:

building a strong, balanced XXIst century transatlantic partnership on four ’pillars’ of common future interest: common bilateral economic interests, common multilateral economic interests, common multilateral political interests, common defence and security interests. (TPN website, 2015). (quote style)

The inclusion of defence and security matters shows a clear recognition that, in the aftermath of the collapse of the USSR and its satellite regimes, ‘globalisation’ would integrate economic and political issues in a combined process, leading to a form of globalisation described as ‘PDF’ (standing for Peace, Democracy and Free Market), the holy trinity of optimistic expectations of that time.

The British-American Business Council (BABC) claims to be the largest

6 Other influential networks are BCTT, Business coalition for Transatlantic trade, The Center for Transatlantic Relations.

Page 132: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 130 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

transatlantic business network, with 21 chapters and 2,000 member companies based in major business centres throughout North America and the United Kingdom. Among other activities, the BABC actively engages with governments on a broad range of policy issues to ensure that their actions take account of BABC members’ views and interests (BABC, 2015).

In recent years the rate at which transatlantic businesses have joined forces has accelerated. On January 1, 2013, the Trans-Atlantic Business Council (TABC) was created as the result of a merger between TransAtlantic Business Dialogue (TABD) and the European-American Business Council (EABC). It represents over 70 TNCs headquartered in the USA and EU with a claimed combined workforce of 5.6 million employees (TABC, 2015). Finally, in 2013, an ad hoc TTIP business network was established, with the objective of harmonising proposals that might come from different, and in some cases opposed, perspectives. The Business Alliance for TTIP represents the leading business associations active on the both sides of the Atlantic7. Their website proclaims that ‘The business organisations united under the umbrella of the Alliance contribute innovative solutions to reach a comprehensive TTIP agreement’ (Transatlanticbusiness.org, 2014).

On the inter-governmental side, the declaration on US-EC relations adopted in December 1990, which decided ‘to endow their relationship with long-term perspectives’, marked a landmark at the time when the USSR was close to collapse. Subsequently, the US-EU government-led New Transatlantic Agenda8 (1995) declared that ‘Without detracting from our cooperation in multilateral fora, we will create a New Transatlantic Marketplace by progressively reducing or eliminating barriers that hinder the flow of goods, services and capital between us’ .This objective was slow to materialise, nonetheless, because of the strong expectations placed by the US and EU in the WTO (which came into force in 1995) as an instrument for opening up global markets. Following the launch of an EU-US Initiative to ‘Enhance Transatlantic Economic Integration and Growth’, agreed in Washington (20 June, 2005), in 2007 a further significant step forward was made when, on 30 April, EU and US leaders signed the ‘Framework for Advancing Transatlantic Economic Integration between the United States of America and the European Union’9. The basic objective of this agreement was ‘in light of our shared commitment to removing barriers to transatlantic commerce; to rationalising, reforming, and, where appropriate, reducing regulations to empower the private

7 Namely Eurochambres, BusinessEurope, American Chamber of Commerce to the European Union (AmCham EU), AmChams in Europe (ACE), European Services Forum (ESF), U.S. Chamber of Commerce, Trans-Atlantic Business Council (TABC), Transatlantic Policy Network (TPN), European Association of Craft, Small and Medium-Sized Enterprises (UEAPME) and European Round Table of Industrialists (ERT).8 Available at http://eeas.europa.eu/us/docs/new_transatlantic_agenda_en.pdf9 Available at: http://eeas.europa.eu/us/docs/framework_trans_economic_integration07_en.pdf

Page 133: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 131 -

sector’. This turning point reflected a change in EU policy away from a multilateral framework towards preferential trade agreements (European Commission, 2006).

In 2011, a High Level Working Group on Jobs and Growth (HLWG) was tasked jointly by the US and the EU to carry out a scoping exercise to identify the measures and sectors that could strengthen and optimise the transatlantic economy in order to create new jobs and economic growth. In July 2013, it was agreed by both sides to open official negotiations.

Why was this precision moment chosen for such a long-awaited objective to became a formal reality? Both the macroeconomic context and the rise of protectionist measures form part of the explanation.

Deepening of the economic crisis in the core economies On the economic side, the gravity of the deterioration of the world economy

can be followed in the discourse of mainstream economists. In December 2007, after the financial crisis had already burst, the OECD Economic Outlook considered that ‘the effect of financial turmoil on total activity stemming from the sector itself is likely to be small. Only some segments of the sector are expected to be affected’ (OECD, 2007:25). Such confidence was based on the fact that the financial sector proper accounted for only about 10% of value added in the OECD. Seven years after these infamous predictions, the OECD had learned some lessons and was more cautious (OECD, 2014). In 2008, when the financial crisis was at its peak, M. Trichet, one of the most authoritative European policy-makers and an orthodox guru was sure that ‘We are not in a situation that characterises deflation. If I look at some facts and figures, I don’t see yet any trace of deflation or negative inflation’ (Milliken & Donovan, 2008). Since that date, such discourses have become increasingly pessimistic. Those who previously spoke about ‘deflation’ (a codename for depression) have now started using the phrase ‘secular stagnation’ (Teulings & Baldwin, 2014). Even the IMF has adopted this vocabulary10. It should nevertheless be noted that, while Krugman and other others authors regard over-saving and monetary policy as the main contributors to secular stagnation, Alvin Hansen (1939), who coined the term ’secular stagnation’ to address the poor post-New Deal economic situation, look to ‘fundamentals’ (namely the rate of profit) as the driving force for secular stagnation11. Macroeconomic situations differ between the EU – trapped in a downward economic spiral – and the USA, which has the benefits of economic advantages (including the privilege of owning the world currency, the

10 ‘Secular stagnation’ is used four times in the preparatory document to G-20 Finance Ministers and Central Bank Governors Meeting September 20–21, 2014 IMF, “Global Prospects And Policy Challenges”, September 20–21, 2014, Cairns, Australia.11 See ‘I am increasingly impressed with the analysis made by Wicksell who stressed the prospective rate of profit on new investment as the active, dominant, and controlling factor, and who viewed the rate of interest as a passive factor, lagging behind the profit rate’ (Hansen, 1939).

Page 134: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 132 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

magnitude of its financial markets, etc.) and geopolitical ones. However it would be still misleading to think of the US being ‘out of the crisis’.

Indeed, it appears that investment, the engine of economic growth, has still not reached its pre-2008 levels. This is not only an issue for EU, or even developed country economies. As a leading credit rating agency puts it, ‘emerging market capex [capital expenditure] appears to be facing a case of serious indigestion’ (Standard & Poor’s Rating Services, 2014:13). Confirming that economic meltdown is a global problem, they estimate that the capital expenditures of the top world 2000 Transnational corporations fell in real terms by 1.% in 2013, would be flat in 2014, and were expected to fall by -3% in 2015 and -2% in 2016. The factual reality of declining growth may be unchallengeable, but opinions differ as to its causes, which can be seen as resulting from insufficient profitability, as some Marxists argue (Carchedi & Roberts, 2013), or a level of aggregate demand that is too low, as proposed by Keynesians. At the world level, this situation is all too visible in many industries in the form of manufacturing overcapacities. This is not just obvious in basic industries, such as the steel industry (where, not insignificantly, 50% of production is located in China) and the cement industry, but also in industries manufacturing durables, such as automotives and construction. Against this economic background, TTIP is aimed at furthering the attack to labour, and lowering environmental constraints, both of which are seen as costs for capital.

Rise of protectionism and withdrawal within national frontiers (c head)The economic recession looming in most parts of the world has stiffened

the competition not only between large TNCs but also between countries, as demonstrated by the failure of WTO negotiations after 13 years (in the ‘Doha cycle) and the multiplication of the number of bilateral agreements between countries over recent years: plain evidence of the rise of protectionism. This rise of protectionism cannot be compared to what happened after the 1930 crisis, when trade wars formed part of the build-up to World War II. Trade and capital integration continued after the 2008 recession, but the fact that the latter is not over in developed countries (e.g. the EU) and that its effects are now felt in emerging countries (e.g. Brazil) helps to explain the rise of protectionist measures. According to recent reports, G-20 members put in place no less than 112 new trade-restrictive measures during the period mid-November 2013 to mid-May 2014, adding to the 1,185 trade restrictive measures that had been recorded since October 200812.

Several explanations are offered for the weakening of the multilateralist framework offered by the WTO. The former head of the WTO states that the ‘diplomatic approach based on compromise has become excessive complex, with

12 OECD, UNCTAD, WTO, Reports on G20 Trade and Investment Measures1 (Mid-November 2013 To Mid-May 2014), 16 June 2014.

Page 135: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 133 -

too many players and too many conflicting interests involved’ (Lamy, 2014:14). Others blame emerging countries for their excessively high requirements, while stills others point to the willingness of the most powerful countries to undermine negotiations that weaken their grip on international trade. Among the last category, one of the most vocal critics among mainstream economics is Jagdish Bhagwati, who suspects that the USA is the main culprit in the current turmoil in international trade (Bhagwati, 2011). Whatever the explanation, it is clear that the USA and the EU took stock both of the WTO impasse and of the growth in protectionism when they decided to reinforce their close economic and political partnership through an official pact. European Commissioner for Trade, Karel De Gucht, has been quite clear about the leading role of the transatlantic area in the reworking of international trade rules13.

The TTIP is also aimed at diminishing transatlantic frictions on a series of issues which are discussed below.

The content and objectives of TTIP (b head)When discussing the objectives and the content of the TTIP14, it is

important to take into account not only the common objectives of the participants (large TNCs and public institutions), but also the disagreements among them. Since the beginning of the negotiations it has been evident that not all participants share a similar view. This caveat is needed to avoid a narrative based on a ‘masters of the world’ conspiracy. It may well be the case that the secrecy and opacity surrounding the discussions is designed to keep at bay hostile reactions that are likely to come from citizens and workers who will be adversely affected by the outcomes. However, another reason for this (rightly criticised) secrecy is that governments and TNCs are themselves split on some critical issues.

Even though their disagreements are expressed within a broad framework accepted by them all, on both sides of the Atlantic – a consensus that existing social and environmental standards should be lowered, there appear to be considerable differences about the details. In short, while they are erecting a united front against demands coming ‘from below’, governments and leading TNCs from the USA and

13 See his speech: “A European Perspective on Transatlantic Free Trade” “The core of its negotiating agenda is blocked, largely because of differences of view between developed powers like the US and the rising stars […] An EU-US partnership can act as a policy laboratory for the new trade rules we need – on issues like regulatory barriers, competition policy, localization requirements, raw materials and energy”, European Conference at Harvard Kennedy School: “Europe 2.0: Taking the Next Step”/ Cambridge/ USA”, 2 March 201314 Even the name used in the negotiations is itself imprecise. It is sometimes (and mainly in the USA) called the ‘Trans-Atlantic Free Trade Agreement’ (TAFTA). However in the EU, its reference to investment is made explicit in the term ‘Transatlantic Trade and Investment Partnership’ (TTIP) . Indeed, it is apparent that the negotiations does not just address investment issues, but also deep changes that are expected in state-investor relationships, for instance in Investor-State Dispute Settlement (ISDS), currently governed by bilateral treaties.

Page 136: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 134 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

the EU are still struggling to overcome significant divergences among themselves that could undermine their competitiveness against TNCs based in other countries.

Geopolitical objectives Far from leading to some convergence at the world level that would buttress

the development of a transnational capitalist class, the objective of TTIP is to cement the geopolitical and economic domination of the transatlantic bloc, as well as the ruling classes of the transatlantic area. The intermingling of these components of domination was clearly articulated by the US ambassador to the EU when he said that ‘There are critical geostrategic reasons to get this deal done, and every day I am reminded of the global context of why we are negotiating TTIP’ (Euractiv, 2014).

The near-collapse of the WTO’s Doha cycle and the weakening of a multilateral framework for trade negotiations gave the USA and the EU a real opportunity to take initiatives aimed at further reordering the world according to their interests. Against this background, the Transpacific Partnership (TPP), which began with Brunei, Chile, New Zealand and Singapore, and is now expanding to encompass, besides Peru, most Asian-Pacific industrial countries, including Australia, with the notable exception of China, is a US initiative connected to TTIP. ‘Pivoting to Asia’ never meant, for the US Administration, the marginalisation of its deep-rooted relationship with the EU, as some commentators are keen to claim (Bauer et al, 2014). It is precisely the purpose of the TPP for the US, and of the TTIP for the US and the EU, to further strengthen their links, ease the extension of the world power of the TNCs based on their territories, and contribute to the implementation of standards that are detrimental to workers and to the environment. It is the privilege of the USA to be a driving force in both treaties, and thus to have bargaining power in both sets of negotiations.

As for the TTIP, given the sheer size of their economies, the US and EU governments are convinced that they can set the rules of the game that will have to be followed, willingly or not, by other countries. This objective is not only articulated by the EU negotiator (as noted above); it is also repeated frequently by US and EU businesses that success in the elaboration of common rules and standards for the transatlantic area will leave no room for manoeuvre for other countries. As the EU Trade Commissioner puts it: ‘TTIP will help us continue to be strong players in discussions on setting global rules‘ (Malmström, 2015).

There is no contradiction between getting a ‘closed’ US-EU agreement and the objective of setting global rules which can be imposed onto other countries. Such a formulation describes the mix of economic and geopolitical drivers existing at the world level more accurately than the claim that the USA and the EU act on behalf ‘global capitalism’. The latter is a rather ambiguous expression. Does it mean that capitalist social relations (the antagonism between capital and labour;

Page 137: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 135 -

private ownership of the means of production) have reached a world scale as Marx (1858)15 anticipated? Such a conclusion is not necessarily incompatible with the co-existence of different states and forms of production. Capitalism’s conquest of the world proceeds along an uneven path of combined development, which in itself assumes the existence of differences between countries (as ‘containers’ of social relations) and capital in competition. This is a scenario in which the world arena has not become ‘flat’ and there is no global domination by a single transnational capital class. This can, indeed, be demonstrated by the way that the USA and EU aim at using the TTIP as a leverage in this competition.

Although it is presented as aiming at promoting free trade, TTIP is in reality a private bargain between the USA and the EU, brought about without transparency. This picture is confirmed by several experts on transatlantic relationships who have expressed the worry that, because it does not have an ‘open architecture’, TTIP could be interpreted by other countries a ‘West against the rest initiative’ (Hamilton, 2014:XVIII). As Stiglitz (2013) observed ‘the goal is a managed trade regime – managed, that is, to serve the special interests that have long dominated trade policy in the West’.

There is no doubt that China is the main target. Diminishing the Chinese influence in Asian trade is one of the goals of TPP. TPP provisions (Labour and environmental standards, intellectual property rights, reform of state-owned enterprises) are significant obstacles to China’s participation, despite former US Secretary of State Hillary Clinton’s statement that Washington ‘welcome[s] the interest of any nation willing to meet the 21st century standards of the TPP – including China’ (Ten Kate & Adam, 2012). With TTPP and TTIP, the US is advancing on two fronts and intends to play the two trading blocs off against one another with the view of securing maximum concessions from both sets of negotiating parties (Bendini, 2014:16). The USA still needs the EU, as much as the other way round, to promote ‘global standard of free market enterprise’, and more realistically, to resist the growing competition not only from China but also from other emerging countries, in particular Brazil and India. TTIP would oblige them to discipline their trade policy and accept rules shaped by the transatlantic alliance.

There is a discussion among policymakers and mainstream think tanks on the ways in which TTIP can be regarded as an ‘economic NATO’. This term has been used explicitly by NATO’s Secretary General (Rasmussen, 2013) in line with Clinton’s view that hard and soft power work together (The Nation, 2012)16. This is also the position of the EU negotiator who claims that TTIP ‘is about the weight

15 “The tendency to create the world market is directly given in the concept of capital itself, (Marx, 1858) 16 See “Emerging powers are putting their economies at the centre of their foreign policies. And they’re gaining clout less because of the size of their armies than because of their GDP [..] So to maintain our strategic leadership in the region, the U.S. is also strengthening our economic leadership”, quoted in The Nation (2012).

Page 138: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 136 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

of the western, free world in world economic and political affairs’ (Emmot, 2013). Again, there is a strong convergence of views with business as evidenced by TPN’s assertion that ‘the old inviolable cold-war boundary between our hard security interests and our many other common interests is breaking down’ (TPN, 1998:13).

It is clear that the crude US ’unilateralism’ which thrived under the G. W. Bush in the early 2000s has gone. Does this mean that the current influence of ’liberal internationalism’ on the US Administration’s thinking will be agreed by non-Transatlantic countries? Nothing could be less sure, because this policy could be seen as reinforcing the enduring view that occidental values, both economic (free markets) and political (democracy as it functions in the western countries) are universal in their sway. Among economists, even the staunchest supporters of the development of bilateral or regional agreements warn against undermining the WTO’s central authority and sidestepping it through regional trade pacts, a process that could mimic what happened when the 19th-century Great Powers carried out ‘exercises in economic muscle’ [which] ultimately led to ‘humanity’s greatest follies—two world wars’ (Baldwin, 2014). Among experts in international relations, there is the fear that the more ambitious and exclusive the ‘club’ constituted by the Atlantic democracies, the higher the barriers to entry, and the less likely it is that emerging powers will either want or be able to play by Western rules. In this sense, TTIP could exacerbate divisions between the West and rising states (Kupchan, 2014).

Not Levelling the playing field As is often noted, the level of tariff duties on bilateral trade flows averages

2.2% in the USA and 3.3% in the EU, in ad valorem equivalent terms. This small difference, according to some experts, should mean that this is an area of major contention. This view seems realistic to some extent, but is also somewhat optimistic because in agriculture, a sector which is highly politically sensitive, the average rate applied by the EU to US products is 12.8%, whereas the average rate applied to EU products by the USA is only 6.6%. There is a strong focus in the discussions on existing non-tariff measures (NTM) related to border measures (customs, etc.) and ’behind-the-border barriers’ (as they are known in the international trade jargon) such as norms, regulatory measures, etc.

The level playing field is an ideal type generated within mainstream economics which exist nowhere except in economics textbooks. Markets are indeed political institutions to the extent that firms strive to use power (or ‘non-market’ tools) to get a competitive edge and that inter-firm competition on capitalist markets leads to self-destructive effects which requires some form of regulation (generally government-led, even if implemented by autonomous regulatory agencies) . In the contemporary context, the domination of highly concentrated capital means that

Page 139: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 137 -

inter-firm competition oligopolistic. This means that, as long evidenced by scholars of industrial economics, it relies on mutual recognition among the large incumbent firms. Because most global industries have been dominated by oligopolies over many decades a need has arisen for some kind of organisation of the competition between them. This is generally carried out through business networks (ERT, TPN, TABD, etc.) that are internal to the oligopoly; it is also met externally through consulting companies, one of whose basic functions is to establish benchmarks by which firms can compare themselves with each other, since price is not the main ‘signal’ on oligopolistic markets17.

The ‘organised competition’ regime that prevails in oligopolistic markets calls for the setting up of rules and standards that involve not only the firms themselves, but also public institutions. This is all the more needed now that new firms from emerging countries are entering global oligopolies, challenging the rules by which American and European firms have been playing for decades.

Against this background, rules and standards remain an essential tool in the hands of national governments, confirming the divisions in the world economy along national lines. TTIP focuses strongly on regulations and the procedures for the development of related standards. As openly stated by the governments and large companies involved in the negotiations, the goal in many, if not most industrial sectors, is not to set up uniform standards in the USA and the EU, which would be very difficult given the lack of consensus. Rather it is to arrive at a degree of convergence that is acceptable to all parties. As observed by the USTR, ’there is no “one size fits all” to good regulatory practice. The relationship between the Executive and Congress in the United States is different than the relationships among the Commission, the Council and the European Parliament, not to mention the Member States’18. Confirming the cautious governmental approach, a European business coalition claims that

The potential benefits of regulatory cooperation will vary from sector to sector, since harmonisation of legal provisions or mutual recognition will be possible only when standards or licensing procedures are comparable in terms of the level of protection and effectiveness’ (Business Europe, 2014:5).(quotation style)

17 The role of auditing and benchmarking the firms by consulting companies automatically breeds collusion and corruption, as evidenced in the Enron case (November 2001) and in the generous rating of heavily indebted and close-to-collapse financial companies and financial product innovation before the 2007 crisis. Nothing changed in post-crisis years, as revealed by the International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ) in the Luxleak scheme, where the ‘big four’ audit companies are involved. The House of Commons in its January 2015 report states : “ We consider that the evidence that PwC provided to us in January 2013 was misleading”, House of Commons. Committee of Public Accounts, “Tax avoidance: the role of large accountancy firms: follow-up”, Thirty-eighth Report of Session 2014–15, 28 January 2015, p.5.18 Remarks by U.S. Trade Representative Michael Froman on the United States, the European Union, and the Transatlantic Trade and Investment Partnership, September 30, 2013.

Page 140: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 138 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

Such views are both less ambitious and more realistic than some of the headline statements. There is a wide variety of differences and divergences among the participants in the negotiations, as well as vocal opposition on many issues by NGOs, trade unions, and other stakeholders, including some regulators19. Behind each sectoral agreement, discussed on a case-by-case basis, stands a range of coalitions of business and governments involved in discrete, and sometimes extremely hostile, tugs of war with each other. In addition to the asymmetrical balance of power between the USA and the EU, the US negotiating hand is stronger on most issues because the European position is not homogeneous, being split along national dividing lines.

An important feature of the TTIP is that, whilst it seeks to achieve considerable advances in pro-business (and therefore anti-labour) measures, these benefits are planned to be restricted to US and EU firms. This confirms that, however ’global’ they may appear, US and EU TNCs do not ignore the fundamental role of their domestic markets, which have an increasingly transatlantic dimension. American and European TNCs expect that TTIP will provide them with a competitive edge over non-transatlantic TNCs (includes TNCs based in Japan and other developed countries). It would nevertheless be wrong to regard US and EU TNCs as agreeing on all issues. The framework offered by the transatlantic bloc does not eliminate competition or government support, including through protectionist (mainly non-tariff) measures. The route to a transatlantic agreement is paved with enduring divergences and competition internal to the US-EU area.

Lowering social and environmental standards (c head)While US and EU interests differ on a number of points, they also

converge in many others. One common goal of all parties to the negotiations is to use TTIP leverage to lower social and environmental standards. A capitalist common front to counteract workers’ demand is anything but new20. The US and EU governments and business are currently uniting their forces to amplify their attacks against labour and their appropriation of environmental resources, attacks which they are already carrying out separately. Adopting a Panglossian view on the benefits of free trade, the European Commission claims that ‘The greater the extent of liberalisation proposed in the various policy options, the greater are the estimated welfare gains’ (European Commission, 2013:50). Critics of these claims have pointed out that the underlying methodologies are flawed, because they ignore the cost of sectoral reallocation of the production factors (labour and capital) and overstate the benefits, according to EU-commissioned

19 Some analysts have noted the “tension between TTIP negotiators seeking to maximise trade and SPS regulators with statutory duties to protect human, plant and animal health”, See IATP, 2014. 20 See Marx’s observation that « Capitalists form a veritable freemason society vis-à-vis the whole working-class, while there is little love lost between them in competition among themselves”., Capital Vol. III Part II Chapter 10.

Page 141: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 139 -

studies. The pro-TTIP analyses ignore the macroeconomic adjustment costs, the social costs of regulatory change and compensation payments under investor-to-state-arbitration which could be significantly high (Raza et al, 2014). In terms of growth, it is realistic to expect the increase in 2027 to be a modest 0.21% of GDP. That is roughly equal to a normal month’s growth (Baker, 2013).

Investigations of the consequences of NAFTA give some support to pessimistic prophecies that TTIP will have severe negative impacts on labour. The optimistic forecasts bore little resemblance to the actual outcomes. One Clinton Administration advisor, for instance claimed that NAFTA would generate an ‘export boom to Mexico’ that would create 200,000 jobs in two years and a million jobs in five years. In fact, NAFTA directly cost the United States a net loss of 700,000 jobs. The surplus with Mexico turned into a chronic deficit. And the economic dislocation in Mexico increased the flow of undocumented workers into the United States (Faux, 2014).

Another factor affecting labour is that the USA, unlike the EU, has not ratified a number of core ILO Conventions, including the conventions on freedom of association and collective bargaining, Trade unions ask for the parties to commit to the ratification and the full and effective implementation of the eight core conventions of the ILO and of core international environmental agreements (ETUC/AFL-CIO, 2014). The British trade union, GMB expressed a view that is widely shared by trade unions when it said that TTIP is a ‘very real risk of our hard-won European employment and social rights being levelled down to often much lower American standards’ (Parliament.UK, 2013:26).

Investor state dispute settlement: weakening state capabilities The introduction of an Investor State Dispute Settlement (ISDS)

mechanism in the TTIP has been widely analysed and publicised, in particular by its opponents. The controversy did not stop with trade unions and NGOs; even some EU governments have expressed concern on this controversial issue. The attention attracted by this clause is quite legitimate, as its existence and rising use by large TNCs supply glaring evidence of the increasing power held by corporations, especially in areas long seen as reserved to governments, as legitimate representatives of their populations.

ISDS has had a sweeping success. First introduced in Bilateral Investment Treaties (BITs) in the early 1950s, ISDS clauses figured in 93.5% of 1,660 International Investment Agreements (IIAs) analysed in an OECD study (Pohl, Mashigo & Nohen, 2012). By the end of 2013 the total number of known treaty-based cases had reached 568 (UNCTAD, 2014). As of the end of 2013, the overwhelming majority (85%) of total ISDS claims had been brought by investors from developed countries (13% were from developing countries and 2% from transition countries). Arbitrations have been initiated most frequently

Page 142: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 140 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

by claimants from the European Union (53% of all known disputes) and the United States (22%). Among the EU Member States, claimants most frequently come from the Netherlands (20% of EU disputes), the United Kingdom (14%), Germany (13%), and France (10%). Apart from the EU, the USA was a major claimant (20%), followed by Canada (5%) (UNCTAD, 2014).

The justification for the introduction of ISDS was that investors were badly protected in countries with weak judicial and regulatory systems. Thus, they could turn to international tribunals set up to arbitrate litigations between investors and governments. Some of the grounds for challenges to government measures by investors in recent years have included changes related to investment incentive schemes, cancellation or alleged breaches of contracts by States, alleged direct or de facto expropriation, revocation of licenses or permits and regulation of energy tariffs.

The introduction of an ISDS clause into the TTIP is welcomed with enthusiasm by US and EU large businesses. The need for such a clause is at first sight surprising, since both regions have robust domestic judicial systems and the number of claims initiated so far from one region to the other has been limited. There are several reasons why businesses are lobbying for it.

First, it is viewed as a way to weaken the political power of governments, in particular their ability to make decisions based on economic, social or cultural motives that could hurt firms. The introduction of the clause would mark a new advance in the thirty-year process that has seen private interests increasingly encroaching on the public sphere, in a progressive commodification of economic and social life and privatisation of those goods once considered as public (or common) such as intellectual property rights in genes and seeds or the transfer of defence activities to private contractors.

Second, in relation to the geopolitical objectives mentioned above, TTIP provides an opportunity to create a ‘gold standard’ ISDS provision that can will serve as a precedent in future negotiations (Parliament.UK:90). A similar view is shared by US business representatives. A letter to the Financial Times, signed jointly by Peter M Robinson, CEO of the United States Council for International Business, Karsten Dybvad, CEO of the Confederation of Danish Industry and Urban Bäckström, Director General of the Confederation of Swedish Enterprise Robinson, stated that

[a] modern ISDS agreement […] could become the template for future investment agreements with our other major trading partners in Asia, South America and Africa, where ISDS agreements are an essential safeguard for investors against arbitrary politics (Robinson, Dybvad & Bäckström, 2014). (quotation style)

Some commentators add other countries to the list of emerging countries targeted, asserting that one reason that the USA places such a strong focus on ISDS is ‘not because of countries like Britain and France, but because of the wider EU membership (and the new member states in particular)’ (Parliament.UK:91) . This claim, by British peer Lord Goldsmith, is confirmed by UNCTAD data

Page 143: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 141 -

showing that in intra-EU cases filed at the end of 2013, two-thirds involved the ‘old core’ of EU countries as claimants and new entrant countries as defenders (UNCTAD, 2014) 21. If anything, this confirms that EU integration is a highly uneven and combined process.

Third, the ’ISDS business’ is a very lucrative activity which has flourished in recent years (Olivet & Eberhardt, 2012).

The US and EU Business enthusiasm for ISDS contrasts strongly with opposition from trade unions and NGOs, which is well documented in studies warning of the dangers of ISDS22. ISDS clauses present in Free Trade Agreements (FTAs) are said to contain loopholes and vaguely worded formulations of major provisions, so enabling abuses (e.g. ‘nationality shopping’ by companies which create subsidiaries abroad specifically to take advantage of FTAs) (European Parliament Research Service, 2014) . A more fundamental overarching criticism relates to the risk that it will extend the global ideology of privatisation of justice and further weaken democratic state institutions. The right to carry out sovereign policy, including nationalisation of core assets, and social23, health24 and environmental25 legislation. Other criticisms point to imprecise notions of terms such as ‘nationalisation’ and ‘fair treatment’.

An expert in ISDS and international investment arbitrations lists a long catalogue of failings, concluding that ISDS is a system that is ‘seriously flawed and needs a complete overhaul’ (Kahale, 2014). UNCTAD, which carefully monitors litigations brought before ISDS and other investor-state tribunals, also warns against the dangers of such arbitration.

To understand the diversity ofattitudes existing among governments,, it is interesting to trace the position of US and EU governments. As already noted, the

21 To give just one example, in the Slovak Republic after extensively liberalised process on the health insurance market in 2004, a new government sought in late 2006 to reverse this liberalisation; the effect of the reversal was to restrict the extent to which insurance companies could repatriate or retain their profits. A number of separate claims were brought by the insurers or parent companies. In at least one case (involving the Dutch insurer Achme), The Luxembourg court ordered local banks to freeze the €29.5m-worth of assets of the Slovak Republic (UNCTAD, 2014)22 See for instance the Confederation of European Trade unions public consultation on modalities for investment protection and ISDS in TTIP at http://www.etuc.org/sites/www.etuc.org/files/press-release/files/etuc_public_consultation_on_modalities_for_investment_protection_and_isd.pdf23 The French large utility Veolia is currently using ISDS mechanisms to sue the government of Egypt for increasing the minimum wage, Unison ”The Transatlantic Trade and Investment Partnership”, Unison briefing, A UNISON, May 2014.24 Tobacco large TNC Philip Morris, based in Switzerland is demanding US$2 billion from Uruguay over health warnings on cigarette packets, despite the bilateral investment treaty between Switzerland and Uruguay unequivocally states in its Article 2 that public health measures cannot be challenged by investors as an indirect expropriation of their investments. Position of REDES – Friends Of The Earth Uruguay On The Recent ICSID Decision, Montevideo, 10 july 2013.25 Swedish energy company Vattenfall is suing Germany, under the Energy Charter Treaty over its decision to phase out nuclear energy.

Page 144: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 142 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

US government is strongly in favour of the inclusion of an ISDS clause, reflecting the common view of business. This is not surprising given the strong tendency of US business to engage in litigation26. In the words of a report by the London School of Economics:

Generally, American investors tend to be the most litigious in the world […] Americans often sue or threaten suit as a strategic device to obtain some sort of amicable settlement (e.g., a money payment, a new contract, an agreement by the other side to abandon its claim). ( Poulsen, Bonnitcha & Yackee, 2013:21). (quotation style)

An EU-US investment chapter would still probably ‘by design confer greater rights on US investors than their European counterparts’, including under UK law (Poulsen, Bonnitcha & Yackee, 2013:29). This posture is at odds with US resistance to the inclusion of finance-related issues in the TTIP. The UK government also promotes the inclusion of an investor-state mechanism in the TTIP. Despite some fears that a handful of the numerous US firms operating in the UK might sue its government in rare cases, the UK government considers that the inclusion of an investor-state dispute resolution mechanism would diminish undesirable governmental involvement and help to promote a business-friendly institutional set-up.

In Germany, both businesses and government are more circumspect. The BDI, the German business association, released an ambiguous report including both clarifications on ‘misconceptions about IIAs and ISDS’ on the one hand and implicit endorsement of some proposals formulated by UNCTAD to improve the quality of the mechanism on the other (BDI, 2014). This position reflects dissenting views within German business between large internationalised TNCs (in particular in automotive and chemical industries) favourable to the ISDS mechanism and the SMEs who are worried that it will increase power asymmetries in favour of large corporations, enabling them to circumvent existing national laws and state jurisdiction (BVMW, no date). The German government was also apparently initially opposed to an ISDS clause. In France too, the government was initially hostile to the inclusion of an ISDS cause, whilst French big business, represented in European business networks, were in favour (Hiault & Robert, 2014). Interestingly, in the thick fog surrounding the negotiations, both the French and German governments are said to have backed down and are now prepared to accept an amended ISDS clause, the main challenge for them being the ‘need to mitigate the domestic fallout’ (Sparding, 2014).

The main conclusions to be drawn from the discussion on ISDS are as follows. First, large transnational corporations loudly support what appears to them as a further consolidation of their leverage against any governmental measures

26 The situation in Congress is more nuanced. According to an AFL-CIO representative, “approximately one-third of members are sympathetic to their concerns, one-third strongly in favour of ISDS provisions, and one-third in the “mushy middle”, House of Lords, European Union Committee, (Parliament.uk:.84).

Page 145: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 143 -

that would in their view obstruct ‘fair and equitable treatment’ and ‘legitimate expectations,’ confident that either they will have the ear of the tribunals or that governments, worried about their international reputations, will back down. Second, the more that governments are persuaded that ISDS will provide their domestic firms with a competitive edge, the stronger their support for this clause becomes. Third, US and all EU governments converge on the idea that TTIP should be a template for future agreements. Setting ’values’, norms and regulatory standards for the rest of the world is an underlying objective of TTIP. This consensus should pave the way, if not to an ISDS mechanism similar to the one proposed by the USA since 201227, at least to the adoption of a clause that will make further intrusions into the system of public judiciary courts. Moreover, faced with mounting opposition coming ‘from below’ and hesitations among governments, pro-ISDS advocates are showing their muscle, if not resorting to blackmail28.

A long way off: from minor to major disagreement (b head)Different configurations…. (c head)

Though the TTIP is clearly designed to set in place a more favourable economic environment for US and EU business, this does not mean that a deal will be easy to negotiate. The opposition of NGOs, trade unions and some political parties on the left is a first obstacle, as evidenced by the obligation made to the Commission to break with its former policy of secrecy, once presented as a precondition for the negotiations to be successful. A second difficult is that neither American nor European TNCs, nor their governments can be seen as a unified front. Their disagreements have already led to the expected deadline, originally set at the end of 2014, being postponed, and the treaty is not expected to be signed before, at the best the end of 2017 or 2018, according to the EU Commissioner for trade29. Several ways out of the impasse have been proposed. One is to move ahead by diverting the negotiations in the direction of ‘flexible agreements’. Another is to maintain a forum where TNCs from the both sides of the Atlantic will continue their discussions in an attempt to bring their positions closer. Another idea is to sign agreements on non-controversial issues and keep on discussing the more intractable ones. It seems likely that the sectoral diversity of the situation could lead to a range of different outcomes, with some issues, e.g. maritime services or energy, remaining unsettled or ‘scaled down’(Office of the US Trade Representative, 2014).

27 On April 20, 2012 Washington unveiled a new model BIT (Source : BDi, op.cit.).28 See the remarks by Fredrik Ericson, Economist with an European influential think-tank (ECIPE) : “If ISDS is discharged from TTIP, I am afraid that is the end of TTIP” in EurActiv, TTIP And The Arbitration Clause, Special report, 8 - 12 December 2014.29 “Cecilia Malmström: EU-US free trade agreement will be delayed”, Radio Sweden, 29 March 2015, http://sverigesradio.se/sida/artikel.aspx?programid=2054&artikel=6129038

Page 146: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 144 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

These deep divisions have their origins in the basic workings of capitalism and are twofold. First, as already observed, economic competition has been stiffened by the still unfolding consequences of the financial crisis in the US and EU economies, with a long recession plaguing the EU area. At the world level, overcapacity, or underutilisation of industrial capacities is rife. Second, in the countries involved in the TTIP negotiations, states go on keeping a significant grip on how the latter (negotiations) proceed, meaning that economic competition operates against a governmental-influenced institutional framework. The very fact that such an intergovernmental agreement is needed to enable economic competition to proceed confirms the overarching role of the international system of states, and within it, the role of the transatlantic bloc of states.

The overlapping of economic competition and state rivalry brings about a diversity of situations in the TTIP negotiations. On some issues, US and EU business agree. In such cases, governments (the US Federal Government and the European Commission on behalf of the Member States) generally support the consensus. Nevertheless a number of uncertain issues still remain. When US and EU business develop positions that are internally homogenous but divergent from each other (ie, when there are distinctive US and EU business positions), the negotiators support their own side. In both cases, this means that governments are reflecting the ‘general interest’ not of their won citizens, since it is clear that citizens’ and workers’ rights are often threatened by the TTIP, but of large internationalised sections of business. From a Marxist perspective, this presents a classical case of governments acting as the representatives of the ruling class and promoting the material interests of the strongest section of the exploiters.

This situation, where a national state and the capitalists based within it converge in their position, is not the only one that exists, despite the claims of those who follow a ‘functionalist’ and strictly deterministic reading of Marx’s remarks on the state. An alternative possibility is that business could be ‘internally’ split (i.e. within the USA or within the EU), with the consequence that government might be adopting a view reflecting the interest of some specific sections of business rather than all of them. Furthermore, the state is not a passive instrument reflecting the different factions of capitalist sectors and trying to find a compromise between them. States require legitimacy, that is they must become institutions that hold all the social classes together through the containment of class struggles within generally peaceful limits. This model of the state has been built up over a long period, which has enhanced its organisational autonomy vis-à-vis social classes, or what, using a more mainstream approach, is called ‘civil society’.

Another complicating factor can be illustrated by the example of the financial sector. Here it is possible that while the US industry disagrees with the US government position, this government position might converge with EU

Page 147: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 145 -

proposals (or vice-versa). Last difficulty, while the Commission is legally the only negotiator for all the EU member states, it has to take into account both internal divergences within national segments of European business and differences between national governments

This produces a complex set of discussions which accounts, not only for the secrecy, but also for the complexity of the negotiations. There is no space available here to discuss the full range of these so the next section highlights just two contentious issues: public procurement, and the financial sector30.

Controversial issues at governmental level The core role of public procurement

Unsurprisingly, public procurement is the most sensitive issue of all on the TTIP agenda, confirming the core role of government in the economy. According to some sources, public procurement is significant part of national economies, contributing in the range of 10-25% of gross domestic product (GDP). In the EU, the public purchase of goods and services has been estimated to account for 16% of GDP (European Commission, 2014). In 2013 the US Federal Government spent around $571 billion in purchases – two thirds of which was accounted for by the Department of Defence - out of a federal budget amounting to $3.9 trillion in 2013 (Edwards, 2014).

Even before the negotiations started, it was made clear that defence procurement would be excluded of TTIP, as demanded by some countries, notably the USA and France, For most other public sectors, the High-Level Working Group’s final report recommended that TTIP improve access to government procurement opportunities at all levels of government (HLWG, 2013). In principle, this should be uncontentious, given that both the USA and the EU are parties to the WTO Agreement on Government Procurement (GPA), a multilateral agreement that sets forth legally-binding rules and obligations governing procurement, and are already signed up to a commitment based on the May 30 1995 U.S.-EU Exchange of Letters on government procurement.

Still, the devil is not only in the detail; there remain significant points of friction between the two parties. The dominant European view is that the US Government has created major obstacles that impede foreign companies from gaining access to the US public market. According to some French sources, 85%

30 Other controversial issues are agriculture, Sanitary and Phytosanitary (SPS) (those surrounding food safety and animal and plant health), Intellectual property (in particular the protection of geographical indications (GI). Agriculture is a particularly contested issues, with overlapping of levels of customs rights and NTB measures. For both sides, these are major economic, social and environmental issues. This could explain why, according to the NGO Corporate European Observatory, agribusiness-related lobby groups by far outnumber all other sectors, see “TTIP: A lose-lose deal for food and farming”, July 8th 2014.

Page 148: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 146 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

of European public procurement contracts are open, de facto or de jure, to bids from American companies, whereas European companies are allowed to bid for only 32% of public procurement contracts in the USA (French Digital Council, 2014). One of these obstacles is the Buy American Act (41 U.S.C. 8301ff), which commits public bodies to a preference for American goods in government purchases, and requires 23% of public procurement tenders to be concluded with SMEs. This provision rules out the real possibility for EU SMEs because they need to be established on the US market or to have a relevant US partner for the bid (Bendini, 2014). Other laws also express the US protectionist attitude, such as the Berry Amendment (10 U.S.C. 2533a) that restricts government purchases of certain items to US businesses for security reasons. Another major issue is that the largest share of public procurement is at the State level or below, on which the federal negotiators have no leverage. Agreement to be subject to government procurement commitments is voluntary for US states, and as US involvement in Free Trade Agreements has increased in recent years, so the number of states that have opted into government procurement agreements has declined (Akhtar & Jones, 2014).

The US representatives dismiss the claims that public markets in the EU are more open. Their argument is that statistics on government purchases of goods and services are not precise, sub-national markets are strongly closed (except in the electricity sector), and US firms point to concerns ranging from a lack of transparency in contract awards to EU bias in government contract awards (Akhtar & Jones, 2014).The US Trade Representative also states that an EU directive on procurement of utilities covering purchases in the water, energy, urban transport, and postal services discriminates against bids with less than 50% EU content that are not covered by an international or reciprocal bilateral agreement (Akhtar & Jones, 2014).

Do what I say, not what I do The openness of the procurement market is the focus of a major tug of war

between the USA and the EU, demonstrating one a striking difference between the transatlantic partners and their position in relation to other countries. In the rest of the world, the USA and the EU have successfully convinced a number of other countries to open their markets in the terms of the Bilateral Investment Treaties and Free Trade Agreements they have agreed with them. A US trade negotiator with twenty five years’ experience, is surprisingly candid when he contrasts the straightforward negotiations on procurement in TPP and other FTAs, and the ‘complex’ and ‘contentious’ TTIP negotiations (Grier, 2014).

Page 149: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 147 -

The financial sectorThe other major contentious issue in the negotiations is the financial

sector. Chief Negotiator Ignacio Garcia-Bercero confirmed the seriousness of disagreements here, speaking of ‘a ‘potential clash’ between the two regulatory regimes’ (Parliament.uk:36). This is surprising for at least two reasons. First, we have been told at length that financial markets could be used as an archetype of all-out deregulation, with a progressive disengagement by governments. In reality, the 2007 financial meltdown provided an extreme example of the extent to which public policy, including large financial support and restructuring of the industry, is essential if the financial industry is to go on prospering. Although its public pronouncements are in favour of globalisation, the lowering of ‘technical barriers’ to trade, etc., this industry remains heavily dependent on national markets and governments. The IMF estimates of implicit government subsidies given to the largest banks in 2012 are highest in the Eurozone (up to $300 billion), followed by Japan and the UK (up to $110 billion each) and somewhat lower in the USA because of tightened regulations (up to $70 billion) (IMF, 2014). Second, and in line with their attitude to public procurement discussed above, US and EU governments, fully supported by the industry, have been – and continue to be - keen to lecture emerging countries about their reluctance to open their markets to foreign competitors. As observed by a European parliament report, financial services have emerged as a key sector in these negotiations. The EU has sought, and in many cases obtained, considerable concessions in the sector which go beyond those agreed multilaterally in the World Trade Organisation. These concessions include not only additional sector commitments for market access and national treatment, but importantly also new and enhanced rules governing financial regulation (Lang, 2014). As far as the USA is concerned, NAFTA, which came into force in January 1, 1994 opened Canada’s and Mexico’s financial markets to US industry. Subsequently the FTA signed with Korea (the ‘KORUS’ FTA) went a step further in the liberalisation of measures that limit the number of financial institutions and the total value of their transactions and assets (Johnson & Schott, 2013). For its part, the EU has been criticised for dropping its long established policy of Special and Differential treatment for developing countries (a WTO recommendation) by substituting a ‘full reciprocity’ clause in place of reciprocity more generously understood as a ‘broad balance of benefits’ (as in the GATT/WTO practice) . Thus, the EU is ‘undermining multilateralism’ (Sargentini, 2013:90) and its Commissioner on Trade has often been accused of using bullying tactics with developing countries (Borderlex, 2014).

Things are very different when it comes to the relations between the two colossi themselves, which between them dominate the world financial system. In principle, the USA and the EU have agreed to implement the broad principles of

Page 150: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 148 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

transparency, regulatory measures, and market access. In the real world, things are more complicated. In reality, and despite their strong interconnections in terms of flows of financial capital, the US and EU finance industries remain divided on a number of issues. From the very beginning, the discussions on the finance sector were wobbly. The US chief negotiator, Michael Froman, suggested that ‘Unlike the other sectors in TTIP, there are multiple existing forums focused on the co-ordination of financial services regulation, including a bilateral forum’ (Donnan, 2014), speaking of the G-20 and international standard setting bodies31. The US Administration’s main concern is that the strong regulatory requirements passed under the Dodd-Frank law are at risk of being lowered within an EU-US agreement. Measures already taken or committed to in the USA and considered as setting a better regulatory framework than in the EU include the recent proposed increase in leverage ratio –. from the 3% minimum under Basel III to 6% for insured banks and 5% for bank holding companies (Board of Governors of the Federal Reserve System

. 2014) and the Volcker Rule, limiting proprietary trading by big banks.The European Commission, for its part, claims that a number of reforms

adopted in the USA have in practice created further obstacles to the presence of EU financial firms. The European Commissioner for Internal Market and Services, Michel Barnier,made it clear that the EU would not approve any agreement that does not eliminate ‘discrimination’ against foreign institutions through US regulatory practices (July 13, 2013) . These practices include the Volker rule, claimed to have detrimental effects on market liquidity, making it harder to raise capital, and creating registration difficulties for EU firms32. Furthermore, the US legislation imposes extraterritoriality of US rules onto non-US banks33. UK business representatives are even more angry with the US regulation, stating that ‘the number of Barriers to market access and national treatment for financial and related professional services are too numerous to be itemised in this submission. We attach an illustrative list at Annex 2’ (Parliament.UK, 2014).

Not surprisingly, the UK government and business are pushing strongly for financial issues to be included in the TTIP. The UK financial industry is by far the most dominant in Europe, accounting for 74% of trade in interest rate OTC derivatives, 78% of the Foreign exchange trading and 85% of Hedge Fund assets, 57% of private equity funds, 54% of insurance premiums and half of fund

31 Although, according to some key European observers, ‘The office of the United States Trade Representative, [is] deemed privately sympathetic’ to the EU proposals (Parliament.uk, 2014:39)32 European bank Federation, Letter to Board of governors of the Federal reserve System, February 13, 2012.33 According to the European banking federation, the “Super 23A” “requirement, as proposed in the Volcker Rule, would impose a worldwide prohibition against any non-U.S. bank lending to or otherwise transacting with any hedge funds or private-equity funds it sponsors, manages or advises, even when such funds bear no relation to the U.S. This requirement is unduly broad and extraterritorial in reach”, op.cit.

Page 151: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 149 -

management assets (TheCityUK, 2013:5). While benefiting from this strong position tied to its EU membership, the UK ‘has zealously safeguarded the UK’s financial sector from attempts to extend EU regulation’ (Mix, 2013). The UK’s trade surplus in financial services is considerable, amounting to £46.3 billion in 2012), of which £15.2 billion surplus came from the US and £14.5 billion from the EU 28 (TheCityUK, 2013:6). Not surprisingly, an overwhelming 84% of the business community surveyed by TheCityUK indicated that they wanted the UK to remain a member of the EU (TheCityUK, 2013:3). Meanwhile, there is a strong integration of finance capital between the City of London and Wall Street.

Elsewhere in Europe, the French government has stated that financial services are ‘clearly an offensive interest’ for them’ (Parliament.UK, 2014:40), while the German government is ‘quite cautious’ about financial services (Parliament.UK, 2014:40). The German banking industry has even shown that it intends to challenge US provisions against banks in the TTIP, designed to prevent a situation in which banks are ‘too big to fail’. They criticise ‘US regulators [for] applying standards to our banks that are extraterritorial, duplicative or discriminating’ (Association of German Banks, 2012). And while the US Administration was reluctant to address financial issues in TTIP, European negotiators spent much of 2014 lobbying the USA to include co-operation on financial regulation in the TTIP draft (Donnan, 2013b). The EU lobby found strong support among influential Members of Congress and the US financial industry, a fact openly welcomed by the representative of UK financial capital (Parliament.UK, 2014:38). Some Members have called on the Administration to address regulatory discrepancies between the US and EU financial systems in the negotiations, stating that “confusion caused by inconsistent and conflicting regulations has already spilled over into the broader economy, reducing investment, creating higher compliance costs, lowering employment, and hindering economic growth” (Akhtar & Jones, 2014:15).

Other Members of the US Congress and stakeholders, along with many trade unions and NGOs, have expressed concern that the inclusion of financial services regulatory issues in the negotiations could lower financial regulatory standards, such as reducing the consumer protections included in the Dodd-Frank Wall.

Indeed, some segments of US business, especially in the ICT sector, for whom a US-EU agreement would be largely beneficial have also spoken out strongly on this issue. For instance Intel’s Director of Trade and Competition Policy, Intel Corporation, speaking on Behalf of the Coalition of Services Industries and the Business Coalition for Transatlantic Trade said that:

“Temptations to prematurely carve out sectors, including financial service, entirely from the regulatory cooperation component should be resisted. Doing so only undermines the pledged mutual commitment to develop a comprehensive and ambitious agreemen” (U.S. Congress, House Committee on Ways and Means, Subcommittee on Trade, 2013) (quotation style).

Page 152: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 150 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

On the European side, pressures from business aim firstly easing the access of EU financial companies to the US market, secondly at weakening the more severe rules established for non-US banks and thirdly concluding an agreement that would enable market players to do business across the Atlantic under the laws that apply in their own jurisdictions. In other words, TTIP would not be leveraged in Europe to increase regulatory pressures on banks and non-bank institutions. It is also likely that EU negotiators are using the TTIP negotiations on the financial sector as an instrument for possible trade-offs in other sectors. Here, the USA’s strong stand on financial issues could provide an excuse for European negotiators to harden their positions on other issues.

Conclusion The arguments in this article have been built on three main hypotheses. First, the political economy of globalisation is an outcome of the interactive

dynamics between the strategies of TNCs and the policies of the most powerful governments. Neither of these is a homogeneous entity: TNCs are not ‘nationality free’ and states are not more or less passive instruments in their hands. States are representatives of ‘capital in general’, that is protectors of the social relations of production and reproduction, a role which is not reducible to defending the larger internationalised and higher concentrated segments of capital.

Second, TTIP has been designed with three objectives: ‘policing’ and trying to mitigate the competition between US and EU firms, in a context of ‘long recession’ and increasing economic and geopolitical competition from a handful of emerging countries; creating a united US-EU front both to enhance attacks against workers (whether in or out of work) and facilitate the looting of natural resources; and setting the rules and standards for the ‘rest of the world’, targeting, in particular, the rising economies which are in direct contention with them.

Third, this agenda is necessarily complex to implement, with internal tensions among both corporate and government actors. The conflict cannot be reduced to a simple contest between TNCs and ‘those from below’, although trade unions and NGOs are right to emphasise that the TTIP negotiations are designed to accommodate the demands of TNCs (and not those of citizens and workers). The TTIP is not a ‘turnkey’ project to be easily wrapped up because the negotiations require a difficult reconciliation of a range of different interests and perspectives within the Transatlantic bloc, in addition to dealing with the mounting opposition from trade unions and NGOs. The TTIP should therefore be seen less as a done deal and more as a work in progress by the USA and the EU, constituting an overarching forum that will cement the transatlantic bloc in order to promote the broad interests of the huge concentration of capital based on their territories.

Page 153: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 151 -

REFERENCESAKHTAR, Shayerah Ilias and VIVIAN, C. Jones. Proposed Transatlantic Trade and Investment Partnership (T-TIP): In Brief, Congressional Research Service, June 11, 2014.

AKNIN, Audrey and SERFATI. Claude. Guerres pour les ressources, rente et mondialisation. in Mondes En Developpement, Vol. 36, N° 143, 01/01/2008.

ASSOCIATION OF GERMAN, Banks EU and US 7 September 2012 call for input on regulatory issues for possible future trade agreement, 30 October 2012.

BABC website (2015). Accessed, January 2015 from: http://www.babc.org/

BAKER, D. The US-EU trade deal: don’t buy the hype, The Guardian, 15 July 2013.

BALDWIN, R. Multilateralising 21st-century regionalism, 20 January 2014, http://www.voxeu.org/article/multilateralising-21st-century-regionalism. Similar fears are expressed by a former WTO head, “TPP risks weaker world trade system - ex WTO boss”, New Zealand Herald, Jul 21, 2014.

BAUER, Matthias; FREDRIK, Erixon; FERRACANE, Martina and LEE-MAKIYAMA, Hosuk. Trans-Pacific Partnership: A Challenge To Europe, Policy Briefs, 9/2014.

BCG, Global Wealth 2014: Riding a Wave of Growth.

BDI, International Investment Agreements and Investor-State Dispute Settlement”, BDI-Document Nr. 0007, 29. April 2014.

BENDINI, R. EU and US trade policy and its global implications (TTP, TTIP and China), Directorate-General For External Policies, DG/EXPO/PolDep/Note/2014_135July 2014.

BHAGWATI, J. America’s Threat To Trans-Pacific Trade. Accessed on 15 January, 2015 from: http://www.project-syndicate.org/commentary/america-s-threat-to-trans-pacific-trade. (2011).

Board of Governors of the Federal Reserve System, “Agencies Adopt Enhanced Supplementary Leverage Ratio Final Rule and Issue Supplementary Leverage Ratio Notice of Proposed Rulemaking”, 8 April 2014.

Borderlex “Realpolitik” – Karel De Gucht’s imprint on EU trade policy  », 24 October 2014.

BUSINESS EUROPE. “Why TTIP Matters To European Business”, April, 2014., Accessed on January 15, 2015 from: http://www.iv-net.at/iv-all/docs/d4099/businesseurope_why_ttip_matters_to_european_business.pdf

Page 154: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 152 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

BVMW, Bundesverband mittelständische Wirtschaft (BVMW) “Stellungnahme im rahmen des konsultationsverfahrens des EU-Kommission zum Investitionsschutz im geplanten transatlantischen freidhandelsabkommen TTIP”, BVMW Position, (no date).

SERFATI, C. EU integration as an uneven process, Review of Political economy, 2015b.

CARCHEDI, G. and M Roberts. The Long roots of the present crisis. World Review of Political Economy, Spring 2013.

DEREK, E. Mix. The United Kingdom and U.S.-UK Relations, Congressional Research Service,7-5700, April 15, 2013.

DESAI, R. Geopolitical Economy After US hegemony, Globalization and Empire. Pluto Press/Fernwood Publishers, 2013.

DEUTSCH, Klaus Günter. Atlantic unity in global competition T-TIP in perspective Deutsche Bank. EU Monitor, August 19, 2013.

DONNAN, Shawn. EU Threatens to Cut Financial Services from Trade Deal, 2013.

FINANCIAL TIMES, June 13, 2014, http://www.ft.com/intl/cms/s/0/924b9f80-f31a-11e3-a3f8-00144feabdc0.html?siteedition=intl#axzz37AbISQSk,

DONNAN, Shawn ‘EU-US trade talks hit roadblock over financial services’, Financial Times, June 16, 2013 b.

DOWDAL, J. and B. Hasani. Protecting the global commons, SDA Report, 16 September 2013,p.9.

EDWARDS, Chris. Cato Institute, Tax and Budget, No. 69, February 2014.

EMMOTT, R. ‘EU Trade Chief Hopes To Clinch U.S. Trade By Late 2014’, Reuters, 27 February 2013, http://www.reuters.com/article/2013/02/27/euro-summit-trade-idUSB5N0BM00320130227

ETUC/AFL-CIO Declaration of Joint Principles,” TTIP Must Work for the People, or It Won’t Work at All”. July 10 2014 http://www.aflcio.org/Press-Room/Press-Releases/AFL-CIO-and-ETUC-Release-Joint-Principles-for-Trans-Atlantic-Trade-and-Investment-Partnership

EURACTIV (2014), US Ambassador: Beyond growth, TTIP must happen for geostrategic reasons European Commission : ““Global Europe: Competing in the world”, Communication from the Commission to the Council, the European Parliament, the European Economic and Social Committee and the Committee of the Regions of 4 October 2006 “Global Europe: Competing in the world” [COM(2006) 567 final.

EUROPEAN COMMISSION website ‘Trade’, 31 Oct 2014 . Accessed on 15 January, 2015 from : http://ec.europa.eu/trade/policy/accessing-markets/public-procurement/

Page 155: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 153 -

EUROPEAN COMMISSION, 2013, “Impact Assessment of TTIP”, http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2013/march/tradoc_150759.pdf

EUROPEAN PARLIAMENT RESEARCH SERVICE, “Investor-State Dispute Settlement (ISDS) State of play and prospects for reform”, Briefing, 21 January 2014.

FAUX, Jeff. NAFTA, Twenty Years After: A Disaster. Huffington Post, 01/01/2014, http://www.huffingtonpost.com/jeff-faux/nafta-twenty-years-after_b_4528140.html

FRENCH DIGITAL COUNCIL “Strengthening EU’s negotiation strategy to make TTIP a sustainable blueprint for the digital economy and society”, April 2014.

GINDIN, S. and L. PANITCH Making of Global Capitalism: The Political Economy of American Empire, Verso, 2013.

GRIER, Jean Heilman. Guest Blog: TPP and TTIP Government Procurement Negotiations. September 16, 2014http://americastradepolicy.com/guest-blog-tpp-and-ttip-government-procurement-negotiations/#.VH2bacmVLcs

HAMILTON, Daniel S., and QUINLAN, Joseph P. The Transatlantic Economy 2014: Annual Survey of Jobs, Trade and Investment between the United States and Europe. Washington, DC: Center for Transatlantic Relations, 2014.

HANSEN, A. Economic Progress and Declining Population Growth. American Economic Review (29) March, 1939.

HELD, David; MCGREW, Anthony; GOLDBLATT, David; PERRATON, Jonathan. Global Transformations: Politics, Economics and Culture, Polity, 1999.

HIAULT, Richard et VIRGINIE Robert . France does not agree with the inclusion of such a mechanism. said Nicole Bricq”, in “Commerce : l’Europe et les Etats-Unis à couteaux tirés”, Les Echos, 10 March 2014.

HLWG (High Level Working Group) Final Report on Jobs and Growth, February 11, 2013

http://www.euractiv.com/sections/trade-industry/us-ambassador-eu-anthony-l-gardner-beyond-growth-ttip-must-happen.

IATP (2014) Institute for Agriculture and Trade Policy (IATP) “Analysis of the draft Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) chapter on food safety, and animal and plant health issues (proposed by the European Commission, as of June 27, 2014)”.

IMF, “Global Financial Stability Report : Moving from Liquidity- to Growth-Driven Markets”, April 2014.

JOHNSON, Simon and JEFFREY, Joseph Schott. Financial Services in the Transatlantic Trade and Investment Partnership. Policy Briefs No PB13-26, Peterson Institute for International Economics, October 2013.

Page 156: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 154 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

KAHALE, George Keynote speech. Eighth Annual Juris Investment Treaty Administration Conference, Washington D.C., March 28, 2014.

KAUTSKY, K. Die Neue Zeit. The ultra-imperialism. September 1914.

KUPCHAN, C.A. “Parsing TTIP’s Geopolitical Implications” in D. Hamilton and alii, The Geopolitics of TTIP: Repositioning the Transatlantic Relationship for a Changing World, Center for Transatlantic Relations, 2014, p.22

LAMY, P. The World Trade Organisation: New Issues, New Challenges. Notre Europe, 4 September 2014.

LANG, A. Financial Services in EU Trade Agreements. Directorate General For Internal Policies.

MALMSTRÖM. Cecilia, “TTIP: How Europe Can Deliver”, Brussels, 05 February 2015, Forum Europe’s 2nd Annual EU-US Trade Conference.

MARX, (1858) The Grundrisse: NOTEBOOK IV, mid-December 1857 - 22 January 1858, Circulation Process of Capital,

https://www.marxists.org/archive/marx/works/1857/grundrisse/ch08.htm

MILLIKEN, D. and KIRSTEN. Donovan. ECB’s Trichet says UK must respect EU budget rules, Reuters, 18 November 2008.

OECD (2007) Economic Outlook, Volume 2007, Issue 2

OECD (2014) “The bullishness of financial markets appears at odds with the intensification of several significant risks”, OECD, Interim Economic Assessment “ Moderate global growth is set to continue, but weak demand in the euro area remains a concern”, 15 september 2014.

OFFICE OF THE US TRADE REPRESENTATIVE. Chief Negotiators Dan Mullaney and Ignacio Garcia Bercero Hold a Press Conference Following the Fourth Round of Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) Negotiations. March 14, 2014 Brussels, Belgium.

OLIVET, Cecilia and PIA, Eberhardt.  Profiting from injustice: How law firms, arbitrators and financiers are fuelling an investment arbitration boom. Transnational Institute, 27 November 2012.

PANITCH, L. and GINDIN, S. Superintending Global Capital. New Left Review 35, September-October, 2005.

PARLIAMENT UK (2013) HOUSE OF LORDS European Union Committee, 14th Report of Session 2013–14, The Transatlantic Trade and Investment Partnership, HL Paper 179, 13 May 2014.http://www.parliament.uk/documents/lords-committees/eu-sub-com-c/TTIP/TTIPwrittenevidencevolumeFINAL.pdf.

Page 157: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 155 -

POHL, Joachim; KEKELETSO, Mashigo and NOHEN, Alexis. Dispute Settlement Provisions in International Investment Agreements: A Large Sample Survey, OECD Working Papers on International Investment, No. 2012/2, November 2012, p. 11, <http://dx.doi.org/10.1787/5k8xb71nf628-en Policy Department Economic And Scientific Policy, November, 2014.

POULSEN, Lauge N.; SKOVGAARD, JONATHAN, Bonnitcha; JASON, Webb Yackee, “Costs And Benefits Of An EU-USA Investment Protection Treaty”, London School of Economics Department For Business Innovation And Skills, 2013.

RASMUSSEN, Fogh. The Transatlantic Trade and Investment Partnership that is now under discussion is sometimes described as an “economic NATO”. I think that’s a good comparison”. “A New Era for EU-US Trade”, 7 October 2013, http://www.nato.int/cps/en/natolive/opinions_103863.htm

RAZA, Werner; JAN GRUMILLER, Lance Taylor; Bernhard Tröster, Rudi von Arnim. Assessing the Claimed Benefits of the Transatlantic Trade and Investment Partnership, Policy Note 10/2014, ÖFSE (Austrian Foundation for Development Research), http://goo.gl/tU9PE5.

ROBINSON, P.M Karsten Dybvad & Urban Bäckström (2014) ‘The « I » in the TTIP will create a global gold standard’. letter to the Financial Times . March 10. Accessed on March 27, 2015 from:http://www.ft.com/cms/s/0/be2a91c8-a5ff-11e3-b9ed 00144feab7de.html#axzz3Vn0oOfDW.

ROBINSON, William I., A Theory of Global Capitalism: Production, Class, and State in a Transnational World. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2004.

SARGENTINI, Judith. Draft Opinion on the proposal for a regulation of the European Parliament and of the Council on the access of third-country goods and services to the Union’s internal market in public procurement, Commitee on Developement, European Parliament, 23 September 2013.

SERFATI, C. The new configuration of the Capitalist class , in L. PANITCH, G. Albo and V. CHIBBER (Eds) , Registering Class, Socialist Register 2013, pp.138-161.

SERFATI, Claude. Imperialism : the case of France, Historical Materialism, 2015.

SERFATI, Claude. American Military Power—Global Public Good or Competitive Advantage? in K. VAN DER PIJL, L. Assassi, and D. Wigan eds. Global Regulation. Managing Crises After the Imperial Turn. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2004.

SPARDING, Peter “Germany’s Pivotal Role On The Way To TTIP”. The German Marshall Fund of the United States, Europe Policy Paper 5/2014.

STANDARD & POOR’S RATINGS SERVICES. Global Corporate Capital Expenditure Survey 2014, June 2014,

Page 158: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

- 156 -

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

STIGLITZ, J.E. « The Free-Trade Charade”, Les Echos, 5 July 2013.

TABC website (2015) Accessed, January 2015 from: http://www.transatlanticbusiness.org/

TEN KATE, Daniel and SHAMIM, Adam . Obama Heads to Asia as Clinton Touts Region’s Importance, Nov 18, 2012.

TEULINGS, C. & BALDWIN, Richard. Secular Stagnation: Facts, Causes and Cures, 15 August 2014, e-book, http://www.voxeu.org/content/secular-stagnation-facts-causes-and-cures.

THE NATION, “U.S. to work on economic dimension of pivot to Asia: Clinton”, November 17, 2012.

THE CITY UK, The UK and the EU: A mutually beneficial relationship, 26 November 2013. http://www.thecityuk.com/research/our-work/reports-list/uk-and-the-eu-a-mutually-beneficial-relationship/

TPN website (2015) ‘Towards Transatlantic Partnership: Co-operation Project Report’. Accessed January, 2015 from: http://www.tpnonline.org/WP/wp-content/uploads/2013/09/Toward_Transatlantic_Partnership_Cooperation_Project.pdf

TPN, Toward Transatlantic Partnership, 30 September 1998, p13.Transatlanticbusiness.org,2014. Accessed, January 15, 2015 from: http://www.transatlanticbusiness.org/wp-content/uploads/2014/09/Business-Alliance-Regulatory-Component-in-the-TTIP-September-30-2014.pdf.

TROTSKY, Leon. German preface to the Permanent revolution. 29 March 1930.

U.S. Congress, House Committee on Ways and Means, Subcommittee on Trade, “U.S.-EU Trade and Investment Negotiations,” 1st session., May 16, 2013.UNCTAD website, access:http://unctad.org/en/pages/DIAE/World%20Investment%20Report/Annex-Tables.aspx, 20 December 2014.

UNCTAD, “Recent Developments in Investor-State Dispute Settlement (ISDS), Issues Notes, No. 1, April 2014.

VAN DER PIJL, K. The making of the Atlantic ruling class, London:Verso.1984.

ACKNOWLEDGEMENTS

I would like to thank the referees for their useful comments.

Recebido em Abril de 2015

Aprovado em Maio de 2015

Page 159: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função

SÉCULO XXI, Porto Alegre, V. 6, Nº1, Jan-Jun 2015

- 157 -

Page 160: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função
Page 161: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função
Page 162: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função
Page 163: V. - ufpeieasia.files.wordpress.com · subdesenvolvimento, que impediria o desenvolvimento nacional autônomo. O ... na teoria das relações internacionais – especialmente em função