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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados V.2. – MARGEM CONTINENTAL SUDOESTE PORTUGUESA V.2.1. – Introdução A Margem Continental Sudoeste Portuguesa individualiza-se da Margem Continental Sul Portuguesa adjacente pela sua distinta evolução tectónica e sedimentar durante o Meso-Cenozóico, e pelas diferentes morfostruturas aí reconhecidas (ex. Sartori et al., 1994; Torelli et al., 1997; Terrinha, 1998; Maldonado et al., 1999; Gràcia et al., 2003a; Zitellini et al., 2004; Medialdea et al., 2004). A transição entre estas duas Margens efectua-se de modo distinto consoante o sector fisiográfico considerado. Ao nível da plataforma continental e talude, a separação entre a Bacia do Algarve e a Bacia do Alentejo efectua-se através um alto estrutural de proporções consideráveis, o Planalto de Sagres. Dragagens realizadas neste relevo a profundidades inferiores a 100 m revelaram que este é constituído sobretudo por formações mesozóicas datadas do Jurássico Superior e Cretácico Inferior e subordinadamente por soco paleozóico, cuja presença esporádica se concentra próximo do Cabo de S. Vicente, reflectindo o prolongamento submarino da Zona Sul Portuguesa. Este alto estrutural, cuja origem remonta possivelmente aos episódios de rifting mesozóico precursores da génese destas bacias, terá desempenhado um papel crucial na evolução tectónica e estratigráfica das bacias mencionadas, isolando-as e forçando-as a seguir um rumo evolutivo independente desde o Mesozóico até à actualidade (Fig. V.83). Figura V.83 – Mapa de batimetria multifeixe SWIM (Diez et al., 2006) e linhas sísmicas multicanal da Margem Sudoeste Portuguesa. Estão assinaladas as principais morfologias: BA: Bacia do Algarve; BP: Banco de Portimão; CCGC: Complexo Caótico do Golfo de Cádis; PS: Planalto de Sagres; VF: Vale da Ferradura; CCP: Crista Coral Patch; MSCP: Monte Submarino Coral Patch; PAS: Planície Abissal do Sena; CSV: Canhão de S. Vicente; PMP: Planalto Marquês de Pombal; PAF: Planície Abissal da Ferradura; BG: Banco de Gorringe. (Cedida por V. Valadares). 213

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

V.2. – MARGEM CONTINENTAL SUDOESTE PORTUGUESA V.2.1. – Introdução A Margem Continental Sudoeste Portuguesa individualiza-se da Margem Continental Sul Portuguesa adjacente pela sua distinta evolução tectónica e sedimentar durante o Meso-Cenozóico, e pelas diferentes morfostruturas aí reconhecidas (ex. Sartori et al., 1994; Torelli et al., 1997; Terrinha, 1998; Maldonado et al., 1999; Gràcia et al., 2003a; Zitellini et al., 2004; Medialdea et al., 2004). A transição entre estas duas Margens efectua-se de modo distinto consoante o sector fisiográfico considerado. Ao nível da plataforma continental e talude, a separação entre a Bacia do Algarve e a Bacia do Alentejo efectua-se através um alto estrutural de proporções consideráveis, o Planalto de Sagres. Dragagens realizadas neste relevo a profundidades inferiores a 100 m revelaram que este é constituído sobretudo por formações mesozóicas datadas do Jurássico Superior e Cretácico Inferior e subordinadamente por soco paleozóico, cuja presença esporádica se concentra próximo do Cabo de S. Vicente, reflectindo o prolongamento submarino da Zona Sul Portuguesa. Este alto estrutural, cuja origem remonta possivelmente aos episódios de rifting mesozóico precursores da génese destas bacias, terá desempenhado um papel crucial na evolução tectónica e estratigráfica das bacias mencionadas, isolando-as e forçando-as a seguir um rumo evolutivo independente desde o Mesozóico até à actualidade (Fig. V.83).

Figura V.83 – Mapa de batimetria multifeixe SWIM (Diez et al., 2006) e linhas sísmicas multicanalda Margem Sudoeste Portuguesa. Estão assinaladas as principais morfologias: BA: Bacia do Algarve;BP: Banco de Portimão; CCGC: Complexo Caótico do Golfo de Cádis; PS: Planalto de Sagres; VF:Vale da Ferradura; CCP: Crista Coral Patch; MSCP: Monte Submarino Coral Patch; PAS: PlanícieAbissal do Sena; CSV: Canhão de S. Vicente; PMP: Planalto Marquês de Pombal; PAF: PlanícieAbissal da Ferradura; BG: Banco de Gorringe. (Cedida por V. Valadares).

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Relativamente à transição entre as Margens Sul e Sudoeste na região abissal, esta processa-se de modo difuso ao longo de uma área situada imediatamente a Oeste da frente de deformação do CCGC e denominada “Vale da Ferradura” por Duarte (2007), não sendo identificada uma fronteira discreta de carácter tectónico, estratigráfico ou fisiográfico que possa materializar claramente o limite entre as Margens mencionadas (Fig. V.83). Mais a Sul, a Crista Coral Patch e o Monte Submarino Coral Patch separam a região do Vale da Ferradura da Planície Abissal da Ferradura e da Planície Abissal do Sena (Fig. V.83). No presente trabalho foram reconhecidos quatro domínios tectonostratigráficos com base na: a) identificação das principais morfologias através da inspecção dos dados de batimetria multifeixe SWIM (Diez et al., 2006) (Fig. V.84); b) interpretação sismostratigráfica das linhas sísmicas de reflexão multicanal e calibração com sondagens DSDP e um core de gravidade (Fig. V.84); c) correlação sismostratigráfica com os domínios tectonostratigráficos da Bacia do Algarve e do Golfo de Cádis. Reconheceram-se, então, os seguintes domínios (Fig. V.84): 1- Domínio Tectonostratigráfico do Planalto de Sagres-Planalto Marquês de Pombal-Canhão de S. Vicente 2 - Domínio Tectonostratigráfico do Banco de Gorringe 3 - Domínio Tectonostratigráfico do Monte Submarino e Crista Coral Patch 4 - Domínio Tectonostratigráfico da Planície Abissal da Ferradura

IAMBIGSETS

ARRIFANOVOLTAIRE

12

3

4VF

PAS

BAL

CPR

DSDP 120

DSDP 135

BS08

PAF

BG

PMP CSV

GC

PS

MSCP

BA3

8

1

4

10

13

2016

17

14

24

23

Figura V.84 – Domínios tectonostratigráficos da Margem Sudoeste e localização das linhas sísmicas

multicanal, sondagens DSDP (Site 120 e Site 135) e core de gravidade BS08. (1) Domíniotectonostratigráfico do Planalto de Sagres-Planalto Marquês de Pombal-Canhão de S. Vicente (PS-PMP-CSV); (2) Domínio tectonostratigráfico do Banco de Gorringe (BG); (3) Domíniotectonostratigráfico do Monte Submarino e Crista Coral Patch (MSCP-CCP); (4) Domíniotectonostratigráfico da Planície Abissal da Ferradura (PAF e VF: Vale da Ferradura). BA: Bacia doAlgarve; BAL: Bacia do Alentejo; PAS: Planície Abissal do Sena; GC: Golfo de Cádis. A traço cheioestão assinalados os segmentos das linhas apresentadas nas Figs. V.86, V.88, V.93, V.94, V.96, V.97,V.98, V.104, V.108, V.111, V.112, V.114.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

A análise de Estratigrafia Sísmica efectuada nestes quatro domínios tectonostratigráficos baseou-se na interpretação das linhas sísmicas de reflexão multicanal VOLTAIRE, IAM, BIGSETS, ARRIFANO e na sua calibração estratigráfica com os dados biostratigráficos das sondagens DSDP Site 120, DSDP Site 135 e core de gravidade BS08, e da correlação sismostratigráfica com as unidades sísmicas e descontinuidades identificadas na Bacia do Algarve (Fig. V.33) e no Golfo de Cádis (Fig. V.60) e descritas neste trabalho. A tarefa de levar a cabo a correlação sismostratigráfica entre as Margens Continentais Sul e Sudoeste Portuguesas, para além das dificuldades inerentes a este processo e anteriormente discutidas no Capítulo IV, encontra dificuldades acrescidas impostas pela presença dos canhões submarinos de Lagos e de S. Vicente e do alto estrutural correspondente ao Planalto de Sagres, os quais constituem uma fronteira morfostrutural entre os domínios tectonostratigráficos da Bacia do Algarve e da região Marquês de Pombal-S. Vicente, impossibilitando a correlação directa entre ambos os domínios. Assim, a correlação sismostratigráfica entre as duas Margens continentais efectuou-se com base no modelo sismostratigráfico obtido para o Banco de Portimão, extrapolado para o Planalto de Sagres através da intersecção entre as linhas sísmicas VOL5 e VOL20. A informação sismostratigráfica obtida após a interpretação desta última linha, foi depois passada para as restantes linhas que a interceptam e cruzam o Planalto de Sagres (linhas VOL13, VOL14, VOL16, IAM3) (Fig. V.85). A informação sismostratigráfica relativa ao sub-domínio tectonostratigráfico Golfo de Cádis II e resultante da interpretação da linha sísmica AR-01, permitiu calibrar a linha AR-10 realizada entre o Planalto de Sagres e a região da Falha de Marquês de Pombal. A linha AR-01 permitiu ainda, estabelecer a sismostratigrafia da Planície Abissal da Ferradura, correlacionando-a com a obtida no Golfo de Cádis (Fig. V.85).

Figura V.85 – Percurso da calibração ecorrelação sismostratigráfica efectuadaentre as Margens Continentais Sul eSudoeste, iniciada no Banco de Portimãocom a linha sísmica VOL 5 e no Golfode Cádis com a linha AR-01. BA: Baciado Algarve; CSP: Canhão submarino dePortimão; BP: Banco de Portimão; CSL:Canhão submarino de Lagos; PS:Planlato de Sagres; CSV: Canhãosubmarino de S. Vicente; PMP: PlanaltoMarquês de Pombal; PAF: PlanícieAbissal da Ferradura.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

V.2.2. – Domínio Tectonostratigráfico do Planalto de Sagres-Planalto Marquês de Pombal-Canhão de S. Vicente

Neste trabalho optou-se por englobar num único domínio tectonostratigráfico a região que integra os Planaltos de Sagres e Marquês de Pombal e o Canhão submarino de S. Vicente, pois embora cada um destas morfologias apresente as suas especificidades, verifica-se a existência de uma continuidade estratigráfica entre elas, assim como uma evolução tectónica neogénica comum (Fig. V.84). V.2.2.1. – Análise de Estratigrafia Sísmica e correlação sismostratigráfica com a Bacia do

Algarve e Golfo de Cádis

A análise de Estratigrafia Sísmica efectuada na Margem Continental Sudoeste, em especial no domínio tectonostratigráfico do Planalto de Sagres-Planalto Marquês de Pombal-Canhão de S. Vicente (PS-MP-CSV), revela a presença das três mega-sequências sísmicas e respectivas descontinuidades/discordâncias que as limitam já descritas neste trabalho a propósito dos domínios tectonostratigráficos da Bacia do Algarve e do Golfo de Cádis, nomeadamente (Fig. V.86 e Fig. V.87):

Meg

a-se

quên

cia

sísm

ica Unidades sísmicas e

Descontinuidades

P5

P4

P2

P1

P

M2

M1

M

MW8

MW7

MW6

MW5

MW4

MW3

MW2

MW1

MW6’

MW3’M3

P2’

Planalto de Sagres/Marquês de Pombal/Canhão de S. Vicente

Cz

J

Pg

Mz1

Mz2

I

II

III

Seq u

ênci

a sí

smic

a

S1

S2

CCF

Mega-sequência Sísmica I: Está limitada na base pelo soco acústico e no topo pela discordância Cz e é composta pelas unidades sísmicas Mz1 (depósitos do Jurássico-Triássico) e Mz2 (depósitos do Cretácico) separadas pela discordância J. Estas unidades sísmicas atribuídas a depósitos mesozóicos, apresentam fácies sísmicas semelhantes às descritas para as unidades sísmicas correlativas presentes no sector Ocidental do Golfo de Cádis. Verifica-se, à semelhança da Margem Sul Portuguesa, que a discordância Cz trunca a unidade sísmica Mz2 (Cretácico), podendo em locais truncar igualmente a discordância J e a unidade sísmica Mz1 (Jurássico-Triássico) (Fig. V.86 e Fig. V.87).

Mega-sequência Sísmica II: Está limitada na base pela discordância Cz e no topo pela discordância M, e corresponde a depósitos paleogénicos. À semelhança do que se verifica no domínio tectonostratigráfico do Golfo de Cádis, é difícil distinguir entre depósitos do Eocénico e do Oligocénico devido à ausência de uma superfície claramente de discordância. Atendendo a esta limitação optou-se por considerar o conjunto dos depósitos do Paleogénico como uma única unidade sísmica, a unidade sísmica Pg, que apresenta fácies sísmica semelhante à descrita para a unidade sísmica correlativa identificada no sub-domínio tectonostratigráfico Golfo de Cádis I (Fig. V.86 e Fig. V.87).

Figura V.87 – Coluna sismostratigráfica para o domínio tectonostratigráfico do Planalto de Sagres-Planalto Marquês de Pombal-Canhão de S. Vicente.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V.86 IAM3

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V.86 IAM3

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Mega-sequência Sísmica III: Está limitada na base pela discordância M, e no topo pelo fundo marinho actual e corresponde a depósitos neogénicos correlativos dos identificados no Golfo de Cádis (Figs. V.86, V.87, V.88). À semelhança do efectuado nos domínios tectonostratigráficos da Bacia do Algarve e do Golfo de Cádis, será sobre esta última mega-sequência sísmica III que recairá com maior pormenor e detalhe a análise de Estratigrafia Sísmica efectuada na Margem Sudoeste e apresentada neste trabalho. Assim, no sector mais oriental do Planalto de Sagres a mega-sequência sísmica III encontra-se em continuidade lateral com a descrita anteriormente a propósito do Banco de Portimão, situado no Golfo de Cádis (Figs. V.57 e V.58). No entanto, esta sucessão é modificada em direcção a Noroeste, pelo surgimento de novas descontinuidades e unidades sísmicas, cuja importância se incrementa nessa direcção (Fig. V.88). Deste modo, na região Planalto de Sagres-Marquês de Pombal-Canhão S. Vicente, identifica-se sobre a discordância M uma sucessão composta por dez unidades sísmicas organizadas em duas sequências sísmicas separadas pela descontinuidade P, sendo da mais antiga para a mais recente (Fig. V.88): Sequência sísmica S1: composta pelas unidades sísmicas MW1, MW2, MW3, MW3’. Sequência sísmica S2: composta pelas unidades sísmicas MW4, MW5, MW6, MW6’, MW7 e MW8.

Figura V.88 - Excerto da linha sísmica VOL20 (A) e interpretação sismostratigráfica (B). S1: Sequênciasísmica S1; S2: Sequência sísmica S2; CCF: Corpo Caótico da Ferradura; Ol: olistostroma. (Localização naFig. V.84).

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

De salientar que, se identifica no seio desta mega-sequência neogénica III, sob a unidade sísmica MW3’, um corpo de fácies caótica desigando neste trabalho por “Corpo Caótico da Ferradura” (CCF) (Figs. V.87, V.85, V.88), o qual será tratado mais adiante neste trabalho. Para proceder à calibração estratigráfica das unidades sísmicas e descontinuidades identificadas nesta região da Margem continental Sudoeste, recorreu-se à sua correlação com as unidades/descontinuidades identificadas no Golfo de Cádis e Bacia do Algarve, e ainda aos dados da análise micropaleontológica efectuada por Berton (2001) no core de gravidade BS08, realizado na vertente Este do Canhão de S. Vicente (Fig. V.84 e Fig. V.89). Neste core foi identificada a presença frequente de uma associação de Foraminíferos planctónicos composta por Globorotalia margaritae, Globorotalia puncticulata, Globorotalia crassaformis, Sphaerodinellopsis seminulina, o que permite atribuir uma idade de Pliocénico inferior a início do Pliocénico superior (4.18-3.48 Ma) aos sedimentos amostrados (Fig. V.89). Salienta-se a ausência de Globorotalia nepenthes, e a ocorrência rara de exemplares de Globorotalia inflata e Globorotalia truncatulinoides, cuja presença poderá ficar a dever-se a contaminação. O facto do core BS08 ter sido realizado na vertente do Canhão de S. Vicente, propicia este tipo de ocorrências, possivelmente relacionadas com deslizamentos que afectam as paredes do canhão. Estes dados biostratigráficos permitem corroborar a atribuição de idade final do Pliocénico inferior-Pliocénico superior à unidade sísmica MW5, limitada na base e no topo, respectivamente, pelas descontinuidades P1 e P2 (Fig. V.87). Refira-se que a idade obtida para a unidade MW5 é compatível com a idade atribuída às unidades sísmicas correlativas identificadas, respectivamente, no Golfo de Cadiz (unidade GC5) e Bacia do Algarve (unidade BA6), resultante dos modelos sismostratigráficos propostos neste trabalho. A associação de foraminíferos reconhecida no core BS08 difere da identificada nos cores SWIM04 realizados na Bacia do Algarve. Assim, a associação presente no core BS08 é composta por espécies ausentes nos cores SWIM04, como é o caso da espécie Globorotalia margaritae, considerada um bom marcador estratigráfico para o Pliocénico inferior; em oposição, regista-se a ausência de Globorotalia nepenthes, por seu turno bem representada no core SWIM04-39 (Tab. V.5). Salienta-se que, embora as associações de Foraminíferos planctónicos presentes nos cores BS08 e SWIM04-39 indiquem o mesmo intervalo cronológico, correspondente à passagem do Pliocénico inferior ao Pliocénico superior (Fig. V.90), observa-se a existência de uma disparidade entre ambas no que se refere às espécies presentes. Tal poderá reflectir a existência de condições ambientais específicas e distintas na Bacia do Algarve e na região PS-MP-CSV durante este período de tempo, as quais seriam mais favoráveis à proliferação de determinadas espécies em detrimento de outras. Coloca-se então, a hipótese que esta distribuição preferencial das associações faunísticas poderá ter sido influenciada pela existência de um padrão de circulação oceânica distinto em cada um desses locais, no final do Pliocénico inferior a início do Pliocénico superior. Uma vez que, este intervalo de tempo coincide cronologicamente com o estabelecimento do actual regime de circulação oceânica envolvendo a MOW, e com o começo da sua influência ao nível da sedimentação na Bacia do Algarve, bem testemunhada pelos depósitos contorníticos aí presentes, esta massa de água quente e salina poderia ter favorecido o desenvolvimento das espécies identificadas no core SWIM04-39, as quais no seu conjunto são características de província tropical a sub-tropical quente. Acresce ainda que, este core foi realizado a Sul do contornito de Faro, nas paredes de um canal talhado pela MOW (Fig. V.22). Por outro lado, considerando as associações de Foraminíferos identificadas nas cinco sondagens petrolíferas efectuadas na plataforma continental ou talude superior da Bacia do Algarve (Figs. V.5, V.7, V.9, V.11, V.13), em locais ao abrigo da influência da MOW, constata-se a presença comum de algumas espécies, quer nestas sondagens e

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

quer no core BS08, nomeadamente de Globorotalia margaritae, demonstrando a sua distribuição global nas margens Sul e Sudoeste durante o Pliocénico inferior.

Figura V.89 – Localização do core degravidade BS08 na linha sísmica BS23(A e B) e os resultados da análise deForaminíferos Planctónicos realizadapor Berton (2001). CSV: Canhão de S.Vicente. Localização da linha sísmicae core na Fig. V.82.

CORE BS08 CORE SWIM04-39 CORES SWIM04-38 E SWIM04-40 Sphaerodinellopsis seminulina Globigerina nepenthes Globorotalia truncatulinoides Globorotalia margaritae Sphaerodinellopsis kochi Globigerinoides extremus Globorotalia inflata Globorotalia limbata Globorotalia crassaformis Globorotalia truncatulinoides Globigerinoides obliquus Neoquadrina humerosa Globorotalia puncticulata ---------- ---------- Globorotalia crassaformis ---------- ----------

Tabela V.5 – Associações de Foraminíferos planctónicos identificadas no core BS08 realizado naMargem Continental Sudoeste e nos cores SWIM04 (38, 39 e 40) efectuados na Bacia do Algarve.Regista-se a presença de Globorotalia margaritae no core BS08, considerada um bom marcadorestratigráfico para o Pliocénico inferior e a sua ausência nos cores SWIM04. Observa-se a situaçãoinversa no que se refere à espécie Globigerina nepenthes.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

0.0

1.0

2.0

3.0

4.0

5.0

5.33

3.60

2.59

1.81

4.2

3.7

SWIM04-39

BS08

1.8

2.0SWIM04-38 e SWIM04-40

Zanc

lean

oPl

acen

cian

oG

elas

iano

Plis

tocé

nico

-H

oloc

énic

o

4.18

3.48

BA6MW5

BA10

Idade (Ma) Datação Unidadessísmicas

Figura V.90 – Intervalos cronológicos obtidos através daanálise biostratigráfica dos cores BS08, SWIM04-39,SWIM04-38 e SWIM04-40 e calibração estratigráfica dasunidades sísmicas MW5 (PS-MP-CSV), BA6 e BA10(Bacia do Algarve). Ver posição das amostras/cores nasFigs. V.18 e V.82.

Considerando a correlação sismostratigráfica entre os domínios tectonostratigráficos do Golfo de Cádis e PS-MP-CSV (Fig. V.91), no que se refere às unidades sísmicas e descontinuidades que compõem a mega-sequência sísmica III, verifica-se no geral a existência de continuidade lateral entre estes dois domínios, registando-se no entanto, a presença restringida ao domínio PS-MP-CSV de duas novas descontinuidades: M3 e P2’. Estas limitam, respectivamente na base duas unidades sísmicas sem expressão no Golfo de Cádis, as unidades MW3’ e MW6’ (Fig. V.87). Estas surgem com fraca representatividade no sector mais oriental do Planalto de Sagres e adquirem uma crescente importância e desenvolvimento em direcção a Oeste, ao longo de toda a Margem Continental Sudoeste. Atendendo que, a unidade sísmica MW3’ está compreendida entre as unidades sísmicas MW3 e MW4 e limitada pelas descontinuidades M3 na base e P no topo, ambas correlativas das reconhecidas no Golfo de Cádis, deduz-se que esta unidade poderá será formada por depósitos do Miocénico superior, possivelmente Messiniano. A descontinuidade M3 é truncada pela descontinuidade mais recente P que marca a base dos depósitos do Pliocénico inferior em direcção ao Golfo de Cádis. Relativamente à posição estratigráfica da unidade sísmica MW6´, verifica-se que esta ocorre entre as unidades sísmicas MW6 e MW7, e está limitada na base pela descontinuidade P2’ e no topo pela descontinuidade P4, pelo que, será correlativa da unidade GC6 e a sua idade deverá corresponder ao Pliocénico superior (Fig. V.91). Verifica-se que à semelhança da unidade MW3’, também a unidade sísmica MW6’ é truncada em direcção ao Golfo de Cádis e à Crista Coral Patch pela descontinuidade suprajacente P4 intra-Pliocénico superior (base da unidade sísmica MW7) (Fig. V.87). Esta disparidade entre as sequências sismostratigráficas presentes nos domínios tectonostratigráficos do Golfo de Cádis e do PS-MP-CSV, revela que no intervalo de tempo compreendido entre as descontinuidades M3 e P4, ou seja, durante o final do Miocénico superior (Messiniano?) e o final do Pliocénico superior, estas duas regiões sofreram evoluções ligeiramente

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

distintas, testemunhadas pela presença (ou ausência, no caso do Golfo de Cádis) das descontinuidades e unidades atrás referidas.

Plistocénico -Holocénico

Pliocénicosuperior

Pliocénicoinferior

Miocénicosuperior

Miocénicomédio

Miocénicoinferior

Paleogénico

Cretácico

Jurássico-Triássico?

Meg

a-se

quên

cia

IMeg

a-se

quên

cia

IIM

ega-

sequ

ência

III

IDADE

M1

PGC4

GC7

GC6

GC5

GC3

GC2

GC1

P1

P2

P4

GOLFO DE CÁDIS

Unidades sísmicas/Descontinuidades

J

GC8

M2

Pg

Mz2

Mz1

P5MW8

MW7

MW6

MW5

MW4

MW3’

MW3

MW2

MW1

PLANALTO DE SAGRES/PLANALTO MARQUÊS DE POMBAL/

CANHÃO S. VICENTE

M

Cz

Pg

Mz1

Mz2

P2’

M3

MW6’

S1

S2

Figura V.91 – Correlação sismostratigráfica entre os domínios tectonostratigráficos do Golfo deCádis e do Planalto de Sagres-Planalto Marquês de Pombal-Canhão S. Vicente. Destaca-se apresença neste último domínio das unidades sísmicas MW3’ e MW6’ e das descontinuidades M3 eP2’, ambas ausentes no Golfo de Cádis. S1 e S2: Sequências sísmicas.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Sintetizando, no domínio PS-MP-CSV a mega-sequência sísmica III do Neogénico (Fig. V.91) é constituída por depósitos correspondentes ao:

- Miocénico inferior?: unidade sísmica MW1; - Miocénico médio: unidade sísmica MW2; - Miocénico superior (Tortoniano?): unidade sísmica MW3; - Miocénico superior (Messinano?): unidade sísmica MW3’; - Pliocénico inferior: unidade sísmica MW4; - Final do Pliocénico inferior-Pliocénico superior: unidade sísmica MW5; - Pliocénico superior: unidades sísmicas MW6 e MW6’; - Final do Pliocénico superior: unidade sísmica MW7; - Plistocénico-Holocénico: unidade sísmica MW8.

V.2.2.2. – Planalto de Sagres: aspectos geomorfológicos

O Planalto de Sagres (Figs. V.83, V.84, V.85) constitui uma elevação de forma aproximadamente quadrangular, que se estende desde a zona costeira adjacente ao promontório de Sagres até profundidades abissais da ordem dos 4000 metros, encontrando-se confinada pelos Canhões de Lagos (a Este) e de S. Vicente (a Oeste). Na batimetria multifeixe SWIM (Diez et al., 2006) (Fig.V.92) observa-se que esta morfologia surge recortada por diversos canais entalhados pela acção de correntes de turbidez, que geram leques sedimentares profundos (deep-sea fans) na desembocadura destes canais. As vertentes do Planalto de Sagres são modeladas sobretudo pela acção de processos de carácter gravítico, testemunhados pela ocorrência de uma sucessão de deslizamentos e slumps que afectam a cobertura sedimentar mais recente, assim como, pela existência das respectivas cicatrizes e de canais talhados pelas correntes de turbidez desencadeadas durante estes eventos. Os processos de natureza gravítica operam de modo distinto em diferentes sectores: a) na região das vertentes do Planalto de Sagres os processos gravíticos geram pequenas escarpas escalonadas ao longo da vertente, sugerindo a existência de uma sucessão de deslizamentos rotacionais em direcção às zonas profundas da bacia (Fig. V.92). b) na região mais profunda, situada imediatamente a Sul do Planalto de Sagres, estes processos gravíticos afectam as unidades que compõem a sequência sobrejacente à unidade sísmica de fácies caótica aí presente e designada neste trabalho por Corpo Cáotico da Ferradura (CCF) (Fig. V.93, ~SP1470-SP1640; Fig. V.94). Estes processos originam deslizamentos e slumps que produzem uma sucessão de relevos de forma monticulada no fundo marinho, com um característico perfil convexo e simétrico, cuja imagem acústica apresenta fácies caótica. Estas morfologias encontram-se limitadas a montante por depressões apertadas que exibem o típico perfil côncavo (“em forma de colher”), característico das cicatrizes de deslizamento, ou noutros casos estas depressões apresentam um perfil em “V” assimétrico e atingem profundidades da ordem dos 75 m (Fig. V.93, ~SP1690). A ocorrência destas depressões, e consequentemente a ocorrência de deslizamentos, parece estar associada à presença de falhas de cavalgamento profundas que afectam o CCF, e se propagam em direcção à superfície deformando os sedimentos sobrejacentes, sem no entanto provocarem ruptura superficial (blind thrusts) (ex. ~SP 1510 na Fig. V.93). Salienta-se ainda, a descoberta recente, na região deprimida situada entre o Planalto de Sagres e o Crista de Coral Patch, e denominada Vale da Ferradura, de depressões em forma de anfiteatro com porporções consideráveis, designadas informalmente por “pegadas do lobo” e cuja génese,

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

estrutura e significado geodinâmico têm vindo ser investigados (Duarte et al., 2005; Duarte, 2007; Terrinha et al., submetido). Nesta região foram também reconhecidas as falhas de desligamento direito orientadas segundo WNW-ESE já referidas no Golfo de Cádis, o que constitui um testemunho inequívoco da intensa actividade tectónica que reina neste local (Terrinha et al., submetido; Rosas et al., submetido).

Figura V.92 – (A) Pormenor da batimetria multifeixe SWIM (Diez et al., 2006) da regiãode transição entre o Golfo de Cádis (GC) e a Planície Abissal da Ferradura (PAF). (B)Linha sísmica VOL13, em cima e interpretada, em baixo.

A cobertura sedimentar situada a topo do biselamento (pinch-out) do CCF mostra evidências que sugerem a ocorrência de vários eventos erosivos desde o início do Pliocénico (Fig. V.93 e V.94). A unidade sísmica MW4 (Pliocénico inferior) está truncada pela descontinuidade sobrejacente P1, que constitui a base da unidade sísmica MW5.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Figura V.93 – Excerto da linha sísmica VOL14 (A) e interpretação sismostratigráfica (B). (Localizaçãona Fig. V.84).

Esta descontinuidade marca a instalação de um novo regime sedimentar nesta região como denota a configuração interna exibida pelas unidades sísmicas de MW5 a MW8, quando comparada com a fácies sísmica da unidade MW4. A unidade sísmica MW5 está, por sua vez, biselada pela descontinuidade P2, sofrendo uma redução drástica da sua espessura nesta direcção. As descontinuidades mais recentes P4 e P5 são responsáveis pela truncatura e consequente diminuição de espessura apresentada pelas unidades sísmicas, MW6´ e MW7 em direcção à Planície Abissal da Ferradura (Fig. V.93).

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V. 94 VOL13

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V. 94 VOL13

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

A origem destes eventos erosivos, os quais não apresentam expressão na Margem Sul Portuguesa, poderá estar relacionada com uma sucessão de episódios de soerguimento do Planalto de Sagres e/ou com modificações no regime de circulação oceânica nesta região que tiveram lugar sobretudo durante o Pliocénico. Igualmente em direcção à Planície Abissal da Ferradura que o fundo marinho trunca também sucessivamente nessa direcção as unidades MW7 e MW8, as quais se encontram afectadas por deslizamentos (Fig. V.94).

A vertente Noroeste do Planalto de Sagres está limitada pela Falha de Sagres (Fig. V.88). Em direcção ao sector distal do Canhão de S. Vicente, reconhecem-se sobre a unidade CCF uma sequência composta pelas unidades sísmicas MW3’, MW4, MW5 (Fig. V.88), não sendo claro se a unidade MW6 se encontra representada, pois este local é sede de intensa actividade erosiva. Salienta-se que, as unidades sísmicas MW3’ e MW4 apresentam uma espessura considerável constituindo a parte mais importante da sequência pós-CCF neste local. Verifica-se que, a sequência basal de CCF, constituída pelas unidades Mz, Pg, MW1, MW2 e MW3, mergulha para SE. Salienta-se também, que a descontinuidade na base da unidade MW6 mergulha ligeiramente para NW e encontra-se truncada na parede do Canhão de S. Vicente. V.2.2.3 – Actividade neogénica da Falha Marquês de Pombal

No segmento Norte da Falha Marquês de Pombal (FMP) é possível identificar cinco sequências sísmicas (tectonostratigráficas) que traduzem eventos de deformação associados à movimentação da FMP. Estas sequências encontram-se presentes nos blocos abatido (bloco NW) e levantado (bloco SE) da falha e foram designadas da mais antiga para a mais recente de A a E (Fig. V.95 e Fig. V.96). A sequência A, a mais antiga, corresponde a sedimentos mesozóicos que surgem com maior espessamento no bloco levantado, sugerindo crescimento relacionado com a actividade da FMP como falha normal durante o Mesozóico. Sobrejacentemente ocorrem as sequências de B a E que correspondem a sedimentos cenozóicos, sendo a primeira composta por sedimentos do Paleogénico e as restantes por sedimentos do Neogénico (Fig. V.95 e Fig. V.96). Considerando a geometria apresentada pela sequência B e a manutenção da sua espessura em ambos os blocos da FMP, não parecem existir evidências de que esta estrutura se movimentou durante o Paleogénico, em contrapartida, a sua movimentação como falha inversa terá ocorrido no início do Miocénico e prolongado até ao Plio-Plistocénico e provavelmente Holocénico (Fig. V.95 e Fig. V.96). Assim, na sequência C do Miocénico verifica-se que a actividade parece ter-se intensificado no Miocénico superior, como demonsta no bloco abatido, a geometria em cunha das unidades sísmicas MW3 e MW4´ e o seu espessando em direcção à falha (Fig. V.95 e Fig. V.96). A sequência D, composta por depósitos do Pliocénico, está limitada na base pela descontinuidade P, que mergulha para NW no bloco abatido da FMP e trunca a unidade sísmica subjacente MW3’. No bloco elevado as reflexões internas da unidade sísmica MW4 terminam em onlap contra a descontinuidade P que se apresenta dobrada, sugerindo que a deposição desta unidade do Pliocénico inferior terá decorrido concomintantemente com a movimentação na falha (Figs. V.95 e V.96). No bloco elevado verifica-se que as unidades sísmicas MW1 a MW5 surgem dobradas formando um pequeno sinclinal (Fig. V.97, ~SP2100-2200). Neste bloco observa-se também que, as reflexões internas que compõem as unidades sísmicas MW4 e MW5 surgem sucessivamente truncadas pelas reflexões sobrejacentes em direcção ao plano de falha.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Figura V.95 – Pormenor da linha sísmica AR-10 na zona da Falha Marquês de Pombal(FMP). As sequências sísmicas (tectonostratigráficas) A a E traduzem os principaisepisódios de movimentação sofrida por esta falha desde o Mesozóico.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V. 96 AR-10

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V.96 AR-10

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V. 97 BS23

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V.97 BS23

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V.98 BS24

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V.98 BS24

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Em direcção ao Canhão de S. Vicente a sequência D, composta pelas unidades sísmicas MW4 e MW5, regista um espessamento elevado que no caso de MW5 corresponde a cerca do dobro do valor junto da FMP (Fig. V.97 e Fig. V.98, ~SP 1500-1900). As superfícies P e P1 que limitam na base as duas unidades acima referidas surgem fortemente inclinadas em direcção ao eixo do actual canhão (Fig. V.97). Esta geometria exibida pela sequência D junto do Canhão de S. Vicente sugere que terá ocorrido localmente subsidência durante a sua deposição. Assim, esta sequência testemunha a ocorrência contemporânea de uma fase de levantamento intenso na FMP e de importante subsidência no sector do Canhão de S. Vicente, ambas durante a deposição da unidade sísmica MW5 datada do final do Pliocénico inferior a início do Pliocénico superior. A sequência E é composta por sedimentos do Pliocénico superior e Plistocénico-Holocénico, apresenta uma espessura constante no bloco abatido da FMP, enquanto que no bloco elevado as reflexões internas das unidades sísmicas MW6+MW6´, MW7 e MW8 são truncadas em direcção a este acidente, estando as mais recentes igualmente truncadas pela superfície do fundo marinho e afectadas por deslizamentos (Fig. V.95). Próximo do Canhão de S. Vicente (Fig. V.97) as descontinuidade que limitam basalmente estas unidades, surgem truncadas pelas paredes do canhão. Atendendo ao exposto, sugere-se que: O segmento Norte da FMP terá sofrido duas fases de movimentação particulamente mais intensas, uma mais antiga durante o Miocénico superior e posteriormente outra durante o Pliocénico inferior a início do Pliocénico superior. A movimentação associada à FMP terá continuado após este período, talvez a uma taxa inferior, embora suficiente para produzir deslizamentos ao longo da vertente do bloco levantado. No segmento Sul da FMP, onde esta se apresenta como um cavalgamento cego (blind thrust), logo sem ruptura superficial e apenas dobrando os sedimentos situado a topo, destaca-se a presença das três sequências neogénicas identificadas no segmento Norte, designadamente, as sequências C, D e E (Fig. V.98). No bloco elevado da FMP verifica-se que no seu conjunto estas sequências mergulham em direcção ao Canhão de S. Vicente, em especial as unidades das sequências C e D, as quais se encontram dobradas na zona da falha. Esta geometria demonstra que o dobramento dos sedimentos associado à movimentação na falha cega terá decorrido ao longo de todo o Miocénico e Pliocénico inferior a início do Pliocénico superior afectando as unidades sísmicas MW1 a MW5. Destaca-se o facto da descontinuidade basal da unidade MW6 (P2) biselar as unidades sísmicas MW5 e MW4 em direcção à falha, sugerindo a ocorrência de um episódio de levantamento mais intenso no início do Pliocénico superior que dobrou os sedimentos a tecto. V.2.2.4. – Canhão Submarino de São Vicente (CSV): aspectos geomorfológicos e evolutivos O Canhão Submarino de São Vicente (CSV) situa-se a NW do Cabo de S. Vicente e separa o Planalto de Sagres do Planalto Marquês de Pombal, estendendo-se desde próximo do bordo da plataforma até à Planície Abissal da Ferradura, onde atinge profundidades da ordem dos 4100 m. Apresenta um traçado rectilíneo distinguindo-se quatro grandes segmentos com diferentes orientações (segmentos A, B, C, D), separados por pontos de inflexão situados nas zonas de vincada mudança de direcção (pontos 1, 2, 3) (Fig. V.99):

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

A

C

1

2B

36º 30’

36º 00’

9º00’9º 30’10º00’

3

D

FF

FMP37º 00’

36º 00’

36º 30’

37º 00’

9º00’9º 30’10º00’

20 km

PS

PMP

CSV

Levée

Antigos depósitoscanal- levée?

Zona afectada por deslizamentos

Parede escarpada

Figura V.99 – Segmentos quecompõem o Canhão de S. Vicente(CSV). Localização dos depósitosde levée, e da zona das paredesafectadas por deslizamentos ouslumps. FMP: Falha Marquês dePombal; PMP: Planalto Marquês dePombal; FF: Falha da Ferradura; PS:Panalto de Sagres. A, B, C, D:segmentos do CSV; 1, 2, 3: pontosde mudança de direcção.

Segmento A: Este segmento, orientado ENE-WSW, está compreendido entre a zona de cabeceira do canhão, próximo do bordo da plataforma (~abaixo dos - 200 m), e o ponto de inflexão 1 situado a cerca de - 2000 m. No segmento A, o vale apresenta-se muito aberto e ligeiramente assimétrico, com a parede SE mais elevada e inclinada que a parede NW. Ambas estão afectadas por deslizamentos (alguns rotacionais) e slumps, reconhecendo-se também a presença das respectivas cicatrizes (Fig. V.100). Em direcção ao vale principal, confluem três pequenos canais tributários vindos de NW (Fig. V.99), e cuja erosão e deslizamentos associados ao seu encaixe contribuíram para o largamento desta zona do canhão.

Figura V.100 - Excerto da linha sísmica BS08 na região do CSV. Destaca-se a presença na sua

parede NW de slumps e das respectivas cicatrizes. (Localização na Fig. V.84). Segmento B: Este segmento, orientado NE-SW, está separado do anterior pelo ponto de inflexão 1 e estende-se até ao ponto de inflexão 2 (a cerca de – 3100 m) e mostra, a despeito da ligeira diferença de orientação, algumas características semelhantes ao segmento A. Na zona do segmento B situada mais próximo do ponto de inflexão 1, o vale é largo, em forma de “V” assimétrico com a parede SE mais inclinada, e estando ambas as paredes afectadas por uma sucessão deslizamentos e slumps (Fig. V.101A). Em direcção ao ponto de inflexão 2, o vale alarga-se mantendo a sua assimetria e o fundo parece estar coberto por material proveniente da acção destes processos

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

gravíticos, o que confere ao canhão um perfil mais aberto (Fig. V.101A). Esta morfologia modifica-se próximo do ponto de inflexão 2 devido à presença de uma levée bem desenvolvida e circunscrita à margem NW do canhão, diminuindo de espessura para NW e W em direcção à Falha Marquês de Pombal (Fig. V.101B). A sua presença confere ao canhão um perfil em “V” assimétrico largo e muito aberto, apresentando-se a parede NW muito abrupta, e a vertente SE comparativamente mais suave e afectada por deslizamentos. Esta levée adquire a sua expressão máxima na linha sísmica BS21 (Fig. V.101B), exibindo a típica forma em cunha, com fácies paralela divergente e alternância de reflexões sub-horizontais de alta e fraca amplitude que terminam bruscamente em onlap contra a inclinada parede NW, indicando a intensa erosão que se exerce nessa zona. A levée está formada pelo conjunto das unidades sísmicas correspondentes ao Pliocénico superior e Plistocénico-Holocénico (unidades sísmicas MW6’, MW7 e MW8). A geometria da levée e a sua distribuição espacial sugerem que esta se desenvolveu na estreita dependência deste segmento do canhão (Fig. V.99). Matias (2002) refere a existência nesta zona de depocentros plio-quaternários relacionados com processos de overbanking durante a evolução do CSV. O encaixe do canhão escavou a sequência sedimentar até atingir possivelmente os depósitos do Pliocénico inferior (unidade sísmica MW4). Na linha sísmica BS20 (Fig. V.101A) denota-se a presença de um horizonte de forte amplitude (a verde), irregular sob o actual fundo do canhão, colocando-se a hipótese deste corresponder a uma antiga superfície erosiva talhada pelo CSV. Esta parece ter entalhado depósitos mais antigos que a unidade MW4, possivelmente podendo corresponder a depósitos do Miocénico superior (Fig. V.101A). Mais a Sul denota-se também a existência de uma reflexão forte (Fig. V. 101B) sob o eixo do actual canhão.

Figura V.101 – Excerto das linhas sísmicas BS20 (A) e BS21 (B) na região do CSV. Destaca-se apresença de uma levée bem desenvolvida na vertente WNW e a predominância de slumps na vertenteoposta. c: cicatrizes de deslizamentos/slumps. (Localização na Fig. V.84).

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Segmento C: Este segmento, orientado NNE-SSW, está separado do anterior pelo ponto de inflexão 2 e termina no ponto de inflexão 3 (Fig. V.99). Próximo do ponto 2 o vale apresenta-se mais encaixado e com um perfil menos assimétrico, com a parede NW ligeiramente mais inclinada e afectada por slumps em comparação com a parede SE (Fig. V.102A e B). A levée apresenta uma morfologia mais suave, distinta da exibida mais a Norte, perdendo expressão morfológica (Fig. V.102). Na linha sísmica BS22 (Fig. V.102A) constata-se que a descontinuidade P1, que delimita inferiormente a unidade sísmica MW5, continua a marcar no eixo do canhão a base dos depósitos subjacentes à actual superfície do vale. A geometria apresentada pelas unidades sísmicas subjacentes a MW5 parece sugerir a existência de fácies do tipo canal-levée, no entanto serão precisos novos dados de modo a esclarecer esta hipótese. A verificar-se correcta, tal implicaria a existência de um canhão activo neste local possivelmente durante o Pliocénico inferior ou mesmo no final do Miocénico superior (um proto-CSV), que teria sido responsável por essa deposição.

Figura V.102 – Excerto das linhas sísmicas BS22 (A) e BS23 (B) na região do CSV. Destaca-se aredução de espessura apresentada pela levée e o crecimento da unidade sísmica MW5 (limitada nabase pela descontinuidade P1) em direcção ao eixo actual do canhão. c: cicatriz dedeslizamento/slump. (Localização na Fig. V.84).

Em direcção a Sul (Fig. V.99), o vale surge encaixado e assimétrico, com a parede NW menos inclinada e afectada por deslizamentos. Identificam-se dois deslizamentos de grandes proporções que possivelmente cobrem o fundo do canhão, o qual surge plano e inclinado para Leste (Fig. V.102B). Estes deslizamentos afectam as unidades sísmicas MW6 a MW8, e em menor grau a parte mais recente dos sedimentos que compõem a unidade sísmica MW5. A parede SE é mais abrupta e poderá estar igualmente afectada por processos gravíticos, pois as reflexões sofrem uma inflexão junto da superfície da parede do canhão (Fig. V.102B). Neste sector identificam-se pequenas incisões correspondentes a canais, provavelmente tributários do CSV. O canhão está encaixado até à unidade sísmica MW5 (final do Pliocénico inferior a Pliocénico superior) e o actual fundo do canhão inclina para SE. Sob o actual vale do CSV a fácie acústica é caótica, mas reconhece-se uma reflexão contínua que corresponde à descontinuidade P1 (Fig. V.102B). Nas

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

linhas sísmicas BS23 (Fig. V.102B) e BS24 (Fig. V.103) parece que erosão associada ao encaixe do canhão não terá afectando no entanto a unidade sísmica subjacente MW4 do Pliocénico inferior.

Figura V.103 - Excerto da linha sísmica BS24 no CSV. Destaca-se a unidade MW5 e aevidência de uma superfície de erosão sob o actual eixo do canhão representada pelo horizonteverde. (Localização na Fig. V.84).

Segmento D: Este segmento está orientado quase N-S e situa-se na zona mais distal do canhão, estando compreendido entre o ponto de inflexão 3 e a Planície Abissal da Ferradura. Nesta zona distal o vale alarga-se, sendo muito aberto com paredes pouco inclinadas a confina-lo (Fig. V.88 e Fig. V.96). Destaca-se que, o único local onde se reconhecem vestígios de antigos depósitos canal-levée situa-se a Oeste deste segmento do canhão (Fig. V.104), estando desenvolvidos nas unidades sísmicas MW4 e MW5 (Pliocénico inferior a início do Pliocénico superior), embora a unidade sísmica MW3’ aparente também fácies idênticas. Tal sugere um processo de migração para Este, que terá ocorrido após a deposição da unidade sísmica MW5 e antes da deposição da unidade sísmica MW6, pois esta não demonstra quaisquer evidências de depósitos do tipo canal-levée, indicando que esse processo terá decorrido no início do Pliocénico superior.

Assim, a partir da interpretação efectuada nas linhas sísmicas que cruzam o CSV em conjugação com a batimetria desta área, ressalta o facto deste canhão apresentar características distintas nos diferentes segmentos, sendo as diferenças mais notórias reconhecidas entre os segmentos situados a Norte (A e B) e a Sul (C e D) do ponto de inflexão 2 (Fig. V.99). Assim, este ponto materializa não só a ocorrência da mudança mais significativa na direcção do CSV, como também uma notória modificação na sua morfologia. Assim, sumarizam-se os principais aspectos distintivos observados nestes dois conjuntos de segmentos do canhão, considerando o ponto de inflexão 2 como fronteira entre eles:

- O vale do CSV é assimétrico, com a parede SE mostrando-se mais inclinada nos segmentos A e B e com a parede NW mais abrupta no segmento C.

- O vale do CSV é largo nos segmentos A e B e mostra-se mais encaixado e estreito em

direcção a Sul, com paredes mais abruptas no segmento C. Apresenta-se de novo mais aberto no segmento distal D.

- A existência de uma única levée bem desenvolvida está circunscrita à região situada a NW

dos segmentos A e B. - Ocorrência de deslizamentos e slumps em ambas as paredes do canhão nos segmentos A, B

e C.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

- Ocorrência de possíveis vestígios de antigos depósitos do tipo canal-levée a Oeste do segmento D.

Fig. V.104 - Excerto da linha sísmica VOL17 (A) e interpretação sismostratigráfica (B). Regista-se a

presença de possiveis depósitos canal-levée a Oeste do CSV, desenvolvidos nas unidades sísmicas MW4a MW6+MW6’ (Pliocénico inferior a Pliocénico superior). (Localização na Fig. V.84).

Considerando com maior detalhe a região dos segmentos C e D situados a Sul do ponto de inflexão 2, verifica-se a que a unidade sísmica MW5 (final do Pliocénico inferior a início do Pliocénico superior) experimenta um aumento considerável de espessura sob o actual eixo do canhão (Fig. V.102B), o que demonstra a ocorrência de subsidência localmente e concomitante com a deposição desta unidade. Este processo deverá ter-se verificado a uma taxa rápida, atendendo à elevada espessura demonstrado por esta unidade. As unidades sísmicas subjacentes, sobretudo a unidade MW4 do Pliocénico inferior, apresentam também evidências de subsidência, embora comparativamente menor. Este evento terminou após a deposição da unidade MW5, pois a unidade sobrejacente MW6 não apresenta evidências de ter sido influenciada por subsidência, apresentando

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

aproximadamente a mesma espessura de ambos os lados do canhão. Nas linhas sísmicas interpretadas não se detectou a existência de nenhuma estrutura situada sob o eixo do canhão, que possa ser apontada como responsável por esta subsidência local. A ocorrência deste episódio de subsidência registado sob o vale actual do CSV está localizada no espaço e no tempo. Identifica-se somente sob o actual vale do canhão, em particular nos segmentos C e D, e a sua ocorrência restringiu-se ao período de tempo correspondente à deposição das unidades sísmicas MW4 e MW5 (Pliocénico inferior a início do Pliocénico superior), em particular desta última, a qual mostra evidências inequívocas da sua sedimentação ter sido controlada por esse processo. A origem deste episódio de subsidência local poderá estar relacionada com o episódio de levantamento registado na FMP neste período que teria provocado o consequente abatimento na zona do canhão. Constata-se que, no seu conjunto os segmentos C e D apresentam uma orientação paralela à demonstrada pela FMP, e que a inflexão verificada na direcção do CSV neste local, marcada pelo ponto 2, coincide neste acidente com o início do seu segmento Sul. Coloca-se a hipótese de que, o movimento neste segmento da falha terá forçado o canhão a mudar de direcção, contornando o obstáculo gerado pela elevação do fundo marinho. A existência provável na zona situada a Oeste do actual canhão de antigos depósitos canal-levée (Fig. V.99), indicia a posterior migração do canal para SE, para a posição que ocupa presentemente. Denota-se também que, o vale do CSV surge mais encaixado e estreito no segmento C, comparativamente com os dois segmentos que imediatamente o precedem, o que poderá sugerir um episódio de rejuvenescimento decorrente da elevação do fundo marinho nesse local. Em geocontextos de tectónica activa, as bruscas inflexões de direcção experimentadas pelos canhões, de que é exemplo a mudança de direcção entre o segmento B (NE-SW) e o segmento C (NNE-SSW) do CSV, ocorrem geralmente devido à presença de falhas, nas quais o canhão encaixa, ou devido à deflecção do seu curso inicial como resposta à presença de um alto estrutural resultante do levantamento de um bloco de falha. No entanto, no caso específico do CSV a existência de controlo estrutural dos seus segmentos, mesmo que seja indirecta, não é clara com os dados disponíveis. Estes não permitem concluir que este canhão está controlado tectonicamente, embora o seu traçado rectilíneo seja um indício a tomar em consideração. No entanto a proximidade do sistema de falhas activas FMP e do seu backthrust (Zittellini et al., 2001) e da Falha da Ferradura (FF) (Gràcia e Dañobeitia, 2001) certamente induz um controlo estrutural sobre o CSV, exercido de forma indirecta pela actividade destes acidentes. Este controlo indirecto repercute-se-à ao nível do posicionamento e a implantação do CSV. De facto, nas zonas tectonicamente activas em regime convergente, a incisão dos canhões resulta da acção conjugada de processos de erosão e gravíticos, encaixe axial, levantamentos e subsidência associados à movimentação de estruturas (ex. Soh e Tokuyama, 2002; Chiang e Yu, 2006). No caso do CSV, o predomínio de deslizamentos e slumps de proporções consideráveis reconhecidos ao longo das paredes dos seus quatro segmentos, atesta a importância que os processos gravíticos de transporte de massas de sedimentos a grande escala tiveram e têm, na modelação e evolução deste canhão. O desmoronamento das paredes do canhão desencadeia igualmente correntes de turbidez, também elas constituindo um poderoso agente erosivo e modelador, entalhando a região axial do canhão. Por outro lado, o facto do CSV se situar próximo da zona onde é registada uma das maiores aglomerações de sismos na Margem Sudoeste (Fig. II.4), com concentração de hipocentros a 20 km de profundidade sob este canhão (Carrilho, 2005), leva a considerar que parte destes deslizamentos e génese de correntes de turbidez também poderão ser despoletadas pela actividade sísmica. Assim o CSV actua como uma das principais condutas de transporte de sedimentos para as zonas profundas, alimentando a Planície Abissal da Ferradura através dos sedimentos transportados pelas correntes de turbidez.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Assim, a actividade tectónica controlará a implementação, localização e orientação do canhão, enquanto que os processos erosivos e gravíticos contribuem para modela-lo, escavando e alargando o seu vale. Integrando os aspectos acima expostos, sugere-se que a evolução do CSV se processou em duas grandes etapas, cada uma delas testemunhadas pelos diferentes segmentos do canhão situados respectivamente, a Norte e a Sul do ponto de inflexão 2: Etapa I: Está testemunhada nos segmentos A e B através do encaixe assimétrico do vale e construção de uma levée bem desenvolvida na vertente NE. A acção continuada de processos de desmoronamento das paredes e geração de deslizamentos e slumps, sobretudo na vertente SW, controlou a sua morfologia e provocou o recuo da parede para Este. A acção preferencial de processos deposicionais ou erosivos/gravíticos em cada uma das paredes do CSV resultou na génese da sua morfologia assimétrica, expressa pela sua parede NE construtiva (agradante) e parede SW destrutiva (erosiva). A ausência de evidências da ocorrência de migração do canal principal do CSV nos segmentos A e B, tais como a presença de antigos canais colmatados ou antigos depósitos canal-levée, comuns em locais onde esse processo foi activo, sugere que o eixo do vale neste sector se posicionou sensivelmente no mesmo local, pelo menos desde o Pliocénico inferior. Etapa II: Provavelmente a partir do Pliocénico inferior os segmentos C e D, situados a Sul do ponto de inflexão 2, sofreram uma mudança de direcção, passando a encaixar-se mais para Este, situando-se na posição ocupada actualmente. Esta possível mudança de direcção registada por estes dois segmentos do canhão poderá estar testemunha pela presença de vestígios de antigos depósitos canal-levée, identificados a Oeste da presente localização do canal principal. Tal mudança teria resultado possivelmente da actividade mais marcada do segmento Sul da FMP, até aí pouco activo, traduzindo-se pelo levantamento do fundo marinho, forçando a deflexão do curso anterior do canhão, segundo a direcção NE-SW, para a sua posição actual situada mais a Leste e orientada NNE-SSW.

A

C

1

2B

36º 30’

36º 00’

9º00’9º 30’10º00’

3

D

FF

FMP37º 00’

36º 00’

36º 30’

37º 00’

9º00’9º 30’10º00’

20 km

PS

PMP

CSV

Levée

Antiga levée?Zona afectada por

deslizamentos

I

II

Escarpa

Figura V.105 – Etapas de formaçãodo CSV (I e II) descritas no texto.CSV: Canhão de S. Vicente. FMP:Falha Marquês de Pombal; PMP:Planalto Marquês de Pombal; FF:Falha da Ferradura; PS: Panalto deSagres. A, B, C, D: segmentos doCSV; 1, 2, 3: pontos de mudança dedirecção.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

V.2.3. - Domínio Tectonostratigráfico do Monte Submarino e Crista Coral Patch O Domínio Tectonostratigráfico do Monte Submarino e Crista Coral Patch (CCP) inclui estes dois relevos, que separam as Planícies Abissais da Ferradura e do Sena (Figs. V.83 e V.84). A vincada assimetria do monte submarino Coral Patch, imposta pelo elevado declive da vertente Norte, indicia a existência de controlo estrutural na génese deste relevo. A única informação de carácter estratigráfico acerca destas morfostruturas provém da sondagem profunda DSDP Site 135 (Hayes et al., 1972) realizada na extremidade NE da Crista Coral Patch (Fig. V.84). V.2.3.1. – Sondagem DSDP Site 135 A sondagem DSDP Site 135 (Fig. V.84) realizada a 4152 m de profundidade, revela a existência de uma espessa coluna de sedimentos composta, de cima para baixo, por quatro unidades litostratigráficas (Hayes et al., 1972) (Fig. V.106):

LitologiaUnidade litostratigráficaIdade

Oligocénico superior

-Plistocénico

1

2

3

4

Eocénico inferior

-Maastrichtiano

Cretácico Superior?

Aptiano Inferior

Sondagem DSDP Site 135

Prof

undi

dade

(m

)

0

325

450

560

689

Ooze carbonatada

Sedimentos terrígenos ricos

em quartzo

Argilitos com níveis de

calcário e cherte

Calcário e marga

Figura V.106 - Síntese dos dados geológicos dasondagem DSDP Site 135. (Extraído de Hayes etal., 1972).

- Unidade litostratigráfica 1: constituída por cerca de 325 m de sedimentos pelágicos carbonatados

(ooze composta principalmente por Nanoplâncton calcário), datados do Oligocénico superior ao Quaternário e demonstrando fortes evidências da ocorrência de fenómenos de dissolução de carbonato de cálcio, os quais afectaram em especial os Foraminíferos presentes nos sedimentos miocénicos. Refira-se igualmente que, se regista no seio desta unidade a ocorrência de uma quebra faunística, que poderá testemunhar o limite entre o Miocénico e o Pliocénico.

- Unidade litostratigráfica 2: constituída por cerca de 115 a 235 m de sedimentos

predominantemente terrígenos ricos em quartzo (areias com fracção argilosa) cujo conteúdo microfossilífero surge mal preservado. Os microfósseis presentes indicam uma idade que abarca

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

o período de tempo compreendido entre o Cretácico (Maastrichtiano) e o Eocénico inferior. Possivelmente, durante este último período ter-se-iam verificado fenómenos de redeposição das associações de microfósseis do Cretácico Superior.

- Unidade litostratigráfica 3: composta por argilitos com níveis intercalados de calcário e cherte,

provavelmente datando do Cretácico Superior. A espessura atingida por esta unidade é desconhecida.

- Unidade litostratigráfica 4: composta por calcário e marga ricos em Nanofósseis depositados

durante o Aptiano inferior e Valangiano. A espessura atingida por esta unidade é desconhecida. Um dos dados mais relevantes fornecidos por esta sondagem consiste na identificação de um importante hiato que separa os sedimentos terrígenos do Eocénico inferior dos sedimentos pelágicos do Oligocénico superior, e cuja origem poderá ter estado relacionada, de acordo a interpretação de Hayes et al. (1972), com um episódio de levantamento tectónico que teria afectado toda esta região nesse lapso de tempo.

Os depósitos mais recentes da cobertura sedimentar do monte submarino Coral Patch foram dragados durante a campanha SWIM04, revelando a existência de areias bioclásticas, fragmentos de coral, e ooze de ptéropodes (Fig. V.107). No decurso deste cruzeiro foi também realizada uma dragagem a cerca de 1750-1950 m de profundidade, na qual se recuperou vasa de cor ocre contendo pequenos fragmentos de calcário de cor castanha e diversos fragmentos de rochas basálticas de cor avermelhada, denotando a acção de processos de alteração. No entanto, o resultado mais relevante desta dragagem consistiu na colheita de um fragmento de proporções métricas de basalto em pillow-lava (Fig. V.107C), com intercalações de sedimentos pelágicos carbonatados, o que testemunha a natureza oceânica da crosta neste local.

Figura V.107 - Amostras da coberturasedimentar do monte submarino Coral Patchcolhidas durante a campanha SWIM04realizada em Setembro de 2004 a bordo do N/RUrania. (A): fragmentos de corais de águasfrias e profundas. (B): areias bioclásticas. (C):fragmento de pillow-lava com veios decarbonato.

Segundo Hayes et al. (1972), a região da actual Crista Coral Patch (CCP) teria sofrido três importantes episódios tectónicos que conduziram ao seu soerguimento, tendo o mais antigo dos quais, ocorrido no final do Cretácico Superior, sucedendo-se outro episódio no Eocénico inferior, e por fim um último, que terá tido o seu início no Miocénico médio-superior. Actualmente prossegue

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

o levantamento desta estrutura, embora a uma taxa inferior. Os autores referidos propõem a seguinte reconstituição da sucessão de eventos tectónicos ocorridos na região da CCP desde o Cretácico Superior até ao Plistocénico:

• No Cretácico Superior esta região correspondia a uma zona abissal profunda. • No final do Cretácico Superior ocorreu o levantamento do continente adjacente (Ibéria?

África?), o que implicou um acarreio de sedimentos clásticos, com importante componente terrígena.

• No Eocénico inferior verificou-se um novo episódio de levantamento responsável pela criação de elevações que impediram o acesso de sedimentação terrígena à área da CCP.

• Génese do hiato/discordância do Eocénico inferior-Oligocénico superior que separa sedimentos terrígenos do Eocénico inferior de sedimentos pelágicos carbonatados do Oligocénico superior.

• No Oligocénico superior iniciou-se a deposição de sedimentos pelágicos carbonatados. Coloca-se a questão se tal depósito traduz a ocorrência de subsidência.

• Desde o Miocénico médio-superior até Plistocénico a sedimentação pelágica carbonatada foi dominante, verificando-se no entanto que esta ocorreu a profundidades cada vez menores. Tal implicará o levantamento da CCP desde o Miocénico médio-superior.

V.2.3.2. – Análise de Estratigrafia Sísmica A análise de Estratigrafia Sísmica efectuada nas linhas sísmicas IAM3 (Fig. V.86) e AR-08 (Fig. V.108) que cruzam a CCP (Figs. V.3 e V.84) permitiu identificar a existência de dez unidades sísmicas (CP1 a CP10), organizadas em cinco sequências sísmicas (I a V) separadas por quatro descontinuidades (A, B, C, D) (Fig. V.86). Sendo, da mais antiga para a mais recente:

Sequência sísmica I: Limitada no topo pela descontinuidade A. Composta pelas unidades sísmicas

CP1 e CP2. Sequência sísmica II: Limitada na base pela descontinuidade A e no topo pela descontinuidade B.

Composta pelas unidades sísmicas CP3, CP4 e CP5. Sequência sísmica III: Limitada na base pela descontinuidade B e no topo pela descontinuidade C.

Composta pela unidade sísmica CP6. Sequência sísmica IV: Limitada na base pela descontinuidade C e no topo pela descontinuidade D.

Composta pelas unidades sísmicas CP7 e CP8. Sequência sísmica V: Limitada na base pela descontinuidade D. Composta pelas unidades sísmicas

CP9 e CP10.

Propõe-se a seguinte correlação entre estas descontinuidades e unidades sísmicas e as unidades litostratigráficas identificadas na sondagem DSDP Site 135 (Fig. V.109):

Descontinuidade A: correlaciona-se com o topo da unidade litostatigráfica 4 de idade Aptiano

inferior-Valangiano. Descontinuidade B: correlaciona-se com o limite entre as unidades litostratigráficas 3 (Cretácico)

e 2 (Maastrichtiano-Eocénico inferior). Descontinuidade C: correlaciona-se com o hiato/discordância entre a unidade litostratigráfica 2

(Maastrichtiano-Eocénico inferior) e a unidade litostratigráfica 1 (Oligocénico superior-Plistocénico).

Descontinuidade D: correlaciona-se possivelmente com a transição entre o Miocénico e o Pliocénico, situando-se no interior da unidade litostratigráfica 1 (datada do Oligocénico superior-Plistocénico).

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

• Unidades sísmicas CP1 e CP2: correlacionam-se com a unidade litostratigráfica 4 (Aptiano inferior-Valangiano).

• Unidades sísmicas CP3, CP4 e CP5: correlacionam-se com a unidade litostratigráfica 3 (Cretácico).

• Unidade sísmica CP6: correlaciona-se com a unidade litostratigráfica 2 (Maastritchiano-Eocénico inferior).

• Unidades sísmicas CP7, CP8, CP9 e CP10: correlacionam-se com a unidade litostratigráfica 1 (Oligocénico superior-Plistocénico). As duas unidades sísmicas mais recentes datam possivelmente do Plio-Plistocénico/Holocénico.

LitologiaUnidade litostratigráfica

Idade Unidades Sísmicas

Descontinuidade/Sequência

Oligocénico superior

-Plistocénico

1

2

3

4

A

B

C

D

Eocénico inferior

-Maastrichtiano

Cretácico Superior?

Aptiano Inferior

Sondagem DSDP Site 135 Sismostratigrafia

CP1

CP2

CP3CP4CP5

CP6

CP7

CP8

CP9CP10

Prof

undi

dade

(m

)

0

325

450

560

689

Ooze carbonatada

Sedimentos terrígenos ricos

em quartzo

Argilitos com níveis de

calcário e cherte

Calcário e marga I

II

III

IV

V

Figura V.109 – Correlação entre as unidades estratigráficas reconhecidas nasondagem DSDP Site 135 (Hayes et al., 1972) e as unidades sísmicas identificadas nalinha IAM3. Destaca-se que a descontinuidade C (situada na base da unidade sísmicaCP7) correlaciona-se com o hiato/discordância situado na base dos depósitos de oozecarbonatada datados do Oligocénico superior-Plistocénico.

V.2.3.3. – Análise de Estratigrafia Sísmica Correlação sismostratigráfica entre a Crista Coral Patch e o Planalto de Sagres A linha sísmica IAM3 (Fig. V.84 e Fig. V.86) devido à sua orientação NE-SW, e ao situar-se na região de transição entre as Margens Continentais Sul e Sudoeste Portuguesas e ao ser cruzada pela sondagem DSDP Site 135, proporciona a possibilidade de integrar num quadro regional a sismostratigrafia da Crista Coral Patch e do Planalto de Sagres (Fig. V.86). Assim, constata-se que existe uma notória discrepância no que se refere aos hiatos/discordâncias identificados em cada um destes domínios. Na Crista Coral Patch o principal hiato/dicordância situa-se entre os sedimentos do Cretácico Superior-Eocénico inferior e sedimentos do Oligocénico superior, enquanto que o hiato/discordância mais proeminente na Bacia do Algarve e igualmente no domínio do Planalto de

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V.108 AR-08

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V.108 AR-08

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Sagres corresponde ao hiato/discordância entre o Cretácico e o Eocénico, seguindo-se outro na base dos depósitos miocénicos, este último não sendo reconhecido na Crista Coral Patch. As diferenças observadas apontam para que estes dois domínios experimentaram histórias evolutivas com etapas distintas desde o final do Mesozóico e durante o Cenozóico.

V.2.4. – Domínio Tectonostratigráfico do Banco de Gorringe

O Domínio Tectonostratigráfico do Banco de Gorringe (BG) inclui este relevo que consiste numa porção de litosfera oceânica, soerguida desde profundidades abissais até à sua actual posição, devido a um evento compressivo que terá ocorrido no Miocénico médio (pós-Langhiano e pré-Tortoniano) (Ryan et al., 1973). O conhecimento da litologia e estratigrafia do Banco de Gorringe deriva fundamentalmente dos dados provenientes da sondagem profunda DSDP Site 120 realizada no Monte Gettysburg (Ryan et al., 1973) V.2.4.1. – Sondagem DSDP Site 120 A sondagem DSDP Site 120 realizada a 1711 m de profundidade penetrou cerca de 253.4 m na sequência sedimentar de cobertura do Banco de Gorringe (BG) e no substrato ígneo. O registo micropaleontológico presente nas secções de sondagem permitiu atribuir uma idade de Miocénico e Barremiano/Albiano aos sedimentos amostrados (Ryan et al., 1973). Refira-se que, devido à presença de foraminíferos planctónicos do Pliocénico inferior e Plistocénico restringida ao material recuperado “extra-sondagem” (em drill bit samples), foi inferida a existência de sedimentos desta idade, uma vez que estes não foram penetrados em nenhuma das secções de sondagem efectuadas. Assume-se assim, que sedimentos do Pliocénico inferior e Plistocénico deverão ocorrer algures entre o fundo marinho e os 55 m de profundidade de sondagem (Ryan et al., 1973).

Foram identificadas nesta sondagem cinco unidades litostratigráficas (Fig. V.110), quatro das quais (unidades de 1 a 4) correspondem a sedimentos marinhos pelágicos com idades compreendidas entre o Cretácico Inferior e o Plistocénico. Os sedimentos mais antigos recuperados consistem em margas do Barremiano, embora se admita a possibilidade de existirem, noutros locais não perfurados, sedimentos mesozóicos mais antigos imediatamente sobrejacentes ao substrato ígneo. Esta sequência sedimentar assenta sobre uma série ofiolítica (unidade 5) composta por metagabro, gabro serpentinizado, basalto espilítico, e cherte de radiolários.

Unidade Litologia Idade

Ooze de Foraminíferos de cor laranja acinzentada. Plistocénico1

Ooze de Foraminíferos branca.Pelágico.

Pliocénicoinferior

2

Ooze de Nanofósseis com foraminíferos. Pelágico.

Miocénicoinferior

3

Margas argilosas laminadas. Pelágico.

Cretácico Inferior

4

5 Série ofiolítica.

120 m?

55 m

246 m

253.4 m Figura V.110 - Unidades litostratigráficas identificadas na sondagem DSDP Site

120. (Extraída de Ryan et al., 1973).

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

No seio desta coluna estratigráfica Ryan et al. (1973) registaram a existência de dois hiatos/discordâncias significativos: (1) um hiato na sedimentação pelágica entre o Cretácico Inferior e o Miocénico inferior; (2) uma mudança abrupta de fácies sedimentares entre o Miocénico e o Pliocénico-Plistocénico, representada pela passagem de uma ooze de Nanofósseis parcialmente silicificados para uma ooze de Foraminíferos. A existência de um hiato na sedimentação entre o Cretácico Inferior e o Miocénico inferior é também sugerida pela total ausência de faunas datadas do intervalo Cretácico Superior-Oligocénico. Estas são igualmente inexistentes sob a forma de espécimes retrabalhados ou contaminando sedimentos mais recentes.

A diferença registada entre as litologias correspondentes ao Miocénico inferior e ao Pliocénico (Fig. V.110), sugere a ocorrência de modificações no ambiente de deposição, pelo que Ryan et al. (1973) inferiram com base neste critério de mudança de fácies, a existência de um hiato/discordância. Com base no mesmo tipo de critério, estes autores propõem igualmente a ocorrência de um hiato/discordância intra-Pliocénico.

Atendendo às associações de microfósseis presentes nos sedimentos recuperados nesta sondagem, constata-se que esta região do Banco de Gorringe esteve desde o Cretácico Inferior situada a grandes profundidades, dominada por deposição abaixo da lisoclina num ambiente pelágico batial (Ryan et al., 1973). Verifica-se que, na secção mesozóica os Nanofósseis Calcários constituem o grupo com maior representatividade, enquanto que os Foraminíferos bentónicos são raros e os planctónicos estão ausentes ou escassamente representados. Precisamente a ausência deste último grupo, constitui um dos aspectos mais intrigantes desta secção, pois este representava um dos constituintes mais característicos do plâncton calcário durante a parte final do Cretácico Inferior. Tal ausência poderá prender-se com a ocorrência de deposição a grande profundidade, situada abaixo da profundidade de compensação dos carbonatos, tal como também é sugerido pela ausência de foraminíferos bentónicos do Cretácico Inferior típicos de zonas costeiras e neríticas. Por outro lado, denota-se a ausência de sedimentos de componente terrígena (ex. turbiditos) intercalados no seio das margas argilosas que compõem a secção do Cretácico Inferior, sugerindo que a deposição processou-se livre de influências terrígenas provenientes do continente adjacente (Ibéria). Refira-se ainda que, a ausência de globigerinoides no Cretácico Inferior foi igualmente registada na Província Bética-Baleárica (Colom, 1967 in Ryan et al., 1973), tendo sido igualmente interpretada como evidência de deposição a profundidades superiores à profundidade de compensação dos carbonatos.

Durante o Miocénico a deposição parece ter-se mantido a profundidades situadas muito próximo ou abaixo da profundidade de compensação dos carbonatos, como atesta a escassa presença de Foraminíferos e as evidências de processos de silicificação. Refira-se que a ooze de Nanofósseis do Miocénico inferior apresenta uma fracção de proveniência terrígena, composta por quartzo, mica e argila, indiciando deposição de natureza turbidítica em ambiente pelágico.

Em oposição, na associação faunística do Plio-Plistocénico, os Foraminíferos constituem o grupo mais representado e abundante, apresentando grande diversidade, e estando os espécimes presentes desprovidos de efeitos de dissolução. Salienta-se ainda que, a presença de escassos fragmentos de briozoários incluídos nas amostras desta idade poderá indicar, caso estes sejam autoctónes, que sectores do Banco de Gorringe foram elevados desde o Miocénico médio até profundidades muito inferiores, permitindo a colonização deste substrato rochoso por espécimes pertencentes a este grupo.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V.111 IAM4

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V.111 IAM4

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

V.2.4.2. – Análise de Estratigrafia Sísmica A análise de Estratigrafia Sísmica efectuada nas linhas sísmicas que cruzam o topo do Banco de Gorringe e situadas muito próximo do local onde foi realizada a sondagem DSDP Site 120 (Fig. V.84), permitiu reconhecer a presença de três unidades sísmicas (Fig. V.111): Unidade sísmica G1: apresenta fácies caótica com várias difracções e corresponde ao soco ígneo representado pela unidade litostratigráfica 5. Unidade sísmica G2: cobre a unidade precedente e surge como uma sucessão de reflexões de elevada amplitude, geralmente apresentando boa continuidade lateral. Correlaciona-se com a unidade litostratigráfica 4, correspondente a margas argilosas do Cretácico Inferior. Encontra-se limitada a topo pela descontinuidade C/Pg que assinala a ocorrência um hiato/discordância que corresponde ao Cretácico Superior e Paleogénico. Unidade sísmica G3: assenta sobre a discordância/hiato C/Pg e está limitada a topo pelo fundo marinho. Caracteriza-se por apresentar reflexões descontínuas e onduladas. Correlaciona-se com as unidades litostratigráficas 3, 2 e 1, correspondentes a ooze de Nanofósseis e ooze de Foraminíferos datadas, respectivamente, do Miocénico inferior e Pliocénico inferior-Plistocénico. Assim, a discordância/hiato C/Pg marca também a ocorrência de uma profunda mudança litológica registada entre os sedimentos margosos do Cretácico e as oozes do Neogénico, reflectindo a instalação de distintas condições paleoambientais. Refira-se que, não foi identificada na interpretação sismostratigráfica efectuada, qualquer descontinuidade correlacionável com o hiato/discordância entre os sedimentos do Miocénico inferior e Pliocénico inferior, sugerido na sondagem DSDP Site 120 (Ryan et al, 1973). V.2.5. – Domínio Tectonostratigráfico da Planície Abissal da Ferradura Neste trabalho considera-se sob a designação de Domínio Tectonostratigráfico da Planície Abissal da Ferradura (Fig. V.84), a região deprimida que inclui o Vale da Ferradura (Duarte, 2007) e a Planície Abissal da Ferradura (PAF) (Fig. V.83). O Vale da Ferradura situa-se a Oeste da frente de deformação do CCGC, e está compreendido entre as vertentes SW do Planalto de Sagres e NE da Crista Coral Patch (Fig. V.83). A PAF está delimitada pelos Planaltos de Sagres e Marquês de Pombal, Monte submarino Coral Patch e Banco de Gorringe (Fig. V.83). O aspecto mais relevante deste domínio reside na presença de uma grande unidade sísmica de fácies acústica caótica, que se estende por toda esta região, denominada neste trabalho por Corpo Cáotico da Ferradura (CCF). Este é apenas identificável no registo sísmico, pois é desprovido de expressão batimétrica (Fig. V.83), ao contrário do que se verifica com o CCGC, com o qual partilha o mesmo tipo de fácies acústica. O CCF foi interpretado inicialmente como uma evidência de um prisma acrecionário produzido por subducção para Norte da placa Africana sob o Banco de Gorringe (Purdy, 1975), sendo posteriormente considerado como a unidade mais ocidental, de origem gravítica, do “Corpo Caótico Gigante” ou “Olistostroma” identificado no Golfo de Cádis e associado com a Cadeia Bética ou em alternativa, como um espesso olistostroma proveniente dos altos estruturais que rodeiam a PAF (ex. Bonnin et al., 1975; Sartori et al., 1994; Torelli et al., 1997; Maldonado et al., 1999; Gràcia et al., 2003a; Medialdea et al., 2004). A atribuição de idade Tortoniano a este corpo é aceite pela maioria dos autores (ex. Bonnin et al., 1975; Sartori et al., 1994; Torelli et al. 1997; Maldonado et al., 1999), embora Hayes et al. (1972) e González et al. (1996) o considerem pós-Oligocénico superior e Hayward et al. (1999) apontem para uma idade de pós-Eocénico médio.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

V.2.5.1. – Análise de Estratigrafia Sísmica: o Complexo Caótico da Ferradura (CCF)

A análise de Estratigrafia Sísmica efectuada no domínio tectonostratigráfico da Planície Abissal da Ferradura (PAF) recaiu sobre o Complexo Caótico da Ferradura (CCF) e sobre os depósitos que o limitam na base e no topo. Assim, com esta análise pretendeu-se: a) caracterizar a estrutura interna do CCF; b) determinar intervalos de idade para os sedimentos situados na sua base e topo; c) constranger a idade do CCF; d) compreender melhor a sua natureza e significado geodinâmico. V.2.5.1.1. – Geometria interna O CCF surge no registo sísmico como uma grande unidade sísmica de fácies acústica caótica (unidade sísmica CCF), que atinge cerca de 2.0 seg. twt de espessura máxima no Vale da Ferradura e cerca de 1.8 seg. twt na zona central da PAF. Apresenta uma diminuição gradual dos valores desta grandeza em direcção aos relevos adjacentes (Planalto de Sagres, Planalto Marquês de Pombal, Monte submarino e Crista Coral Patch, Banco de Gorringe), onde é biselado no interior das unidades sísmicas que constituem estes relevos (ex. Figs. V.93, V.104). O CCF assenta de modo irregular sobre uma série de reflexões de elevada amplitude, o seu topo está coberto por uma sequência sedimentar que alcança cerca de 0.6 seg. twt e apresenta fácies sísmica transparente ou estratificada, denotando a existência de depósitos turbidíticos e de depósitos pelágicos (Fig. V.112). Embora o CCF tenha sido inicialmente descrito como uma unidade homogénea (ex. Sartori et al., 1994; Torelli et al., 1997; Maldonado et al., 1999; Gràcia et al., 2003a; Medialdea et al., 2004), a interpretação das linhas sísmicas multicanal que cortam a PAF (Fig. V.84) permitiu reconhecer que este corpo encerra uma geometria interna mais complexa. Assim, identifica-se no seio da grande unidade sísmica CCF, próximo do seu topo, uma sub-unidade sísmica de fácies igualmente caótica (sub-unidade sísmica O) limitada na base por uma reflexão irregular de elevada amplitude e boa continuidade lateral (Figs. V.93, V.104). A sub-unidade sísmica O apresenta uma forma em cunha com uma característica terminação em pinch-out no interior da sequência sedimentar presente nas vertentes das várias morfostruturas que rodeam a PAF, sofrendo uma acentuada variação de espessura, desde menos de 0.1seg. TWT (na zona de terminação em pinch-out) até cerca de 0.4 seg. TWT (em direcção à PAF). Surge assim, nas vertentes Sul e Oeste do Planalto de Sagres, Sul do Planalto Marquês de Pombal e Canhão de S. Vicente, Norte do Monte submarino e Crista Coral Patch e Sul do Banco de Gorringe, inter-estratificada no seio das unidades sísmicas MW3’e MW3 atribuídas ao Miocénico superior (Fig. V.93). Atendendo à fácies sísmicas e terminação em pinch-out apresentadas pela sub-unidade sísmica O, esta foi interpretada como um conjunto de olistostromas provenientes dos relevos acima mencionados. Considera-se assim que, pelo menos as partes mais superficiais do CCF poderão corresponder a olistostromas gerados durante o Miocénico superior (provavelmente no Tortoniano) atendendo à idade dos sedimentos nos quais a sub-unidade sísmica O se encontra inter-estratificada (unidade sísmica MW3). Existem igualmente referências à presença de dois corpos olistostrómicos a Norte do Banco de Gorringe e intercalados nos sedimentos da Planície Abissal do Tejo (Sartori et al., 1994; Terrinha, 1998). Identifica-se ainda no seio do CCF a existência de reflexões internas sub-horizontais de elevada amplitude e continuidade lateral variável, que se destacam da envolvente caótica, adquirindo uma inclinação progressivamente maior em direcção ao topo deste corpo (Fig. V.112). Esta geometria

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

apresenta semelhanças com a exibida pelo prisma acrecionário do Golfo de Cádis (unidade sísmica CCGC), o que coloca questões acerca da natureza destas reflexões internas e significado geodinâmico do CCF. Estas reflexões internas do CCF foram interpretadas por Torelli et al. (1997) como níveis de sedimentos pelágicos intercalados no seio da massa olistostrómica, os quais documentariam etapas de sedimentação pelágica durante pausas na deposição de olistrotromas na PAF, em consequência do abrandamento da actividade tectónica e da taxa de levantamento dos altos estruturais que estariam na origem destes depósitos gravíticos. No entanto, esta interpretação não se coaduna com a estruturação interna exibida pelo CCF, nomeadamente o aumento de inclinação destas reflexões em direcção ao topo do CCF nem o seu carácter localizado e a pequena continuidade lateral. Por outro lado, se estas reflexões consistissem em níveis pelágicos como é defendido pelos autores citados, surgiriam no registo sísmico como uma reflexão sub-horizontal, ou conjunto de reflexões sub-horizontais com grande continuidade lateral e configuração estratificada, tal como é típico deste tipo de sedimentação, cobrindo de modo uniforme e com espessura notória o CCF, à escala de toda a PAF e situar-se a níveis semelhantes de profundidade no seio do CCF, testemunhando o sincronismo da deposição. Atendendo às características apresentadas pelas reflexões em causa, é possível propor uma hipótese alternativa, interpretando-as como rampas e patamares associadas a cavalgamentos de baixo ângulo (do tipo pelicular ou thin-skinned), sugerindo a existência de estruturação tectónica do CCF e inviabilizando deste modo, o modelo precedente que o considera como um gigantesco olistostroma (ex. Sartori et al., 1994; Torelli et al. 1997; Maldonado et al., 1999). As implicações geodinâmicas devido à assumpção da existência de rampas de cavalgamento no seio de CCF serão discutidas mais à frente no Capítulo VI deste trabalho. V.2.5.1.2. – Sequência sísmica de cobertura A sequência sísmica de cobertura do CCF surge composta por diferentes unidades sísmicas consoante o local considerado: a) ao longo do Vale da Ferradura (Fig. V.83 e Fig. V.84) desde a vertente SW do Planalto de Sagres e em direcção à vertente NE da Crista Coral Patch, verifica-se que o CCF é selado por unidades sísmicas sucessivamente mais recentes nessa direcção (Fig. V.86). Assim, junto da vertente do Planalto de Sagres, o CCF está coberto por uma sequência sísmica, que atinge cerca de 1.0 seg. TWT de espessura composta pela sucessão das unidades sísmicas MW3’ a MW8 (Fig. V.93), correspondente a depósitos que abarcam um intervalo temporal compreendido entre o Miocénico superior e o Plio-Plistocénico-Holocénico. Em particular, a unidade sísmica MW3’ (Miocénico superior, Messiniano?) experimenta uma diminuição progressiva, mas significativa, da respectiva espessura em direcção à região mais profunda do Vale da Ferradura, selando o CCF de modo irregular e fragmentário (Fig. V.86). Na região central do Vale da Ferradura, a unidade sísmica MW4 (Pliocénico inferior) assume um papel mais preponderante, passando a selar o CCF (Fig. V.86). Esta unidade sofre também uma diminuição da sua espessura, apresentando uma expressão insignificante em direcção à Crista Coral Patch, desaparecendo eventualmente. De frisar que este último caso, poderá ser consequência da baixa resolução das linhas sísmicas utilizadas. A unidade sísmica MW5 (final do Pliocénico inferior a início do Pliocénico superior) experimenta uma diminuição semelhante da sua espessura na mesma direcção. Nas proximidades do sopé da vertente NE da Crista Coral Patch, o CCF está recoberto pela unidade sísmica MW6 do Pliocénico Superior, e residualmente pela unidade sísmica MW5.

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Sobrejacente a estas, ocorre a unidade sísmica MW7+MW8 correspondente a depósitos do final do Pliocénico superior e Plistocénico-Holocénico. De notar que unidade MW7+MW8 não apresenta variação significativa de espessura, sendo esta aproximadamente constante desde a região do Planalto de Sagres até ao sopé da Crista Coral Patch. De referir ainda que, ao longo do Vale da Ferradura constata-se (Fig. V.86) que o topo do CCF parece inclinar suavemente para NE em direcção ao Planalto de Sagres, sugerindo a ocorrência de movimentos de levantamento na região da CCP. Estes aspectos serão discutidos mais à frente no Capítulo VI. b) na Planície Abissal da Ferradura, o CCF está selado por unidades sísmicas cuja idade aumenta para Oeste. Assim, na região oriental da PAF, o CCF está selado pela unidade sísmica MW4 correspondente a depósitos do Pliocénico inferior. A esta unidade sucedem-se as unidades sísmicas MW5 a MW8, correspondentes a depósitos do final do Pliocénico inferior ao Holocénico. Na região ocidental da PAF, o CCF está selado pela unidade sísmica MW3’ (Miocénico superior, Messiniano?), ou pela unidade sísmica MW3 (Miocénico superior, Tortoniano?) próximo do Banco de Gorringe. Regista-se também um aumento progressivo da espessura da sequência de cobertura do CCF na direcção acima referida, passando de cerca 0.8 seg. TWT no sector central da Planície Abissal para aproximadamente 1.1 seg. TWT junto do Banco de Gorringe (Fig. V.112). V.2.5.1.3. – Idade das unidades sísmicas basais

Outro aspecto importante relativamente ao CCF diz respeito à idade dos sedimentos que se situam na sua base, pois a datação destes permitiria definir o limite máximo do seu intervalo de idades. Com base na análise de Estratigrafia Sísmica realizada nos domínios tectonostratigráficos Planalto de Sagres-Planalto Marquês de Pombal-Canhão de S. Vicente, Banco de Gorringe, Monte submarino e Crista Coral Patch e nos dados das sondagens DSDP Site 120 e DSDP Site 135, já expostos neste trabalho, é possível efectuar um enquadramento estratigráfico para os depósitos que constituem a base do CCF. Assim, no Vale da Ferradura, desde o Planalto de Sagres em direcção à Crista Coral Patch (CCP), verifica-se que o CCF assenta sobre depósitos sucessivamente mais antigos, atribuídos ao Miocénico superior (unidade sísmica MW3), Miocénico inferior?-médio (unidade sísmica MW1+MW2) e Paleogénico (unidade sísmica Pg) (Fig. V.86). Desde região oriental da PAF (próximo da CCP) em direcção à região central, observa-se que o CCF repousa directamente sobre sedimentos do Maastrichtiano-Eocénico inferior, atendendo aos dados da sondagem DSDP Site 135. Deste modo, constata-se que a base do CCF não corresponde a uma superfície discreta representada por uma reflexão contínua, mas sim a um limite irregular, por vezes difuso, pois os seus sedimentos basais, de diferentes idades, foram sucessivamente incorporados na massa caótica que compõe este corpo. Assim, fica bem patente o carácter diacrónico da superfície basal do CCF. Considerando que os sedimentos mais antigos que constituem a sua base serão do final do Cretácico Superior-Eocénico inferior e que nas zonas de pinch-out este corpo está selado por sedimentos do final do Miocénico superior (unidade sísmica MW4´, Messiniano provável), tal permite enquadrar cronologicamente a sua génese entre o Eocénico médio-Oligocénico e o Tortoniano. Na região ocidental da PAF, próximo do sopé da vertente SW do Banco de Gorringe, o hiato/discordância C/Pg identificado na sondagem DSDP Site 120 situa-se na base do CCF, em particular nos locais onde este termina um pinch-out (Fig. V.111). Esta relação estratigráfica

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

pressupõe que, pelo menos neste sector, o CCF assenta sobre sedimentos do Cretácico Inferior correlativos da unidade litostratigráfica 4 amostrada na sondagem referida. Assim, a posição estratigráfica e a geometria do CCF na região do Banco de Gorringe, permitem considerar que este se encontra confinado estratigraficamente entre sedimentos do Cretácico Inferior e do Miocénico superior (possivelmente Tortoniano). Este constrangimento estratigráfico coincide com o hiato/discordância registado no topo do Banco de Gorringe, e que engloba o intervalo de tempo compreendido entre o Cretácico Superior e todo o Paleogénico. Assim, sugere-se que a formação do CCF nesta região ter-se-ia iniciado possivelmente durante este período de tempo, em especial durante o Paleogénico, registando-se as fases finais deste processo no Miocénico superior.

COLUNA SISMOSTRATIGRÁFICA DA PLANÍCIE ABISSAL DA FERRADURA

MW3’

MW7+MW8

MW3

MW4-MW6’

MW3’

MW7+MW8

MW4-MW6’

CCF

Sector Ocidental Sector Central

M3

P

P4 MW7-MW8

MW4-MW6’

CCF

Sector Oriental

P4

CCF

P

Figura V.113 - Colunas sismostratigráficas da sequência sísmica de cobertura do CCF

nos sectores Ocidental, Central e Oriental da Planície Abissal da Ferradura. Assim, a interpretação, calibração e correlação sismostratigráficas, efectuadas no presente trabalho, permitiram considerar que o CCF é mais antigo que Tortoniano, idade que geralmente lhe tem sido atribuída por vários autores (ex. Torelli et al., 1997), tendo-se formado num intervalo de tempo compreendido entre o Cretácico Superior (na região ocidental da PAF, próximo do Banco de Gorringe) / Paleogénico (Eocénico médio-superior e Oligocénico, na região central e oriental da PAF) e o Miocénico superior (Tortoniano provável). Esta discrepância de idades aponta para o facto de estarem estarem envolvidos no CCF sedimentos sucessivamente mais antigos em direcção ao Banco de Gorringe. V.2.5.2. – Evidências de deformação pós-CCF O domínio tectonostratigráfico da Planície Abissal da Ferradura apresenta evidências de deformação pós-Tortoniano, expressa pelo facto do CCF e da sua cobertura sedimentar (Pliocénico inferior-Holocénico) estarem afectados por falhas de cavalgamento, o que permite tirar ilações acerca da actividade recente destas estruturas e propor uma datação relativa dos episódios de movimentação. Identifica-se uma série de cavalgamentos com transporte tectónico para NW, na sua maioria correspondentes a falhas cegas (blind-thrust) que cortam e deformam o CCF, dobrando a sua superfície, a cobertura sedimentar plio-holocénica e produzindo em alguns casos elevações no fundo marinho (Fig. V.114). A Falha da Ferradura (FF) destaca-se por ser o acidente mais proeminente presente neste domínio tectonostratigráfico (Fig. V.112). Esta falha é vergente para Oeste, cavalgando o sector oriental da PAF, e deforma o CCF, a sequência de cobertura composta por sedimentos do Pliocénico e

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Plistocénico-Holocénico (unidades sísmicas MW4 a MW8), e o fundo marinho surgindo na batimetria multifeixe como uma escarpa (Fig. V.83). No bloco abatido desta falha verifica-se a existência de uma fina película de sedimentos correspondentes à unidade sísmica MW3’ (Miocénico superior, Messiniano?) a cobrir o CCF. Em direcção a Oeste, a espessura desta unidade aumenta significativamente, atingindo cerca de 0.4 seg TWT próximo do sopé da vertente Sul o Banco de Gorringe (Fig. V.112). Assim, uma vez que a sub-unidade sísmica O, ter-se-ia instalado no Miocénico superior (no Tortoniano e talvez ainda durante o Messiniano), tal permite datar a movimentação mais antiga destas falhas como sendo pelo menos pós-Miocénico superior. A actividade Recente da Falha da Ferradura expressa-se pela concentração de sismicidade nesta zona (Carrilho, 2005). Refira-se ainda que, Terrinha et al. (submetido) e Rosas et al. (submetido) identificaram-se também no domínio tectonostratigráfico da Planície Abissal da Ferradura a presença os lineamentos de orientação WNW-ESE, que se prolongam desde o domínio adjacente do Golfo de Cádis, e que são paralelos à direcção da trajectória da placa Africana (Núbia) em relação à Ibéria.

Figura V. – Linha sísmica VOL16 (A) e interpretação sismostratigráfica (B). (Localização na Fig.V.84).

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V.112 AR-01

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CAPÍTULO V – Interpretação dos Dados

Fig. V.112 AR-01

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