VALADÃO_ANDRADE_2012_Entre os sistemas sociotécnicos e os conjuntos sociotécnicos

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    Entre os Sistemas Sociotcnicos e os Conjuntos Sociotcnicos: Tecnologia Social como Mediao Sociotcnica

    Autoria: Jos de Arimatia Dias Valado, Jackeline Amantino de Andrade

    Resumo

    Este ensaio procura discutir as perspectivas sociotcnicas como base para o desenvolvimento terico em tecnologia social (TS). O argumento central que esse desenvolvimento deve considerar as tramas de relaes, em que tanto os aspectos sociais como tcnicos esto imbricados nas organizaes, evitando as nfases de cada corrente e considerando a mediao sociotcnica como principal unidade de anlise nos estudos em TS. A motivao dessa discusso que a aplicao das abordagens sociotcnicas, sem o equilbrio aparente das mediaes sociotcnicas, parece fazer das TS somente mais uma dentre muitas outras abordagens alternativas, como os prprios estudos na rea tm criticado.

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    1 Introduo A cultura tecnocientfica contempornea evidencia o desafio de analisar relaes entre

    cincia, tecnologia e inovao sob bases no-lineares (Gibbons et al., 1994) a fim de integrar o tcnico e o social de modo amplo e ao mesmo tempo contextualizados na diversidade de suas combinaes nas realidades organizacionais. Em consequncia, este trabalho um ensaio terico que se prope discutir um pouco sobre tecnologia social no mbito das organizaes. Sabe-se que nas organizaes brasileiras o desenvolvimento de tecnologias sociais (TS) tem se intensificado na ltima dcada principalmente a partir de quando foi fundado, em So Paulo, o Instituto de Tecnologia Social (ITS), com a misso de promover a gerao, o desenvolvimento e o aproveitamento de tecnologias voltadas para o interesse social e reunir as condies de mobilizao do conhecimento, a fim de que se atendam as demandas da populao (Santos, 2008, p. 22). E esse desenvolvimento ganha fora em 2005, quando surge a Rede de Tecnologia Social (RTS), uma iniciativa do Ministrio da Cincia e Tecnologia, da Petrobras, da Fundao Banco do Brasil, da Financiadora de Projetos (Finep), do Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), dentre outras organizaes, buscando reunir, organizar, articular e integrar um conjunto de instituies com o propsito de contribuir para a promoo do desenvolvimento sustentvel mediante a difuso e a reaplicao em larga escala de TS (Santos, 2008).

    Muitos autores que discutem TS, todavia, defendem que a estratgia de mudana do atual estilo tecnolgico em direo a alternativas que deem suporte a padres alternativos de sociedade e de desenvolvimento deve estar apoiada em modalidades que proporcionem um reprojetamento do conhecimento cientfico e tecnolgico (Novaes & Dias, 2010, p. 145), questionando os pressupostos de que h uma causalidade linear e sequencial entre desenvolvimento cientfico e tecnolgico, crescimento econmico e bem-estar social (Serafim & Dagnino, 2011).

    Nesse sentido, esses autores propem uma adequao sociotcnica (Novaes & Dias, 2010; Dagnino, Brando & Novaes, 2010), aplicada com critrios suplementares aos tcnico-econmicos usuais e aos processos de produo e circulao de bens e servios, visando a otimizao de benefcios sociais para aqueles envolvidos com essa tecnologia (Dagnino, Brando & Novaes, 2010). Assim, nas discusses nacionais sobre Tecnologia Social (TS), dentre as abordagens destacam-se: a Teoria do Ator-Rede, a Construo Social da Tecnologia e os Sistemas Sociotcnicos como beros tericos para discusses e desenvolvimento terico nessa rea. Entretanto, este ensaio questiona: em que medida essas abordagens sociotcnicas podem embasar as discusses terico-reflexivas e pragmticas sobre TS? At que ponto as tecnologias sociais tm sido efetivamente mobilizadas a partir de mediaes sociotcnicas? E, finalmente, como diferentes campos tericos podem ser articulados a fim de se constituir uma base conceitualmente mais slida para o desenvolvimento de tecnologias sociais?

    O motivo desses questionamentos que desde a dcada de 1960 tm surgido discusses sobre tecnologia que objetivam estabelecer uma oposio ao desenvolvimento de padres tecnolgicos convencionais. Denominadas desde ento de tecnologias democrticas (Mumford, 1964), apropriadas (Akubue, 2000), intermedirias (Grimshaw, 2004), alternativas (Smith, 2003), grassroot innovation (Gupta et al, 2003), inovao social (Martins & Osberg, 2007), dentre outras, enquanto a TS surge no sculo XXI com o fim de suprir as deficincias conceituais das demais. Porm, em nossos questionamentos permanece uma dvida: at que ponto tcnico e social esto devidamente articulados para que a TS seja realmente uma alternativa inovadora na superao de padres tecnolgicos dominantes, no apenas se constituindo em mais um campo terico suplementar? Essas dvidas em relao a pertinncia da conceituao da TS tambm tm ocupado a crtica terica, assim como aqueles diretamente envolvidos com a rea, principalmente quando considerada a incipincia do

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    eixo de incluso social na atual poltica de Estado de Cincia, Tecnologia e Inovao brasileira.

    Para aprofundar tais questionamentos, parece plausvel, inicialmente, entender como os estudos em tecnologia tm sido articulados dentro dessas perspectivas sociotcnicas. Para em seguida evidenciar melhor, tanto sobre os sistemas sociotcnicos desenvolvidos na perspectiva do management a partir dos estudos iniciados no Instituto Tavistock; como sobre a Construo Social da Tecnologia e sua insero nos conjuntos sociotcnicos; bem como a viso sociotcnica desenvolvida por Latour e sua proposio dos hbridos sociotcnicos. Na parte final desse ensaio se tentar, ento, entender a contribuio de cada corrente e se possvel identificar alguma articulao entre esses campos tericos para a efetividade dos estudos em TS.

    2 Tecnologia numa Perspectiva Emergente

    No to fcil desvendar as teorias sobre tecnologia, pois na literatura h muita discordncia sobre o que tecnologia e como ela pode ser estudada (Faulkner, Lawson & Runde, 2010). Ao fazer diversas anlises sobre essas teorias, no entanto, possvel constatar que a viso aristotlica j indicava que para criar qualquer coisa h a necessidade de reunir forma (morphe) e matria (hyle). Esse constitui-se num modelo hilomrfico de criao muito utilizado na histria do pensamento ocidental e que tem sido acrescido cada vez mais viso da tecnologia como processos (pessoas e objetos) (Ingold, 2010), seja sob bases evolucionrias (Aunger, 2010), inter-relacionadas prtica (Orlikowski, 2007; 2010), na formao mtua com o gnero (Wajcman, 2009) e at mesmo enfatizando suas razes prticas ou culturais (Dobres, 2010). Ao mesmo tempo, viso heideggeriana de que a tecnologia mais do que um instrumento, do que uma simples ferramenta, portanto, no sendo equivalente sua essncia (Heidegger, 1977, p. 4) e de que h nela sempre mais do que aquilo que experienciado (Latour, 1994a; Harman, 2009), tm sido acrescidas outras perspectivas, sejam as que tratam da natureza dual da tecnologia, enfatizando simultaneamente aspectos estruturais e funcionais (Kroes, 2010), da tecnologia legitimada por meio de uma racionalidade social (Feenberg, 2009), ou aquelas desenvolvidas pelas diversas perspectivas sociotcnicas como os sistemas sociotcnicos do Instituto Tavistock (Trist, 1981; Emery, 1972); os conjuntos sociotcnicos inerente construo social da tecnologia (Bijker, 1993; Pinch & Bijker, 1987) ou as mediaes sociotcnicas dos adeptos da Teoria do Ator-Rede (Latour, 1994a).

    No que diz respeito aos estudos organizacionais, a tecnologia tem sido discutida sob diversas perspectivas sociotcnicas denominadas como abordagens emergentes (Orlikowski, 2010) e que tm, de certa maneira, difundido a ideia de que a tecnologia resulta da interao contnua das escolhas humanas, aes, histrias sociais e contextos institucionais. Um ponto relevante a considerar nessas perspectivas sociotcnicas que a tecnologia no se limita aos artefatos materiais que so socialmente definidos e produzidos, to pouco, todavia, se prende apenas na relao com as pessoas envolvidas, como usualmente discutido.

    Uma dessas abordagens emergentes a construtivista da tcnica derivada de estudos recentes no campo da sociologia do conhecimento, os quais pretendem demonstrar o carter social do conhecimento cientfico (Benakouche, 1999). Os estudiosos dessa rea detm suas discusses sobre cincia e tecnologia abordando a formao social (Mackenzie & Wajcman, 1985 apud Bijker, 1993) e a construo social da tecnologia (Bijker, Hughes & Pinch, 1987; Bijker, 1993; 1995), argumentando que a "caixa-preta" da tecnologia deve ser aberta atravs de estudos de processos scio-histricos analisando como as tecnologias foram moldadas por mltiplos e muitas vezes concorrentes interesses, interpretaes e identidades de grupos sociais relevantes (Orlikowski, 2010). Desse modo, essa abordagem prope o conceito de

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    conjunto sociotcnico, uma vez que todas as relaes so simultaneamente sociais e tcnicas (Bijker, 1993, p. 124).

    Por sua vez, a mediao sociotcnica proposta por Latour (1994a) tambm se insere nesse campo das abordagens emergentes das posies conceituais, por considerar que no existe um conjunto de histrias paralelas, isto , de um lado a histria da infraestrutura e do outro a histria da superestrutura, mas somente uma histria sociotcnica. Essa perspectiva prope atentar para os hbridos sociotcnicos presentes nos diversos cruzamentos (crossover) entre relaes humanas e no-humanas.

    Por ltimo, mas no mais recente, dentro das abordagens emergentes, destaca-se uma abordagem mais voltada para os estudos em gesto, influenciada por uma srie de diferentes correntes de pensamento que tem como marco inicial a pesquisa realizada pela escola de sistemas sociotcnicos do Instituto Tavistock (Trist, 1981; Emery, 1972). Essa perspectiva argumenta que os aspectos sociais, psicolgicos, ambientais e tecnolgicos devem ser avaliados como um todo, desafiando o foco tecnocntrico do design tradicional de trabalho ao defender a ideia de que elementos sociais e tcnicos formam mutuamente um sistema, devendo, portanto, ser considerados conjuntamente (Orlikowski, 2010). Todo esse percurso terico emergente possibilita ressaltar a importncia das abordagens sociotcnicas, principalmente aquelas advindas da Teoria do Ator-Rede e da Construo Social da Tecnologia (Dagnino, Brando & Novaes, 2010; Novaes & Dias, 2010; Thomas & Fressoli, 2010; Dagnino, 2010; Herrera, 2010; Thomas, 2009; Fonseca, 2009). Destacando-se que elas transcendem uma viso esttica e normativa que caracteriza as abordagens mais tradicionais, chamando ateno para especificidades do desenvolvimento de processos tecnolgicos e defendendo que seja considerado o contexto em que so aplicadas (Dagnino, Brando & Novaes, 2010). Assim, o tpico a seguir se ocupa de aprofundar o entendimento dessas perspectivas sociotcnicas. 3 Abordagens Sociotcnicas 3.1 Sistemas Sociotcnicos

    Primeiramente ser discutida a perspectiva dos sistemas sociotcnicos. Na tradio do pensamento administrativo do incio do sculo XX, os estudos sobre trabalho tratavam de como adaptar seres humanos a funes e tarefas de produo e de organizao. Estudos como os de Frederick Winslow Taylor, Henri Fayol e Henry Ford so clssicos desse perodo. Na dcada 1930, pesquisadores como Elton Mayo e colaboradores, nos estudos de Hawthorne, destacaram o fator humano nas relaes laborais focado numa psicologia individual. Embora estes estudos aparentemente refutassem os pressupostos de um determinismo tecnolgico, posteriormente, ao se incorporar as abordagens estruturais, a exemplo da sociologia industrial, a tecnologia foi considerada varivel independente, mais ou menos autnoma de modo que condies mentais e sociais do trabalho tiveram que seguir estruturas que poderiam ser apenas melhoradas marginalmente em um ou outro caso (Ropohl, 1999).

    Neste contexto, o conceito de sistema sociotcnico foi definido, entre as dcadas de 1940 e 1950, para destacar a inter-relao recproca entre humanos e mquinas a fim de promover um programa que pudesse transformar a tcnica e as condies sociais de trabalho de tal forma que a eficincia e a humanidade pudessem no estar em contradio uma com a outra (Ropohl, 1999). Conforme Mumford (2006), tudo comeou com o desejo de um grupo de terapeutas, pesquisadores e consultores de usar mais amplamente as tcnicas que tinham desenvolvido para auxiliar os soldados feridos na guerra a recuperar sua sade psicolgica e retornar a vida civil. A maioria dos quais tinha sido associada Clnica Tavistock de Londres, e acreditava que as tcnicas teraputicas l desenvolvidas poderiam ser aplicadas na

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    organizao do trabalho industrial. Para eles, haviam condies degradantes nas quais funcionrios subalternos eram forados a passar os seus dias realizando tarefas simples e de rotina sem nenhuma possibilidade de desenvolvimento pessoal ou satisfao no trabalho.

    Assim, o InstitutoTavistock de Relaes Humanas foi fundado em 1946, na cidade de Londres, com auxlio da Fundao Rockefeller, reunindo as cincias psicolgica e social em benefcio da sociedade, sendo em 1948, separado da Clnica Tavistock (Trist & Murray, 1993 apud Mumford, 2006).

    No contexto do Instituto Tavistock, Trist e equipe e, posteriormente, Emery, definiram a abordagem sociotcnica, tambm denominada teoria dos sistemas sociotcnicos (Andrade, 2010, p. 441). Este pioneiros acreditavam que seus projetos de pesquisa no deviam ser apenas tentativas de aumentar o conhecimento, mas tambm de contemplar a melhoria de situaes de trabalho que, at ento, eram insatisfatrias em termos humanos (Mumford, 2006), entendendo que a tecnologia no poderia ser o fator de controle quando novos sistemas de trabalho fossem implementados.

    Trist (1981) relata que o conceito sociotcnico cresceu em conjuno com o primeiro de muitos campos de projetos empreendidos pelo Instituto Tavistock na indstria britnica de minerao e carvo. Em um cenrio de ps-guerra e de reconstruo da indstria, o Instituto possua dois projetos de pesquisa. Um dos projetos estava preocupado com relaes grupais em todos os nveis, incluindo as interfaces entre trabalho e gesto na organizao, o outro, focava difuses de novas prticas de trabalho e arranjos nos quais no se requeriam gastos excessivos de capitais ao mesmo tempo em que possibilitavam o aumento da produtividade. O primeiro constitui-se numa das primeiras experincias de aplicao das ideias socioclnicas de grupos em configuraes industriais; o segundo levou a se considerar tanto fatores tcnicos como sociais em pesquisas sobre o processo de trabalho nas organizaes industriais.

    De modo geral, as pesquisas desenvolvidas por esse grupo deixou claro que: Nem todos os sistemas sociais so sociotcnicos [...]. H uma distino entre as instituies operativas e as regulativas, sendo o termo sociotcnico restrito para as primeiras. As organizaes regulativas esto preocupadas diretamente com os fins psicossociais de seus membros e tentam incutir, manter ou mudar as normas e os valores culturais, bem como o poder e a posio dos grupos de interesse ou a prpria estrutura social. Muitas organizaes assim empregam tecnologias como meios coadjuvantes e tem sistemas instrumentais secundrios dos quais so sociotcnicos. Em contraste, organizaes das quais so primariamente sociotcnicas, seus resultados esto diretamente dependentes de seus meios materiais e seus recursos. Suas principais interfaces consistem nas relaes entre um sistema no-humano e um sistema humano (Trist, 1981, p. 12, traduo nossa).

    Com isso, os sistemas sociotcnicos representaram transformaes importantes nos

    designs organizacionais, mostrando outras possibilidades de configuraes sem serem aquelas definidas pelos princpios tayloristas e burocrticos. As novas escolhas proporcionadas pelos modelos dos sistemas sociotcnicos representaram uma descontinuidade desses modos convencionais, como possibilidades de no mais obedecer aos imperativos tecnolgicos, podendo obter resultados positivos tanto econmicos como humanos (Trist, 1981).

    Para Appelbaum (1997) os sistemas sociotcnicos so baseados na premissa de que uma organizao ou uma unidade de trabalho uma combinao de partes sociais e tcnicas de maneira aberta ao seu ambiente. Os elementos sociais e tcnicos devem trabalhar juntos para realizao de tarefas e os sistemas de trabalho devem produzir tanto produtos fsicos como resultados sociais. A questo-chave a concepo de trabalho para que as duas partes (tcnico e social) produzam resultados positivos em um processo de otimizao conjunta, contrastando

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    com os mtodos tradicionais, que, muitas vezes, levam a baixos desempenhos com altos custos sociais.

    Nessa relao, contudo, tambm necessrio fazer uma ressalva. Apesar de Andrade (2010, p. 448) entender que os sistemas sociotcnicos querem tender assimetricamente para o social na descrio de seu modelo, o entendimento aqui contrrio, pois

    O modelo de realizao dos sistemas sociotcnicos acaba por ser o modelo bsico de desenvolvimento tcnico. Em uma primeira etapa, o desenvolvimento tcnico significa a criao de um nmero sempre crescente de novos objetos tcnicos. Em uma segunda etapa, no entanto, temos que ter em mente que sistemas de objetos representam funes de ao e so introduzidos nas aes de relaes humanas. O desenvolvimento tcnico significa, de fato, a formao de novos sistemas sociotcnicos (Ropohl, 1999, p. 68, grifo e traduo nossa).

    Assim, os sistemas sociotcnicos ressaltam o tcnico na medida em que foram projetados para lidar com os problemas prticos e tericos das condies de trabalho na indstria e para descrever e explicar a tecnologia de modo geral (Ropohl, 1999), ou para us-la na melhoria das condies de trabalho (Mumford, 2006). Do mesmo modo, os sistemas sociotcnicos, para explicar o comportamento dos membros da empresa, derivado da funo do sistema como quadro de referncia para ordenao dos fatos (Emery, 1972), sendo enfatizado o tcnico ao focar nas difuses de novas prticas de trabalho, arranjos e desenhos organizacionais (Trist, 1981). Nesse sentido, os sistemas sociotcnicos uma perspectiva em que socioTCNICO parece desalinhada, dando nfase s questes tcnicas, em prejuzo da inter-relao com o todo que compe simultaneamente o tcnico e o social nas organizaes.

    3.2 Adequao Sociotcnica De maneira didtica, possvel dizer que as discusses sobre adequao sociotcnica tm sido intensificadas nas duas ltimas dcadas e influenciadas pela viso construtivista surgida no mbito da nova sociologia da cincia. Para Novaes e Dias (2010), ao privilegiar a anlise de processos que ocorrem em nvel micro a partir de categorias e ferramentas analticas tpicas dos estudos de caso, essa perspectiva foi responsvel pela conformao de um novo campo de estudos sobre a tecnologia, designada como sociologia da tecnologia ou sociologia da inovao. Por certo Berger e Luckman (2009), ao cunharem a ideia de construo social da realidade, influenciaram essa corrente. Para estes autores, os indivduos, ao fazerem uso da linguagem, transitam por entre realidades cotidianas articulando-as social e historicamente. Nelas buscam por aquilo que recorrente, isto , significaes compartilhadas, que, bem sucedidas, so tomadas como certas (take-for-granted), e transformam-se em regularidades e rotinas institucionalizadas. No entanto, face aos seus anseios, seja individual ou coletivo, os indivduos podem as transformar, modificar, alterar por meio da capacidade intersubjetiva para ressignific-las, tendo, assim, implcito a possibilidade de um fazer de outro modo face s suas perspectivas (Giddens, 1981). Entretanto, conforme Bijker (2010), possvel ir alm dessa discusso. Para Bijker, os estudos sobre a construo social da tecnologia se desenvolveu a partir da combinao de trs corpos tericos distintos: do movimento da cincia-tecnologia-sociedade (STS), da sociologia do conhecimento cientfico e da histria da tecnologia, e influenciados pela perspectiva de Berger e Luckmann. A primeira comeou na dcada de 1970, principalmente na Holanda, Escandinvia, Reino Unido e nos EUA. Seu objetivo era enriquecer o currculo de ambas as universidades e escolas secundrias, estudando questes como a responsabilidade dos cientistas sociais, os riscos da energia nuclear, a proliferao de armas nucleares e poluio ambiental. A sociologia do conhecimento cientfico (SCC) surgiu no final de 1970, no Reino

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    Unido, baseada no trabalho da sociologia do conhecimento, filosofia da cincia e da sociologia da cincia. J a histria da tecnologia, se desenvolveu especialmente nos EUA, com um nmero crescente de estudiosos que comearam a levantar questes mais tericas e sociologicamente inspiradoras. A construo do conceito de adequao sociotcnica assim, a partir das ideias construcionistas da tecnologia, foi desenvolvida por meio dessas trs abordagens distintas, mas teoricamente interligadas, baseada nos conceitos de sistemas tecnolgicos, de Thomas Hughes, de ator-rede, associada a Michael Callon, Bruno Latour e John Law e de construtivismo social da tecnologia, dos socilogos da tecnologia Wiebe Bijker e Trevor Pinch. Coerentemente, todas se negam a identificar relaes de causalidade monodirecionais entre o social e o tecnolgico, buscando uma alternativa ao que consideram a tenso paralisante entre o determinismo tecnolgico e o determinismo social, incapazes de dar conta da complexidade da mudana tecnolgica. Seu argumento central o de que a tecnologia socialmente construda por grupos sociais relevantes no mbito do tecido sem costuras da sociedade (Mackay & Gillespie, 1992; Willians & Edge, 1996; Novaes & Dias, 2010; Dagnino, Brando & Novaes, 2010). No entendimento de Dagnino (2010), a proposta da adequao sociotcnica (AST) busca transcender a viso esttica e normativa, de produto j idealizado e introduzir a ideia de que a tecnocincia em si um processo de construo social e, portanto, poltico. Para ele, esse processo deve ser operacionalizado contextualmente, sendo que sua cena final depende do contexto e da interao realizada entre os atores envolvidos. Nesse sentido,

    [a] AST pode ser entendida como um processo que busca promover uma adequao do conhecimento cientfico e tecnolgico (esteja ela j incorporada em equipamentos, insumos e formas de organizao da produo, ou ainda sob a forma intangvel e mesmo tcita), no apenas aos requisitos e finalidades de carter tcnico-econmico, como at agora tem sido o usual, mas ao conjunto de aspectos de natureza scio-econmica e ambiental que constituem a relao Cincia, Tecnologia e Sociedade. No contexto da preocupao com os empreendimentos solidrios, a AST teria ento por objetivo adequar a tecnologia convencional da empresa capitalista (e, inclusive, conceber alternativas) aplicando critrios suplementares aos tcnico-econmicos usuais a processos de produo e circulao de bens e servios em circuitos no formais, situados em reas rurais e urbanas visando a otimizar suas implicaes (Dagnino, s/d, p. 25-26).

    Assim, para essa corrente todas as relaes so sociais e tcnicas medida que o

    tcnico socialmente construdo e o social tecnicamente construdo. O conjunto se forma tanto pelo tcnico como pelo social, ou seja, o sociotcnico no meramente uma combinao ntima de fatores sociais e tcnicos. Ele a prpria unidade de anlise dos estudos construtivistas da tecnologia (Bijker, 1993).

    Um ponto que merece ressalva, contudo, a sua ambivalncia entre o social e o tcnico, pois no obstante definir qualquer tecnologia como social, incorporado artefatos materiais, tem um enfoque mais voltado ao comportamento humano (Derksen & Beaulieu, 2010). Dessa forma, [a]pesar dos esforos feitos esta abordagem no conseguiu deixar de fazer a distino entre o que tecnolgico e o que social (Benakouche, 1999, p. 16), fazendo preponderar os contedos mais propriamente sociais, no superando tambm o problema da tenso entre a rigidez das estruturas sociais e a flexibilidade das prticas individuais (Benakouche, 1999, p. 14). Ao relacionar o projeto do artefato aos vrios grupos sociais nele envolvidos e a influncia do ambiente social, a adequao sociotcnica acaba por privilegiar muito mais o lado social na anlise dos conjuntos sociotcnicos. Haveria, assim,

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    um desequilbrio e o SOCIOtcnico estaria em desconformidade a uma perspectiva realmente inter-relacionada entre o tcnico e o social.

    3.3 Hbridos Sociotcnicos

    Os hbridos sociotcnicos, como a terceira perspectiva aqui apresentada, foi proposta inicialmente por Bruno Latour. No entanto, como ele mesmo salienta, s que hoje eu no utilizaria mais o termo hbrido, pois, a rigor, s h hbridos, em toda parte (Latour, 2004, p. 406), preferindo, assim, utilizar o termo matters of concern (Latour, 2004, p. 397). A ideia de hbrido parte do pressuposto de que agentes, podem ser humanos ou no-humanos, cada um tem seus objetivos (Latour, 1994b, p. 33, traduo nossa). Como trabalha com agncias humanas e no-humanas, Latour prefere denominar o agente de actant, por representar, de fato, a composio entre agentes (um homem e uma arma, na execuo de um crime; ou um homem e uma arma em uma atividade esportiva, por exemplo).

    Sua posio contrria a todo pensamento dualista, por isso prope em seus trabalhos uma abordagem, at certo ponto, pragmtica que no seja centrada nem s no tcnico, nem s no social, mas capaz de respeitar a dinmica no hierrquica e no linear de suas relaes (Freire, 2006, p. 50). Em suas palavras, [a]gora que os no-humanos j no se confundem com objetos, talvez seja possvel imaginar um coletivo no qual os humanos estejam mesclados com eles (Latour, 2001, p. 201). Desse modo, a histria humana e da sociedade seria permeada pela interpenetrao sequencial de hbridos tcnicos e sociais, um cruzamento (crossover) entre estados de relaes sociais e no-humanas, conforme expresso na Figura 1 a seguir, revelando como o sociotcnico se expressa em trocas no intercambiadas ao acaso medida que o que se aprendeu de no-humanos e se transferiu para a esfera social e o que se ensaiou na esfera social e se reexportou para os no-humanos [...] possuem uma histria. (Latour, 2001, p. 243).

    Figura 1 Sucessivos Significados de Mediao Sociotcnica. Fonte: Adaptado de Latour (1994b, 2001).

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    Para Latour (2001, p. 219), se o adjetivo tcnico torna-se relevante no entendimento

    dos hbridos sociotcnicos, significa que as tcnicas no existem como tais e que nada h passvel de ser definido, filosfica ou sociologicamente, como um objeto, um artefato ou um produto da tecnologia, ao mesmo tempo em que, o substantivo tcnica, ou o seu lado ainda mais desvirtuoso, tecnologia, precisa ser usado para separar os humanos dos mltiplos conjuntos com os quais combinam. Ao contrrio, no entanto, humanos e no-humanos devem ser examinados com os mesmos mtodos e estratgias dos quais englobam corpos, materiais, discursos, tcnicas, sentimentos, leis, organizaes (Callon & Latour, 1981, p. 284). Do mesmo modo, ao olhar o social na hibridao sociotcnica, deve-se entender suas razes etimolgicas e considerar o socio somente na perspectiva de unir, associar, fazer ou ter em comum (Strum & Latour, 1987, p.793), portanto, no direcionando a ateno para o social, mas sim, em direo aos processos nos quais a atuao de humanos e no-humanos compreendida por meio da simetria generalizada (Callon, 1986; Callon & Latour, 1981; Latour, 1994a), e estes processos podem levar

    [...] a algumas associaes que so s vezes chamadas de "social" (associaes de corpos). E algumas outras vezes so chamadas de "tcnica" (associaes de materiais). No precisamos nos preocupar mais com essas associaes a no ser pelas diferenas entre o que pode ser colocado em caixas-pretas e o que permanecer aberto para futuras negociaes (Callon & Latour, 1981, p. 285-286, traduo nossa).

    O olhar deve estar voltado para a mediao ao considerar o social e o tcnico de forma [...] que no seja nem uma causa completa nem uma completa consequncia, nem inteiramente um meio nem inteiramente um fim (Latour, 2001, 178). Ou seja, os eventos e actantes no podem ser determinados unicamente pelos seus fins, mas atravs de processos de translao ao possibilitar a criao de [...] um link que no existia antes, e que, em certa medida, modifica os dois elementos ou agentes [humano e no-humano] envolvidos na relao (Latour, 1994b, p. 32).

    Nesse sentido, Latour (2001, p. 106-107) compreende que a operao de translao consiste em combinar dois interesses at ento diferentes [...] num nico objetivo composto medida que o que importa nessa operao de translao no unicamente a fuso de interesses que ela enseja, mas a criao de uma nova mistura; uma mistura sociotcnica. Na translao, as questes sociais se transformam em questes tcnicas e vice-versa, mobilizando agentes humanos e no-humanos, uma vez que as mediaes possibilitam este processo (seja por composio, delegao, traduo, ou outra forma), e cadeias de translaes possibilitam o trabalho graas aos quais os atores [actantes] modificam, deslocam e transladam seus vrios e contraditrios interesses (Latour, 2001, p. 356). Desse modo, na perspectiva latourniana haveria aparentemente um equilbrio SOCIOTCNICO, necessrio a uma perspectiva integrada entre o tcnico e o social.

    4 Tecnologia Social Como discutido inicialmente, no bojo dessas discusses sociotcnicas a tecnologia social (TS) surge como um novo conceito para superar o determinismo tecnolgico e, por meio da integrao entre o social e o tcnico, criar condies de uma nova perspectiva que realmente integre as questes tcnicas e sociais para anlises da tecnologia nas sociedades. De maneira mais especfica, para Thomas e Fressoli (2010), as TS esto ligadas gerao de habilidades de resoluo de problemas em vez de resolver dficits especficos. A proposta da TS para esses autores superar as limitaes das concepes lineares em termos

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    de transferncia e difuso atravs de uma integrao dinmica dos sistemas sociotcnicos e processos de ressignificao tecnolgica. Eles apontam para a gerao dinmica de produo local, transformao e inovao tecnolgica, sociotecnicamente adequados. Para Thomas (2009), desde meados da dcada de 1960, comeou a proliferar a produo de tecnologias denominadas apropriadas, intermdias, alternativas ou, mais recentemente, inovaes sociais, grassroots. O objetivo explcito dessas tecnologias tem sido responder problemtica de desenvolvimento comunitrio, de gerao de servios e de alternativas tecnoprodutivas em cenrios socioeconmicos caracterizados por situaes de extrema pobreza. Essas tecnologias, designadas apropriadas para as diversas realidades em que eram implantadas, j havia sido propostas muito antes que isso.

    As Tecnologias Apropriadas representaram o sonho e a utopia de muitas sociedades humanas a mais ilustrativa delas a ndia de Ghandi, fim do sculo XIX, meados do sculo XX que influenciaram vrios autores, tericos, experincias governamentais e diversas polticas desenvolvimentistas, todas perseguindo o objetivo de evitar o uso intensivo de capital e a excluso massiva de mo de obra, fugindo ao modo das tecnologias de grande escala repassadas dos pases desenvolvidos aos emergentes, enfatizando o desenvolvimento de tecnologias adaptadas s culturas e s vocaes regionais, dos territrios, e ao meio ambiente (Albuquerque, 2009, p. 16).

    Sarovaya Gandhi, em 1909, conforme dito por Herrera (2010), j defendia uma poltica cientfica e tecnolgica que realmente garantisse desenvolvimento e bem estar para as pessoas. Suas ideias envolviam a atualizao de tcnicas locais, a adaptao da tecnologia moderna e das condies ambientais da ndia ao incentivo pesquisa cientfica e tecnolgica para resolver problemas relevantes e com resolues imediatas. Assim, conforme Dagnino, Brando e Novaes (2010), na doutrina social de Gandhi, o conceito de tecnologia apropriada j estava claramente definido, apesar dele nunca ter usado esse termo. A seguir, a figura 2 apresenta uma sntese das conceituaes mais relevantes sobre tecnologias sociais e suas derivaes conceituais a partir da dcada de 1960.

    Conceitos

    Fase Principal

    Alguns autores

    Contedo abordado

    Tecnologias democrticas

    Dcada de

    1960

    L. Mumford

    Denuncia os riscos polticos de produo em escala. Prope o desenvolvimento de tecnologias democrticas caracterizadas pela produo em pequena escala, com base na habilidade humana, na energia animal ou pequenas mquinas sob direo comunitria.

    Tecnologias apropriadas

    (fase I)

    Dcada de

    1960

    N. Jecquier

    Os primeiros enfoques tericos sobre tecnologias apropriadas enfatizavam a necessidade de produzir tecnologias em pequenas escalas, uso de tecnologias maduras, baixa complexidade, baixo custo, escasso consumo energtico e mo-de-obra intensiva. Na prtica, muitas implementaes resultaram em experincias paternalistas, orientadas para resoluo de problemas pontuais.

    Tecnologias

    intermedirias

    Dcada de

    1960

    H. Pack, K.

    Riskin

    Tecnologias orientadas para resoluo de problemas locais, sem requerimentos tcnicos, cognitivos ou econmicos intensivos, que utilizam matria-prima e recursos humanos disponveis. Baseiam-se em tecnologias maduras e trata-se de tecnologias de mo-de-obra intensiva.

    Tecnologias apropriadas

    (fase II)

    Dcada de

    1970

    P.

    Bourrieres, K. Reedy, A.

    A complexidade conceitual de tecnologia apropriada eficiente tentou determinar tecnologia apropriada tanto para pases desenvolvidos quanto para pases em desenvolvimento, assim como para pequenas

  • 11

    Robinson comunidades e empresas. So incorporados ferramentas de anlise e critrios de planificao, projetos, implementao e avaliao.

    Crticas s tecnologias apropriadas

    Dcada de

    1980

    W. Rybczynski, A. Ahmad

    Entende que a implementao de tecnologias intermedirias e apropriadas, sem prvio questionamento da racionalidade tecnolgica ocidental dominante, acarreta uma concepo neutra e, portanto, determinista, da tecnologia como meio de mudana social.

    Tecnologias alternativas

    Dcada de

    1990

    R. Dickson

    Objetiva sair do problema conceitual das tecnologias apropriadas e instrumentalizar tecnologias alternativas: mquinas, tcnicas, instrumentos necessrios para refletir e manter as formas de produo social no opressoras e no manipuladoras; e uma relao no exploratria com o meio ambiente natural.

    Grassroot innovation

    Dcada de

    2000

    A. Gupta, R. Sinha, R.

    Koradia, R. Patel

    J conhecida na ndia h mais de 20 anos, foi concebido como um projeto orientado a pesquisa para resgatar os conhecimentos tecnolgicos dos setores vulnerveis da sociedade. Premissa de recuperar a capacidade de inovao dos setores marginalizados da sociedade.

    Social

    innovation

    Dcada de

    2000

    L. Martins, S. Osberg

    Fundamentalmente orientada ao desenvolvimento e difuso de tecnologias organizacionais, destinadas a favorecer a mudana social, mediante a satisfao de grupos sociais desfavorecidos. Diferente da inovao convencional, que se concentra em objetivos econmicos e orientados ao aumento do lucro, a inovao social preocupa-se em alcanar metas sociais, culturais e polticas.

    Base da pirmide

    Dcada de

    2000

    C. K.

    Prahalad

    Orientada ao desenvolvimento de inovaes destinadas ao mercado de populao pobre, que respondam a suas verdadeiras necessidades. Tal proposta critica os enfoques tradicionais assistencialistas e prope o setor privado como motor do alvio da pobreza.

    Tecnologia

    social

    Dcada de

    2000

    R. Dagnino, F. Brando, H. Novaes

    A tecnologia social compreende produtos, tcnicas e/ou metodologias reaplicveis desenvolvidas em interao com a comunidade e que reapresentam efetivas solues de transformao social. Apesar do conceito reaplicao constituir uma contribuio significativa, a conceituao de tecnologia social adotada supe amplas margens de ambiguidade.

    Figura 2 Discusses sobre Tecnologias Alternativas. Fonte: Elaborado pelos autores baseado em Thomas (2009).

    Nessas diversas conceituaes explicitam-se crticas aos padres lineares e convencionais de desenvolvimento cientfico e tecnolgico, evidenciando a necessidade de se considerar novas possibilidades do desenvolvimento sob as bases da tecnocincia. Neste sentido, Neder e Thomas (2010) propem que as discusses sociotcnicas so fundamentais para se alcanar resultados exitosos. Entretanto, resta saber como relacionar nos estudos em TS as diferentes correntes sociotcnicas de modo que os pressupostos de inter-relao entre tcnico e social sejam amplamente considerados. Como analisado anteriormente, a proposta dos sistemas sociotcnicos se vincula propriamente ao contexto das organizaes industriais e evidencia um predomnio tcnico; por outro lado, as proposies de adequao sociotcnica levariam aos conjuntos sociotcnicos tenderem muito mais ao social sem transpor as tenses entre tcnico e social a fim de superar seus determinismos e dar conta das anlises de mudanas tecnolgicas e sociais. Assim, destacam-se aqui as mediaes sociotcnicas como abordagem que possibilita a anlise integrada do tcnico e social.

  • 12

    4.1 Tecnologia Social como Mediao Sociotcnica As vrias discusses que conduziram abordagem da TS evidenciam divergncias conceituais, oposies paradigmticas e perspectivas diversas, o que prejudicou a consolidao de uma proposio slida e coerente no seu todo. Sua justificativa de que os estudos sociotcnicos constituem-se numa boa alternativa para discutir tecnologia no foi capaz de superar divergncias que esbarram nas especificidades tericas de cada corrente, limitando seu avano e dificultando a realizao de estudos empricos. Como anteriormente salientado, cada corrente acaba por dar um realce especfico seja ao tcnico, seja ao social, no possibilitando sua anlise conjunta na constituio da TS. Entretanto, tanto o social, quanto o tcnico, devem estar igualmente imbricados, constituindo um hbrido por si s. Esse pensamento reafirma, como aquilo j discutido a partir de Latour (2001, p. 240), de que at no nvel mais primitivo de significado as formas de organizao [social] revelam-se inseparveis dos gestos tcnicos. Aqui no se descarta a contribuio de cada corrente com sua nfase, porm se busca por uma mediao ao se considerar os processos de desenvolvimento da Tecnologia Social de forma que os hbridos sociotcnicos possam se constituir num ponto para equilibrar tais nfases e acentuar a relao sociotcnica, tomando-a como unidade de anlise da TS e de suas representaes. Assim, ao considerar os hbridos sociotcnicos, a acentuao da nfase no tcnico da abordagem dos sistemas sociotcnicos, bem como a nfase no social, da perspectiva dos conjuntos sociotcnicos podem ser melhores equilibradas se o foco passa a ser nas relaes. Isso implica numa nova perspectiva sociotcnica, agora mediada, permitindo novas possibilidades na anlise de processos, seja com evidncias sociais ou tcnicas. A figura 3 ilustra como essas abordagens podem ser equilibradas.

    Figura 3 Mediao Sociotcnica na Constituio de Tecnologia Social. Fonte: Elaborado pelos autores.

    Essa nova relao permite, como destaca Thomas (2009), dar ateno ao desenvolvimento de projetos em TS, considerando o fato de que a sociedade tecnologicamente construda da mesma forma como a tecnologia socialmente conformada. No entendimento de Bijker (1995) isso se evidencia tanto na configurao material quanto no prprio funcionamento de um componente quando se constroem como derivao contingente de disputas, presses, resistncias, negociaes e convergncias ao conformar a fuso heterognea entre atores, conhecimentos e componentes materiais. Desse modo, no possvel considerar os componentes e os sistemas como meros derivados da evoluo tecnolgica (determinismo tecnolgico) ou simples consequncias das mudanas econmicas, polticas ou culturais (determinismo social), mas como resultados da dinmica de processos de constituio de fuses sociotcnicas (Bijker, 1995).

  • 13

    Benakouche (1999, p. 22-23) afirma, a partir de anlise prxima a esta aqui proposta, que tecnologia sociedade. Para a autora o que importa desmistificar a falsa autonomia da tcnica, rejeitar a noo de impacto tecnolgico e reconhecer, sobretudo, a trama de relaes - culturais, sociais, econmicas, polticas [...] que envolve sua produo, difuso e uso. A mediao sociotcnica se apresenta, assim, relevante nos estudos de TS, pois o que precisa estar claro que pretender abrir a caixa preta da tcnica, implica, necessariamente, em ter de abrir tambm a caixa preta da sociedade (Benakouche, 1999, p. 24).

    Como ressaltado, todas as abordagens propem a no dualidade entre o tcnico e o social. A nfase, contudo, advinda de concepes filosficas, sociolgicas e metodolgicas diversas demandam por uma conversaoi mais prxima que auxilie na conceituao e anlise da TS. Ao tentar abandonar a dicotomia entre a sociedade e as tcnicas, possvel lidar com maior clareza com o tecido sem costura em que todos esto inseridos, indiferente do ambiente organizacional. Assim com esse equilbrio, talvez, seja possvel retornar aos ambientes organizacionais sem se ocupar das pressuposies dos sujeitos e agentes em suas estruturas, ou com suas tecnologias em tentarem conformar as organizaes. Melhor, talvez, seja considerar, de maneira simtrica, os padres dos actantes, em que no prprio radical j explicita o sentido da aoii que possibilita transladar diversos programas de ao, gerando expectativas de que existem possibilidades de mudanas em novas direes, como as que se esperam das TS.

    5 Consideraes Finais Como discutido, uma das crticas presentes nas discusses que remetem a TS a limitao das abordagens alternativas anteriores sobre tecnologia, principalmente ao desconsiderar as implicaes dos aspectos sociais e tcnicos de maneira conjunta. Os mesmos equvocos, contudo, podem continuar a se repetir, se no considerar o imbricamento que formam e conformam as tecnologias nas organizaes. A aplicao das abordagens sociotcnicas, sem o equilbrio aparente das mediaes sociotcnicas, parece fazer das TS uma resultante das perspectivas de tecnologias alternativas, sem redirecionar, todavia, os pressupostos que sustentam os estudos de tecnologias nos ambientes organizacionais. Mas como se d esse imbricamento empiricamente? Se for vlido dar sequncia nas discusses desse ensaio, talvez essa seja uma pergunta relevante a ser respondida. E no s, mas tambm no campo terico outros questionamentos precisam ser discutidos: qual o espao efetivo dos materiais nessa relao entre social e tcnico? Ou seja, at que ponto possvel discutir sociotecnicamente tecnologia e considerar, efetivamente, a materialidade que compe e ajudam a compor as organizaes? Como visto, talvez pela lgica da hibridez seja um bom caminho. Mas parece ser s o incio de um longo caminho que os estudos em TS precisam percorrer para dar conta de acompanhar as associaes sociotcnicas que tm sido transladadas continuamente nas organizaes, ditas, sociais. 6 Referncias Akubue, A. (2000). Appropriate technology for socioeconomic development in third world countries.Ejournals, winter-spring. Disponvel em http://scholar.lib.vt.edu/ejournals/JOTS/Winter-Spring-2000/pdf/akabue.pd acesso em 22 de julho de 2011. Albuquerque, L. C. (2009). Tecnologias Sociais ou Tecnologias Apropriadas? O Resgate de um Termo. In: OTTERLOO, A. (Org.). Tecnologias Sociais: Caminhos para a sustentabilidade. Braslia: Rede de Tecnologia Social. pp. 15-24. Andrade, J. A. (2010, Jan-Abr). Organon e as redes: uma reflexo sobre produes sociotnicas. Revista Gesto e Sociedade. v. 4, n. 7. pp. 435-457.

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