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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Valéria Rossi Rodrigues da Silva A EVOLUÇÃO DO CONCEITO SUSTENTABILIDADE E A REPERCUSSÃO NA MÍDIA IMPRESSA DO PAÍS MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA São Paulo 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Valéria Rossi Rodrigues da Silva

A EVOLUÇÃO DO CONCEITO SUSTENTABILIDADE E A

REPERCUSSÃO NA MÍDIA IMPRESSA DO PAÍS

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

São Paulo

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Valéria Rossi Rodrigues da Silva

A EVOLUÇÃO DO CONCEITO SUSTENTABILIDADE E A

REPERCUSSÃO NA MÍDIA IMPRESSA DO PAÍS

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

como exigência parcial para obtenção do título

de MESTRE em Comunicação e Semiótica na

área de concentração Cultura e Ambientes

Midiáticos pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo.

Orientador: Prof. Doutor José Amálio de

Branco Pinheiro.

São Paulo

2012

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BANCA EXAMINADORA

________________________________________

________________________________________

________________________________________

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Para meus pais (Dirce e Antônio), que

sempre incentivaram a busca do

conhecimento.

Para João Luiz, Victoria e Matheus, meus

amores!

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof. Dr. Amálio Pinheiro, por acreditar e compartilhar comigo sua

experiência. Por conceder orientação e apoio necessário durante os últimos dois anos e meio.

À Prof. Dra. Clotilde Perez, fonte de inspiração, pelo incentivo desde o inicio da jornada e

pelas contribuições na qualificação.

Ao Prof. Dr. Rogério da Costa, sempre disposto a acrescentar e discutir diferentes pontos de

vista.

Aos professores: Norval Baitello, Lucia Santaella e Oscar Cesarotto.

À Cida Bueno, secretária do COS, pela ajuda durante todo o processo.

À minha família, pelo apoio recebido e paciência pelos momentos de ausência: meus filhos

(Victoria e Matheus); meu marido (João Luiz), meus pais (Dirce e Antônio), meu irmão e

cunhada (Evandro e Marta).

Às amigas: Claudia Esposito, Marcela Cintra, Maria Célia Luque, Maria Collier de

Mendonça, Maria Luiza Acedo, Silvia Vampré.

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RESUMO

Esta pesquisa investiga o surgimento do conceito de sustentabilidade ambiental e como esse

tema vem sendo tratado pela mídia brasileira ao longo dos anos. A dissertação pretende

trabalhar com a análise do tema sob o ponto de vista de duas abordagens: jornalística e

publicitária. Este trabalho teve início através de um levantamento histórico do tema

sustentabilidade ambiental, desde sua origem até o estágio de discussão atual, estabelecendo

como marca limite o evento Rio +20, que ocorreu no Rio de Janeiro em junho de 2012. A

linha do tempo foi construída com base nos diversos eventos e fóruns que ocorrem

mundialmente desde o ano de 1987, a partir da elaboração do Relatório Brundtland, tido

como um importante documento na origem das discussões sobre meio ambiente. A

fundamentação teórica que acompanha nossa dissertação está baseada no conceito de Mass

Communication de Harold Lasswell, passando pelos estudos de psicologia das massas de Le

Bon e Sigmund Freud. As teorias da comunicação servem como suporte para o entendimento

das estratégias de propaganda utilizadas pelos meios jornalísticos e empresas públicas e

privadas ao longo dos anos na mídia de massa. A investigação da comunicação, seja

jornalística ou publicitária, foi feita a partir da compreensão dos discursos utilizados. Para esta

análise, nos apoiamos na visão crítica de Marilena Chaui quando aborda o Discurso

Competente e suas características. A perspectiva de Marshall McLuhan contribuiu para a

análise da disseminação do tema sustentabilidade ambiental na era da tecnologia da

informação. O corpus de pesquisa são as publicações da revista Veja e do jornal Folha de São

Paulo, através dos seus acervos disponíveis nos meios eletrônicos. A escolha desses veículos

foi feita com base na expressiva veiculação e alcance de tais publicações e a importância que

esses títulos têm para o mercado publicitário.

Palavras-chave: Mídia. Comunicação. Sustentabilidade ambiental.

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ABSTRACT

This research investigates the rise of the concept environmental sustainability and how the

topic has been dealt with by the Brazilian media over the years. This dissertation aims at

working on the topic based on two approaches: journalistic and advertising-oriented. This

paper started through the historical collection of the environmental sustainability topic from

its origin all the way to the current stage of discussion having the event Rio+20 held in Rio de

Janeiro in June 2012 as the last milestone. The timeline will be construed over various events

and forums which took place all over the world since 1987 once the Brundtland Report was

drafted, as it is viewed as a major document in environment discussions. The theoretical

foundation which underlies this dissertation is based on the concepts of Mass Communication

by Harold Lasswell, encompassing the psychology of the masses studies by Le Bon and

Sigmund Freud. The theories of communication work as support to understand the marketing

strategies used by the journalism industry and by both state-owned and private companies

over the years in mass media. The investigation on communication - be it journalistic or

advertising - will be conducted through the understanding of the used discourses. For such

analysis, we have found support through the review of Marilena Chaui when the Competent

Discourse and its characteristics are addressed. Marshall McLuhan’s perspective will

contribute to the analyses of the spread of environmental sustainability in the information

technology age. The corpus of the research is comprised of articles from magazine Veja and

newspaper Folha de São Paulo through available collection in electronic format. The choice

of both periodicals was due to their expressive placement and reach as well as their

significance to the advertising market in Brazil.

Key Words: Media. Communication. Environmental Sustainability.

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Tistu pôs chapéu de palha para ir à aula de jardim. Era a primeira

experiência do novo sistema. O Sr. Papai havia julgado melhor

começar por aí. Uma lição de jardim, afinal de contas, é uma lição de

terra, essa terra em que caminhamos, que produz os legumes que

comemos e o capim com que os animais se alimentam, até ficarem

bastante gordos para serem comidos...

A terra, tinha declarado o Sr. Papai, está na origem de tudo.

O jardineiro Bigode, prevenido pelo Sr. Papai, já esperava o

aluno na estufa.

– Ah! Você chegou...Vamos ver do que é capaz. Está vendo

este monte de terra e estes vasos? Você vai encher os vasos de terra e

enfiar o polegar bem no meio, para fazer um buraco. Depois ponha

tudo em fila, ao longo do muro. Então a gente coloca nos buracos as

sementes que quiser.

Tistu, ao realizar o trabalho que Bigode lhe confiara, teve uma

agradável surpresa: esse trabalho não lhe dava sono. Ao contrário,

dava-lhe um grande prazer. Ele achava que a terra tinha um cheiro

gostoso.

Apressou-se em terminar e foi ao encontro de Bigode, na outra

ponta do jardim.

Ao longo do muro, ali mesmo, a poucos passos, todos os vasos

que Tistu enchera haviam florescido em menos de cinco minutos!

– Meu filho - disse enfim o jardineiro, após madura reflexão –

ocorre com você uma coisa extraordinária, surpreendente! Você tem

polegar verde...

Tistu, o Menino do Dedo Verde

Autor: Maurice Druon (São Paulo: Livraria José Olympio Editora,

1957).

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LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS

FIGURAS

Figura 1 – Curva de Keeling ................................................................................... 16

Figura 2 – Temperatura do planeta nos últimos mil anos. ....................................... 22

Figura 3 – Temperatura do Planeta nos últimos 120 anos ......................................... 23

Figura 4 – Temperatura do Planeta e Atividade Solar nos últimos 100 anos ............ 24

Figura 5 – Matéria Revista Veja “Inferno na fronteira verde” ................................. 25

Figura 6 – Símbolo Reduzir, Reutilizar, Reciclar ..................................................... 41

Figura 7 – Publicidade Unilever Revista Veja (edição 2272).................................... 43

Figura 8 – Exemplo de cálculo de emissão de CO2 ................................................. 44

Figura 9 – Capa da Revista Veja de 24 de outubro de 2007 ...................................... 52

Figura 10 – Publicidade do Banco Real na Revista Veja .......................................... 61

Figura 11 – Capa da Revista Veja (edição 1237 de 3 de Junho de 1992) ................. 63

Figura 12 – Capa da Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012) ................ 65

Figura 13 – Publicidade da Nestlé na Revista Veja (edição 1237) ........................... 67

Figura 14 – Publicidade de O Boticário na Revista Veja (edição 2274) ................... 68

Figura 15 – Publicidade do Banco Real na Revista Veja (edição 720) ..................... 70

Figura 16 – Publicidade do Banco Real na Revista Veja (edição 1913) ................... 71

Figura 17 – Publicidade do Banco Santander na Revista Veja (edição 2274) .......... 72

Figura 18 – Publicidade do Banco Bradesco na Revista Veja (edição 2274) . ........... 74

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GRÁFICOS

Gráfico 1 – Número de Menções de Sustentabilidade e Ecologia.......................... 60

Gráfico 2 – Número de páginas dedicadas ao tema sustentabilidade ambiental ..... 62

Gráfico 3 – Número de Menções para Sustentabilidade e Ecologia na Folha de São

Paulo.................................................................................................................... 75

Gráfico 4 – Número de Páginas dedicadas aos eventos Eco 92 e Rio +20 no jornal Folha

de São Paulo ....................................................................................................... 75

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 12

2. RETROSPECTIVA HISTÓRICA DAS DISCUSSÕES SOBRE O MEIO

AMBIENTE .......................................................................................................... 15

2.1As discussões sobre o meio ambiente do ponto de vista ecológico e econômico . 15

2.2 O ambientalismo cético ..................................................................................... 19

2.3 Os principais encontros mundiais sobre o Meio Ambiente ................................. 26

3. A CONSTRUÇÃO DE UM VALOR ................................................................... 30

3.1O surgimento do termo Desenvolvimento Sustentável ....................................... 30

3.2O Relatório Brundtland ...................................................................................... 32

3.3A Agenda 21 ...................................................................................................... 38

4. SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL NA MÍDIA: JORNALISMO E

PUBLICIDADE ...................................................................................................... 54

4.1A cobertura da mídia impressa nacional.............................................................. 58

4.2 A presença do tema na Revista Veja ................................................................... 59

4.3A presença do tema na Folha de São Paulo ......................................................... 74

5.CONCLUSÃO .................................................................................................... 81

6.BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 83

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1. INTRODUÇÃO

Em 1957, quando Maurice Druon1 escreveu a obra Tistu, o Menino do Dedo Verde, a

sociedade vivia o auge da era da produção e consumo e os impactos da industrialização no

meio ambiente ainda não eram motivo de preocupação.

O autor do prefácio da versão de Tistu em português, Nogueira Moutinho, destaca a

comparação entre a obra O Pequeno Príncipe, clássico de Saint-Exupéry, e a obra de Druon:

[...] De fato, o Pequeno Príncipe pertence a uma mitologia; Tistu, o menino do dedo

verde, está, ao contrário, preso às contingências sociológicas do mundo em que

existimos. O primeiro é intemporal, o segundo é filho da era da poluição, da

agressividade e do desentendimento. Sua missão é justamente despoluir, humanizar,

reintroduzir a poesia num universo do qual ela se encontra exilada. Sobre um mundo

cinza e enlutado, Tistu deixa impressões digitais misteriosas que suscitam o reverdecimento e alegria. Tão original quanto o Pequeno Príncipe, sua tarefa é mais

urgente e original (Prefácio do livro Tistu o Menino de Dedo Verde escrito por

Moutinho Nogueira).

Distante da consciência dos impactos da industrialização que enfrentamos atualmente,

em 1973, Moutinho se antecipa e vislumbra a realidade de hoje: “somos todos filhos da era da

poluição, da agressividade e do desentendimento”. Como filhos da era da poluição – preço

que pagamos pelo desenvolvimento econômico – nos vemos diante da necessidade de corrigir

a rota que escolhemos até o momento como sociedade.

As discussões sobre o meio ambiente não são recentes. Em 1896, a comunidade

científica já mostrava preocupações com os efeitos da industrialização e da poluição sobre a

natureza. No entanto, o primeiro fórum de discussões formal ocorreu em 1972, idealizado

pela Organização das Nações Unidas. A partir desse momento, grandes encontros mundiais

ocorreram, abrindo espaço para os Governos e a Sociedade discutirem o tema. Esses eventos,

de repercussão global, reúnem lideres políticos de vários países, representantes de

Organizações Não Governamentais, representantes da sociedade civil e das indústrias com o

objetivo de encontrar soluções e estabelecer metas de preservação do meio ambiente e

desenvolvimento sustentável.

Desde as primeiras discussões formais, já ficou estabelecida a responsabilidade

compartilhada em relação à preservação do meio ambiente. Governos, instituições privadas e

1 Maurice Druon: Escritor francês, decano da Academia Francesa de Letras. Paris, 23 de abril de 1918 – Paris, 14 de abril de 2009.

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sociedade civil são tratados como corresponsáveis pelos efeitos nocivos do desenvolvimento

industrial. Uma vez responsável, cada agente tem papel fundamental no cumprimento das

regras e metas estabelecidas a cada encontro.

Como veremos a seguir, os países divergem de opinião de acordo com seu poderio

econômico, formando grupos de interesse distintos. As indústrias são pressionadas a investir

em soluções para os seus processos de produção, de forma a preservar o meio ambiente. Além

disso, aprenderam, ao longo dos anos, que ser “ecologicamente correto” proporciona ganhos

positivos para sua imagem junto aos consumidores.

Um dos caminhos escolhidos por esses agentes é o da conscientização dos cidadãos,

para que os nossos atos no presente reflitam um “planeta mais saudável” no futuro. Nesse

cenário, grande parte das ações de conscientização passa por questões relacionadas ao que os

especialistas chamam de consumo consciente. No Brasil, temos uma importante Organização

Não Governamental sem fins lucrativos chamada Instituto Akatu. O Akatu, de acordo com

informações disponíveis em seu site, foi criado com a missão de “mobilizar as pessoas para o

uso do poder transformador dos seus atos de consumo consciente como instrumento de

construção da sustentabilidade da vida no planeta” (AKATU, 2012, informação eletrônica).

Além desse movimento, é evidente o esforço da mídia no sentido de divulgar efeitos

da poluição, sua relação com eventos da natureza e a responsabilidade das ações dos seres

humanos. Seja através do noticiário ou pelas ações de empresas públicas e privadas, o tema

está sempre presente nos meios de comunicação. A cada ocorrência de um evento climático –

chuvas, secas, terremotos, furacões etc – intensifica-se a discussão acerca dos efeitos das

ações do homem sobre a natureza.

A presente dissertação tem como propósito identificar a linha evolutiva do discurso

ecológico, baseado atualmente no tema sustentabilidade, e identificar quais as características

da comunicação jornalística e empresarial mais presentes. O levantamento de informações é

baseado na presença do tema nas mídias de massa, mais especificamente na mídia impressa.

Seguiremos o percurso aqui descrito:

No capítulo seguinte, investigaremos as discussões sobre o meio ambiente do ponto de

vista ecológico e econômico. Através da construção da linha do tempo, será possível

compreender o lugar e relevância das pesquisas dos ambientalistas e fóruns globais para

discussão do tema. Nesse capítulo, temos o compromisso de estabelecer a relação entre os

eventos científicos e a evolução das discussões, demonstrando o posicionamento dos

diferentes grupos de pesquisadores.

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O desenvolvimento do terceiro capítulo, no qual abordaremos o surgimento do termo

desenvolvimento sustentável, será apoiado nas teorias de comportamento das massas de

Gustave Le Bon, Sigmund Freud e na teoria da comunicação de Harold Laswell. Esse capítulo

também busca inserir o tema no contexto do Discurso Competente de Marilena Chaui.

Investigaremos quais as bases para a questão da sustentabilidade ser tratada como valor para a

sociedade. Como referência para a análise sociopolítica e econômica, seguiremos apoiados

nos pensamentos de Boaventura Souza Santos e Viveiros de Castro.

No quarto capítulo, o foco será a mídia impressa brasileira – mais especificamente a

Revista Veja2 e o Jornal Folha de São Paulo

3. A partir da análise dessas mídias, iremos

construir, com base no número de menções, a intensidade da abordagem do tema nesses

meios, além de investigar e analisar o crescimento do uso do tema na publicidade e

linguagens mais presentes.

2 Revista Veja: criada em 1968 e publicada pela Editora Abril. Atualmente é a revista semanal de maior

circulação no Brasil. Tiragem: 1.221.168 exemplares. (Tabela de circulação geral Editora Abril 11.03.2012) 3 Jornal Folha de São Paulo: jornal editado no Estado de São Paulo com circulação nacional.

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2. RETROSPECTIVA HISTÓRICA DAS DISCUSSÕES SOBRE O MEIO AMBIENTE

2.1 As discussões sobre o meio ambiente do ponto de vista ecológico e econômico

Não há civilização humana sem energia, e num século em que a população humana

saltou de 1 bilhão para 6 bilhões – o século 20 – o uso de energia cresceu

exponencialmente. Em apenas duas décadas, as de 1980 e 1990, a humanidade usou

o equivalente à metade de toda a energia consumida nos 180 anos anteriores, de

1800 a 1980 (ANGELO, 2007, p. 33).

Claudio Angelo, editor de Ciência da Folha de São Paulo em 2007, reuniu seus artigos

em um livro chamado O Aquecimento Global. Nessa obra, Angelo faz uma relação clara entre

o crescimento populacional, o aumento do consumo de energia e seus efeitos sobre o meio

ambiente. De acordo com Angelo, o PIB mundial subiu 900% desde o pós-guerra e triplicou

dos anos 70 até os dias de hoje (ANGELO, 2007, p. 34). Na leitura da sua obra, podemos

vislumbrar a seguinte linha do tempo:

1896 – O físico sueco Svante Arrhenius inicia uma investigação sobre a origem da era

do gelo e o papel do efeito estufa e do gás carbônico. Pela primeira vez, faz-se a

relação entre o aumento da liberação de gás carbônico e o aquecimento global.

1957 – O oceanógrafo Roger Revelle, em parceria com Hans Suess, publica um artigo

científico comprovando que, diferentemente do que era suposto, os mares só

absorviam 10% do gás carbônico produzido pelas atividades humanas, levando-os a

concluir que a maior parte de CO2 permanecia na atmosfera após ser produzida.

1958 – O geoquímico Charles Keeling inicia um projeto para medições de CO2 na

atmosfera no topo do Vulcão Mauna Loa no Havaí. Já nos dois primeiros anos de

medição, Keeling identificou aumento nos níveis de CO2. As medições ocorreram até

sua morte em 2005 e geraram o gráfico da chamada Curva de Keeling, que mostra o

aumento da concentração de gás carbônico na atmosfera, de 315 partes por milhão, em

1958, a 379 partes por milhão nos tempos atuais (Figura 1).

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Figura 1 – Curva de Keeling

1962 – A bióloga Rachel Carson publica o livro Silent Spring (Primavera Silenciosa),

no qual faz um alerta contra a poluição química. Em sua obra, Carson demonstra os

efeitos do uso do DDT nas lavouras. A agressividade do produto químico causou

impactos sobre a saúde dos seres humanos, exterminou pragas importantes para o

ecossistema e, como consequência, fortaleceu outras e dizimou animais nas regiões em

que foi aplicado.

1971 – Surgimento de grupos ambientalistas como o Greenpeace, que iniciaram uma

série de protestos contra usinas nucleares. Atualmente, o grupo atua em diversas

questões ambientais pelo mundo.

1975 – Sykuro Manabe e Richard Wetherland publicam um estudo onde comprovam

que, caso dobrasse o nível de CO2 na atmosfera, a temperatura global aumentaria 2°C.

1985 – Descoberta do buraco na camada de ozônio, causado principalmente pela

emissão do gás CFC – clorofluorcarbono –, presente nos aerossóis. Em 1987, ocorre a

assinatura do Protocolo de Montreal, que elimina o CFC da cadeia produtiva.

1988 – O New York Times4 publica uma matéria de teor alarmista, na qual revela que o

mundo iria se aquecer de forma catastrófica até o final do século XXI. Nesse mesmo

ano foi formado o IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change – Painel

Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Esse órgão foi criado pela

Organização Meteorológica Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente (PNUMA), para fornecer informações científicas, técnicas e

socioeconômicas relevantes para o entendimento das mudanças climáticas.

4New York Times: Jornal de circulação diária fundado em 1851 e publicado na cidade de Nova Iorque (EUA).

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Na contramão desse movimento de divulgação de catástrofes ambientais, encontramos

algumas vozes menos alarmistas. Intitulados “ambientalistas céticos”, esse grupo de

profissionais busca comprovar, através de evidências, dois pontos de vista centrais:

Os ambientalistas radicais e a mídia trabalham a informação criando mitos

exagerados e

O desenvolvimento não é tão ruim como parece: alguns indicadores de bem-estar

da população apresentam evolução positiva.

Trataremos de detalhar essa questão mais adiante.

Um dos órgãos mais ativos na divulgação dos efeitos do CO2 é o IPCC (Painel

Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), cujo trabalho está baseado em reunir e

divulgar informações que comprovem que o aquecimento global está diretamente ligado ao

desenvolvimento industrial. Seus relatórios trabalham com a certeza de que as mudanças

climáticas tem origem antropogênica.

O ambientalista mexicano Enrique Leff (2010), pesquisador do Instituto de

Investigaciones Sociales do Mexico, pode ser tomado como exemplo desse pensamento. Seu

livro Discursos Sustentáveis traz, de forma bastante dramática, sua posição em relação aos

efeitos do desenvolvimento econômico:

Além de rejeitar a mercantilização da natureza, é preciso descontruir a economia. As

excrecências do crescimento – o pus que brota da pele gangrenada da Terra, quando

a seiva da vida é drenada pela esclerose do conhecimento e pela reclusão do

pensamento – não se retroalimentam do corpo enfermo da economia. Não se trata de

reabsorver seus dejetos, mas de extirpar o tumor maligno. A cirrose que corrói a economia não será curada com a injeção de doses maiores de álcool no motor de

combustão que alimenta as indústrias, os carros e os lares (LEFF, 2010, p. 60).

Esse é o tom que Leff imprime durante toda a sua obra. Com essa dramaticidade, o

ambientalista discorre sobre os efeitos do desenvolvimento industrial ao usar a natureza como

recurso. O autor avança sua análise ao elaborar seu ponto de vista sobre a responsabilidade da

América Latina em criar um pensamento próprio sobre a crise ambiental. Leff defende a

importância da independência no pensamento, na produção de conhecimento científico e

tecnológico. Entendemos que o discurso de Leff é legítimo e concordamos com a demanda

por pensamentos regionais que preservem a especificidade dos povos. No entanto, é

importante considerar a possibilidade de adaptar e incorporar os conhecimentos já adquiridos

pelos países do hemisfério norte, desde que façam sentido para a nossa realidade.

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Despido das tintas de dramaticidade de Leff, o especialista Lester Brown (2009)

divulga, através de sua obra, seu ponto de vista sobre o desenvolvimento sustentável com

enfoque na economia. Brown defende que só atingiremos o desenvolvimento sustentável a

partir da erradicação da fome e da diminuição da falência dos Estados. Para atingir esse

objetivo, o autor propaga o que chama de Plano B. Em seu livro Plan B 4.0 – mobilizing to

save population (2009) o especialista coloca quatro áreas que devem fazer parte de um plano

de salvação da humanidade: estabilizar o clima, estabilizar o crescimento populacional,

erradicar a fome e restabelecer a economia global.

Em sua obra, Brown determina uma série de recomendações de ordem econômica para

garantir o desenvolvimento das nações de forma sustentável. É defensor da criação de um

sistema de taxação baseado no controle de emissão de carbono, sem que isso afete a oferta no

mercado com aumentos de preços. Não é uma equação simples, uma vez que os mecanismos

econômicos são interligados e o jogo de poder e interesses são barreiras para os acordos. Em

seu livro, Plan B, Brown cita o ex-presidente da Exxon, indústria petroquímica de origem

americana, sobre o risco do capitalismo frente ao desenvolvimento sem controle. O ex-

executivo prevê o fim do capitalismo fazendo a seguinte analogia:

[...] o Socialismo entrou em colapso porque não soube ouvir do mercado as verdades da economia. O Capitalismo pode entrar em colapso se não souber ouvir do mercado

as verdades da ecologia (BROWN, 2009, p.243)

Brown (2009) coloca a necessidade de mobilização global e define três possibilidades

de mudança social. A primeira é o que ele chama de modelo Pearl Harbor – quando a

mudança se dá através de um acontecimento dramático que muda a forma como as pessoas

pensam e agem. O segundo modelo é chamado pelo autor de Muro de Berlin. Nesse modelo, a

sociedade atinge um ponto decisivo após um longo e gradual período de mudança de

pensamento e atitude. O terceiro modelo ocorre quando há um forte movimento de base,

empurrando para uma mudança cujo tema tem forte apoio de uma liderança política.

Nesse caso, estando a questão ambiental fortemente associada ao desenvolvimento

econômico, não há como ocorrer a mudança social sem o apoio dos países de economia forte.

Por mais que os cidadãos estejam engajados, é fundamental que os países estabeleçam os

acordos em prol do desenvolvimento sustentável.

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Na opinião de Viveiros de Castro, em entrevista para o site Outras Palavras5 (2012), a

mobilização da opinião pública com a questão ambiental está aquém da necessidade de

urgência do tema. Para ele, o empenho dos Governos e empresas é muito tímido e superficial.

O olhar do antropólogo para os problemas ambientais é muito mais amplo e não se restringe

aos temas mais presentes no discurso da mídia, das empresas e dos governos. Para ele, falta a

consciência de que, por exemplo, saneamento básico, dengue e lixo são problemas

ambientais.

A lucidez desse pensamento nos faz acreditar que a mobilização pelas causas

ambientais ainda não atingiu a abrangência desejada, por estar apoiada na divulgação de

consequências catastróficas, muitas vezes distantes da realidade da sociedade. Falar e tratar de

problemas ambientais mais concretos, associados ao dia a dia da população, traria maior

relevância ao tema e consequentemente maior engajamento, através do sentimento de

urgência.

Nesse sentido, são abundantes os fatos dignos de preocupação. Estudos recentes

mostram o crescimento de vários tipos de alergias em todo o mundo. Um levantamento feito

pela Universidade Columbia, em Nova York, mostra que em 1980 somente 10% da população

ocidental tinham algum tipo de alergia. Atualmente, o número de alérgicos representa 30% da

população do Ocidente. Especialistas têm como principal hipótese o aumento da poluição

como causador desses males.

Esse é um problema concreto, que afeta diretamente a saúde e qualidade de vida das

pessoas. É sobre questões como essa que os Governos, empresas e sociedade deveriam

concentrar suas atividades.

No entanto, o que vemos frequentemente é a criação e incentivo de uma atmosfera de

“fim de mundo”, na qual muitos ambientalistas se apoiam. Esse cenário, conforme veremos a

seguir, é rebatido pelos ambientalistas céticos.

2.2 O ambientalismo cético

Em 2007, um grupo dissidente do IPCC, formado por respeitados cientistas e

pesquisadores, decide divulgar, através de um vídeo produzido pelo canal de televisão

britânico Channel 4, o seu ponto de vista sobre o aquecimento global. O documentário,

5 Outras Palavras: site que se propõe a informar e debater sobre a globalização e suas alternativas. Estimula a Comunicação Compartilhada.

Disponível em: <www.outraspalavras.net>. Acesso em: 10 jan. 2012.

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intitulado The Great Global Warming Swindle (A Grande Farsa do Aquecimento Global),

busca, através de comprovações científicas, contrariar os argumentos dos ambientalistas

defensores da teoria do aquecimento global provocado pela ação dos homens e da

industrialização.

A primeira dúvida lançada sobre o IPCC é em relação ao seu quadro de pesquisadores.

O órgão divulga em seu site que sua estrutura é formada por “milhares de cientistas ao redor

do mundo”. O grupo de dissidentes revela que, mesmo tendo se desligado formalmente da

organização e atuando no sentido contrário dos estudos divulgados pelo IPCC, seus nomes

ainda constam da lista de colaboradores. Para eles, o número de cerca de 2.500 cientistas

divulgado pelo IPCC é falso.

O documentário da Grande Farsa do Aquecimento Global é um material didático que,

fundamentado em dados científicos, busca comprovar que a discussão em torno das mudanças

climáticas é direcionada de forma equivocada pelas seguintes razões:

O IPCC é um órgão politico, portanto trata os dados científicos através de um

viés politico ativista;

Falar sobre aquecimento global e defender medidas de controle da

industrialização tornou-se plataforma de governo e garantia de votos;

O tema tornou-se um grande negócio: a partir da década de 90, altos

investimentos foram direcionados para a pesquisa sobre aquecimento global.

Só os Estados Unidos do Governo Bush aumentou a verba de 170 milhões de

dólares/ano para 2 bilhões de dólares/ano;

Não há interesse dos países do hemisfério norte em investir no

desenvolvimento dos países tidos como de “terceiro mundo”. Ao atribuir o

aquecimento global ao desenvolvimento econômico provocado pela

industrialização, cria-se uma barreira para o desenvolvimento dos países mais

pobres.

Para dar suporte ao seu discurso, esse grupo de cientistas demonstra sua tese baseada

em argumentos históricos, sociais e científicos.

Sob o olhar histórico e político, os pesquisadores destacam as décadas de 70 e 80.

Diante de um importante período de recessão, as discussões sobre questões energéticas

tomaram vulto e, na opinião destes pesquisadores, um dos gatilhos para o movimento

ambientalista contra a produção do CO2 foi a posição de incentivo à energia nuclear do

governo britânico. Através da Primeira Ministra Margaret Thatcher, a Inglaterra iniciou

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naquele momento um movimento para desenvolver a energia nuclear, considerada energia

limpa, em detrimento do uso do carvão e petróleo. Essa decisão tinha claramente objetivos de

sobrevivência política e econômica, uma vez que a Inglaterra passava por situações de greve

dos mineradores de carvão e a crise no Oriente Médio ameaçava o fornecimento de petróleo.

No Brasil, a mídia noticiava a crise e a preocupação com fornecimento de petróleo. A capa da

revista Veja Edição 548 de 7 de Março de 1979 trazia em tom alarmista a seguinte manchete:

“Vamos ficar sem petróleo?”. A matéria de capa mostrava os conflitos no Oriente Médio e os

impactos no fornecimento de combustível em nível mundial, além da constatação de que o

Brasil não tinha um plano emergencial para sua matriz energética. É nesse período que o

Brasil também inicia seus investimentos em usinas nucleares.

Do ponto de vista social, o documentário traz um interessante depoimento de Patrick

Moore, um dos fundadores do Greenpeace6. A Organização Não Governamental, fundada em

1971, sempre foi reconhecida por suas posições radicais em relação à proteção do meio

ambiente. Moore defende que o sucesso de organizações como o Greenpeace está baseado em

manter a ordem e ganhar seguidores fieis, através de ações cada vez mais extremas. Dessa

forma, os líderes do movimento garantem o interesse e engajamento de seus voluntários em

novas causas. Segundo Moore, a estratégia do Greenpeace é dirigida para criar novas

discussões sempre que algum tema se torna discurso comum. Reconhecemos nessa estratégia

um dos princípios do marketing empresarial, que busca garantir, através da inovação e

diferenciação, o engajamento de seu público alvo.

O documentário, além de criar este cenário histórico, demonstra através de estudos

científicos o grande equívoco em torno da acusação de que o CO2 é o grande responsável pelo

aquecimento global. Os cientistas desse movimento não negam a existência do aquecimento

global ou a ocorrência das mudanças climáticas. No entanto, procuram trazer um ponto de

vista diferente para a discussão, sempre apoiados na constatação de que os ambientalistas que

se baseiam na antropogenia para as suas análises escolheram o vilão errado.

Para esses cientistas contrários ao grupo do IPCC, o clima sempre mudou e vai

continuar mudando independente das ações humanas. O CO2 é um gás natural produzido por

todos os seres humanos, animais, bactérias etc. A maior fonte de CO2 são os oceanos e, além

6 Greenpeace: Organização Não Governamental fundada em 1971 no Canadá por imigrantes americanos. Tem atualmente cerca de três milhões de colaboradores em todo o mundo - quarenta mil no Brasil. Atua internacionalmente em questões relacionadas à preservação do meio ambiente e

desenvolvimento sustentável.. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Greenpeace >. Acesso: 15 dez. 2011.

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disso, os vulcões em atividade produzem mais CO2 do que todos os carros e aviões produzem

em um ano.

A linha de defesa dos pesquisadores é trabalhada em dois momentos. No primeiro, eles

mostram que os dados históricos da temperatura do planeta não têm relação direta com a

produção de CO2 originada pelo desenvolvimento industrial. Utilizando informações do

próprio IPCC, o grupo demonstra o histórico de temperatura do planeta nos últimos mil anos

(Figura 2). O gráfico abaixo mostra que, no período medieval, as temperaturas eram mais

elevadas que nos tempos atuais. Portanto, além de a elevação da temperatura não estar

associada diretamente ao desenvolvimento industrial, registros históricos demonstram que o

período medieval foi um momento importante de prosperidade agrícola, o que nos faz

concluir que o aumento da temperatura do planeta não teve os temidos efeitos devastadores

sobre a natureza naquela ocasião.

Figura 2 – Temperatura do planeta nos últimos mil anos

Fonte: IPCC (extraído do documentário "A grande farsa do aquecimento global").

Outra informação relevante para acompanhar a teoria do grupo é a analise do histórico

da temperatura global nos últimos 120 anos. De acordo com a teoria dos ambientalistas, o

desenvolvimento econômico iniciado no pós guerra (1940) seria o grande responsável pelo

aquecimento global. No entanto, o que vemos é que, durante o período entre os anos 40 e 70,

momento do boom industrial, as temperaturas médias da Terra assumiram uma curva

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descendente. Somente a partir de 1975 as temperaturas assumem a trajetória ascendente

(Figura 3). Para os especialistas, a hipótese do CO2 ser responsável pelo aquecimento global

só faria sentido se as temperaturas médias tivessem apresentado curva crescente a partir de

1940.

Figura 3 – Temperatura do Planeta nos últimos 120 anos

Fonte: NASA (extraído do documentário "A grande farsa do aquecimento global").

Em um segundo momento, os pesquisadores mostram, através dos resultados de um

estudo do físico dinamarquês Henrik Svensmark, pesquisador e professor especialista em

sistema solar do DTU Space (Instituto Espacial da Dinamarca), a relação entre a atividade

solar e o aumento da temperatura global (Figura 4). É através desse indicador que os

pesquisadores caminham para a conclusão de que o Sol é o grande responsável pelo

aquecimento global e não a produção de CO2 resultante das atividades industriais.

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Figura 4 – Temperatura do Planeta e Atividade Solar nos últimos 100 anos

Fonte: DTU (Instituto Espacial da Dinamarca) (extraído do documentário "A grande farsa do aquecimento

global").

Outro representante desse movimento dos ambientalistas céticos é Bjorn Lomborg,

mestre em estatística dinamarquês, que escreveu o livro O Ambientalista Cético – medindo a

real situação do mundo (1998). Lomborg busca mostrar como a mídia, em geral através de

organizações como o Greenpeace, é capaz de criar mitos sobre a questão ambiental. Sua obra

se mostra densa ao trazer exemplos que comprovam, através do confronto de informações, o

exagero da mídia ao noticiar os fatos.

Ao analisar os exemplos trazidos por Lomborg, percebemos os seguintes traços na

atuação da mídia, seja internacional ou local:

Superficialidade ao abordar o tema – em geral, a mídia aproveita uma ocorrência

recente e explora o tema de forma superficial e pontual;

Uso de fontes sem legitimação – na busca por aprofundar o tema, o jornalista faz

uso de variadas fontes, correndo o risco de usar informações de origem frágil, sem

comprovação;

Tom alarmista – abuso das imagens e títulos que destacam as situações de

catástrofes.

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Ao analisar essas características presentes na forma como as questões ambientais são

apresentadas pela mídia, podemos inferir que, em grande parte das notícias veiculadas, a

comunicação sobre o tema não traz muitas contribuições no sentido de apresentar a real

situação e imprimir concretude para as possíveis ações de responsabilidade das sociedades.

Abaixo, selecionamos uma matéria da revista Veja para ilustrar a conclusão acima. Na

edição 1417 de 1995, a revista aborda o avanço das queimadas na Amazônia em um especial

de oito páginas (Figura 5). A partir do título e do uso de imagens de impacto, o jornalista

responsável pela matéria apresenta uma série de estatísticas que reforçam a ideia da

catástrofe. Ao longo da matéria, revelam-se as falhas na legislação de proteção ambiental e o

desinteresse dos políticos. Apenas no último parágrafo, o jornalista menciona, sem explicitá-

las, as intenções positivas do Governo Fernando Henrique Cardoso em prol da

regulamentação do uso das terras na região.

Figura 5 – Matéria Revista Veja “Inferno na fronteira verde”

Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 1417 de 8 de novembro de 1995). Disponível em: <

http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.

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Em Psicologia das Massas e Análise do Eu, Freud (1941) discorre, apoiado no

conceito de alma coletiva, segundo o psicólogo Gustave Le Bon, sobre o comportamento das

massas frente a um discurso:

A massa é extraordinariamente influenciável e crédula, é acrítica, o improvável não

existe para ela. Pensa em imagens que evocam umas às outras associativamente,

como no indivíduo em estado de livre devaneio, e que não têm sua coincidência com

a realidade medida por uma instância razoável. Os sentimentos das massas são

sempre muito simples e muito exaltados. Ela não conhece dúvida nem incerteza. Ela

vai prontamente a extremos; a suspeita exteriorizada se transforma de imediato em

certeza indiscutível, um germe de antipatia se torna um ódio selvagem (p. 26).

Não aprofundaremos nesta dissertação o conteúdo das notícias e da publicidade na

mídia, mas podemos, através de um panorama geral, discorrer sobre o tom das mensagens

relacionadas ao tema e identificar a proximidade com a afirmação acima feita por Freud. Em

nossa visão, as notícias veiculadas na mídia se aproveitam de imagens de destruição e

catástrofe para influenciar as massas.

2.3 Os principais encontros mundiais sobre o Meio Ambiente

Neste período de grandes avanços em pesquisas científicas sobre o tema ambiental,

três grandes encontros promoveram a discussão sobre os impactos da humanidade no meio

ambiente:

1972 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (United

Nations Conference on the Human Environment) em Estocolmo: este foi o primeiro

encontro promovido pela ONU para a discussão dos impactos do desenvolvimento no

meio ambiente. Naquele momento, as evidências trazidas pelos cientistas mostravam

que a natureza dava sinais de desgaste. Essa discussão marca o início do discurso em

que era obrigatório se tomar consciência de que as fontes da natureza não eram

inesgotáveis.

1992 – Rio 92 (Earth Summit), no Rio de Janeiro: somente 20 anos depois do encontro

de Estocolmo, que podemos chamar de “momento da constatação”, realiza-se o

encontro no Rio de Janeiro, no qual os países membros da ONU reconhecem a

urgência em tratar os efeitos do desenvolvimento no meio ambiente e geram dois

documentos importantes: a Convenção da Biodiversidade, acordo assinado por 156

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países para a conservação da biodiversidade7 através do uso sustentável de seus

elementos, e a Agenda 21, sobre a qual vamos discutir mais adiante.

De acordo com as informações do Ministério do Meio Ambiente, a Convenção da

Biodiversidade (CDB) é um dos mais importantes instrumentos internacionais relacionados ao

meio-ambiente. A CDB orienta, através de meios legais e políticos, a gestão da biodiversidade

em todo o mundo. O site oficial do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério do

Meio Ambiente mostra o engajamento do Brasil nesse tema:

O Brasil foi o primeiro país a assinar a Convenção sobre Diversidade Biológica e, para cumprir com os compromissos resultantes, vem criando instrumentos, tais

como o Projeto Estratégia Nacional da Diversidade Biológica, cujo principal

objetivo é a formalização da Política Nacional da Biodiversidade; a elaboração do

Programa Nacional da Diversidade Biológica - PRONABIO, que viabiliza as ações

propostas pela Política Nacional; e o Projeto de Conservação e Utilização

Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira - PROBIO, o componente executivo

do PRONABIO, que tem como objetivo principal apoiar iniciativas que ofereçam

informações e subsídios básicos sobre a biodiversidade brasileira (MINISTÉRIO das

Relações Exteriores e Ministério do Meio Ambiente, 2012, informação eletrônica).

2012 – Rio+208 (Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento

Sustentável) – Rio de Janeiro – Junho de 2012 – Encontro de líderes mundiais e

Organizações Não Governamentais, com o objetivo de discutir e firmar um acordo que

seja capaz de conciliar desenvolvimento econômico, bem-estar social e preservação do

meio ambiente. O encontro foi caracterizado pelas diferentes posições dos governantes

divididos principalmente em 2 blocos: “países ricos” e “países pobres e emergentes”.

Baseados em questões econômicas, os países ricos defenderam uma transição lenta

para a chamada economia verde, enquanto os países emergentes reforçaram que a

7 Biodiversidade: é a variedade de vida na Terra. Constituída pelas variedades interespécies, entre espécies e de

ecossistemas. Também se refere às relações entre os seres vivos e o seu meio ambiente. Conjunto de plantas,

animais, microrganismos e ecossistemas que sobrevivem na natureza – estimado em mais de 10 milhões de

espécies. A biodiversidade inclui serviços ambientais responsáveis pela manutenção da vida na Terra, pela

interação entre os seres vivos e pela oferta dos bens e serviços que sustentam as sociedades humanas e suas

economias. Esses bens e serviços incluem alimentos, medicamentos, água e ar limpos, e outros recursos naturais

que suportam a variedade de atividades humanas e indústrias. (c. f. Glossário de termos do Portal do Ministério

das Relações Exteriores e Ministério do Meio Ambiente). 8 Conferência Rio +20: A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, foi

realizada de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. A Rio +20 é assim conhecida porque marca os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-

92) e deverá contribuir para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas. (Fonte:

site Oficial Rio +20).

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migração para uma economia sustentável só acontecerá com a ajuda econômica dos

países ricos.

De forma geral, o documento oficial da Rio +20 foi avaliado como tímido pelos

especialistas da área. O grande entrave é o fato de que cada um dos países participantes tem

uma agenda particular com diferentes interesses baseados em sua situação econômica e

política. De qualquer forma, o documento pode ser considerado mais um passo no sentido de

estabelecer melhores práticas em sustentabilidade. O principal avanço apontado pelos

estudiosos do tema foi a maior presença do setor privado nas discussões e na proposição de

soluções. De acordo com Marina Grossi, presidente-executiva do Centro Empresarial

Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) o saldo da Rio +20 foi positivo. Em

entrevista à Revista Veja, publicada no site da revista em 23 de junho de 2012, a executiva

reforça a importância do setor privado e das cidades como provedores de soluções concretas

em sustentabilidade.

A leitura das 53 páginas do relatório final da Rio +20, intitulado “O Futuro que

queremos”, mostra que o documento não vai além da constatação dos problemas econômicos,

sociais e ambientais, mostrando-se ainda fraco em propostas concretas e no estabelecimento

das metas a serem alcançadas. O documento estabelece como marco o ano de 2015 para que

entrem em vigor os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). O cenário atual de

crise mundial – que afeta em particular os Estados Unidos e a Europa –, economia em fase de

crescimento irregular nos países em desenvolvimento e conflitos no Oriente Médio foram os

grandes responsáveis pelo alargamento dos prazos para as definições de prioridades em

investimentos.

Além da Conferência propriamente dita, o evento contou com outros espaços para

discussão. Os principais foram a “Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental”, que

permitiu a participação popular, e o “Fórum de Empreendedorismo Social na Nova

Economia”, no qual foram feitos os debates voltados para o desenvolvimento de negócios

livres de impactos ambientais.

Um dos pontos positivos que percebemos é que a cada evento um número maior de

agentes se envolve nas discussões dos fóruns mundiais. Seja através das discussões

estabelecidas formalmente ou por meio de protestos organizados às margens dos eventos, a

mobilização para o tema ganha mais adeptos a cada ano. Sabemos que os avanços nas

soluções ainda são insatisfatórios, uma vez que interesses diversos norteiam as discussões,

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mas não podemos deixar de reconhecer que a ampliação de temas em pauta e de públicos

engajados é extremamente benéfica ao desenvolvimento das sociedades.

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3. A CONSTRUÇÃO DE UM VALOR

3.1 O surgimento do termo Desenvolvimento Sustentável

A palavra “sustentável” tem sua origem do latim sustinere, que significa aguentar,

apoiar, suportar. Sustinere é derivação da palavra citare, que significa encorajar, promover.

Citare, por sua vez, tem sua origem na palavra citus (rapidez, movimento rápido).

Sustentabilidade, portanto, carrega em seu significado dois comandos bastante explorados

pelo movimento ecológico: apoiar e promover, com o senso de urgência muitas vezes

estabelecido pelos diferentes agentes do movimento – empresas públicas e privadas,

Governos, Organizações Não Governamentais, instituições educacionais, entre outros.

O termo “desenvolvimento sustentável” começou a ser utilizado em 1987, quando a

Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, formada pela Organização das

Nações Unidas (ONU), lançou o documento Nosso Futuro Comum, conhecido também como

Relatório Brundtland9. Esse documento estabeleceu um marco quando definiu

desenvolvimento como “um processo que satisfaz as necessidades presentes, sem

comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”

(RELATÓRIO Brundtland, 1987, p. 9).

A abrangência do termo desenvolvimento sustentável, quando tratado pelo Relatório

Brundtland, é enorme e não se restringe às questões ambientais que são habitualmente

exploradas na mídia. Na primeira parte do relatório, denominada “Preocupações Comuns”, o

texto mostra o cenário de ameaça ao futuro e introduz a expressão. A definição do termo está

baseada na constatação de que o desenvolvimento tem relação direta com satisfazer as

necessidades básicas das populações e esse processo só é sustentável quando garante que as

aspirações humanas serão atendidas sem prejuízo para as gerações futuras:

9 O Relatório Brundtland é o documento intitulado Nosso Futuro Comum (Our Common Future), publicado em

1987. O Relatório, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, faz parte de

uma série de iniciativas que assumem uma visão crítica do modelo de desenvolvimento adotado pelos países

industrializados e reproduzido pelas nações em desenvolvimento, e que ressalta os riscos do uso excessivo dos recursos naturais sem considerar a capacidade de suporte dos ecossistemas. O nome do relatório tem origem no

nome da primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, chefe da Comissão Mundial sobre o Meio

Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Relat%C3%B3rio_Brundtland >.

Acesso em 20 dez. 2011).

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Em essência o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual

a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do

desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o

potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas

(RELATÓRIO Brundtland, 1987, p. 49).

Nesse contexto, as preocupações arroladas no Relatório da ONU abordam as

condições sociais e econômicas da sociedade, erradicação da fome e da pobreza, preservação

dos direitos humanos, planejamento urbano, entre outras questões. Vale situar a condição

internacional em que o Relatório foi elaborado. Nos anos 80, o mundo passou por crises

econômicas, principalmente nos países da África e América Latina. O alto crescimento

populacional com baixo crescimento econômico abaixo da linha do Equador fez com que os

países do “Primeiro Mundo” olhassem para o hemisfério sul com os olhos de quem precisa

garantir seu próprio futuro. O texto do relatório se esforça para colocar suas constatações de

forma abrangente, ressaltando a preocupação com os países do chamado “Terceiro Mundo”.

No entanto, as entrelinhas demonstram que, se necessário, os países desenvolvidos estão

dispostos a garantir seu futuro por meio de intervenções nos países menos desenvolvidos.

O levantamento da ONU feito em 2010 mostra que em 1980 a população dos países

tidos como desenvolvidos representava 24,3 % da população mundial. As projeções mais

recentes para os anos de 2050 e 2100 mostram queda nesse percentual e o grande aumento

que ocorre na população dos países pobres. Nas previsões mais conservadoras, com baixa taxa

de natalidade, a África passa a representar 23,8% da população mundial em 2050 e 38,5% no

ano de 2100. Cada vez mais, os países desenvolvidos encontram-se frente à situação de

estabelecer políticas internacionais que garantam o desenvolvimento dos países pobres. No

entanto, o que encontramos no cenário mundial são ações guiadas por interesses econômicos

ou pontuais, no sentido de minimizar situações emergenciais.

Anterior ao surgimento da definição para o desenvolvimento sustentável proposta pelo

Relatório Brundtland, é preciso registrar a realização da Conferência das Nações Unidas sobre

o Homem e o Meio Ambiente em 1972, na cidade de Estocolmo, Suécia. O objetivo do

encontro era reunir os lideres das nações para a discussão de um caminho de preservação do

meio ambiente. Na base da discussão, estava o estudo realizado pelo Instituto de Tecnologia

de Massachusetts (MIT)10

, sob encomenda de um grupo de empresários americanos, com

10 O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (em inglês, Massachusetts Institute of Technology, MIT) é um

centro universitário de educação e pesquisa privado localizado em Cambridge, Massachusetts, nos Estados Unidos. O MIT é um dos líderes mundiais em ciência e tecnologia. O MIT já produziu mais de 70 Prêmios

Nobel, oito dos quais são membros do seu corpo docente atual. Disponível em: <

http://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_de_Tecnologia_de_Massachusetts> . Acesso em 13 ago. 2012.

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objetivo de definir os impactos ambientais causados pela industrialização. Ficou estabelecido

que o grande vilão, responsável pelas mazelas da humanidade, era o desenvolvimento

econômico perseguido pelo capitalismo. Conclusão inequívoca, até o desdobramento das

discussões em que os países do primeiro mundo afirmaram que seria necessário adotar o rumo

do 'desenvolvimento zero', principalmente nos países em desenvolvimento ou de terceiro

mundo. Esse discurso imperialista fez com que os países mais pobres, incluindo o Brasil, se

posicionassem contrários a essa recomendação. O impasse ficou conhecido como

'desenvolvimento zero' versus 'desenvolvimento a qualquer custo'.

O conceito 'desenvolvimento zero', que surgiu durante o encontro de Estocolmo, era

baseado na paralisação dos investimentos em industrialização principalmente para os países

que se encontravam em estágio inicial de desenvolvimento de seu parque industrial. Nesse

grupo estavam o Brasil, China e Índia, que, comparados aos Estados Unidos e Europa,

estavam em processo de industrialização menos avançado. A ideia de desenvolvimento zero,

caso tivesse sido levada adiante, seria responsável por maximizar as desigualdades sociais e

econômicas no contexto mundial.

A matéria da edição 197 da Revista Veja (junho de 1972), sob o título “A Poluição da

Pobreza”, mostra a posição defendida pelos países chamados de desenvolvidos e questionada

pelos demais. A participação de José Costa Cavalcanti, Ministro do Interior e chefe da

delegação brasileira, colocou a posição do Brasil em destaque através de seu discurso no qual

defendia que “a proteção do ambiente humano não se pode fazer a expensas dos países em

desenvolvimento, aos quais não cabe a responsabilidade pela atual poluição sofrida pelo

mundo” (A POLUIÇÃO DA POBREZA, 1972, informação eletrônica).

Diferente da tônica do Encontro de Estocolmo, que foi marcado pelas posições

radicais dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o Relatório Brundtland surgiu com

um discurso conciliador.

3.2. O Relatório Brundtland

O Relatório Brundtland está dividido em três capítulos, que mostram, desde o título

até o conteúdo, a intenção de apresentar um pensamento de comunhão de objetivos e

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solidariedade. Não é por acaso que os títulos de todos os capítulos fazem referência à palavra

“comum”:

Preocupações Comuns

Desafios Comuns

Esforços Comuns

Tratar as preocupações, desafios e esforços como comuns significa tratar essas

questões como pertencentes a todos ou a muitos, reforçando o sentido de comunidade e

sociedade.

A leitura do Relatório Brundtland deixa evidente o uso do discurso competente,

principalmente quando abre um capítulo sobre desenvolvimento sustentável com a questão:

“Como persuadir as pessoas ou fazê-las agir no interesse comum?” (RELATÓRIO

Brundtland, 1987, p.49). A resposta do relatório a essa questão está baseada em educação,

desenvolvimento das instituições e fortalecimento legal.

Ao mencionar a educação como uma das formas de persuadir as pessoas a agirem pelo

bem comum, o documento dedica algumas páginas sob o subtítulo “Ampliando a Educação”

(RELATÓRIO Brundtland, 1987, p. 122), onde podemos identificar a falta de uma estratégia

clara em relação à formação de cidadãos conscientes. O Comitê coloca nas mãos das religiões

a transformação do desenvolvimento sustentável em um valor da sociedade. Sem considerar

que as religiões ao redor do mundo têm diferentes princípios e crenças, generaliza o cenário

quando sugere que as religiões são responsáveis por formar valores de responsabilidade

individual e coletiva. Entendemos que a religião têm um importante papel de formação e

transformação nas esferas sociais, econômicas e políticas. Por reconhecer essa importância,

podemos considerar que o documento menciona esse aspecto de forma superficial, sem

considerar a complexidade do papel das religiões na sociedade.

Ainda sobre o papel da educação, o documento menciona a importância de garantir

altos índices de alfabetização em todos os países, fator diretamente relacionado com o

desenvolvimento econômico de uma nação. O documento também sugere que a educação

ambiental deve integrar o currículo escolar como uma disciplina e também como tema

transversal nas demais disciplinas. Para garantir que o aprendizado não fique restrito às salas

de aula, o Comitê sugere que a introdução da educação ambiental na grade de ensino formal

seja acompanhada de ações de engajamento dos cidadãos.

Ao expor a importância do desenvolvimento das instituições e do fortalecimento legal,

o documento discorre apoiado na ideia de que, por existir a interdependência dos sistemas,

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existe a necessidade de controles efetivos por agentes externos. O que o Comitê ressalta é que

os efeitos das ações prejudiciais ao meio ambiente não ficam restritos ao agente responsável

pelo ato, impactando outros indivíduos, comunidades e até nações. Coloca ainda que a

percepção da interdependência é pouco presente nos países em desenvolvimento. Embora

tente minimizar o texto afirmando que não há vilões e vitimas, podemos considerar a postura

colonialista nas afirmações.

Nesse momento, encontramos terreno fértil para que os países tidos como

desenvolvidos sejam encorajados a adotar medidas intervencionistas nas atividades

econômicas dos países menos desenvolvidos.

Alguns anos mais tarde, em 1991, Gro Harlem Brundtland, responsável pelo relatório

e enquanto primeira ministra norueguesa, trabalhou a favor da criação de uma agência

ecológica supranacional que teria poderes de fiscalização sobre a Amazônia. Tal agência

nunca foi criada, mas a intenção de se colocar em prática o discurso do poder estava nas

entrelinhas.

Podemos assumir que esse discurso seria baseado no poder do imperialismo cultural,

conforme definido por Herbert Schiller11

, citado por Mattelard:

[...] o conjunto dos processos pelos quais uma sociedade é introduzida no sistema moderno mundial, e a maneira pela qual sua camada dirigente é levada, por fascínio,

pressão, força ou corrupção, a moldar as instituições sociais para que correspondam

aos valores e estruturas do centro dominante do sistema, ou ainda para lhes servir de

promotor dos mesmos (SCHILLER apud MATTELARD, 1999, P. 117).

A partir dessa definição, podemos inferir que, no momento em que se estabelece a

discussão da questão ambiental organizada pelos órgãos mundiais, coloca-se em prática o

poder imperialista cultural no sentido de estabelecer novas crenças e formas de atuação da

sociedade.

O Relatório Brundtland é finalizado com a “Súmula dos Princípios Legais propostos

para a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável”. A súmula deixa evidentes as

responsabilidades do Estado como principal agente na conservação, monitoramento, avaliação

de impactos, análises preventivas e cooperação entre Estados, sempre com o objetivo de ser o

provedor do direito do ser humano a um meio ambiente adequado à sua saúde e bem-estar.

11 Herbert Irving Schiller (1919-2000): sociólogo americano, autor de teorias sobre o capitalismo e imperialismo

americano. Crítico dos meios de comunicação.

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Boaventura de Souza Santos estudou, por meio de seu projeto A Reinvenção da

Emancipação Social (2006), as alternativas à globalização neoliberal e ao capitalismo global

produzidas pelos movimentos sociais e pelas organizações não governamentais, nas questões

relacionadas ao combate à exclusão e à discriminação em diferentes estratos sociais e países.

Boaventura escolheu seis países, em diferentes continentes, baseado na sua percepção de que

naqueles locais os conflitos entre a globalização neoliberal hegemônica e a globalização

contra-hegemônica seriam mais intensos.

Boaventura apoia sua hipótese na ideia de que esses países, que incluem o Brasil,

existe um terreno propício para movimentos relacionados aos temas que permeiam os

conflitos entre os hemisférios. Entre as cinco temáticas apontadas pelo sociólogo estão:

Sistemas de produção alternativos e economia solidária;

Direitos coletivos;

Alternativas aos direitos de propriedade intelectual capitalistas e proteção da

biodiversidade e diversidade epistêmica do mundo.

Podemos considerar que esses três pontos têm relação com o tema desenvolvimento

sustentável e são os fundamentos para o sucesso ou fracasso de uma ação em busca da

sustentabilidade. Não há como obter êxito sem que todos os aspectos desse tripé sejam

respeitados: solidariedade, coletividade e proteção. Sem a combinação desses princípios, não

há como implementar uma ação de sustentabilidade ambiental perene e eficaz.

Retomando o pensamento de Boaventura de Souza Santos; compreendemos a

dinâmica dos movimentos da sociedade quando o autor discorre sobre as ecologias dos

saberes, mais especificamente sobre a ecologia das produtividades (SANTOS, 2006). O

sociólogo afirma que, para a lógica produtivista, o crescimento econômico é um objetivo

racional e inquestionável. Na sequência, Santos apresenta o que ele chama de “sociologia das

ausências” para nos mostrar como e por que ocorrem os movimentos sociais. Aplicada ao

tema produtividade, a sociologia das ausências analisa os critérios em relação aos quais o

tema foi consolidado para então propor meios alternativos.

Especificamente sobre o tema produtividade, Santos ressalta que a evolução se dá a

partir da

[...] recuperação e valorização dos sistemas alternativos de produção, das

organizações econômicas populares, das cooperativas operárias, das empresas

autogeridas, da economia solidária etc., que a ortodoxia produtivista capitalista

ocultou ou descredibilizou (SANTOS, 2006, p. 113).

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Em entrevista recente, Viveiros de Castro imagina para o Brasil um novo modelo

político e econômico, que seja baseado nas soluções socioculturais que os povos brasileiros

carregam através de sua história. Castro defende que o Brasil tem em seu legado “condições

ecológicas, geográficas, culturais de desenvolver um novo estilo de civilização, que não seja

uma cópia empobrecida do modelo americano e norte-europeu” (CASTRO, 2012).

Inúmeras ações da iniciativa privada associadas às organizações não governamentais

atuam no Brasil no sentido de implementar ações de sustentabilidade ambiental. Como

exemplo, podemos trazer a experiência da empresa de produtos de higiene e beleza Natura. A

Natura é uma indústria de origem nacional criada em 1969. Ao longo dos anos, a empresa se

apropriou de um discurso altamente focado em meios de produção alternativos com grande

preocupação em minimizar os impactos de sua atividade fabril na sociedade:

Nossos produtos são a maior expressão de nossa essência. Para desenvolvê-los,

mobilizamos redes sociais capazes de integrar conhecimento científico e sabedoria

das comunidades tradicionais, promovendo, ao mesmo tempo, o uso sustentável da

rica biodiversidade botânica brasileira. Na sua produção, não utilizamos testes em

animais e fazemos observância estrita das mais rigorosas normas de segurança internacionais. O resultado são criações cosméticas de alta qualidade, que

proporcionam prazer e bem-estar, com design inspirado nas formas da natureza

(NATURA, 2012, informação eletrônica).

A comunicação da Natura está repleta de menções à sua preocupação com a integração

do conhecimento científico e o conhecimento oriundo das comunidades; o investimento em

processos de produção sustentáveis e a preocupação com a biodiversidade brasileira, grande

fonte de matéria-prima de seus produtos.

A empresa vem descentralizando parte de sua linha de produção desde 2009. Essa

estratégia está baseada na necessidade de maior proximidade com os fornecedores

responsáveis pela extração de sua matéria-prima (óleos e manteigas de frutos e sementes). A

política de relacionamento com fornecedores prevê o desenvolvimento de fornecedores locais

a partir das comunidades existentes. A empresa, a fim de garantir o padrão de qualidade,

oferece apoio para a organização desses fornecedores em associações e cooperativas. Em

2009, a empresa fechou o ano com crescimento de 18,6% e investiu recursos em 1.714

famílias agroextrativistas na Amazônia. Em Jacarequara (PA), a empresa mantém como

fornecedora uma comunidade formada por cerca de 50 famílias de quilombolas (GLOBO

RURAL, 2010, informação eletrônica).

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Com essa estratégia de investimento em um sistema de produção alternativo e fomento

da economia local, a empresa se defende de possíveis críticas em relação à ocupação e

exploração da biodiversidade nacional.

A Natura divulga ainda em sua comunicação as seguintes diretrizes de sua Política de

Meio Ambiente: responsabilidade com as gerações futuras, educação ambiental e

gerenciamento do impacto de suas ações no meio ambiente. Sem abrir mão de seus interesses

financeiros, a empresa sinaliza que investe em ações que refletem seu posicionamento como

instituição e marca:

A Natura assume que uma empresa ambientalmente responsável deve gerenciar suas

atividades de maneira a identificar os impactos sobre o meio ambiente, buscando

minimizar aqueles que são negativos e amplificar os positivos. Deve, portanto, agir

para a manutenção e melhoria das condições ambientais, minimizando ações

próprias potencialmente agressivas ao meio ambiente e disseminando para outras

empresas as práticas e conhecimentos adquiridos na experiência da gestão

ambiental. Visa também à ecoeficiência ao longo de sua cadeia de geração de valor;

e, ao buscar a ecoeficiência, favorece a valorização da biodiversidade e de sua responsabilidade social (NATURA, 2012, informação eletrônica).

Entendemos que a Natura se apresenta como uma empresa responsável e atuante,

muitas vezes utilizando um discurso edulcorado do ponto de vista ambiental. Sua linha de

produtos cosméticos Natura Ekos reforça esse posicionamento em todas as suas ações:

proteção à fauna e flora, incentivo às comunidades de produtores locais, processo de produção

seguro etc. A empresa deixa explicito seu interesse econômico, mas a força da comunicação

está no conceito da sustentabilidade.

No entanto, o mesmo não acontece com a maioria das empresas que se aventuram a

levantar a bandeira do ecologicamente correto. O que vemos constantemente por parte das

companhias são ações isoladas de pouco ou nenhum efeito, mas que rendem peças

publicitárias com grande potencial de comunicação para a construção de imagem positiva da

empresa em relação à preservação do meio ambiente. Castro refere-se a esta estratégia como

“histórias da carochinha do capitalismo verde” (2012, informação eletrônica). Para o

antropólogo, “a Natureza foi mediatizada e mediocrizada pelo Mercado” (2012, informação

eletrônica.

Frequentemente nos deparamos com a comunicação de empresas que divulgam ações

básicas e até óbvias voltadas para sustentabilidade e se furtam de investir na construção de um

processo sólido de proteção ao meio ambiente. Um exemplo é a empresa multinacional

Kimberly Clark, indústria do segmento de produtos de higiene pessoal e líder de mercado na

categoria de fraldas descartáveis.

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A empresa mantém em seu site a divulgação de diversas ações sob o tema

Sustentabilidade: proteção à criança e adolescente; doações às comunidades carentes;

programa de voluntariado. Divulga inclusive que já recebeu os seguintes prêmios em 2011:

Guia Exame de Sustentabilidade e Premio Socioambiental Chico Mendes, sendo esse último

pelo reconhecimento ao seu trabalho de redução de gases efeito estufa.

Na esfera ambiental, qual o real impacto dessas ações da Kimberly Clark, uma vez que

a empresa é líder de mercado em fraldas descartáveis, um segmento responsável por cerca de

30% do lixo mundial não biodegradável? Onde está a responsabilidade da empresa em

desenvolver, por exemplo, um método de logística reversa, onde o fabricante desenvolve

mecanismos para preservação do meio ambiente através de um processo de controle do fluxo

dos resíduos pós consumo de seus produtos

3.3. A Agenda 21

Em 1992, cinco anos após o surgimento do Relatório Brundtland, foi realizada, no Rio

de Janeiro, a Conferência Eco 92. Nesse encontro, também promovido pela Organização das

Nações Unidas (ONU), 179 representantes de suas nações assumiram um compromisso com o

programa estabelecido para as questões do meio ambiente.

A Conferência de 1992 gerou a Agenda 2112

, documento que definiu o compromisso

de cada país no estudo de soluções para os problemas socioambientais, garantindo o

desenvolvimento sustentável. A Agenda 21 é composta por 40 capítulos e está estruturada em

quatro Seções:

Seção I – Dimensões Sociais e Econômicas

A primeira seção é composta de sete capítulos que tratam dos temas: cooperação

internacional para acelerar o desenvolvimento sustentável dos países em

desenvolvimento; combate à pobreza; implementação de programas integrados de

meio ambiente e desenvolvimento; promoção das condições da saúde humana;

promoção do Desenvolvimento Sustentável dos assentamentos humanos; utilização

eficaz de instrumentos econômicos e de incentivos de mercado; entre outros. Entre os

12 A Agenda 21 foi um dos principais resultados da Conferência Rio-92, ocorrida no Rio de Janeiro, Brasil, em

1992. É um documento que estabeleceu a importância de cada país a se comprometer a refletir, global e

localmente, sobre a forma pela qual governos, empresas, organizações não governamentais e todos os setores da

sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os problemas socioambientais. (Fonte: site Wikipédia)

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sete capítulos da Seção I, detalhamos mais à frente o Capítulo 4, que trata das

mudanças dos padrões de consumo.

Seção II – Conservação e Gestão dos Recursos para o Desenvolvimento

Esta seção é formada por 14 capítulos com foco em proteção e gestão dos recursos da

atmosfera; gerenciamento dos recursos terrestres; combate ao desmatamento; combate

à degradação do solo; promoção do desenvolvimento rural e agrícola sustentável;

conservação da diversidade biológica; proteção de oceanos e mares; proteção da

qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos; manejo ecologicamente saudável

das substâncias químicas tóxicas; manejo ambientalmente saudável dos resíduos

perigosos; manejo seguro e ambientalmente saudável dos resíduos radioativos.

Seção III – Fortalecimento do papel dos Grupos Principais

Nesta seção, constituída de dez capítulos, temos a definição dos principais grupos que

são foco da Agenda 21. São definidos os atores do movimento, sua importância e quais

as suas responsabilidades. Além do Capítulo 25, dedicado às crianças e jovens,

encontramos mais nove capítulos abordando diferentes grupos: a mulher; as

populações indígenas; as Organizações Não Governamentais (ONGs); autoridades

locais; trabalhadores e sindicatos; o comércio e a indústria; a comunidade científica e

tecnológica e os agricultores.

Seção IV – Meios de implementação

O objetivo da Seção IV é estabelecer mecanismos para que as intenções dos capítulos

anteriores sejam cumpridas. Os capítulos tratam de recursos e mecanismos de

financiamento; formas de transferência de tecnologia; promoção do ensino, da

conscientização e cooperação internacional; instrumentos e mecanismos jurídicos;

informação para a tomada de decisões. Nesta seção destacamos o Capítulo 36, que

versa sobre a promoção do ensino como instrumento de propagação das ações de

sustentabilidade.

Selecionamos para aprofundamento cinco capítulos da Agenda 21 que abordam direta

ou indiretamente o tema da presente dissertação. São eles:

Capítulo 4 - Mudanças nos padrões de consumo

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Capítulo 25 – Infância e juventude no desenvolvimento sustentável

Capítulo 36 – Promoção do ensino, da conscientização e do treinamento

Capítulo 30 – Fortalecimento do papel do Comércio e Indústria

Capítulo 40 – Informação para tomada de decisões

Entre os 40 capítulos da Agenda 21, acreditamos que através da análise desses cinco

capítulos temos a visão de como a conferência pretendia estabelecer a implantação e

fomentação das ideias e a perenidade das ações voltadas para sustentabilidade.

Também com base nesses cinco capítulos, conseguiremos analisar a linha de

comunicação adotada pela mídia e pelas empresas em sua publicidade.

O Capítulo 4 da Agenda 21 – Mudanças nos padrões de consumo

Abrange duas grandes áreas: exame dos padrões insustentáveis de produção e

consumo, além do desenvolvimento de políticas e estratégias nacionais de estímulo a

mudanças nos padrões insustentáveis de consumo. Esse capítulo faz referência à necessidade

de atenção aos padrões de consumo e produção que provoquem o aumento da pobreza e das

desigualdades sociais. O texto procura colocar em discussão a necessidade de que o

desenvolvimento econômico seja baseado em ações sustentáveis. A ideia é fazer com que as

demandas básicas da sociedade sejam atendidas sem que o meio ambiente sofra

consequências. Nesse capítulo, são definidos os diferentes agentes dessa nova postura

(Governo, indústria, famílias e público em geral):

[...] a sociedade precisa desenvolver formas eficazes de lidar com o problema da

eliminação de um volume cada vez maior de resíduos. Os Governos, juntamente

com a indústria, as famílias e o público em geral, devem envidar um esforço

conjunto para reduzir a geração de resíduos e de produtos descartados, das seguintes

maneiras: (a) Por meio do estímulo à reciclagem no nível dos processos industriais e

do produto consumido; (b) por meio da redução do desperdício na embalagem dos

produtos; (c) Por meio do estímulo à introdução de novos produtos ambientalmente

saudáveis. (c) Auxílio a indivíduos e famílias na tomada de decisões ambientalmente

saudáveis de compra (AGENDA 21, 1992, p. 21).

A partir desse pensamento, foi criado o símbolo dos três erres: Reduzir, Reutilizar,

Reciclar (Figura 6). Mediante comandos simples e diretos, a mensagem é transmitida por

meio de três ações consideradas fundamentais para o sucesso da sustentabilidade ambiental:

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O comando Reduzir determina que o cidadão deve diminuir o consumo de energia,

água, combustíveis etc. A Reutilização exige do cidadão uma postura de menor descarte dos

produtos de consumo: reaproveitamento de sacolas, roupas, móveis etc. A Reciclagem entra

neste ciclo quando já se esgotaram as oportunidades de redução e reutilização. O processo de

reciclagem tem como ponto de partida a coleta seletiva do lixo, onde o cidadão separa o

resíduo reciclável do lixo orgânico. O destino do material a ser reciclado, a partir desse

momento, passa a depender de ações das instituições públicas e privadas. É responsabilidade

dos Governos e das indústrias prover um sistema eficiente e seguro de coleta, transporte e

processo de reciclagem.

Figura 6 – Símbolo Reduzir, Reutilizar, Reciclar.

Em seu livro Vida para Consumo, Zygmunt Bauman (2007) faz uma análise sobre a

sociedade do consumo e desvenda as características de comportamento do “ser consumidor”.

Para ele, a sociedade de consumo é na sua essência “uma sociedade do excesso e

extravagância – e, portanto, da redundância e do desperdício pródigo” (BAUMAN, 2007, p.

112). Como lidar com as novas questões de consumo consciente quando as mesmas têm a

proposta de redução, reutilização, reaproveitamento?

Ainda no quarto capítulo da Agenda 21, fica evidente que há um pensamento

embrionário voltado para a consciência ecológica e que este deverá ser estimulado à medida

que passe a ser do interesse das indústrias de produtos de bens de consumo:

O recente surgimento, em muitos países, de um público consumidor mais consciente

do ponto de vista ecológico, associado a um maior interesse, por parte de algumas

indústrias, em fornecer bens de consumo mais saudáveis ambientalmente, constitui

acontecimento significativo que deve ser estimulado [...] Os Governos, em cooperação com a indústria e outros grupos pertinentes, devem estimular a expansão

da rotulagem com indicações ecológicas e outros programas de informação sobre

produtos relacionados ao meio ambiente, a fim de auxiliar os consumidores a fazer

opções informadas (AGENDA 21, 1992, p. 4).

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Embora o capítulo tenha previsto, em um de seus parágrafos, o controle da informação

a ser transmitida ao consumidor final, o que vemos atualmente são empresas que utilizam o

discurso ecologicamente correto fazendo uso, muitas vezes, de um tom alarmista e colocando

nas mãos do consumidor a responsabilidade do bem-estar do planeta. É como se a mesma

empresa, que fabricou produtos que agrediram a natureza durante décadas, se isentasse da

responsabilidade dos danos já causados, simplesmente por ter desenvolvido nos últimos anos

produtos com apelo à sustentabilidade.

Segundo Lucia Santaella (2010), em seu livro Comunicação e Pesquisa, a

intencionalidade é um critério que define a comunicação: “intenção é a tentativa consciente do

emissor de influenciar o receptor através de uma mensagem, sendo a resposta do receptor uma

reação baseada na hipótese das intenções da parte do emissor” (SANTAELLA, 2010, p.15).

Como exemplo, trouxemos a comunicação da Unilever, indústria de bens de consumo

de origem inglesa estabelecida no Brasil desde os anos 20. A Unilever mantém um programa

chamado Por um Planeta mais limpo, onde divulga suas ações voltadas à preservação do meio

ambiente. Em seu site, além de mostrar as melhorias em seus processos produtivos, a

Unilever incentiva os consumidores a utilizarem seus produtos a fim de garantirem um

planeta mais saudável:

Se todas as pessoas passassem a usar OMO Poder Líquido Super Concentrado

teríamos uma redução de 130 mil toneladas de gás carbônico por ano, o que

significa 37.000 carros a menos nas ruas. Se todas as pessoas passassem a usar Comfort Concentrado ou Fofo Concentrado, teríamos uma economia de 75 milhões

de litros de água por ano, quantidade equivalente a 2,8 milhões de banhos

(UNILEVER, 2012, informação eletrônica).

A informação não revelada é que, embora a empresa tenha feito investimentos em seu

parque fabril para adequar alguns de seus processos de produção, o grande volume de

negócios é resultante dos produtos tradicionais, ou seja, a empresa ainda investe pesado na

fabricação de produtos não totalmente adaptados ao conceito sustentável.

Em peça publicitária recente veiculada pela Revista Veja de junho de 2012 (Figura 7),

a Unilever lembra a data do Dia Mundial do Meio Ambiente e coloca nas mãos do

consumidor a responsabilidade pela preservação do planeta: “Pequenas atitudes podem fazer

grandes mudanças. Evite o desperdício – Recicle embalagens – Consuma produtos

concentrados”. Sob este texto, a empresa ilustra seus quatro produtos concentrados (sabão

líquido e amaciante das marcas Omo, Comfort, Fofo e Surf – líderes em seus segmentos de

negócio), sugerindo que está fazendo a sua parte em oferecer essas opções à consumidora para

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que a mesma faça sua escolha de compra consciente. Posterior ao ato da compra, a

consumidora ainda é responsável por evitar o desperdício durante o uso do produto e reciclar

embalagens após o uso. Definitivamente, uma grande mudança nos hábitos de consumo que

pode parecer simples quando tratamos de uma única categoria, como nesse caso dos produtos

para lavar roupas. No entanto, o consumidor tem em média 30 a 40 escolhas de produtos para

serem feitas durante uma compra de supermercado. Após a escolha na loja, há ainda as

decisões sobre como usar o produto e posteriormente como tratar o descarte de maneira

consciente. Não é mudança fácil para hábitos de consumo já arraigados.

Figura 7 – Publicidade Unilever

Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 2272). Disponível em: < http://veja.abril.com.br/acervodigital/>.

Acesso em 14 jan. 2012.

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O consumo consciente, tão difundido nos últimos anos, pode abranger desde o uso de sacolas

retornáveis para a compra em supermercados até a escolha de uma companhia aérea que tem o

Certificado de Crédito de Carbono. As empresas que recebem este certificado conseguiram

reduzir a emissão de gases do efeito estufa em seus processos produtivos e em sua operação;

portanto, optar por uma companhia com este certificado faz, teoricamente, com que o cidadão

usuário do serviço esteja comprometido com o meio ambiente.

Para que uma empresa reduza a emissão de carbono, uma das ações mais frequentes é

o investimento no plantio de árvores. Hoje, já é possível, através de cálculos específicos,

identificar o quanto uma empresa emite de CO2 em suas atividades diárias. Atualmente, as

empresas especializadas em neutralização de gás carbônico não só oferecem seus serviços a

organizações empresariais, mas também a indivíduos.

A empresa Key Associados disponibiliza na internet a calculadora de Emissão de CO2.

A partir do registro de consumo mensal de energia elétrica, gás e combustível, é possível

calcular o total de emissões de gás carbônico e a quantidade necessária de árvores para

compensar essa emissão. No exemplo abaixo, uma família de quatro pessoas, residente em

São Paulo, é responsável pela emissão de 1,6 ton de CO2/ano. Para neutralizar esse volume de

emissões, a família deveria plantar sete árvores/ano (Figura 8):

Figura 8 – Exemplo de cálculo de emissão de CO2

Fonte: Disponível em: <www.keyassociados.com.br>. Acesso em: 12 jan. 2012.

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A partir da difusão da existência de empresas como essas no mercado, é possível

concretizar os impactos do consumo e aumentar a responsabilidade do indivíduo comum para

com a preservação do meio ambiente.

Mas o que é verdadeiro e o que é falso nesses movimentos? Esta é a grande questão

que o consumidor tem quando o assunto é o consumo consciente.

Tomemos como exemplo a recente polêmica sobre a proibição do uso das sacolas

plásticas nos supermercados de São Paulo. O movimento, inicialmente liderado pela rede

Walmart, ganhou expressão quando foi adotado pela APAS (Associação Paulista de

Supermercados). A ideia, baseada nas consequências negativas do descarte das sacolinhas, era

fazer com que o consumidor utilizasse sua própria embalagem reutilizável para transporte das

mercadorias compradas nas lojas de supermercados. Para uma preocupação legitima, a APAS

negociou uma solução oportunista com o Governo. Os supermercados simplesmente

deixariam de disponibilizar as sacolas plásticas sem que o custo dessa economia fosse

repassado ao consumidor. Formou-se então um movimento opositor defendendo interesses da

indústria do plástico, a mais afetada pela determinação. Para contrariar a determinação de

proibição, foi acionado o IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que defendeu

a volta da distribuição das sacolinhas e a implantação do que chamaram de logística reversa:

criar um sistema de troca gratuito, a fim de substituir as sacolas retornáveis danificadas por

novas. Sob o disfarce da preocupação com os direitos do consumidor, a justiça determinou

que as sacolinhas fossem novamente distribuídas pelos supermercados.

Faltou às instituições envolvidas neste caso a iniciativa de buscar uma solução de

responsabilidade compartilhada. O que se viu foi uma oportunidade das redes

supermercadistas de se livrarem do ônus de distribuição das sacolinhas, deixando nas mãos do

consumidor a responsabilidade por uma mudança de hábito.

Nesse exemplo, fica claro que os interesses econômicos prevaleceram em dois

momentos chave: quando se estabeleceu a proibição, houve beneficio para os supermercados;

quando a determinação foi revogada, restabeleceu-se a ordem econômica para as indústrias do

plástico.

Capítulo 25 da Agenda 21 - A infância e a juventude no desenvolvimento sustentável

O Capitulo 25 da Agenda 21, “A infância e a juventude no desenvolvimento

sustentável” (Children and Youth in Sustainable Development), reforça que o envolvimento de

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gerações jovens será decisivo para o sucesso da implementação dos programas previstos na

Agenda 21:

É imperioso que a juventude de todas as partes do mundo participe ativamente em

todos os níveis pertinentes dos processos de tomada de decisões, pois eles afetam

sua vida atual e têm repercussões em seu futuro. Além de sua contribuição

intelectual e capacidade de mobilizar apoio, os jovens trazem perspectivas peculiares

que devem ser levadas em consideração (AGENDA 21, 1992, p. 1).

Nesse único parágrafo, já temos a evidência de que, na perspectiva dos Governos, as

gerações mais jovens teriam papel fundamental na mudança de comportamento em relação às

questões do meio ambiente.

No Capítulo 25, a Agenda 21 destaca a importância do comprometimento das gerações

mais jovens para o sucesso dos programas estabelecidos a longo prazo. Nesse capítulo, é

evidente o foco na existência de uma característica dos jovens voltada para a mobilização em

prol de uma causa, além da expectativa de que o aporte intelectual dessa geração traga

avanços para a discussão. A orientação do texto é para que se promova o envolvimento dos

jovens no diálogo com Governos. Nesse sentido, é fundamental que cada país invista em

educação formal e oportunidades de emprego para a geração jovem.

No próximo capítulo desta dissertação, iremos exemplificar como o público infantil

tem sido utilizado com frequência na comunicação de ações de sustentabilidade

O Capítulo 30 da Agenda 21 – Fortalecimento do papel do comércio e da indústria

Nesse capítulo, além do reconhecimento da importância do comércio e da indústria

como responsáveis pelo desenvolvimento econômico dos países, fica claro que, a partir desse

documento, as empresas devem investir consistentemente em meios de produção e

distribuição limpos. É o que a Agenda 21 chama de “manejo responsável” e que deve permear

toda a atividade dos grupos industriais e comerciais. Dois programas essenciais devem fazer

parte da atuação das empresas:

Promoção de uma produção mais limpa;

Promoção da responsabilidade empresarial.

É inegável que as empresas nacionais e multinacionais têm se empenhado, em

diferentes níveis, para utilizar esses dois programas em sua estratégia de comunicação. Vimos,

ao longo dos anos, um aumento considerável na divulgação dos relatórios de sustentabilidade

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das empresas como um importante sinalizador do compromisso das mesmas com o

desenvolvimento sustentável. Itaú, Bradesco, Natura, Vale, Petrobras, Unilever, Philips,

Walmart, entre outras, têm utilizado os relatórios de sustentabilidade para divulgar não apenas

suas ações, mas também seu posicionamento mercadológico. Selecionamos dois exemplos

distintos para análise: Unilever e Petrobras.

No relatório de sustentabilidade da Unilever, a visão da empresa é definida da seguinte

forma:

Trabalhamos para criar um futuro melhor todos os dias. Ajudamos as pessoas a se

sentirem bem, bonitas e a aproveitarem mais a vida com marcas e serviços que são

bons para elas e para os outros. Vamos inspirar as pessoas a adotarem pequenas

atitudes diárias que, somadas, podem fazer uma grande diferença para o mundo.

Vamos desenvolver novas formas de fazer negócios, que nos permitirão dobrar o

tamanho da nossa companhia ao mesmo tempo em que reduzimos nosso impacto

ambiental (RELATÓRIO de Sustentabilidade Unilever, 2010, p. 7).

Como uma indústria de bens de consumo não duráveis, a Unilever optou por inserir

seus produtos e marcas no dia a dia dos consumidores, enfatizando seus benefícios de longo

prazo. A linguagem utilizada para definir sua missão coloca em evidência a contribuição de

suas marcas e serviços em proporcionar bem-estar aos seus consumidores. “Sentirem-se bem,

bonitas e aproveitarem mais a vida” é a promessa de resgatar o individualismo dentro de um

discurso baseado na coletividade, assim como é o discurso ambientalista.

A empresa não esconde sua missão em gerar lucros e crescer, quando menciona seu

objetivo de dobrar seu tamanho, e deixa claro que, para adotar o caminho do desenvolvimento

sustentável, ainda precisa investir no desenvolvimento de “novas formas de fazer negócio”.

Conforme já identificamos anteriormente, a aplicação dos fundamentos que reduzem o

impacto ambiental dos produtos Unilever ainda está concentrada na categoria de produtos

para lavar roupas, sendo que a companhia mantém em seu portfólio de produtos uma extensão

de 28 diferentes marcas em diferentes categorias de alimentos, higiene pessoal e limpeza.

Por outro lado, sem adotar a linguagem edulcorada de uma empresa de bens de

consumo, a Petrobras traz, em seu relatório de sustentabilidade de 2011, uma linguagem mais

assertiva em relação aos seus objetivos enquanto negócio:

Seremos uma das cinco maiores empresas integradas de energia do mundo e a

preferida pelos nossos públicos de interesse. Nossa atuação se destacará por: Forte

presença internacional; Referência mundial em biocombustíveis; Excelência operacional, em gestão, em eficiência energética, em recursos humanos e em

tecnologia; Rentabilidade; Referência em responsabilidade social e ambiental;

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Comprometimento com o desenvolvimento sustentável (RELATÓRIO de

Sustentabilidade Petrobrás, 2011, p. 1).

Conseguimos identificar portanto diferentes formas de abordar o tema. Encontraremos

um grupo de empresas que utiliza a comunicação de suas ações de sustentabilidade em uma

linguagem romântica, adocicada, distante, em alguns casos, da sua principal atividade

comercial. Outras empresas mostrarão suas ações sem mascarar sua principal missão no

contexto de mercado: o lucro e a rentabilidade do negócio.

O Capítulo 36 da Agenda 21 – Promoção do ensino, da conscientização e do treinamento

Selecionamos esse capítulo para destacar sua importância em relação à menção da

promoção da conscientização pública para o tema. O capítulo 36 coloca que uma das barreiras

para o crescimento do movimento sustentável é a pouca consciência da inter-relação entre as

atividades humanas e o meio ambiente. O texto atribui a baixa consciência à insuficiência e

inexatidão de informações, principalmente nos países em desenvolvimento:

Os países em desenvolvimento, em particular, carecem da tecnologia e dos

especialistas competentes. É necessário sensibilizar o público sobre os problemas de

meio ambiente e desenvolvimento, fazê-lo participar de suas soluções e fomentar o

senso de responsabilidade pessoal em relação ao meio ambiente e uma maior motivação e dedicação em relação ao desenvolvimento sustentável (AGENDA 21,

1992, p. 343).

Não podemos deixar de criticar a forma como o texto se refere às limitações dos

chamados “países em desenvolvimento”, como se o desenvolvimento do hemisfério sul

tivesse que obrigatoriamente passar pelos estágios de desenvolvimento pelos quais os países

norte americanos e europeus passaram. Boaventura Souza Santos (SANTOS, 2006) defende

que o desenvolvimento dos países não é linear e cada país tem suas características culturais

que os levam ao desenvolvimento por caminhos distintos.

Em uma entrevista concedida ao programa Blog do Milênio em agosto de 2012,

Santos discorreu sobre o impacto negativo da herança colonialista no avanço dos países

menos desenvolvidos. Para ele, não há um modelo único de desenvolvimento, principalmente

em termos de padrões de consumo: “[...] estamos vendo o subdesenvolvimento da Europa

desenvolvida [...]” (MILÊNIO, 2012, informação verbal). Assistimos ao empobrecimento de

países como Espanha e Portugal e percebemos que, mesmo frente a essa realidade, a Europa

está longe de assumir que há algo a aprender com os países do hemisfério sul.

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Entre as atividades previstas nesse capítulo da Agenda 21, em prol da conscientização

pública, o texto reforça as seguintes diretrizes aos países: reforçar os meios de difusão; apoiar

a formação de redes nacionais e locais de informação; promover a relação de cooperação com

os meios de informação, indústria de espetáculos e publicidade; utilizar tecnologia moderna

de divulgação; entre outras ações.

A orientação para que os Governos utilizem os meios de comunicação de massa para

conscientização e mobilização da população é evidente. O texto ainda reforça a necessidade

de colaboração entre os agentes que irão utilizar os meios de divulgação e os grupos de

trabalhos científicos para melhor qualificação da informação.

No capítulo seguinte desta dissertação, veremos como a mídia impressa tratou os

principais fóruns de discussão sobre o meio ambiente e como as empresas se posicionaram

nesses contextos.

O Capítulo 40 da Agenda 21 – Informação para tomada de decisões

No desenvolvimento sustentável, cada pessoa é usuário e provedor de informação,

considerada em sentido amplo, o que inclui dados, informações e experiências e

conhecimentos adequadamente apresentados. A necessidade de informação surge em

todos os níveis, desde o de tomada de decisões superiores, nos planos nacional e internacional, ao comunitário e individual (AGENDA 21, 1992, p. 365).

No último capítulo da Agenda 21, duas áreas de programas são definidas:

Redução das diferenças em matéria de dados;

Melhoria da disponibilidade da informação.

É preciso considerar que, na ocasião da elaboração da Agenda 21, em 1992, os

mecanismos de coleta, avaliação e atualização de informações sobre questões de

desenvolvimento social, demográfico e ambiental já existiam. No entanto, não havia uma

política que estabelecia os parâmetros de investigação e divulgação dos mesmos.

Como vimos no capítulo anterior da presente dissertação, até hoje temos informações

contraditórias no que se refere às causas e efeitos das questões ambientais. Entretanto, o tema

segue como pauta de debates.

Após quase duas décadas da existência da Agenda 21 e com a realização da

Conferência Rio +20, percebemos que o tema ganha maior peso no momento em que os

impactos da produção e consumo são notórios e incontestáveis. Neste cenário, os Governos e

as empresas decidem atuar como agentes. O Governo investe em campanhas de

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conscientização, as indústrias lançam produtos sustentáveis, o varejo investe em lojas

sustentáveis e incentiva seus fornecedores a investirem em processos de produção que

garantam menor impacto ao meio ambiente.

Nesse contexto, podemos afirmar que, atualmente, recebemos muito mais informação

sobre o tema, comparando com as duas décadas anteriores – fato este que deve ter um impacto

considerável nas nossas relações com o mundo e também com nosso comportamento de

consumo.

O relatório final do encontro Rio + 20 resgata vários pontos da Agenda 21 e reafirma o

compromisso assumido. No texto original, na seção que trata do engajamento das maiorias,

encontramos o seguinte trecho:

50. We stress the importance of the active participation of young people in decision-

making processes, as the issues we are addressing have a deep impact on present and

future generations, and as the contribution of children and youth is vital to the

achievement of sustainable development. We also recognize the need to promote

intergenerational dialogue and solidarity by recognizing their views (RELATÓRIO

“The Future we want”, 2012, p. 8)13.

Nesse parágrafo, o documento reforça a importância das crianças e jovens no sentido

de liderarem parte significante das mudanças necessárias para o sucesso do movimento

sustentável. Colocar a infância e a juventude como atores do processo significa apostar que a

mudança de comportamento de consumo será decisiva para o sucesso dos movimentos

sustentáveis.

Na seção destinada à educação, fica explícita a recomendação para que as instituições

de ensino coloquem em prática os modelos de gestão sustentável e trabalhem o tema

transversalmente às disciplinas:

234. We strongly encourage educational institutions to consider adopting good

practices in sustainability management on their campuses and in their communities

with the active participation of, inter alia, students, teachers and local partners, and

teaching sustainable development as an integrated component across disciplines

(RELATÓRIO “The Future we want”, 2012, p. 44)14.

13 Tradução nossa: “Nós reforçamos a importância da participação ativa dos jovens no processo decisório, uma

vez que os temas que estão sendo tratados têm um profundo impacto nas gerações do presente e do futuro, e a

contribuição das crianças e jovens é vital para que alcancemos o desenvolvimento sustentável. Nós também

reconhecemos a necessidade em promover o dialogo entre as gerações e a solidariedade pelo reconhecimento de

seus pontos de vista.” 14 Tradução nossa: “ Nós encorajamos fortemente que as instituições educacionais considerem a adoção de boas

práticas em sustentabilidade em seus campi e em suas comunidades com participação ativa de, entre outros,

estudantes, professores, parceiros locais, e com ensino do desenvolvimento sustentável como um tema integrado

entre as disciplinas”

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Uma base sólida para o pensamento voltado para a sustentabilidade está sendo criada

globalmente. Interesses divergentes, por questões econômicas e sociais, ainda são entraves

para o movimento. Mas, mesmo assim, é inegável que os últimos 30 anos representaram um

avanço considerável na direção de melhores práticas para a preservação do meio ambiente.

José Eli da Veiga (2010) defende que, para a sustentabilidade ganhar espaço, é

fundamental que exista uma macroeconomia que reconheça os limites naturais do

desenvolvimento, além de uma mudança nos padrões de consumo. Enquanto caminhamos

para esse cenário a passos curtos, o autor reforça a necessidade de pelo menos pensarmos em

“reduzir a insustentabilidade” (VEIGA, 2010, p. 27).

Em seu livro, Veiga trata da sustentabilidade como um valor que está sendo construído

e chama atenção para os obstáculos cognitivos na questão sócio ambiental. O autor afirma que

o tema ainda é relativamente recente no cotidiano das pessoas e alguns sentidos que já foram

assimilados não são dotados de verdade absoluta. Ele cita como exemplo o slogan “salvar o

planeta”, frequentemente utilizado pela mídia e pelas empresas em sua publicidade. Veiga

explica que tal missão é impossível de ser cumprida, uma vez que a Terra vai desaparecer

independente da ação do ser humano. Cientificamente, “o planeta” utilizado nesse slogan

representa somente a biosfera e seus ecossistemas. É aqui que o ser humano consegue atuar.

“Salvar” também traz mais responsabilidades do que podemos assumir. A ideia deveria ser

construída para agirmos no sentido de desacelerar o processo de danos ao meio ambiente.

Para exemplificar como a mídia se aproveita dessa carga de responsabilidade sobre o

indivíduo, buscamos a capa da revista Veja de outubro de 2007, que destaca a matéria sobre o

meio ambiente e utiliza o titulo “Salvar a Terra: como essa ideia triunfou” (Figura 9). Embora

o título remeta à consolidação do movimento, através do triunfo da ideia, a matéria foi escrita

para mostrar as diferentes posições entre o IPCC e os ambientalistas céticos. O destaque da

foto de capa mostra uma consumidora que assumiu comportamento baseado na

sustentabilidade ao usar fraldas de pano, bicicleta como meio de transporte, sacola reutilizável

etc. Entretanto, o corpo da matéria não mostra como e em que intensidade estes

comportamentos foram incorporados pela população. Ou seja, o título e a foto de capa estão

distantes do conteúdo da matéria.

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Figura 9 – Capa da Revista Veja de 24 de outubro de 2007

Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 2031 de 24 de outubro de 2007). Disponível em: <

http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.

Em mais detalhes, não há como deixar de notar a representação do individuo escolhida

pela publicação. Uma mulher jovem, acompanhada de sua filha, ainda bebê. A criança,

conforme veremos com maior detalhe no capítulo seguinte, é invariavelmente tratada como a

grande beneficiária das ações sustentáveis. A infância representa o futuro e, por isso, o bebê

segura o globo terrestre em formato de balão. A felicidade estampada em seu rosto representa

a segurança de um futuro saudável. Por outro lado, o semblante da jovem mãe, embora remeta

à determinação, tem traços de seriedade e tensão. Suas roupas e acessórios (cantil) em tons

verde e bege remetem ao uniforme militar.

Encontramos então a representação do peso da responsabilidade em “salvar o planeta”.

Quais as consequências para nosso cotidiano quando incorporamos o 'valor sustentabilidade'?

Quais as privações relacionadas aos nossos hábitos de consumo? Qual o custo adicional para

incorporar em nossa cesta de compras os alimentos orgânicos, as roupas com fibras

recicladas?

Diversos projetos de cidades sustentáveis têm sido criados pelo mundo. O título de

cidade sustentável muitas vezes é atribuído à cidade que implementa com sucesso pelo menos

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um programa voltado para sustentabilidade: transporte coletivo movido a biocombustível,

coleta seletiva, reuso de água etc. Na maioria dos casos, o programa é único e não faz parte de

uma estratégia mais ampla de desenvolvimento sustentável, uma vez que as cidades já estão

estabelecidas e o esforço para mudanças mais radicais seria monstruoso.

Fenômeno recente, com alguns exemplos pelo mundo, são as cidades especialmente

criadas sob conceitos de sustentabilidade: Dongtan na China e SongDo na Coreia do Sul.

SongDo é fruto da iniciativa privada que investiu 40 bilhões de dólares para erguer a primeira

cidade planejada para ser um centro financeiro e administrativo. Chamada de “metrópole

ecológica” o empreendimento tem 40% de sua extensão destinada às áreas verdes. A cidade

tem capacidade para abrigar 65 mil moradores. É imperativo que os moradores dessa nova

cidade sigam as regras de uso de energia, água, coleta de lixo, transporte, consumo de bens

etc. Como será o comportamento dessa nova sociedade, formada a partir de indivíduos

originários de diversas partes do mundo reunidos em um ambiente hermético repleto de regras

de comportamento em sua maioria distintas das regras de suas cidades de origem?

Seria uma nova materialização da sociedade de controle estudada por Gilles Deleuze

(1992)? O controle das ações dos indivíduos será estabelecido independente do espaço que ele

estiver ocupando: residência, trabalho ou lazer. Esse controle será exercido de forma

continuada, 24 horas por dia.

O modelo de SongDo é extremo – no entanto, diariamente somos impactados por

mensagens, conselhos e ordens que nos são transmitidas pelos meios de comunicação.

Estamos frequentemente expostos ao dilema que a questão nos traz: é necessário ter

consciência para a preservação do meio ambiente, mas a ação muitas vezes resulta na perda

da liberdade de escolha já conquistada.

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4. SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL NA MÍDIA: JORNALISMO E

PUBLICIDADE

Veremos ao longo deste capítulo como o discurso da sustentabilidade cresceu e ganhou

voz através não só através do incentivo dos Governos, mas também por meio de estímulos

veiculados nos meios de comunicação, principalmente jornais e revistas.

Pesquisadores da área de comunicação trabalham em teorias para investigar a

capacidade de dominação da mídia. Para o autores do livro Teorias da Comunicação em

Jornalismo: reflexões sobre a mídia (BARROS; LOPES; PERES, 2011), dois pontos são

fundamentais para o entendimento do fenômeno nas mídias: a dominação é constituída

através da visibilidade que se dá ao tema e pela mobilização de sentidos que alimentam uma

ideologia.

Veremos através de exemplos como o tema sustentabilidade ambiental tem ocupado

espaço da mídia e como os jornais e revistas contribuem para dar visibilidade às questões

ambientais. Além da cobertura jornalística, a publicidade contribui para dar sentido à

problemática.

Em Psicologia das Massas e Análise do Eu, Sigmund Freud (1941) aborda a

psicologia social com a seguinte definição:

[...] a psicologia de massas trata o ser individual como membro de uma tribo, um

povo, uma casta, uma classe, uma instituição, ou como parte de uma aglomeração

que se organiza como massa em determinado momento, para um certo fim. Após

essa ruptura de um laço natural, o passo seguinte é considerar os aspectos que

surgem nessas condições especiais como manifestações de um instinto especial

irredutível a outra coisa, o instinto social – herd instinct, group mind [instinto de rebanho, mente do grupo] – que não chega a se manifestar em outras situações. Mas

podemos levantar a objeção de que é difícil conceder ao fator numérico um

significado tão grande, em que somente ele seria capaz de despertar, na vida

psíquica humana, um instinto novo, normalmente inativo. Nossa expectativa é então

desviada para duas possibilidades: a de que o instinto social pode não ser primário e

indivisível, e de que os primórdios da sua formação podem ser encontrados num

circulo mais estreito como o da família (FREUD, 1941, p. 15).

Baseados nessa discussão aberta por Freud, compreendemos como um tema colocado

em pauta em 1987 levou mais de duas décadas para ser considerado relevante para a

sociedade, a ponto de iniciar uma mudança de comportamento. O cenário que temos no

momento garante que os círculos mais estreitos das relações humanas já estejam impactados

pelas preocupações ambientais, ainda que de forma não atuante. Famílias, professores,

amigos, colegas de trabalho, vizinhos: em todas as esferas de relacionamento, encontraremos

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indivíduos mais ou menos engajados em alguma ação voltada para sustentabilidade. A base

para a mudança de comportamento da massa está formada.

Esta dissertação aborda como ocorreu a disseminação do tema sustentabilidade ao

longo dos anos e investiga o discurso utilizado. Do nosso ponto de vista, as diversas

instituições que se apropriam do tema o fazem através de um discurso competente. Para a

definição do discurso competente, recorremos a Marilena Chaui (2005) em seu livro Cultura e

Democracia:

O discurso competente é aquele que pode ser proferido, ouvido e aceito como

verdadeiro ou autorizado porque perdeu os laços com o lugar e o tempo de sua

origem [...] O discurso competente é o discurso instituído. É aquele no qual a

linguagem sofre uma restrição que poderia ser assim resumida: não é qualquer um

que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer

circunstância (CHAUI, 2005, p. 19).

Chaui cita o filósofo francês Claude Lefort para afirmar que o homem passa a se

relacionar com os demais e com o mundo guiando-se por estes discursos em todas as esferas:

[...] O homem passa a se relacionar com a criança por meio do discurso pedagógico

e pediátrico […] com a natureza, pela mediação do discurso ecológico [...]. Em uma

palavra: o homem passa a relacionar-se com a vida, com seu corpo, com a natureza e

com os demais seres humanos através de mil pequenos modelos científicos nos quais

a dimensão propriamente humana da experiência desapareceu. Em seu lugar surgem

milhares de artifícios mediadores e promotores de conhecimento que constrangem

cada um e todos a se submeterem à linguagem do especialista que detém os segredos

da realidade vivida e que, indulgentemente, permite ao não especialista a ilusão de

participar do saber. Esse discurso competente não exige uma submissão qualquer,

mas algo profundo e sinistro: exige a interiorização das suas regras, pois aquele que

não as interiorizar corre o risco de ver-se a si mesmo como incompetente, anormal, a-social, como detrito e lixo (CHAUI, 2005, p. 25).

Retrocedendo ao ano de 1987, constatamos que, para a mídia no Brasil,

especificamente para a Revista Veja (edição 974, 06 de maio de 1987, p. 68), o destaque do

Relatório Brundtland estava na declaração de Gro Harlem Brundtland15

, responsável pela

direção dos trabalhos que geraram o relatório, que pontuava que o documento tinha como

objetivo mudar a imagem do desenvolvimento econômico como sendo o grande vilão. Para os

especialistas envolvidos na elaboração do relatório, a contaminação do meio ambiente se dá

pelas condições de pobreza e atraso tecnológico das Nações.

15 Gro Harlem Brundtland: Primeira-ministra da Noruega, de 1986 a 1996, e diretora geral da Organização

Mundial de Saúde, de 1998 a 2003.

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Nesse contexto, se torna fértil o discurso que coloca nas mãos do Estado desenvolver e

fiscalizar os mecanismos que alavancam o desenvolvimento tecnológico e econômico de suas

sociedades e ainda esconde o fato de que, na maioria dos casos, as nações pobres se

encontram nessa situação de desvantagem por conta dos efeitos do processo de

desenvolvimento dos países ricos.

O consultor em meio ambiente Andres R. Edwards (2005) faz um comparativo entre a

Revolução Industrial e o que ele chama de Revolução da Sustentabilidade, em seu livro de

mesmo nome. Edwards trabalha a anatomia das revoluções sociais em três fases: Gênesis,

Massa Crítica e Difusão. A partir dessas três fases, o autor desenvolve um paralelo com a

Sustentabilidade.

Gênesis: na Revolução Industrial16

, o acúmulo de commodities17

incentivou a

criação da indústria. Na Revolução da Sustentabilidade, a origem estaria na

discussão iniciada em 1972 e aprofundada em 1987 no Relatório Brundtland, que

mostrava a necessidade de se estabelecer mecanismos de proteção da Terra levando

em consideração aspectos econômicos e sociais.

Massa Crítica: a Revolução Industrial toma corpo em 1769, quando a máquina a

vapor leva a produção industrial a um novo patamar de eficiência. Já a Revolução

da Sustentabilidade ganha uma discussão mais aprofundada a partir de 1992, com a

Conferência Rio 92, no Rio de Janeiro.

Difusão: enquanto a Revolução Industrial começou na Grã Bretanha e se espalhou

pela Europa e Estados Unidos, a Revolução da Sustentabilidade teve origem nos

Estados Unidos e na Europa e está se espalhando pelo mundo todo.

Edwards apresenta como origem da Revolução da Sustentabilidade o momento a partir

do qual a discussão do tema ganha certo lugar em fóruns internacionais. Ou seja, para o autor,

o marco estabelecido pelo Relatório Brundtland em 1987 resgata todos os efeitos da

Revolução Industrial no meio ambiente e passa a trabalhar a necessidade de mudança na

forma de produção e consumo.

16 Revolução Industrial: teve início no século XVIII, na Inglaterra, com a mecanização dos sistemas de produção

mediante o uso de tecnologia em transportes e maquinário. 17 “Commodities (significa mercadoria em inglês) pode ser definido como mercadorias, principalmente minérios e gêneros agrícolas, que são produzidos em larga escala e comercializados em nível mundial. As commodities

são negociadas em bolsas de mercadorias, e portanto seus preços são definidos em nível global, pelo mercado

internacional”. Disponível em: < http://www.suapesquisa.com/>. Acesso em: 20 fev. 2012.

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A Revolução da Sustentabilidade se apoia nos efeitos da Revolução Industrial,

atribuindo ao desenvolvimento econômico o ônus sobre a situação ambiental atual. A

industrialização, o uso de fontes de energia naturais e matérias-primas extraídas da

biodiversidade no sistema produtivo, o fomento ao consumo, o surgimento das grandes

metrópoles, passam a ser os grandes vilões da era moderna. Recursos que eram abundantes no

início da Revolução Industrial caminham em direção à escassez ao longo dos anos. Os efeitos

negativos resultantes do aquecimento global começam a ser percebidos com maior frequência

e intensidade.

A partir do discurso baseado na catástrofe eminente, surge o grande vilão: a indústria.

Veremos ao longo desta dissertação como as empresas industriais utilizam a seu favor a

discussão sobre sustentabilidade, no sentido de minimizar a imagem de predadores da

natureza. A partir de exemplos da indústria nacional, conseguimos identificar como elas

investem no sentido de ser, ou muitas vezes somente parecer, responsáveis pela preservação

do meio ambiente.

Outro ponto importante a ser considerado nessa comparação com a Revolução

Industrial seria relativo às fases de geração de Massa Crítica e Difusão. A chamada Revolução

da Sustentabilidade, que se estabelece a partir da década de 90, ganha expansão com as novas

tecnologias de comunicação em rede. Ou seja, nesta revolução, as ideias têm tomado corpo e

se dispersado pelo mundo através da internet, alimentando, assim, as opiniões das massas.

Sistemas de comunicação em rede sempre existiram para a humanidade. O que vivemos

atualmente é o ambiente vislumbrado por Marshall McLuhan em 1967 ao criar o termo

“aldeia global”:

A circuitação eletrônica envolve profundamente as pessoas umas às outras. As

informações são despejadas sobre nós, instantaneamente e continuamente. Assim

que a informação é adquirida, é muito rapidamente substituída por outra ainda mais

nova (MCLUHAN, 1967, p. 60).

Mesmo situado no final da década de 60, quando os meios de transmissão eletrônicos

e cibernéticos ainda não estavam inseridos no dia a dia da população geral, McLuhan

escreveu em sua obra O Meio é a Mensagem, de 1967: “Nosso tempo é um mundo novo em

folha do ‘tudoaomesmotempoagora’. O ‘tempo’ cessou, o ‘espaço’ desapareceu. Vivemos

agora em uma aldeia global... um acontecimento simultâneo” (MCLUHAN, 1967, p. 56).

Com a expansão das redes digitais, a aldeia global de McLuhan toma corpo e a transmissão de

mensagens adquire o caráter de simultaneidade em sua potência máxima.

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Para Santaella (2010) os sistemas cibernéticos são responsáveis pela “ampliação do

sentido de comunicação” (SANTAELLA, 2010, p. 17). O aumento das redes de

telecomunicação tem a capacidade de expandir a comunicação em escala global em tempo

cada vez mais reduzido. Tal fato não necessariamente significa que temos um ganho em

mobilização e engajamento, mas temos certamente uma maior rapidez na dispersão de uma

mensagem.

Como exemplo, podemos citar a atuação do Greenpeace, uma Organização Não

Governamental com atuação mundial fortemente presente nas mídias sociais digitais.

Atualmente, as ações do Greenpeace ganham alcance global em segundos, através da

divulgação de seus atos e protestos pelo mundo. Somente no Facebook, rede social digital de

grande alcance, o Greenpeace mantém mais de 1 milhão de seguidores. Uma das plataformas

do discurso da ONG está baseada na defesa da Floresta Amazônica. Mediante seus posts,18

o

Greenpeace se propõe a denunciar ações de desmatamento e impactos ambientais decorrentes

da exploração do território da Amazônia. Basta a publicação de um comentário para que a

informação seja distribuída para um exército de ativistas ao redor do mundo.

4.1 A cobertura da mídia impressa nacional

Para efeito de pesquisa, selecionamos a Revista Veja e o jornal Folha de São Paulo

para representar a mídia nacional em nossa investigação a respeito do tema sustentabilidade.

Para justificar a escolha desses dois representantes da mídia nacional, seguem algumas

informações sobre o alcance dos dois títulos e perfil do leitor, em termos de classificação

social.

A Revista Veja, publicada pela Editora Abril, tem circulação nacional de 1.125.025

exemplares (IVC19

, 2005). Seu perfil de leitor, de acordo com dados divulgados no site da

Editora, é formado majoritariamente pela classe média sendo 83% de Classe AB20

de acordo

com a EGM Marplan.

O Jornal Folha de São Paulo, com periodicidade diária, tem distribuição nacional e

alcança 330.023 exemplares no domingo e 293.899 exemplares nos dias úteis. De acordo com

18 Posts: comentários publicados nas redes sociais digitais. 19 IVC – Instituto de Verificação de Circulação é uma entidade sem fins lucrativos que tem por objetivo

certificar as métricas de desempenho de veículos impressos e digitais (Fonte: site IVC). 20 Critério de Classificação Social ABEP (Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa) – Classe B =

população com renda mensal média de R$ 3.492,00 e Classe A = população com renda mensal média de R$

10.672,00.

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informações disponíveis no site da Folha de São Paulo, o veículo tem 2.204.000 leitores e o

perfil de classe social está fortemente concentrado na classe AB (73%). O jornal, segunda

pesquisa do Ibope TGI, referente aos meses de agosto de 2010 a agosto de 2011, atinge

diversas faixas etárias de 12 a 75 anos, sendo que 81% se concentram entre 25 e 64 anos.

A pesquisa teve como fonte o acervo digital dos dois veículos, considerados de grande

circulação nacional. O objetivo era identificar, em um primeiro momento, o surgimento da

palavra “sustentabilidade” nas matérias e publicidades dos dois meios. Posteriormente, a

pesquisa incluiu a busca pela palavra “ecologia”. O período pesquisado considera a

disponibilidade das informações no acervo – Veja a partir de 1968 e Folha de São Paulo a

partir de 1921. No entanto, nossas pesquisas mostraram que as palavras sustentabilidade e

ecologia, objetos da busca, não apresentam um número relevante de menções em períodos

anteriores a 1992. Com base neste fato, concentramos a análise nas datas a partir de 1992,

quando ocorre a Conferência Rio 92.

Sabemos que a mídia se interessa pela cobertura jornalística de grandes eventos

principalmente quando estes têm as características de gerar discussões conflitantes e impactar

no dia a dia do cidadão. Como veremos a seguir, a cobertura da mídia para o tema

sustentabilidade ambiental carrega estes elementos.

No rastro das discussões promovidas pelos fóruns globais, as empresas se apropriam

do tema e incorporam as praticas de sustentabilidade ao seu negócio. Algumas o fazem

verdadeiramente investindo em processos produtivos que visam o desenvolvimento

sustentável. São empresas que podemos chamar de engajadas. Estas empresas divulgam seus

relatórios de sustentabilidade anualmente com seus compromissos e metas.

Outras se apropriam do tema somente na fala sem agir efetivamente em prol do meio

ambiente. Usam o discurso “ecologicamente correto” sem ações concretas ou com ações de

resultados insignificantes frente aos danos causados pela sua atuação. São as empresas que

dão um toque de verde na sua comunicação sem que isso reflita no seu processo produtivo ou

na forma como se relaciona com o consumidor.

4.2 A presença do tema na Revista Veja

Ao pesquisar o Acervo Digital da Revista Veja, entendemos que, conforme visto no

texto introdutório desta dissertação, o termo “desenvolvimento sustentável” começou a ser

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utilizado em 1987, quando a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento

lançou o documento Nosso Futuro Comum, conhecido também como Relatório Brundtland.

Até 1987, data do Relatório Brundtland, as menções ao tema “ecologia” na Revista

Veja não alcançam mais que 30 menções ao ano. Em 1989, dois anos após a divulgação do

Relatório, ocorrem 78 menções de “ecologia” nas edições de Veja. A partir de 1993, o tema

passa a ser mencionado com menor frequência, mas novas palavras como “sustentabilidade”,

começam a aparecer com maior intensidade (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Número de Menções de Sustentabilidade e Ecologia

Aprofundando o conteúdo de nossa investigação, percebemos que a partir de 2005 e

2006 as empresas começam a usar o termo “sustentabilidade” em sua comunicação. Uma das

empresas pioneiras na utilização do termo foi o Banco Real21

, atualmente Banco Santander.

Em 2005, o Banco Real publica na revista Veja (edição 1913 – 13 de julho de 2005) uma peça

publicitária para divulgar sua preocupação com o meio ambiente (Figura 10). O foco da ação

do banco naquele momento era mostrar suas atividades relacionadas à reciclagem de papel e

reforçar o papel da empresa como uma transformadora de comportamento. A partir de 2005, o

Banco Real trabalhou de forma consistente seu posicionamento voltado para a

sustentabilidade. Após a aquisição do Real pelo banco espanhol Santander, a instituição

21 Banco Real: Instituição financeira brasileira fundada em 1927. Em julho de 1998 o ABN AMRO compra o

Banco Real de seu antigo controlador, Aloísio de Faria. Em 2007, é vendido para o consórcio formado pelo

Royal Bank of Scotland, pelo espanhol Santander e pelo belga-holandês Fortis. Disponível em: <

http://pt.wikipedia.org/wiki/Banco_Real>. Acesso em: 10 jan. 2012.

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continua utilizando a sustentabilidade como um dos pilares de sua comunicação e de suas

ações.

Figura 10 – Publicidade do Banco Real na Revista Veja

Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 1913 de 13 de julho de 2005). Disponível em: <

http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.

Para termos uma visão da intensidade com que a mídia e a publicidade têm utilizado o

tema sustentabilidade, investigamos as edições da Revista Veja em três períodos:

Junho de 1982: dez anos antes da Conferência Rio 92

Junho de 1992: mês de realização da Conferência Rio 92

Junho de 2012: mês de realização da Conferência Rio + 20

Em um primeiro momento, fizemos a contagem das páginas dedicadas ao conteúdo

sobre sustentabilidade e meio ambiente (Gráfico 2). Para todos os períodos, consideramos as

quatro edições semanais da revista representando o mês de junho em cada ano. Partimos de

uma base de três páginas de matérias dedicadas aos temas em 1982 para 47 páginas de

matérias de conteúdo jornalístico em 1992. Com crescimento de 51% em relação ao mesmo

período em 1992, a Revista Veja veiculou 71 páginas de material jornalístico sobre a questão

do meio ambiente, aproveitando a oportunidade do grande encontro Rio +20.

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Gráfico 2 – Número de páginas dedicadas ao tema sustentabilidade ambiental

Além do conteúdo jornalístico, investigamos o número de páginas dedicadas à

publicidade. Enquanto em 1982 apenas três páginas de anúncios foram veiculados no mês de

junho, em 1992 e 2012 foram veiculados respectivamente 29 e 31 páginas de propagandas

cujo tema central era o meio ambiente.

Em 1992, a primeira edição do mês, datada de 03 de Junho (Edição 1237), tinha sua

capa dedicada ao tema com o título “O mundo se encontra no Rio” (Figura 11). O subtítulo da

capa dessa edição tratou de prenunciar a situação de conflito que iria permear o encontro:

“Estrelas, temas e brigas da maior conferência ecológica da História”.

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Figura 11 - Capa da Revista Veja (edição 1237 de 3 de Junho de 1992)

Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 1237 de 3 de junho de 1992). Disponível em: < http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.

Com demandas distintas, assim como ocorreu em 1987, dois grupos se formaram para

a discussão: os “países ricos” e os “países em desenvolvimento”. Fácil compreender essa

separação, uma vez que os assuntos a serem discutidos impactariam diretamente na economia

e desenvolvimento das nações. O Brasil, como sede do encontro, tomou posição de destaque

na defesa dos interesses dos países em desenvolvimento. Com posições antagônicas aos

Estados Unidos, em relação às políticas de transferência de tecnologia, adoção de processos

de conservação do meio ambiente e origem dos recursos financeiros, o Brasil procurou

explicitar em seu discurso a necessidade de um maior compromisso dos países ricos em

relação à preservação do meio ambiente e ajuda financeira aos países menos desenvolvidos.

Havia também naquele momento a expectativa de que a arena da Rio 92 fosse um espaço para

que o Brasil se mostrasse como um país independente e responsável, melhorando sua imagem

frente ao cenário internacional.

Embora tenha evoluído na discussão, o saldo da Rio 92 ficou aquém das expectativas.

Os principais compromissos assumidos foram relacionados ao meio ambiente (preservação

das florestas, redução de CO2, regulamentação da exploração da biodiversidade) e

transferência de recursos financeiros dos países ricos para os países em desenvolvimento.

Críticos do evento consideraram o resultado tímido e superficial, no sentido de estabelecer

metas e prazos para as ações.

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Analisando os resultados após 20 anos, podemos concluir que a Rio 92, apesar da forte

presença e influência dos países ricos, foi o primeiro grande fórum onde houve espaço para

gerar visibilidade para os países tidos como pobres e em desenvolvimento.

A mídia, na ocasião, representada aqui pela revista Veja, utilizou imagens e títulos

impactantes para trazer à luz do público geral a postura hegemônica e egocentrada dos

Estados Unidos. Os números mostravam que o país, com 5% da população mundial, era

responsável pelo consumo de 25% da energia do planeta e por 25% das emissões de CO2 no

mundo. Como um país com tal responsabilidade poderia criticar o desmatamento da

Amazônia, uma área fora de sua jurisdição? Claro que a falta de controle e políticas

ambientais do Brasil não podiam ser justificadas pelo comportamento errático da nação mais

rica do mundo. No entanto, é importante pontuar que éramos corresponsáveis pelas situações

vigente e futura, e que os países ricos teriam um importante papel de financiadores e modelos

em gestão ambiental.

Em 2012, a Revista Veja destinou a capa da edição de 20 de Junho para o evento Rio

+20 (Figura 12). Sob o título “Verdades inconvenientes - As reais questões ambientais que

afetam as pessoas aqui e agora foram esquecidas”, a publicação destinou 34 páginas para a

conclusão sobre os resultados do evento. Permanece, 20 anos após o primeiro grande

encontro, a sensação de impasse nas decisões e necessidade de um longo caminho para as

soluções.

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Figura 12 – Capa da Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012)

Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012). Disponível em: <

http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.

Essa edição especial da Revista Veja foi dividida em oito seções: Diplomacia, História,

Demografia, Ideias, Índios, Vida Marinha, Biodiversidade e Ponto de Vista. Na seção

Diplomacia, a revista detalha o entrave político do qual participam delegações de 190 países.

Uma das principais questões que estavam em discussão era a ajuda financeira dos países ricos

para os países em desenvolvimento. Para essa questão, dois blocos econômicos se formaram:

os “contra” – União Europeia, Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão – e os “a favor” - Brasil,

Rússia, China e Índia. Afetados pela crise, o bloco formado por Europa e Estados Unidos

mantém posição reticente em relação a sua responsabilidade como financiador da economia

sustentável.

Na seção Ponto de Vista, a Revista Veja traz uma entrevista com o jornalista inglês

James Delingpole, adepto à corrente dos ambientalistas céticos. Delingpole defende que a tese

dos ambientalistas sobre o aquecimento global se tornou uma grande indústria. O jornalista

afirma que o aquecimento global não é uma questão científica e sim um movimento politico

contrário à democracia. Na sua opinião, a agenda política do movimento verde “explora a

histeria publica para contornar o processo democrático”. Para ele, o pânico criado em torno do

aquecimento global desvia a atenção de questões mais relevantes como a pesca predatória e

escassez de água potável.

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A mensagem dos ambientalistas céticos é clara: crescimento econômico e preservação

do meio ambiente não são incompatíveis, como os ambientalistas mais radicais pregam. É

necessário ter uma visão descolada do radicalismo para caminhar no sentido do crescimento

sustentável.

Viveiros de Castro (2012) critica a postura da imprensa quando se refere às questões

ambientais referindo-se a ela como “suspeitamente lacônica, distraída e incompetente”

(CASTRO, 2012, informação eletrônica). Concordamos com esse ponto de vista quando

analisamos a presença do tema na mídia impressa. Embora tenha evoluído nos últimos 20

anos, a abordagem ainda é superficial, inconstante e pouco esclarecedora no sentido de

propostas de soluções e ações de mobilização.

Para a análise da publicidade nas edições especiais da Revista Veja, selecionamos

alguns anúncios que acreditamos demonstrar a evolução da linguagem publicitária das

empresas. Para mostrar diferentes abordagens do tema, situadas em momentos distantes e

distintos, selecionamos duas peças publicitárias antagônicas.

Na edição de 1992, selecionamos o anúncio da empresa Nestlé (Figura 13),

multinacional suíça atuante no segmento de alimentos. O anúncio veiculado na Veja mostra

uma imagem de devastação da natureza sob o título “Voa sanhaço, foge ligeiro que o homem

vem ai”. Ao lado da foto, o seguinte texto:

O que o homem ganha queimando as florestas, poluindo os rios e envenenando o ar?

Quando o verde é vivo, o ar é puro e a água é limpa, os pássaros se aproximam de

nós cantando com alegria. Em vez de voar para bem longe fugindo de medo. Até

quando vamos continuar afugentando a vida? Preserve o meio ambiente. Respeite a

fauna e a flora. Proteja a natureza (O QUE o homem ganha..., 1992, informação

eletrônica).

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Figura 13 – Publicidade da Nestlé na Revista Veja (edição 1237 de 3 de junho de 1992)

Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 1237 de 3 de junho de 1992). Disponível em: <

http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.

A logomarca da Nestlé é conhecida mundialmente por utilizar a imagem de um ninho

com filhotes e a mãe pássaro alimentando a cria. A origem de sua logomarca está vinculada ao

primeiro produto comercializado pela empresa: a Farinha Láctea Nestlé, cuja principal função

é a nutrição infantil. Nesse anúncio, a Nestlé utilizou a ameaça à fauna e flora, associando-a

ao principal elemento de sua logomarca: o pássaro. A imagem mostra o fogo ainda em ação,

destruindo a mata. A logomarca da Nestlé ganha vida na imagem de um pássaro voando,

remetendo ao titulo do anúncio. O título, por sua vez, foi retirado da música Passaredo, de

Francis Hime e Chico Buarque. A letra dessa canção desfila uma série de espécies de pássaros

e suas estrofes são concebidas como um alerta à fauna para a presença do ser humano como

predador.

A construção do texto desse anúncio enfatiza a preocupação com os danos ambientais

causados pelo homem, através do uso da contraposição de ideias: queimando florestas versus

verde vivo, envenenando o ar versus ar puro, cantando com alegria versus fugindo de medo.

O texto é finalizado com o discurso impositivo: “Preserve o meio ambiente. Respeite a fauna

e a flora. Proteja a natureza”. Não há em momento algum a menção a atividade da empresa no

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sentido de preservação da natureza. A Nestlé se apropria de um fato isolado e sem relação

alguma com sua atividade industrial para vincular sua marca ao tema de proteção ambiental. A

empresa perde a oportunidade de mostrar como atua sobre esse tema e ainda coloca nas mãos

do consumidor toda a responsabilidade pela preservação da natureza.

Investigando a história da marca no Brasil e sua atuação em programas sustentáveis,

concluímos que a Nestlé não se coloca, em 1992, como agente de preservação em sua

comunicação, simplesmente porque não tinha nenhuma política de sustentabilidade na

ocasião. O relatório “Criando Valor Compartilhado 2011”, disponível no site da empresa,

mostra que somente a partir de 1998 a empresa trouxe para o Brasil o modelo de sua matriz,

chamado NEMS – Nestlé Environmental Management System (Sistema Nestlé de Gestão

Ambiental).

Portanto, no ano de 1992, a empresa aproveitou o momento de um grande evento

ecológico para dar visibilidade à sua marca sem ter ações concretas para divulgar. Poderia ser

apenas um caso de oportunismo, mas a linha de comunicação escolhida para a marca

demonstra um desejo de se isentar de suas responsabilidades, colocando a obrigação nas mãos

dos seres humanos, nesse caso, seus consumidores.

Avançando nossa investigação em 20 anos, selecionamos a comunicação veiculada

pelo Grupo Boticário na Revista Veja, edição especial para a Rio +20 (Figura 14).

Figura 14 – Publicidade de O Boticário na Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012)

Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012). Disponível em: <

http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jul. 2012.

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O Boticário é uma indústria brasileira estabelecida em 1977, que comercializa seus

produtos de higiene pessoal e cosméticos através de sua rede de lojas. Em 1990, a empresa

criou a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, hoje referência mundial no

respeito à biodiversidade. Segundo dados divulgados pela empresa, a Fundação já investiu

mais de R$ 20 milhões em ações de preservação da natureza.

O anúncio de O Boticário veiculado na revista Veja mostra a fauna e flora da Mata

Atlântica e do Cerrado, duas áreas de preservação que recebem recursos da Fundação

Boticário. Diferente do anúncio da Nestlé, analisado anteriormente, o Boticário decidiu

mostrar os resultados das ações de preservação e não os efeitos da devastação. O título do

anúncio, “Beleza não é só o que a gente vê e admira. Beleza é o que a gente faz. Há 22 anos”,

tem relação direta com o negócio da empresa que produz e vende produtos de beleza,

perfumes e cosméticos. A explicação para as frases “Beleza é o que a gente faz. Há 22 anos”

está no texto do anúncio, no qual a empresa detalha sua atuação na Mata Atlântica e no

Cerrado.

Esse é um exemplo de como uma empresa pode usar a publicidade para comunicar seu

posicionamento no mercado, através da divulgação de ações concretas. A empresa aproveita o

evento Rio 20+ para reforçar seu compromisso com o meio ambiente. Compromisso esse já

estabelecido há 22 anos, portanto dois anos antes da Eco 92. Mais uma indicação de que a

empresa se antecipou ao movimento de proteção ao meio ambiente, sem a intenção única de

vincular sua imagem ao evento. Isso indica que, para o Boticário, a preocupação com o meio

ambiente realmente deve fazer parte da sua essência e que a empresa age nesse sentido em seu

processo de produção.

A próxima análise que faremos visa mostrar a evolução da comunicação de uma marca

ao longo dos anos. Escolhemos para esta analise a comunicação do Banco Real, instituição

incorporada pelo Banco Santander.

Como já mencionamos anteriormente, o Banco Real utilizou constantemente o tema

meio ambiente em sua comunicação. O que vamos analisar a seguir são as diferentes

linguagens e abordagens utilizadas em momentos distintos.

A primeira peça publicitária selecionada foi extraída da edição nº 720 de 23 de Junho

de 1982 (Figura 15), 10 anos antes da Eco 92. Nesse período, o Banco Real tinha seu

principal negócio voltado para o crédito rural e sua comunicação mostrava a preocupação do

banco com os cuidados com a terra e agricultura.

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Figura 15 – Publicidade do Banco Real na Revista Veja (edição 720 de 20 de junho de 1992)

Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 720 de 20 de junho de 1992). Disponível em: <

http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.

O tom da comunicação do Banco Real nessa peça é de consultor em cuidados com a

terra. O banco se propõe a orientar o seu cliente do segmento rural a cuidar da sua terra de

forma mais eficiente. O Real não camufla suas intenções quando se coloca como consultor

técnico em agricultura. Os objetivos de ganhos financeiros são explícitos no texto da

propaganda:

O Banco Real, como banco profundamente ligado ao campo, sabe que a terra

cansada pode ficar mais fértil do que ela já foi um dia. Basta que você acredite nela

e adote as Práticas de Conservação do Solo. Divida sua propriedade em glebas,

destinando cada uma para a cultura mais adequada, pasto ou reflorestamento.

Abandone a aração sem critério e faça seus tratoristas e administradores aprenderem

a riscação e o plantio em nível. Analise a terra e reponha o que ela perdeu. A

adubação exagerada e desnecessária, leva o seu dinheiro e ainda vai poluir rios, afetando o equilíbrio ecológico. Você vai ver que, mesmo as terras cansadas, vão

produzir mais, colheita após colheita. O investimento em Práticas de Conservação

do Solo é sempre lucrativo, aumenta muito o valor do seu patrimônio (O BANCO

REAL..., 1982, informação eletrônica).

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O Banco Real coloca com habilidade os riscos do não uso das práticas de conservação

do solo. Sem usar a palavra sustentabilidade, o banco já estava em busca de orientar seus

clientes para o desenvolvimento sustentável. O mérito do Real nessa peça publicitária é

colocar-se como expert em conservação de solo, sem perder o foco em seu negócio central.

Como instituição financeira, não mascarou o interesse pela lucratividade e aumento de

patrimônio.

A segunda peça publicitária selecionada, já citada anteriormente, foi veiculada no ano

de 2005 (Figura 16). Neste material, embora o Banco Real não mencione a palavra

sustentabilidade no texto, já usa o conceito para divulgar suas ações. A ação escolhida entre

tantas que o banco promovia é a do uso de papel reciclado em sua comunicação interna e

externa. Pelo texto do anúncio, o banco reforça seu compromisso com a sociedade através de

práticas socioambientais corretas e pede a colaboração do consumidor no sentido de reduzir o

consumo, reciclar e reutilizar. Importante destacar o tom de sugestão adotado pelo Banco Real

na orientação ao consumidor. Em um primeiro momento, o banco divulga a sua ação e, ao

final do texto, sugere: “Faça como o Banco Real: reduza o consumo, reutilize quando não for

possível reduzir e recicle sempre que puder”.

Figura 16 – Publicidade do Banco Real na Revista Veja (edição 1913 de 13 de julho de 2005)

Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 1913 de 13 de julho de 2005). Disponível em: <

http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jan. 2012.

As imagens desse anúncio do Banco Real enfatizam a importância do movimento

socioambiental para garantir o futuro da humanidade. O verde da natureza e os personagens

infantis serão usados em profusão na construção da ideia de sustentabilidade em anúncios de

empresas de todos os segmentos. Não aprofundaremos a análise destes signos, mas podemos

afirmar, através da observação ao longo dos anos, quais os signos que trazem de imediato o

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significado de sustentabilidade: natureza, fauna, flora, crianças, planeta Terra garantem forte

associação ao tema. Exemplificaremos essa afirmação mais a frente.

O Banco espanhol Santander adquiriu o Banco Real no ano de 2007 e incorporou o

posicionamento voltado para sustentabilidade que havia sido trabalhado pelo banco brasileiro

durante décadas. Para exemplificar o estágio atual da comunicação da instituição,

selecionamos uma peça publicitária veiculada na edição especial da Revista Veja sobre a

Rio+20 (Figura 17).

Figura 17 – Publicidade do Banco Santander na Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012)

Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012). Disponível em: <

http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jul. 2012.

Neste terceiro anúncio selecionado, o banco reforça sua escolha por assumir o

compromisso com o desenvolvimento sustentável, sem ignorar seu objetivo de fazer negócios

que tragam benefícios para a instituição, para os clientes e para sociedade. Seu objetivo

principal como instituição financeira é explicito. É evidente que, quando envolto neste clima

de bem-estar da sociedade, o objetivo financeiro tem sua aspereza e antipatia atenuadas.

Os personagens escolhidos, uma criança e o pai, preenchem a comunicação com o

significado de preocupação com o futuro. A natureza está presente, assim como na

comunicação de 2005, compondo o cenário que traz o meio ambiente como destaque.

No texto da comunicação de 2012, o Santander se auto define como um banco

sustentável e afirma que participa da Rio+20, patrocinando fóruns para a discussão de novas

ideias e apoiando projetos sustentáveis. As palavras “sustentável” e “sustentabilidade”

aparecem seis vezes no texto do anúncio, demonstrando que seu uso já foi incorporado pela

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comunicação de massa. Na comunicação de 2005, a palavra aparecia somente uma vez no

rodapé do anúncio para divulgar o site do banco.

Percebemos uma evolução importante da comunicação da instituição financeira ao

longo dos anos avaliados. O banco partiu de um público alvo e tema restrito, agricultores e

tratamento do solo em 1982, evoluiu para a abordagem mais próxima da sociedade com o

anúncio de 2005, no qual comunicava uma ação especifica, para em 2012 firmar seu

compromisso com a sociedade e o meio ambiente de forma mais ampla. Podemos concluir

que suas ações e sua imagem de instituição preocupada com o desenvolvimento sustentável

estão consolidadas.

O último exemplo servirá para ilustrar como o tema sustentabilidade ambiental já está

incorporado pelo cidadão comum. Através do anúncio do Banco Bradesco, veiculado na

edição especial da Revista Veja de 20 de Junho de 2012 (Figura 18), percebemos como já é

possível substituir palavras por imagens que têm significado relevante para o tema. Na

propaganda do Bradesco, a presença de três elementos tem potencialidade para comunicar a

mensagem de sustentabilidade: o globo terrestre, a criança e o verde da natureza. A

representação do Planeta Terra pelo globo terrestre reúne todas as áreas de preocupação

relacionadas ao desenvolvimento sustentável: preservação do meio ambiente, bem-estar dos

povos, qualidade de vida, economia sustentável. O globo terrestre nas mãos de uma criança

tem a capacidade de mostrar, por um lado, a urgência da preocupação com o futuro das

gerações mais jovens. Mas, por outro lado, coloca nas mãos desta geração a responsabilidade

em garantir que o planeta seja preservado. A infância é beneficiária do movimento desde que

seja atuante em prol da sustentabilidade. Na foto, a criança mantém a inocência infantil em

sua aparência e ainda agrega, através de seu olhar, a determinação e segurança que o

movimento ecológico espera das novas gerações. O verde que preenche o cenário remete

diretamente à natureza e os tons vivos mostram a pujança da mesma. A mensagem é clara: o

futuro está nas mãos das novas gerações. Conforme vimos anteriormente, essa ideia está

sendo propagada desde a elaboração da Agenda 21 e tem sido constantemente utilizada pela

comunicação das empresas.

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Figura 18 – Publicidade do Banco Bradesco na Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012)

Fonte: Acervo Digital da Revista Veja (edição 2274 de 20 de junho de 2012). Disponível em: <

http://veja.abril.com.br/acervodigital/>. Acesso em 14 jul. 2012.

4.3. A presença do tema na Folha de São Paulo

O acervo digital da Folha de São Paulo, nossa segunda fonte de pesquisa, também

demonstra um pico de menções do termo Ecologia em 1992, com 561 menções durante o ano.

A partir de 1992, as menções de Ecologia atingem a média de 200 a 300 menções/ano. É a

partir de 2002, dez anos após a Rio 92, que o termo Sustentabilidade começa a ganhar maior

espaço na mídia (Gráfico 3). A partir de 2010, o termo Sustentabilidade ultrapassa as menções

de Ecologia nas páginas da Folha de São Paulo.

Temos como hipótese que o amadurecimento do tema demorou cerca de 10 anos e

ganhou força à medida que passou a ser discurso das indústrias. Nesse período, centenas de

empresas, que até então eram predadoras da natureza, iniciaram a revisão de seus processos

produtivos e de distribuição. Dessa forma, investiram em uma plataforma de comunicação

baseada em ações “ecologicamente corretas”. Note-se que estamos mencionando o fenômeno

como “comunicação baseada em abordagem ecológica” e não necessariamente ações efetivas.

Não trataremos nesta dissertação das diferenças entre o que a empresa comunica e o que

efetivamente faz para o bem-estar da sociedade. Sabemos que muitas vezes empresas

oportunistas usam o discurso politicamente correto e resvalam para o incorreto em suas ações,

sejam elas relacionadas ao trato do meio ambiente ou até mesmo de sua cadeia produtiva.

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Gráfico 3 – Número de Menções para Sustentabilidade e Ecologia na Folha de São Paulo

Investigando o conteúdo dessas inserções na Folha de São Paulo, encontramos, além

de notícias, alguma publicidade de empresas e do Governo brasileiro. O aumento das menções

a sustentabilidade, a partir de 2002, está fortemente concentrado no uso da palavra em

matérias de conteúdo jornalístico e campanhas de conscientização.

Analisando a cobertura jornalística dos dois principais eventos mundiais, Eco 92 e Rio

+20, pelo jornal Folha de São Paulo, encontramos a seguinte situação em termos

quantitativos (Gráfico 4):

Gráfico 4 – Número de Páginas dedicadas aos eventos Eco 92 e Rio +20 no jornal Folha de São Paulo

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Para esse levantamento, foi considerado o período de realização dos eventos,

adicionando um dia anterior ao inicio e um dia posterior ao término dos encontros. Portanto,

para a Eco 92, o período investigado compreende 14 dias, de 2 de Junho a 15 junho de 1992.

Para a Rio +20, o período é de 12 dias, entre 12 de Junho e 23 de Junho de 2012. O objetivo

era compreender o tamanho do interesse dos veículos pelo tema e o tom atribuído aos eventos

durante a cobertura.

Vale ressaltar que, entre as 36 páginas dedicadas à Eco 92, encontramos sete páginas

que tratavam do caso do Cacique Paiakan, acusado de estupro. Excluindo esse fato, podemos

concluir que o espaço dedicado aos dois eventos no jornal Folha de São Paulo foi

praticamente o mesmo: 29 páginas para a Eco 92 e 28 páginas para a Rio +20. Mesmo

considerando que utilizamos, em função da duração dos eventos, números de dias diferentes

para cada ano, temos uma média de 2,07 páginas por dia para a Eco 92 e 2,33 páginas por dia

para a Rio +20. Como não há diferença significativa entre estas médias, podemos concluir que

o espaço cedido para o tema em 1992 e 2012 foi praticamente idêntico.

Outra semelhança entre as duas coberturas feitas pela Folha de São Paulo foi o espaço

cedido para o tema na primeira página da publicação. Tanto a Eco 92 como a Rio+20 foram

citadas na primeira página em caixas de texto de 15 a 20 linhas sem destaque, como manchete

principal.

Ao analisar o conteúdo jornalístico, percebe-se que, tanto em 1992 como em 2012, o

veículo explorou os conflitos econômicos e a dúvida sobre a eficácia dos eventos. A chamada

para a Eco 92 na edição do dia 2 de junho, um dia antes da abertura do evento, era a seguinte:

“Ciência teme ideologia irracional na Eco 92”. Sob este título, o jornal expunha a

preocupação de um grupo de cientistas com as posturas radicais em torno do tema. Esse

grupo, formado por renomados especialistas da área, destacava a importância em se tratar o

problema de forma a não retardar o desenvolvimento das nações. Para eles, as resoluções da

Eco 92 não poderiam se opor ao progresso científico e econômico.

O título do fechamento da cobertura da Rio 92, na edição de 15 de junho, foi: “Tom de

decepção marca discursos no encerramento da Cúpula da Terra”. Embora os críticos tenham

concordado positivamente com a evolução da discussão concretizada pela Agenda 21, a

decepção foi atribuída às questões de ordem financeira. Os investimentos previstos para

colocar em prática as determinações da Agenda 21 ficaram aquém da real necessidade e os

países detentores das verbas não se comprometeram com prazos para realizar os

investimentos.

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Para o Brasil, o evento foi de grande importância para sua exposição, em nível

mundial, e o país fez jus ao papel de anfitrião. Além desses aspectos, assim como ocorreu em

1972, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio Ambiente em

Estocolmo, o Brasil liderou a discussão sobre a necessidade de desenvolvimento dos países

mais pobres, contrariando a posição de países ricos que tinham como objetivo impedir o

progresso das nações mais pobres como forma de preservação do meio ambiente.

Em 2012 no dia 12 de junho, dia anterior ao inicio da Rio +20, a manchete que abriu a

cobertura do evento destacava: “Cúpula já tem impasse entre países ricos e pobres”. O

impasse, mais uma vez, estava relacionado às questões financeiras. Os acordos firmados na

Eco 92 previam que os países ricos seriam responsáveis por um aporte maior de investimentos

em prol do desenvolvimento sustentável. Decorridos 20 anos, com agravamento da crise

mundial que afeta principalmente os países da Europa e Estados Unidos, as nações mais

desenvolvidas ainda questionam essa determinação. Diante desse cenário, compreendemos

que a possibilidade de grandes avanços estava limitada.

A manchete do fechamento da cobertura da Rio +20 feita pela Folha de São Paulo

apresentava o título: “Lideres adiam decisões e fim de cúpula tem tom melancólico”. Como as

manchetes iniciais já prenunciavam, os interesses divergentes impediram avanços mais

concretos na elaboração do documento final do encontro.

Citadas as semelhanças acima entre as coberturas da Folha de São Paulo para os

eventos Eco92 e Rio +20, identificamos duas diferenças em relação à localização editorial das

mesmas. A primeira delas se refere ao caderno escolhido pela Folha para tratar os temas dos

eventos. Enquanto, em 1992, a cobertura da Eco 92 mereceu um caderno especial somente no

primeiro dia e nas outras datas estava inserida no Primeiro Caderno, o periódico optou por

inserir a cobertura da Rio +20 no caderno Cotidiano.

O Primeiro Caderno tem como temário principal economia e política. Já o caderno

Cotidiano traz informações sobre o dia a dia das cidades, com foco em São Paulo. A seção

“Atmosfera”, na qual o jornal divulga previsões do tempo para o estado de São Paulo e para o

Brasil, também migrou do Primeiro Caderno para o caderno Cotidiano, no período entre os

anos de 1992 e 2012.

A hipótese para essa mudança ter ocorrido nesse período de 20 anos é o fortalecimento

da discussão sobre o meio ambiente e o conceito de sustentabilidade nas esferas da sociedade

civil. A Folha de São Paulo, acompanhando esse fortalecimento, reconheceu que o tema

tomou corpo e relevância para os cidadãos sendo, portanto, inserido em seu dia a dia.

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Atualmente, o conceito sustentabilidade tem forte presença na comunicação das

empresas públicas e privadas e, para o cidadão comum, está diretamente associado ao

consumo consciente. Dessa forma, faz sentido a Folha de São Paulo tratar a cobertura da Rio

+20 como uma tema do cotidiano.

Embora tenhamos constatado que, quantitativamente, a Folha de São Paulo destinou o

mesmo numero de páginas para a cobertura da Eco 92 e da Rio +20, um importante veículo de

mídia de massa foi incorporado pelo jornal em 2012. A Folha criou um site especial para a

cobertura na internet: www.folha.com/riomaisvinte. Criado por ocasião do evento, o site

permanece no ar até os dias de hoje, com atualizações diárias para o tema. De acordo com

dados do estudo realizado pelo instituto de pesquisas Ipsos,22

44% da população brasileira tem

acesso à internet (Pesquisa Cetelem BGN / Ipsos – 2011). Junto à classe AB, público alvo do

jornal Folha de São Paulo, 78% dos entrevistados possui acesso à internet. Com o

crescimento da base de usuários de internet também junto à classe C, concluímos que cada

vez mais o meio digital é um importante canal de comunicação a ser utilizado pelas empresas.

Dados históricos do levantamento da Ipsos mostram que o acesso à internet junto a Classe C

cresceu de 30% em 2008 para 43% em 2011.

A publicidade na Folha de São Paulo

A segunda diferença percebida na análise da Folha de São Paulo está relacionada às

propagandas veiculadas no jornal ao longo da cobertura dos eventos.

Tradicionalmente, as propagandas veiculadas na Folha de São Paulo têm caráter

comercial. Assim, encontramos, tanto em 1992 como em 2012, uma profusão de propagandas

de concessionárias de automóvel, imóveis e bancos com oferta de produtos financeiros. Em

1992, não encontramos, ao longo do período investigado, nenhuma propaganda de empresas

de bens de consumo ou com menção ao tema meio ambiente e sustentabilidade.

Em 2012, por ocasião da cobertura da Rio +20, a Folha de São Paulo apresentou

veiculação de anúncios utilizando o tema sustentabilidade. A principal característica dos

anúncios está baseada no fato de que foram veiculados por Instituições ou Governos

promovendo seus projetos e ações em sustentabilidade: FIESP (Federação das Indústrias do

22 Ipsos – Instituto de Pesquisa multinacional líder no segmento de pesquisa Adhoc no Brasil

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Estado de São Paulo), FIRJAN (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), CNI

(Confederação Nacional da Indústria) e Governo da Bahia.

Temos aqui dois pontos a serem comentados. O primeiro diz respeito ao desinteresse

das empresas de bens de consumo em utilizar o jornal como veículo para sua comunicação. O

jornal, por seu caráter de veiculação diária, exige uma estratégia de mídia diferenciada. Criar

uma peça publicitária que esteja inserida no contexto da noticia diária exige um esforço nem

sempre compensatório. A efemeridade do veículo diário também é um ponto a ser

considerado. Diferente de uma revista semanal, que tem a oportunidade de ser lida mais de

uma vez durante a semana e por um número maior de pessoas, o jornal tem vida útil menor.

Segundo Santaella (2010), a natureza descartável do jornal traz ao meio o sentido de

provisoriedade, requisito básico das culturas de massa.

Outra característica importante é a forma como a imprensa jornalística trata o tema em

suas matérias. A ANDI (Agência de Noticias dos Direitos da Infância) realizou um estudo em

2008 sobre a presença do tema “mudanças climáticas” na imprensa brasileira. Nesse estudo, o

órgão investigou 50 jornais no período de julho de 2005 a junho de 2007, incluindo a Folha

de São Paulo em sua análise. Uma das conclusões do estudo é que quase 42% dos textos

avaliados tratavam da mitigação dos efeitos do desenvolvimento econômico no meio

ambiente. Nesse contexto de divulgar ações e tecnologias de mitigação, os agentes mais

citados são as empresas privadas: 23,8% das matérias sobre o controle dos efeitos da

industrialização no meio ambiente trazem exemplos de indústrias privadas. O Governo

brasileiro é citado em 22,7% das matérias sobre mitigação. Dessa forma, as empresas privadas

ganham um espaço importante para expor suas ações em prol da sustentabilidade. A ação da

empresa, quando inserida em um contexto jornalístico de um veiculo de credibilidade, ganha

peso junto à opinião da sociedade. No caso da cobertura da Rio+20, diferente da tendência

apontada pelo resultado da analise da ANDI, as empresas privadas não foram citadas nas

matérias de cobertura do evento. Somente as associações como FIESP e FIRJAN marcaram

presença na pauta, sempre como defensores da discussão, em busca de soluções sustentáveis

que não coloquem em risco o desenvolvimento econômico.

Podemos identificar uma estratégia de comunicação das indústrias privadas no jornal

Folha de São Paulo para o período de cobertura de um evento do porte da Rio 20+.

Aparentemente, as indústrias escolheram as Federações Estaduais como porta-vozes de suas

ações em prol do meio ambiente. Com essa estratégia, as empresas otimizam seus

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investimentos em publicidade e ainda não se comprometem com a divulgação de ações

concretas.

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5. CONCLUSÃO

Na investigação sobre o tema “meio ambiente”, encontramos duas correntes

ideológicas: os ambientalistas e os ambientalistas céticos. É fato que a origem das discussões

foi impulsionada por interesses econômicos. Os grandes fóruns mundiais, embora não tenham

sido totalmente eficazes na definição de objetivos e metas, certamente têm sua importância

por abrir espaço para as discussões e colocar o tema na ordem do dia.

Enquanto os países ricos defendem sua posição imperialista, os países mais pobres

querem garantir o direito ao desenvolvimento. Nesse cenário, surgem os países em

desenvolvimento, bem representados pelo Brasil, e que se esforçam para ganhar espaço cada

vez mais influente nas decisões de ordem econômica.

Por sua vez, a imprensa brasileira, mais especificamente a mídia impressa, tem se

mostrado presente nas coberturas dos encontros e adotando postura crítica em relação aos

temas discutidos. De forma geral, a conclusão da cobertura dos principais eventos é finalizada

com o sentimento de que ainda há muito por fazer. Os meios de comunicação são claros ao

apontar os principais entraves de ordem econômica na busca por soluções de desenvolvimento

sustentável.

Concluímos que a linha editorial dos dois meios investigados manteve-se constante

durante a cobertura dos dois importantes eventos mundiais, Eco 92 e Rio+20. Os eventos

mereceram o mesmo destaque em termos quantitativos e o editorial se manteve questionador

em relação à efetividade dos eventos, no sentido de avançar para ações concretas.

Ao tratar o tema, o jornalismo usa em geral o tom alarmista. O senso de urgência está

presente nas matérias sobre a preservação do meio ambiente e, em geral, associado às

catástrofes da natureza.

Na avaliação da publicidade das empresas, percebemos uma evolução no discurso

utilizado, uma vez que a comunicação do tema sustentabilidade passa a exigir da empresa a

divulgação de ações concretas. Nem sempre são ações efetivas por si só, mas certamente têm

a pretensão de indicar que a empresa tem consciência ecológica.

No meio desse turbilhão de informações, está o consumidor. Este ser que é chamado a

todo instante a adotar uma postura “ecologicamente correta”. A responsabilidade de mudar o

curso da destruição da natureza é colocada nas mãos do ser humano e, para isso, ele precisa

decidir por algumas mudanças em seu comportamento, estilo de vida e hábitos de consumo.

A tendência aponta para que a sustentabilidade ambiental seja cada vez mais

incorporada como valor da sociedade, embora não possamos ocultar os aspectos que

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dificultam esse movimento. Ser sustentável custa muitas vezes a liberdade. Liberdade de

escolher o produto mais barato, o produto mais adequado à sua rotina, o produto mais atraente

etc.

Pensamos que, ao longo dos anos, com a chegada das gerações mais jovens ao

mercado de consumo, essa dinâmica de escolha seja menos cerceadora. Os novos

consumidores surgem com um repertório maior sobre o tema e o mercado terá evoluído no

sentido de trazer soluções eficazes e adequadas às necessidades dos indivíduos.

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