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Variação no desempenho neuromotor. Um estudo gemelar Dissertação apresentada com vista à obtenção do grau de Mestre em Ciências do Desporto, área de especialização em Desenvolvimento Motor, nos termos do Decreto-Lei nº 216/92, 13 de Outubro. Liliana Sílvia Moutinho Barja de Brito Orientador: Prof. Doutor José António Ribeiro Maia Porto, Outubro de 2011

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Variação no desempenho

neuromotor. Um estudo gemelar

Dissertação apresentada com vista à obtenção do

grau de Mestre em Ciências do Desporto, área de

especialização em Desenvolvimento Motor, nos

termos do Decreto-Lei nº 216/92, 13 de Outubro.

Liliana Sílvia Moutinho Barja de Brito

Orientador: Prof. Doutor José António Ribeiro Maia

Porto, Outubro de 2011

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II

Ficha de Catalogação

SMBB, L (2011). Variação no desempenho neuromotor. Um estudo gemelar.

Porto: Dissertação de Mestrado, em Ciências do Desporto na área do

Desenvolvimento Motor, apresentada à Faculdade de Desporto da

Universidade do Porto.

Palavras-chave: Desempenho neuromotor; gémeos.

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III

AGRADECIMENTOS Gostaria de compartilhar com todos os que de alguma forma me

acompanharam nesta experiência. Por tudo o que aprendi, pelo estimulo que

recebi, pelo amadurecimento pessoal, profissional e académico. Pelas

inúmeras dificuldades em seguir em frente. Muito e muito obrigado.

Aos colegas do serviço de Fisiatria do Centro Hospitalar do Alto Ave, por toda a

ajuda, compreensão, paciência e pela motivação.

À coordenadora da Fisiatria do Centro Hospitalar do Alto Ave, Fisioterapeuta

Goreti Francisco, pela receptividade, compreensão e ajuda demonstrada desde

o primeiro minuto.

À Directora da Fisiatria do Centro Hospitalar do Alto Ave, Dra Maria Inês

Ruvina, pela disponibilidade em autorizar a utilização das instalações do

serviço, para a realização deste estudo.

À Dra Maria José Costeira, Neonatologista, pela sua sabedoria e colaboração

académica que foram uma preciosa ajuda e incentivo.

A todas as famílias de gémeos, que participaram e integraram a amostra deste

estudo, pela paciência e disposição.

Aos colegas portugueses e brasileiros, da Faculdade de Desporto do Mestrado

de Desenvolvimento Motor pela camaradagem e cooperação, em especial para

a Sónia Vidal e para o João Fernandes.

Aos meus colegas de estudo, Alexandre e Mara, cúmplices na recolha de

dados e fundamentais na realização deste estudo.

Ao meu colega Manuel João Fernandes, meu companheiro e amigo de jornada.

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IV

A todos os professores da Faculdade de Desporto que ao longo destes anos de

intensa formação contribuíram decisivamente para alargar os meus horizontes

e são exemplos que não esquecerei.

Aos meus pais, por toda a ajuda.

Ao Joaquim, pela colaboração, apoio e incentivo.

Ás minhas filhas, Maria e Francisca, pelo tempo roubado na realização deste

trabalho.

Ao Professor Doutor José Maia, serei eternamente grata por todo o tempo que

me dispensou, pelas horas de orientação, pela prontidão, pela dedicação e

constante motivação para a realização deste trabalho. Obrigado pela mão

amiga que não me deixou desistir, mesmo em horas muito difíceis. Grata pelos

ensinamentos, pela sabedoria e riqueza académica e pessoal, que me servirão

de exemplo a seguir ao longo da vida.

A todos o meu mais sincero, Obrigado!

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V

Índice Geral

AGRADECIMENTOS III

ÍNDICE GERAL V

ÍNDICE DE FIGURAS VII

ÍNDICE DE QUADROS VIII

ÍNDICE DE TABELAS IX

RESUMO XI

ABSTRACT XIII

RÉSUMÉ XV

LISTA DE ABREVIATURAS XVII

CAPÍTULO I 1

INTRODUÇÃO GERAL 3

ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO 11

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 13

CAPÍTULO II 19

METODOLOGIA GERAL 19

PROCEDIMENTOS GERAIS 21

AMOSTRA 22

DETERMINAÇÃO DE ZIGOTIA 22

INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO NEUROMOTOR 23

CONTROLO DA QUALIDADE DA AVALIAÇÃO 25

PROCEDIMENTOS ESTATÍSTICOS 28

CAPÍTULO 3 31

ESTUDO EMPÍRICO 31

MATERIAL E MÉTODOS 36

AMOSTRA 36

AVALIAÇÃO NEUROMOTORA DE ZURICH 36

DETERMINAÇÃO DE ZIGOTIA 37

CONTROLO DA FIABILIDADE DE AVALIAÇÃO 38

PROCEDIMENTOS ESTATÍSTICOS 38

RESULTADOS 40

DISCUSSÃO 46

CONCLUSÕES 51

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 53

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VI

CAPÍTULO 4 59

INTRODUÇÃO 61

CONCLUSÃO 72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 73

CAPITULO 5 75

ERA UMA VEZ… 75

CAPITULO 6 91

CONCLUSOES GERAIS 91

CAPITULO 7 97

ANEXOS 99

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VII

ÍNDICE DE FIGURAS Figura1 Material utilizado na recolha de sangue para determinação da

zigotia. Lancetas utilizadas para picada do dedo. Papel

utilizado para recolha da amostra sanguínea, fornecido pelo

IPATIMUP, que procedia á sua avaliação

23

Figura 2 Material utilizado na bateria de testes ZNA: tabuleiro, caixa

com 14 pinos plásticos, caixa com 12 pinos metálicos, pinos

plásticos e metálicos suplentes, plataforma listada para testar

equilíbrio estático, bastão para testar equilíbrio estático,

plataformas de inox para testar equilíbrio dinâmico com dois

bastões e 8 metros de elástico.

24

Figura 3 Diagramas de dispersão relativo aos fenótipos T1 a T7

(componentes de tempo)

43

Figura 4 Diagramas de dispersão relativos aos fenótipos AM1a AM5

(movimentos associados)

44

Figura 5 Marcos Motores “Grossos” 63

Figura 6 Valores do desempenho centrados no tempo da realização

das tarefas

68

Figura 7 Valores do desempenho centrados nos movimentos

associados na realização das tarefas

69

Figura 8 Valores do desempenho centrados nos tempos da

performance e movimentos associados na realização das

tarefas em bloco

70

Figura 9 Valores do desempenho centrados nos tempos da

performance e movimentos associados por divisão das tarefas

por componentes

71

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VIII

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 Dimensão amostral das diferentes

zigotias. Medias e desvios padrão

(M±dp) da idade

22

Quadro 2 Totalidade de sujeitos, média e desvio

padrão da idade dos gémeos da

amostra

36

Quadro 3 Média e desvio padrão das tarefas da

bateria de testes ZNA para os gémeos

MZ e DZ

40

Quadro 4 R2 atribuído ás diferentes covariáveis

que influenciam a variância total de cada

fenótipo T1 a T4 8 componentes de

tempo)

41

Quadro 5 Correlação intraclasse e respectivos

intervalos de confiança do desempenho

nas classes de gémeos MZ e DZ

42

Quadro 6 Estimativa de heritabilidade 45

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IX

ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 Valores do coeficiente de correlação

intraclasse e respectivos intervalos de

confiança para o tempo de performance

de todas as tarefas e movimentos do

ZNA. Resultados intra- avaliadores e

entre avaliadores (D- dominante, ND-

não dominante)

26

Tabela 2 Valores do coeficiente de correlação

intraclasse e respectivos intervalos de

confiança para os movimentos

associados de todas as tarefas e

movimentos associados do ZNA.

Resultados intra- avaliadores e entre

avaliadores (D- dominante, ND- não

dominante)

27

Tabela 3 Tarefas neuromotoras da bateria de

avaliação de Zurich

37

Tabela 4 Valores de apgar em cada membro do

par

62

Tabela 5 Percentis e médias em meses para

marcos motores “grossos”

64

Tabela 6 Curvas de crescimento estatural e

ponderal dos 0 aos 24 meses da Laura

e da Sara

65

Tabela 7 Curvas de crescimento estatural e

ponderal dos 4 aos 14 anos da Laura e

da Sara

66

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X

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XI

RESUMO A variação do desempenho neuromotor em crianças e jovens é de extrema

relevância em termos clínicos e pedagógicos. Não obstante a evidência de

informação normativa, existem poucos dados sobre o contributo analítico e

interpretativo da sua enorme variação. Os gémeos MZ e DZ proporcionam uma

oportunidade excelente de se estudar variados aspectos da variabilidade do

desenvolvimento neuromotor.

Os objectivos do estudo são: (1) descrever aspectos da similaridade -

dissimilaridade do desempenho neuromotor; (2) explorar a sua agregação

fraterna em gémeos MZ e DZ; (3) estimar a magnitude do contributo genético e

ambiental

Amostraram-se 191 crianças (78 MZ e 113 DZ) provenientes do Hospital Geral

de Santo António, do 1º encontro de gémeos da cidade da Maia e do Centro

Hospitalar do Alto Ave, com idades médias de 8,9±3,1 anos. A bateria

escolhida foi a Zurich Neuromotor Assessment (ZNA) que avalia o tempo de

performance e a qualidade dos movimentos associados. Os resultados foram

analisados no STATA 10. O nível de significância foi de 0,05.

Os resultados mostram que a variância explicada pelo sexo e idade nos

diferentes desempenhos nas componentes de tempo varia entre 4% e 27% e

nas componentes de movimentos associados entre 2% e 21%. Os gémeos MZ

apresentam valores de coeficiente de correlação intraclasse superiores aos

gémeos DZ, na quase totalidade dos fenótipos estudados com excepção para o

equilíbrio estático e para as tarefas das extremidades superiores e inferiores.

Tarefas como movimentos simples/complexos, extremidades

superiores/inferiores, bem como as tarefas motoras adaptativas finas, foram

aquelas cujos valores denotaram factores genéticos mais acentuados.

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XII

Concluí-se que existe maior homogeneidade na performance neuromotora em

gémeos MZ; É clara a presença de factores genéticos na variação

interindividual do desenvolvimento neuromotor, especialmente em fenótipos

como movimentos simples/complexos, as extremidades superiores/ inferiores,

bem como as tarefas motoras adaptativas finas.

Palavras-chave: Desempenho neuromotor, gémeos

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XIII

ABSTRACT

The variation of the neuromotor performance in children and young people is

extremely important in both clinical and pedagogical contexts. Despite the

evidence of normative information, there is little data on the analytical and

interpretative contribution of its enormous variation. The MZ and DZ twins

provide an excellent opportunity to study different aspects of the variability of

the neuromotor development.

The objectives of the study are: (1) to describe aspects of similarity -

dissimilarity of neuromotor performance, (2) to explore its fraternal aggregation

in MZ and DZ twins, (3) to estimate the magnitude of the genetic and the

environmental contributions.

There was a sample of 191 children (78 MZ and 113 DZ) from the General

Hospital of Santo António, the 1st Twin’s Meeting of the city of Maia and the

Hospital Center of Alto Ave, with average ages of 8,9 ± 3,1 years. The battery

chosen was the Zurich Neuromotor Assessment (ZNA), which measures the

time of performance and the quality of the associated movements. The results

were analyzed in STATA 10. The significance level was 0,05.

The results show that the variance explained by sex and age in the different

performances in the components of time varies between 4% and 27% and in

the components of associated movements between 2% and 21%. The MZ twins

present values of intraclass correlation coefficient higher than the DZ twins, in

almost all the phenotypes studied, except for the static balance and the tasks of

upper and lower limbs. Tasks such as simple/complex movements, upper/lower

limbs as well as the fine adaptive motor tasks were those whose values denote

more pronounced genetic factors.

It was concluded that there is a greater homogeneity in neuromotor

performance in MZ twins; The presence of genetic factors in interindividual

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XIV

variation of the neuromotor development is clear, especially in phenotypes as

simple/complex movements, the upper/lower limbs, as well as the fine adaptive

motor tasks.

Keywords: Neuromotor Performance, twins

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XV

RÉSUMÉ

La variation dans la performance neuromotrice chez les enfants et les jeunes

est extrêmement importante en termes de clinique et de l'enseignement. Malgré

les preuves de l'information normative, il y a peu de données sur la contribution

analytique et interprétative de ses variations énormes. Les jumeaux MZ et DZ

fournissent une excellente occasion d'étudier divers aspects de la variabilité du

développement neuromoteur.

Les objectifs de l'étude sont: (1) décrire des aspects de similitude -

dissemblance de la performance neuromotrice, (2) d'exploiter son agrégation

fraternel en jumeaux MZ et DZ, (3) estimer l'ampleur de la contribution

génétique et de l'environnement.

Il y avait un échantillon de 191 enfants (78 MZ et 113 DZ) de l'Hôpital Général

de Santo António, de la 1ère réunion de jumelles en Maia et du Centre

Hospitalier de l'Alto Ave, avec des âges moyennes de 8,9 ± 3,1 ans. La batterie

choisie était Zurich Neuromotor Assessment (ZNA) qui mesure le temps de la

performance et la qualité des mouvements associés. Les résultats ont été

analysés dans STATA 10. Le niveau de signification a été de 0,05.

Les résultats montrent que la variance expliquée par le sexe et par l’âge dans

les différents performances dans les composantes du temps varie entre 4% et

27% et dans les composantes de mouvements associés entre 2% et 21%.Les

jumeaux MZ présente des valeurs de coefficient de corrélation intraclasse

supérieures aux jumeaux DZ dans presque tous les phénotypes étudiés, sauf

l’équilibre statique et les tâches des membres supérieures et inférieures. Les

tâches comme des mouvements simples/complexes, des membres

supérieures/inférieures et les tâches de motricité adaptative fine étaient ceux

dont les valeurs indiquent des facteurs génétiques plus prononcées.

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XVI

On conclu qu'il y a une plus grande homogénéité dans les performances

neuromotrices de jumeaux MZ; Il y a une présence claire des facteurs

génétiques dans la variation interindividuelle du développement neuromoteur,

en particulier dans les phénotypes comme des mouvements

simples/complexes, les membres supérieures/inférieures et les tâches de

motricité adaptatif fine.

Mots-clés: Performance neuromoteur, jumeaux

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XVII

LISTA DE ABREVIATURAS CoM Coordenação Motora

dp desvio-padrão

et al . e colaboradores

IC Intervalo de confiança

i. e. Isto é

t Correlação intra-classe

DM Desenvolvimento motor

MZ Gémeos monozigóticos

DZ Gémeos dizigóticos

ZNM Zurich neuromotor assessment

M Média

IPATIMUP Instituto de Patologia a Imunologia Molecular da Universidade do

Porto

Tgest Tempo de gestação

Despcont Prática desportiva

Apgar 5 Índice de apgar 5

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XVIII

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1

Capítulo 1

INTRODUÇÃO GERAL

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2

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3

Introdução

Quando se quer estudar o desenvolvimento da criança e do jovem, é

incontornável a abordagem ao estudo do seu comportamento motor numa

perspectiva de lifespan. É mais do que evidente que a dimensão extremamente

complexa do desenvolvimento pode ser aproximada, num certo sentido, a partir

do território do Desenvolvimento Motor (DM). Para Clarck (1994) o DM pode

ser percebido como o conjunto de mudanças no comportamento motor ao

longo da vida e os processos inerentes e responsáveis por essas mesmas

mudanças. Neto (2002) refere-se ao DM como sendo o aspecto do

comportamento e controlo motor que está directa ou primariamente relacionado

com o estudo das transformações na prestação motora durante os diferentes

momentos de evolução da vida do indivíduo. Aspectos como crescimento e

maturação, habilidades motoras fundamentais, nível de condição física,

habilidades motoras finas e perceptivas, ou até mesmo elementos como o auto

–conceito, integração social ou expressividade motora devem ser

equacionados dentro de uma abordagem multifacetada de Desenvolvimento

Motor. Também Bouchard et al. (1997) descrevem, ainda que de modo muito

sintético, o DM como sendo um processo pelo qual o individuo adquire

competências numa variedade de movimentos, usualmente num contexto de

instruções especificas com ou sem prática deliberada em contextos sócio-

culturais bem delimitados.

O DM pode ser simplesmente descrito, também, como um processo de

alterações no nível de funcionamento de um indivíduo, onde uma maior

capacidade de controlar movimentos é adquirida ao longo do tempo. Esta

contínua alteração no comportamento ocorre pela interacção entre as

exigências da tarefa (físicas e mecânicas), a biologia do indivíduo

(hereditariedade, natureza e factores intrínsecos, restrições estruturais e

funcionais do individuo) e o ambiente (físico e sócio cultural, factores de

aprendizagem ou de experiência), caracterizando-se como um processo

dinâmico no qual o comportamento motor surge das diversas restrições que

rodeiam o comportamento (Newell, 1986; Barela, 2001).

Concepções sistémicas e dinâmicas do desenvolvimento exploram ao máximo

a noção de influências recíprocas de processos biológicos e psicológicos e

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4

condições do ambiente ou contexto (Ford & Lerner, 1992). Assim, individuo e

contexto “interagiriam dinamicamente” no desenvolvimento e, em virtude dessa

interacção, cada uma das partes seria transformada pela outra. Segundo tal

concepção, as características de um organismo podem ser afectadas por

diferenças genéticas e/ou ambientais, mas são constituídas pela acção

conjunta de genes e ambientes (Connoly, 1986).

Dos primeiros estudos realizados nesta área, meramente descritivos, avançou-

se para perspectivas mais integradoras e abrangentes, que contemplaram

aspectos do Controlo e Aprendizagem Motora, Desenvolvimento Perceptivo,

Análise Biomecânica e Factores Psico e Sócio – Afectivos.

Dos muitos autores e investigadores que se debruçam sobre o DM, formulando

ao longo dos anos diferentes teorias e linhas orientadoras, podem-se

caracterizar dois movimentos: filogenéticos (centrados na maturação) e

ontogenéticos (dependentes da aprendizagem), movimentos estes que têm

sido centrais nas discussões do Desenvolvimento e Aprendizagem Motora,

dando origem, segundo Newell (1986), a duas correntes teóricas:

maturacionistas (mais centradas nos factores genéticos) e behavioristas (mais

de acordo com factores ambientais).

Eis então que surge uma abordagem diferente associada aos sistemas

dinâmicos (1980-2000) com uma nova aproximação ao controlo motor (Kelso et

al., 1980; Kugler et al., 1982). As pesquisas baseiam-se na teoria dos sistemas,

teoria do caos, termodinâmica e outros campos que estando para além do

Comportamento Motor e da Psicologia, ofereceram uma nova teoria para o

estudo da coordenação motora e do controlo motor. Clark e Oliveira (2006)

sugerem que a partir do ano 2000, a investigação em DM, entra numa nova era

baseada nas “ Neurociências”, sendo suportada pela utilização de modelos e

técnicas de neuro-imagem. Esta era aparece na sequência da evolução das

tecnologias não invasivas que permitem investigar a função cerebral e a

utilização de modelos que permitem combinar comportamentos, imagens e

aproximações computacionais para compreender o comportamento motor.

A criança actua no seu meio ambiente e expressa-se através do seu sistema

neuro-perceptivo-motor. Na idade escolar, as habilidades motoras são

contributos substanciais de aspectos da sua performance académica,

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5

influenciando a sua competência em áreas de desenvolvimento como a

comunicação verbal e não verbal, interferindo profundamente nos seus

sentimentos de bem-estar e de auto-estima (Polatajko, 1999).

As disfunções motoras ligeiras e moderadas são um problema significante,

ocorrendo em 6% das crianças da população geral (American Psychiatric

Association, 1994). Profissionais – como Neurologistas e Pediatras – que se

vêm confrontados com presumíveis “clumsy children”, sentem-se

eventualmente “convidados” a investigar se a sua performance motora,

qualidade de movimentos e postura estão enquadrados dentro dos parâmetros

ditos normais, ou se pelo contrário são a expressão de um atraso de

desenvolvimento. Complicações motoras graves são facilmente reconhecidas

pela maior parte das pessoas. Menos óbvio, mas muito mais frequentes, são as

complicações menores que raramente são relatadas como desordens

neurológicas específicas. Sinais neurológicos subtis são mais difíceis de

detectar e estão presentes frequentemente em crianças pequenas (Deuel &

Robinson, 1987). Estes sinais neurológicos subtis, não servem apenas como

marcadores de leve deficiência motora, eles estão relacionados com distúrbios

comportamentais como a hiperactividade, a impulsividade, dificuldades de

aprendizagem, conduta agressiva antisocial, fraco desenvolvimento cognitivo e

depressão. Um sólido conhecimento do desenvolvimento neuromotor normal é

um pré requisito para todos os profissionais que lidam com crianças normais ou

com distúrbios desenvolvimentais.

A ideia de tendências inatas e o conceito de maturação biológica pretendem

explicar os padrões e as sequências de DM que são os mesmos para todas as

crianças. Por outro lado, a natureza também pode contribuir para variações de

um indivíduo para outro (Bee, 2008).

O estudo das contribuições genéticas ao comportamento individual, chamado

de Genética do Comportamento, tornou-se uma área de pesquisa

particularmente empolgante e influente nos últimos anos e tem contribuído

bastante para o renovado interesse pelas raízes biológicas do comportamento

(Bee, 2008).

Usando duas abordagens principais de pesquisa – o estudo de gémeos

idênticos (MZ) e fraternos (DZ) e o estudo de crianças adoptadas – os

geneticistas do comportamento demonstraram que a hereditariedade afecta

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6

uma gama notavelmente ampla de fenótipos como a altura, a forma corporal,

as habilidades cognitivas especificas, etc. (Bee, 2008). A herança genética de

uma criança também pode afectar o seu meio ambiente (Plomin, 1995) de duas

maneiras. Em primeiro lugar, a criança herda os genes dos seus pais, que por

sua vez também “criam” o meio ambiente em que ela cresce. Assim sendo,

saber algo sobre a herança genética de uma criança permite-nos predizer de

alguma forma algo sobre o seu meio ambiente. Há no entanto que enfatizar

que nenhum geneticista do comportamento afirma que a hereditariedade é a

única causa do comportamento ou a mais central. Na verdade, como salienta

Plomin (1995), a pesquisa da Genética do Comportamento tem sido tão

importante para mostrar o efeito significativo do meio ambiente quanto para

provar a centralidade da hereditariedade.

Não obstante a informação disponível, ainda escassa, há um claro défice de

estudos que explorem a magnitude dos contributos genético e ambiental no

desempenho neuromotor de crianças e jovens. Os gémeos MZ, DZ e múltiplos,

conforme já foi referido, providenciam uma oportunidade excelente de se

estudar, pelo menos do ponto de vista descritivo, aspectos da plasticidade do

desenvolvimento motor e de algum modo ajudar a esclarecer aspectos que são

importantes na coordenação motora. Os resultados dos estudos gemelares

sugerem que há atrasos no “ timing” de alguns marcos motores, principalmente

no controlo da cabeça, na posição de sentar sem suporte e no andar (Hajnal et

al, 2004). Também os gémeos DZ são mais rápidos do que os MZ no “timing”

do sentar, gatinhar, colocar-se em pé e no andar. São referidos problemas

motores que variam entre 5.7% e 28.6% (Hajnal et al, 2004).

É emergente o reconhecimento que a maioria dos caracteres ou traços dos

sujeitos, i.e., os fenótipos, é influenciada por múltiplos genes e uma variedade

enorme de factores do envolvimento. A Genética Quantitativa tornou-se o

paradigma central de análise e atribuição de significado á variação fenotipica

presente no seio da população (Lynch & Walsh, 1998). Os estudos de Genética

Quantitativa aplicada aos humanos lidam, sobretudo, com delineamentos de

famílias nucleares e gemelares (Khoury et al., 1983; Neale & Cardon, 1992).

Esta última estratégia amostral, a gemelar, e toda a sua construção conceptual

e analítica constitui uma parte importante do presente estudo. Francis Galton,

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no final do século XIX, propôs o delineamento gemelar clássico, sendo

habitualmente um dos mais utilizados na interpretação dos efeitos genéticos e

ambientais (Bouchard et al., 1997). Os gémeos MZ, ou idênticos, são resultado

da fertilização de apenas um óvulo, partilhando os mesmos genes idênticos por

descendência; os DZ, ou fraternos, resultam da fertilização de dois óvulos

independentes, partilhando apenas, em média, 50% dos genes idênticos por

descendência.

As metodologias gemelares estabelecem estratégias para identificar as

contribuições genéticas e ambientais de um dado fenótipo, representado de

modo contínuo ou discreto, dado que permitem estimar a magnitude das

influências genéticas através do cálculo de factores genéticos (a2), e dos

factores ambientais que se dividem em duas sub-componentes: o ambiente

comum (c2) e o ambiente único (e2) (Hewitt et al., 2001).

Estão disponíveis na literatura textos bem interessantes, de complexidade

crescente, sobre o uso de informação gemelar, bem como a sua análise e

interpretação (Bouchard et al. 1990; Neale et al. 1995).

Muita da pesquisa efectuada em gémeos acerca das características inerentes

ao Desenvolvimento Motor foi realizada com a Bayley Scales of Infant

Development. Gémeos MZ e DZ não apresentam diferenças significativas nas

competências motoras adquiridas nas escalas de desenvolvimento motor

(Dales, 1969). Mesmo nos gémeos prematuros com diferentes pesos á

nascença, não foram encontradas diferenças significativas intrapar no

desenvolvimento motor durante os primeiros dois anos de vida (Fujikura et

Froelich, 1974; Wilson et al, 1972). Por outro lado, os gémeos MZ e DZ tendem

a apresentar maior consistência nas aquisições motoras, quando comparados

com irmãos comuns durante os primeiros 5 anos de vida (Cook et al., 1984;

Dales, 1969; Wilson et al., 1972). O desenvolvimento de outros movimentos

específicos durante a infância, como saltar, correr, etc, genericamente

apresentam maior concordância entre os gémeos MZ (Gesell, 1954).

A informação disponível acerca da influência dos factores genéticos no

desenvolvimento neuromotor é reduzida, havendo pesquisa no modelo animal

referente aos efeitos de mutações de alguns genes candidatos em padrões

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coordenativos (Voikar et al., 2002; Saleh et al., 2003; Lalond et al., 2003;). No

que diz respeito a trabalhos realizados com humanos, podemos referir o

trabalho de Francks et al. (2003), que realizou um estudo cujo objectivo foi

pesquisar a dependência do desempenho na relação entre a leitura,

lateralidade e CoM a factores genéticos.

Pouco se sabe acerca da similaridade ou dissimilaridade nos padrões de

movimento entre gémeos e irmãos. Um estudo realizado por Sklad (1972),

analisa aspectos específicos da corrida entre gémeos com idades

compreendidas entre 11 e 15 anos. A variação intrapar é mais reduzida nos

gémeos MZ e no sexo masculino. Isto sugere uma contribuição genotípica na

variação dos aspectos da corrida. Por outro lado, a pequena diferença entre as

raparigas MZ e DZ, sugere que a corrida nas raparigas está mais sujeita a

influências ambientais, como factores sociais e motivacionais.

Mais recentemente, Goya et al., (1991; 1993), realizaram um estudo sobre

natação, estilo crawl, em 10 pares de gémeos MZ e DZ. Os resultados

encontrados são consistentes com os do estudo de Sklad, (1972). Indicam

ainda uma importante influência ambiental neste estilo de natação, como a

prática e a experiência.

Não obstante a informação disponível, sentimos necessidade de estudar o

contributo genético e ambiental do desempenho neuromotor de crianças e

jovens com populações gemelares. Para avaliar o desempenho neuromotor

dos gémeos constituintes da população em estudo, foi utilizada a bateria Zurich

Neuromotor Assessment (ZNM), desenvolvida pelo Centro de Crescimento e

Desenvolvimento do Hospital Universitário de Zurich (Largo, Fischer e Cafish,

2002). A avaliação neuromotora de Zurich está construída em termos

normativos com base em distintas tarefas motoras balizadas em tempos de

performance e qualidade do movimento (movimentos associados da

extremidade contralateral, ipsilateral, face, cabeça e tronco). Toda a avaliação

é registada em vídeo para posterior pontuação.

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Os estudos de caso permitem uma descrição mais exaustiva e uma reflexão

mais aprofundada sobre a problemática da gemelaridade, constituindo uma

ferramenta valiosa de investigação.

Os estudos de caso gemelares têm sido utilizados variadíssimas vezes na

tentativa de perceber o que revelam acerca do desenvolvimento humano

(Seagal, 2000). Num certo sentido, é uma tentativa de fazer pelos estudos

gemelares o que Oliver Sacks fez pelos estudos clínicos - restaurar o sujeito

Humano a partir do centro.

Foi escolhida uma abordagem empírico – descritiva por se considerar a mais

adaptada em relação aos objectivos do estudo e também para complementar a

abordagem anterior mais centrada em propósitos inferenciais. Os dois estudos

de caso são uma resposta á necessidade clínica de esclarecimento e

intervenção no domínio da individualidade intra–gemelar, bem como da

urgência em perceber aspectos relevantes das trajectórias de histórias de vida

gemelar (Seagal, 2005).

Durante a recolha de informação gemelar com a escala ZNM, o interesse sobre

as questões gemelares deixou de ter uma abordagem meramente cientifica,

para passar a ser encarada de uma forma muito mais emocional. Estudar

famílias gemelares não passa somente pela análise directa de dados

objectivos. Daqui a ideia de compilar as histórias, emoções, dificuldades e

alegrias que é ser Família Gemelar.

Estas abordagens, quer empírica quer científica, bem distintas, não se

excluem. Pelo contrário. São faces de um mesmo diamante. Um exercício de

ciência não se limita ao formalismo de um modo muito unilateral de pensar e

agir.

A presente pesquisa pretende acrescentar informações que favoreçam o

aumento do conhecimento sobre variação no desenvolvimento neuromotor,

com informação de natureza gemelar.

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Os objectivos deste estudo são os seguintes:

1. Descrever aspectos da similaridade-dissimilaridade do

desempenho neuromotor de gémeos MZ e DZ.

2. Explorar a agregação fraterna nos níveis de desempenho

neuromotor em gémeos MZ e DZ.

3. Estimar a magnitude do contributo genético e ambiental no

desempenho neuromotor de gémeos MZ e DZ.

4. Mapear, em dois pares de gémeos, aspectos relativos ao:

- Comportamento desenvolvimental do peso e altura.

- Correspondência percentílica estatuto – ponderal.

- Comportamento diferencial no desempenho neuromotor.

5. Relato de vivências gemelares.

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ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

Este trabalho está estruturado de uma maneira distinta do padrão tradicional de

elaboração de dissertações de Mestrado, uma vez que se optou pelo “ Modelo

Escandinavo”. A dissertação é composta por seis capítulos, cuja estrutura está

na tabela 1. Nos capítulos três e quatro encontram-se artigos que foram

redigidos seguindo as orientações das normas específicas da Faculdade de

Desporto da Universidade do Porto; no entanto, parte destes artigos serão

formatados segundo as normas de publicação de cada periódico. As

referências bibliográficas são apresentadas no fim de cada capítulo.

Tabela – Capítulos da Dissertação e seus principais objectivos.

Capítulo I

Introdução geral, pertinência, objectivo do estudo e estrutura da dissertação.

Capítulo II Metodologia Geral

Estudo Empírico Capitulo III Factores genéticos e ambientais nos níveis de desempenho neuromotor.

Um estudo em gémeos

Capitulo IV

Estudo de caso Referente a um par de gémeos MZ

Capítulo V

Relatos de vivências numa família gemelar

Capitulo VI

Conclusões Gerais

Capitulo VII

Anexos

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Capítulo 2

Metodologia Geral

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Procedimentos gerais

Todo o trabalho tendente á recolha de informação começou em Outubro de

2006, com o pedido ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar do

Alto Ave junto do qual foi apresentado sumariamente o projecto da presente

investigação e solicitada a sua colaboração no sentido de fornecer informação

acerca dos gémeos nascidos neste estabelecimento hospitalar. O mesmo

procedimento foi utilizado no Hospital Geral de Santo António no Porto.

Com o intuito de se proceder á recolha dos dados foram enviadas

convocatórias hospitalares a fim de se receber os pais e respectivos gémeos

em consulta de desenvolvimento neuromotor.

Nesta consulta foi obtida informação acerca do histórico obstétrico da mãe e

pormenores relativos ao desenvolvimento neuromotor dos gémeos, para além

de dados relativos a doenças familiares (anexo 1). De seguida era colhida

informação tendente à determinação da zigotia através de questionário de

Peeters e recolha sanguínea para análise posterior do seu DNA. Era explicada

aos membros do par o conteúdo e estrutura da avaliação da bateria ZNM

(Zurick Neuromotor Assessment). Cada membro do par realizava as provas

sem que o outro membro estivesse presente. As provas foram filmadas com

câmara SONY digital, modelo DCR – DVD 105E. As actividades referentes a

cada par de gémeos eram filmadas em DVD individual para posterior avaliação

dos movimentos associados (os detalhes das provas efectuadas encontram-se

explicitados no ponto relativo a Instrumento e Procedimentos de Avaliação

Neuromotora). O posicionamento da câmara de filmar variava consoante a

prova a ser efectuada. Para a prova do tabuleiro, a câmara era colocada

frontalmente à criança, em filmagem de meio corpo. Para as actividades

realizadas em posição de sentado, a câmara era posicionada num ângulo de

45º para que todo o corpo da criança fosse visível. Na posição de pé a câmara

posicionava-se frontalmente de modo a visualizar todo o corpo da criança. Em

actividades que requeriam movimento, a câmara era colocada frontal ou

lateralmente de forma a ver todo o corpo da criança.

Evidentemente que a recolha dos dados não foi efectuada sem que

previamente se tivesse fornecido todos os esclarecimentos acerca do estudo,

dos seus propósitos, alcances e procedimentos e os pais tivessem assinado

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um consentimento informado permitindo que os seus filhos participassem no

estudo.

Dada a relevância que a informação assumia para os gémeos e suas famílias

foram elaborados relatórios individuais que a posteriori lhes foram enviados.

Continham não apenas dados relativos aos resultados dos testes realizados

mas também explicações acerca do seu significado.

Amostra

Esta investigação integra uma amostra de grupo de gémeos dos dois sexos,

pertencentes ao escalão etário que se situa entre os 5 e os 18 anos de idade

cronológica e de diferente zigotia (i.e., Monozigóticos, MZ e Dizigóticos, DZ),

cuja distribuição se apresenta no quadro

Quadro 1:Dimensão amostral das diferentes zigotias. Médias e desvios – padrão (M±dp) da idade.

Zigotia Sexo Nº de Pares Totalidade

sujeitos Idade (M±Dp)

MZ ♂♂ 20 41 8.1±2.8 ♀♀ 19 37 9.6±3.3

DZ ♂♂ 12 25 7.6±2.6 ♀♀ 15 30 9.1±4.0

DZ ♀♂ 25 58 9.4±2.7

Determinação da Zigotia

A determinação da zigotia foi efectuada em duas etapas com recurso a dois

métodos: um método indirecto, através da aplicação do questionário de Peeters

et al. (1998), respondido pelas mães durante a consulta de Avaliação do

Desenvolvimento Neuromotor, o qual contém itens de semelhança e confusão

gemelar (ver anexo 2). A cotação das respostas foi efectuada sempre pelo

mesmo investigador. Este questionário, desenvolvido na Bélgica, apresentou

uma elevada validade concorrente numa amostra de gémeos portugueses face

à informação providenciada pelo ADN (Fernandes e Maia, 2006).

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O método directo consiste numa recolha de sangue (pequena picada no dedo)

a cada um dos membros de cada par de modo a permitir a determinação

automática do tamanho dos fragmentos específicos ampliados por PCR

(Polimerase Chain Reaction) relativamente ao loci altamente polimórficos

(STRs ou micro satélites). Os genótipos gerados simultaneamente, quanto a

uma bateria mínima de 16 destes marcadores foram analisados no laboratório

do IPATIMUP da Universidade do Porto. O cálculo da probabilidade de

monozigotia toma em consideração as frequências alélicas de cada marcador

na região norte e centro do país.

Figura 1 – Material utilizado na recolha de sangue para determinação da zigotia:

Lancetas utilizadas para a picada do dedo

Papel utilizado para recolha da amostra sanguínea, fornecido pelo IPATIMUP, que procedia à sua avaliação

Instrumento e procedimentos de avaliação neuromotora

Com o intuito de avaliar diferentes aspectos do desenvolvimento neuromotor de

gémeos recorremos á bateria de testes Zurich Neuromotor Assessment (ZNM).

A ZNM foi desenvolvida pelo Hospital Pediátrico de Zurich, Suiça, por uma

equipa liderada por Largo (Largo et al., 2001; Largo & Caflish, 2001; Largo,

Fischer et Rousson, 2003), está equipada de um manual explicativo (Zurich

Neuromotor Assessement examination set, 2002) acompanhado de CD

demonstrativo das tarefas e instrumentarium que se encontra ilustrado na

Figura 2:

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Figura 2 – Material utilizado na bateria de Testes ZNM: Tabuleiro, caixa com 14 pinos plásticos, caixa com 12 pinos

metálicos, pinos plásticos e metálicos suplentes, plataforma listada para testar equilíbrio estático, bastão para testar

equilíbrio estático, plataformas de inox para testar equilíbrio dinâmico com dois bastões e 8 metros de elástico.

Utilizada em vários estudos (Largo et al., 2001; Largo & Caflisch, 2001; Largo,

Fischer et Rousson, 2003), em crianças com idades compreendidas entre os 5

e os 18 anos de idade, esta bateria permite estandardizar a avaliação de

diferentes aspectos do desenvolvimento neuromotor. Inclui sequências de

movimento simples e complexas, bem como tarefas adaptativas.

O exame completo, com um examinador experiente da ZNM, demorará cerca

de uma hora. Existem duas versões de avaliação: a versão clínica e a versão

de investigação. A versão clínica avalia a performance cronometrada

(velocidade) e inclui uma avaliação simples da qualidade de movimento

(movimentos associados contralaterais). A versão de investigação também

avalia a performance temporizada e, em adição, permite uma avaliação mais

compreensiva da qualidade das funções motoras (movimentos associados de

todo o corpo), sendo para tal efectuada a filmagem de todas as tarefas

motoras. Posteriormente, a partir da filmagem, é possível quantificar em grau (0

a 3) e frequência (0 a 10 ou 0 a 20) nos movimentos associados ocorridos

aquando da realização da tarefa proposta. Entende-se por movimentos

associados os movimentos involuntários nas zonas do corpo que não estão

envolvidos activamente na tarefa; quanto menos movimentos associados e

menor a evidência dos mesmos, maior será a qualidade dos movimentos.

A bateria é constituída por tarefas que incluem movimentos repetidos dos pés,

mãos e dedos das mãos; movimentos alternados dos pés e mãos; movimentos

sequenciais dos dedos das mãos; performance adaptativa; tabuleiro e equilíbrio

dinâmico; equilíbrio estático; postura e marcha.

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As tarefas obedecem a uma sequência, sendo que primeiramente são

efectuadas 2 tarefas no tabuleiro, seguidas dos movimentos alternados e

sequenciais. Em seguida, tarefas de equilíbrio estático e dinâmico. As duas

primeiras tarefas são realizadas em posição de sentado e as restantes em pé.

É de extrema importância a explicação e motivação do examinado para a

realização de cada tarefa, bem como a temperatura agradável do local, a boa

luminosidade e a roupa que permita a correcta visualização das diferentes

partes do corpo envolvidas na avaliação.

É necessária a determinação da dominância lateral. Em crianças pré –

escolares, sentados a uma mesa, com ambas as mãos em cima da mesma,

são instruídos á realização de três tarefas: desenhar um círculo; escovar os

dentes; cortar papel com uma tesoura. A mão utilizada mais frequentemente

pela criança é considerada como a mão dominante. Em crianças escolares é-

lhes questionado acerca da mão com que escrevem. O lado dominante no

membro superior será considerado igualmente dominante para o membro

inferior.

Controlo da qualidade da avaliação

Face à circunstância de se utilizar duas amostras provenientes de dois

hospitais e da exigência de se pontuar o desempenho a partir das filmagens, foi

necessário obter informação relativa á consistência/qualidade de cada

observador e entre observadores.

Dado que neste projecto estiveram envolvidos 3 pesquisadores, foi definido

pontuar 10 crianças retiradas aleatoriamente da amostra. Foram efectuadas

duas avaliações distintas com o intervalo de uma semana. Os principais

resultados encontram-se nas Tabelas 1 e 2, sendo apresentados de forma

semelhante ao sugerido no manual do ZNM (Largo et al, 2002). Deles emerge

a possibilidade em estimar a fiabilidade intra e entre – avaliadores.

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Tabela 1: Valores do coeficiente de correlação intraclasse (t) e respectivos intervalos de confiança (IC 95%) para o

tempo de performance de todas as tarefas e movimentos do ZNA. Resultados intra - avaliadores e entre – avaliadores

(D= dominante; ND= não dominante)

Tarefas Intra- observador

(IC 95%)

Inter- observador

(IC 95%)

Movimentos

repetidos

Dedos D 0.996 (0.984-0.999) 0.993 (0.985-0.997)

Nd 0.989 (0.960-0.997) 0.979 (0.957-0.990)

Mãos D 0.992 (0.971-0.998) 0.988 (0.975-0.994)

Nd 0.973 (0.903-0.993) 0.967 (0.932-0.984)

Pés D 0.793 (0.393-0.943) 0.769 (0.572-0.882)

Nd 0.999 (0.995-1) 0.996 (0.991-0.998)

Movimentos

alternados

Mãos D 0.998 (0.993-1) 0.988 (0.995-0.999)

Nd 0.999 (0.997-1) 0.999 (0.998-1)

Pés D 0.897 (0.660-0.973) 0.889 (0.782-0.945)

Nd 0.999 (0.997-1) 0.999 (0.998-1)

Movimentos

sequenciais Dedos

D 0.990 (0.962-0.997) 0.989 (0.976-0.994)

Nd 0.991 (0.967-0.998) 0.986 (0.971-0.993)

Tarefas

Adaptativas Tabuleiro

D 0.978 (0.921-0.995) 0.974 (0.947-0.988)

Nd 0.996 (0.987-0.999) 0.994 (0.988-0.997)

Equilibrio Dinâmico D 0.999 (0.998-1) 0.999 (0.998-1)

Nd 0.997 (0.987-0.999) 0.998 (0.996-0.999)

Equilibrio Estático D 0.999 (0.998-1) 1

Nd 0.998 (0.991-0.999) 0.998 (0.995-0.999)

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Tabela 2: Valores do coeficiente de correlação intraclasse (t) e respectivos intervalos de confiança (IC95%) para os

movimentos associados de todas as tarefas e movimentos do ZNA. Resultados intra – avaliadores e entre - avaliadores

(D= dominante; ND= não dominante)

Tarefas Intra- observador

(IC 95%)

Inter- observador

(IC 95%)

Movimentos

repetidos

Dedos D 0.958(0.935-0.973) 0.959 (0.947-0.99768)

Nd 0.973 (0.958-0.982) 0.917 (0.895-0.935)

Mãos D 0.975 (0.961-0.984) 0.953 (0.939-0.963)

Nd 0.989 (0.983-0.993) 0.989 (0.986-0.992)

Pés D 0.915 (0.871-0.945) 0.910 (0.885-0.929)

Nd 0.984 (0.975-0.990) 0.970 (0.962-0.977)

Movimentos

alternados

Mãos D 0.986 (0.978-0.991) 0.974 (0.967-0.980)

Nd 0.919 (0.877-0.947) 0.915 (0.891-0.933)

Diadocinésias D 0.802 (0.707-0.868) 0.809 (0.761-0.849)

nd 0.863 (0.794-0.910) 0.879 (0.847-0.905)

Pés D 0.833 (0.751-0.889) 0.837 (0.795-0.871)

Nd 0.961 (0.941-0.871) 0.957 (0.945-0.967)

Movimentos

sequenciais Dedos

D 0.859 (0.788-0.907) 0.885 (0.854-0.909)

Nd 0.914 (0870-0.944) 0.893 (0.864-0.916)

Tarefas

Adaptativas Tabuleiro

D 0.888 (0.827-0.929) 0.925 (0.900-0.943)

Nd 0.868 (0.796-0.916) 0.935 (0.914-0.951)

Postura

(marcha)

Em bicos de pés 0.924 (0.876-0.954) 0.919 (0.892-0.939)

Nos calcanhares 0.993 (0.989-0.996) 0.962 (0.949-0.972)

Bordo externo do pé 0.959 (0.932-0.975) 0.912 (0.895-0.940)

Bordo interno do pé 0.918 (0.866-0.950) 0.900 (0.866-0.924)

Os resultados das tabelas anteriores mostram a elevada consistência, intra e

entre observadores, para o tempo de performance de todas as tarefas e

movimentos do ZNM, bem como para os movimentos associados. Os valores

variam entre 0.99 e 0.79 (intra observador) e 0.76 e 1 (entre observador). O

mesmo pode ser verificado na tabela de movimentos associados, com valores

que variam desde 0.99 e 0.80 para avaliações intra avaliadores e 0.98 e 0.80

para entre avaliadores.

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Procedimentos estatísticos

Para cada variável foi efectuada a análise descritiva e correspondente estudo

exploratório.

Quando se lida com amostras gemelares de dimensão reduzida, como é o

caso desta pesquisa, é necessário remover o efeito de diferentes covariáveis,

tais como sexo, idade, de forma a obter fenótipos mais precisos. É habitual

recorrer-se á regressão múltipla e calcular os resíduos das covariáveis

significativas. Estas passarão a ser as novas variáveis. Foi então decidido

considerar somente gémeos MZ e DZ. Foram considerados os resíduos de

regressão em cada fenótipo considerando idade, sexo, tempo de gestação,

prática desportiva e índice de apgar como covariáveis.

No seio de cada zigotia foi calculado o coeficiente de correlação intraclasse

(medida de semelhança–dissemelhança intrapar). O coeficiente de correlação

intraclasse é uma estatística frequentemente utilizada para sumariar o grau

de homogeneidade de uma classe de valores; espera-se que a classe dos

gémeos MZ para um qualquer traço fenotipico seja mais homogénea que a

classe dos gémeos DZ.

Foram elaborados gráficos de dispersão, que pretendem ilustrar aspectos

distintos associados á possibilidade de identificar efeitos genéticos nas

variáveis em estudo. Aquilo que se espera da configuração dos resultados é

que os pares de pontos estejam contidos numa elipse mais alongada nos

gémeos MZ do que nos gémeos DZ.

Foram calculadas estimativas de heritabilidade. A heritabilidade é uma

estatística que expressa o quanto da variância numa determinada

característica é devida a factores genéticos.

A performance da avaliação neuromotora da ZNM é expressa sob a forma e

desvios em relação média da população de referência, i.e., em scores z de

acordo com a idade e sexo. Como é bem conhecido, existe uma relação

estreita entre valores z e percentis. Os valores normativos referidos nos

outputs do software que analisa o desempenho têm somente valores z para

desempenhos extremos e percentis para uma banda de performance situada

entre os P3 e o P97. A avaliação vai ser analisada em componentes em bloco

(quatro tempos de performance e um de movimentos associados) e não em

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componentes diferenciais. Todas as análises foram realizadas no software

STATA 10.

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Capítulo 3

Estudo Empírico

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Factores genéticos e ambientais nos níveis de desempenho neuromotor.

Um estudo em gémeos

A análise e interpretação do desempenho (motor) de crianças e jovens são

normalmente pensados em termos de duas perspectivas distintas – normativas

e diferencialistas (Baltes, 1987). Enquanto a primeira focaliza a sua atenção em

termos modais, i.e., o que é mais frequente e “universal” num conjunto de

dados, a segunda interessa-se pela atribuição de significado á variação inter-

individual. Talvez não seja de admirar que a apresentação do desempenho sob

a forma de cartas centílicas seja um dos modos mais adequados de expressar

quantitativamente o posicionamento normativo. Contudo, é também evidente

que para cada valor discreto de idade, existe uma forte variação representativa

da “ideia de normal” que se situa entre percentis (Pi) tão extremos quanto o P3

e o P97.

Há relatos bem extensos de aspectos do desempenho motor de crianças e

jovens no lato território das aptidões (Bouchard et al., 1994; Beunen et al.,

1999; Maia et al., 2003), das habilidades motoras genéricas e específicas

(Bouchard et al., 1983; Beunen et al., 1988; Malina et al., 1991), diferentes

aspectos do desenvolvimento neuromotor (Malina et al., 1997; Maia et al.,

2001; Haywood et al., 2005) e coordenação motora grossa (Malina et al., 2001;

Maia et al., 2003; Bustamante et al., 2007; Vidal, 2008; Coelho de Deus, 2008).

Diferentes baterias de testes de elevada versatilidade permitem tal avaliação,

quantificação objectiva e variabilidade interpretativa.

Um dos maiores desafios colocados a qualquer investigador no domínio do

desempenho motor é a atribuição de significado á presença de diferenças entre

sujeitos que é normalmente expressa por uma estatística bem simples – a

variância. Uma das formas mais interessantes de explorar a extensão de

variação presente na performance motora, não obstante ser polémica em

termos de procedimentos de análise (Bouchard et al., 1997; Neale et al., 1992),

é a que recorre a delineamentos gemelares comparando gémeos

monozigóticos (MZ) e dizigóticos (DZ). A sua história é longa e recheada em

diferentes domínios de investigação (Rutter, 2006), e a sua aplicação às

Ciências do Desporto tem sido extremamente fértil em termos de estudo de

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aspectos fisiológicos, de produção de força muscular, etc. (um resumo extenso

desta utilização está disponível em Bouchard et al., 1997). Recentemente tem

sido utilizado em diferentes domínios da epidemiologia da actividade física (ver

por exemplo, em língua portuguesa, Sapage et al., 2004; Seabra, 2007).

Ora não obstante a evidência de informação normativa, acerca do

desenvolvimento neuromotor (veja-se o exemplo dos estudos realizados na

Suiça por Largo et al., 2001; Caflish et al., 2001; Largo et al., 2003), existe

pouca informação disponível acerca do contributo analítico e interpretativo da

enorme variação que se encontra no desenvolvimento neuromotor de crianças

e jovens. Os gémeos MZ e DZ proporcionam uma oportunidade excelente de

se estudar variados aspectos da plasticidade do desenvolvimento neuromotor.

As metodologias gemelares estabelecem estratégias para identificar as

contribuições genéticas e ambientais de um dado fenótipo, representado de

modo contínuo ou discreto, dado que permitem estimar a magnitude das

influências genéticas através do cálculo de factores genéticos (a2) e dos

factores ambientais que se dividem em duas sub-componentes: o ambiente

comum (c2) e o ambiente único (e2), (Hewitt et al., 2001).

A Bayley Scale of Infant Development, contribuíu para muita da pesquisa

efectuada, acerca das características inerentes ao Desenvolvimento Motor em

Gémeos. Este tipo de escalas avaliativas (Dales, 1969), permitem-nos verificar

a elevada consistência na aquisição de competências motoras, quer nos

gémeos MZ, quer nos DZ.

Mesmo nos gémeos prematuros com diferentes pesos á nascença, vamos

encontrar ao longo dos primeiros dois anos de vida, uma grande semelhança

intrapar no desenvolvimento motor (Fujikura e Froelich, 1974; Wilson et al.,

1972). Os gémeos MZ e DZ, vão apresentar igualmente uma maior similaridade

na aquisição de competências motoras, quando comparados com irmãos

comuns durante os primeiros 5 anos de vida (Cook et al., 1984; Dales, 1969;

Wilson et al., 1972).

Aspectos específicos da corrida entre gémeos com idades entre 11 e 15 anos,

foram analisados por Sklad, (1972), verificando-se uma reduzida variação

intrapar nos gémeos MZ e no sexo masculino. Isto sugere uma contribuição

genotipica na variação dos aspectos da corrida. Por outro lado a pequena

diferença encontrada nas raparigas MZ e DZ, sugere que a corrida no sexo

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feminino esta mais sujeita a influências ambientais, como factores sociais e

motivacionais.

Dada a insuficiência em termos informacionais, acerca da variação do

desempenho neuromotor em crianças e jovens e dada e sua relevância em

termos clínicos e pedagógicos, pensamos ser importante interpretar, de modo

distinto, a variação que ocorre nas cartas centilicas, para um qualquer valor de

idade do desempenho neuromotor. Daqui que os objectivos da presente

pesquisa sejam os seguintes:

1. Descrever aspectos da similaridade–dissimilaridade do desempenho

neuromotor de gémeos MZ e DZ

2. Explorar a agregação fraterna nos níveis de desempenho neuromotor

em gémeos MZ e DZ

3. Estimar a magnitude do contributo genético e ambiental no desempenho

neuromotor de gémeos MZ e DZ

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36

Material e Métodos

Amostra

A amostra foi escolhida dos registos de nascimentos (1990, 2002) do Centro

Hospitalar do Alto Ave, do Hospital Geral de Santo António do Porto e do 1º

Encontro de Gémeos realizado na cidade da Maia. A realização deste estudo

foi autorizada pelas comissões de ética de cada hospital; de cada família foi

obtido o consentimento informado.

As crianças foram avaliadas entre Novembro de 2006 e Abril de 2007, sendo

excluídas previamente todas as que sofressem de paralisia cerebral ou atraso

mental.

Foram convocadas 170 famílias. No entanto, somente compareceram 83 pares

de gémeos, 7 trigémeos e 1 quadrigémeos com idades compreendidas entre os

5 e os 17 anos de idade; 94 são do sexo masculino, 97 do sexo feminino; 78

são monozigóticos (MZ) e 113 são dizigóticos (DZ).

Quadro 2: Totalidade de sujeitos, média e desvios – padrão (M±dp) da idade dos gémeos da amostra.

Zigotia Sexo Nº de Pares Totalidade sujeitos Idade (M±Dp)

MZ ♂♂ 20 41 8.1±2.8 ♀♀ 19 37 9.6±3.3

DZ ♂♂ 12 25 7.6±2.6 ♀♀ 15 30 9.1±4.0

DZ ♀♂ 25 58 9.4±2.7

Avaliação Neuromotora de Zurich

A bateria utilizada para a avaliação, Zurich Neuromotor Assessment (ZNM), foi

desenvolvida pelo Hospital Pediátrico de Zurich (Largo et al, 2002). A Avaliação

Neuromotora de Zurich (Tabela 1) está construída em termos normativos com

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base em distintas tarefas motoras balizadas em tempos de performance e

qualidade de movimento (movimentos associados da extremidade contralateral,

ipsilateral, face, cabeça e tronco).

Tabela 3:Tarefas neuromotoras da bateria de testes ZNM

Movimentos repetidos Dedos

Mãos

Pés

Movimentos Alternados Mãos

Diadocinésias

Pés

Dedos

Tabuleiro

Equilíbrio Dinâmico Saltos laterais

Saltos frontais

Equilíbrio Estático

Marcha Sobre os dedos

Sobre os calcanhares

Sobre o bordo externo do pé

Sobre o bordo interno do pé

Determinação da Zigotia

A determinação da zigotia refere-se à possibilidade de classificar os pares de

gémeos em MZ ou DZ, e foi efectuada com recurso ao método directo. Este

consiste numa recolha sanguínea a cada um dos membros de cada par para

permitir a determinação automática do tamanho dos fragmentos específicos

ampliados por PCR relativamente a loci altamente polimórficos (STRs ou micro

satélites). Os genótipos gerados simultaneamente, quando a uma bateria

mínima de 16 destes marcadores, foram analisados no laboratório do Instituto

de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP) que

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permite identificar com precisão os gémeos MZ dos DZ, considerando a

frequência alélica dos diferentes marcadores para a região norte e centro do

país.

Controlo da Fiabilidade de Avaliação

O controlo da fiabilidade da avaliação da bateria de testes ZNM foi realizado

em duas etapas: entre – avaliadores e intra – avaliadores. Para realizar este

controlo foram observados 10 registos de vídeo de 10 crianças, pontuados por

3 avaliadores, que reavaliaram as mesmas 10 crianças passadas uma semana.

Os resultados denotam uma elevada fiabilidade intra e entre observador

(0.793-0.999 e 0.769 e 1, respectivamente), para o tempo de performance de

todas as tarefas e movimentos do ZNM bem como para os movimentos

associados.

Procedimentos Estatísticos

Para cada variável foi efectuada a análise descritiva e correspondente estudo

exploratório.

Ao lidar com amostras gemelares de dimensão reduzida, como é o caso

desta pesquisa, torna-se necessário a remoção do efeito de diferentes

covariáveis, como o sexo e a idade de forma a obter fenótipos mais precisos.

É habitual recorrer-se á regressão múltipla e calcular os resíduos que

passarão a ser as novas variáveis. Considerou-se então somente gémeos MZ

e DZ..

Foi calculado o coeficiente de correlação intraclasse no seio de cada zigotia

que é uma estatística frequentemente utilizada para sumariar o grau de

homogeneidade de uma classe de valores; espera-se que a classe dos

gémeos MZ para um qualquer traço fenotípico seja mais homogénea que a

classe dos gémeos DZ.

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Foram construidos gráficos de dispersão, pretendendo ilustrar aspectos

distintos associados á possibilidade de identificar efeitos genéticos nas

variáveis em estudo. Espera-se, da configuração dos resultados, que os

gémeos MZ obtenham pares de pontos contidos numa elipse mais alongada,

do que nos gémeos DZ.

Foram calculadas estimativas de heritabilidade a fim de expressar o quanto

da variância numa determinada característica é devida a factores genéticos.

Todos os cálculos foram realizados no STATA 10.

A performance da avaliação neuromotora da ZNM é expressa sob a forma e

desvios em relação média da população de referência, i.e., em scores z de

acordo com a idade e sexo. Como é bem conhecido, existe uma relação

estreita entre valores z e percentis. Os valores normativos referidos nos

outputs do software que analisa o desempenho têm somente valores z para

desempenhos extremos e percentis para uma banda de performance situada

entre os P3 e o P97. A avaliação vai ser analisada em componentes em bloco

(quatro tempos de performance e um de movimentos associados) e não em

componentes diferenciais

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RESULTADOS

O Quadro 3 contém informação descritiva básica das tarefas da bateria ZNM

nos cinco grupos de gémeos.

Quadro 3:Média e desvio-padrão das tarefas da bateria de testes ZNM para os gémeos MZ e DZ.

FENÓTIPOS

MZ DZ

♂♂ ♀♀ ♂♂ ♀♀ ♂♀

n=20 n=19 n=12 n=15 n=25

M±dp M±dp M±dp M±dp M±dp

Tarefas Puramente Motoras -1.98 1.82 -1.84 1.82 -1.66 1.25 -2.17 1.33 -1.9 1.42

Tarefas Motoras Adaptativas Finas -2.66 2.01 -1.63 1.64 -2.31 1.9 -2.08 1.73 -1.75 1.25

Tarefas Motoras Adaptativas Grossas -1.74 1.33 -1.87 2.09 -2.04 1.39 -2.02 1.5 -2.52 1.9

Equilíbrio Estático -0.62 0.96 -0.39 0.77 -0.82 1.52 -0.35 0.78 -0.3 0.93

Movimentos Simples/ Complexos 0.09 1.32 0.79 1.41 -0.33 1.24 0.14 1.16 -0.01 1.29

Extremidades superiores/ Inferiores -1.88 0.84 -1.55 1.15 -1.95 0.66 -1.82 0.77 -2.1 1.16

Tarefas puramente Motoras/ Lado Dominante/ Lado Não Dominante -0.18 0.87 -0.12 0.7 -0.24 1 -0.15 0.82 -0.05 0.86

Somatório dos Movimentos Associados 0.91 0.82 0.77 0.94 1.16 0.95 1.08 0.54 0.86 0.7

Tarefas Puramente Motoras/ Adaptativas

0.18 0.56 0.45 0.56 0.33 0.32 0.35 0.33 0.4 0.34

Tarefas Motoras Adaptativas/ Postura 0.68 0.86 1.02 0.52 0.83 0.62 0.82 0.55 0.8 0.67

Tarefas Extremidades Superiores/ Extremidades inferiores -0.3 0.62 -0.13 0.45 -0.15 0.44 -0.3 0.46 -0.08 0.61

Tarefas Puramente Motoras/ Lado Dominante/Lado Não Dominante -0.02 0.59 -0.14 0.65 0 0.46 0.11 0.33 0.19 0.41

É possível identificar a existência de uma significativa variabilidade inter-

individual quando analisadas as provas da bateria ZNM, quer nos gémeos MZ,

quer nos DZ.

No entanto, é possível destacar a maior proximidade de valores, encontrados

nos gémeos MZ.

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O quadro 4 mostra as covariáveis significativas e o valor da variância que

explicam de cada um dos nove fenótipos, situando-se entre os 4% e os 27%

para os fenótipos T1-T4 (componentes do tempo), e entre os 2% e os 21% nos

fenótipos AM1-AM5 (componentes de movimentos associados). Por exemplo,

nas tarefas motoras adaptativas finas, apenas 4% da variância total é explicada

pelo sexo do sujeito; já nas tarefas puramente motoras a capacidade

explicativa das variáveis idade, idade2 e despcont, é de 27%; nas tarefas

motoras adaptativas/postura, apenas 2% da variância total é explicada pelo

sexo do sujeito, enquanto que idade 2 e sexo é atribuída 21% da variância total

do somatório dos movimentos associados.

Quadro 4: R2 atribuído às diferentes covariáveis que influenciam a variância total de cada fenótipo: T1-T4

(componentes do tempo); Am1-Am5 (componentes de movimentos associados)

Fenótipos (T1-T4) Covariáveis R² ajustado (%)

Tarefas Puramente Motoras (T1) Idade, idade2, despcont 27%

Tarefas Motoras Adaptativas Finas (T2) Sexo 4%

Tarefas Motoras Adaptativas Grossas (T3) Tgest, idade2xsexo 5%

Equilíbrio Estático (T4) Idade, idade2 12%

Fenótipos (Am1-Am5) Covariáveis R² ajustado (%)

Somatório dos movimentos associados (AM1) Idade2xsexo 21%

Tarefas Puramente Motoras / Adaptativas

(AM2) Idade, sexo, despcont 11%

Tarefas Motoras Adaptativas / Postura (AM3) sexo 2%

Tarefas Puramente Motoras / Lado dominante /

Lado não Dominante (AM5) Apgar5, despcont 8%

O quadro 5 mostra os valores da correlação intraclasse (t) e respectivos

intervalos de confiança (IC95%) nos diferentes domínios de desempenho dos

gémeos MZ e DZ, salientando em somente sete das doze tarefas os valores

mais elevados nos gémeos MZ (representações gráficas das distribuições

estão na figura 3).

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Quadro 5: Correlação intraclasse e respectivos intervalos de confiança do desempenho nas classes de gémeos MZ e

DZ.

Fenótipos (T1-T7) MZ DZ

tep IC95%t tep IC95%t

Tarefas Puramente Motoras (T1) 0.780.06 0.65;0.90 0.590.09 0.42;0.76

Tarefas Motoras Adaptativas Finas (T2)

0.720.08 0.57;0.87 0.380.11 0.16;0.60

Tarefas Motoras Adaptativas Grossas (T3)

0.590.10 0.38;0.79 0.470.10 0.27;0.67

Equilíbrio Estático (T4) 0.450.13 0.20;0.70 0.640.08 0.49;0.80

Movimentos Simples / complexos (T5)

0.540.11 0.32; 0.77 0.440.11 0.23; 0.65

Extremidades superiores / inferiores (T6)

0.260.15 0.00; 0.55 0.420.11 0.20; 0.63

Tarefas Puramente Motoras / Lado dominante / Lado não Dominante (T7)

0.080.16 0.00; 0.39 0.020.13 0.00; 0.27

Fenótipos (AM1- AM5)

MZ DZ

tep IC95%t tep IC95%t

Somatório dos movimentos associados (AM1)

0.790.06 0.67;0.91 0.510.10 0.32;0.71

Tarefas Puramente Motoras/ Adaptativa (AM2)

0.520.12 0.28;0.75 0.170.13 0.00;0.42

Tarefas Motoras Adaptativas / Postura (AM3)

0.830.05 0.73;0.93 0.670.07 0.52;0.81

Tarefas Extremidades Superiores/ Extremidades Inferiores (AM4)

0.140.16 0.00;0.44 0.000.13 0.00;0.25

Tarefas Puramente Motoras / Lado dominante / Lado não Dominante (AM5)

0.180.17 0.00 ;0.52 0.040.14 0.00 ;0.32

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43

-6 -5 -4 -3 -2 -1 0 1

T11

-10

-5

0

5

T1

2

MZDZ

GEMELAR

-10 -5 0 5

T21

-10

-5

0

5

T2

2MZDZ

Gem

-10 -5 0 5

T31

-10

-5

0

5

T3

2

MZDZ

GEMELAR

-5 -4 -3 -2 -1 0 1 2

T41

-5

-4

-3

-2

-1

0

1

2

T4

2

MZDZ

GEMELAR

-3 -2 -1 0 1 2 3 4

T51

-4

-3

-2

-1

0

1

2

3

4

5

6

T5

2

MZDZ

GEMELAR

-5 -4 -3 -2 -1 0 1

T61

-5

-4

-3

-2

-1

0

1

2

T6

2

MZDZ

GEMELAR

A figura 3 pretende ilustrar, através dos diagramas de dispersão, aspectos

distintos associados á possibilidade de identificar efeitos genéticos nas

variáveis em estudo.

Figura 3: Diagramas de Dispersão relativos aos fenótipos T1 a T7 (componentes de tempo)

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44

-4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5

T71

-3

-2

-1

0

1

2

3

T7

2

MZDZ

GEMELAR

-2 -1 0 1 2 3

AM11

-3

-2

-1

0

1

2

3

AM

12

MZDZ

GEMELAR

-3 -2 -1 0 1 2

AM21

-2

-1

0

1

2

AM

22

MZDZ

GEMELAR

-2 -1 0 1 2 3

AM31

-2

-1

0

1

2

AM

32

MZDZ

GEMELAR

-4 -3 -2 -1 0 1 2 3

AM41

-5

-4

-3

-2

-1

0

1

2

3

AM

42

MZDZ

GEMELAR

-3 -2 -1 0 1 2

AM51

-2

-1

0

1

2

AM

52

MZDZ

GEMELAR

Figura 4: Diagramas de Dispersão relativos aos fenótipos AM1 a AM5 (componentes de

movimentos associados)

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45

A partir dos resultados das correlações intraclasse foram calculadas as

estimativas de h2 (Quadro 6) para as 12 tarefas.

Em quatro das doze tarefas foram encontrados valores que reflectem a

importância dos factores genéticos, de 18% na tarefa t1 a 80% na tarefa t3.

Nas tarefas restantes, os factores genéticos não parecem exercer qualquer

efeito.

Quadro 6: Estimativa da Heritabilidade

FENÓTIPOS h2

Tarefas Puramente Motoras (T1) 0.18

Tarefas Motoras Adaptativas Finas (T2) 0

Tarefas Motoras Adaptativas Grossas (T3) 0.8

Equilíbrio Estático (T4) 0

Movimentos Simples/ Complexos (T5) 0.68

Extremidades superiores/ Inferiores (T6) 0.52

Tarefas puramente Motoras/ Lado Dominante/ Lado Não Dominante (T7)

0

Somatório dos Movimentos Associados (AM1) 0

Tarefas Puramente Motoras/ Adaptativas (AM2) 0

Tarefas Motoras Adaptativas/ Postura (AM3) 0

Tarefas Extremidades Superiores/ Extremidades inferiores (AM4)

0

Tarefas Puramente Motoras/ Lado Dominante/ Lado Não Dominante (AM5)

0

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46

DISCUSSÃO

Esta pesquisa pretendeu estimar a importância dos factores genéticos e

ambientais nos níveis de desenvolvimento neuromotor, recorrendo a um

delineamento gemelar.

A avaliação do desempenho neuromotor continua a ser uma tarefa difícil por

três grandes motivos: (1) a dificuldade em construir baterias de testes de fácil

aplicabilidade e de relevância clínica; (2) a reduzida fiabilidade dos registos em

idades inferiores a 7 anos; (3) a ausência de dados normativos para cada uma

das tarefas incluídas numa qualquer bateria de testes (Largo et al, 2002). No

estudo presente foi constatada uma fiabilidade elevada entre avaliadores e

intra avaliador para a frequência e grau das componentes de tempo e

movimentos associados, salientando bem a elevada consistência na avaliação

do desempenho, sendo que valores muito similares foram reportados no estudo

realizado por Seitz et al (2005).

Um dos aspectos fundamentais da avaliação do desempenho neuromotor

refere-se, precisamente, na determinação da consistência do padrão de

desempenho de cada sujeito, i.e., em que plano se situa a performance

neuromotora de cada actividade realizada. A literatura disponível neste domínio

não apresenta uma solução única e consensual referindo, por isso mesmo,

uma escolha diversificada de instrumentos de avaliação (Evensen et al, 2004;

Pharoah et al, 1994), de que a bateria ZNA é um exemplo de elevado valor. A

bateria de testes utilizada nesta pesquisa foi construída de modo clinicamente

sólido, tem salientado a sua relevância em estudos escolares e pediátricos, a

que se associa uma fundamentação metodológica muito robusta (Largo et al,

2002).

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47

Tal como referem Bouchard et al. (1997), quando se lida com amostras de

gémeos de dimensão reduzida, tal como acontece nesta pesquisa, há que

considerar somente gémeos MZ e DZ independentemente do seu sexo. Face á

circunstância de haver diferenças sexuais, de idade e prática desportiva, a

decisão de remoção dos seus efeitos pretende obter uma medida mais refinada

de desempenho neuromotor. Esta é uma estratégia habitual em pesquisas

deste género (Neale e Cardon, 1992). Por exemplo, no estudo realizado por

Maia et al (2003), com gémeos dos 6 aos 12 anos acerca dos seus níveis de

actividade física e aptidão física associada á saúde, da variância total das

diferenças no seio de cada zigotia, a quantidade de variância explicada pelos

efeitos aditivos (sexo e idade) foi de 20%. Na presente pesquisa estas

covariáveis explicam quantidades distintas de variância total nos diferentes

desempenhos: nas componentes de tempo (T1-T4) entre 4% (tarefas motoras

adaptativas finas) e 27% (tarefas puramente motoras); nas componentes de

movimentos associados (AM1-AM5) entre 2% (tarefas motoras

adaptativas/postura) e 21% (somatório dos movimentos associados).

A variabilidade intra-individual e entre indivíduos de origem gemelar é

normalmente explicada em termos genéticos e ambientais (Hewitt et al., 2001).

Os gémeos ou múltiplos providenciam uma oportunidade excelente de se

estudar aspectos da plasticidade do desenvolvimento motor e de algum modo

ajudar a esclarecer aspectos que são importantes na vasta área da

coordenação motora. Como partilham todos os genes idênticos por

descendência, nos gémeos MZ, a associação entre as diferenças intra-par, são

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48

devidas, essencialmente a diferenças ambientais (Morley, Dwyer & Carlin,

2003). Segundo Morley (2006), a partir da análise da associação intra-par e

entre pares consegue-se estimar o papel de factores partilhados entre

membros do mesmo par versus factores que afectam o gémeo individualmente,

bem como factores genéticos.

Tal como foi referido anteriormente, um dos objectivos deste estudo foi

descrever e interpretar a semelhança/dissemelhança na performance

neuromotora em gémeos de diferente zigotia. Os gémeos MZ apresentaram

valores de coeficiente de correlação intraclasse superiores aos gémeos DZ, em

grande parte dos fenótipos estudados. O equilíbrio estático e as tarefas para as

extremidades superiores e inferiores foram a excepção. Estes resultados são

concordantes com as pesquisas realizadas por Akerman e Fischbein (1992),

que estudaram 145 pares de gémeos até aos 18 anos, nas funções

locomotoras, sociais, comunicação e performance, constatando similaridade

intra-par de gémeos MZ e DZ. Verificaram igualmente que ao longo da idade os

pares de gémeos MZ se tornam mais semelhantes do que os gémeos DZ. O

mesmo ocorreu em Chatterjee e Das (1995) ao mostrarem que a variância

intra-par para a capacidade vital, salto vertical e frequência cardíaca era mais

elevada nos DZ relativamente aos MZ; não foram reportadas diferenças nos

valores de semelhança intra-par nos gémeos MZ e DZ na flexibilidade e

agilidade. Já Maia et al., (2004) verificaram maior heterogeneidade nos níveis

de actividade física de gémeos DZ. Sklad (1972) analisou aspectos específicos

da corrida entre gémeos com idades compreendidas entre 11 e 15 anos e

verificou que a variação intrapar foi mais reduzida nos gémeos MZ e no sexo

masculino.

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49

Extensa revisão sobre variações interculturais no desenvolvimento motor de

crianças sugere claramente que a sequência e o tempo/idade de diferentes

manifestações motoras não são universais (Cintas, 1988). De maneira geral, os

estudos sugerem que o desenvolvimento motor é especialmente influenciado

pelas práticas maternas utilizadas no cuidado diário, seguidas pelo treino de

habilidades motoras específicas, pelo nível de escolaridade das mães e pelo

nível socioeconómico das famílias (Schmidt et al., 1988; Durmazlar et al.,

1998).

Como principal factor ambiental responsável pelas variações encontradas,

estão a diversidade de praticas maternas no cuidado diário e o treino especifico

de habilidades motoras, especialmente a estimulação postural e vestibular, que

podem originar padrões motores distintos durante o 1º ano de vida e serem

responsáveis por variações no desenvolvimento motor normal (Brill, 1986)

Podemos verificar na presente pesquisa que o equilíbrio estático e as tarefas

para as extremidades superiores e inferiores foram as que demonstraram maior

componente de influência ambiental.

Estes resultados são semelhantes aos dos outros autores, cujas pesquisas

foram sumariadas em Bouchard et al., (1997).

Um estudo conduzido na Turquia utilizando o Denver Development Screening

Test (Frankenburg et al., 1990), encontrou poucas e inconsistentes diferenças

entre meninos e meninas. Porém, as diferenças entre os grupos socioculturais

foram marcantes. No grupo de mães com maior escolaridade, as crianças

mostraram melhor desempenho na motricidade apendicular e na linguagem

(Durmazlar et al., 1998).

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50

Estas diferenças no ambiente em torno da criança não são triviais e podem

influenciar o desenvolvimento. Daí a importância de serem estudadas e

entendidas a fim de elaborar estratégias para estimular o desenvolvimento.

È importante salientar três aspectos que são limitações desta pesquisa. Em

primeiro lugar a reduzida dimensão amostral e a enorme variação na

informação que implicam distintas histórias de vida. Em segundo lugar o local

escolhido para a realização deste estudo, i.e., um hospital que poderá causar

alguma ansiedade e receio, embora não tenhamos nenhuma medida objectiva

desta assunção. A terceira limitação prende-se com a ausência de informação

relativa á fiabilidade do desempenho dos gémeos por ausência de repetição

das tarefas.

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51

Conclusões

De acordo com os resultados encontrados podemos concluir que:

Existe maior homogeneidade na performance neuromotora em gémeos MZ do

que em gémeos DZ.

É notória a presença de factores genéticos na variação interindividual do

Desenvolvimento Neuromotor, especialmente em fenótipos como movimentos

simples/complexos, as extremidades superiores/ inferiores, bem como as

tarefas motoras adaptativas finas.

O ambiente parece provocar um efeito estimulador que interage com a biologia

humana para produzir o comportamento.

A variabilidade nos níveis de Desenvolvimento Neuromotor é muito complexa,

exigindo uma forma plural de o entender. Daqui que este estudo alerte e

reclame novas extensões a esta abordagem, para melhorar a capacidade

interpretativa e intervenção clínica e pedagógica.

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59

Capítulo 4

Estudos de Caso

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61

INTRODUÇÃO

Durante o tempo dispendido para a recolha de informação gemelar com a

escala de avaliação ZNA (Zurich Neuromotor Assessment), o meu interesse

sobre as questões gemelares deixou de ter uma abordagem meramente

cientifica, para passar a ver de uma forma muito mais emocional tudo o que diz

respeito aos gémeos e suas famílias.

O contacto directo com estas famílias tão especiais, e a possibilidade de

experienciar as suas vivências quer através da observação directa das

mesmas, quer perante as histórias maravilhosas que amavelmente me iam

contando, tornou a minha pesquisa uma tarefa deveras gratificante, sem

qualquer sombra de dúvida.

E foi com esta convicção de que estudar famílias gemelares não passa

somente pela análise directa de dados objectivos, que nasceu a ideia de

compilar as histórias, emoções, dificuldades e alegrias que é ser Família

Gemelar. A primeira parte do trabalho reflecte todo um conjunto de sentimentos

e vivências retratadas pela figura de duas gémeas monozigóticas e a sua mãe,

no seu dia a dia. O texto é tão-somente, a tentativa de descrever, as

particularidades diárias do que é ser gémeo e mãe de gémeos.

Na segunda parte do trabalho, é feita uma abordagem mais científica em

formato de estudo de caso acerca do desenvolvimento neuromotor de um par

de gémeas monozigóticas. Este estudo de caso permite uma descrição mais

exaustiva e uma reflexão mais aprofundada sobre a problemática da

gemelaridade.

Estas duas abordagens, bem distintas, não se excluem. Bem pelo contrário.

São duas faces de uma mesma moeda. Um exercício de ciência não se limita

ao formalismo de um modo muito peculiar de pensar e agir.

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62

Introdução

O estudo de caso refere-se a duas gémeas monozigóticas, do sexo feminino,

nascidas em 1994, e que residem actualmente na região de Guimarães.

A Laura e a Sara, como lhe chamamos, são adolescentes simpáticas,

divertidas e que mantêm uma conversa agradável. Têm pele e cabelos claros e

uma aparência muito semelhante.

Tratou-se de uma gravidez programada, vigiada e que decorreu dentro dos

parâmetros normais., pelos padrões clínicos da ginecologista. As gémeas

nasceram de cesariana com 34 semanas e com 2.100g e 42cm a Laura e

2.200g e 43cm a Sara. Com valores de Apgar¹, mencionados na Tabela 1, e

não necessitando de reanimação nem de internamento, por reunirem boas

condições gerais de saúde.

Tabela 4: Valores do Apgar* em cada membro do par

Laura Sara

1º minuto 9 10

5º minuto 9 10

Tiveram um “desenvolvimento motor” muito semelhante (conforme figura 5),

sendo que sentaram aos 7 meses, gatinharam aos 10 meses, iniciaram marcha

autónoma aos 12 meses, começaram a falar aos 18 meses e perfizeram

controlo esfincteriano aos 24 meses.

*Método de avaliação global do estado de uma criança à nascença, fundado na pesquisa de sinais

clínicos mais característicos e fáceis de detectar, para realizar um balanço geral: A= aspecto; P= pulso;

G= contracção do rosto; A= actividade e R= respiração. Considera-se que um total de 10 pontos

representa o melhor resultado possível (Médicos de Portugal).

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Figura 5: Marcos Motores “Grossos”.

O seu posicionamento nestes marcos motores reflecte em pequeno atraso

relativo aos valores ditos normais, mas sem relevância. As gémeas sentaram

entre o P75/P90, gatinharam ao P90, e iniciaram marcha ao P50,

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Tabela 5: Percentis e médias em meses para marcos motores “grossos”

Percentis Sentar sem apoio

Meses (95% I.C.)

Gatinhar

Meses (95% I.C.)

Andar sem apoio

Meses (95% I.C.)

1º 3.8 (3.7, 3.9) 5.2 (5.0, 5.3) 8.2 (8.0,8.4)

3º 4.1 (4.0, 4.2) 5.8 (5.7, 5.9) 9.0 (8.8,9.2)

5º 4.3 (4.2, 4.4) 6.1 (6.0, 6.3) 9.4 (9.2,9.6)

10º 4.6 (4.5, 4.7) 6.6 (6.5, 6.8) 10.0 (9.9,10.1)

25º 5.2 (5.1, 5.3) 7.4 (7.3, 7.5) 11.0 (10.8,11.1)

50º 5.9 (5.8, 6.0) 8.3 (8.2, 8.4) 12.0 (11.9,12.1)

75º 6.7 (6.6, 6.8) 9.3 (9.2, 9.5) 13.1 (13.0,13.3)

90º 7.5 (7.4, 7.6) 10.5 (10.3, 10.7) 14.4 (14.2,14.6)

95º 8.0 (7.9, 8.2) 11.3 (11.1, 11.6) 15.3 (15.0,15.6)

97º 8.4 (8.2, 8.6) 12.0 (11.7, 12.3) 16.0 (15.7,16.3)

99º 9.2 (8.9, 9.4) 13.5 (13.0, 13.9) 17.6 (17.1,18.0)

Média (dp) 6.0 (1.1) 8.5 (1.7) 12.1 (1.8)

Retirado WHO (Wold Health Organization) Multicentre Growth Reference Study Group.

WHO Motor Development Study: Windows of achievement for six gross motor

development milestones. Acta Paediatrica Supplement 2006; 450:86-95.

Segundo informação da mãe e das próprias, foram sempre meninas com bom

aproveitamento escolar, socialmente bem integradas e sem queixas de

relevância por parte dos professores. Apesar de muito parecidas fisicamente,

sempre apresentaram algumas diferenças, principalmente no que consta a

competências motoras, sendo que a Laura sempre demonstrou maior aptidão

para as actividades relacionadas com a actividade física. A Laura pratica

natação e a Sara estuda piano.

As tabelas seguintes indicam o crescimento estatural e ponderal dividido em

duas partes: dos 0 aos 17 meses e dos 2 aos 14 anos.

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Tabela 6: Curvas de crescimento estatural e ponderal dos 0 aos 24 meses da Laura e da Sara

Retirado e adaptado de www.cdc.gov/growthcharts. Desenvolvido por

National Center for Health Statistics in collaboration with the National

Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion (2000)

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Tabela 7: Curvas de crescimento estatural e ponderal dos 4 aos 14 anos da Laura e da Sara

Retirado e adaptado de www.cdc.gov/growthcharts. Desenvolvido por

National Center for Health Statistics in collaboration with th National

Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion (2000).

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O seu crescimento, quer em peso quer em altura, foi muito semelhante e sem

grandes oscilações, enquadrando-se sempre entre os percentis P50/ P75.

Actualmente, encontram-se com o peso de 60kg, a Laura e 61 kg a Sara e

165cm e 164 cm, respectivamente.

É importante referir que a avaliação da performance neuromotora, com base na

bateria de testes ZNA, é expressa em valores da normal reduzida (scores z)

em função da idade e sexo. Um valor z negativo reflecte um desempenho

abaixo da média (performance lenta, movimentos associados frequentes e

evidentes); um valor z positivo implica uma performance acima da média

(tempos rápidos, poucos e fracos movimentos associados).

Como é bem conhecido, existe uma relação estreita entre valores z e percentis.

Os valores normativos referidos nos “outputs” do software do desempenho são

valores z para casos extremos e percentis para uma banda de performance

situada entre P3 e o P97 (ver figura 2).

Em relação aos tempos dos desempenhos, a Laura apresenta uma igualdade

nos tempos das tarefas entre o lado dominante e não dominante, quer nas

tarefas de movimentos repetidos dos pés e das mãos, movimentos alternados

dos pés e inversão de 12 pinos num tabuleiro (- 3 desvios padrão). Tem

também tempos idênticos para os movimentos repetidos dos dedos e

alternados das mãos com valores situados no P3. Quanto aos movimentos

sequenciais dos dedos situam-se entre valores do percentil 25, quer no lado

dominante, quer no não dominante. No equilíbrio dinâmico apresentou valores

muito baixos, na ordem dos – 3 e -4 desvios padrão, respectivamente para a

frente e para os lados. No equilíbrio estático foi um pouco melhor, com valores

entre o percentil 3 e 25.

Relativamente à Sara, existe igualmente muita semelhança de desempenho

entre o lado dominante e não dominante nas tarefas de movimentos repetidos

dos pés, dos dedos e movimentos alternados dos pés com – 3 desvios padrão.

O mesmo ocorre para os movimentos sequenciais dos dedos e inversão de 12

pinos no tabuleiro com valores de percentil 25, e equilíbrio dinâmico quer para

os lados, quer para a frente com valores percentílicos de 3. Nos movimentos

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repetidos das mãos vamos encontrar diferenças entre o lado dominante com –

3 desvios padrão e o não dominante com – 4 desvios padrão. Assim como nos

movimentos alternados das mãos em que o lado dominante apresenta valores

na ordem do percentil 10 e o não dominante no percentil 3. No equilíbrio

estático existem diferenças mínimas entre os lados dominante e não

dominante, situados entre o percentil 3 e – 3 desvios padrão.

Analisando as duas irmãs, encontram-se muitas semelhanças em quase todas

as actividades, situando-se quase todas abaixo do percentil 3, com excepção

para os movimentos sequenciais dos dedos em que ambas obtiveram valores

na ordem do percentil 25.

Figura 6: Valores do desempenho centrados no tempo da realização das tarefas ( Dominante, Não

Dominante e Bilateral)

Quanto aos movimentos associados, a Laura apresenta, para os movimentos

repetidos dos pés e no lado dominante um valor entre P50/ P75 e para o lado não

dominante P25 .

Para os movimentos repetidos das mãos e dedos, diadocinésias e movimentos

Quanto aos movimentos associados, a Laura apresenta para os movimentos

repetidos dos pés e no lado dominante um valor entre P50/ P75 e para o lado não

dominante P25.

Para os movimentos repetidos das mãos e dedos, diadocinésias e movimentos

sequenciais dos dedos, os tempos foram iguais para os lados dominante e não

LAURA SARA

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dominante, situando-se entre P50/ P75. A excepção é para a tarefa de tabuleiro

em que os valores são na ordem do P90 .

Na Sara encontramos semelhança entre os lados dominante e não dominante

dos movimentos repetidos e alternados das mãos e diadocinésias no P75 e no

tabuleiro no P50. É visível uma variabilidade maior nos movimentos repetidos e

alternados dos pés e repetidos dos dedos em que no lado não dominante os

valores se situam entre P25/ P50; no lado dominante, os valores situam-se no

P75; nas actividades relacionadas com a marcha, a Laura apresenta valores

entre P50/ P90 e a Sara entre o P10/ P90.

Da comparação entre as duas gémeas podemos verificar que a Laura

apresenta-se nos movimentos associados, actividades situadas noP25/90 um

pouco melhor que a Sara, que se situa no P10/90. De salientar o equilíbrio

dinâmico em que ambas apresentam valores muito baixos, na ordem dos – 4

desvios padrão.

Figura 7: Valores do desempenho centrados nos movimentos associados na realização das tarefas (

Dominante, Não Dominante e Bilateral)

LAURA SARA

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Existem diversas vantagens em usar as tarefas propostas por esta bateria de

testes sobre forma de componentes. São mais fáceis de interpretar, a

fiabilidade é maior e facilita a observação com propósitos neuro- biológicos e

clínicos (Largo et al, 2002).

Nas componentes por bloco (figura 8) as tarefas puramente motoras incluem:

movimentos repetidos, alternados e sequenciais; as tarefas adaptativas “ finas”:

o tabuleiro; adaptativas grossas: as duas tarefas do equilíbrio dinâmico e por

fim, o último componente que é o equilíbrio estático.

Na comparação das duas irmãs, verificamos que nas actividades puramente

motoras e adaptativas estão muito abaixo da média com valores entre os – 3 e

-4 desvios padrão, com excepção da Sara para a tarefa de tabuleiro com

valores no percentil 3, ainda assim muito baixo. Em relação à qualidade de

movimentos de todas as tarefas, ambas as irmãs apresentaram valores no P50 .

Figura 8: Valores do desempenho centrados nos Tempo da Performance e Movimentos Associados na realização das

tarefas em bloco

O quadro representado na figura 9 apresenta a divisão das tarefas por

componentes para os tempos e movimentos associados. Do tempo de

performance simples versus complexa (movimentos repetidos vs movimentos

sequenciais e alternados); de extremidade superior versus inferior (movimentos

de dedos, mãos vs pés); dominante versus não dominante nas tarefas

puramente motoras (movimentos repetidos, alternados e sequenciais) e na

performance adaptativa (tabuleiro).

Nos movimentos associados uma componente puramente motora versus

tarefas adaptativas (movimentos repetidos, alternados, sequenciais e

LAURA SARA

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diadocinésias vs tabuleiro). As componentes anteriores versus postura

(marcha), maior evidência nas extremidades superiores ou inferiores

(movimentos dos dedos vs pés), lado dominante versus não dominante nas

tarefas motoras (movimentos repetidos, alternados, sequenciais e

diadocinésias) e também nas tarefas adaptativas (tabuleiro).

Figura 9: Valores do desempenho centrados nos Tempo da Performance e Movimentos Associados por divisão das

tarefas por componentes

A Laura apresenta um tempo de melhor performance nas funções motoras

mais complexas (movimentos sequenciais e alternados), do que nas simples

(movimentos repetidos), de evidência mais rápida nas extremidades superiores

(dedos e mãos) e com uma lateralidade motora não muito definida. Demonstra

ainda que produz mais movimentos associados para actividades puramente

motoras (movimentos repetidos, alternados, sequenciais e diadocinésias) com

o lado não dominante quando comparado com o lado dominante.

A Sara apresenta igualmente uma performance predominantemente complexa,

mais rápida nas extremidades superiores e sem lateralidade bem vincada. Os

outros componentes encontram-se dentro de valores ditos normais.

LAURA SARA

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Conclusão

As gémeas atingiram os marcos motores de maior relevância ao mesmo tempo

e sem atrasos dignos de registo (entre os P75 / P90). O crescimento do peso foi

muito uniforme assim como o estatural, mantendo-se sempre em valores de

P50, que se manteve até à actualidade.

Na performance dos tempos revela-se uma semelhança nos resultados,

encontrando-se normalmente baixos (< P3). Nas actividades puramente

motoras, ou seja, movimentos repetidos e alternados, e adaptativas, equilíbrio

estático e dinâmico, encontram-se muito abaixo da média (- 3z). Com excepção

para os movimentos sequenciais, posicionadas no P25 e na tarefa do tabuleiro

da Sara, posicionada no mesmo percentil.

Relativamente á qualidade de movimentos, são muito homogéneas, situadas

entre os P25 / P90.

A Sara e a Laura apresentam um tempo de performance melhor nas funções

motoras mais complexas (movimentos sequenciais), de evidência mais rápida

nas extremidades superiores.

Ambas revelam indefinição na lateralidade.

A Sara possui maior quantidade de componentes dentro das amplitudes

normais, mas sem grande relevância.

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Referências Bibliográficas

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Capitulo 5

Era uma vez...

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Era uma vez duas meninas, de dez anos de idade, que se chamavam Laura e

Sara (ou Sara e Laura – estas coisas nunca são pacificas entre gémeos!).

Durante um animado jantar com família e amigos, a Laura exclama com um

sorriso de orelha a orelha: “- Eu sou a única pessoa aqui que me vejo a mim própria sem ser ao espelho!”

“ Não, não és!” reclama a Sara, “eu também consigo. E mais, vejo-te a ti ao

mesmo tempo!”

“Eu também”, respondeu a Laura, agora com menos entusiasmo, como se, de

repente, não conseguisse decidir se isso era, afinal, uma coisa boa ou uma

fatalidade.

Monozigóticas, haviam-se habituado desde sempre a viver com e, cada vez

mais a reflectir sobre essa condição de semelhança e diferença, partilha e

ciúme, cumplicidade e competição que caracteriza os Gémeos e Múltiplos. A

aparente contradição de se ser igual (eu vejo-me em ti) e no entanto diferente

(vejo-te a ti) e única (eu sou a única pessoa que…).

Pensando bem, a separação entre o eu e o outro é tão essencial como difícil de

definir e os gémeos parecem trazer ao mundo a encarnação dessa

ambivalência. Será talvez, por isso, que habitam os mitos da antiguidade e as

constelações. Só por curiosidade:

-A constelação de gémeos é facilmente identificável no céu de Inverno a partir

das suas duas estrelas mais brilhantes: Castor e Pollux. Castor, soldado e

famoso domador de cavalos e Pollux, campeão de boxe; eram filhos do Deus

Grego Zeus.

-O episódio mais famoso da fundação de Roma liga dois bebés gémeos: Remo

e Rómulo a uma Loba. Diz-se então que o rei usurpador Amúlio mandou matar

Rómulo e Remo, netos do seu irmão e herdeiros do trono de Alba Longa. O

serviçal encarregado desta repugnante tarefa teve tanta pena dos meninos que

decidiu abandona-los á sua sorte, num cestinho de vime, na corrente do rio

Tibre. O cestinho por sorte foi encontrado por uma Loba, influenciada por Marte

– pai dos gémeos, que alimentou os meninos.

É sabido que há um crescente interesse nos múltiplos por parte da classe

médica e cientifica e muita pesquisa em curso também, mas penso que os

resultados mais surpreendentes virão quando se passar para além da análise

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dos factores fisiológicos e mesmo dos psicológicos e se chegar à observação

dos aspectos relacionais mais íntimos da gemelaridade.

Esta vontade de saber foi não só a origem de um projecto de investigação,

mas continua ainda a alimentar o meu interesse pelos gémeos e as suas

famílias.

O estudo sobre “Variação no Desenvolvimento Neuromotor. O contributo da

Informação Gemelar”, implicou a vinda ao Hospital dos gémeos e suas famílias.

Todas as famílias se mostraram extremamente solícitas.

Embora fisioterapeuta há já alguns anos, não sabia nada dos problemas

específicos relacionados com o cuidar de gémeos e nunca imaginara que

fossem tão numerosos. No fim deste estudo, o meu interesse já não se centra

somente na “Variação do Desenvolvimento Neuromotor”, mas passa a incluir

tudo o que implica ser mãe de gémeos, ou ser gémeo.

Desde então, conheci inúmeras famílias de gémeos e nunca deixei de ficar

fascinada com as inúmeras facetas da gemelaridade que enriquecem e, ao

mesmo tempo complicam a vida não só dos gémeos em si, mas também de

todas as pessoas que a eles estão ligadas, desde o momento da sua

concepção.

Os gémeos despertam o interesse de todos, como qualquer mãe que leve os

seus filhos á rua pode verificar. Por outro lado, muitas pessoas sentem-se

também confusas quando encontram duas pessoas, sejam elas crianças ou

adultos, que constituem duas individualidades distintas, mas são, ao mesmo

tempo, indistinguíveis e inseparáveis, uma da outra. Os gémeos atraem, mas

são também um mistério.

O meu percurso na procura de conhecimentos sobre os gémeos, levou-me por

caminhos fascinantes, que tentarei partilhar:

- O que significa ter dois bebés ao mesmo tempo e amá-los ao mesmo tempo?

- O que acontece quando um gémeo apresenta um desenvolvimento muito

diferente do outro, embora com um aspecto muito semelhante?

- Quais as consequências de nascer com dois, três ou mais irmãos da mesma

idade?

- De que forma é afectado o desenvolvimento da personalidade?

- Como é partilhar constantemente as experiências escolares, os amigos?

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Evidentemente, tudo acaba por assentar nesta capacidade de sentir (e sentir-

se bem com) a diferença no seio da semelhança.

A notícia de que vão nascer gémeos parece causar quase sempre um grande

impacto.

Para alguns, é manifestamente um impacto agradável. Para outros e,

principalmente se se tratar de uma gravidez não planeada, ou acontecer no

seio de uma família com problemas financeiros, o impacto pode ser bastante

negativo.

Para a maior parte dos pais parece tratar-se de uma mistura de sentimentos.

Por um lado, preocupa-os a forma como irão enfrentar a situação, tanto do

ponto de vista financeiro, como prático (não ter mãos suficientes para tudo, a

casa era pequena, o carro, etc.). Por outro lado a ideia de ter dois bebes, é

fascinante. Ver duas crianças a explorar e desfrutar da vida juntas, parece ser

bastante compensador. Existem mesmo pais, que sentem imenso prazer, com

o tratamento de “celebridade” de que repentinamente são alvo por parte da

família, dos amigos e mesmo do pessoal da saúde.

E depois do nascimento?

O período de vinculação dos pais aos recém-nascidos, torna-se por vezes

numa tarefa não muito fácil. Não é fácil ao ser humano relacionar-se com dois

ou mais bebés ao mesmo tempo. As famílias relatam a tendência que sentem

em dar mais atenção a este do que aquele bébé. Há receio de amar mais o

bébé que é mais tranquilo. Existe predisposição para a comparação entre eles.

E nenhuma destas ocorrências parece trazer sentimentos de bem-estar. O

problema de criar um relacionamento com os dois bebés é tanto maior, se os

pais não os conseguirem distinguir. Convenhamos que, se de cada vez que

tentamos interagir com o bébé tivermos de recorrer á pulseirinha que diz, tratar-

se do Pedro ou do Luís, a magia com toda a certeza desvanecerse-á.

A dificuldade em estabelecer vínculos com bébés, muito prematuros

(extremamente frequente em gravidezes gemelares) e que tiveram de

permanecer na incubadora é também muito angustiante. A falta de pegar no

bébé e participar nos seus cuidados; a magia do toque, do cheiro, do calor, do

afecto que o contacto físico estabelece nas nossas relações. De referir, no

entanto, que todas as mães foram unânimes, ao dizer que tais situações

desaparecem ao fim dos primeiros meses.

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Incrível, também, a diferença tão precoce de personalidade, que as mães

referem, nos seus gémeos. Muitas delas passíveis de serem observadas, ainda

na maternidade.

Diferenças patentes no comportamento, na forma de chorar e até na relação

que estabelecem entre eles. Existem bébés que desenvolvem desde logo uma

relação harmoniosa, tocando-se e acariciando-se, enquanto outros parecem

estar em “guerra” constante. Este padrão de comportamento, permanece

muitas vezes pela vida fora.

O crescimento dos bébés gémeos pode ser bastante frustrante para os pais.

“ Pus-me a olhar para elas durante a festa do primeiro aniversário e dei-me

conta de que, pura e simplesmente, não tinha tido tempo para as gozar, para

brincar com elas e dar-lhes miminhos. Cada minuto da minha vida tinha sido

ocupado com a alimentação, a roupa para lavar e as outras tarefas domésticas”

– o comentário desconsolado de uma mãe em relação ás suas gémeas.

Quase todas as mães de gémeos consideram que os primeiros anos são

extremamente complicados e, muito embora a maioria pareça conseguir

“aguentar o barco”, por vezes o preço a pagar, parece ser bastante elevado.

Há demasiadas mães que acham que procurar ou aceitar a ajuda dos outros

significa que falharam.

“ Quando soube que iria ter gémeos, fiquei absolutamente encantada!” – dizia a

mãe de duas gémeas idênticas. “ Era como um sonho tornado realidade! Vesti-

as com muito primor e sempre com roupas iguais. Com muitos vestidos

lindíssimos que precisavam de ser lavados á mão e que demoravam imenso

tempo a passar a ferro.” Se uma das bébés se sujava, apressava-se a trocar a

roupa de ambas, para que permanecem-se sempre iguais. Escusado será dizer

que, passado pouco tempo, estava extenuada de tanto trabalho. “-Fiquei

profundamente arrependida de não ter aceite a ajuda oferecida desde o

princípio. Uma mãe menos cansada proporciona uma convivência mais

agradável e mais serena para todos…”.

Elas tinham quase três anos e olhavam de olhos bem abertos, e com toda a

atenção, para uma menina desenhada a muitas cores num livro de histórias.

Era um livro engraçado, mas não mais nem menos engraçado do que os

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muitos outros livros que povoam a nossa casa, com direitos muito especiais,

como o de não terem de estar arrumados, nem precisarem de explicação para

aparecerem no chão, nos sofás, na cozinha, por baixo da mesa, por cima da

mesa, ou mesmo no banho.

Mas elas olhavam e olhavam, e o olhar era tão atento, e tão inquiridor, as

páginas eram percorridas uma a uma e voltavam a percorrê-las tantas vezes

que parei a observá-las:

- Mãe! A Mana?

Quatro olhos me fixaram, as mãos ainda agarradas ao livro.

- A Mana? Que Mana? - Disse eu.

- A Mana da menina? - Disseram ambas. E balançava-lhes o olhar entre mim e

a “menina”, num misto de desorientação e de certeza de que a mana estaria ali

em algures, talvez numa folha perdida ou escondida num desenho mais

rebuscado.

Folheei rapidamente o livro. Havia outras figuras, outras meninas e sugeri-lhes

a ideia de que talvez uma delas fosse a mana – mas obviamente a proposta

não foi aceite. É evidente que procuravam uma mana gémea, muito parecida,

quase igual á menina.

Não consigo descrever os sentimentos que me assaltaram. Como explicar-lhes

que nem todas as pessoas vêm ao mundo aos pares!

-“A menina desta história não tem mana.”, respondi, e uma inexplicável tristeza

tomou conta do silêncio que se seguiu. “ Mas a mãe também não tem mana,

nem a vossa amiguinha Mariana…. Vocês têm imensa sorte em ter-se uma á

outra, é bom não é?

- “ Tem mana, sim!”

- “ Tem!”

- “ Tem! Onde está?”

Decididamente a menina tinha que ter mana. Era importante, capital, urgente.

Olhei com mais atenção para a figura da menina no livro – uma menina que se

parecia tanto com elas. O mesmo tom de pele, o mesmo cabelo, os olhos.

Talvez estivesse aí a razão da existência, absolutamente evidente para elas,

de uma mana, algures.

Talvez. E, de novo, a sensação incomoda de saber tão pouco sobre a

gemelaridade, no fim de contas sobre as minhas filhas, que pareciam tão

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naturalmente olhar o mundo como qualquer criança da sua idade e que, afinal,

procuravam a mana da heroína da história.

É na fase pré-escolar que as crianças passam a ter plena consciência de que

são gémeas, com todas as vantagens de dispôr sempre de um companheiro

para brincar e todos os inconvenientes de ter de partilhar objectos e pessoas,

inclusivé a própria mãe. Nesta fase em que qualquer criança tem muitas

necessidades, que são sempre urgentes, é particularmente difícil respeitar essa

partilha, algo que ainda não está em condições de entender.

Extremamente difíceis de entender são também os comentários de conhecidos

e desconhecidos a propósito dos gémeos, e a incomodativa apetência de

quase todos pela rápida definição dos dois pela oposição:

“ – Esta sorri mais, é mais alegre, não é? Esta é mais sisuda, parece mais

fechada!”

Por vezes parecia que a mãe das crianças ia ser ouvida, ia poder dizer que

não, não é… Mas essa oportunidade acabava quase sempre por ser coisa rara.

No início da minha carreira maternal e com a pressa com que surgia o

julgamento, tentava colocar-lhe tímidos obstáculos. Mas infelizmente, os

gémeos, são quase sempre carta branca para os comentários. Existem as

versões soft : “- São gémeas? Vi logo! Iguaizinhas! Bem, esta parece um

nadinha mais loira, e mais branquinha. E esta aqui é menos risonha, não é?”

E as versões hard: “ – São iguaizinhas. E de feitio também? Sempre ouvi dizer

que os gémeos costumam ser diferentes como o dia e a noite! Estas também

são assim? Ah, já estou a ver, esta é mais simpática e esta… bem mais sisuda!

Pois é, não podia ser tudo bom, não é?”

“ – Ai, que engraçado, gémeas! Que sorte, minha senhora, quase sempre uma

sai enfezadinha, às vezes nem chega a vingar, mas estas… mas há sempre

uma que é má, não é? Olha deve ser esta! Que esta aqui é muito querida, sorri

muito!”

Ao longo dos anos aprendi a “desviar-me”, com maior ou menor gentileza, de

tais encontros e do desconforto que sempre deixavam, não só em mim, mas

também nas minhas filhas, que ouviam, observavam, olhavam-se,

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minuciosamente, tentando discernir as diferenças de tom de pele, de cor de

olho, da largueza do sorriso.

“- Mãe, por que é que a senhora disse que ela é mais simpática?”

Pois disse. Disse e foi á sua vida. Mas o pior é que o que disse foi ouvido e, de

alguma forma interiorizado. Por isso, por favor, a todas as “senhoras”, sempre

que virem gémeos, considerem:

Que crescer juntos e ao mesmo tempo implica quase sempre, a comparação

automática, a quase obsessiva procura da diferença que faz a diferença, que

exprime a identidade; ou seja, uma sensibilidade extrema a todos os

comentários que toquem essa área.

Que em consequência de observações aparentemente inócuas e feitas com a

melhor das intenções, são escalpelizadas, analisadas as suas componentes,

observadas á lupa todas as inerentes sugestões: um mais claro passa a

implicar um menos claro; um que sorri mais sugere um que sorri menos…

Que há alternativa á etiquetagem, embora menos simples e imediata;

reconhecer que cada gémeo é único e um todo.

Que consequentemente, sempre que encontrarem gémeos e se sentirem com

vontade de ser comunicativas e simpáticas, podem sempre perguntar, por

exemplo: “- Então e hoje, sentem-se bem? Que sorridente que estás!”

Porque o dia se segue á noite, que se segue ao dia, e a alternativa ao

contraste é a alternância. Ou não fosse o mundo feito de diferenças! O dia e a

noite co – existem nas 24 horas que cada gémeo é. O sorriso dá lugar ao choro

e o choro ao sorriso e nem todos temos de sorrir da mesma forma!

À hora de deitar, ouvi uma das minhas filhas chamar-me do quarto, baixinho,

meio em segredo. Fui lá:

-“ O que é?”

- “ Estou preocupada, mãe!”

- “ Diz o que foi! Algum problema na escola?”

- “ Não tem nada a ver com a escola. É comigo!”

Alarmes, campaínhas, sirenes no meu coração. E a tentativa da continuar a

aparentar calma.

- “ E queres falar sobre isso!”

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- “ É que às vezes, isto é, tantas, tantas vezes, eu penso uma coisa e ela

também. Oh mãe, mas é ao mesmo tempo, sem dizermos nada uma á outra. E

eu não quero. Quando isso acontece, fico com vontade de não ser gémea.

Porque eu quero ter pensamentos diferentes, só meus!”

Angústia a três dimensões, A vida é bem diferente da superfície de um

espelho!

Afinal, cresceram na presença uma da outra, segundo a segundo, confrontadas

com as semelhanças, diferenças, comparações… e encontraram formas de

viver com isso – a roupa que tinha que ser diferente (ou igual!) e as lutas de

quem usa o quê hoje – por vezes na variante da negação “ mas também me

apetece usar isso hoje, e porque é que não hei-de levar também esta t-shirt,

até parece que somos parecidas, não há nada de mais diferente que nós, mas

será que as pessoas não vêm!”

Confundi-as muito pouco vezes, para regozijo de ambas e espanto de toda a

gente – e os esforços que eu fazia – para encorajar estes sentimentos de

identidade! E tudo parecia resultar razoavelmente bem, mesmo com umas

quedazitas aqui e ali, umas trocazitas de nomes quando vistas de perfil, coisas

de nada, quase fáceis de esquecer.

- “ Oh mãe, achas normal?”

- “ É hoje que vamos tirar as fotografias?”

- “ Que fotografias?”

- “ As do passaporte. Olha que a viagem é já para a semana!”

Sete horas da tarde, estafada, que seca! Só faltava ter que sair outra vez, e

agora onde é que as levo! Os professores lembram-se de cada coisa! (Que

pensamento tão maldoso! Que bom que vai ser para elas!)

- “Pois, mas agora, não sei, já é tão tarde…”

Bem, mas o universo conspira a favor da viagem. E eis-me de novo ao volante,

por entre carros a escorrer água e vidros embaciados. Estacionamos. A pingar,

chegamos a um sítio que dizia Fotos a computador. Negociações, “primeiro eu,

primeiro tu”, e finalmente, senta-se uma em frente á maquina. Mais para este

lado, mais para aquele, mais a sorrir, menos de frente.

- “ A senhora quer vir escolher a pose que fica melhor á menina?”

Pronto. E agora é a vez da tua irmã. O fotógrafo repete.

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- “ A senhora quer vir escolher? (Não deixe lá, escolha o senhor, apetece-me

dizer! Ele nota o cansaço.) Mas pode vir escolher a menina, pode levantar-se,

sim, que eu fixo a fotografia, vê isto é uma tecnologia nova, só nós é que temos

disto por estes lados…”

Ela levanta-se e olha a sua própria imagem no ecrã.

- “ Não gosta desta posição?” – avança o senhor solícito – Não há problema, é

só sentar-se e filma-se de novo.”

Vejo-a confusa e ouço:

- “ Esta não sou eu!”

Levanto-me e vou ver.

- “ Como, claro que és tu! Mas então…”

O fotógrafo abre um sorriso incerto. Levanta-se a que primeiro foi fotografada e

vem ver…

- “ Pois não. Essa sou eu.”

O fotógrafo passa a mão pela cabeça e olha-me de lado.

- “ Oh minha senhora, eu contra mim falo, mas até já pensei, para que vai

pagar tantas fotografias? Tirava só de uma e pronto. (Silêncio) Bom, isto era só

uma ideia, claro!”

Não sei se ouvi o que ele disse mais. Sei que cada uma tirou as suas 4

fotografias, e que ninguém as convenceu de que a maquina não tivesse tido

um “ataquinho computoral”. Eu estava demasiado cansada para conversas

sobre a identidade (“Oh mãe, acha normal o que ele fez?), e foi por isso que

nem mencionei os colares. Azul, o de uma, de varias cores, o de outra… tão

bonitos, que ficavam nas fotografias.

A calculadora diz-me que hoje é o 5114º dia de vida da Laura e da Sara neste

planeta. Faz hoje 14 anos que o ar entrou triunfalmente pelos meandros dos

seus minúsculos pulmões e lhes deu as boas vindas. Ao que elas

responderam, sensatamente, com gritos de fazer mover montanhas –

individualmente ou em dueto, harmoniosa ou desencontradamente. Estavam

lançados os dados, para sempre, da sua lutadora natureza.

“ As garotas têm garra.” Diria o pediatra.

Dos seus 2.100 kg e 42 cm a Laura e 2200 kg e 43 cm da Sara.

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Têm, sim senhor. Chegaram para engolir o ar ás golfadas e marcar bem cada

pisada. Vieram para pôr á prova a minha natureza tímida, com alguma

tendência para a melancolia. Á minha tela pastel trouxeram o carmesim, e

também os verdes, os azuis e o laranja da exuberância.

E não chegaram sós. Chegaram em mútua companhia e com uma história

longa de 8 meses de carícias e arremessos no murmúrio das águas, em

preparação sábia para o resto das suas vidas. Tantas vezes construí no meu

espírito imagens desse tempo anterior ao nascimento e lamentei que a técnica

não tivesse tornado possível ter dele imagens reais. Por isso, não há palavras

que exprimam o impacto que em mim tiveram as fotografias intra uterinas de

fetos múltiplos, que vi, da autoria, e da arte, de Donald Keith. Ele próprio

gémeo, começou por colocar o seu laboratório á disposição da pesquisa

médica, mas logo as imagens falaram por si e de suporte passaram a estrelas.

Foi numa dessas fotografias, em tamanho gigante, que vi a forma do meu

imaginário. Dois fetos de 6 meses, o braço de um pousado sobre o pescoço do

outro, o qual por sua vez, mamava no nariz do primeiro.

A fotografia era tão grande ou maior do que eu. Viam-se os pormenores, os

filamentos venosos, quase se descobria uma expressão e aos sentidos me

vieram canções de embalar e o som das fadas sussurrando mistérios. Foi

assim, mais uma vez pela mão da tecnologia, que tive uma experiência nada

tecnológica. Tratava-se, obviamente de gémeos monozigóticos, mas mesmo na

dizigosia é possível imaginar interacções e cumplicidades.

Como dizia, há 14 anos e mais uns meses devem ter elas encontrado posições

de grande intimidade. Há tanto tempo e parece ontem. Simultânea visão que

tenho das bebés nas adolescentes, como se os anos fossem segundos, como

um filme em fast forward. Traz-me isto á lembrança – e desculpem esta

indiscrição – os meus vizinhos. De há um tempo para cá temos vizinhos

quadrigémeos, todos dizigóticos. Quando me levanto dou-lhes os bons dias da

janela do meu quarto. A mãe não se pode dizer que seja simpática, desaparece

mal me vê. Presumo que esteja envergonhada por se ter instalado tão perto de

nós, a devassar totalmente a nossa intimidade. Imagino como se deve agora

arrepender amargamente, exposta que está ao (nosso) olhar alheio. É o que

acontece a passarinhos atrevidos que vêm ter os filhos na casa dos outros!

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Chegadas de férias, demos com esta família de múltiplos a habitar o ramo mais

farfalhudo de uma árvore que quase nos entra pela casa adentro e durante as

semanas seguintes não ousamos abrir janelas nem cortinas desse lado da

casa. A mãe, tranquilizada, ficou. E assim temos vindo a observar, por pequena

abertura da janela, o crescimento em fast forward dos passarinhos. Em três

semanas passaram de umas manchas informes a adolescentes, graças ao

constante pousar da mãe na borda do ninho, que ao primeiro sinal da sua

chegada, eles detectavam.

Houve conversas radicais cá em casa, sobre a justiça ou injustiça da divisão da

comida por parte da mãe pássaro, que rapidamente passou a ser confundida

com a mãe das minhas filhas e suas inúmeras injustiças de há um, dois, doze

meses, cinco anos (memórias de elefante), quando deu (dei) isto a uma e não

deu (dei) á outra.

E veio – me á memoria saudades dos tempos em que muito pequeninas,

faziam outro tipo de disputas. Disputas de épocas, em que outrora com sete

meses, e sentadas, e com 10 meses a gatinhar, com dificuldade dividiam

brinquedos e brincadeiras.

Da aventura do ano, acompanhado da deslocação autónoma, e das

travessuras conjuntas, do estimulo recíproco, e da minha constante angústia.

Angustia essa, que viria a agudizar-se quando para meu espanto, começam a

desenvolver uma comunicação nada vulgar, mas perfeitamente legítima, para

elas. O mesmo pediatra que outrora as viu cheias de “garra”, explicaria a “

linguagem secreta” dos gémeos, e o”jogo de sussurro”, no qual um tenta

pronunciar uma palavra que depois vai devolvendo ao outro, como se fosse

uma bola, modificando-a ao ponto de ela já não ter qualquer relação

reconhecível com a palavra original. Felizmente, para todas, somente uma fase

passageira.

O seu crescimento, quer em peso, quer em altura, quer em sabedoria,

decorreu, sempre em parâmetros normais, não obstante, as comparações

minuciosas, que ambas insistiam em fazer. E escolaridade, adiante, (e da

persistente dúvida, sobre, se o melhor é estarem juntas ou separadas!), as

comparações criteriosas, umas vezes mais pacificas que outras, somente têm

servido, para intensificar esta união.

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Embora fizessem tudo em conjunto, os interesses por vezes variavam e Laura

adorava a natação, enquanto a Sara gostava de tocar piano. E curiosamente,

apesar das semelhanças físicas e até fisiológicas, tão características dos

gémeos monozigóticos, as diferenças em termos de prestações, eram mais

que evidentes. Que o diga o professor de educação física, que por

variadíssimas vezes se debateu com as divergências das princesas, que com

muita dificuldade aceitavam o facto de uma ter melhores performances

dinâmicas, enquanto que a outra era muito mais eficaz em tudo o que diz

respeito a motricidade fina, nomeadamente movimentos repetidos, alternados e

sequenciais dos dedos da mão. E provavelmente esta apetência natural seria

determinante nas futuras escolhas delas.

E, apesar das minhas longas pregações acerca da individualidade, deparo-mo

frequentemente com a imagem de duas meninas crescidas vestidas de igual,

penteadas iguais e com verniz a condizer… (o que eu me esforcei, para vesti-

las diferente!).

Mas, a adolescência… chega, sem avisar. Uma criança até aí tão dócil, não

suporta, odeia, não pode passar sem, e os extremos sucedem-se numa

confusão de emoções. Uma criança até aí contente com a vida põe a cabeça

entre as mãos e suspira longamente, sentada na cama entre CDs e jeans 10

tamanhos acima do seu. “ O que é?” A cabeça vai mais fundo. “ Ninguém me

entende!” Joga-se o mundo em cada cartada enquanto o corpo dispara, nem

sempre harmoniosamente, e o espelho da casa de banho passa a fazer parte

integrante da vida até á obsessão, reenviando as angustias da borbulha que lá

está e também da que lá não está … na pele, mas que está, entranhadamente,

na convicção. “ Oh, mãe! Mas olha, não vês, está enooorme!” (olho

intensamente) (continuo a olhar intensamente, os olhos quase trocados e não,

não vejo nada!) “ Realmente, ninguém me compreende!” Um caminho para a

independência feito de constantes pedidos de ajuda, oferecida e imediatamente

recusada, um crescimento emocional tão desigual como o das formas do corpo

que se avolumam mais aqui e, só depois, mais ali. Desorientação para quem

cresce e para quem vê crescer, ginástica de adaptação constante a novas

relações e novas distâncias. Para os pais, por vezes, o pânico.

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Chego a ter dúvidas, tão radicais como as conversas, sobre se a mãe de quem

falávamos naquele preciso momento era a que voava ou a que estava ali a

conversar sobre a que voava.

É verdade que todas as mães têm muito em comum – sejam elas pessoas,

pássaros ou dinossauros. E as mães de múltiplas ainda têm mais em comum.

Há uma tribo na Africa Austral que lhes dá um nome próprio: nnalongo. Deve

ser porque têm de ter braços muito compridos. Eu acho bonito, e soa bem

quando se pronuncia devagar.

Um dia, vi a nnalongo de penas dar umas boas bicadas nos seus múltiplos,

precisamente quando começaram a querer voar, todos mais ou menos ao

mesmo tempo. Pensei, então, que reconfortante deve ser ter alguém tão

chegado a nós a partilhar o primeiro salto no escuro. Não é por acaso que

tantos estudos referem a boa auto – estima dos múltiplos, e a sua capacidade

de independência, normalmente mais desenvolvida e mais precoce do que a

das crianças singulares.

Mais ou menos três semanas, ou mais ou menos 14 anos depois, e embora

daí, vamos voar sozinhos. Neste caso, sozinhos, juntos. Vejo a mãe a limpar

ciosamente as penas das pequenas asas que já batem vigorosamente a

ensaiar o voo. Terá ela forma de os ajudar a escolher o momento certo para o

salto? Olho com preocupação. O ninho começa a mexer. A mãe pássaro olha-

os, por sua vez, e espera. A mim só me resta aprender a lição. E esperar com

ela que o salto das minhas adolescentes as leve bem alto por cima dos lobos

maus, para um sítio bom. Pelo menos, não vão sós…!

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Capitulo 6

Conclusões Gerais

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Conclusões Gerais

A variação do desempenho neuromotor em crianças e jovens é de extrema

relevância em termos clínicos e pedagógicos.

O conhecimento de aspectos que envolvem o desenvolvimento motor,

contribuem para alertar profissionais e pesquisadores para a necessidade tanto

do diagnóstico de alterações neuromotoras quanto do encaminhamento para

programas de intervenção.

A avaliação do desenvolvimento motor e a interpretação adequada devem ser

ferramentas valiosas a serem utilizadas, tanto na detecção de alterações

quanto na padronização de dados de normalidade de uma população

Os gémeos MZ e DZ proporcionam uma oportunidade excelente de se estudar

variados aspectos da variabilidade do desenvolvimento neuromotor.

Não obstante a evidência de informação normativa, existem poucos dados

sobre o contributo analítico e interpretativo da sua enorme variação.

Esta pesquisa visa interpretar de modo distinto, a variação que ocorre, no

desempenho neuromotor, tendo como objectivos: (1) descrever aspectos da

similaridade-dissimilaridade do desempenho neuromotor; (2) explorar a

agregação fraterna nos níveis de desempenho neuromotor em gémeos MZ e

DZ; (3) estimar a magnitude do contributo genético e ambiental no

desempenho neuromotor de gémeos MZ e DZ.

De acordo com os objectivos estabelecidos em cada capítulo, da revisão da

literatura efectuada, do tratamento dos dados e estudos de caso, emergem os

seguintes resultados:

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Capitulo III: Factores genéticos e ambientais nos níveis de desempenho

neuromotor.

Um estudo em gémeos

Existe maior homogeneidade na performance neuromotora em gémeos MZ do

que em gémeos DZ.

É clara a presença de factores genéticos na variação interindividual do

desenvolvimento neuromotor, especialmente em fenótipos como movimentos

simples/complexos, as extremidades superiores/ inferiores, bem como as

tarefas motoras adaptativas finas.

Os factores ambientais parecem provocar um efeito estimulador que interage

com a biologia humana para produzir as diferenças no comportamento.

O equilíbrio estático e as tarefas para as extremidades superiores e inferiores,

são o exemplo disso, mostrando que subsequentemente ao seu

desenvolvimento, determinados marcos motores são refinados através da

prática e instrução, integrados em sequências de movimentos mais complexos.

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Capitulo IV: Estudos de Caso referentes a um par de gémeos MZ

As gémeas atingiram os marcos motores de maior relevância ao mesmo tempo

e sem atrasos dignos de registo (entre os P75 / P90).

O crescimento do peso foi muito uniforme assim como a estatura, mantendo-se

sempre em valores de P50, que se manteve até à actualidade.

Na performance relativa aos tempos, encontra-se uma semelhança nos

resultados, estando normalmente baixos (< P3).

Nas actividades puramente motoras e adaptativas ou seja, movimentos

repetidos e alternados, equilíbrio estático e dinâmico, respectivamente,

encontram-se muito abaixo da média (- 3z). Com excepção para os

movimentos sequenciais, posicionadas no P25 e na tarefa do tabuleiro da Sara,

posicionada no mesmo percentil.

Relativamente á qualidade de movimentos, são muito homogéneas, situadas

entre os P25 / P90.

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Concluí-se que existe maior homogeneidade na performance neuromotora em

gémeos MZ.

É clara a presença de factores genéticos na variação interindividual do

desenvolvimento neuromotor, especialmente em fenótipos como movimentos

simples/complexos, as extremidades superiores/ inferiores, bem como as

tarefas motoras adaptativas finas.

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Capitulo 7

Anexos