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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Linha Saberes Culturais e Educação na Amazônia VERA LÚCIA DE CRISTO LOBATO AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE UM ADOLESCENTE SURDO QUILOMBOLA Afirmações étnicas, conflitos culturais, paradigmas educativos e estratégias dialógicas Belém PA 2019

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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação Linha Saberes Culturais e Educação na Amazônia

VERA LÚCIA DE CRISTO LOBATO

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE UM ADOLESCENTE SURDO QUILOMBOLA

Afirmações étnicas, conflitos culturais, paradigmas educativos e estratégias dialógicas

Belém – PA

2019

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VERA LÚCIA DE CRISTO LOBATO

As representações sociais de um adolescente surdo quilombola:

Afirmações étnicas, conflitos culturais, paradigmas educativos e

estratégias dialógicas

Dissertação de Mestrado apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade do Estado do Pará. Linha de pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ivanilde Apoluceno de Oliveira

Belém-Pa

2019

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

Biblioteca do CCSE/UEPA, Belém - PA

Lobato, Vera Lúcia de Cristo

As representações sociais e um adolescente surdo quilombola: afirmações

étnicas, conflitos culturais, paradigmas educativos e estratégia dialógicas / Vera

Lúcia de Cristo Lobato; orientação de Ivanilde Apoluceno de Oliveira , 2019.

Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade do Estado do Pará,

Belém, 2019.

1.Surdos-Educação-Cametá-Pa.2.Quilombolas-Cametá-Pa. 3.

Representações sociais. I. Oliveira, Ivanilde Apoluceno (orient.). II. Título.

CDD. 23º ed. 371.912

Bibliotecária: Regina Ribeiro CRB-2 739

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VERA LÚCIA DE CRISTO LOBATO

As representações sociais de um adolescente surdo quilombola: afirmações, conflitos culturais, paradigmas

educativos e estratégias dialógicas.

Dissertação de Mestrado apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade do Estado do Pará. Linha de pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ivanilde Apoluceno de Oliveira.

Data da Defesa: 26 /04 /2019 Banca Examinadora:

_________________________________________- Orientadora

Prof.ª Dr.ª Ivanilde Apoluceno de Oliveira Doutora em Educação - PUC/SP – UNAM/UAM Iztapalapa México Universidade do Estado do Pará – UEPA

________________________________________ - Membro Interno

Prof.ª Dr.ª Ana Paula Cunha dos Santos Fernandes Doutora em Educação Especial - UFSCAR Universidade do Estado do Pará – UEPA

________________________________________ - Membro Interno

Prof.ª Dr.ª Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França Doutora em História, Filosofia e Educação - UNICAMP Universidade do Estado do Pará – UEPA

_______________________________________ - Membro Externo Prof.ª Dr.ª Rita de Cassia Barbosa Paiva Magalhães

Doutora em Educação – UFCE Universidade Federal do Rio Grande do Norte Universidade - UFRN

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Dedico à minha mãe Nilda. Seus esforços,

suas lutas e sabedoria, me conduziram até aqui. Dedico a Marcell Mickael (In memorian). Sua

presença é eterna em nós! Dedico à comunidade Quilombola de Boa

Esperança e a toda comunidade surda.

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AGRADECIMENTOS

Minha gratidão a Deus que cuida e mim e me ama em detalhes. A Ele que durante

todo e qualquer percurso me sustenta e me dá forças. Nele sou mais que vencedora,

pois Sua Graça me mantém de pé e seu amor me conforta.

Agradeço à minha mãe, Nilda! Suas lutas, seu carinho e esforços nunca me

deixaram desistir. Seu amor e seus valiosos cuidados me inspiram noite e dia.

À minha família: ao meu pai, Veridiano, por suas contribuições e afeto em minha

criação, às minhas irmãs guerreiras, Merian, Vericleia e Rosiane, por serem meu

ponto de referência, aos meus irmãos, César, Rafael, Wilson, Valdiclei e Wanderley

pelos cuidados e companheirismos e a minha avozinha, Maria, que me concede

tanto amor no qual eu suspiro de felicidade.

À todos os meus sobrinhos pelo sorriso e aconchego de ternuras que fazem de mim

uma tia orgulhosa!

À Marcell Mickael (In memorian), que nos deixou saudades de seu jeito meigo e

sorriso largo. Tua missão na terra foi breve, mas marcou com amor a cada um que

te conheceu e aprendeu contigo. Nos vemos na eternidade, amor eterno por ti meu

sobrinho.

À prof.ª Waldma Oliveira que fez florir em mim sensibilidades inclusivas e sonhos de

magnitudes incontáveis. A ela que caminhou e caminha comigo na jornada

acadêmica, formação pessoal e no engajamento cerca da valorização da pessoa

surda em suas potencialidades. Carinho, competência, cuidados e ternura são suas

características. Pessoa de alma doce que semeia flores em um jardim sem fronteiras

e sem muros.

À minha orientadora, prof.ª Ivanilde Apoluceno, que com tamanha sensibilidade e

competência acolheu minha proposta de pesquisa, acreditou em meu potencial e

orientou este trabalho com a maestria de alguém que dedica a vida à Educação

Popular freireana e acredita na afetividade como elo inclusivo social, pois não há

educação sem humanização de si e do outro.

À comunidade quilombola de Boa Esperança que me acolheu para fins de pesquisa

desde 2016 e que me permitiu amizades latentes e verdadeiras. À todas as famílias

do quilombo que me aceitaram e me fazem sentir em casa, em especial à família do

sujeito de Raul, à família de Dona Antônia e à família de Suzane Mesquita, sua filha

Juliana e seu esposo, José Darcenildo (Preto).

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À prof.ª e amiga Benedita Borges seu esposo José (Baiano), sua mãe Zula Borges,

suas filhas: Liliane, Leila, Brenda e Flávia Borges (minha comadre); pessoas de uma

simplicidade e humanidade incríveis que me fizeram parte de sua família e me

permitiram vivências encantadoras no quilombo de Porto Alegre. Sem o apoio de

vocês esta pesquisa teria sido muito difícil de ser concluída, tenho por cada um/a

grande respeito, carinho, admiração e afeto.

À prof.ª Auxiliadora Pompeu, seu esposo Manoel Gonçalves, suas filhas Kássia e

Kézia; também à Leno, a esposa Marissanta e filhos Henrique e Levi, por todo afeto,

apoio, cuidados e aprendizados no decorrer desta pesquisa. Vocês têm meu afeto e

carinho.

À meu amigo e companheiro de lindas jornadas, Evandro Rodrigues. Agradeço tua

paciência, teus conselhos, ombro amigo, tua sabedoria e todo cuidado comigo e

conosco. Contigo eu cresço em afetos, maturidade e sabedoria. Fostes e és uma

grata surpresa em minha vida, te amo.

À Universidade do Estado do Pará (CCSE) por viabilizar um programa de Pós-

graduação voltado a educadores e educadoras.

Ao Programa de Pós-graduação em Educação/UEPA, pela maravilhosa equipe de

apoio e secretaria: Jorge (Jorginho), Carlos Campelo e Joaquim. E também pela

excelente equipe de professores, em especial prof. Sérgio, prof. João e prof.ª

Ivanilde.

Ao órgão de fomento CNPq que custeou financeiramente e possibilitou o andamento

e conclusão das muitas fases desta pesquisa.

Ao Grupo de Estudos Surdos da Amazônia Tocantina (GESAT) por ser minha

primeira base formativa intelectual, foi a partir dele que questionamentos acerca da

inclusão de surdos foram aguçados e expandidos.

Ao Núcleo de Educação Popular Paulo Freire (NEP), pelas experiências em

pesquisas, estudos e extensão e pelas amizades valiosas as quais levarei com amor

para toda vida: Ronielson (Rony), Isabell, Ingrid, Caroline, Elinalda, Yago e Fábio.

Estes dois últimos, foram amigos, parceiros, companheiros e confidentes que

dividiram a vida comigo por alguns meses, me ensinaram/ajudaram a crescer. São

irmãos aos quais desejo o melhor.

Às minhas irmãs de orientação, vivências em sala, aprendizados e diálogos

construtivos: Priscila Costa (Pri) e Elizabeth Enriques. Manas, vocês foram quem

deixaram o mestrado leve, o jeito especial de cada uma enriqueceu minhas

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vivências e me permitiu crescimentos. Pri, obrigada por todo companheirismo,

paciência e calmaria, foram seus conselhos, orientações e exemplos que me

inspiravam para continuar, e veja só, conseguimos.

Aos meus amigos José Antônio e Régia Favacho por todo carinho, apoio, cuidados,

sorrisos e conhecimentos empíricos partilhados. Sem dúvidas levo a amizade de

vocês para vida toda.

Ao grupo “Malungo de Capoeira Angola/Bando da Brava” que me ofereceram novas

perspectivas existenciais, culturais e relacionais. Que contribuíram em meu

crescimento e maturidade para enfrentar o mundo em perspectiva de multiplicidade

étnica, ancestralidade e feminismo. Me deram companheiros de travessias aos quais

tenho imenso carinho: Emnésio Duarte, Douglas, Danslei, Luciane, Ana Maria, Anis,

Mário, Lucenilda, Jeremias, Daélem, Darciele, Rodrigo, Antônia, Mateus, Luanda,

Treinel Leal e Mestre Bel.

À Maria Clecilma (Keke), minha amiga cametaense capoeirista, carateca e lutadora

de box, mulher delicada e valente que conheci em Belém. Fostes amparo, sorriso,

aconchego, segurança, fostes irmã. Levo tua amizade para a vida toda. Que

saibamos nutrir cada dia mais toda confiança e carinho que temos uma pela outra,

felicidades mil a você e Paulo Afonso.

À todas aquelas pessoas e entidades que direta ou indiretamente deram apoio e

forças para que mais este ciclo se iniciasse e se concluísse e minha vida. Ao iniciar

de cada novo ciclo quero estar junto a vocês e tê-los também ao meu lado em

presenças e orações.

De toda minha essência,

Obrigada!

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Para Paulo Freire, em todo processo educacional há sempre uma dimensão de conhecimento

(gnosiológica) e um dimensão política (intervenção na realidade). Aliás, para ele, o conhecimento só

ganha legitimidade no interior de uma prática concreta, em dois sentidos: (i) ele deriva da reflexão sistemática sobre uma prática e (ii) sua

relevância só pode ser medida por sua capacidade de transformação da realidade.

(ROMÃO, 2017, p. 32).

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RESUMO

LOBATO, Vera Lúcia de Cristo. As representações sociais de um adolescente surdo quilombola: afirmações étnicas, conflitos culturais, paradigmas educativos e

estratégias dialógicas. 2019. 208f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, Pará, 2019.

A presente pesquisa analisa as Representações Sociais de um adolescente negro surdo do quilombo de Boa Esperança-Cametá/Pará. A pesquisa tem por objetivo

geral: evidenciar quais as Representações Sociais que um adolescente negro surdo quilombola tem sobre o seu processo formativo cotidiano e cultural considerando a

surdez, a negritude, a educação social/escolar e as relações intersubjetivas dialogadas. Os objetivos específicos são : a) visualizar as vivências e representações sociais que o adolescente surdo tem na/sobre a comunidade

quilombola; b) compreender as representações sociais do adolescente surdo sobre surdez e negritude; c) problematizar a importância da escola para a formação social

cidadã do adolescente negro surdo quilombola; d) analisar a forma de comunicação por meio do uso de gestos e sinais para a formação cultural/educativa de um sujeito surdo e da comunidade ouvinte. A pesquisa busca embasamento teórico em: Freire

(1979) sobre Educação; Moscovici (2003) sobre Teoria das Representações Sociais; Skliar (2010) sobre a Surdez; Bocco e Nascimento, (2005) sobre Adolescência;

Oliveira (2004) sobre Educação Inclusiva; Almeida (2011) sobre Quilombo; Matos (2016), sobre gestos e sinais. A pesquisa é de caráter qualitativo e um estudo de caso (LUDKE; ANDRÉ, 1986); tem por base a Teoria das Representações Sociais

de Moscovici; utiliza levantamento bibliográfico e Documental (LE GOFF, 1994); e, observação participante (BRANDÃO, 1987). As análises dos dados foram

categorizadas segundo Bardin (2010). Os resultados evidenciaram que a surdez no quilombo se configura como um elemento de diferenciação tanto para criações de estratégias culturais inclusivas, quanto para resignações docentes que debilitam a

sua escolarização e o condicionam a relações de “eu-isso” inibindo progressões sociais e cidadãs. A pesquisa revela que os saberes culturais cotidianos implicam no

reconhecimento étnico valorativo do adolescente surdo por entre tradições, habilidades cognitivas, inovações e articulações dialógicas possíveis por meio dos gestos e sinais. Assim, suas vivências e representações culturais se fazem

educativas, pois ainda que se defrontem com conflitos de afirmações e negações, ambas apontam para uma educação intercultural para o ser e estar sendo no

mundo.

Palavras–chave: Surdez. Adolescência. Quilombo. Representações Sociais e Educação Cultural.

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ABSTRACT

LOBATO, Vera Lúcia de Cristo. The social representations of a deaf quilombola teenager: affirmations ethnic, cultural conflicts, educational paradigms and dialogical

strategies. 2019. 208f. Thesis (Mastership in Education) – State University of Pará, Belém, Pará, 2019.

The present research analyzes the Social Representations of a black deaf adolescent of the quilombo of Boa Esperança-Cametá/Pará. The research has as a

general objective: to evidence the Social Representations that a deaf black quilombola teenager has about his daily and cultural formative process, considering deafness, blackness, social/scholar education and dialogical intersubjective relations.

The specific objectives are: a) to visualize the experiences and social representations that the deaf teenager has in/about the quilombola community; b) to comprehend the

social representations of the deaf teenager about deafness and blackness; c) to problematize the importance of the school for the social citizen formation of the teenager deaf black quilombola; d) to analyze the form of communication through the

use of gestures and signs for the cultural/educational formation of a deaf subject and the listening community. The research seeks theoretical basis in: Freire (1979) about

Education; Moscovici (2003) about Theory of Social Representations; Skliar (2010) about Deafness; Bocco and Nascimento, (2005) about Adolescence; Oliveira (2004) about Inclusive Education; Almeida (2011) about Quilombo; Matos (2016), about

gestures and signs. The research is qualitative and a case study (LUDKE; ANDRÉ, 1986); has as basis the Theory of Social Representations of Moscovici; uses a

bibliographical and documentary survey (LE GOFF, 1994); and participant observation (BRANDÃO, 1987). The data analysis was categorized according to Bardin (2010). The results evidenced that the deafness in the quilombo constitutes

as an element of differentiation both for creations of inclusive cultural strategies, as for teacher resignation that weaken his schooling and condition him to "I-it" relations,

inhibiting social and citizen progressions. The research reveals that daily cultural knowledge implies the ethnic recognition of the deaf adolescent between traditions, cognitive abilities, innovations and dialogical articulations possible through gestures

and signals. Thus, his experiences and cultural representations become educational, even if they are faced with conflicts of affirmations and denials, both point to an

intercultural education for being and being in the world.

Keywords: Deafness. Adolescence. Quilombo. Social Representations and Cultural Education.

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LISTA DE SIGLAS

AEE

CAPES

CPM

CNPq

GESAT

IBGE

IFS

LDB

LIBRAS

LP

MPEG

PA

RS

SEMED

SRM

TRS

UEPA

UFPA

Atendimento Educacional Especializado

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

Club do Pesquisador Mirim

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Grupo de Estudos Surdos da Amazônia Tocantina

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Instituto Felipe Smaldone

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Língua Brasileira de Sinais

Língua portuguesa

Museu Paraense Emílio Goeldi

Pará

Representações Sociais

Secretaria Municipal de Educação

Sala de Recursos Multifuncionais

Teoria das Representações Sociais

Universidade do Estado do Pará

Universidade Federal do Pará

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Educação de Surdos em Comunidade Quilombola 35

Quadro 2: Distribuição das temáticas de abordagem 36

Quadro 3: Eixo (a) - Educação de Surdos em Comunidade

Quilombola

37

Quadro 4: Eixo (b) - Representações e Educação de Surdos 39

Quadro 5: Eixo (c) - Práticas de escrita e letramento na educação

de surdos

43

Quadro 6: Eixo (d) - A subjetividade da surdez no processo

educacional

44

Quadro 7: Eixo (e) - Currículo escolar e educação de surdos 45

Quadro 8: Eixo (f) - Variações linguísticas e gestualidade como

possibilidades educativas

46

Quadro 9: Eixo (g) - Práticas escolares na educação de surdos e

formação de professores

48

Quadro 10: Eixo (h) - Educação de surdos e tecnologia 50

Quadro11: Eixo (i) - Ensino bilíngue para surdos 51

Quadro 12: Renato - Adolescente intérprete 71

Quadro 13: Participante (Surdo) 72

Quadro 14: Categorização dos dados de campo 80

Quadro 15: Representações Sociais sobre a caça 87

Quadro 16: Representações Sociais sobre a contribuição familiar 91

Quadro 17: Representações Sociais sobre a participação religiosa 99

Quadro 18: Representações acerca de saberes cotidianos 106

Quadro 19: Representações sobre pertença étnica 112

Quadro 20: Representações sobre relações sociais no jogo de

futebol

117

Quadro 21: Representações sobre saberes escolares e saberes

culturais

133

Quadro 22: Representações subjetivas de saberes escolares e

saberes culturais

137

Quadro 23: Representações sobre a educação sociocultural e escolar

150

Quadro 24: Representações sobre ações e recepções educativas escolares

152

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Localização de Cametá-PA 62

Imagem 2: Território de Cametá (Microrregião) 63

Imagem 3: Br – 422 65

Imagem 4: Ramal de acesso a Porto Alegre 65

Imagem 5: Trecho do Ramal de acesso a Boa Esperança 66

Imagem 6: Entrada do quilombo de Boa Esperança 66

Imagem 7: Estrutura Sócio/Espacial do Quilombo de Boa

Esperança

67

Imagem 8: Escola de Boa Esperança, Cametá-PA 68

Imagem 9: Renato 71

Imagem 10: Raul, as crianças e o Jacuraru capturado 86

Imagem 11: Família de Raul descascando a mandioca 89

Imagem 12: Raul, a irmã e o cunhado no trabalho com a mandioca 90

Imagem 13: Reunião para o enfeite do Mastro da festividade 93

Imagem 14: Preparativos para a procissão inicial - o ascender das

velas

94

Imagem 15: Circuito final da procissão pela comunidade 96

Imagens 16

e 17:

Crianças quilombolas e Raul confeccionando o

brinquedo de miriti

102

Imagem 18: Arma de fogo 104

Imagem 19: Caminhão transportador de cargas 104

Imagem 20: A carroça e o boi simbolizados no artesanato em miriti 104

Imagem 21: (Quadro Demonstrativo-1) Polônia versus Senegal 111

Imagem 22: (Quadro Demonstrativo-2) Senegal versus Japão 111

Imagem 23: Desenho de uma criança ouvinte sobre as relações no

futebol

115

Imagem 24: Desenho de Raul com seu amigo num campo de futebol 115

Imagem 25: Exercício de Português-escrita feita por Raul 126

Imagem 26: Atividade de cópia realizada por Raul 128

Imagem 27: Atividade de cópia realizada por Raul 130

Imagem 28: Atividade realizada com Raul 131

Imagem 29: Representações culturais de Raul no caderno 133

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Imagem 30: Representação de abstrações cotidianas de Raul 135

Imagem 31: Exercício de Geografia – uma abordagem étnica sobre

o meio ambiente

137

Imagem 32: Exercícios de Matemática/Português 140

Imagem 33: Crianças e adolescentes recriando o espaço escolar 148

Imagem 34: A Escola desenhada por Raul 149

Imagem 35: A sala de aula representada por Raul 151

Imagem 36: Sinalizações para “banho de igarapé” 161

Imagem 37: Sinalizações para “balador” 162

Imagem 38: Sinalização para “gaiola de passarinho” 163

Imagem 39: sinalização para “pegar passarinho no mato” 164

Imagem 40: Sinalizações para “chuva” 165

Imagem 41: Sinalização para o “jogo de futebol” 166

Imagem 42: Sinalizações referentes “ao convite para ir ao mato

cortar madeira”

167

Imagem 43: Sinalização para “beber água ou sentir sede” 168

Imagem 44: Sinalizações para “comer” 169

Imagem 45: Sinalização para “estudar” 170

Imagem 46: Sinalização para “apontador de lápis” 170

Imagem 47: Sinalização de “música” 172

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16

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 19

1.1 Contextualização da Pesquisa e Objeto de Estudo. 19

1.2 Justificativa 24

1.3 Objetivos 30

2. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA 33

2.1 Estado de Conhecimento 34

2.2 Tipo e abordagem da pesquisa 54

2.3 Locus da pesquisa 60

2.3.1 Município de Cametá/PA: breve contexto 61

2.3.2 Comunidade Quilombola de Boa Esperança contextos

históricos e atuais de pesquisa

64

2.4 Sujeito da pesquisa 70

2.5 Procedimentos metodológicos e Etapas da coleta 72

a) Levantamento bibliográfico 73

b) Levantamento Documental 75

c) Observação participante 76

d) Dinâmicas pedagógicas 77

e) Sistematização e análise dos dados 79

f) Cuidados éticos 81

3. PARADIGMAS ENTRE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E

VIVÊNCIAS CULTURAIS DE UM SURDO: EDUCAÇÃO COTIDIANA PARA O SER E O ESTAR SENDO NO MUNDO

83

3.1 Vivências e representações culturais de Raul: relações familiares e percepções culturais de coletividade

83

3.1.1 Representações Sociais acerca das demandas familiares:

aprendizado cultural e (trans)formação humana

85

3.2 A religiosidade como elemento sociocultural formativo: vozes e

vibrações como elos inclusivos

93

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17

3.3 Recreações e Diálogos surdo/ouvintes: experiências

linguísticas e culturais quilombolas

100

3.3.1 Confecção de brinquedos de miriti 101

3.3.2 O futebol como um elemento de representações étnicas, culturais e linguísticas

108

4. A EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA: VIVÊNCIAS,

REPRESENTAÇÕES E PERSPECTIVAS DE VIDA DE UM ADOLESCENTE NEGRO SURDO

119

4.1 A problemática da educação escolar de um surdo em realidade de “inclusão” quilombola

119

4.2 A educação escolar de Raul: a sala de aula como espaço de

contradições, estranhamentos e estratégias de aproximações culturais

122

4.3 O ensino/aprendizado escolar de Raul por entre esforços, limitações, assimilações em uma inviabilidade de progressão educacional

125

4.4 Processos da escolarização de Raul: representações e leituras do contexto escolar e cultural educativo

145

a) Percepções das “ausências” e reconhecimento sensível do outro

146

b) Representações de Raul acerca da escola e da comunidade: a

diversidade educativa dos ambientes sociais

148

5. ADOLESCENTE SURDO QUILOMBOLA: VIABILIDADE DE

SABERES EDUCATIVOS POR ENTRE GESTOS E SINAIS

154

5.1 Educação dialogada: do debate de Língua e Linguagem à significação cultural e existencial de um surdo quilombola

155

5.1.1 Tipos de sinais/gestos cotidianos dialogados entre surdo e ouvintes quilombolas

158

a) Interações e aprendizados: sinais respectivos a brincadeiras cotidianas e lazer

159

b) A comunicação cotidiana sinalizada: expressões e simbologias

em torno da gestualidade cotidiana quilombola

168

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 175

REFERÊNCIAS 180

APÊNDICES 192

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ANEXOS 205

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1. INTRODUÇÃO

1.1 Contextualização da Pesquisa e Objeto de Estudo

O interesse pela educação inclusiva voltada à especificidade da surdez se

configura na minha formação acadêmica a partir da graduação em História (UFPA,

2012-2016) quando foram estabelecidos debates inclusivos a partir da disciplina de

Língua Brasileira de Sinais-Libras (Prof.ª Ma. Waldma Oliveira), onde provocações

dialogadas culminaram em uma pesquisa: “O Ensino de História e a educação de

surdos no Ensino Médio de Cametá-PA". Logo me vinculei ao Grupo de Estudos

Surdos na Amazônia Tocantina - Gesat1 onde pude atuar, junto a equipe, com

formações continuadas em escolas públicas promovendo debates inclusivos em

eventos sobre Surdez, Libras e educação inclusiva.

Posteriormente ingressei no curso Latu Senso2 em História Afro Brasileira e

Indígena/UFPA, nele foram ampliadas as vertentes de pesquisa que já vinham

sendo desenvolvidas, agora direcionadas a inclusão no campo especificamente em

uma comunidade quilombola.

Esta proposta de pesquisa se propôs a levantar debates de cunhos étnicos e

culturais acerca do processo educativo cultural de uma pessoa surda, das relações

sujeito surdo/comunidade ouvinte no sentido de visualizar as percepções

comunitárias sobre o surdo por entre estratégias de aceitação e negação dele. A

problemática que aliou a surdez, processos sociais, relacionais, culturais e étnicos

indicou novos outros questionamentos possíveis a serem aprofundados em pesquisa

futuras.

A pesquisa de especialização (2016) contextualizou a surdez a partir das

percepções dos ouvintes da comunidade, assim evidenciou algumas ações que

marginalizavam o sujeito surdo pela compreensão dele como um “ser incompleto”,

“deficiente”. Apesar de o sujeito surdo ser natural da comunidade quilombola, na

ocasião da pesquisa as pessoas ouvintes ainda estavam se adaptando a ele em

suas especificidades relacionais, de conversação e de posturas.

1 Grupo de Estudos Surdos na Amazônia Tocantina - GESAT é coordenado pelas Prof.ª(s ) Ma. Waldma Oliveira e Prof. Ma. Cyntia França. O grupo atua nas áreas de debates acadêmicos de

vertentes inclusivas, pesquisas sócio/educacionais inclusivas de pessoas Surdas, projetos de extensão e formação educacional e metodológicas inclusivas em instituições educacionais de ensino básico, atuante nas áreas urbana, rural e ribeirinha de Cametá-PA.

2 Pela UFPA Campus de Cametá. O curso teve início em julho de 2015 e término em agosto de 2016.

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No decorrer da pesquisa alguns questionamentos não puderam ser

contemplados devido aos objetivos previamente traçados, pois ao considerar as

particularidades do contexto quilombola as abordagens realizadas limitaram-se a:

perceber as relações sociais educativas na escola e na sociedade envolvendo o

sujeito surdo em um todo social de saberes, de questionamentos sobre “o sujeito

diferente” cercado por uma comunidade majoritariamente ouvinte e tradicional por

onde os saberes transitam pelo viés oral.

Assim, compreender como este sujeito surdo percebe, vivencia e representa

os saberes sócio/culturais e escolares, possibilita novas abordagens no sentido de

pensar vertentes inclusivas para além do espaço urbano que o considerem quanto

pessoa surda em suas potencialidades, articulações culturais, posturas e

questionamentos sociais, relações étnicas, habilidades relacionais e comunicativas a

contextualizar suas vivências a cultura quilombola e aos aprendizados sociais e

escolares.

Tais reflexões implicam em perceber de que forma as relações culturais

comunitárias e escolares refletem no aprendizado do sujeito negro surdo, na sua

formação quanto sujeito ativo social, na sua percepção sobre o ambiente

comunitário e escolar. Ademais, compreender como ele se representa

cotidianamente, diante do paradigma de “estar sendo no mundo” por entre conflitos,

mecanismos de aprendizagens, frustrações educativas, relações de afetos e

responsabilidades.

Perceber as relações sociais e educativas de um sujeito surdo quilombola

sob a perspectiva da inclusão, possibilita expandir diálogos sobre as diferenças

sociais quanto elos construtivos, reconhecer fronteiras e limitações que perpassam a

realidade educacional inclusiva no campo, especialmente por um sujeito que carrega

em si estereotipias de marginalização social por ser adolescente, negro, surdo e

quilombola. Mas que validam a ele aprendizados ricos, percepções críticas e

formação pessoal embasada na sua atuação ativa frente a comunidade.

As relações sociais quanto articulações significativas intersubjetivas são

importantes, pois a partir delas o sujeito, em contato com o social, forma suas

concepções de mundo, e logo é envolvido por uma “teia de significados” (GUEERTZ,

2012), que são adquiridos, reconhecidos, problematizados e exteriorizados no

cotidiano pelas Representações Sociais.

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Esta pesquisa busca correlacionar educação, comunidade tradicional,

escolarização, percepções étnicas e estratégias de inclusão comunitária, todas elas

evidenciadas por entre conflitos de afirmação e negação. O fato de ela enveredar

saberes de matriz afro e indígena em seus fundamentos históricos de afirmação

cultural, étnica, econômica e identitária aguça inquietudes acerca de como estas

partilhas são percebidas pelo sujeito surdo, alcançadas por ele e assim dialogadas

com a comunidade.

Para compreender as premissas de relações sociais em um quilombo que

lida com as suas concepções de organização social em que se conflitam noções

padronizadas de cunho eurocêntrico são levantados alguns questionamentos que

direcionarão posteriormente os objetivos: como um surdo habitante de uma

comunidade étnica representa as suas experiências culturais? Como suas

representações inferem na sua formação pessoal educativa? Como ele representa a

surdez nas interrelações comunicativas com os demais ouvintes? De que maneira

ele representa a escola quando da sua importância como veículo social de

aprendizado, comunicação e interação?

Estes apontamentos são algumas das problemáticas que nortearão a

pesquisa e darão visibilidade a temática de relações de inclusão social, cultural, das

diferenças étnicas, biológicas e de linguagem em um espaço marcado pela exclusão

histórica, negação de direitos, mas também lugar de afirmação de lutas e de

conhecimentos partilháveis.

A partir de algumas lacunas observadas na pesquisa realizada durante o

curso de Especialização, interessa trazer para a dissertação de mestrado debates

sobre o adolescente negro surdo e quilombola como sujeito, pois este vive em uma

comunidade majoritariamente ouvinte, marcada por uma tradição histórico oral de

valores, crenças, dinâmicas sociais, educativas e religiosas por onde permeiam

vastos universos de saberes culturais e também curriculares no âmbito da educação

escolar.

É sabido que o espaço quilombola foi historicamente marcado como um

espaço de resistência laborais, culturais, étnicas e identitárias, já demonstrados a

grosso modo nos estudos afro-brasileiros que abordam o referido espaço, desde o

processo de diáspora africana no Brasil, opressões, violências e afirmações étnicas

até os dias atuais.

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Assim, é preciso atentar para o termo “resistência” em sua amplitude que

compreende não apenas um posicionamento político quanto aos direitos cidadãos

das pessoas negras, mas resistências relativas às práticas, aos saberes vivenciados

e dialogados a outros que tendem a se afirmar através de práticas culturais e sociais

de subsistência que por séculos foi negada, e na atualidade a lógica conservadora

insiste em fomentá-la. Por entre lutas e resistências, têm-se em um país republicano

e democrático, nele têm-se o confronto pelo direito a igualdade, a equidade como

incansáveis construções cotidianas.

Os processos dicotômicos pelos quais o ocidente está piamente ancorado

pressupõem, dentre tantas dualidades, uma que infere o sentido de

normalidade/anormalidade aos sujeitos sociais em vastas esferas. Isto influi numa

subalternização instantânea dos que seriam definidos sob os preceitos da

“anormalidade” (DONATO, 2013).

O eurocentrismo incumbiu-se de garantir a partir de ideologias eugênicas

uma colonização cultural branca homogênea com padrões de beleza e aceitação.

Neste último situa-se um sujeito negro, não encaixado nos padrões eurocêntricos,

sendo ele quilombola, não pertencente à grupos de status econômicos de influência

e também é uma pessoa surda, compreendido por vezes pelo viés clínico patológico

que compreende a deficiência erroneamente quanto fator depreciativo visto a

ausência de comunicação oral associado ao comprometimento cognitivo.

A comunidade quilombola possui um vínculo histórico étnico relacional

baseado nas premissas de sociedade familiar, tendo a terra como um bem comum a

todos (ALMEIDA, 2011), logo há uma dimensão extensiva de trocas de saberes com

bases conceituais tradicionais e atuais que envolvem a sociedade através de

mecanismos experienciais, evidenciados historicamente por vias da oralidade, como

afirma Pinto (2007). Tratam-se de:

Práticas, saberes, devoções, crenças, orações e ritos, [que] com suas menções simbólicas, vão sendo repassados oralmente pelos mais velhos e

são assimilados por meio de uma educação informal, na qual o agente receptor (jovem, adulto e criança) vive, prepara, recria, repassa e renova tais conhecimentos, través da organização das festas, das curas com rezas

e ervas, da forma de viver e trabalhar coletivamente, além de tentar preservar a identidade que se encontra enraizada no legado cultural dos remanescentes de quilombolas, apontando-lhes rumos para começar a

construir uma nova vida, com melhores condições, exigindo a inclusão social e o respeito, tanto no que tange a sabedoria, luta e resistência do povo negro, quanto o que se refere à diversidade e às diferenças étnicas e

culturais das quais se constitui o povo brasileiro (PINTO, 2007, p. 16).

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Há muitas maneiras de saberes que podem e são transpassados através da

convivência cotidiana e da transmissão de valores culturais. Neste processo a

educação é entendida como uma prática interativa e social dos seres humanos,

assim pode estar imbricada de diferentes perspectivas e em diferentes espaços

(ALBUQUERQUE, 2012).

No lócus amazônico a educação não institucionalizada, cotidiana, é

experenciada a partir de conjunturas socio/culturais regidas pela organização

econômica, religiosa e medicinal, dinamizadas por conhecimentos étnicos e

valorativos das comunidades em suas especificidades.

A funcionalidade destes saberes contempla o processo de formação pessoal

de cada indivíduo, pois esta educação social detém “[...] uma forma singular de

inteligibilidade do real fincada na cultura, com a qual determinados grupos

reinventam o cotidiano, criam estratégias de sobrevivência, transmitem seus saberes

e perpetuam seus valores e tradições” (ALBUQUERQUE, 2012, p. 24).

Esta pesquisa se debruça sobre a conjuntura comunitária quilombola na qual

saberes são dinamizados por entre escola e comunidade, diálogos são articulados e

conflitos evidenciados. Tais mecanismos cotidianos dão significâncias e contribuem

para a formação social tanto dos ouvintes quanto do surdo.

A escola possui um papel social fundamental na formação de sujeitos, pois é

responsável por comportar diferenças étnicas, culturais, econômicas, de classes,

gêneros e pessoas com deficiências em suas mais diversas possibilidades

existenciais. Assim a escola se caracteriza como um espaço dinâmico de

interrelações onde as diferenças devem ser apreendidas pelo viés de subjetividade e

potencial de cada educando como elemento a enriquecer o fazer educativo coletivo.

O espaço escolar deve ser passível de múltiplas experiências que

contemplem desde os conhecimentos práticos e teóricos emanados do currículo

escolar, quanto àqueles efetivados a partir das relações étnicas, culturais e sociais

da própria comunidade.

As diferenças sociais, culturais e históricas que marcam o processo

educacional como um fenômeno de interação, permite diversos mecanismos de

aprendizagens e possibilita a partir do contato com o outro o reconhecimento deste

quanto sujeito de ações e direitos.

Os seres humanos se educam nas relações sociais e históricas que estabelecem entre si, sendo a educabilidade uma ação especificamente humana, ética e social porque implica o ato educativo num processo de

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interação simbólico-social, no qual aspectos corporais sensíveis,

psicológicos, cognitivos e as circunstâncias éticas e sociais vivenciadas pelos sujeitos da educação interagem (OLIVEIRA, 2004, p. 16).

A autora indica um processo educacional construído a partir do

conhecimento iniciado nas relações sociais onde o contato existencial de respeito e

valoração dos sujeitos em suas diversidades precede relações futuras de

reciprocidade, apontando assim possibilidades de construções dialógicas e ético

sociais.

Mediante algumas inquietações expostas, a problemática investigada é:

quais as representações sociais de um adolescente negro surdo quilombola sobre

seus processos educacionais, sociais e escolares, visualizados pelo aspecto cultural

formativo do sujeito a considerar as relações sociais pautados na valoração étnica,

percepções sobre a surdez e intersubjetividades quilombola?

Assim, esta pesquisa se propõe a dar continuidade à pesquisa anteriormente

realizada e apresenta relevância no sentido de viabilizar a amplificação de debates

sobre processos educativos inclusivos atrelados a possibilidades culturais/étnicas

em articulações que considerem percepções e vivências sobre estigmas

depreciativos ou valorações das diferenças dentro de possibilidades dialogadas por

aprendizados em uma comunidade tradicional.

1.2 Justificativa

Propor um estudo que verse sobre as representações sociais de um sujeito

negado pela lógica eurocêntrica e eugênica de normalidade, acarreta problematizar

legitimidades, questionar e analisar conflitos de tipos de exclusões sócio/espaciais

pelas vertentes da: educação, adolescência, surdez, negritude e do quilombo; por

meio dos processos culturais formativos.

A surdez e negritude não serão abordadas nesta pesquisa apenas quanto a

categorias estéticas de aceitação e/ou normalização, mas aos sentidos de ideologias

de dominações e subalternizações do outro diferente, marcados por processos

degradantes social e ético político.

Somando-se a isto, a pesquisa aborda questões sob o viés da resistência,

das significações culturais, das possibilidades de aprendizados por um saber fazer e

estar sendo no mundo quando se problematiza o auto reconhecimento étnico, surdo

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e quilombola como fatores de relevância existencial para o adolescente surdo nas

valorações das diferenças e enfrentamento às conjunturas normativas opressoras.

Ao abordar as formas através das quais são construídas as percepções e

representações do adolescente negro surdo e quilombola, esta pesquisa dá enfoque

a Teoria das Representações Sociais (TRS). Esta enquadra-se como uma vertente

analítica caraterística da psicologia social investigada inicialmente por Serge

Moscovici.

Através da Representações Sociais (RS) cada sujeito, em consonância com

a sociedade, traça lógicas de vivências significativas dentro dos eixos culturais

cotidianos que apresentam relevâncias para a organização das estruturas sociais

tanto práticas quanto cognitivas, tendo por base compreensões de mundo a partir do

Senso Comum (SÁ, 2003).

O intelectual aprofunda discussões sobre relações humanas como em teias

dialógicas onde:

as representações sustentadas pelas influências sociais da comunicação constituem as realidades de nossas vidas cotidianas e servem como principal meio para estabelecer as associações com as quais nós nos

ligamos uns aos outros (MOSCOVICI, 2003, p. 8).

A realidade social de cada sujeito se dá através da partilha de relações

objetivas e subjetivas pelas vivências com seus pares. Assim, a importância das RS

como um elemento intersubjetivo para este estudo, consiste em visualizar a

interpretação educativa social de um sujeito singular, em uma comunidade de

experiências múltiplas onde saberes transitam e dialogam com aspectos do

cotidiano a partir de brincadeiras, de diálogos não verbais e de possibilidades sócio

interacionais condicionadas pelos usos de diversas expressões e sinais emergentes.

Nestas instâncias sociais dialogadas a pesquisa busca abstrair as vertentes

educativas demonstradas/interpretadas pelo próprio sujeito surdo por suas

experiências culturais quilombolas, considerando isto, quais as representações que

ele tem sobre a sua educação? As vivências culturais somam quanto aprendizado

para sua formação pessoal? Dentro das vertentes comunicativas como ele

representa o “ser surdo”? Como ele se auto representa “ser negro quilombola”?

Algumas questões como estas mencionadas acima permitem desvelar um

universo inclusivo de educação que destoa dos moldes já conhecidos pelos estudos

que se debruçam sobre a surdez e sobre representações sociais. Para além disto o

estudo permite visualizar a compreensão formativa de um sujeito “duplamente

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diferente”3 em uma comunidade movida por preceitos étnicos de bases

organizacionais comunitárias fortemente familiar e que partilha a educação

significativamente pelo viés oral, mas que também cria e possibilita ascensão de

estratégias articuladas para que o surdo partilhe diversos saberes experiências

educativas.

A complexidade deste estudo diz respeito às especificidades de dialogar

com as representações étnicas, culturais e educativas com um sujeito por vezes

invizibilizado pelas cortinas da deficiência, mas que reexiste e partilha interações,

sentimentos e aprendizados no bojo de um espaço rico por sua trajetória e que,

sendo sujeito ativo de uma sociedade, ressignifica as relações cotidianas e

estruturais do quilombo bem como sua formação social.

Validar aprendizados, relações e interpretações de mundo que se

constituem diante de proximidades, diálogos e estranhamentos, consiste em

reconhecer a diversidade pela qual a humanidade é constituída. Por meio destes

aprendizados diversos, situações de negação e a multiplicidade de experiências é

possível compreender as representações nas esferas: subjetivas de si, do outro, da

comunidade, de fatores etnorraciais, de educação e de insatisfações frente uma

realidade de significados complexos.

Postas estas considerações, esta pesquisa contempla algumas

problemáticas relevantes em suas conceituações, a exemplo a surdez quanto

especificidade biológica deve ser considerada nas interrelações desde que não fira a

dignidade existencial/potencial do indivíduo.

Quando a abordagem é proposta pelo viés da deficiência biológica

depreciativa ela tende a se confundir com incapacidade ou passividade social,

afirmando status de desigualdades incorporados por discursos errôneos de déficits

de abstração cognitiva.

Oliveira (2004) chama atenção para os usos das terminologias atribuídas às

pessoas com deficiência, porque as mesmas podem inferir estigma de

despadronização, anormalidade ao mesmo tempo em que define os ditos

3 Furtado (2016) debate a dualidade da diferença de surdos negros sob a perspectiva da identidade destes, mediante um sistema histórico em um cenário social, normalizador e padronizador. Isto se caracteriza por uma noção latino-americana que presume ares europeizados, que substancializam

categoricamente cada sujeito a partir da ideia de classes, influências estruturais baseadas em fatores, também, econômicos e desvalores étnicos que partem pelas teses raciais, de gêneros, religiosas, políticas, dentre outras que reafirmam a partir de quesitos hegemônicos alguns “modelos” de

influências que são adotados a partir de posturas passivas e de prerrogativas colonizadoras.

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“deficientes” como incapazes, não só pela etimologia da palavra, que significa

“Imperfeição, falta, lacuna; deformação física ou insuficiência de uma função física

ou mental”4, mas por seus impactos no bojo social pejorativos que causam

desmerecimento e assistencialismos.

Por outro viés Furtado (2016, p. 26) afirma que a depreciação do outro: “[...]

é a concepção na qual as diferenças são compreendidas como algo nocivo,

indesejável e como algo que sugere práticas de medicalização em busca da cura e

da reabilitação”.

As discussões oferecidas pelos estudos culturais da Educação Especial,

estudos étnicos, de gêneros, entre outros, provocam reflexões acerca da formação

social onde são geradas lógicas que rompem com conceitos como o da eugenia,

“perfeição” e normatividade. Neste sentido Dorziat (2009) afirma:

As adjetivações de pessoas que não entendem e não procuram entender outro na sua inteireza geram este tipo de discurso estereotipado que não deixam espaços para problematizar, para contextualizar situações que

produzem o ser [...] (DORZIAT, 2009, p. 27).

A problemática da marginalização do outro encadeia premissas que,

inventadas tradicionalmente, se perpetuam e mantêm circuitos de representações

binárias, maniqueístas entre aceitações e discriminações. A diversidade é

compreendida como um fator predominante para justificar desigualdades, o que

erroneamente é assimilado e difundido.

As questões que separam seres humanos entre quesitos de

“normalidade/anormalidade” é a estrutura social de poder que os cercam. Esta

última vem compenetrada de afirmações históricas condizentes à negação do outro

em seu direito de ser uno e múltiplo, pois sendo este categorizado como infame,

marginal e avesso aos moldes do sistema normativo, ele não só será discriminado

como se culpará por isto. Paulo Freire aprofunda tais análises anunciando seus

pontos de partida e efeitos:

O que, de fato, caracteriza a estrutura social não é a mudança nem a permanência tomadas em si mesmas, mas a “duração” da contradição entre ambas, em que uma delas pode ser preponderante sobre a outra (FREIRE,

1981, p. 33).

Arroyo (2011) questiona as causalidades que mantêm desigualdades na

esfera educativa escolar onde, por incontáveis vezes, os educandos que já chegam

4 Disponível em: ‹https://dicionariodoaurelio.com/deficiencia›. Acesso em: 21/09/2017.

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marginalizados pela sociedade, são ali estigmatizados. O autor afirma que tais

problemas são de ordem estrutural validados pelo sistema meritocrático e opressor.

As desigualdades escolares são reduzidas a capacidades desiguais dos alunos, responsabilizando-os pelas desigualdades escolares. Uma visão com profundas raízes em nossa cultura escolar que se traduz nas

avaliações rigorosas de cada aluno, no controle de seu percurso, nos rituais de retenção-reprovação, nas classificações dos alunos: repetentes, lentos, defasados, desacelerados, na média ou abaixo da média (ARROYO, 2011,

p. 84).

Para além de dimensionar tais causas e estruturas pelas quais as

desigualdades se afirmam, o autor provoca reflexões acerca da culpabilidade dos

educandos marginalizados por sua marginalização. Para ele tais estratégias tratam-

se de formas de o sistema isentar-se de suas culpabilidades irrisórias educativas.

Estas colocações anunciam que os seres humanos, sujeitos sociais e

culturais, na contramão de discursos revestidos por estigmas, podem romper com as

lógicas excludentes, e o fazem, quando encontram dentro das desigualdades

marginalizadas, diferenças a serem valorizadas e igualdades de direitos a serem

conquistadas e partilhadas. Nestes temos os movimentos sociais ganham força e

espaço de legitimidade em suas autoafirmações.

Sabe-se que os movimentos sociais têm oferecido resistência e vêm

ganhando espaço de debates na academia e na sociedade em geral, a lentos e

expressivos passos. No que tange ao tema desta pesquisa, são exemplificados

alguns movimentos que refletem resistências, enfrentamentos e vêm ganhando

legitimidade frente as ideologias marginais/excludentes.

À exemplo, visualiza-se a comunidade surda a lutar contra barreiras que

impedem a acessibilidade, para se afirmar em suas potencialidades comunicativas

viso-espaciais e cognitivas e a dinamizar os aprendizados no campo da Educação

para além da oralidade, gestualidade, mas em uma significação cultural perceptiva.

O movimento negro também ganha legitimidade quando do enfrentamento

aos padrões branco/europeus afirmando suas raízes étnicas, conjunturas culturais,

religiosas e políticas que rompe com a lógica colonizadora de que afirma o lugar

social de negros e negras como sendo a periferia social e simbólica.

Estas vertentes de lutas sociais se apresentam em possibilidades de

reconhecimento e ascensão de lutas contra desigualdades de cor, contra padrões

estéticos de beleza e normatividades ideológicas que ferem a cidadanias e a

existências.

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O movimento negro no campo, especialmente os quilombolas, vem

assumindo posturas de enfrentamento frente aos jogos políticos e às modernizações

que depreciam sua cultura, seus saberes e seus direitos à terra.

A terra, para além de território, é entendida como parte da formação social

identitária quilombola que engloba relações familiares e agrícolas entremeadas de

saberes (ALMEIDA, 2011). Com as articulações políticas de resistência, hoje

existem posturas legais que amparam os territórios quilombolas e reconhecem a

legitimidade da terra como bem cultural das famílias negras do campo. São lutas e

conquistas importantes em um país marcado pela ganância dos latifúndios, pelas

violências e massacres no campo que impera a preços de vidas.

Ao considerar a importância de debates e articulações entre os sujeitos

negados pela história que se auto afirmam em suas diversidades, este estudo se

propõem a discorrer sobre as experiências culturais educativas de um sujeito negro

surdo em seus processos ontológicos de representações sociais e considera

vertentes étnicas intra/extraescolares no seio de um quilombo amazônico a

problematizar a inclusão em espaços de excluídos5.

Uma das bases fundamentais para aprofundar a discussão quanto aos

paradigmas educacionais e processos formativos do sujeito negro surdo em seu

meio quilombola é pensada a partir das prerrogativas freireanas. Neste sentido “para

ser válida, a educação deve considerar a vocação ontológica do homem [e da

mulher] – vocação de ser sujeito – e as condições em que ele [ela] vive: em tal lugar

exato, em tal momento, em tal contexto” (FREIRE, 1979, p. 19).

Considerar o sujeito surdo em suas dimensões sociais, espaciais e culturais

educativas, significa legitimá-lo quanto ao respeito a sua cidadania, ponderando que

o sistema normatizador6 social que estigmatiza sujeitos perpassa por mudanças,

adaptações e agora toma novas vertentes de abordagens que envolvem lutas

afirmativas e o evidenciar de potenciais.

Destarte, o sujeito da pesquisa, caracteriza por ser adolescente, negro,

surdo e quilombola não é compreendido nesta pesquisa ramificações categóricas de

apenas ser adolescente, negro ou surdo, mas quanto agente social em vivência

5 Problemática discorrida por (LEAL, LOBATO e OLIVEIRA, 2017). 6 Consideramos o termo “norma” a partir de (FURTADO, 2016, p. 34) onde “A norma é uma regra, é

aquilo que serve para retificar, colocar de pé, endireitar e visa também unificar o diverso e eliminar as diferenças”. Esta abordagem crítica do termo referencia a processos próprios quando analisamos as Representações Sociais em seu processo de Ancoragem, coexistentes à Psicologia Social. Estes

debates serão aprofundados no decorrer destes escritos.

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completas, complexas, dinâmicas e múltiplas em sentido dialógico, comunicacional,

relacional e linguístico, pois ele compartilha saberes e anseios que envolvem

conversação e aprendizados para além do olhar (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2016).

Oliveira e Oliveira (2016) compreendem que todos os seres humanos e

sociais são constituídos de experiências, que parte de uma totalidade social onde a

diversidade é um fator indispensável para relações de reciprocidades intersubjetivas.

Postas estas considerações se apresenta a relevância desta pesquisa ao

visibilizar grupos socialmente estigmatizados onde os sujeitos em seu meio cultural

são visibilizados descentralizado da tendência urbana, o quilombo. A pesquisa abre

espaços aos diálogos e dinamiza possibilidades discussivas, reflexivas e atitudinais

sobre novas outras abordagens ético valorativas científicas no campo social,

educativo e inclusivo.

Propor um estudo que compreenda os saberes, representações sociais e

processos educativos em espaços marcadamente étnicos, infere desafios de

compreender os sentidos e significados da vida em comunidade quilombola de um

adolescente negro surdo que estabelece relações sociais por bases não orais, mas

dialogicamente compreensivas na medida em que há a possibilidade de interação,

ainda que a comunicação não seja fator pleno, mas ocorre por um mecanismo

passível e possível de vivências.

Postas estas inquietações sócio/antropológicas, educativas inclusivas, são

apresentados a seguir os objetivos que norteiam o estudo.

1.3 Objetivos

Objetivo Geral

Evidenciar quais as Representações Sociais que um adolescente negro surdo

quilombola tem sobre o seu processo formativo cotidiano e cultural

considerando a surdez, a negritude, a educação social/escolar e as relações

intersubjetivas dialogadas.

Objetivos Específicos

• Visualizar as vivências e representações sociais que o adolescente surdo tem

na/sobre a comunidade quilombola;

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• Compreender as representações sociais do adolescente surdo sobre surdez e

negritude;

• Problematizar a importância da escola para a formação social cidadã do

adolescente negro surdo quilombola;

• Analisar a forma de comunicação por meio do uso de gestos e sinais para a

formação cultural/educativa de um sujeito surdo e da comunidade ouvinte;

A organização do texto dissertativo está articulada por seções. Na seção 1)

“Introdução” constam as vertentes investigativas teórico/práticas e motivacionais a

partir de justificativas e embasamentos teóricos que buscam legitimá-la nos âmbitos

pessoais, sociais, culturais, acadêmicos e pedagógicos. Estes a caracterizam, bem

como comportam os seus elementos norteadores e os objetivos.

A seção 2) “A trajetória Metodológica” evidencia os percursos investigativos

pelos quais a pesquisa percorre se fundamenta desde as suas bases teóricas até os

processos ético analíticos. A seção comporta: tipo e abordagem de pesquisa; lócus

da pesquisa a conceituar breves processos históricos do município e do quilombo

estudados; sujeito da pesquisa; procedimentos metodológicos e etapas de coleta

(levantamento bibliográfico, levantamento documental, observação participante,

dinâmicas pedagógicas, sistematização e análises de dados e cuidados éticos); por

fim elucidamos as etapas da pesquisa.

A seção 3: “Paradigmas entre representações sociais e vivências culturais

de um surdo: educação cotidiana para o ser e o estar sendo no mundo” realiza uma

abordagem teórica entrelaçada a dados de campo que trazem reflexões, evidências,

questionamentos acerca das representações sociais e processos educativos

culturais de autonomia e de formação pessoal de Raul em articulação com a

comunidade ouvinte.

A seção se vale de abordagens cotidianas significativas para Raul, tanto no

que tange a lazer quanto aquisição de responsabilidades. Ela aponta para

importância das estratégias culturais articuladas na comunidade para que o sujeito

surdo a vivencie, aprenda, partilhe conhecimentos, aguce potencialidades e se

constitua como sujeito social ativo em seu meio.

A seção 4: “A educação escolar quilombola: vivências, representações e

perspectivas de vida de um adolescente negro surdo”, realiza um panorama escolar

educativo de Raul que abrange reflexões sobre o fazer docente em sala,

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articulações metodológicas, percepções de Raul, estratégias de articulação da

educação escolar à educação cultural comunitária, bem como autonomia e postura

de Raul transgressora acerca da sua realidade educativa e formativa.

A seção elucida percalços e ciclos viciosos que envolvem a educação

escolar do educando surdo e problematiza estagnação de uma educação não

significativa, produto de ações docentes sem reflexões críticas que condicionem

promovam mudanças de posturas para que a educação escolar de Raul seja

pensada em sintonia com as suas potencialidades, experiências sociais e

estratégias comunicativas.

A seção 5) “Adolescente surdo quilombola: viabilidade de saberes

educativos por entre gestos e sinais” se propõe a evidenciar as relações sociais a

partir dos diálogos entre surdo e ouvintes como pontos de estratégias que abrangem

significados culturais que contribuem para uma interação simbólica participativa.

As possibilidades dialógicas evidenciadas por meio dos sinais validam a

existência, significam o cotidiano, possibilitam aprendizados e conversações

possíveis. A seção conjectura a importância dos sinais como elo formador social de

interações múltiplas e significados abrangentes dentro do contexto quilombola e

traça um paralelo com a importância do uso da Libras na comunidade em

consonância com os sinais emergentes, pois se compreende que a educação, a

linguagem e os aprendizados só podem ser significativos e abrangentes quando há

a interação intercultural.

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2. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

As abordagens metodológicas foram analisadas e empregadas de acordo

com as motivações, objetivos e tipos de análises específicas de um estudo que se

caracteriza por sua interdisciplinaridade educacional inclusiva, histórica, sociológica,

antropológica e filosófica e com suas relevâncias sociais, pedagógicas e

acadêmicas.

A pesquisa comporta a construção e aprofundamento na área das

representações sociais de um adolescente negro surdo sobre seus processos

socioeducacionais formativos, analisados a partir de uma vertente que envolve

educação, experiências culturais quilombolas e articulações inclusivas aliadas a

fatores étnicos e representações sociais em um espaço quilombola da Amazônia

paraense.

Para visualizar a abrangência e relevância da temática abordada foram

realizados foram realizados levantamentos no Banco de Dissertações e Teses da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e de

algumas Universidades que realizaram estudos acerca da educação de surdos na

Amazônia nas mais variadas abordagens a fins de visualizar como o debate

educativo, étnico, inclusivo está sendo abordados sob diferentes óticas regiões a

fora.

Tais levantamentos de dados são compreendidos como um Estado do

Conhecimento, pois compreende-se a partir da tese de Morosini e Fernandes (2014)

que o define como:

identificação, registro, categorização que levem à reflexão e síntese sobre a produção cientifica de uma determinada área, em um determinado espaço

de tempo, congregando periódicos, teses, dissertações e livros sobre uma temática específica (MOROSONI; FERNANDES, 2014, p. 155).

As considerações sobre levantamento contingencial de pesquisas que as

autoras enfatizam são compreendidas dentro de um marco específico e restrito.

Para se chegar a elas cabem coletas de dados seletivas utilizadas para filtrar as

coletas de dados nos levantamentos, os indicadores, seguidos por eixos. O Estado

do Conhecimento delimita enfoques que estejam relacionados à determinado tempo,

espaço e temáticas.

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A partir destas noções teóricas foram estabelecidos parâmetros categóricos

para a sondagem de produções já finalizadas nas áreas que aqui ganham destaque:

Representações sociais, Educação de surdos; Amazônia e Quilombo.

2.1 Estado de Conhecimento

Para obtenção de dados foram realizadas pesquisas concomitantes nas

plataformas de Banco de Teses e Dissertações da Capes a nível nacional acerca de

estudos e abordagens sobre surdez na Amazônia, e de algumas universidades

situadas na Amazônia legal, à exemplo, da Universidade Federal do Pará, da

Universidade do Estado do Pará, com os seguintes indicadores: Educação de

Surdos em Comunidades Quilombolas; Educação de Surdos na Amazônia e

Representações Sociais Sobre Surdez em Quilombos.

Neste levantamento foram encontradas trinta e quatro produções, delas

apenas uma se caracteriza como tese de doutorado, as demais são dissertações de

mestrado, o que aponta para uma carência e necessidade de estudos aprofundados

sobre temática em nível de teses de doutorado. Enfatiza-se que é possível que

existam trabalhos já finalizados que ainda não constem nos bancos de dados sendo

necessárias novas atualizações de levantamentos de dados.

Flick (2009) destaca a importância destes levantamentos contingenciais

sobre dadas temáticas. Segundo o autor os dados permitem mapear o que já foi

abordado sobre o campo em questão, quais as teorias que sustentam os debates e

problematizações na área, quais conceitos são passíveis de aceitações e

contestações, quais as perspectivas teóricas ainda em aberto e o que ainda não

foram investigadas na área quanto objeto de estudo.

O indicador “Educação de Surdos em Comunidades Quilombolas” apontou

para uma produção referente a tese de doutorado. No mapeamento inicial foram

encontradas trinta e três dissertações de mestrado referentes ao indicador

“Educação de Surdos na Amazônia”. Em “Representações Sociais Sobre Surdez em

Quilombos” não foram apontadas pesquisas na área.

É apresentado a seguir um quadro contendo as informações básicas do

trabalho encontrado sob o indicador: “Educação de Surdos em Comunidades

Quilombolas”; em seguida é feita uma pequena descrição do trabalho a partir dos

dados contidos no resumo da obra.

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Quadro 1: Educação de Surdos em Comunidade Quilombola

INDICADOR: EDUCAÇÃO DE SURDOS EM COMUNIDADE QUILOMBOLA

Título da Pesquisa Autor (a) Ano Instituição Curso/área de conhecimento

A educação da pessoa com deficiência em comunidades remanescentes de quilombos no Estado de São Paulo

MANTOVANI, Juliana Vechetti

2015 Universidade Federal de São

Carlos

Tese de Doutorado em

Educação Especial

Fonte: Elaboração própria.

Mantovani (2015) em sua pesquisa analisa a realidade educativa de surdos

quilombolas no estado de São Paulo em um sentido amplo de educação para além

do espaço escolar visto a realidade de pessoas com deficiência na comunidade em

várias etapas de formação, inclusive aquelas que nunca foram a escola.

A escola investigada trata-se da que possui maior número de pessoas com e

sem deficiência já matriculadas, se comparada aos demais quilombos. Os sujeitos

da pesquisa são, membros escolares: professores, diretora, vice-diretora e

coordenadora pedagógica. Os sujeitos moradores da comunidade são: pais,

lideranças e pessoas com deficiência. Os dados finais da pesquisa apontam para a

recente problemática da educação de quilombolas evidenciando um silenciamento

acerca das pessoas com deficiências na comunidade.

Em relação do indicador “Educação de Surdos na Amazônia” e o contingente

considerável de produções sobre ele, foram percebidas muitas linhas de abordagens

pelas quais a educação de surdos na Amazônia perpassa. A partir disto optou-se por

organizar as produções acadêmicas por eixos para fins de melhor ilustrar as

produções existentes7.

7 Todos os trabalhos encontrados no levantamento digital não tiveram todo seu corpo textual analisado. Para garantir conhecimento de cada um, foram realizadas leituras e análises dos resumos

a verificar os objetos e problemáticas de cada obra correspondente às instâncias desta pesquisa. ressalta-se que alguns resumos não possuíam informações sobre lócus da pesquisa, sujeitos ou as metodologias de coletas de dados, portanto as informações que constam após as respectivas tabelas

indicam informações, ainda que incompletas, apenas do resumo.

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Os eixos foram destacados e organizados em um quadro para melhor

visualização:

Quadro 2: Distribuição das temáticas de abordagem

INDICADOR: EIXOS:

Educação de Surdos na Amazônia

a) Representações e Educação de Surdos;

b) Ensino/aprendizagem de surdos;

c) Práticas de escrita e letramento na educação de surdos;

d) A subjetividade da surdez no processo educacional;

e) Currículo escolar e educação de surdos;

f) Variações linguísticas e gestualidade como possibilidades

educativas;

g) Práticas escolares na educação de surdos e formação de

professores;

h) Educação de surdos e tecnologia;

i) Ensino bilíngue para surdos8.

Fonte: Elaboração própria.

O primeiro eixo (a), evidencia pesquisas que dizem respeito às

representações sociais na educação de surdos no Ensino Fundamental das classes

regulares, Atendimento Educacional Especializado e também no Ensino Superior. A

seguir consta o quadro ilustrativo:

8 Os títulos das obras estão organizados por eixos em ascendência de anos no sentido vertical. Após cada quadro é apresentado uma síntese referente a cada uma das pesquisas de acordo com suas

especificidades de abordagens e relevâncias.

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Quadro 3: Eixo (a)

REPRESENTAÇÕES E EDUCAÇÃO DE SURDOS

Título da Pesquisa Autor (a) Ano Instituição Curso/área de conhecimento

Representações Sociais de Professores do Ensino Fundamental Sobre o Aluno Surdo: a [In] Visibilidade na Inclusão Escolar.

SILVEIRA, Andrea Pereira.

2011 Universidade do Estado do

Pará

Dissertação de Mestrado em Educação.

A Representação Conceitual dos discursos oficiais o dito e o não dito dos processos culturais surdos.

LAVAREDA, Welton Diego

Carmim

2012 Universidade da Amazônia

Dissertação de Mestrado em

Comunicação, Linguagens e

Cultura. Representações Sociais de Discentes do Curso Letras- Libras da Uepa Acerca da Pessoa Surda.

SILVA, Cyntia

França Cavalcante De. Andrade

da.

2014

Universidade Do Estado Do

Pará.

Dissertação de Mestrado em Educação.

Representações Sociais de Educandos Surdos Sobre a Atuação do Intérprete Educacional no Ensino Superior.

OLIVEIRA, Waldma Maira Menezes de.

2015 Universidade Do Estado Do Pará.

Dissertação de Mestrado em Educação.

Representações Sociais de Professoras a Respeito do Atendimento Educacional Especializado Para Alunos Surdos.

LOBATO, Huber Kline

Guedes.

2015 Universidade Do Estado Do Pará.

Dissertação de Mestrado em Educação.

Fonte: Banco virtual de Dissertações da Universidade do Estado do Pará, 2017.

Os estudos de Silveira (2011) dialogam com as representações sociais de

educadores do Ensino Fundamental sobre os educandos surdos vislumbrando os

reflexos destas representações nas suas práticas pedagógicas a partir do contato

com pessoas surdas. A autora traz a conclusão de que tais docentes perpassam por

problemas ao incluir educandos surdos, pois a barreira linguística não partilhada por

surdos e ouvintes neste contexto atribuem às pessoas surdas sentidos negativos

referentes aos processos de aprendizados, inferindo imagens e práticas excludentes

que necessitam ser problematizadas.

Lavareda (2012) realiza uma pesquisa documental acerca dos “trajeto

semântico-discursivo” pelos quais os discursos sobre surdos e surdez perpassam,

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buscando a ratificação da legitimidade da Libras em seu sentido cultural. O autor lida

com fontes primárias (leis, decretos, portarias) a fins de visualizar as frequências de

termos e suas simbologias. A pesquisa aponta resultados que abrangem a

problemática da educação de surdos em sentidos vazios, distantes da realidade ao

passo que englobam surdos em um mesmo contexto. Ademais revela que os

“trajetos semântico-discursivo” não são considerados quando dos enunciados legais.

Silva (2014) realiza estudos sobre as Representações Sociais de discentes

do curso de Letras Libras da UEPA sobre a pessoa surda. A autora utiliza

questionários com 58 discentes do curso em questão, apresentando resultados

numéricos que apontam para representações, em: 19% dos discentes representam

a pessoa surda a partir do discurso da normalidade que indica concepção de “surdo

deficiente”; 51,7% enveredaram pelo discurso da diversidade onde o “surdo é igual a

qualquer outro”; e por fim os dados apontam para representações de alteridade

sendo 29,3%.

A partir destes dados é perceptível que sujeitos reconhecem o surdo como

“visual, usuário da Libras e bilíngue”. A autora conclui que majoritariamente os

discursos são pautados na percepção da diversidade havendo uma significativa

parcela que representa o surdo a partir da alteridade evidenciando estar havendo

desconstruções quanto as representações negativas sobre a pessoa surda.

Oliveira (2015) dialoga, em sua pesquisa, sobre as representações sociais

de educandos surdos do Ensino Superior sobre a atuação do intérprete educacional

de maneira a vislumbrar as implicações destas representações para o processo de

aprendizagem na perspectiva inclusiva. Seus resultados apontam para a importância

do profissional em sala e reconhecem a sua atuação como fundamental em um

processo de aprendizagens ocasionadas por diálogos, responsabilidades,

orientações e afetividades no âmbito da educação superior.

A pesquisa de Lobato (2015a) contempla a educação de surdos a partir das

representações sociais de professoras do Atendimento Educacional Especializado

(AEE) nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) na cidade de Breves-PA,

objetivando compreender de que maneira estas representações influenciam nas

suas atuações quanto educadoras da área.

O autor contextualiza historicamente as bases da educação especial e

educação de surdos no referido município abrangendo as condições em que esta

educação é atualmente evidenciada. Os resultados versam sobre práticas de

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Inclusão excludentes quando a Libras deveria ser um marco frequente nas aulas.

Apesar destes impasses a “política de diversidade”, como pontua o autor, é

frequente nas práticas das educadoras onde as relações de esperança a favor dos

avanços na educação de surdos oportunizam esforços e aprendizados tanto para os

discentes quanto para as docentes.

A seguir apresenta-se o Eixo (b), nele se elucida algumas pesquisas

direcionadas aos diversos processos de “Ensino/aprendizagem de surdos”.

Quadro 4: Eixo (b) ENSINO/APRENDIZAGEM DE SURDOS

Título da Pesquisa Autor (a) Ano Instituição Curso/área de conhecimento

Ensino de Ciências para surdos através de software educacional na Amazônia.

TREVISAN, Patricia Farias

Fantinel

2008 Universidade do Estado do Amazonas.

Dissertação de Mestrado Profissionalizante em Ensino de Ciências na Amazônia.

Saberes de professores que ensinam matemática para alunos surdos incluídos numa escola de ouvintes.

PAIXÃO, Natalina do

Socorro Sousa Martins

2010. Universidade Federal do

Pará.

Dissertação de Mestrado em Educação em Ciências e Matemáticas.

A comunicação em Matemática na sala de aula: obstáculos de natureza metodológica na educação de alunos surdos.

NEVES, Maria Janete Bastos

das

2011 Universidade Federal do

Pará.

Dissertação de Mestrado em Educação em Ciências e Matemáticas

Os processos cognitivos da aprendizagem matemática por meio de uma didática específica para estudantes surdos

PINTO, Marie Augusta De

Souza.

2013 Universidade do Estado do Amazonas.

Dissertação de Mestrado em Educação em Ciências na Amazônia.

A Poética Do Olhar: A Cultura Visual Surda No Contexto Poético Amazônico.

SOUZA, Andreia Teschi

Motta.

2015 Universidade Federal De Rondônia

Dissertação de Mestrado em

Letras

Cenas de Letramento E Multiletramento na Educação de Crianças Surdas em uma Escola de Belém.

MAIA, Tatiana Cristina

Vasconcelos

2015 Universidade Do Estado Do

Pará.

Dissertação de Mestrado Em

Educação

Educação em Ciências Naturais Para Surdos: uma análise de experiências pedagógicas.

DESTRO, Ana Paula

2017 Universidade Federal do

Mato Grosso

Dissertação de Mestrado Em

Educação

Educação Em Ciências PERASSOLO, 2018 Universidade Dissertação de

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Naturais Para Estudantes Com Surdocegueira: Uma Análise No Contexto De Uma Escola De Surdos.

Valquíria. Federal do Mato Grosso

Mestrado Em Educação

Sons, Sensações e Subjetividades: Musicalidade em Escola Específica de Surdos do Amazonas.

BRITO, Larissa da

Silva.

2018 Universidade Federal do

Rio de Janeiro

Dissertação de Mestrado em

Educação

Fonte: Dados adaptados do Banco virtual de Dissertações da CAPES, 2017.

Seguindo as análises dos estudos referentes às várias vertentes de

ensino/aprendizagem na educação de surdos considera-se aqui os estudos de

Trevisan (2008). Nele a autora problematiza o ensino de ciências para a educação

da pessoa surda nos anos iniciais do Ensino Fundamental que adere ao uso de

softwares para otimizar e dinamizar os aprendizados de educandos surdos.

A investigação considerou reflexões sobre as linguagens dos educandos,

tecnologia, os conceitos próprios da disciplina “Ciências” aliados ao uso de

programas virtuais educacionais no processo educativo.

Os resultados apontaram que apesar do uso da tecnologia em sala no

contexto da inclusão, os conteúdos e termos específicos da área não eram

apropriados para educandos surdos estando o sistema de ensino ancorado em um

modelo padrão conteudista. A proposta que a pesquisadora lançou envolveu a

criação de um software que contemple a Língua de Sinais Brasileira e a Língua

Portuguesa sob a ótica “sócio-interacionista de surdez” como a autora define.

Paixão (2010) pesquisa quais são os saberes evidenciados nas atuações de

professores de matemática quando das suas vivências em uma classe do ensino

fundamental menor com educandos surdos e ouvintes. No decorrer da pesquisa

foram demonstrados os saberes: saber da Língua de Sinais; saberes disciplinares

chamados de específicos; os curriculares; os experienciais e o da reflexão.

A autora enfatiza a “inclusão de alunos surdos em escola de ouvintes”,

apontando em suas análises o processo imperativo segregado que define a

existência de duas escolas em uma, visto o impacto educacional entre o que ela

denomina de “cultura surda” e a “cultura ouvinte”.

Neves (2011) discute os processos comunicacionais educativos da pessoa

surda nas aulas de Matemática a partir das naturezas metodológica de docentes

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surdos e ouvintes. A autora busca evidenciar os obstáculos para a educação de

surdos e os favorecimentos metodológicos possíveis através do ensino de

Matemática.

A pesquisa ocorre em uma Unidade Especializada de atendimento a surdos

e os resultados apontam para a necessidade de os profissionais se familiarizarem

mais com a Libras, pois ela é um fator indispensável para a “obstaculização ou

sucesso” no processo educativo, além de haver necessidade de um diálogo

interdisciplinar entre a disciplina de matemática, Língua Portuguesa e estratégias

flexíveis para o ensino aprendizagem.

Pinto (2013) aborda em seus estudos o ensino aprendizagem da matemática

atrelando raciocínio lógico e resolução de problemas numéricos com educandos

surdos através da Língua Brasileira de Sinais. A autora estuda como os processos

são estimulados e desenvolvidos metodologicamente pelos docentes nas atividades

em sala com a utilização de uma Tabuada em Libras.

Souza (2015) aborda questões acerca da cultura visual surda no sentido de

articular formações em um grupo-pesquisador de Sociopoética a fim de por em

relevo aspectos da identidade cultural a articular pensamento e linguagem surda. Os

resultados versaram sobre a importância das imagens para os educandos surdos,

visto que eles são sujeitos visuais, ela tem a função de facilitar o

ensino/aprendizagem e compreensão de conteúdos complexos. A imagem viabiliza

comunicação intercultural entre surdos e ouvintes considerando as especificidades

sensoriais partilhadas pelo uso da imagem.

A proposição investigativa de Maia (2015) gira em torno do letramento e

multiletramento na educação de crianças surdas em Belém-PA no Instituto Felipe

Smaldone (IFS) visto que esta instituição possui uma trajetória histórica na educação

de surdos em Belém-PA.

As análises foram feitas através de levantamento documental, pesquisa de

campo e entrevistas semiestruturadas. Os resultados indicam uma educação que

tem por concepção letramentos ideológicos e autônomos onde o multiletramento

contempla duas ou mais linguagens, tais linguagens por vezes são incompreendidas

no processo educativo de surdos. A autora reforça a necessidade do

amadurecimento da proposta e que, apesar dar de ser um trabalho importante,

carece de mais compreensão por parte do corpo docente.

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Destro (2017) realiza um estudo onde são visualizadas as experiências

pedagógicas a partir de relatos de uma professora de Ciências Naturais para

educandos surdos na rede estadual de ensino do Mato Grosso, tais relatos foram

analisados a evidenciar os desafios, potencialidades e posicionamento escolar frente

a inclusão. Os resultados sinalizaram alguns déficits que impactam diretamente na

formação de surdos, a exemplo: formação inicial e continuada na área da educação

especial; descaso do poder público; dificuldade comunicativa entre ouvintes-surdos;

ausência de intérpretes e ausência de sinais específicos para termos próprios das

Ciências Naturais.

A pesquisa versa sobre estratégias desenvolvidas pela professora para

viabilizar a inclusão e aprendizados dos surdos através de uso de imagens,

autoformação, valorização da linguagem visual e uso de Tecnologias da Informação

como: vídeos, experimentos, aulas de campo dentre outras. Tais medidas foram

sinalizadas a fim de dar protagonismo às percepções cognitivas e sensoriais dos

educandos surdos. O estudo conclui a necessidade urgente de formação continuada

no sentido de oportunizar novas outras possibilidades para a efetividade e cidadania

dos sujeitos surdos.

Perassolo (2018) aborda a especificidade educacional voltada a educandos

com surdocegueira na perspectiva do desafio e das possibilidades frente a

necessidade educativa de tais sujeitos socialmente invizilibizados. A pesquisa

adentra os campos teóricos por estudos já realizados na área, envereda pelos textos

legais que versam sobre inclusão de pessoas com surdocegueira e realiza uma

observação participante em salas de aula junto a estudantes com surdocegueira.

A autora aponta que os estudos realizados com surdocegos sobre: órgãos

dos sentidos; cuidados com a higiene pessoal e uso de materiais do dia a dia;

noções de diversidade de plantas e animais; aguçaram as percepções sensoriais

dos educandos com surdocegueira de modo que eles se percebessem no mundo

como sujeitos sensíveis e ativos partir de abordagens possíveis através do ensino

de Ciências Naturais.

Brito (2018) se debruça em estudos acerca das experiências de sujeitos

surdos com a música em uma escola específica de surdos do Estado do Amazonas.

Foram entrevistadas 36 pessoas dentre ouvintes e surdas. A pesquisa afirma que

“ser surdo” não o restringe de viver a música por diferentes aspectos, sendo ela um

instrumento social, educativo e cultural apesar de não ser percebida na escola como

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conteúdo curricular, mas foi percebida nas entrevistas, em documentos e eventos da

escola alguns momentos dos quais o alunado surdo participou. A pesquisa reflete

sobre a necessidade de articulação entre Educação de Surdos e mecanismos

artísticos, pois estes aguçam potencialidades no processo educacional.

Feitas estas considerações, apresenta-se a seguir o eixo (c) referente a

“Práticas de escrita e letramento na educação de surdos”.

Quadro 5: Eixo (c) PRÁTICAS DE ESCRITA E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Título da Pesquisa Autor (a) Ano Instituição Curso/área de conhecimento

Avaliação da compreensão escrita de alunos surdos do ensino fundamental maior.

CARVALHO, Márcia

Monteiro.

2012 Universidade Federal do

Pará.

Dissertação de Mestrado em

Letras.

Fonte: Dados adaptados do Banco virtual de Dissertações da CAPES, 2017.

Carvalho (2012a) chama atenção para a “compreensão escrita” dos

educandos surdos em suas trajetórias no ensino fundamental maior, vistas as

diferenças linguísticas entre a Libras e a Língua Portuguesa (LP), neste cenário a

autora busca desvelar quais habilidades de leituras que estes educandos surdos

melhor desenvolvem na LP, e quais são suas dificuldades.

A autora vale-se de estratégias que envolvem o uso da prova do Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Básica e produção textual para coletar seus

dados e tecer análises acerca da contribuição da Libras na verificação se a

compreensão dos textos seria mais elevada.

Os resultados apontaram para a alarmante realidade de que, dentre os

educandos investigados, se apresenta um nível de leitura baixo para a série na qual

cursam onde não há domínio da compreensão e interpretação de texto,

evidenciando o déficit de uma inclusão pensada sem o diálogo coerente entre as

formações linguísticas entre Libras e LP.

Dando prosseguimento às discussões sobre pesquisas com educandos

surdos na Amazônia, pontua-se o eixo (d) referente à “A subjetividade da surdez no

processo educacional”.

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Quadro 6: Eixo (d) A SUBJETIVIDADE DA SURDEZ NO PROCESSO EDUCACIONAL

Título da Pesquisa Autor (a) Ano Instituição Curso/área de conhecimento

Identidade Como Metamorfose Na Educação De Surdos Em Belém.

SANTOS, Herminio Tavares

Sousa Dos.

2012 Universidade Do Estado Do

Pará.

Dissertação de Mestrado em Educação.

Sentidos subjetivos relacionados à motivação de alunos surdos para participarem do clube do pesquisador mirim do Museu Paraense Emílio Goeldi.

CARDOSO, Deusa Priscila

Resque.

2014. Universidade Federal do

Pará.

Dissertação Mestrado em Educação em

Ciências e Matemáticas.

Educação, Identidades e Culturas Surdas no Instituto Federal de Roraima.

COUTINHO, William.

2017 Universidade Federal Rural

do Rio de Janeiro,

Dissertação de Mestrado em

Educação Agrícola.

Fonte: Dados adaptados do Banco virtual de Dissertações da CAPES, 2017.

Santos (2012a) considera em sua pesquisa os processos identitários

formativos da pessoa surda como metamorfose. Estes processos são indicados

como individuais e consideram a história de vida social e escolar de cada sujeito a

partir das suas experiências com a Língua de Sinais.

Os estudos de Cardoso (2014a) versam sobre as subjetividades de crianças

surdas - em interação com ouvintes - quando das suas motivações para participação

no Club do Pesquisador Mirim (CPM) do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG).

Foram realizadas entrevistas com os responsáveis pelas crianças pesquisadoras

surdas e ouvintes, entrevistas com os próprios pesquisadores mirins ouvintes (em

número de doze) e com os surdos (que eram apenas dois).

Os indicadores apontaram para as motivações sociais e familiares que os

educandos surdos e ouvintes têm acerca das perspectivas em ensinar e

compartilhar a Língua de Sinais havendo forte compromisso deles para com suas

atuações, entretanto as subjetividades de cada um apontam para sentidos diferentes

que o aprendizado da Libras e o fazer Ciência têm para cada criança. O espaço do

CPM é onde as crianças interagem entre si, e valorizam formações e amizades com

os surdos e apreendem a inclusão diferentemente do que vivenciam na escola.

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Coutinho (2017) considera em seus estudos as questões da Cultura Surda,

Identidades e Processo de Formação e transformação das identidades de alunos do

Instituto Federal de Roraima, todos os surdos da instituição foram entrevistados para

fins de análises. Os resultados evidenciaram que a educação de surdos é possível a

partir das percepções das diferenças como elementos mínimos que constituem o

ser. Neste sentido surge a necessidade de adaptação metodológica na escola no

sentido geral, que envolva professores, intérpretes e demais membros da

comunidade escolar em trabalho colaborativo.

Os resultados versam sobre as formações de identidades surdas a partir do

contato com a Libras como elo formador de subjetividade entre alunos da instituição.

As especificidades identitárias dos educandos surdos devem ser reconhecidas para

que sejam elaboradas estratégias metodológicas significativas nas formações

múltiplas de surdos, mas que zele pelas potencialidades unas de cada um.

O próximo eixo e) “Currículo escolar e educação de surdos” compreende a

bases pelas quais a educação inclusiva perpassa intercalando noções estruturais

legais e as ações refletidas em sala de aula. O levantamento apontou a seguinte

pesquisa:

Quadro 7: Eixo (e) CURRÍCULO ESCOLAR E EDUCAÇÃO DE SURDOS

Título da Pesquisa Autor (a) Ano Instituição Curso/área de conhecimento

A institucionalização da Língua Brasileira de Sinais no currículo escolar: a experiência da Secretaria Municipal de Educação de Castanhal – PA.

CAVALCANTE, Eleny Brandão

2010 Universidade Federal do

Pará.

Dissertação de Mestrado em Educação.

Fonte: Dados adaptados do Banco virtual de Dissertações da CAPES, 2018.

Cavalcante (2010) investiga a institucionalização da Libras no contexto

escolar e seu reflexo curricular mediante as ações da Secretaria Municipal de

Educação de Castanhal-PA frente aos desafios da inclusão de surdos. O corpus da

pesquisa foi de base bibliográfica e documental onde foi possível vislumbrar dados

sobre a educação especial, educação inclusiva, educação de surdos e currículo com

abrangências investigativas legais internacionais, nacionais e regionais, ressaltando

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as diretrizes para institucionalização da Libras quanto vertente curricular na

educação básica fundamental.

Noutros termos as “Variações linguísticas e gestualidade como

possibilidades educativas” são abordadas no eixo (f) apontando para pesquisas

relacionadas às múltiplas abrangências e possibilidades geradas a partir da Libras e

Língua Portuguesa nas relações dialógicas e de poder entre surdos e ouvintes:

Quadro 8: Eixo (f) VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS E GESTUALIDADE COMO POSSIBILIDADES

EDUCATIVAS

Título da Pesquisa Autor (a) Ano Instituição Curso/área de conhecimento

Educação de surdos no contexto amazônico: um estudo da variação linguística na Libras.

LIMA, Katia Do Socorro Carvalho.

2009

Universidade do Estado do

Pará.

Dissertação de Mestrado em Educação.

Sinalizações de um professor surdo: a interpretação de Libras como processo de retextualização.

SANTOS, Ozivan

Perdigão.

2012 Universidade do estado do

Pará.

Dissertação de Mestrado em Educação.

Entre Gestos e Sinais: o contar história sem uso da voz Belém-PA

MATOS, Pamela do Socorro da

Silva.

2016

Universidade do Estado do

Pará

Dissertação de Mestrado em Educação.

Glósário Visual Bilíngue na Educação de Surdos: estudos sociolinguísticos na língua brasileira de sinais

MOTA, Carina da Silva.

2017 Universidade Do Estado Do

Pará

Dissertação de Mestrado em Educação.

Fonte: Dados adaptados do Banco virtual de Dissertações da CAPES, 2017.

Lima (2009) propõe um estudo tangenciado às variedades de sinais no eixo

linguístico da Libras, considerando contextos semânticos lexicais como referências

nos diálogos dos processos educacionais com sujeitos surdos educandos de

cursinho pré-vestibular inclusivo em Belém-PA. Os resultados apontaram para a

demanda de variações semânticas entre os surdos oralizados que difere do padrão

oferecido pela Libras onde os processos de variações são intrínsecos aos diversos

sistemas linguísticos em suas bases principiais.

Santos (2012b) aponta para uma análise textual e discursiva envolvendo a

tradução da LIBRAS para a Língua Portuguesa considerando as atuações de um

professor surdo e seis intérpretes da Libras para identificar os processos de

retextualizações orais pelos quais os discursos perpassam. Os resultados indicaram

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que os intérpretes devem evitar substituições, inserções orais desconexas do

discurso, termos rebuscados, acréscimos ou perdas de informações, neste sentido a

pesquisa contribui para a formação dialógica possível nos processos de traduções

entre Libras e Língua Portuguesa.

Matos (2016), por sua vez, realiza uma abordagem na perspectiva inclusiva

de surdos sobre os processos de diálogos estabelecidos entre gestos e sinais e

suas relevâncias para uma boa conversação entre surdos e ouvintes através de

narrativas de histórias sem o uso da voz, por meio de sinais.

Os resultados apontados instigam à problematização da Libras quanto sua

funcionalidade oficializadora, apontando para a importância dos gestos frequentes

em diálogos de surdos e o impacto do reprodutivo/assimilativo nas suas relações

dialógicas com ouvintes bilíngues. A autora enfatiza a flexibilização do entender e do

comunicar nos diálogos estabelecidos considerando as amplitudes e significâncias

dos sinais em cada contexto.

Os estudos de Mota (2017) evidenciam a criação de um glossário de um

“Inventário de Sinais”. É um estudo que versa sobre culturas e variações linguísticas

na Libras. A autora analisa os conhecimentos dos sujeitos a partir de campos

semânticos e das relevâncias deles nas suas vidas diárias.

Os resultados apontam para a importância de se catalogar os processos

comunicativos visto que no ambiente da sala de aula dinamizam-se encontros entre

sujeitos sociais de várias esferas culturais, etárias e de formações distintas. Ele

evidencia que tais variações se apresentam, em alguns casos, aos profissionais

docentes como dificuldades tanto nas Língua Portuguesa, quanto na Libras e

tendem a ser cada vez mais visualizados quando das propostas interativas

inclusivas na educação e comunicação entre surdos e ouvintes.

O eixo (g) referente a “Práticas escolares na educação de surdos e formação

de professores” indica prerrogativas que contemplam não apenas o processo

educacional como um fim, mas problematiza a atuação profissional docente com

base na formação deste sujeito que tende a encarar a dinâmica heterogênea da sala

de aula dentre estratégias metodológicas e concepções identitárias.

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Quadro 9: Eixo (g) PRÁTICAS ESCOLARES NA EDUCAÇÃO DE SURDOS E FORMAÇÃO DE

PROFESSORES

Título da Pesquisa Autor (a) Ano Instituição Curso/área de conhecimento

Educação Matemática Dos Surdos: um estudo das necessidades formativas dos professores que ensinam conceitos matemáticos no contexto de educação de deficientes auditivos em Belém do Pará.

GIL, Rita Sidmar Alencar.

2007

Universidade Federal do Pará.

Dissertação de Mestrado em Educação em Ciências e Matemática.

Escolas de surdos: avanços, retrocessos e realidades.

SÁ, Nelson Pereira de.

2011 Universidade Federal do Amazonas

Dissertação de Mestrado Em Educação

A Apropriação da Legislação de Libras em Escolas Públicas de Macapá: Entre a Letra Da Lei e as Práticas Escolares.

CAMPOS, Ronaldo

Manasses Rodrigues

2013 Universidade Federal do

Amapá

Dissertação Mestrado em

Direito Ambiental e Políticas Públicas

A formação continuada do professor para a educação de surdos da rede municipal de Manaus: repercussões na prática pedagógica.

CORRÊA, Roseane Modesto.

2013 Universidade Federal do Amazonas

Dissertação de Mestrado em

Educação

Professor Surdo: Negociações de Identidade no Ensino Superior.

OLIVEIRA, Reany de

2018 Universidade Federal do

Mato Grosso

Dissertação de Mestrado em

Educação

Fonte: Dados adaptados do Banco virtual de Dissertações da CAPES, 2017.

A pesquisa de Gil (2007) chama atenção para educadores que atuam na

disciplina de matemática nas últimas séries do Ensino Fundamental com educandos

surdos problematizando a formação inclusiva desses profissionais a partir de uma

pesquisa-ação sob a ótica da interdisciplinaridade.

A relevância desta pesquisa apontou para as mazelas em que a formação

docente está inserida, e evidencia novas perspectiva e propostas de trabalho

docente através de metodologias baseadas em estudos e acompanhamentos

pedagógicos inclusivos onde educadores de várias disciplinas podem atuar em

conjunto e contribuir para a inclusão social da pessoa surda.

Sá (2011) investiga a educação de surdos em duas escolas de Manaus.

Ambas as escolas são escolas de surdos e os sujeitos da pesquisa foram

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professores e profissionais da educação, dentre surdos e ouvintes das respectivas

escolas a partir da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da

Educação Inclusiva/2008 (BRASIL, 2008).

A pesquisa aponta para avanços na proximidade educacional com a escola

bilingue e a possibilidade formativa dos professores terem contato com a Libras.

Quanto a retrocessos devido a Política Nacional de Educação Especial as escolas

de surdos estão sendo fechadas ou descaracterizadas para dar lugar ao

Atendimento Educacional Especializado, assim os surdos encontram dificuldades

para se organizar visto a dispersão provocada pela adaptação das escolas de

surdos.

Campos (2013) investiga a aplicabilidade da Lei de Libras n. 10.436/2002

em três escolas da rede estadual em Macapá. Os sujeitos da pesquisa são os

agentes pedagógicos escolares: “a coordenação pedagógica, o intérprete e o

professor da classe regular”. Os resultados apontam para a insipiência da Libras nas

escolas e ressalta o distanciamento evidente entre as propostas legais e a realidade

escolar de pessoas surdas apesar de se passarem mais de dez anos da

promulgação da lei, analisa o autor.

Corrêa (2013) realiza uma pesquisa acerca da formação continuada de

professores da rede municipal de Manaus para atuarem com alunado surdo a fim de

visualizar as práticas pedagógicas no sentido de viabilizar o processo de ensino

aprendizagem de surdos.

A pesquisa contou com a colaboração de 20 docentes do ensino regular e

da SRM. A pesquisa apontou para a fragilidade da formação docente nos cursos

iniciais, observando despreparo teórico e prático-metodológico para a realidade das

classes mistas ou especiais. A autora reforça a necessidade da formação

continuada no sentido de melhorar o acesso e permanência do público da educação

especial em escolas regulares a promover a inclusão.

Oliveira (2018) realiza uma abordagem sobre as diferenças culturais e

identitária de professores surdos no ensino superior a partir de suas narrativas. A

pesquisa desvela os conflitos de afirmação de identidades entre cultura surda e

cultura ouvinte, pois estas desafiam e criam embates de posturas no âmbito

educacional. A pesquisa revela a infinidade de debates, produção da diferença e dos

muitos significados nas vivências entre surdos e ouvintes na formação do ensino

superior.

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O eixo (h) evidencia abordagens sobre as estratégias tecnológicas e suas

funcionalidades para a educação de surdos desde a formação de professores até o

aperfeiçoamento vocabulário de crianças surdas.

Quadro 10 : Eixo (h) EDUCAÇÃO DE SURDOS E TECNOLOGIA

Título da Pesquisa Autor (a) Ano Instituição Curso/área de conhecimento

Educação de surdos: um estudo sobre as Implicações da utilização de mediadores tecnológicos na formação de professores.

SCANTBELRUY, Iranvith

Cavalcante

2010

Universidade Federal do Amazonas

Dissertação de Mestrado em

Educação

Especificação e desenvolvimento de uma ferramenta voltada ao amadurecimento de vocabulário de crianças surdas.

CARVALHO, Nathállia Amaral.

2012

Universidade Federal do

Para.

Dissertação de Mestrado em

Ciência da Computação.

Fonte: Dados adaptados do Banco virtual de Dissertações da CAPES, 2017.

Scantbelruy (2010) aborda as implicações das Novas Tecnologias da

Informação para formação de professores surdos em Manaus. A pesquisa acontece

no âmbito do curso de Letras-Libras da Universidade Federal de Santa Catarina que

acontece no polo da Universidade Federal do Amazonas, em Manaus, os sujeitos da

pesquisa foram alunos surdos e corpo técnico pedagógico que contribuíram através

de entrevistas semiestruturadas. Os resultados sinalizaram que o uso da tecnologia

como mediação educativa contribui positivamente para a formação de educadores

surdos, especialmente quando abordam a língua se sinais e cultura visual, segundo

o autor. Estes fatores contribuem para que sejam reduzidas barreiras comunicativas

e exclusão social das pessoas surdas.

Carvalho (2012b) a autora levanta dados sobre a produção,

desenvolvimento e aplicação de uma ferramenta de informática que contribui para a

aquisição de vocabulário em língua portuguesa de educandos surdos. A pesquisa foi

desenvolvida no do Instituto Felipe Smaldone (IFS) em Belém – PA e apresentou

vários graus de dificuldades aplicados em conjuntos, fases e níveis valendo-se de

palavras escritas e Libras. Os resultados versaram sobre o potencial desta

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ferramenta para ampliação vocabular de surdos, segundo a autora isto auxilia na

comunicação, produção textual e diálogos amplos.

O último eixo (i) situa o “Ensino bilíngue para surdos” perpassa pelas

possibilidades a atreladas a surdez em articular conjecturas que envolvam os

sujeitos surdos e ouvintes em processo de atendimento dialogado com metodologias

de ensino e uso da tecnologia.

Quadro 11 : Eixo (i) ENSINO BILÍNGUE PARA SURDOS

Título da Pesquisa Autor (a) Ano Instituição Curso/área de conhecimento

Mãos Que Falam... Olhos que Ouvem: uma análise do letramento midiático para alunos

surdos em um contexto bilíngue.

CARDOSO, Raimunda Berenice Pinheiro.

2014 Universidade da Amazônia.

Dissertação de Mestrado em

Comunicação, Linguagens e

Cultura.

Surdez, bilinguismo e educação matemática: um (novo?) objeto de pesquisa na educação

de surdos

WANZELER, Edson

Pinheiro

2015. Universidade Federal do

Pará

Dissertação de Mestrado em

Educação em Ciências e

Matemáticas.

A proposta bilíngue na educação de surdos: práticas pedagógicas no processo de alfabetização no município de Colorado do Oeste/RO'.

MORET,

Marcia Cristina Florencio

Fernandes

2017

Universidade Federal de

Rondônia/Porto Velho

Dissertação de Mestrado Profissional em Educação Escolar.

Fonte: Dados adaptados do Banco virtual de Dissertações da CAPES, 2017.

A perspectiva do bilinguismo é adotada na pesquisa de Cardoso (2014b) a

partir do letramento midiático vivenciado pelo sujeito surdo para a sua aquisição da

Língua Portuguesa considerando o tripé: Cultura, Identidade e Letramento. Os

resultados indicaram a relevância do uso de mídias para a melhor compreensão e

aquisição da segunda língua oficial da pessoa surda, a Língua Portuguesa.

Assim, os sujeitos surdos usam de apropriações culturais para suas

representações pessoais acerca da surdez. A partir destes resultados a autora

pontua a possibilidade de um bilinguismo aliado aos fatores culturais pelo uso das

mídias.

Wanzeler (2015) estuda a interface da Educação Matemática e a Educação

de Surdos na perspectiva do bilinguismo. Realiza pesquisa bibliográfica e analisa

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dissertações de mestrado em Programas de Pós-Graduação em Educação

Matemática nas regiões norte/nordeste do Brasil no recorte temporal de 2006 a 2014

abordando desde as problematizações em pesquisas que tomam a matemática

como um eixo disciplinar de conteúdo complexo, àquelas que problematizam a falta

de preparação dos profissionais frente à inclusão de surdos e frente a pouca ou rara

fluência na Libras.

Moret (2017) lança olhar sobre a problemática da não alfabetização de

educandos surdos, o que implica em déficits em sua vida social. A autora

problematiza este viés a partir do ensino bilíngue. A pesquisa-ação buscou a

modificação da realidade de uma educanda surda do ensino fundamental e através

da implementação do ensino bilíngue verificou-se mudanças nos níveis de

aprendizagens a partir de materiais e métodos adaptados que consideram os

conhecimentos já adquiridos pela educanda surda em seu processo de formação

pessoal.

Os resultados conclusivos versaram sobre as percepções

sócio/educacionais e proporções que o bilinguismo toma nas análises de cada

pesquisador que visualizava em sua investigação perspectivas comunicativas de

surdos para além das clínicas, mas cidadãs.

Observa-se que entre as todas produções encontradas, apesar da grande

variedade de abordagens apenas uma versa sobe a compreensão cultural de um

sujeito surdo para além do espaço urbano, em uma perspectiva que ultrapassa a

educação escolar das cidades, mas visualiza o sujeito surdo em seu meio cultural.

A partir do Estado de Conhecimento constata-se temáticas da Educação de

Surdos em ambientes escolares e não escolares em âmbito urbano, analisando

práticas, metodologias, possibilidades educativas e reflexões sobre a educação de

surdos de maneira direcionada para esferas específicas.

Esta pesquisa redimensiona os estudos acerca da pessoa surda pois a

compreende numa conjuntura integral de pessoa (adolescente, negro, surdo) e em

contexto social (quilombola, estudante, sujeito cultural). Estas vertentes serão

indispensáveis para as análises de representações sobre si, sua concepção sobre a

surdez e educação na comunidade, sobre a negritude, a escola, sobre formações

pessoais, afetividades e posturas ativas frente a comunidade quilombola

majoritariamente negra e ouvinte.

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Assim, o apontamento instigante - e desafiador - desta pesquisa, é pensar

outras possibilidades de estudos culturais inclusivos a partir do lócus quilombola

estabelecendo novos debates, críticas e possibilidades sobre a inclusão social,

cultural, étnica e educativa da pessoa surda e negra a partir das suas próprias

representações sociais no cotidiano.

As pesquisas que vêm sendo realizadas em abordagens inclusivas

contribuem para a visibilidade e necessidade de inclusão social para além de

eventos legais inaplicáveis, mas aguça a realidade prática de pessoas com

deficiências em seu meio, evidenciam marginalizações e problematizam a “inclusão

social” que por entre esforços da comunidade surda e de militantes, chegam aos

centros urbanos, mas necessitam se ramificarem pelas comunidades rurais,

tradicionais ou não para que de fato as pessoas, espaços e sociedades e culturas

promovam a “inclusão”.

Neste sentido, através do diálogo entre educação de surdo que considere as

experiências do campo e étnicas, tanto quanto outras que envolvam as afirmações

de gêneros, políticas, econômicas e religiosas como vertentes de uma esfera maior,

a respeitar cada particularidade, é que se pode afirmar a inclusão, de outro modo

impera a segregação com “alegorias” inclusivas.

Skliar (1997) em uma análise gradativa crítica sobre a educação de surdos

atribui a esta, três razões de ser: a primeira, que diz respeito à educação especial

acontecer onde a educação de surdos deva ser debatida obrigatoriamente; a

segunda, onde a deficiência é uma linha contínua na qual os surdos têm que existir

junto à outras deficiências em um sentido homogeneizante; e a terceira razão:

diz respeito ao fato de que não se reconhecem aos surdos os diferentes e múltiplos recortes de identidade, linguagem, raça, cognição, gênero, idade,

comunidade, culturas etc. Os surdos, como tantos outros grupos humanos, são definidos apenas a partir de supostos traços negativos e percebidos como desvio da normalidade. Mas os processos de construção das

identidades não dependem de uma maior ou menor limitação biológica, mas sim de complexas relações linguísticas, históricas, sociais e culturais. Nesse sentido, não haveria nada em comum, por exemplo, entre um surdo e um

deficiente mental que separe esse surdo — ou esse deficiente mental — de uma criança de rua, de um indígena ou de um trabalhador rural (SKLIAR, 1997, p. 45).

O autor chama atenção para as particularidades de movimentos inclusivos

que discutam situações sociocultuais, ideológicas e políticas que evidenciem

discussões de cunho significativo sobre “alteridade, diferença, grupo subalterno,

colonização curricular, multiculturalismo crítico etc.” (Idem), sendo problematizados

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de maneira crítica. Partilhando destas discussões epistemológicas, é que se adentra

neste estudo onde são problematizadas experiências e representações

sociais/culturais educativas de um sujeito adolescente, negro, surdo e quilombola no

interior da Amazônia paraense.

2.2 Tipo e abordagem da pesquisa

A pesquisa se vale de fundamentos teóricos e metodológicos da “Teoria

das Representações Sociais” de Serge Moscovici (2003). O autor propõe uma

abordagem de estudos através da Psicologia Social onde os processos do

conhecimento são investigados a partir das práticas cotidianas.

Os estudos das Representações Sociais (RS) problematizam as relações

sociais educativas, a dialogicidade e o senso comum com metodologias e análises

múltiplas que perpassam a noção de que o senso comum do cotidiano seria apenas

um evento de reprodução acrítico. Moscovici percebe este como um processo pelo

qual os seres humanos dialogam entre si, se conhecem, interagem saberes por meio

de análises críticas partilháveis.

A importância da viabilidade das Representações sociais com ato

interacional cognitivo é visualizada por ser uma “forma de conhecimento prático [...]

conectando um sujeito a um objeto” (MOSCOVICI, 2003, p. 21). As Representações

Sociais reconhecem e explicam os fenômenos sociais de acordo com os Universos

Reificados e os Consensuais. Assim:

No universo reificado, a sociedade é transformada em um sistema de

entidades sólidas, básicas, invariáveis, que são indiferentes à individualidade e não possuem identidade. [...] Em um universo consensual, a sociedade é vista como um grupo de pessoas que são

iguais e livres, cada um com possibilidade de falar em nome do grupo e sob seu auspício (MOSCOVICI, 2003, p. 50).

O autor esclarece que alguns modos de fazer ciência, especialmente as que

lidam com procedimentos de tabulação exatas, estão enquadradas quanto universos

reificados, ao passo que as ciências sociais e humanas que exercitam a

Representações Sociais, se aliam aos universos consensuais.

São tipos de conhecimentos que validados cientificamente e dinamizados

em contexto social foram categorizados e compreendidos como fenômenos em seus

estudos. Para Moscovici o ser humano em seu potencial cognitivo busca aliar

conhecimentos para depois, serem evidenciados. O processo de reconhecimento de

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algum objeto ou informação, segundo o autor, perpassam inicialmente pelos

processos de Ancoragem, e posteriormente, de Objetivação.

A Ancoragem e a Objetivação são estratégias de reconhecimentos dos

sujeitos sobre os fenômenos desconhecidos que tendem a ser cognoscíveis, assim

consiste a transição de tornar algo não familiar, em familiar para que possa ser

inserido em um quadro de referências, o qual será examinado e utilizado, se

relevante, ou descartado se desnecessário. A ancoragem desenha-se:

pela classificação do que é inclassificável, pelo fato de dar um nome ao que não tinha nome, nós somos capazes de imaginá-lo, de representá-lo. De fato, a representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e

de denotação, de alocação de categorias e nomes (MOSCOVICI, 2003, p. 62).

Enquanto a ancoragem contempla a passividade interpretativa do fenômeno,

a objetivação lida com as exterioridades intersubjetivas que, partilháveis, se

intercruzam com noções outras e ganham significâncias em termos comuns e

singulares no conjunto social.

Segundo Moscovici (2003) a objetivação é responsável por tornar o que era

abstrato em algo concreto, associa elos cognitivos a ações práticas no mundo físico.

Em outra análise, Freire afirma que “Toda objetivação implica numa percepção que,

por sua vez, se encontra condicionada pelos ingredientes da própria realidade”

(FREIRE, 1983, p. 52), para o autor a objetivação é uma prática de consciência

crítica.

Nestes sentidos de “ancoragem – reconhecimento”, e “objetivação -

aplicabilidade” é que as representações sociais cotidianas do sujeito surdo são

abordadas posto que as experiências culturais educativas dele serão a espinha

dorsal das discussões e análises.

São a partir das representações intersubjetivas que os processos

educacionais em suas significâncias e conflitos serão evidenciados, principalmente

no que concerne aos tipos de aprendizado, às competências relacionais do

educando surdo, à interatividade cultural e o reconhecimento étnico vivenciada pelo

sujeito surdo de maneira singular.

Os estudos iniciais de Moscovici, ampliados, enveredaram por novos outros

questionamentos a partir de abordagens:

(1) processual ou sociocultural representada por Denise Jodelet, principal colaboradora de Moscovici; (2) perspectiva relacional, mais sociológica,

inaugurada por Willem Doise; (3) a estrutural desenvolvida por Jean-Claude Abric com ênfase no aspecto cognitivo-estrutural; e (4) dialógica de Marková

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voltada para a dimensão simbólica (SILVEIRA, 2011, p. 33 apud SOUZA,

2009) (grifos da autora).

Postas tais colocações analítico/reflexivas pondera-se que as

Representações Sociais estão viabilizadas, dentre outras: “[...] na comunicação e

nas práticas sociais: diálogo, discurso, rituais, padrões de trabalho e produção, arte,

em suma cultura” (JOVECHELOVITCH, 2013, p. 67).

Mediante vertentes complexas relacionais tangentes ao espaço quilombola,

relações de surdo/ouvintes, comunicação, aprendizados sociais e escolares esta

pesquisa assume abordagem processual. Segundo os estudos de Silveira (2011)

apud Alves-Mozzoti, Maia e Magalhães (2010), a abordagem processual se propõe a

conhecer os processos pelos quais as representações são formadas, considerando

as dinâmicas sociais e analisando as práticas que as geram e justificam.

Ao se debruçar sobre as vertentes teórico-analíticas que envolvem as RS,

Silveira (2011) argui que a abordagem processual “toma como foco os processos de

formação das representações sociais a partir do seu contexto de produção,

elaboração, comunicação e circulação” (SILVEIRA, 2011, p. 34). Para ela tais

eventos geram maior possibilidade de aproximação histórico, social e cultural com o

fenômeno estudado.

Ao inferir esta abordagem teórica aos estudos inclusivos entende-se que ela

se fará indispensável tanto para coleta de dados, em sua diversidade investigativa

por meio de vastos veículos de coletas de dados, quanto nas elaborações das

análises a corroborar com outras abordagens teóricas dialogadas. Nesse sentido:

As estratégias metodológicas para a abordagem do conceito de

Representação Social têm variado muito: desde entrevistas abertas, semi-estruturadas, questionários abertos e fechados, até escalas como as de “diferencial semântico” de Charles Osgood, desenhos e diversas

representações gráficas (LANE, 2004, p.64)

As representações sociais acontecem “[...] durante o processo de

transformação [em] que os fenômenos são mais facilmente percebidos”

(MOSCOVICI, 2003, p. 94-95). Estas transformações condizem com as

interpretações de mundo de cada sujeito que, em constante mudança, se aplicam no

cotidiano especialmente quando investiga percepções de um adolescente negro

surdo e quilombola.

Adentrando nas vertentes metodológicas, este estudo consiste em uma

pesquisa de campo, qualitativa. Chizzotti (2014, p. 28) explica que a pesquisa

qualitativa busca “[...] interpretar o sentido do evento a partir do significado que as

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pessoas atribuem ao que falam e fazem”. A investigação qualitativa demanda que os

procedimentos sejam correlacionados no sentido de coerências nas continuidades

processuais pelas quais a trajetória da pesquisa perpassará.

A necessidade de investigar sujeitos, cenários e condições socioeducacionais

e culturais na contramão de pareceres etnocêntricos, permite visualizar experiências

culturais por óticas diferentes do que foi afirmado por séculos como “padrão”.

Assimila-se nesta pesquisa abordagens que surgem no sentido de

compreender o sujeito surdo na sua integralidade pessoal, cultural e cidadã. Esta

pesquisa abre espaços para compreensões educativas e representações acerca das

vivências socializadas por um sujeito surdo que interage, apreende, dinamiza e

forma sua postura cidadã através da presença ativa e de diferenças dialogadas.

A pesquisa toma dimensão de um Estudo de Caso, pois este permite que ela

aconteça em seu contexto natural, pois ali ocorrem as relações educativas André

(2013).

A dimensão metodológica do Estudo de Caso toma corpo nesta pesquisa por

possibilitar desde a caracterização do estudo em suas especificidades, até os

processos interativos da pesquisadora com o meio ao qual investiga. Assim é

possível:

descrever ações e comportamentos, captar significados, analisar interações,

compreender e interpretar linguagens, estudar representações. [...] permitem compreender não só como surgem e se desenvolvem esses fenômenos, mas também como evoluem num dado período de tempo

(ANDRÉ, 2013, p. 97).

Estas possibilidades investigativas possuem rigor metodológico que destaca a

relevância do caso e as suas quais suas particularidades que merecem ser

abordadas. Ela destaca também o por que é relevante estudá-lo. Após visualizadas

as suas relevâncias é necessário ter consciência dos múltiplos elementos que o

caracteriza pois, apesar de se tratar de uma situação específica, ela não pode ser

compreendida fora de um contexto social significativo (ANDRÉ, 2013).

A pesquisa vale-se de levantamentos bibliográficos acerca das temáticas em

questão e para a compreensão do objeto de estudo foram feitos levantamentos

documentais escolares do sujeito da pesquisa, como por exemplo boletins escolares

e caderno de estudo respectivo ao ano de 2018.

Também foram realizadas observações de campo, registro de atividades em

um diário de campo e algumas estratégias de aproximação comunitária sócio

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interativas possíveis a partir de dinâmicas pedagógicas. Tais articulações

contribuíram com a pesquisa no sentido de viabilizar relações de confiança, observar

posturas, relações culturais dialógicas e opressivas bem como as contradições entre

o visualizado pela pesquisadora e o representado pelo educando surdo.

As multiplicidades de experiência e o longo período de ida a campo

contribuíram para percepções aprofundadas relacionadas a presença ativa do

sujeito surdo na comunidade, também contribuiu com expressões de afetividade

entre pesquisadora e comunidade quilombola nas conjunturas de coleta e

levantamentos de dados.

Entende-se que a compreensão dos fatos problematizados permite dialogar

com a realidade quilombola do interior da Amazônia paraense a vislumbrar

processos educacionais e culturais de um adolescente negro surdo, bem como as

estratégias adotadas em um cenário histórico social de marginalizações marcado

pela diferença depreciativa.

A entrada em campo apresenta-se como uma possibilidade indispensável

para compreensão do objeto em questão a fim de vislumbrar os processos

educacionais do cotidiano que envolvem fatores culturais educativos quilombolas

desde sua organização social/escolar até as estratégias comunicativas entre surdo e

ouvintes. Assim, a pesquisa de campo:

pressupõe um cuidado teórico-metodológico com a temática a ser

explorada, considerando que o mesmo não se explica por si só. [...] a atividade de pesquisa não se restringe aos usos de técnicas refinadas para a obtenção de dados. Assim, sublinhamos a ideia de que a teoria informa o

significado dinâmico daquilo que ocorre e que buscamos no espaço de estudo (CRUZ NETO, 1994, p. 56) [grifos do autor].

Nestes termos a necessidade interativa entre os rigores teóricos que

respaldam a pesquisa, aliados às estratégias de inserção em campo se intercalam

em completude pois nortearam as posteriores análises e categorizações de dados.

A articulação lógica entre os amparos teóricos, as orientações

metodológicas, levantamento de dados e as categorias analíticas aludem que a

entrada no campo de estudo dialoga com as posturas éticas necessárias para as

relações entre pesquisadora, comunidade, sujeito e objeto de estudo.

A pesquisa assume enfoque fenomenológico, pois desde a entrada em

campo até os levantamentos e análises de dados serão estabelecidas estratégias

descritivas, pois as Representações Sociais de cada indivíduo se solidificam no

mundo através de suas concepções e formações subjetivas, as quais merecem ser

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compreendidas em seus significados próprios. Neste sentido “[...] a fenomenologia é

a ciência descritiva dos fenômenos da realidade como ela é” (PETRELLI, 2001, p.

40).

A fenomenologia enquanto ciência se afirma epistemologicamente a partir

dos estudos de Husserl no século 20, o autor relaciona as abordagens sociais

filosóficas aos fenômenos sociais em suas particularidades e considera a ação e

introjeção intersubjetiva e consciente dos sujeitos.

A fenomenologia busca correlacionar elementos significativos do cotidiano,

neste sentido ela perpassa por processos de abstração, cognição e ação pautados

na: significabilidade; intencionalidade; redutibilidade; compreensibilidade;

transcedentalidade; questionabilidade; indissociabilidade entre Sujeito e Objeto;

intersubjetividade; cotidianicidade; hermeneuticidade (MÉLO, 2015).

Todos estes elementos elencados acima são partícipes dos fenômenos

sociais e comunitários que partem das relações entre sujeitos e corroboram nos

ambientes simbólicos e práticos do dia a dia.

Quando Mélo (2015) situa alguns princípios da Fenomenologia, alguns deles

aclamam pontos próprios da psicologia sociocultural onde a ciência pode e deve

atuar ponderando as capacidades cognitivas de ação, assimilação, reflexão,

reprodução e, enfim, revolução, pois o cotidiano de cada sujeito é invadido por fluxos

que tomam formas a partir de representações sociais.

O enfoque fenomenológico contempla os fenômenos e compreende cada um

segundo a sua redutibilidade para vislumbrar a sua essência, a partir de onde se

originam; a sua vertente questionadora possibilita organização dados

inteligíveis/problematizadores ligada à sua essência; contempla a reciprocidade

dialógica entre sujeito e objeto em suas interligações de relevâncias cognitivas; e,

sua abordagem interpretativa hermenêutica se pauta nas impressões das

interpretações dos sujeitos em consonância com os fatos que eles ponderam ser de

relevância para sua vida (MÉLO, 2015).

Para fins de compreensão acerca de como as relações de subjetividade e

objetividade estão postas no cotidiano quilombola entre surdo e ouvintes faz-se

necessário contemplar as articulações relacionais formativas como pontos

entrecruzados, pois a individualidade do ser “não se produz num vácuo, antes é

moldada pelas formas sociais disponíveis, e, evidentemente, por nossas interações

com os outros” (APPIAH, 2016, p. 22).

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Nestes termos as representações do sujeito adolescente negro, surdo e

quilombola, implicam em descrições de fatores experenciais que no cotidiano se

constituem entre conflitos, significações e práticas.

A pesquisa evidencia as importâncias dos símbolos cotidianos em suas

significâncias para a formação do sujeito negro surdo, as simbologias relacionadas

ao estar sendo no mundo, por entre processos educativos sociais e escolares,

percepções culturais, relacionais e dialógicas. Petrelli (2001) salienta que os

fenômenos interagem com a vida cotidiana na medida em que as relações entre

fatos são constantes e significativas em suas subjetividades e em seus conjuntos.

Os saberes das experiências no espaço social e cultural quilombola é

movido historicamente por situações de aprendizados que perpassam por mudanças

e continuidades no decorrer do tempo. São situações que, pensadas no sentido

educativo, permitem a visualização de uma organização social complexa e ao

mesmo tempo fluida, onde cada sujeito as vivencia e a ressignifica de acordo com

as suas potencialidades e vivências relacionais.

A pesquisa conta com uma observação participante no âmbito social

comunitário e escolar, compreendendo que “[...] nas interações sociais vivenciadas

em seu ambiente de trabalho, de lazer, na família, torna-se fundamental uma

aproximação do pesquisador a essas situações” (ANDRÉ, 2013, p. 97), para melhor

compreender as dinâmicas ocorrentes no cotidiano do sujeito surdo com seus pares

ouvintes.

Tais perspectivas teóricas contribuem em suas relevâncias como aportes da

pesquisa por meio das quais as informações serão processadas, problematizadas e

verificadas de acordo com o tema em questão (FLICK, 2009).

Entender que os aprendizados se fazem no cotidiano, até mesmo no silêncio

implica compreender que para além dos sentidos biológicos do corpo humano, a

percepção faz parte de um todo contextualizado a envolver ocasiões, sujeitos,

formas de conversações e aprendizados.

2.3 Locus da pesquisa

O quilombo de Boa Esperança, já faz parte de um contexto de pesquisas

que se decorrem para fins acadêmicos e socioculturais inclusivos desde 2016. Tais

pesquisas abordaram: a questão da inclusão de um surdo a partir das suas relações

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entre família, escola e comunidade9; outra, realizada em 2017, diz respeito às

representações sociais dos quilombolas sobre seus saberes/fazeres cotidianos

quanto processos culturais educativos a vislumbrar os percalços sob os quais estes

saberes estão envoltos observando suas continuidades, rupturas, relevâncias,

contradições e desmerecimentos na dada comunidade10.

Assim, o interesse pelo tema advém dessas pesquisas a partir das quais

houveram abordagens a fomentar estudos sobre uma comunidade culturalmente

marcada por tradições orais, por seus traços étnicos culturais e também, em grande

relevância, pela arte do aprender pela observação, testes, aplicações e realocações

de saberes.

Postas estas considerações faz-se necessário estabelecer um breve

panorama histórico contextual sobre o município sede do quilombo, bem como

elucidar o contexto histórico e social do quilombo de Boa Esperança.

2.3.1 Município de Cametá/PA: breve contexto

A cidade de Cametá foi fundada em 24 de dezembro de 1635 por Feliciano

Coelho de Carvalho, ficando conhecida inicialmente como Vila Viçosa de Santa Cruz

do Camutá11. A cidade está situada no nordeste paraense alcançada pelo Rio

Tocantins em sua margem esquerda. Possui, segundo levantamentos do

IBGE/2017, cerca de 120.896 habitantes distribuídos por uma faixa territorial que

abrange uma área de 3.081,367 km2 entre várzeas, campos e área urbana,

“Atualmente, Cametá conta com mais 548 localidades e nove distritos” (CORRÊA,

2017, p. 19).

É ilustrada a seguir a cartografia de Cametá/Pará em duas imagens, a

(imagem 1) situa o município dentro da macrorregião paraense e o mapa posterior

(imagem 2) mostra o território especificado do município com as suas microrregiões:

distritos e localidades, onde aponta-se a localização do quilombo de Boa Esperança

e sua relativa distância em relação ao espaço urbano do município sede. Assim, a

9 Monografia de Especialização em História Afro-brasileira e Indígena (UFPA/CUNTINS) de autoria da

Prof.ª Vera Lobato sob orientação da Prof.ª Me. Waldma Oliveira e Coorientação do Prof.º Dr.º Luíz Augusto Leal com o tema: “Surdez e Negritude: inclusão sócio/educacional em uma comunidade

quilombola de Cametá – PA”. 10 A pesquisa foi desenvolvida para ser apresentada à disciplina Epistemologia da Educação no curso de Mestrado Stricto Sensu PPGED-UEPA, 2017. 11 Disponível em: biblioteca.ibge.gov.br; Acesso em 23.05.2018.

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pesquisa ressalta que a localização da comunidade estudada está situada nos

extremos limites do município observando a dificuldade de acesso ao local.

Imagem 1: Localização de Cametá-PA

Fonte: https://www.google.com/search?q=CAMETA

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Imagem 2: Território de Cametá (Microrregião)

Fonte: Secretaria Municipal de Cametá, 2018 (adaptada).

Como é possível observar na imagem a geografia do município é diversa e

extensa, encontra-se envolvida pelo rio Tocantins. A realidade do município consiste

em grande faixa territorial, cercada por ilhas e vilas, todas organizadas em distritos.

As delimitações de cada distrito estão organizadas no mapa em diferentes cores,

segundo Corrêa (2017, p. 21) “Cada Distrito tem sua sede em uma Vila e é formado

por inúmeras localidades ribeirinhas e de terra firme”.

A área sede está definida de amarelo indicando que ali, dentre tantas

especificidades, se concentra a administração e os três poderes que regem a

estrutura social, econômica e política do município como um todo.

De laranja está o Distrito de Carapajó, um importante espaço geográfico que

pode ser entendido como uma das principais portas de entradas no município sede

pois dá acesso a ele via transporte aquaviário em uma travessia de 00H:45min de

lancha, ou 1H: 20min de balsa. A outra entrada ao município sede se dá pela Br 422

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conhecida como Trans-Cametá/Tucuruí, também importante na dinâmica de entrada

e saída do município.

O quilombo de Boa Esperança pertence ao distrito de Juaba definido na cor

salmão no mapa. Segundo Pinto (2007) o distrito de Juaba tem fortes veias

históricas de resistência negras onde se formaram os primeiros quilombos e

mocambos da região tocantina, logo muitas comunidades negras foram se

disseminando pelos espaços próximos partilhando o uso coletivo da terra,

constituindo comunidades negras de base agrícola e pecuária. Estas comunidades

têm características de organização social de base familiar, se auto afirmam negras e

quilombolas.

Dado este breve panorama sobre o município, apresenta-se a seguir eixos

específicos sobre o lócus de estudo, Boa Esperança.

2.3.2 Comunidade Quilombola de Boa Esperança contextos históricos e atuais

de pesquisa

O quilombo de Boa Esperança em suas vertentes histórico/formativas foi

constituído por negros e negras que chegaram ao local. Segundo Lobato (2016) as

pessoas entrevistadas:

não souberam especificar o tempo exato em que a comunidade foi fundada, assinalam um tempo maior que cem anos. Quanto aos responsáveis pela fundação da comunidade é atribuído irmãos

“Custódio Ribeiro, Juventino Ribeiro e, um irmão, João Vergulino” (Entrevistado Elias). (LOBATO, 2016. p. 57).

A pesquisa de Lobato (2016) aponta que estes irmãos responsáveis pela

primeira organização do espaço faziam parte de uma comunidade relativamente

próxima a Boa Esperança cercada por um extenso rio que leva o mesmo nome da

localidade chamada Cupijó.

A autora ainda relata que a apropriações de terras do espaço que hoje forma

o quilombo de Boa Esperança teve sua origem a partir de ocupações devolutas onde

as primeiras famílias que povoaram o espaço não haviam sofrido com experiências

de escravidão ou situações semelhantes. Segundo os entrevistados, anciãos da

comunidade, o nome dado ao quilombo não tem matriz histórica que o fundamente,

a informação cedida foi que a escolha se deu de forma independente.

O quilombo de Boa Esperança está sendo marcado neste estudo como meio

de interrelações educativas, é analisado quanto elemento indispensável para se

compreender as representações sociais do sujeito surdo, pois engloba articulações

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de subsistência familiar, de resistência étnica, de perpetuação e reinvenção cultural,

de percepções das diferenças, de conflitos identitários, de continuações históricas

não lineares e de articulações políticas, econômicas, sociais, religiosas que

dinamizam o espaço.

De todas estas vertentes, cabe analisar este espaço em suas fronteiras

inclusivas e suas possibilidades de diálogo entre aceitação da diferença, ou da

marginalização excludente. Tais análises e reflexões estão ancoradas a partir das

experiências culturais educativas vivenciadas por um adolescente negro surdo em

diálogo com seus pares ouvintes.

O acesso ao quilombo de Boa Esperança se dá pela BR-422, conhecida

como Transcametá/Tucuruí em seu Km 44 (Imagem 3). O acesso ao quilombo de

Boa Esperança perpassa inicialmente por um Ramal de 4 Km que leva ao quilombo

de Porto Alegre (Imagem 4). Após a chegada em Porto Alegre, percorre-se mais 6

Km por um novo ramal que o liga à comunidade de Boa Esperança.

Imagem 3: Br – 422 Imagem 4: Ramal de acesso a Porto Alegre

Fontes: Arquivo pessoal (LOBATO, 2018).

As imagens anteriores foram feitas pela pesquisadora de dentro do ônibus

que faz linhas diárias de Porto Alegre/Cametá/Porto Alegre12. A imagem 3 mostra as

condições da Br-422 como uma via larga quase intransitável durante o inverno e a

12 O tempo de duração de viagem varia de 1H: 30 min, no verão amazônico, e 2H: 15 min, no inverno amazônico. Este tempo é estipulado segundo as condições da BR 422, pois o asfaltamento desta se limita a 4 Km da saída do município de Cametá, sendo os demais percursos viabilizados por estrada

de terra (Diário de Campo, LOBATO, 2017).

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imagem 4 mostra o ramal de acesso, um pouco mais estreito, que se inicia no Km

44 da Br sentido Cametá-Tucuruí e culmina na comunidade de Porto Alegre.

Este é o único percurso que dá acesso ao quilombo de Boa Esperança, a

localizado a 6 Km de Porto Alegre. Tem-se assim um total de 54 KM de distância em

relação ao município sede, Cametá-PA até o lócus da pesquisa.

Fontes: arquivo pessoal (LOBATO, 2018).

As imagens acima mostram parte do percurso realizado para se chegar até o

lócus da pesquisa. Para além do sentido ilustrativo, as imagens mostram os desafios

enfrentados durante os processos de início e finalização da pesquisa. A (imagem 5)

mostra o ramal de acesso a Boa Esperança, bem como a motocicleta, tipo de

transporte utilizado para o deslocamento da pesquisadora diariamente para chegar

na comunidade estudada, Boa Esperança.13 A (imagem 6) representa a entrada de

Boa Esperança.

Lobato (2016) apresenta a estrutura, sócio espacial organizativa do quilombo

a partir de uma iconografia realizada por uma artista de Porto Alegre.

13 As famílias quilombolas de Porto Alegre: Borges e Gonçalves; além de acolherem a pesquisadora em seus lares, se dispuseram em revezamentos constantes para levar em ir levar e buscar a

pesquisadora de motocicleta diariamente.

Imagem 6: Entrada do quilombo de Boa Esperança

Imagem 5: trecho do ramal de acesso a Boa Esperança

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Imagem 7: Estrutura Sócio/Espacial do Quilombo de Boa

Esperança

Lobato (2016, p. 54)

Ao analisar o mapa acima percebe-se que foi elaborado no sentido de dar

visibilidade a organização espacial de Boa Esperança. As casas estão organizadas

em volta do Barracão Comunitário este sedia eventos, festejos, reuniões, aulas

contínuas do fundamental menor e eventos religiosos referentes à padroeira, Nsa.

Sra. Do Bom Tempo14.

As casas circundam o Barracão e permitem a compreensão de que a

socialização é um elemento fundamental na comunidade. Ali inexistem igrejas ou

terreiros de qualquer vertente religiosa, a religiosidade se limita apenas aos festejos

que ocorrem em julho no aniversário da padroeira.

A imagem anterior quase que homogeneiza as residências quando da sua

estrutura, entretanto é importante ressaltar que a partir do conhecimento espacial da

comunidade algumas casas possuem estruturas de alvenaria, outras de madeira, e

outras em número reduzido de barro.

Essa representação iconográfica é datada de 2016, atualmente, a partir de

idas a campo percebe-se o acréscimo de novas casas indicando as formaçõe de

novas famílias quilombolas que se constituiram entre 2016-2018. Assim, a figura

ilustrada é passível de muitas interpretações.

Outra reflexão acerca da imagem, permite problematizar a não evidência dos

roçados ou áreas de plantação que são tão importantes para a manutenção social,

14 Visível em Lobato (2016, p. 60).

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econômica e cultural da comunidade, para além disso tais espaços dinamizam os

processos de interrelações sociais familiares em consonância com o

comunitário/urbano.

Postas estas considerações é ressaltado que apesar de alguns

apontamentos referentes à estrutura socioespacial de Boa Esperança, a cartografia

ilustra fielmente a organização do lugar. Após a finalização da pesquisa, Lobato

(2016), dispôs uma cópia do trabalho e do mapa à comunidade para seus usos em

trâmites necessários. O quilombo possui cerca de 33 famílias negras e naturais da

própria comunidade, a maioria ouvinte e uma pessoa surda.

A Escola Municipal de Ensino Fundamental Boa Esperança - como

exemplificado na cartografia - fica localizada próximo a entrada de acesso ao

quilombo. Cogita-se que a motivação para tal localização seja um ponto estratégico

da entrada e saída na comunidade a facilitar o acesso de educandos que moram na

dispersão do ramal.

A estrutura espacial escolar comporta apenas uma sala de aula em seu

interior. Pedagogicamente a escola trabalha o sistema de ensino multisseriado que

abrange desde a Educação Infantil até o 5.º ano do Ensino Fundamental. Devido o

contingente de crianças e adolescentes de várias faixas etárias ser significativo, as

turmas são distribuídas simultaneamente entre escola e Barracão Comunitário. A

seguir é ilustrada a imagem da área frontal da escola.

Imagem 8: Escola de Boa Esperança, Cametá-PA

Fonte: (LEAL; LOBATO; OLIVEIRA; 2017, p. 94).

A estrutura da escola tem paredes de madeira, piso de cimento, telhas de

barro. Em seu interior além de uma sala de aula existe outra sala pequena (à direita

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da imagem) pensada inicialmente para ser a secretaria escolar, atualmente inativa, o

espaço destinado a banheiro também não funciona15. As carteiras são todas de

madeira, a exemplo da que se apresenta na imagem próxima a entrada principal do

recinto.

Tem-se uma estrutura precária para ducação multiseriada onde educandos

com necessidades educacionais especiais também frequentam. Estruturalmente as

mazelas em que a educação do campo está envolta é alarmante, cabem

problematizações e questionamentos acerca do assunto que podem gerar debates

frutíferos para pesquisa futuras. Contudo, os esforços por uma formação cidadã e

digna são percebidos pelas famílias (maioria analfabeta funcional) dos discentes

que, com todas as dificuldades possíveis, acreditam que a Educação é um processo

necessário para formação de cada um.

A pesquisa de campo teve início em meados de junho a início de outubro de

201816. Junho (caracteriza período avaliativo de Raul, concomitante a Copa do

Mundo de futebol), julho (mês da Festividade Religiosa do local), agosto (marca a

volta às aulas), setembro e outubro17 (períodos de vivências e recreações entre

pesquisadora, Raul e comunidade).

A pesquisa teve por característica a dinamicidade de espaço nos quais as

relações culturais de aprendizados foram possíveis, destes espaços pode-se citar a

casa do forno, o barracão comunitário, campos de futebol, demais espaços da

comunidade e com muita ênfase, o espaço escolar.

A escola se apresentou como um dos poucos espaços com estrutura para se

desenvolver atividades e reunir o público que se sentia à vontade para participar18.

Ao fim da primeira semana que a pesquisadora estava frequentando com

assiduidade a comunidade, as crianças e os demais sujeitos a acolhiam com

considerável afeto e receptividade.

15 O nível de precariedade do espaço é grande, além das péssimas condições na sala de aula, sem ventiladores, os educandos são privados de ter o mínimo de saneamento básico na escola. Quando há a necessidade de os educandos irem ao banheiro ou precisarem beber água, tendem a frequentar

a casa do professor da turma que fica próxima a escola. 16 A pesquisa de campo não se restringiu a este período apenas, pois sempre que necessário a pesquisadora retornava à comunidade e a cada retorno percebia alterações relacionadas ao sujeito

da pesquisa. Um dos últimos dados datam de janeiro de 2019. 17 A pesquisa presencial constante perpassou por tais meses, mas vale salientar que havia a

necessidade da pesquisadora ir até a comunidade em novas ocasiões nas quais eram coletados novos dados, estes períodos alcançam o início de 2019. 18 Deste público destacamos a participação de crianças das mais variadas faixas etárias,

adolescentes, jovens e até mesmo adultos.

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Ao considerar que o espaço escolar é um ambiente de vivências, formações,

aprendizados, diálogos, conflitos e relacionamentos a pesquisadora se mantinha

alguns dias da semana realizando observações acerca das vivências surdo/ouvintes

em sala de aula, e nos fins de semana, quando conseguia, se propunha a realizar

atividades e dinâmicas pedagógicas com o adolescente surdo e as crianças e

adolescentes ouvintes.

A festividade religiosa da padroeira do quilombo de Boa Esperança, Nsa.

Sra. Do Bom Tempo, ocorre na comunidade de 15 a 27 de julho. O seu início é

marcado pelo Levante do Mastro na data de 15 de julho, nas noites sequenciais

ocorrem as novenas realizadas no Barracão Comunitário.

Nas noites de novenas as comunidades vizinhas participam como

convidadas, responsáveis pela liturgia em um dia específico até o dia 24. No dia 25

acontecem torneios de futebol masculino e feminino onde várias comunidades

vizinhas também participam, e a noite ocorre a festa dançante. No dia 26 realizam-

se bingos beneficentes em prol da própria festividade, e no dia 27 pela manhã tem-

se o fim da festividade com a derrubada do Mastro.

2.4 Sujeito da pesquisa

A pesquisa contempla as representações sociais, processos educacionais

sócio escolares e vivências culturais de um adolescente negro surdo, sujeito que

partilha experiências cotidianas no quilombo de Boa Esperança.

Para que as relações dialogadas fossem possíveis a pesquisa contou com o

auxílio de um adolescente intérprete da própria comunidade que ofereceu apoio nas

dinâmicas pedagógicas, observações e forneceu informações importantes sobre a

relação sinalizada dele com o adolescente surdo.

A participação do adolescente ouvinte nesta pesquisa é de suma

importância para os diálogos, estratégias e possibilidades de aproximações com o

adolescente surdo, seu amigo. Na pesquisa ele assume função de intérprete no

sentido de ser um facilitador das relações de aprendizagens e saberes, sendo ele de

valiosa importância para esta pesquisa, adiante apresenta-se seu perfil em um

quadro demonstrativo.

De acordo com os termos éticos da pesquisa, a o adolescente colaborador

intérprete bem como sua família assinaram o Termo de Consentimento Livre

Esclarecido, Termo de Imagem e Som e o Termo de Assentimento do menor,

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concordando em participar da pesquisa. Abaixo é ilustrado um quadro com as

informações básicas do adolescente ouvinte, que é identificado de forma fictícia por

Renato.

Quadro 12: Renato - Adolescente intérprete

Nome

Fictício

Idade Sexo Formação

Escolar

Turno de

Estudo

Ano

Renato Entre 12 e 13 anos

Masculino 5.º Ano Tarde 2018

Fonte: Elaboração Própria

A seguir é ilustrada uma foto de Renato:

Imagem 9: Renato (Intérprete)

Fonte: arquivo pessoal (LOBATO, 2018).

A participação de Renato é de extrema relevância para o corpus desta

pesquisa, ele soma a ela quanto um agente colaborativo, sendo sujeito colaborativo.

Em suas participações podem-se notar características de educação cotidiana

cultural de bases freireanas, como a humanização, amorosidade e o diálogo. Apesar

do sujeito da pesquisa ser um adolescente negro surdo quilombola, compreende-se

que a sua existência ganha sentidos outros quando é dinamizada entre seus pares.

Os critérios de escolha do sujeito da pesquisa estão interligados aos fatores:

surdez, negritude e espaço étnico. Neste sentido, o sujeito da pesquisa é

identificado por um pseudônimo a fim de resguardar a sua identidade a zelar pela a

ética da pesquisa. Considerando tais perspectivas metodológicas, é ilustrado a

seguir um quadro com algumas referências do adolescente surdo.

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Quadro 13: Participante (Surdo)

Nome Fictício

Idade Sexo Formação Escolar

Turno de Estudo

Ano

Raul Entre 16 e

17 anos

Masculino 4.º Ano Tarde 2018

Fonte: Elaboração Própria

O sujeito, identificado como Raul, contribui para que a suas perspectivas

interrelacionais, educativas, culturais e escolares fossem visualizadas e

problematizadas no âmbito quilombola onde ele convive desde a infância sendo o

único surdo da comunidade, mas não a única Pessoa com Deficiência19. O nome

fictício de “Raul” foi escolhido aleatoriamente.

A entrada prévia em campo e os diálogos com a família e o educador que

leciona na classe multisseriada de 4.º e 5.º ano elucidaram que a formação escolar

de Raul encontra-se estagnada no 4.º ano desde 2015, “justificado” por vários

motivos: I) o educador não tem formação para trabalhar com educandos com

necessidades especiais de aprendizado; II) a Secretaria Municipal de Educação

(SEMED) não oferece apoio didático nem técnico pedagógico para suprir tal

demanda; III) a escola não tem estrutura para atender o público da educação

especial; IV) descaso governamental com a formação escolar quilombola.

Estes apontamentos mencionados acima elucidam apenas um aparcela do

que a realidade escolar de Boa Esperança vivencia em seu cotidiano. Existe um

déficit considerável no que tange às ações docentes e o descaso de um

acompanhamento por parte da SEMED em oportunizar suporte necessário para que

a educação quilombola e a educação especial dialoguem de maneira eficiente para

a vida cidadã de cada educando.

2.5 Procedimentos metodológicos e Etapas da coleta

A ida a campo e coleta de dados ocorreram no período de agosto a outubro

de 2018 no quilombo de Boa Esperança onde foram observados como ocorrem os

processos educativos culturais, sociais e escolares de Raul através dos quais ele

dinamiza suas vivências cotidianas na relação comunidade quilombola.

19 Durante a entrada em campo (2018) através de conversas informais pode-se ter ciência de

crianças quilombolas com Deficiência Intelectual que também frequentam a escola.

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Assim as abordagens das RS possibilitam a compreensão das suas

percepções sobre seu processo educativo formativos e suas relações interpessoais

étnicas no quilombo. Os procedimentos metodológicos adotados são: a)

levantamento bibliográfico; b) levantamento documental; c) observação participante;

d) aplicação de dinâmicas pedagógicas; e) sistematização e análise dos dados; f)

cuidados éticos.

a) Levantamento bibliográfico

O levantamento bibliográfico contribui na formação da pesquisa desde as

abordagens mais simples até as mais complexas, pois são através deles que

pensamentos são articulados fundamentando questionamentos emergentes.

O levantamento bibliográfico delineia os parâmetros a serem investigados,

bem como dialoga com temáticas diversas envolvendo as Representações Sociais,

Educação cultural cotidiana, Educação escolar e alfabetização, Formação pessoal e

adolescência, Inclusão e comunidade quilombola, entre outras.

Em relação ao tema educação, o levantamento bibliográfico foi realizado a

partir de leitura de teóricos como Freire (1979/1981/2002) e Skliar (2010), Furtado

(2016), Arroyo (2011) entre outros.

Paulo Freire (1981) se volta para as problemáticas socioculturais e as

relações de poder na perspectiva educacional, problematizando a educação que

enclausura o educando, que não dialoga com seus conhecimentos e toma este

último como um sujeito passivo. O autor aponta caminhos educacionais baseados

no diálogo entre saberes, de uma educação não conteudista curricular e voltada à

prática do cotidiano de cada sujeito.

Carlos Skliar (2010), problematiza os processos educativos,

comunicacionais e existenciais de surdos. O autor busca contextualizar a inclusão

de forma sensível pela história de cada sujeito a partir de sua realidade social e

cultural. Defende as especificidades de uma educação inclusiva significativa,

enfatiza potencialidades e dialoga a surdez nas perspectivas clínicas e a

socioantropológica.

Furtado (2016) traz debate sobre a dupla diferença quando aborda “Surdez e

Negritude” considerando narrativas de pessoas negras surdas que evidenciam,

principalmente em âmbito educacional escolar o estigma de estereótipos em suas

representações marginalizadas. A autora enfatiza em seu estudo o mito da

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democracia racial, o conceito de eugenia, diferença e o conceito de “dupla

diferença”.

Miguel Arroyo (2011) lança olhares críticos sobe as políticas públicas e

atuação da escola quanto instituição que marginaliza e exclui aqueles já

marginalizados e excluídos pela sociedade racista, meritocrática, normalista e

preconceituosa.

Para elucidar debates sobre quilombos em suas dimensões sociais e

históricas Almeida (2011) oferece subsídio teórico, sobre compreensões destes

como espaços marcadamente étnicos de identidades dialogáveis e compreendido

em uma perspectiva de auto reconhecimento, alheio ao conceito de quilombo

estático dos séculos 18 e 19.

No que tange a quilombos da Amazônia paraense, em especial na região do

Baixo Tocantins são dialogados escritos de Pinto (2007) e Corrêa (2017) que

contextualizam a dinâmica social que as comunidades quilombolas do baixo

Tocantins percorreram historicamente.

O espaço quilombola possui um vínculo histórico étnico relacional baseado

nas premissas de sociedade familiar, tendo a terra como um bem comum a todos

(ALMEIDA, 2011), logo há uma dimensão extensiva de trocas de saberes com bases

conceituais tradicionais e atuais que envolvem a sociedade através de mecanismos

experienciais, evidenciados historicamente por vias da oralidade e das observações,

assimilações e aplicações.

Pinto (2007) elucida em sua pesquisa as nuances que envolvem os quilombos

amazônicos da região do Baixo Tocantins/PA. A autora traça um breve percurso

histórico das formações quilombolas desta região, ao passo que envolve os traços

culturais quilombolas e suas práticas cotidianas a interligar saberes e crenças, suas

contradições e continuidades a partir da oralidade, mas também dos ritos que

envolvem a corporeidade da dança.

A autora estuda as comunidades quilombolas em suas tradições musicais e

corporais envoltas pelo “Samba de Cacete e Banguê”20. Nesta conjuntura a autora

complementa o processo histórico das formações dos primeiros quilombos na região

de Cametá/PA, suas estruturas, e os primeiros mocambos, também definidos por

elas como “mini-quilombos” que datam da segunda metade do século XVIII.

20 Musicalidade, ritos e danças característicos das comunidades rurais/tradicionais.

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Outro autor que discute processo histórico/cultural de comunidades

quilombolas cametaenses é Corrêa (2017) que também contribui com estudos para

a compreensão das formações quilombolas na região do Baixo Tocantins/PA. Ele

realiza um estudo criterioso sobre as ramificações quilombolas e suas origens

histórico/formativas, sendo complementar aos estudos de Pinto (2007) e indo além

no que se refere a novas abordagens étnicas, culturais e históricas dos quilombos

da região.

No campo da Teoria das Representações Sociais, dialoga-se com Moscovici

(2003), pioneiro nos estudos psicossociológicos das RS, dentre outros autores. O

autor lançar mão à problemáticas que envolvem comunicações, conhecimentos,

senso comum, vivência e aprendizados cotidianos em as suas aplicabilidades e

significâncias sociais de indivíduos em sociedade, para Moscovici as influências

sociais, seus contextos que implicam modificações nas vidas humanas são

passíveis de análises, contextualizações e abordagens críticas.

As abordagens sobre “Adolescência e formação pessoal cidadã” partem dos

estudos de Coimbra, Bocco e Nascimento (2005), e Ribeiro (2011). Os

apontamentos que as autoras trazem aludem a desmistificação da adolescência

quanto um período de conflitos, de identidades marcadas ou pré-definidas, para elas

a adolescência configura a formação pessoal de cada indivíduo, pois marca o

amadurecimento quanto a conscientização cidadã para tomadas de decisões e

construções de si. Tal construção se dá em transições validadas pelas percepções

subjetivas e atuação no mundo.

b) Levantamento Documental

O levantamento documental se fez indispensável, pois o processo educativo

escolar de Raul é marcado por defasagens estruturais e metodológicas. Assim o

contato com seus boletins escolares e caderno de atividades possibilitaram a

visualização aprofundada dos percalços educativos que embargam sua progressão

estudantil.

Le Goff (1994) contextualiza tal instrumento como valioso para análises, pois

contribui e evidencia finalidades para as quais o documento é criado. O autor

adverte: “O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um

produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham

o poder” (LE GOFF, 1994, p. 545).

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A partir dos documentos é possível visualizar contradições, conflitos,

resistências, opressões e relações dialógicas, especialmente quando a abordagem

refere as percepções sobre educação e formação cultural de pessoa surda.

c) Observação participante

Outro procedimento metodológico de grande relevância foi a observação

participante, esta, em suas vertentes epistêmicas “[...] coloca o pesquisador à

realidade estudada” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.9), condicionando-o a dialogar e

compreender as relações culturais educativas, visualizar as noções de poder,

articulações dialógicas a visualizar como as relações de aprendizados são

percebidas e vivenciadas pelo sujeito surdo junto na comunidade.

Nestes termos a pesquisa compreende a problemática da educação cultural

e inclusão, experiências sociais vivenciadas pelo sujeito surdo e observada pela

pesquisadora. A aproximação com o meio social quilombola, permitiu melhor

compreensão das dinâmicas de relações entre os pares, as percepções culturais e

noções de aprendizados cotidianos. A importância da pesquisa participante se dá:

quando o pesquisador convive com pessoas reais e, através delas, com

culturas, grupos sociais e classes populares. Quando comparte com elas momentos redutores da distância do outro do seu cotidiano (BRANDÃO, 1987, p. 13) [grifos do autor].

Brandão (1987) problematiza que os sentidos do pesquisar se atinam

quando os desconhecimentos e diferenças que compõem sujeito, lócus e

pesquisador se encontram a partir da alteridade, na compreensão de que participar

com o outro entre singularidades múltiplas possibilita aprendizados e implica na

formação pessoal e política da pessoa pesquisadora.

A observação complementará as análises e percepções culturais através de

registros em um diário de campo. O objetivo deste correlaciona fatos relevantes

ocorrentes no seio da pesquisa empírica a realizar descrições “do modo de vida, da

cultura e da estrutura social do grupo [e sujeito] pesquisado” (CHIZZOTTI, 2014, p.

72). Neste caso, na vida social, educativa e cultural de um adolescente negro surdo

quilombola em interrelação com seus pares ouvintes.

Considerando que Raul vivencia o cotidiano do quilombo a partir de

percepções visuais, interações simbólicas por meio dos sinais caseiros,

compreensões culturais e traços corpóreos - pois não conhece a Libras - a pesquisa

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se desenvolve, também, pelo uso de dinâmicas pedagógicas que auxiliaram na

aproximação da pesquisadora junto ao sujeito da pesquisa e a comunidade.

A inserção em campo possibilitou a execução de dinâmicas previamente

pensadas, algumas não puderam ser cumpridas devido a realidade cotidiana da

pesquisa21. Durante a pesquisa foram evidenciadas dinâmicas emergentes a partir

da própria realidade quilombola, das potencialidades educativas e dos interesses

das crianças ouvintes e adolescente surdo. Estas possibilitaram a visualização de

representações culturais e potencialidades educativas de Raul e das demais

crianças ouvintes.

Os sinais utilizados pela comunidade para dialogar com o sujeito surdo

também foram de grande importância para que algumas representações de Raul

fossem descritas, Renato o adolescente intérprete ouvinte foi fundamental para que

a ida a campo fosse significativa.

d) Dinâmicas pedagógicas

O uso das dinâmicas pedagógicas foi um instrumento que além de permitir a

coleta de dados possibilitou aproximações da pesquisadora com Raul e com a

comunidade quilombola, fortaleceu laços fraternos e propiciou experiências ímpares

junto às crianças, adolescentes, adultos e anciãos.

As dinâmicas pedagógicas auxiliaram também na categorização de dados,

pois foram através delas, também, que as significâncias e representações do

cotidiano de Raul foram evidenciadas, estas elucidaram: representações sobre sua

importância social; sobre seu estar sendo no mundo; sobre seus processos

educativos sociais e escolares; sobre sua presença em atividades culturais

marcadas pelo oralismo, como as religiosas, mas que são cotidianamente

ressignificadas por ele a fins de participar do cotidiano e dos aprendizados culturais

quilombolas.

Os indicadores centrais que orientaram a coleta de dados foram: a)

representações sociais sobre o viver na família e comunidade quilombola, e; b)

representações sociais sobre o viver na escola.

21 Algumas estratégias sócio interacionais previamente pensadas não puderam ser executadas. Hora não eram bem recebidas pelas crianças e adolescentes quilombolas, hora as interferências do meio

as impossibilitavam, pois a comunidade tem sua própria dinâmica para os fins de semana, quando não se dedicam as atividades econômicas em torno da produção de farinha, participam de torneios de futebol na própria comunidade e nas comunidades vizinhas, as crianças participam de ambas. As

dinâmicas pedagógicas eram realizadas nestes intervalos livres quando a conjuntura social permitia.

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A pesquisa conta com estratégias pedagógicas lúdico/participativas, como:

a) oficina de fabricação e montagem de brinquedos de miriti; b) produção de

desenho; c) Dinâmicas interacionais adaptadas para ouvintes e surdo; c)

visualização de curta metragem; d) Montagem de quadro demonstrativo.

Estas dinâmicas foram aplicadas junto as crianças ouvintes e a Raul a fim

compreender correlações cotidianas culturais entre aproximações, distanciamentos,

aceitações e conflitos; seus processos educativos; e suas percepções de si quanto

adolescente, de negro, surdo e quilombola.

Por meio de tais estratégias foi possível compreender as égides pelas quais

a inclusão, ou seu sentido inverso, pode ser visualizada(o) considerando as

particularidades histórico culturais quilombolas que abrangem desde os processos

comunicacionais até os construtos relacionais. As dinâmicas pedagógicas

constituem estratégias pedagógicas de aproximação e convívio com o sujeito surdo

em seu ambiente escolar, e sócio/familiar.

As dinâmicas pedagógicas contemplaram a técnica de elaboração do

desenho. Para Víctora et al (2000, p. 70) esta técnica possibilita aos participantes da

pesquisa representar “[...] graficamente uma determinada situação ou concepção. A

partir do desenho, pesquisador e pesquisado entabulam uma discussão que se

apoia nos elementos surgidos no desenho”.

As significâncias dos desenhos permitiram visualizações de elementos

culturais, educativos e formativos em esferas de contradições entre o ser e o estar

sendo no mundo de Raul. Os desenhos objetivaram realidades contraditórias e

opressoras que, doutra forma seriam difíceis de serem externalizadas.

O uso de imagens como elemento metodológico infere a compreensão de

que: “para além de sua dimensão plástica, elas nos põem em contato com os

sistemas de significação das sociedades, com suas formas de representação, com

seus imaginários” (BORGES, 2008, p. 79).

A técnica do desenho constitui em um instrumento pertinente a promover o

diálogo e a interatividade como expressão cotidiana de relações sociais. Em

sentidos mais profundos:

As imagens oferecem aos seus receptores um espaço interpretativo: símbolos conotativos [...] O caráter mágico das imagens é essencial para a

compreensão das suas mensagens. Imagens são códigos que traduzem eventos em situações, processos em cenas (FLUSSER, 2011, p. 22 - 23).

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As dinâmicas pedagógicas, então, possibilitaram explorar as compreensões

culturais, conjunturais cognitivas, percepções de si, atuações de autonomia na

comunidade em interação com o seu espaço circundante, seus interlocutores

familiares, sociais e escolares. Estes traçados delineados quando reunidos oferecem

amplas vertentes de práticas cotidianas em minúcias condicionando ao vislumbre do

cotidiano, seus impactos e reflexos na formação intersubjetiva de Raul.

e) Sistematização e análise dos dados

A sistematização e análise dos dados serão realizadas por meios de

categorizações com base na Análise de Conteúdo de Bardin (2010). O uso da

categorização temática e analítica “na pesquisa é utilizada para estabelecer

classificações na medida em que agrupa ideias, elementos, expressões etc”

(OLIVEIRA; MOTA NETO 2011, p. 163).

A diversidade de abordagens, de temáticas emergentes no estudo

necessitam que informações significativas em contextos específicos – mas não

desvinculados de seu sentido global – sejam analisados e expostos de maneira

didática, contextualizada.

Segundo Gomes (1994) realizar operações de categorizações requer

classificar ideias, noções e pensamentos acerca de um dado fenômeno que se

queira compreender a fundo. O autor pontua que tal estratégia metodológica é ideal

para compreender pesquisas de cunho qualitativo.

A partir destas noções organizativas foi possível unir elementos observáveis

do cotidiano registrados em Diário de Campo, dos documentos escolares referentes

a sala de aula e das aplicabilidades das dinâmicas pedagógicas. Tais experiências

quando unidas e organizadas permitem compreensões acerca das RS de Raul, bem

como da conjuntura social educacional e comunitária nas relações simbólicas

cotidianas.

Ademais:

No processo de categorização, na sistematização e análise dos dados, identificamos, então, a construção de categorias analíticas e categorias temáticas. As categorias temáticas são conceitos retirados do referencial

teórico utilizado na pesquisa, que possibilitam a análise e interpretação dos dados. Possuem diversas funções: metodológica, no sentido de estabelecer caminhos e parâmetros para a produção, sistematização e análise dos

dados; descritiva, por possibilitar que determinado fenômeno seja compreendido e tornado inteligível e, ainda, possui uma função crítica, já que as categorias devem levar os pesquisadores a perscrutar, explorar,

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problematizar analiticamente o seu objeto de estudo (OLIVEIRA; MOTA

NETO, 2011, p. 164).

Bardin (2010) destaca que as categorizações são substanciais para a

organização lógica do corpus da pesquisa. O autor (BRUYNE, 1991, p.51) ressalta

que a categorização compreende o objeto de estudo a perceber que ele “[...] é

produzido ao longo de um processo de objetivação, de conceitualização, de

formalização, de estruturação, para posteriores articulações e análises”.

Em relação às categorias analíticas alguns conceitos chaves serão tecidos,

tal como destaca Gueertz (2012), em teias de significados, envolvendo uma

construção dialógica entre uma interdisciplinaridade de campos de conhecimento:

psicologia; educação/inclusão; história e antropologia.

As Categorias Temáticas possibilitam “[...] a organização dos dados, a

articulação entre o referencial teórico e a descrição dos fatos, a interpretação e

explicação do fenômeno estudado” (OLIVEIRA; MOTA NETO, 2011, p. 165).

Para além das Categorias Temáticas e Analíticas, os autores pontuam a

existência de Categorias Emergentes, que se caracterizam pela fluidez durante o

processo da pesquisa que podem derivar das experiências em campo, ou de

conceituações teóricas como também podem surgir quando de socializações

ocorrentes no cotidiano que envolva sujeito e objeto (OLIVEIRA; MOTA NETO,

2011).

Um quadro a seguir elucida as categorizações pelas quais discorrem as

análises da pesquisa.

Quadro 14: Categorização dos dados de campo

Categoria Eixos Temáticos

Representações sociais de um adolescente surdo

quilombola

• Representações sociais sobre o viver na família e comunidade quilombola;

• Representações sociais e religiosidade;

• Representações e experiências culturais linguísticas

• O futebol como elemento de representações étnicas e culturais;

• Representações sobre educação e vivências

escolares/culturais;

• Língua e linguagem de saberes em contexto quilombola; Fonte: Elaboração própria.

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No que tange às análises sócio/culturais do educando surdo compreende-se

que os saberes evidenciados a partir das vivências cotidianas, expressas por

categorias no quadro anterior, se relacionam com aquelas também sociais do âmbito

escolar.

Estes debates se delineiam a partir de práxis ambivalentes e encontram

entre si suas significâncias e disparidades para o processo de educação global de

cada ser humano. De acordo com Oliveira (2011, p. 34) os saberes, conhecimentos,

aprendizados e a educação quanto processos culturais “envolvem o corpo inteiro, ou

seja, a consciência e corpo, a razão e a sensibilidade. Saberes da cultura popular

expressos a partir da oralidade, pelo corpo, pelo olhar, pelos gestos”.

É pertinente pontuar estas categorias comtemplam relações sociais que são

estabelecidas no quesito “comunicação” entre surdo e comunidade ouvinte, quando

a interação não é efetivada por vias orais/auditiva, outras possibilidades podem ser

observadas, como as citadas pela autora: o corpo, olhar, os gestos, a consciência, a

razão, a sensibilidade.

Estes ícones do social condizem como diálogos que perpassam a noção da

compreensão auditiva, pois eles evidenciam aspectos onde transitam significados de

reações e sentimentos relativos à corporeidade e suas linguagens dialógicas e

representativas.

f) Cuidados éticos

Esta etapa foi conduzida a respeitar as diretrizes e normas regulamentadas

de pesquisas envolvendo seres humanos. Incialmente foi submetida em forma de

projeto ao Comitê de Ética da Universidade do Estado do Pará por meio da

Plataforma Brasil22 visto que o sujeito se trata de um adolescente surdo em situação

de vulnerabilidade social, logo a pesquisa em suas intenções foi avaliada pelo órgão

responsável. A pesquisa de campo foi iniciada mediante o parecer do Comitê de

ética favorável.

Dentre os documentos de comprometimentos éticos e de seriedade da

pesquisa e pesquisadora estão: um ofício enviado pela universidade solicitando ao

líder comunitário permissão para a pesquisadora adentrar o espaço e realizar a

pesquisa; o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) assinados pelos pais

de Raul e pelos pais de Renato; o Termo de Assentimento do Menor solicitando

22 http://plataformabrasil.saude.gov.br/login.jsf.

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permissão do adolescente surdo e também do adolescente ouvinte a manifestarem

seus interesses em participar da pesquisa; um Termo de Compromisso da

Pesquisadora, Termo de Aceite de Orientação, assinado por sua orientadora e um

Termo de Autorização de Imagem e Som, assinado por Raul e Renato.

Estes procedimentos são julgados como necessários para o bom andamento

da pesquisa em todas as suas etapas. A pesquisa aponta “[...] para o estudo de

questões delimitadas, locais, apreendendo os sujeitos no ambiente natural em que

vivem, nas quais urdem os significados e constroem a realidade” (CHIZZOTTI, 2014,

p.55).

Contextualizar a pesquisa e o sujeito como agente social ativo da

comunidade quilombola requer considerar a ética quanto margem de respeito ao

outro, pois ela “[...] está relacionada ao processo de construção da cidadania e de

inclusão social, na medida em que problematiza de forma crítica as situações de

desrespeito à vida, aos direitos humanos e ao ambiente [...]” (TEIXEIRA; OLIVEIRA,

2010, p.11).

As autoras complementam que o trâmite ético na pesquisa não pode ser

entendido como neutro, mas passível de posições ético-políticas entendidas a partir

de um contexto histórico passível de respeito pelo outro, pela vida, pelas diferenças,

em seus direitos de cidadania e existências.

Visto que o sujeito desta pesquisa é um adolescente surdo em processo de

alfabetização, foram dispostos mecanismos e procedimentos significativos a

envolvê-lo na pesquisa propiciando-lhe ciência da mesma, de maneira que pudesse

contemplar relações de respeito durante seu percurso em uma relação dialogada

entre pesquisadora, sujeito e comunidade quilombola.

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3. PARADIGMAS ENTRE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E VIVÊNCIAS

CULTURAIS DE UM SURDO: EDUCAÇÃO COTIDIANA PARA O SER E O ESTAR

SENDO NO MUNDO

A presente seção evidencia e problematiza relações educativas de um

adolescente surdo quilombola por entre aprendizados culturais, relações sociais

educativas e estratégias dialogadas de inclusão.

Na comunidade quilombola são promovidas interrelações dialogadas por

meio das quais Raul sinaliza, representa e demonstra através de vivências

cotidianas algumas estratégias de inclusão para as diferenças

ouvintes/surdo/ouvintes, também evidencia processos de comunicação, conflitos

existenciais e aprendizados culturais.

Estas situações permitem compreender a afirmação cultural de um sujeito

surdo nas suas possibilidades de aprendizagens, aquisições de responsabilidades e

estratégias de comunicação social em suas vivências e representações sociais, bem

como questionar a deslegitimidade das diferenças estabelecidas por ser negro,

surdo, quilombola, deficiente e não usuário da Língua Brasileira de Sinais.

3.1. Vivências e representações culturais de Raul: relações familiares e

percepções culturais de coletividade

Ao propor uma abordagem sobre surdez – e sobre as diferenças - convém

não realizar generalizações ou romantizações sobre a pessoa surda, como adverte

Skliar (2010). Há a necessidade de se perceber as representações sociais da

pessoa surda em cada contexto, dando relevância às experiências produzidas em

seus próprios sentidos e valores ponderando as realidades específicas, mas

considerando o todo em que elas se aplicam.

Skliar (2010) fundamenta uma das suas inquietações sobre a compreensão

do sujeito surdo em sua integralidade social, contextos, articulações comunicativas,

conflitos e resistências, de modo que tal sujeito seja compreendido para além da

deficiência biológica, mas em uma conjuntura social na qual ele se insere, dinamiza

vivências e as representa a partir do cotidiano.

Neste sentido, há a necessidade de Raul ser compreendido em seu contexto

cultural, social e educativo, mas também em sua especificidade comunicacional,

perceptiva e existencial na conjuntura da adolescência, pois esta comporta

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transições de mentalidades entre infância e a juventude como realidade sensível e

conflituosa.

A adolescência deve [...] ser vista não só como uma fase transitória rica em conflitos, mas também, como um período rico em transformações [...] e também um período repleto de potencialidades para o adolescente

(RIBEIRO, 2011, p.11).

A autora afirma que tais transformações indicam, também, adaptações,

maturações e novos confrontos de responsabilidades que são construídas entre

pares e que direcionam a formação social do sujeito por meio da partilha de

responsabilidades e das noções de coletividade nas quais ele está inserido.

Freire (1986) afirma que as relações entre pessoas são dadas e modificadas

a partir do meio que tais pessoas transitam, das estratégias que elas traçam para

envolverem a sua história à natureza e à sua comunidade, na qual:

o homem [a mulher], como um ser de relações, desafiado pela natureza, a

transforma com o seu trabalho; e que o resultado desta transformação, que se separa do homem [mulher], constitui seu mundo. O mundo da cultura que se prolonga no mundo da História (FREIRE, 1986, p. 44).

Segundo o autor, a relação de construção do “eu” acontece em

aprendizados nas interrelações de vivências e compreensões de coletividade entre

reflexões e inovações do ato praticável. Assim, a formação humana é indissociável

de conjunturas sociais, relações e ações.

Desta forma o processo representacional e de saberes educativos que

perpassam o cotidiano de Raul são visualizados a partir de novas experiências

advindas pela transição do “estar sendo” e do “tornar-se”, em um sentido de

metamorfoses constantes de sua formação humana, especialmente pela

especificidade da surdez e das relações culturais significativas no período da

adolescência.

As representações de um sujeito independente de deficiência biológica

refletem aspectos sociais que, apesar de serem frutos de relações diversas,

perpassam por abstrações subjetivas que são interpretadas a partir de uma

familiaridade ou de uma não familiaridade por entre a informação, sua simbologia e

as ideias criadas a partir destas últimas.

O estranhamento a algo é uma das reações que todo ser humano tem

quando se depara com o diferente, com o novo, especialmente se este “novo” já lhe

é conhecido desde o nascimento, a exemplo o trabalho comunitário econômico do

quilombo. Entretanto, o diferente ganha novas roupagens, pois deixa de ser

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meramente observável e passa a ser prática necessária quando se considera a

questão cultural do trabalho, da produção de farinha, da coleta de subsídios naturais

para colaboração familiar em uma comunidade quilombola.

Assim, os aspectos cognitivos culturais aos quais estão atreladas as

representações sociais são elaborados e produzidos a partir da Ancoragem e da

Objetivação, que segundo Moscovici (2003) são processos psicológicos pelos quais

as informações transitam, são avaliadas e tornam-se significativas na vida e no meio

de cada sujeito.

O ato de representar saberes, concepções ou alguém tem por base uma

teoria que legitima os sujeitos como agentes ativos de seu meio não apenas por

dinamizar informações, mas por ampliá-las, pois são passíveis de

interpretações/ações. Neste sentido “as Representações Sociais devem ser vistas

como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós já sabemos”

(MOSCOVICI, 2003, p. 46).

Postas as relações estabelecidas entre Representações Sociais e sua

importância na formação humana educativa através do cotidiano, serão elucidadas

algumas experiências sociais de Raul. Estas apontam para a significação do

saber/fazer e das relações cotidianas, dos processos de aprendizados na

comunidade, das compreensões de eventos culturais e das estratégias de

linguagem estabelecidas entre surdo e ouvintes.

3.1.1 Representações Sociais acerca das demandas familiares:

aprendizado cultural e (trans)formação humana

Em um cenário econômico movimentado pela produção da farinha de

mandioca, considera-se o desgaste que envolve seu processo produtivo, a exemplo:

ir ao roçado arrancar a raiz de mandioca, raspagem da casca, seu trituramento, pré-

cozimento, seu torrar, embalar e deslocamento até a cidade. Estes procedimentos

somam desgastes que demandam tempos e esforços para um rendimento que não

tem a retribuição monetária correspondente.

Assim, há a necessidade de as famílias visualizarem outras maneiras de

subsistência, uma delas é a caça. Na comunidade de Boa Esperança a contribuição

com o mantimento familiar, grosso modo, é de competência dos chefes familiares ou

dos mais velhos, principalmente a caça. Entretanto, vistas as necessidades, esta

dimensão de responsabilidades ela é percebida por Raul como tarefa singular que

pode se estender até ele pela percepção da necessidade de colaborar.

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Em uma tarde de junho, Raul abriu mão de ir à escola para se dedicar a

caçar um lagarto, do tipo Jacuraru, que estava no alto de uma árvore. Como ferramenta de caça ele usava um estilingue conhecido na região como “balador”. A atividade isolada de Raul logo chamou a atenção de outras

crianças que também se interessaram em partilhar tal experiência com ele fornecendo caroços de frutas para serem projetadas contra o animal. Durante a ação de caçada foi evidente que a conversação viso gestual entre

o surdo e os ouvintes implicou em dar direcionamentos, questionamentos, angústias e anseios por não acertar o alvo ou evidenciavam a felicidade partilhada quando se acertava. Quando, enfim, Raul conseguiu derrubar o

animal as crianças comemoraram a conquista pelos esforços. O animal foi imediatamente examinado pelas crianças e adolescentes, que observaram se tratar de uma fêmea que estava prenha, com muitos ovos em seu ventre.

Nesta atividade percebeu-se uma sociointeração do adolescente surdo e os pares ouvintes em diálogos viso espaciais acerca da captura (DIÁRIO DE CAMPO, 20. 06.2018).

Em tal experiência é notório como as os saberes de Raul acerca da prática

de caçar circulam entre as demais crianças com propriedades cotidianas para fins

colaborativos, pois não se caçava o animal apenas por “diversão”, mas por uma

necessidade a qual foi interpretada pelas demais crianças e partilhada para que

fosse cumprida com êxito.

Imagem 10: Raul, as crianças e o Jacuraru capturado

Fonte: Arquivo pessoal (LOBATO, 2018).

Assim, após terminada a etapa de exame do animal Raul:

fez questão de ir mostrar à sua mãe a sua conquista e indicar que a presa devia ser cozinhada para ser refeição da família como os adultos fazem; quando voltam das caçadas noturnas trazem animais abatidos para

consumo (DIÁRIO DE CAMPO, 20.06.2018).

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Essa vivência de Raul indica suas compreensões culturais de coletividade

expressas tanto na captura do animal com o auxílio dos colegas, quanto a entrega

do animal à mãe para que este fosse cozinhado em prol da família.

A educação cotidiana de Raul permite que ele desenvolva um sistema

cognitivo de representações culturais onde ocorrem as categorizações de

compreensões subjetivas de ancoragem para que enfim tais concepções se

materializem em práticas através da objetivação, visíveis no quadro a seguir:

Quadro 15: Representações Sociais sobre a caça

Ancoragem A importância da captura do animal e reflexão colaborativa em prol da família.

Objetivação A entrega do animal à mãe para contribuir como alimento de sua família.

Fonte: Elaboração própria.

Em uma leitura freireana sob um viés problematizador da realidade social,

Raul se vale de seus saberes culturais para refletir sobre o seu papel de sujeito

familiar, nestes aspectos tais conscientizações evocam potencialidades distintas nas

suas vivências intersubjetivas.

Sobre as habilidades, competências e potencialidades da pessoa com

deficiência Oliveira (2004) afirma:

Os indivíduos são únicos e especiais, possuem capacidades e habilidades para determinadas atividades e para outras não. Pensar a diversidade

relativizada ao contexto social, ao processo de interação com o outro significa mudar de perspectiva o olhar para homens e mulheres que apresentam necessidades especiais. Deixar de olhá-los dicotomizados

como anormais e incapazes, dirigindo um olhar dialético e contextualizado para a relação “capacidades e incapacidades”, existente em todos os indivíduos (OLIVEIRA, 2004, p.84).

A autora analisa o sentido dialético da existência humana como um fator

pelo qual cada sujeito está em constante aprendizado coexistindo junto aos seus

pares por entre potencialidades e limitações, de maneira articulada a aspectos

cognitivos, na sua formação social.

Nos debates sobre ações críticas oriundas de consciências sociais, Freire

(1981, p. 66) afirma haver nelas uma relação educativa na qual as estruturas da

consciência humana direcionam para o relacionamento do sujeito “[...] no e com o

mundo, como ser de práxis, prática consciente reflexiva, intencional, temporal e

transcendental”.

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Por meio do viés das representações percebe-se que a atitude de Raul não

se fundamenta apenas em um reflexo da sua realidade cultural, para além disto, é

inerente a ela a criação de um sistema de saberes processuais, no qual as

condições que levaram o sujeito a realizar tal prática, compreendem seu contexto

bem como as suas finalidades atingíveis.

Romão (2017) sintetiza a concepção de Freire para uma educação

significativa:

Para Paulo Freire, em todo processo educacional há sempre uma dimensão de conhecimento (gnosiológica) e um dimensão política (intervenção na realidade). Aliás, para ele, o conhecimento só ganha legitimidade no interior

de uma prática concreta, em dois sentidos: (i) ele deriva da reflexão sistemática sobre uma prática e (ii) sua relevância só pode ser medida por sua capacidade de transformação da realidade (ROMÃO, 2017, p. 32).

Neste sentido, as representações sociais se apresentam como forma de

conhecimentos aplicáveis, como saberes que evidenciam suas significâncias nas

relações cotidianas sendo estes compreensíveis, interpretáveis, dialogáveis e de

importância para a formação pessoal de um sujeito adolescente. Para Ribeiro (2011,

p.3): “as transformações cognitivas envolvem o surgimento de pensamento mais

abstrato e hipotético, a formação da identidade e o maior desejo de autonomia e

independência”.

A Educação como um elemento social propriamente dito é um produto das

sociedades que - em suas carências conjunturais - foram traçadas como estratégias

organizadas de conhecimento com a finalidade de utilidade cotidiana. Tal Educação

prepara o indivíduo para que tenha condições essenciais para a sua existência, “[...]

a educação satisfaz acima de tudo, necessidades sociais [...]” (DURKHEIM, 2013, p.

56).

Faz-se pertinente destacar como Raul transita entre os universos infantis,

adolescentes e de adulto. Observou-se a especificidade da surdez como elemento

marcante na comunidade, com propriedade dialógica permitida através da

educação, viabilizada pelo observar, praticar, aperfeiçoar e partilhar.

Um outro fator relevante a ser destacado para a formação cultural e social

de Raul é que desde o adentrar da pesquisadora na comunidade, cerca de dois

anos atrás, Raul costumava oferecer certa resistência aos trabalhos familiares na

produção da farinha de mandioca, fonte de renda econômica da família e de maioria

da comunidade quilombola. Em outras situações ele preferia se dedicar a

brincadeiras interativas, se deter a construir ou consertar objetos e brinquedos.

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Avesso a estes relatos anteriores, em uma manhã, a pesquisadora chegou à

comunidade e percebeu que:

O ambiente da comunidade estava um tanto diferente do que se havia notado até o momento, as crianças e adolescentes que quase sempre transitavam pela comunidade dentre brincadeiras pelos variados espaços,

não o faziam. Parte estava na escola e barracão em estudos, e outra parte estava colaborando nas casas de forno. Nestas circunstâncias, vistas as responsabilidades partilhadas, Raul se dirigiu à Casa de Forno para

contribuir com a prática cultural de subsistência familiar. Quando a pesquisadora indaga aos pais de Raul se ele havia sido convidado a participar, eles respondem que o ato foi espontâneo pois ele percebeu que

“não era o momento de brincar, mas de ajudar” (DIÁRIO DE CAMPO, 13.09.2018).

A cena foi registrada pois evidencia a postura de Raul frente a observações

de condução e manuseio da farinha. A cada processo da produção ele expressa

saberes outrora não evidenciáveis. Assim, ele demonstra compreender os cuidados

que se deve ter com cada elemento retirado da mandioca, a exemplo do Tucupi, da

Tapioca, da Crueira23 e da própria farinha que é produzida.

As imagens a seguir apresentam Raul e sua família descascando a

mandioca.

Imagem 11: Família de Raul descascando a mandioca

Fonte: Arquivo pessoal (LOBATO, 2018).

A (Imagem 11) evidencia parte da família de Raul executando o processo de

descascar a mandioca, na (Imagem 12) a seguir, o adolescente surdo aparece de

23 A Crueira é um dos tantos elementos possíveis retirados da mandioca para uso/consumo. Ela é formada após a retirada da massa da mandioca do Tipiti (objeto artesanal cilíndrico tecido com talas

de cipós, o seu formato entrelaçado permite que a massa da mandioca seja prensada e despeje toda a água, para posteriormente ir ao forno). Estando a massa seca, ela é coada em uma peneira, e a parte da massa que não passa na peneira é separada para ser secada ao sol e triturada. A partir da

crueira faz-se mingau, bolinhos e outros derivados.

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forma mais aproximada, estando ele sentado ao chão de costas para a

pesquisadora com camisa listrada.

Imagem 12: Raul, a irmã e o cunhado no trabalho com a mandioca

Fonte: Arquivo pessoal (LOBATO, 2018).

Tais atitudes e circunstâncias vivenciadas por Raul inferem um ressignificar

de posturas de certa forma contraditórias, mas complementares no entremeio da

infância e transição para a juventude. Essas evidências sociais de um adolescente

surdo quilombola revela a importância de contestar estudos da psicologia

racionalista acerca da adolescência como um período marcado por uma “identidade”

fixa, homogênea.

Ao colarmos uma etiqueta referendada por leis previamente fixadas e embasada nos discursos científicos racionalistas, pode-se criar um território

específico e limitado para o jovem, uma identidade que pretende aprisioná-lo e localizá-lo, dificultando possíveis movimentos. Ao se reafirmar a homogeneidade, nega-se a multiplicidade e a diferença (COIMBRA;

BOCCO; NASCIMENTO, 2005. P. 6).

Ao problematizar o ser humano como “essência” o filósofo, Educador

popular e intelectual Paulo Freire, percebe o ser humano como: “[...] um ser finito,

limitado, inconcluso, mas consciente de sua inconclusão. Por isso, um ser

ininterruptamente em busca, naturalmente em processo” (FREIRE, 2001, p.12).

Assim, as relações sociais de Raul implicam na sua afirmação cultural de

forma dinâmica. A sua construção identitária faz parte de um processo que tem

fundamento nas convivências por entre a infância, pelas aquisições, descobertas e

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rupturas da adolescência e pelas percepções sociais de responsabilidades e

atitudes visualizadas na vida adulta.

Claramente suas preferências de afazeres e as demandas necessárias se

chocam diante da realidade social, pois ele quanto um sujeito adolescente surdo que

experencia o mundo através de interações gestuais, corpóreas, percepções do

observar/praticar e de expressões faciais, encontra tanto no convívio das

brincadeiras, como na colaboração familiar relações dialógicas para apreender e

externar aprendizados.

As representações sociais de Raul aliadas às vivências no ambiente cultural

– nos processos de familiarização - estão correlacionadas a posturas,

comportamentos e transformações.

As intelectuais Silveira e Oliveira (2016) compreendem as Representações

sociais como conceitos significativos que, relacionados ao cotidiano, orientam

atitudes. Para elas:

Essas representações estão sujeitas ao processo de transformação, o qual é fomentado na comunicação entre os indivíduos que partilham delas e podem ser desconstruídas pela problematização e refutação de seus modos de

compreender o objeto representado (SILVEIRA; OLIVEIRA, 2016, p. 72).

As autoras fazem menção a um “objeto representado”, entretanto para

compreender as relações cotidianas de Raul frente a circunstâncias diversas,

elucidam-se “situações representadas” que evidenciam as variadas relações

culturais cotidianas de um sujeito surdo em suas complexidades de comunicações,

apreensões, significações, vontades e autonomia participativa.

Ribeiro (2011) relata que a adolescência se caracteriza, também, por ser um

período que fomenta a participação em diversos grupos de referência para que o

adolescente se sinta pertencente a uma nova esfera que lhe possibilitará novas

experiências visto sua construção social quanto sujeito em metamorfoses.

Em um sentido de percepções e descrições observáveis pode-se elencar as

representações de Raul quando da ação cultural produtiva:

Quadro 16: Representações Sociais sobre a contribuição familiar

Ancoragem A representatividade da família em fomento colaborativo.

Objetivação A sua inserção em práticas de atividades econômicas.

Fonte: Elaboração própria.

Observa-se que o processo de ancoragem e objetivação de Raul perpassam

por um conceito de associação ou aproximação com as demandas familiares a partir

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da compreensão de responsabilidades entendidas por ele como situações

administráveis no sentido de afastamento de suas atividades livres que antes seria o

brincar e a aproximação com compromissos em prol da família.

Assim, visualizam-se as representações de Raul a partir das colaborações

culturais familiares como sendo elemento constitutivo da sua realidade cultural e

pessoal. O fato de Raul aderir responsabilidades ao que antes ele negava, direciona

a sua participação familiar e social a partir de novos eixos simbólicos e novas outras

perspectivas de inserção social, pois: “ao longo da vida os indivíduos são

confrontados com determinadas tarefas e expectativas, derivadas do seu próprio

desenvolvimento, da sua sociedade e cultura, com as quais tentam lidar do modo

mais eficiente” (RIBEIRO, 2011, p. 17).

Segundo Oliveira (2004, p.16) tais referências que culminam em ações

participativas e atuam como “filtros interpretativos” nas concepções cognitivas, estão

diretamente ligadas aos princípios freireanos de “ação/reflexão/ação”, relacionados a

imaginários, a saberes cotidianos e a contextos político-sociais.

Em uma perspectiva de aprendizados culturais observa-se a dinamicidade

dos saberes, pois apesar de não serem atos constantes do cotidiano, eles estão em

processos de construção tanto pelo viés do aprendizado prático quanto da formação

pessoal possível a partir das socializações destes em âmbito coletivo, especialmente

quando é posta em questão a temática da “deficiência”, da “não capacidade de

aprendizado”, pois o sujeito surdo “não consegue se comunicar”, ou melhor, oralizar.

Desta forma, são colocadas em xeques concepções científicas e sociais que

validam o aprendizado como privilégio de pessoas aparentemente sem deficiência.

Estes discursos liquidam, reduzem e vedam expectativas de progressão intelectual,

social e cultural de um sujeito surdo, enquadram-no no assistencialismo inibindo sua

ontologia e diversidade.

Por outro viés, quando se atenta às potencialidades de um sujeito

quilombola, surdo, não usuário a Libras e negro, abre-se um campo de observações

a partir dos seus próprios aprendizados e estratégias de participação e convivências,

visualiza-se que ele consegue criar articulações sociais significativas para absorver

informações, compreender o mundo de forma crítica, externar suas aprendizagens

culturais significativas por entre seus pares ouvintes.

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3. 2. A religiosidade como elemento sociocultural formativo: vozes e

vibrações como elos inclusivos

O período de festividade religiosa no quilombo envolve desde os adultos

responsáveis pela Comissão de festas, os idosos, os adolescentes e as crianças das

mais diversas faixas etárias, pois sendo a comunidade relativamente pequena e

tendo por centro o Barracão Comunitário, o movimento dos festejos abrange ampla

maioria das famílias em suas totalidades.

Neste cenário, o adolescente surdo se envolve e é envolvido pelo

movimento religioso da comunidade que consegue estabelecer linhas dialógicas

através de saberes e percepções que permitem a ele vivenciar as alterações na

comunidade em prol da festividade religiosa desde a procissão inicial - antes do

levante do mastro - até a festa dançante, que não se restringe apenas aos adultos, o

público infantil, adolescente e jovem também partilham de tal lazer. Algumas

imagens ilustram processos culturais/religiosos aos quais Raul adere.

Imagem 13: Reunião para o enfeite do Mastro da festividade

Fonte: O Mastro - Arquivo pessoal (LOBATO, 2018).

O Mastro (madeira enfeitada) é um símbolo da festividade religiosa que

marca tanto o início quanto o encerramento do período festivo, pelo seu levante e

sua derrubada. Todo ano uma família se responsabiliza por ir à mata escolher e tirar

um tronco uniforme que será trabalhado e enfeitado pela referida família que irá

conduzir os preparativos junto aos demais devotos da comunidade em uma

confraternização inicial (Imagem 13).

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Na ocasião do festejo, além do Mastro, estavam presentes a imagem

peregrina da santa e seu cartaz festivo. Tais símbolos religiosos saem juntos na

procissão inicial que percorre todas as ruas da comunidade contemplando as casas

existentes no espaço central24 do quilombo.

Assim, o elo religioso se apresenta como um evento que mobiliza a

comunidade de diversas maneiras, impregna desde as vertentes religiosas

passando pela ideia de construção coletiva entre comunidade/natureza até

princípios educativos cotidianos que validam relações de reciprocidade, do cuidar,

do Ser em conjunto.

Imagem 14: Preparativos para a procissão inicial - o acender das velas

Fonte: Arquivo pessoal (LOBATO, 2018).

Na imagem acima são evidenciadas as interrelações de Raul25 tanto com o

movimento religioso em sua importância festiva para a comunidade, quanto

estratégias linguísticas criadas para dialogar com as vivências de processos

litúrgicos religiosos. Na ocasião as sinalizações promovidas possibilitaram a

compreensão de Raul para que, do início ao fim da festividade, ele pudesse interagir

aos momentos junto aos demais fieis.

Para além das atividades religiosas, percebeu-se que Raul se propõe a participar dos torneios de futebol tanto na modalidade de jogador quanto espectador; ele acompanha a e participa das atividades fraternas

24 O quilombo de Boa Esperança é formado pelo espaço social onde a maioria das casas estão agrupadas, onde também estão o Barracão comunitário e escola. Entretanto, algumas residências

pertencentes a Boa Esperança ficam localizada no Ramal de acesso, estas não são alcançadas pelas procissões religiosas devido a longa distância em relação ao espaço central da comunidade. 25 No plano central da foto de camisa rosa e de perfil, por detrás de uma criança de camisa regata

vermelha.

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ocasionadas pelos bingos nas noites após cada novena26; adere a festa

dançante que possibilita seu envolvimento com as pessoas da própria comunidade, com os visitantes de outra localidades e se insere em um espaço que pode ser compreendido como exclusivo dos ouvintes, mas que

é ressignificado por Raul. Durante a festa o local preferido dele é próximo à caixa de som onde ele pode sentir as vibrações sonoras e isso o incentiva a dançar junto aos seus pares (DIÁRIO DE CAMPO, 28.07.2018). (grifo

nosso).

Ainda que o fator surdez seja um elemento constitutivo do sujeito e

percebido pela comunidade, há um limite da audição quanto fator biológico que não

se pode negligenciar. Entretanto, existem articulações subjetivas de Raul na busca

de compreender a organização religiosa e partilhar saberes construídos nas

interrelações com seus pares ouvintes.

O fato de Raul se aproximar da caixa de som durante as festas para sentir

as vibrações e compartilhar com os ouvintes a dança pode ser compreendido como

articulação própria para socialização. A surdez biológica não o impede de externar

seus sentimentos, tampouco de partilhar junto a comunidade as suas

especificidades surdas, em interação com as ouvintes. Essa aproximação é buscada

e atingida por ele como elo interativo para com a forte cultura dançante do local e

ressignificação da cultura musical vibrada.

Valente (2015) realiza reflexões acerca da importância da música para um

sujeito surdo, a autora questiona a legitimidade apenas sonora da música e avança

em reflexões acerca desta apontando dados que a corroboram como proposta

pedagógica de inclusão, pois a música permite o desenvolver de habilidades da

pessoa surda, como por exemplo, “o raciocínio, a criatividade, a autodisciplina além

de desenvolver a afetividade a percepção corporal [...] sua integração social e

socialização com os ouvintes” (VALENTE, 2015, p. 12).

Assim, a surdez existe quanto diferença, mas ultrapassa as noções de

vivências visuais como imperativas. O sujeito surdo se faz perceber em uma

conjuntura de inserção global de percepções sensitivas, visuais, expressivas de

corpo e faces que o envolvem em aprendizados e o instigam a desenvolver as

próprias potencialidades existenciais e comunicativas. Tais indicativos evidenciam

que percepções culturais ultrapassam as barreiras da oralidade, musicalidade ou

mesmo relacional.

26 A aquisição da cartela de bingo é feita por um valor simbólico pequeno o qual é direcionado aos custeios da festividade e também a ampliação e reforma do Barracão comunitário. O objeto sorteado

é doação de famílias da própria comunidade.

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Nestas perspectivas Raul e a comunidade quilombola dialogam com os

saberes construídos pelo cotidiano por meio de sinais simbólicos, diálogos,

aproximações, expressões - dentre outros fatores - momentos em que, pela lógica

patológica, a oralidade deveria ser regra, mas que pelo sentido sócio antropológico

da surdez, as percepções/representações sociais ganham destaque.

As expressões da religiosidade em si contribuem como fator formativo social

e cultural amplo por entre as vivências e representações da comunidade quanto um

espaço de movimentos culturais, religiosos, econômicos, afetivos e de aprendizados

coletivos.

Imagem 15: Circuito final da procissão pela comunidade

Fonte: Arquivo pessoal (LOBATO, 2018).

Apesar da religiosidade ser marcadamente oral quando dos cânticos e demais

liturgias, o envolvimento de Raul mostra que as experiências religiosas são

aprendizados possíveis, ainda que fragmentados, mas que se concretizam a partir

das observações e participações em cada processo.

É importante ressaltar que o observar, o sentir, as ações e interações

coletivas no âmbito religioso incorporam gestualidades e simbologias de saberes

fraternos que são refletidos como experiências cotidianas. As ações colaborativas

quilombolas têm certo fundamento cultural ocorrente na procissão do Mastro. Um

exemplo que pode ser citado é quando:

as crianças, responsáveis por iluminar o translado com as velas procuravam sempre estar em grupos próximos, pois no percurso da caminhada

nenhuma vela poderia se apagar, assim cada criança e adolescente oferecia o calor das chamas de sua vela à do companheiro que a tivesse apagada (DIÁRIO DE CAMPO, 15.07.2018).

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Tal referência implica a importância que o outro têm quando da caminhada.

Independente de diferenças todos ali compreendem que a função do coletivo é

colaborativa e isto requer disposição religiosa de atitudes amorosas, que chegam

até as relações cotidianas como possibilidades de aprendizados através de amparos

e do reconhecimento do outro em suas necessidades.

Faz-se importante o destaque dos sentidos de aprendizagens possíveis nos

grupos que se propõem a conviver com as diferenças e a criar também estratégias

para significar o saber existente em conjunto.

Brandão (2005) afirma que os seres humanos em suas capacidades de

viverem em grupos e de desenvolverem práticas colaborativas contribuem para o

todo social ou comunitário onde coexistem os sentimentos de pertença e confiança

para além dos saberes. Desta forma são “comunidades aprendentes”, que não

observam seleções de individualidades, mas de colaborações mútuas.

Em termos freireanos de aprendizagens observa-se a horizontalidade das

informações, articulações e possibilidades interativas que se apresentam no sentido

de possibilitar que informações e até sentimentos sejam compreendidos sem

necessariamente haver a conversação oral, mas gestual, de sentidos, impactos e

significâncias naquilo em que cabe a fé de um em interação com a fé do outro.

Nestes termos a disposição de Raul em participar do movimento festivo

religioso quilombola demonstra relações de paralelos entre o aprendizado cultural e

o religioso como mecanismos socioculturais compreensíveis, experienciáveis e

partilháveis, não de maneira opressora onde as diferenças tendem a se adequar às

disposições dominantes (auditivas), mas no sentido de educação cultural libertária

de paradigmas possível quando de interesses comuns acerca da presença na

festividade do sujeito surdo em consonância com os ouvintes.

A procissão inicial com a imagem da santa, o cartaz festivo, o mastro e as

velas por toda a comunidade simbolizam o alcance das famílias como tendo um

único elo que os une, pois, a Nossa Senhora do Bom Tempo, segundo os

moradores de Boa Esperança:

é a Santa da comunidade que protege os roçados, permite a boa colheita e

conduz a todos pelos tempos bons tanto para plantação quanto para saúde, dia a dia, escolhas. A santa encaminha seus devotos com esperança no Bom Tempo (RELATOS DA COMUNIDADE, 01.08.2018).

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Outras experiências que indicam a participação de Raul nas relações

culturais religiosas no quilombo são registradas durante as novenas nas quais as

liturgias, cânticos e demais socializações se faziam presentes entre surdo e

ouvintes.

Em uma das noites de novena, a pesquisadora se dirigiu ao barracão

comunitário da comunidade, pois houve a necessidade de observar a postura de

Raul frente as celebrações orais religiosas através de orações, cânticos e ladainhas

nas quais observou-se que, em alguns momentos do ato religioso, a gestualidade se

fazia presente nos sinais religiosos, no levantar das mãos, no se aproximar da

imagem e no reverenciar a santa.

Assim, apesar da comunidade do quilombo ser predominantemente de

ouvintes, a gestualidade nos atos religiosos se configura como um dos processos de

comunicação adaptável ao único adolescente quilombola surdo.

Destaca-se, que a própria insistência de Raul em participar dos bingos aos

finais das celebrações incorporam elementos afirmativos de pertencimento, que

também se apresentam como educativos, na medida em que se constituem por meio

das interrelações, nas quais, vontades, contradições e semelhanças são instigadas

e referendadas pelos atos simbólicos desde a visualidade aliada à gestualidade

entre outros fatores partilhados entre as gerações reunidas no espaço.

Durante a realização do bingo percebeu-se que Raul se mostrava atento aos movimentos para adquirir a cartela, observar os números sorteados, procurando sempre estar por perto do globo para acompanhar as

saídas das bolas e marcar na sua cartela (DIÁRIO DE CAMPO, 23.08.2018). (Grifo nosso).

Tais eventos podem ser compreendidos em sua completude por entre

envolvimentos de atenção, ação, reflexão, aprendizados e práticas partilhadas. O

fato de Raul ficar próximo ao globo para acompanhar as saídas das bolas evidencia

mais uma estratégia criada por ele para participar da realização do bingo.

A partir das observações expostas percebe-se que as vivências

socioculturais de Raul refletem suas articulações para inserção grupal no aspecto

religioso subjetivo e coletivo. Compreende-se que as vivências culturais e simbólicas

de representatividade negra quilombola são adaptadas ao fator surdez tanto por

estratégias de autonomia do sujeito surdo, quando da compreensão da comunidade

ouvinte em abrir espaços para que tal sujeito transite, se insira e dialogue saberes

práticos afetivos com seus pares.

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Na perspectiva das representações sociais, percepções e estratégias

intersubjetivas de Raul aponta-se os processos de ancoragem e objetivação

atitudinais:

Quadro 17: Representações Sociais sobre a participação religiosa

Ancoragem Percepções sobre as atividades religiosas como ações coletivas

Objetivação Participação, aprendizados e partilhas no ato religioso.

Fonte: Elaboração própria.

As estratégias socioculturais de Raul para estar no mundo demandam

conhecimentos, percepções, avaliações e visão crítica de como o “eu” e o “outro”

podemos coexistir entre relações diacrônicas e articulações significativas dialógicas.

O coexistir de um sujeito surdo por entre diferenças e similaridades com os

ouvintes perpassa pela capacidade de ressignificar a realidade e conversações por

meio de operações coletivas. Estas atitudes permitem que linguagens sejam criadas

e compreendidas promovendo o ser social que dinamiza suas experiências em

ações com a comunidade.

Somente homens e mulheres, como seres “abertos”, são capazes de ralizar a complexa operação de [...] captar a realidade e expresá-la por meio de

uma linguagem criadora. E é enquanto são capazes de tal operação [...] que homens e mulheres se fazem seres com o mundo. Sem esta objetivação, mediante a qual igualmente se objetivam, estariam reduzidos a um puro

estar no mundo,sem conhecimentos de si mesmos e nem do mundo (FREIRE, 1981, p. 53).

Ivana Marková compreende, na perspectiva das representações sociais, que

a dialogicidade é um fenômeno do cotidiano originado a partir de pensamento

humano e da linguagem, fatores estes presentes nas interrelações articuladas de

Raul para com a comunidade quilombola.

O cotidiano cultural de vivências de surdo com os ouvintes permite

abstrações e concretudes de experiências, que elucidam a reinvenção do cotidiano,

da deficiência e das relações existenciais possíveis pelas articulações de saberes

dialogados.

O estereótipo que foi construído erroneamente sobre a pessoa surda indica

a sua “incapacidade” de se fazer comunicável quando se legitima a fala oral como

vetor essencial de comunicação. As vivências, atitudes e percepções de Raul e da

comunidade apontam para um dialogismo para além de aspectos sonoros e visuais,

mas também sensitivos e cognitivos. Transformam assim o sentir, o interpretar e a

praticidade do saber que foi problematizado, adaptado e ressignificado por hábitos

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cotidianos e aplicado em forma de relacionamentos socioculturais e também

religiosos.

As práticas cotidianas de festejos religiosos coexistem em tendências de

continuidades de elementos tradicionais que rompem com as diferenças na

perspectiva das “ausências” a potencializar e dinamizar experiências culturais

possíveis no sentido de complementaridade existencial.

3.3 Recreações e Diálogos surdo/ouvintes: experiências linguísticas e culturais quilombolas

Em relação aos aspectos relacionais entre surdo/ouvintes em uma

comunidade quilombola faz-se importante compreender as vivências que permeiam

tais sujeitos a partir do olhar sensível ao diálogo, aprendizagens e percepções de si,

do outro, do espaço comunitário, das necessidades grupais, da pertença étnica, dos

conflitos e saberes partilhados em meio aos convívios e dinâmicas culturais.

As estratégias de diálogos entre surdo/ouvintes são estabelecidas através

de sinais emergentes, partilhadas com mais assiduidade entre as crianças que

cercam Raul. A interação entre Raul e seus colegas é dada por gestos simbólicos

aliados com muita ênfase às expressões faciais. Neste sentido, os olhares

entrecruzados oferecem diálogos de conversação.

Alguns relatos de quilombolas que convivem com Raul indicam que ele tem

grande aptidão em trabalhar com recreação manual consertando objetos como a

bicicleta, construindo também Arapuca27 para capturar Soiá28 e galinheiro para a

criação de aves da família. Outra aptidão de Raul é a construção de brinquedos com

retalhos de madeiras comuns na comunidade e, também, o artesanato com o Miriti

para produções de gaiolas, carros e passarinhos. Esses são saberes que

evidenciam a compreensão do cotidiano, objetivados no trabalho manual.

A reaproximação da pesquisadora com o sujeito surdo se deu de maneira

lenta e gradual, visto que ela já havia realizado pesquisa na comunidade em outra

ocasião e Raul já a conhecia. Entretanto, nas condições da atual pesquisa, Raul se

mostrou desconfiado com a presença dela na comunidade quilombola, por isso,

ofereceu certa resistência a reaproximação. A pesquisadora, então, percebeu a

27 O ofício de caça perpassa pela captura de animais de grande, médio e pequeno porte na comunidade quilombola. A arapuca trata-se de uma armadilha construída com gravetos e cipós, esta

possui em seu interior uma isca que em geral é fruta, para atrair animais e enclausura-los de modo que não fujam. Tais animais capturados, sevem de refeição para o sustento da família. 28 Animal roedor é semelhante a um rato. Em tamanho ele é um pouco maior, e se alimenta apenas

de frutas regionais variantes do Tucumã ou Tucum, como por exemplo a Jabarana.

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necessidade de partir da realidade cultural de Raul para criar um ambiente de

socialização harmonioso.

Por isso, foram desenvolvidas atividades educativas/recreativas voltadas

para o conjunto de crianças e adolescentes que o cercavam, atraindo assim os

olhares e interesses de Raul em participar. A colaboração das demais crianças e

adolescentes enriqueceram as abordagens das dinâmicas desenvolvidas e

propiciaram melhor interatividade entre Raul, os amigos e colegas e a pesquisadora.

3.3.1 Confecção de brinquedos de miriti

Uma das atividades realizadas com o conjunto de crianças e adolescentes

foi a confecção de brinquedos de Miriti. Este processo comportou desde a ida à

mata retirar a matéria prima, passando pelo processo de acabamento do material

para enfim poder manipulá-lo.

Assim, para início das atividades foi necessária a ida à mata coletar matéria

prima.

As crianças e adolescentes ouvintes (Raul não se sentiu à vontade para

participar desta fase) tiveram papel fundamental nesta ação, pois foram elas que indicaram o local onde se poderia retirar a matéria prima, o Miriti, e a tala da arvore de Inajá, que fornece o elemento de encaixe para o

brinquedo, pois nos trabalhos com o Miriti não se usa nenhum tipo de pregos ou colas (DIÁRIO DE CAMPO, 19.07.2018).

As crianças colaboradoras possuíam conhecimento sobre onde estavam as

árvores, bem como quais as partes dela estariam ideais para manuseio do

artesanato. A saga para a busca da matéria prima envolveu a pesquisadora e as

crianças colaboradoras desde a exposição ao forte sol da manhã, encontro com

plantas cortantes, insetos nocivos e travessias nos igarapés.

A ação de retirada do Miriti e da Tala de Inajazeiro (árvore do Inajá) ocorreu

pela manhã do dia (19/07/2018) e durou por volta de 1H: 30 min mata à dentro29.

Após a cansativa entrada na mata, e coleta de material necessário para a atividade

recreativa, as crianças e adolescentes ajudaram a pesquisadora a manipular o

material de modo que ficasse apto para uso, corte e manuseio. A atividade de

29 É importante pontuar que maioria das crianças e adolescentes que participaram da retirada da matéria prima na mata tiveram autorização dos seus pais e responsáveis para acompanhar a

pesquisadora, outras se auto convidaram a participar. A comunidade tem rara tendência a delimitações de espaços, ou seja, as crianças desenvolvem desde cedo autonomia para circularem desde os espaços familiares dentro da comunidade até seu entorno, o que envolve matas e igarapés.

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produção dos brinquedos se deu no mesmo dia à tarde no espaço da Escola que foi

solicitado pela pesquisadora e disponibilizado pelo professor responsável.

Durante a tarde foram iniciadas as movimentações para a oficina de

confecção de brinquedos de Miriti. Para além do Miriti e da Tala de Inajazeiro foram

utilizadas as borrachas de sandálias que já não serviam para uso, delas foram feitos

detalhes dos brinquedos, como por exemplo as rodas dos carros e carroças.

Após ser convidado a participar e ver o movimento das crianças e

adolescentes ouvintes juntos à pesquisadora, Raul se aproximou e se sentiu

acolhido em adentrar o espaço e participar das ações.

Imagens 16 e 17: Crianças quilombolas e Raul30 confeccionando o

brinquedo de miriti

Fontes: Arquivo Pessoal (LOBATO, 2018).

A pesquisadora solicitou a todos ali presentes que compartilhassem

conhecimentos com os demais colegas na produção dos brinquedos, desde que

fosse em grupos, pois havia a necessidade de lidar com objetos cortantes, logo

houve a preocupação de condução das atividades pelos adolescentes maiores para

com as demais crianças, ao articular tarefas de seleção de material, corte e

montagem da peça entre todos do grupo.

Para além destes aspectos, a pesquisadora realizou orientações de maneira

ordenada para que não houvessem possíveis acidentes, apesar dos facões já serem

de uso de muitos ali presentes na casa, como também, na Casa do Forno onde na

maioria das vezes, as crianças e adolescentes contribuem no labor da família

30 De bermuda azul e sem camisa.

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descascando a mandioca para a produção da farinha31. Destaca-se que para a

oficina:

algumas crianças [e adolescentes] haviam sido comunicadas para estarem presentes, bem como seus pais e/ou responsáveis estiveram cientes sobre a finalidade da atividade. A finalidade era socializar conhecimentos culturais

das crianças e adolescentes e através disto ganhar confiança de Raul (DIÁRIO DE CAMPO, 19.07.2018).

O fato de Raul interagir e socializar conhecimentos entre crianças,

adolescentes e com a pesquisadora contribuiu com a sua segurança e valorações

dos seus saberes durante a atividade. O seu comportamento mudou no sentido de

favorecer aproximações posteriores visto que na ocasião da oficina as suas

potencialidades criativas foram valorizadas e com o auxílio de amigos Raul interagiu

com a pesquisadora e formou uma “carroça em Miriti tendo por rodas borrachas

tiradas das sandálias e cortadas em forma de círculo” (DIÁRIO DE CAMPO,

19.07.2018).

As demais crianças, em atividades coletivas, usaram da sua imaginação

para construírem outros brinquedos como: caminhões e até mesmo arma de fogo

que, segundo elas a construíram para uso da caça de animais na floresta.

A produção de um elemento como a arma de fogo pode cogitar um leque de

possibilidades acerca da sua funcionalidade tanto para a caça, quanto para

reflexões sobre violências e outras querelas sociais que, porventura, estejam

ocorrendo no quilombo, já que foi elaborada por crianças e adolescentes de forma

consensual e coletiva.

31 Imagem de uma criança participando do descascar da mandioca junto da família ao manipular um facão.

Fonte: Arquivo pessoal (LOBATO, 2018).

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A seguir, imagens dos brinquedos produzidos pelas crianças na oficina de miriti.

Imagem 18: Arma de fogo Imagem 19: Caminhão transportador de cargas

Fonte: Arquivo Pessoal (LOBATO, 2018). Fonte: Arquivo Pessoal, (LOBATO, 2018).

Observou-se que os brinquedos criados tanto pelo adolescente surdo quanto

pelas demais crianças ouvintes faziam referência às dinâmicas sociais e culturais do

quilombo. Um dado instigante evidenciado na (imagem 20) é que a carroça criada

por Raul e seus amigos, tinha uma garrafa de vidro amarrada a ela32.

Imagem 20 - A carroça e o boi simbolizados no artesanato em miriti

Fonte: Arquivo Pessoal (LOBATO, 2018).

Essa garrafa, segundo os colegas e o próprio Raul, simboliza o boi, animal

de tração usado para o transporte da família ao roçado de mandioca, o animal junto

32 O uso da garrafa de bebida alcoólica e sua presença na comunidade é tida como algo corriqueiro

visto que a dinâmica social do quilombo comporta o uso destas nos âmbitos familiares, culturais e religiosos onde as crianças e adolescentes transitam livremente. As convivências etárias culturais não oferecem restrições de espaços entre crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, logo as

crianças e adolescentes crescem conhecendo problemáticas da vida social como parte do cotidiano.

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a família também transporta a mandioca após sua colheita até a Casa do Forno para

os posteriores processos.

Observou-se que a representação acerca do boi elaborado por Raul e seus

colegas faz referência ao relacionamento coletivo na comunidade, pois devido a

comunidade ser carente, são poucas as famílias que possuem o animal de tração

para fazer seu aproveitamento nos roçados. Logo, o animal é partilhado entre

algumas famílias da Boa Esperança e de outras comunidades vizinhas quando da

necessidade de ir ao roçado arrancar mandioca e transportá-la até a comunidade.33

É muito comum, também, algumas famílias usarem motocicletas e bicicletas

para realizar o transporte da mandioca, elementos que também são partilhados visto

as necessidades e demandas sociais da comunidade que gira em torno da produção

da farinha que consiste como vetor principal da economia.

Neste sentido, a colaboração comunitária se constitui de forma em que os

sujeitos sociais oferecem um pouco de si em prol de outrem, ao passo que a

dinâmica tradicional, com o uso de boi e carroça, dialoga com as modernas, com o

uso da motocicleta e bicicleta para manutenção de saberes que atravessam

gerações enfatizando suas matrizes e se ressignificam frente as novas

possibilidades produtivas.

É importante destacar que a produção da carroça foi consenso entre os

participantes do grupo, assim percebe-se a sensibilidade dialógica e compreensão

cognitiva das crianças e adolescentes atreladas as responsabilidades comunitárias

expressas nas figuras simbólicas da carroça e do boi, bem como nas armas de caça

e no caminhão transportador.

Segundo Spinck (2004) as representações sociais são produtos de

construções históricas, sociais e de conhecimentos que permeiam o “aqui-e-agora”

indicam processos de construções de saber e definem identidade social. Tais

reflexões quando aliadas aos produtos da oficina de miriti evidenciam que a

realidade cultural das crianças e adolescentes quilombolas gira e torno de práticas

tradicionais significativas.

33 Os roçados ficam localizados a quilômetros da comunidade mata a dentro, por isso a necessidade de elementos de apoio (boi e carroça, moto ou bicicleta) para o transporte da raiz da mandioca até a

Casa do Forno.

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Em um quadro de referências sobre ancoragem e objetivação de práticas

culturais quilombolas que envolvem saberes, percepções, autonomia e

potencialidades de surdo em sociointeração com ouvintes, observa-se:

Quadro 18: Representações acerca de saberes cotidianos

Ancoragem A produção em conjunto de um elemento simbólico coletivo para a comunidade

Objetivação A produção coletiva de brinquedos de miriti

Fonte: Elaboração própria.

Sobre as representações sociais e sua dinâmica “indivíduo/coletivo”

Moscovici infere que elas:

se tornam capazes de influenciar o comportamento do indivíduo participante de uma coletividade. É dessa maneira que elas são criadas, internamente, mentalmente, pois é dessa maneira que o próprio processo coletivo penetra

como o fator determinante, dentro do pensamento individual. Tais representações aparecem, pois para nós, quase como que objetos materiais, pois eles são o produto de nossas ações e comunicações

(MOSCOVICI, 2003, p. 40).

A internalização dos significados culturais que movimentam a comunidade,

perpassa por Raul e pelo coletivo de amigos como processo, não como resultado.

Após o dialogarem eles representam um brinquedo para além de um senso comum

estático, mas que reflete significados cotidianos visto as necessidades social,

cultural e econômica a que faz sentido a cada um deles.

O sentido de coletividade para a oficina de brinquedos de miriti ficou

evidente desde as dificuldades para obter matéria-prima, bem como o

companheirismo e determinação do conjunto. Além disso, evidenciou-se que a

dinâmica social quilombola envolve a comunidade em um conjunto colaborativo de

partilhas de saberes, sejam ouvintes ou surdo.

Ademais, a oficina aponta que aqueles que já tinham conhecimentos sobre

como agir em relação à coleta do Miriti passaram noções básicas acerca do

processo de entrada na mata, cuidados e procedimentos a serem realizados na

retirada da matéria prima. Desta forma, houve um aprendizado pautado na prática

social cotidiana do brincar de crianças quilombolas, umas ensinaram a outras. E

nesta oficina a pesquisadora também aprendeu com as crianças.

As ações de aprendizados coletivos correspondem a significados que as

próprias crianças e adolescentes como sujeitos sociais sabem externar de maneira

que tal saber seja apreendido e dialogado entre os pares, independente de

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especificidade biológica ou racial por entre teoria e prática, aplicabilidades e

ressignificações como formação constante.

Freire (1981) considera que as práticas sociais quando atreladas a partilha

de saberes encontram estratégias de articulação para além de imagens sensoriais,

mas especialmente através do “pensamento – linguagem”, pois conjecturam

análises de mundo como “ação transformadora”; nisto envolve-se tanto o desejo

quanto o trabalho para um mundo transformado.

As crianças e adolescentes se educam à medida em que se relacionam uns

com os outros, experenciam autonomias, frustrações e mecanismos interpretativos

acerca de dada experiência a partir do diálogo consensual.

Brandão (2005) afirma que cada ser humano é uma fonte original de saber,

sendo estes partilháveis tendem a se inserir em linha de continuidades que

perpassam seu sentido primeiro se adaptando às novas necessidades

interpretativas como prática constante.

Berger (1985, p. 47) explica que “a mais importante experiência dos outros

ocorre na situação de estar face a face com o outro, que é o caso prototípico da

interação social. Todos os demais casos derivam dele”, nas análises deste autor é

nesta situação que os pares se encontram na plena realidade em si educativa.

Para a pesquisadora foi uma experiência inédita de aprendizados culturais,

por entre mecanismos de interações, diversões e recreações entre sujeitos que têm

sua formação intersubjetiva marcada por saberes culturais quilombolas. As crianças

pequeninas que acompanharam as ações também falavam em retornar outras vezes

à mata para tirarem seus próprios materiais e produzirem seus brinquedos.

A atividade cultural que nasce como uma proposta vinda do cotidiano de

muitas crianças e adolescentes no quilombo possibilitou certa mudança de atitudes

de Raul, pois ali foram valorizados os saberes e as vivências deles, bem como

ficaram visíveis as demandas da sua realidade social, pois como os brinquedos de

fábricas não são realidades constantes na comunidade as crianças quilombolas

tendem a criar seus próprios brinquedos.

A valoração de saberes imbricadas durante a oficina com o Miriti impactou

como um divisor de águas para a relação da pesquisadora com o ambiente e o Raul,

pois o sentimento de pertença foi experimentado tanto pelo sujeito surdo e ouvintes

quilombolas, quanto pela pesquisadora.

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O comportamento de Raul, a partir de então, foi de aproximação e

curiosidade aguçadas em relação às atividades propostas, pois havia a necessidade

de ser envolvido por momentos que representassem suas vivências, não algo

isolado delas.

3.3.2 O futebol como um elemento de representações étnicas, culturais e linguísticas

Desde a entrada no lócus da pesquisa foi percebido que uma das maiores

ocupações de Raul na comunidade era o futebol com os amigos. O futebol na

comunidade de Boa Esperança é um elemento marcante que envolve homens e

mulheres de todas as idades. Em jogos semanais, são articulados dias específicos

de treinos masculinos, femininos e disputas de campeonatos com a participação de

comunidades próximas.

A comunidade atualmente possui dois campos de futebol, onde ocorrem as

disputas e treinos oficiais, mas existem outros que foram criados pelas próprias

crianças e adolescentes, ação na qual Raul participou diretamente, segundo relatos

dos moradores.

Essas experiências evidenciam a identificação de Raul com futebol em suas

tendências educativas, ações culturais e étnicas que favorecem a linguagem

corpórea, gesticulada e expressões faciais, onde a oralidade faz pouco sentido,

quando se considera a necessidade do sujeito surdo de dinamizar vivências e

consolidações de amizades.

Valentim (2008, p. 117) pontua que os processos de aprendizagem se

efetivam através da interação entre diferentes espaços, pois estes se manifestam

nas práticas cotidianas através dos “saberes ancestrais expressos nas práticas

educativas, curativas, religiosas, na relação com os idosos, no cuidado com os

alimentos e sua relação com os saberes escolares”.

Assim, tendo como ponto de partida o interesse de Raul pelo futebol foram

articuladas dinâmicas a fins de visualizar as percepções dele acerca da sua

compreensão étnica e reconhecimento sobre a negritude posta junto à outras

vertentes étnicas.

A atividade realizada teve por intenção compreender as representações

étnicas de um negro surdo quilombola sobre si e sobre as diferenças quanto

diversidades, pois ele vivencia uma comunidade majoritariamente negra, ao mesmo

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tempo em que se depara com o paradigma da diversidade racial em encontros fora

do quilombo e, também, por meio da mídia. Nestes termos:

as representações sociais são sempre um produto da interação e comunicação e elas tomam sua forma e configuração específica a qualquer momento, como uma consequência do equilíbrio específico desses

processos de influência social (MOSCOVICI, 2003, p. 22).

Logo de percepção de si, e dos outros em âmbito comunitário.

O encontro foi iniciado junto as crianças/adolescentes ouvintes e Raul surdo

por uma dinâmica de acolhida que utilizou um curta metragem sobre o livro “Menina

Bonita do Laço de Fita”, no qual as relações de diferenças étnicas são apresentadas

como complementaridade. No filme o coelho branco admira e deseja ser como a

menina negra.

Raul observou atentamente a animação e após seu amigo, intérprete desta pesquisa, explicou um pouco do que o coelho queria, de fato, no vídeo. Após assistirem o vídeo algumas crianças fizeram considerações sobre

“serem negras”. Algumas pontuaram aspectos físicos como elementos depreciativos, outras observaram a beleza negra (DIÁRIO DE CAMPO, 16.09.2018)

Na ocasião Raul observou a movimentação de muitas crianças falando ao

mesmo tempo, talvez a confusão que foi gerada pela ansiedade das crianças em se

expressar acerca do que pensam sobre serem negras tenha contribuído para que

ele não manifestasse sinalizações sobre a negritude, ele oportunizou a visualização

das suas percepções étnicas na dinâmica posterior na qual ofereceu uma dimensão

palpável e direta sobre a diversidade e identidade negra.

Quando da problemática sobre o conceito de identidade, Silva (2005, p. 37)

afirma:

Podem-se encontrar várias definições sobre o conceito de identidade.

Contudo esta palavra sempre nos remete a noção de singularidade, de especificidade e à sensação de que possuímos uma existência própria formada por uma totalidade integrada. Este ponto de vista indica que a

identidade pode resultar tanto do processo de auto definição como da maneira segundo a qual o indivíduo internaliza as características que lhe são atribuídas socialmente.

Ainda sobre a considerações de algumas crianças ouvintes em serem

negras, em especial as meninas, arguiram que não se sentem bem em ter o cabelo

crespo e quando crescerem vão fazer igual as suas mães, alisar o cabelo para o

período da festividade religiosa. Isto demonstra o não reconhecimento de traços

étnicos marcantes da pessoa negra como subjetividade positiva, pois tais sinais são

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interpretados pelas crianças como desvalorativos. Assim elas atribuem beleza ao

cabelo liso.

Os meninos, em tons de deboche, se auto classificavam entre os mais

negros e os menos negros, sendo que os “mais negros” eram alvo de adjetivações

pejorativas e os que se diziam “mais claros” ressaltavam certa beleza na sua cor.

Assim, a cor negra é outra problemática que as crianças e adolescentes encontram

para desmerecer a sua raiz identitária.

Ressalta-se que na sociedade, em geral, a cor negra é alvo de

marginalizações, agressões e muitas vezes aliadas a aspectos negativos, logo a

crianças tomadas por estas noções amplas inferidas até pelo conceito de beleza

branca propagado, a negam, ainda que expressem carinho e admiração pelos

adultos e pela comunidade negra quilombola, procuram estabelecer limites quanto

suas próprias identificações. Silva (2005) compreende as relações de identidade

como construção histórica e fruto de jogos de relações sociais.

As opiniões do público infanto-juvenil variavam e dentre elas algumas

chamaram atenção por sua característica analítica para além da função da beleza

negra, mas, em sentido reflexivo, do que significa ser diferente do padrão e as

vantagens. Um exemplo foi quando uma criança ressaltou que “apesar de ter a pele

negra ela vê que seus pais e avós envelhecem menos que as pessoas brancas e

que isso é bom porque ‘podem viver mais’” (DIÁRIO DE CAMPO, 16.09.2018).

A análise feita demonstra a sensibilidade da percepção da criança de fatores

constituintes de pessoas que são suas referências e de si mesma em relação ao dito

padrão de beleza branco. Para além das percepções dos estereótipos, a expressão

“viver mais” indica projetos existenciais futuros de bem estar inferidos na valoração

negra quilombola.

Terminados os momentos de reflexão acerca das diferenças foi lançada pela

pesquisadora a proposta de construir um quadro demonstrativo observando a

diversidade de diferenças étnicas a partir de jogadores de futebol para a formação

de times. Na ocasião a pesquisadora optou por trabalhar as seleções de: Polônia,

Japão e Senegal, por representarem etnias marcadamente diferentes entre si, mas

complementares no que tange o envolvimento pelo futebol.

Uma consideração importante sobre a dinâmica utilizada é que, pelo fato de

ser realizada com um grupo de crianças e adolescentes em número de pouco mais

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de dez, foi necessário usar figuras das seleções em três blocos de figurinha de cada

seleção para que a atividade pudesse ser prática e diversificada.

Como era de praxe, Raul sempre observava os andamentos das atividades

para compreender do que se tratava, após o período de observação ele se auto

indicava a participar. Ao fazer as escolhas dos times a se confrontarem no campo de

futebol idealizado, Raul construiu dois quadros:

Imagem 21: (Quadro Demonstrativo-1) Polônia versus Senegal

Fonte: Arquivo Pessoal (LOBATO, 2018).

Imagem 22: (Quadro Demonstrativo-2) Senegal versus Japão

Fonte: Arquivo Pessoal (LOBATO, 2018).

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Observou-se que nos quadros, entre os diversos confrontos esportivos que

Raul poderia articular a partir das figuras, foi dada visibilidade à seleção senegalesa

em oposição às seleções de Japão e Polônia. Quando perguntado sobre o quadro

ele sinaliza que tem muitas opções de jogadores, mas que ele não poderia deixar os

negros de fora.

A pesquisadora e os demais participantes perguntam a Raul em qual dos dois times ele jogaria, em ambos os quadros ele aponta a seleção do

Senegal, e sorrindo ele sinaliza que os senegaleses se parecem com o time da comunidade, Boa Esperança (DIÁRIO DE CAMPO, 19.06.2018).

Durante a dinâmica de montagem de quadros, vale pontuar que ele

visualizou várias possibilidades para organizar os dois times em campo, inclusive:

Senegal x Senegal, Polônia x Polônia e Japão x Japão.

Essas semelhanças o incomodavam, pois tinha várias possibilidades de

articulação, nesta situação ele optou por estruturar confrontos onde a figura negra

estivesse presente. Percebeu-se, então, o sentido de pertença negra pelas

similaridades da cor como identidade construída no coletivo quilombola, somada à

sua afinidade pelo futebol.

Em um quadro de representações, tais atitudes expressamente reflexivas de

Raul se enquadram em aspectos de pertença étnica, social e cultural quilombola,

pois quando ele ancora o “ser negro” e o objetiva por entre as semelhanças de si e

da comunidade, ele demarca aspectos de identidade evidenciados na lógica social e

comunitária.

Quadro 19: Representações sobre pertença étnica

Ancoragem Perceber a negritude quilombola quanto valorativa.

Objetivação Se identificar como negro através do quadro demonstrativo.

Fonte: Elaboração própria.

Furtado (2016, p. 132) considera que o ser negro bem como o ser surdo

constituem o ser ontológico para além “de uma característica biológica, mas se

evidencia como uma questão de pertencimento e de experiências compartilhadas”.

O ato de representar a si, a seus pares e a sua comunidade por

características marcadamente étnicas implica afirmar que a diferenciação ou auto

discriminação de Raul em relação com a cor inexiste, pois, a diferença quanto

preconceito só é gerada/negativada a partir do estranhamento de algo não familiar.

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Quando Raul aponta a si em contexto social étnico, através do quadro

demonstrativo, e direciona que suas escolhas para tal representação caracteriza a

afinidade negra valorativa conjuntural evidencia que a sua subjetividade está em

sintonia com as pessoas que o ceram, com a cultura a qual participa, alheio a

distinção de cor como algo que os depreciem mas como algo que os marcam quanto

comunidade.

Os fatores que envolvem as relações quilombolas como pertencimento

cultural, segundo Almeida (2011), estão na cor, mas também em outros aspectos

como território, saberes e reconhecimentos cotidianos próprios.

Observa-se que os agentes sociais que se autorepresentam ou são definidos, direta ou indiretamente, através da noção de quilombo, evidenciam que ela adquire sentido ao expressar o reconhecimento de suas

formas intrínsecas de apossamento e uso dos recursos naturais e de sua territorialidade, descrevendo uma nova interlocução com os aparatos de poder. Os elementos de contraste involucrados nesta relação explicitam o

advento de uma identidade coletiva (ALMEIDA, 2011, p. 47).

Raul usou de estratégia crítica quando apontou em seu cartaz a preferência

pela diversidade étnica em reconhecer seu viés cultural/identitário negro em um

momento especial da sua formação cidadã, a adolescência. Estas percepções

indicam que, Raul reconhece e valoriza suas experiências negras, a comunidade

quilombola onde as formam sujeitos pelas relações cotidianas e assim se tornam

relevantes.

Moscovici (2003, p. 30) compreende que “nós percebemos o mundo tal

como ele é e todas a nossas percepções, ideias e atribuições são respostas a

estímulos do ambiente físico ou quase-físico em que nós vivemos”. Assim, as

atribuições culturais de Raul perpassam pelos sentidos de aprendizados sociais e

partilhas por um estar sendo no mundo em coletividade e pertença.

Apesar de haverem situações conflituosas sobre o lugar do negro surdo na

comunidade entre as quais existem incompreensões por parte de alguns sujeitos

ouvintes em subjugar as capacidades de Raul por ser surdo, em atribuírem a ele

debilidade intelectual e avesso aos trabalhos agrícolas, Raul apresenta - nesta

dinâmica em especial – que se reconhece membro da comunidade e que junto a

comunidade está se constituindo como sujeito ativo das relações culturais. Neste

momento a identidade negra quilombola prevaleceu.

Uma segunda dinâmica perpassou pelo uso de desenhos que envolvessem

o campo de futebol no sentido de se apreender as interações sociais de Raul com os

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ouvintes, pois em uma das situações anteriores de observação em campo foi notada

uma situação entre Raul e um outro menino da comunidade no jogo de futebol onde

ele e esta outra criança, que também possui dificuldade de oralização, esta por

questões de dicção, “utilizavam com bastante ênfase as expressões faciais e gestos

isolados de comandos referentes ao jogo de futebol” (DIÁRIO DE CAMPO,

19.06.2018).

Com a familiaridade de Raul com o futebol e as possibilidades socio

interativas dialogadas possíveis a partir deste esporte, foram propostas atividades

grupais acerca da importância do futebol para as crianças e adolescentes ouvintes,

junto ao adolescente surdo.

Como já mencionado, houve a necessidade de articulação de dinâmicas

pedagógicas variadas que envolveram não somente Raul, mas seus pares ouvintes

de maneira que ele percebesse a importância de se expressar a partir de desenhos

e demais oficinas. Com estas ações poderia perceber tais atividades como um

exercício plural, no qual as subjetividades seriam objetivadas.

Nesta etapa, a pesquisadora usou um método interativo grupal onde foi

proposto que as crianças desenhassem a si e seus amigos num campo de futebol. O

intuito da atividade foi o de fazer com que as demais crianças e Raul se

percebessem na comunidade por entre a interrelação de aprendizados e

convivências.

No desenvolver da atividade foram destacadas pelos participantes algumas

afinidades e posturas em situações que, inicialmente, podem ser compreendidas por

seu teor de diversão, mas que podem explicitar conflitos, estranhamentos e até

mesmo contradições sociais.

Enquanto as demais crianças e adolescentes desenhavam um campo de

futebol cheio de crianças, a bola e na socialização explicavam em seus relatos quais

amigos estavam em cena, quem jogava mais futebol e quem fazia mais gols, Raul

desenhou de forma diferente que destoou das demais percepções das crianças. Ele

desenhou a si e seu amigo Renato no jogo de futebol.

Abaixo é ilustrado um dos desenhos de uma criança ouvinte para fins

comparativos ao desenho feito por Raul, ilustrado posteriormente.

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Imagem 23: Desenho de uma criança ouvinte sobre as relações no futebol

Fonte: Arquivo Pessoal (LOBATO, 2018).

Imagem 24: Desenho de Raul com seu amigo num campo de futebol

Fonte: Arquivo Pessoal (LOBATO, 2018).

Quando perguntado sobre a imagem construída (Imagem 24), Raul sinaliza

que se trata dele e seu amigo jogando futebol. Mas o que instiga na imagem é a sua

objetividade em não apresentar demais personagens em meio ao campo e o fato de

ambos estarem em posições de goleiro. Quando perguntado por que ele estava no

gol, ele sinaliza que é onde ele fica durante os jogos.

Percebeu-se certa contradição entre a imagem, a sinalização e as vivências

de Raul com o futebol na comunidade, pois durante os meses de observação da

pesquisadora in loco, Raul sempre estava atuante nos jogos de futebol nas posições

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de meio de campo geralmente acompanhado de muitas crianças, algumas vezes

revezando entre ser atacante e ser goleiro.

A importância das representações para se compreender relações em

contextos cotidianos implica em perceber as contradições e percepções

intersubjetivas sobre papeis sociais, sobre espaços, sobre aprendizados e sobre o

movimento de inserção social, “ [...] por outro lado, [ela] toma, como ponto de

partida, a diversidade dos indivíduos, atitudes e fenômenos em toda sua estranheza

e imprevisibilidade (MOSCOVICI, 2003, p.79).

Em uma perspectiva conflituosa de contradições a representação de Raul

através do desenho geram provocações, pois no ato das brincadeiras entre crianças,

a dinâmica de revezamento é tida como uma constante entre a maioria das crianças

que participam do jogo. Durante as observações, percebeu-se que a função de

goleiro não é bem aceita pelas crianças e adolescentes jogadores que são

designados a esta função durante os jogos, pois ela se mostra apática frente as

outras de maior movimento.

É notória a necessidade de se discutir junto as crianças e adolescentes

quilombolas a importância de cada jogador dentro de campo, inclusive o goleiro, que

têm função primordial quanto às defesas, logo a invencibilidade do seu time

depende, especialmente, dele.

Dando seguimento às análises, mais curioso, ainda, foi quando a

pesquisadora acompanhou um treino de futebol masculino no qual apenas os

adultos estavam jogando. Na ocasião Raul estava entre eles, mas na função de

goleiro. Na concepção dos adultos ouvintes Raul não poderia jogar em meio de

campo por não partilhar de comandos orais necessários para o desenvolvimento do

jogo, mas como sua idade e tamanho se assemelha a dos adultos, ele foi encaixado

na partida como goleiro, pois nesta função precisaria apenas de suas atribuições

visuais em acompanhar a bola e defender.

Nestas conjunturas as relações sociais, a necessidade de estar sendo no

mundo perpassa por sujeições como em um sentido de significações culturais

transitórias por entre a adolescência e juventude de Raul.

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Quadro 20: Representações sobre relações sociais no jogo de futebol

Ancoragem O futebol como brincadeira, mas como espaço de sujeição para afirmação pessoal.

Objetivação Se colocar em um lugar no qual não gosta de estar, mas que outros preferem que ele fique.

Fonte: Elaboração própria

Na ocasião é representada a surdez, como deficiência degenerativa do ser

social, implica na negativação e oportunização de si como objeto. Sobre a condição

social do sujeito surdo em suas abrangências pode-se compreender que, ainda que

Raul participe de certas atividades e vivências culturais existem parâmetros de

aceitação, especialmente no jogo de futebol dos adultos. Assim relações são dadas,

de maneira verticalizada desconsiderando as particularidades do outro em sua

inteireza perceptiva, vigorando uma relação eu -isso.

Martin Buber (1979) realiza análises sociais onde as diferenças são

compreendidas como alteridade de forma horizontal, dialógicas, recíprocas a serem

identificadas como “eu-tu”, nesta há a valorização e não a sobreposição categórica,

doutro modo o autor infere que quando não há reciprocidade a relação intersubjetiva

é pautada como “eu-isso”, a afirmação do primeiro e a personificação do outro como

inativo, passível de assistência.

Para Oliveira e Oliveira (2015, p. 57) “Já que esta ação não considera o

outro como sujeito ativo, falante e pensante, o Eu (sujeito) enxerga o ISSO (objeto)

como um não-ser, não tem relação afetiva, nem sentimento sobre o objeto.

Em uma ótica freireana, a inexistência do diálogo, da alteridade nas relações

quilombolas entre ouvintes e surdo direciona ações de opressão, pois:

O diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar

ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias e serem consumidas pelos permutantes (FREIRE, 1987, p. 79).

As contradições evidentes no desenho podem simbolizar, também, as

relações de amizade como sendo seletas apesar de ele viver maioria do tempo

cercado entre seus pares; evidenciou destaque à apenas um amigo, Renato, por ser

um amigo muito próximo e por criar junto a ele mecanismos dialógicos fraternos para

tornar o cotidiano significativo entre vivências de sinais.

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Por outro ângulo, o desenho também indica a sua interpretação de mundo

frente as funções coletivas. No caso do futebol ele se representa em um lugar que

as pessoas o designam, não de fato onde gosta de estar.

Por viver e uma comunidade em que os mais velhos são referências, as

crianças e adolescentes de modo geral tendem a compreender a sociedade a partir

das ações e indicações que os adultos dão desde o âmbito familiar, como social,

cultural e econômico.

O desenho de Raul evidencia a polaridade entre as suas vivências com

crianças e adolescentes da comunidade; suas representações sobre amizade e suas

compreensões culturais por entre lugares infanto-juvenis onde se conflitam suas

relações de pertença no entremeio de preferências e da supressão de suas

vontades diante das percepções de mundo inspirada nos adultos.

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4. A EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA: VIVÊNCIAS, REPRESENTAÇÕES E

PERSPECTIVAS DE VIDA DE UM ADOLESCENTE NEGRO SURDO

Esta seção realiza reflexões acerca do sentido social a educação quanto elo

de difusão de conhecimentos que devem ser articulados entre os curriculares e os

saberes da experiência de forma que ambos sejam significativos para a formação

social dos sujeitos quilombolas, especialmente o surdo, pois não partilha de vias

auditivas que o permitem apreender informações por meio de um dos sentidos, mas

aguça aprendizados outros por meio de percepções e vivências.

São analisados eventos que dimensionam a educação escolar e educação

cultural de Raul com seus pares ouvintes, inclusive com o professor do ensino

regular. São gerados debates acerca das representações e vivências de Raul no

sentido de conflitos, permanências e transgressões no que tange ao seu processo

educacional formativo e cultural.

4. 1 A problemática da educação escolar de um surdo em realidade de “inclusão” quilombola

O espaço escolar é um lugar de encontros, construções, interações, conflitos

e aprendizados. No quilombo de Boa Esperança o processo educacional é

multisseriado, o que permite que vivências de crianças de diferentes faixas etárias

se relacionem e se desenvolvam em tempos diferentes, mas em conjunto e em

diálogos formativos.

O ambiente de sala de aula mista, em sua intencionalidade pedagógica,

permite diferentes abordagens de ensino, métodos organizacionais de conteúdos

diferenciados por parte do docente, interrelação de crianças de diferentes faixas

etárias. Com isto impulsiona o processo de aprendizagem posto que a interação

mútua pode influenciar diretamente na construção das aprendizagens.

Aliada à realidade escolar multisseriada, a comunidade quilombola se

depara com mazelas estruturais por falta de investimentos da Secretaria Municipal

de Educação (SEMED). Dentre uma variedade de descasos pode-se citar que as

circunstâncias histórico/atuais do quadro escolar comporta um número elevado de

crianças em sala de aula, sem as mínimas condições estruturais para o

aprendizado.

Arroyo (2011, p. 84) reflete sobre as desigualdades geradas no meio

educacional, pois diferente do que se pode esperar, a educação das camadas

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sociais menos favorecidas economicamente – pela lógica da desigualdade

capitalista – não deve ser direcionada à consciência crítica.

Na atual conjuntura constitucional brasileira a educação é um direito de

todos, sendo dever do Estado garanti-la. Num complexo de relações de privilégios

que afirmam as classes sociais abastadas, a educação não pode ser prioridade para

todos, logo ela será um mecanismo de controle social que legitimará a

desqualificação científica, profissional e pessoal daqueles menos favorecidos

economicamente, neste plano estão as comunidades tradicionais rurais bem como

grupos de pessoas com deficiência, público dela.

Essas desigualdades apontadas interferem diretamente na qualidade de

ensino de maneira a dificultar o acesso e permanência de crianças pobres, negras,

com deficiência e de outras minorias sociais na escola, pois a desqualificação

formativa docente, a carga horária excessiva e baixa remuneração aliadas a

condições de trabalhos precárias geram um contexto de desigualdades, que

segundo Arroyo, estão para além da escola.

Nessa visão as desigualdades não são das escolas. Estas são apenas o

lócus onde os desiguais se mostram desiguais. Às análises de políticas cabe mostrar que relação política reproduzem essas tentativas de responsabilizar os coletivos feitos desiguais por suas desigualdades e pelas

[desigualdades] da nação e do sistema escolar (ARROYO, 2011, p. 85).

Desta forma, as desigualdades se legitimam como esferas sociais de

afirmação de uns e de negação de outros, sendo desiguais pois são destinadas a

“membros dos coletivos desiguais, inferiores” (ARROYO, 2011, p. 84).

A luta pela educação de qualidade, então, faz-se mais que um direito político

e cidadão, dimensiona-se como existencial, pois a formação humana perpassa por

este ambiente chamado de escola, onde interações, diálogos e construções são

feitos diariamente nem sempre existindo condições mínimas de aprendizados, nem

sequer condições de permanência no espaço com o mínimo de dignidade, assim o

bem-estar pessoal é também violado.

Ainda que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional contemple a

educação do campo e preveja em seu Artigo 28:

I – Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo

agrícola e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996).

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Essa lei não consegue alcançar a realidade tal qual ela é. A LDB não

considera as diversidades de relações na área rural; não reflete sobre o nível de

amparo governamental nestes locais como irrisórios nos quais o alcance de

educação é mínimo e que, para que a educação aconteça, se deve criar subsídios

efetivos que versem sobre inclusão social cidadã e nisto envolva as pessoas com

deficiência em um meio formador significativo, de dignidade humana e de

qualidades.

As condições estruturais, espaciais, didáticas e metodológicas da escola de

Boa Esperança - evidenciadas na seção 2 com mais detalhes - impactam

diretamente em dificuldades de aprendizagens que os educandos quilombolas

(ouvintes e surdo), enfrentam diariamente. Faz-se importante anunciar a

precariedade, sinal de abandono e ausência de espaço de recreação apropriado.

Postas as reflexões acerca da realidade educacional de infraestrutura da

escola quilombola a pesquisa adentra em problematizações sobre aspectos que

implicam na inconsistência do ensino, nas incoerências de aprendizagens e na não

significação dos saberes dialogados às perspectivas formadoras de um sujeito

surdo, adolescente e negro.

As provocações aqui imbricadas não tangenciam apenas quesitos

operacionais da sincronização entre “aprender ou não aprender” de um sujeito

surdo, vai além, pois sem as condições necessárias a educação de Raul alcança um

ciclo vicioso de retenções insignificantes que o condicionam a não progressão

estudantil vedando-o de novas relações em outros espaços e outras perspectivas de

aprendizado inclusivo o que Oliveira (2004, p. 143) chama de “permanência

excludente”.

Durante as observações in loco pode-se perceber que a educação de Raul

não tem aparatos pedagógicos que facilitem a aprendizagem. As ações docentes se

limitam a metodologias mnemônicas, reprodutivistas e carentes de dinâmicas

significativas para o aprendizado. Outro fator é o distanciamento da sala de aula dos

ambientes socioculturais comunitários, dos quais Raul participa, aprende,

ressignifica e ensina seus pares nas relações dialógicas sensíveis.

O déficit na aprendizagem de Raul é visibilizado desde as atividades

mecanicistas propostas no caderno, passando pelas representações de Raul sobre

a escola como espaço de contradições de sentidos, até chegar nas significações

socio culturais que Raul expõe no caderno quando das atividades livres.

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4.2 A educação escolar de Raul: a sala de aula como espaço de

contradições, estranhamentos e estratégias de aproximações culturais

O ambiente escolar, como qualquer outro, dispõe de elementos que o

tornam atrativo, como por exemplo, as experiências de ensino/aprendizagem, a

possibilidade de progressão estudantil dos níveis básicos aos superiores, as

interrelações de amizade possíveis e o contato com uma diversidade de

responsabilidades, experiências e pessoas.

Contudo, os conflitos existentes devem ser considerados, pois em meio a

tantas possibilidades em torno do espaço escolar existem os estranhamentos

relacionais e o distanciamento do que é visto na grade curricular dos interesses reais

dos discentes. E, quando o meio cultural cotidiano não é visibilizado ou se faz raro,

tais experiências educativas tencionam a viabilidade/efetividade do espaço e de sua

função social.

A importância da continuidade dos estudos é marcada pela necessidade de

cada indivíduo em aperfeiçoar e dialogar seus saberes com saberes outros, expandir

sua área de conhecimento e poder visualizar novos horizontes formativos tanto

pessoais quanto profissionais. Entretanto, tais funcionalidades do estudo são

vetadas quando as condições de progresso estudantil não condicionam significados

coerentes para alguém que possui especificidades biológicas oral/auditiva, nestes

termos:

Raul possui certa afinidade com o espaço escolar visto sua compreensão de que ali é um ambiente de escrita, de observar, de ter uma figura como

referência e que a função deste alguém é de orientar toda a turma a realizar produções diversas, comportamentais e até de equilibrar emoções quando estas se alteram (DIÁRIO DE CAMPO, 11.09.2018).

Há, portanto, por parte de Raul tanto a compreensão do que é uma escola,

como a entende ser um espaço cultural do quilombo. Segundo os pais de Raul, ele

frequenta a escola desde pequeno, entretanto há um déficit na sua escolarização,

pois apesar de serem empreendidos esforços por parte da família para que ele não

abandone os estudos, aos 16 para os 17 anos34 seu processo de alfabetização

funcional ainda não foi concluído.

Lima (2015) afirma que o tempo de aprendizagem do sujeito surdo, por

haver a barreira comunicacional oral/auditiva, é diferenciado dos ouvintes. A autora

enfatiza que estes fatores não interferem na sua capacidade cognitiva. Entretanto, a

34 Estas são as idades que Raul possui durante o período de início e de conclusão da pesquisa.

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naturalização da diferença denota incapacitação, como afirma Carvalho (2012c, p.

35).

Quando a diversidade humana é desconsiderada ou banalizada, as condições ambientais colocam as pessoas em situação de deficiência como incapacitadas, muito menos por suas características pessoais e, muito mais,

pelas barreiras de toda a ordem com que elas se deparam.

Raul está inserido em um sistema de integração escolar o qual oferece

apenas a disposição do espaço e das ações do educador que se fazem irrisórias

frente a necessidades subjetivas do educando surdo. A realidade é que Raul está

retido há 4 anos no 4.º ano do ensino fundamental e pela inconstância do processo

educativo permaneceu retido na mesma etapa no ano de 2018.

É interessante pontuar que a escola de Boa Esperança trabalha com

educandos apenas do 1.º ao 5.º ano do ensino fundamental. Em 2018, Raul

participava de uma turma mista (4.º e 5.º) ano. Assim, terminado o ano letivo, os

educandos que avançaram em nível de estudos foram encaminhados para uma

escola de quilombo de Porto Alegre a 6 Km de distância, nele a escola trabalha com

turmas de (1.º ao 9.º) ano.

Posta esta realidade de mudanças e conflitos:

Raul ao perceber que seus colegas iriam avançar de etapa e que iriam mudar de escola, não aceitou se submeter a mais um ano nas mesmas

condições estudantis e resolveu por si mesmo migrar para a escola do quilombo vizinho e acompanhar seus amigos (RELATOS DA FAMÍLIA DE RAUL, 25.02.2019).

O ato de autonomia e de postura crítica de Raul expressa a sua insatisfação

com suas condições estudantis. Ao contrariar a ordem de permanecer na mesma

escola a qual frequentava desde pequeno, Raul evidencia seu papel de sujeito ativo

da sociedade, que se constrói em relações e que transgrede sentenças articuladas

de subordinação, assim busca novos sentidos para seu saber/fazer educativo.

Para Paulo Freire:

Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se

constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões que vão sendo tomadas. [...] A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser (FREIRE, 1996, p.67).

É o processo de constância pelo qual Raul perpassou desde a infância que o

trouxeram questionamentos, dentre outros, de: por que ele deveria ficar quando

seus amigos tendem a conhecer outro espaço e vivenciar novas experiências? O

educando surdo, então, assume para si uma nova realidade, a qual estaria longe de

mudar se não fosse sua insatisfação, reflexão e autonomia libertária.

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Apesar de Raul assumir a autonomia de frequentar um novo ambiente

educativo a fim de alcançar progresso educacional a sua condição estrutural de

alfabetizando não permite que, pelo sistema, ele seja matriculado na atual unidade

escolar, logo existe um longo processo pelo qual ele, a família e a comunidade terão

de lutar para que se legitime seu o direito de educação e de cidadania.

No decorrer do ano letivo de 2018 Raul foi acompanhado em sala de aula

pela pesquisadora em alguns momentos, nos quais puderam ser abstraídas

informações acerca do seu ensino/aprendizagem. Foram observadas também

relações de Raul com os colegas ouvintes em sala de aula, tipos de metodologia

utilizada pelo professor bem como os tipos de atividades que eram direcionas ao

sujeito surdo.

Neste sentido, as vivências de Raul, em sala de aula, são marcadas por

algumas dificuldades comunicativas. Algumas expressões de Raul:

são usadas para visualizar dúvidas e ilustrar o seu desenvolvimento frente

as atividades propostas, entretanto os sinais utilizados, os auxílios de colegas, as expressões faciais e os esforços do professor em tentar ajudar realizando apontamentos sobre o que deve ser feito, não são suficientes para dar direcionamento acerca de conteúdos como ciências, história,

português, entre outras matérias (DIÁRIO DE CAMPO, 05. 10. 2018).

Durante as observações, por vezes, foi notória a inquietude de Raul em não

acompanhar o ritmo dos colegas ouvintes, as atividades que eles faziam eram de

complexidade diferente da exigida de Raul.

Em sua pesquisa Lobato (2016) apresenta um relato do professor de Raul

sobre as dificuldades de ensinar o sujeito surdo e dos impactos sentidos tanto por

Raul quanto pelo educador. Identificado de forma fictícia na ocasião da pesquisa

como professor João, este permaneceu lecionando para Raul nos anos

subsequentes, inclusive em 2018, sem, entretanto, obter êxito na aprendizagem de

Raul. O Professor João relatou:

eu já vivi essa experiência, na sala de aula, assim, mas foi poucas vezes. Ele chegou até chorar lá na sala de aula por causa das outras crianças, ele queria fazer uma coisa que as outras crianças estavam fazendo e não

conseguia, que era participar da brincadeira lá, que são as brincadeiras de falar mesmo, ai eu vi que ele ficou muito triste com isso [...] (LOBATO, 2016, p. 68). [Grifo nosso]

O Professor João destaca a dificuldade de Raul em participar de

brincadeiras que consistiam em falar. Neste caso, o professor não viabilizou outras

estratégias que permitissem ao Raul participar, considerando que no seu cotidiano

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sociocultural ele não deixa de interagir com as crianças e os adultos, participando de

festejos, brincadeiras e jogos.

Assim, ser cobrado por uma coisa que não tem condições de fazer, como é

o caso da articulação da fala oral articulada, pode acarretar marcas nas memórias

cognitivas de Raul acerca da sua representação sobre o fazer escolar, sobre suas

vivências em conjunto no espaço, sobre a funcionalidade do ato educativo.

Em algumas ocasiões em que a pesquisadora observou Raul na escola e na

comunidade, ela percebeu que:

Raul por vezes ignorou o horário de aula para assistir jogos durante a

realização da Copa do Mundo de Futebol. Ainda que ele estivesse em período avaliativo, a ida a escola não era sua prioridade frente aos jogos televisivos (DIÁRIO DE CAMPO, 01. 07. 2018).

Observa-se que as demandas sociais e escolares de Raul tendem a serem

articuladas de acordo com as significâncias que ele mesmo estabelece, a escola é

reconhecida por ele como um espaço de interações e aprendizados, entretanto a

sua familiaridade pelo futebol constitui parte das suas afeições onde ele observa

experiências do futebol, aprende e as executa nas brincadeiras da comunidade junto

aos seus pares. Por estas observações, compreende-se que a aprendizagem de

Raul nas práticas sociais cotidianas é mais significativa do que na escola e, por isso,

a valoriza mais.

A opção pelos jogos televisivos consiste em uma forma de resistência de

Raul em relação à escola. Realizar qualquer atividade cultural ou lúdica que o faça

sentir prazer pode refletir como um reclame de que as experiências escolares não

contemplam suas necessidades nem estão articuladas às suas vivências culturais

fora dela.

4.3 O ensino/aprendizado escolar de Raul por entre esforços, limitações,

assimilações em uma inviabilidade de progressão educacional

Uma das maiores angústias dos pais de Raul foi evidenciada de forma

dialogada em alguns dos encontros na comunidade quilombola. A angústia girava

em torno da complexidade de tentar fazer com que o filho progredisse nos estudos,

pois está em idade avançada se comparado aos colegas de turma.

Os pais compreendem a dificuldade que é lidar com alguém diferente em

sala de aula, pois até mesmo em casa as vezes é difícil, porém, eles veem o filho

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como capaz de continuar os estudos, mas sem as condições adequadas para fazê-

lo (LOBATO, 2016).

Durante o acompanhamento das aulas foram observadas, algumas das

estratégias utilizadas pelo docente para tentar incluir Raul nas mesmas atividades

das crianças ouvintes. Foram utilizadas algumas atividades que valorizam a cópia de

assuntos e/ou atividades do livro; cópia de assuntos do quadro negro e atividades

escritas pelo docente no caderno de Raul para que ele viesse a completar de acordo

com seus conhecimentos prévios assimilativos e também culturais.

A alfabetização de Raul na escola consiste em exercícios não reflexivos

elaborados de forma mecânica. A aula na turma multisseriada apresenta estrutura

constante de metodologias tradicionais, isto é, cópia do quadro e memorização de

conteúdos o que inibe a possibilidade de aprendizado reflexivo de um sujeito que

demanda metodologias flexíveis para que ele possa ser efetivado.

Em uma das ocasiões de observação de pesquisa a orientação dada pelo

docente aos alunos foi a de exercitar a cópia de assuntos retirados do livro e

repassando estes aos cadernos. A atividade reprodutivista provoca apenas o

exercício da grafia de Raul enquanto o seu conteúdo, de expressiva importância,

não é abordado em sala nem de maneira explanatória, nem por dinâmicas lúdicas.

Imagem 25: Exercício de Português-escrita feita por Raul

Fonte: coleta de dados (2018).

O texto escrito da imagem 25 é transcrito a seguir, seguindo a perspectiva

alfabética de Raul, que evidencia, incoerências na ortografia e na descontinuidade

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de informações que ele conseguiu objetivar no papel, bem como, sem aprendizados

ou sequer problemáticas acerca de um conteúdo tão amplo e necessário, já que o

texto aborda questões sobre conflitos sociais e direitos de crianças e adolescentes.

Agora, com base no texto a seguir identifique algumas das você e observou

neste capítulo

Leia um trecho do depoimento de Conceição Paganele sob militância35. Ela é de Conde, município do litoral da Bahia, em julho de 1955. Cezinha, como

gosta de ser chamada, fundou de mães e amigos de criança e adolescentes em risco (AM com o objetivo de exigir que Estado brasileiro cumpra o criança do adolescente legal, Lei n.º 8069 de 13 de que dispôs sobre a

proteção integral da criança e do. (ATIVIDADE DO CADERNO DE RAUL, 22.10.2018).

O texto, ainda que com limitações de ortografia, é fruto de uma atividade de

cópia simultânea do livro didático e corresponde aos percalços educacionais e

sociais, nos quais Raul está inserido. O primeiro deles diz respeito a educação

defasada, pois atualmente aos 17 anos de idade não é alfabetizado. O segundo, vai

além do campo de aprendizagem do ponto de vista funcional da grafia, ao envolver o

aproveitamento do conteúdo do texto e sua informação crítica acerca de diferenças

de classe, mazelas sociais, violências e ações solidárias educativas para com

crianças e adolescentes.

É possível observar na imagem anterior os esforços de Raul em participar da

tarefa atribuída pelo docente à turma. O texto escrito apresenta forma desordenada

em suas articulações de caracteres, no qual as palavras encontram-se incompletas

e, em alguns casos, desarticuladas umas às outras. Desta forma, percebe-se que:

O exercício da escrita ainda é um desafio para Raul ao passo que o alfabeto em suas estruturas e funcionalidades é uma incógnita pois o educando não consegue articular palavras, criar textos ou expressar opiniões escritas de

forma autônoma. Doutra forma, precisa ter pontos indicados por colegas ou professor, aos quais ele tende a seguir, assim seu processo de ensino/aprendizagem escolar segue comprometido (DIÁRIO DE CAMPO,

17.10.2018).

Paulo Freire problematiza de forma enfática a validade de um ensino que

não é comprometido com o aprendizado, já que para ele, um é indissociável do

outro. O teórico afirma: “Inexiste validade do ensino de que não resulta um

aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de refazer o

ensinado, em que o ensinado [...] não foi apreendido” (FREIRE, 1996, p. 12-13).

35 O termo “militância” nos escritos de Raul não está em sua íntegra, pela escrita de Raul ele se apresenta como “iatância” sendo contextualizado e assimilado pelas pesquisadoras quando da

análise.

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Raul ainda não está alfabetizado e não consegue avançar no seu processo

de alfabetização, considerando a metodologia utilizada que é aplicada nas diversas

atividades desenvolvidas em sala de aula. Outra vertente metodológica utilizada pelo

docente corresponde exercícios aplicados por ele diretamente no caderno de Raul

que consistem em atividades quase todas semelhantes:

o professor costuma cobrar: cópia repetida do nome de Raul em uma lauda

inteira ou metade dela, exercícios para ligar objetos, letras e quantidades correspondentes, ele inicia o alfabeto até a consoante “C” para que Raul dê continuidade até completar o alfabeto e por fim abre uns espaços circulares

para que Raul faça desenhos livres (DIÁRIO DE CAMPO, 21.09.2019).

Durante a pesquisa foram realizados alguns registros, no sentido de dar

visibilidade às atividades pedagógicas realizadas em sala de aula por Raul, bem

como as impressões que o educando surdo infere quando realiza atividade livre.

Imagem 26: Atividade de cópia realizada por Raul

Fonte: coleta de dados ( 2018).

A atividade ilustrada na imagem 26 tem como objetivo o excercício da escrita

alfabética a partir de grafia simples, como o uso de três letras apenas, seguida de

um exercício livre. Tal abordagem proposta pelo docente compreende a escrita em

seu sentido visual, assimilativo e reprodutivo onde as possibilidades educativas não

são exploradas devidamente, pois não são criadas estratégias contextuais entre

grafias, significados e realidade cultural do educando.

No que tange ao aprendizado de Raul, pode-se afirmar que os esforços

inferidos pelo docente são importantes para que o educando tenha alguma noção de

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escrita, mas estes não são suficientes, pois a ausência de reflexão acerca da ação

educativa, retêm as potencialidades de Raul e não se consolidam no cognitivo de

forma eficaz.

Freire (1981) em um sentido reflexivo acerca da educação, ressalta:

O aprendizado da leitura e da escrita não pode ser feito como lago paralelo ou quase paralelo à realidade concreta dos alfabetizandos. Aquele aprendizado, por isto mesmo demanda a compreensão da signficação

profunda da palavra. [...] Daí que, nesta perspectiva crítica, se faça tão importante desenvolver, tanto nos educandos como no educador, um pensar certo sobre a realidade. E isto não se faz através de blá-blá-blá mas

do respeito a unidade entre teoria e prática (FREIRE, 1981, p. 13).

A não alfabetização de Raul, no período de quatro anos nos quais ficou

retido por problemas estruturais, metodológicos e de práticas de ensino inflexíveis à

diversidade, implicaram na estereotipia inferida a ele como incapacidade de

aprendizagem estando ele fadado ao reprodutivismo e ao não progresso

educacional.

Esses fatores podem tomar forma de ciclo vicioso na vida de Raul, na qual, a

sua autonomia cognitiva e potencialidades serão direcionadas ao estigma do

assistencialismo frente as possibilidades que se abririam a ele se as relações

escolares educativas fossem flexibilizadas e adaptadas a partir do universo de

aprendizado cultural do educando.

Essas atividades são algumas constantes na vida escolar de Raul, pois se

tratam de matérias básicas, que já deveriam ter sido ampliadas e dinamizadas de

acordo com as possibilidades de aprendizado do sujeito surdo que em meio a

exercícios de cópias, frações matemáticas e textos encontra um espaço para

expressar suas representações sobre seu meio cultural e social na contramão do

alfabetizado mecânico disposto pelo docente.

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Imagem 27: Atividade de cópia realizada por Raul

Fonte: coleta de dados (2018)

Na imagem 27 é ilustrado um sistema de exercício no caderno semelhante

ao anteriores. Apesar de terem a mesma estrutura, em termos de conteúdo,

emergem outras abordagens como no exemplo acima acerca de animais

vertebrados e invertebrados ou “com osso/sem osso”. Contudo os saberes escolares

no caso de Raul ficam restritos a caracteres sem informações, apenas ilustrativos,

que após reproduzidos sem mais finalidades, são avaliados e “corrigidos” pelo

docente.

Com estas imagens pode-se visualizar o ensino escolar que o educando

surdo está envolto, o sistema de repetições, assimilações e decorações se

apresentam como estratégias para atrela-lo a sala de aula frente as poucas

possibilidades estruturais existentes e a restrita metodologia para o processo de

alfabetização de Raul.

Oliveira (2009, p. 15) considera que quando as estratégias de ensino

docentes são direcionadas pelo pensamento arraigado da incapacidade discente de

aprendizados, ou que tal capacidade é efetivada de forma lenta, a ação pedagógica

docente pode ser classificada como “rotinizada e despersonificada”, o que dificulta

ainda mais o aprendizado de um sujeito que deveria ser alcançado por propostas

educativas significativas.

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Ainda sobre a escolarização de Raul, outro dado pertinente diz respeito ao

período de avaliações bimestrais dele e sua turma. Em uma das ocasiões ele foi

acompanhado pela pesquisadora durante a realização da avaliação de Português.

Como já foi enfatizado, ele está inserido em uma turma multisseriada na qual

as avaliações foram diferenciadas, mas não pelas categorias de séries, mas pelas

diferenças entre ouvintes e surdo:

O conteúdo cobrado às crianças ouvintes era para: “separar em sílabas e classificar as palavras do gênero masculino para o feminino”. Mas o

conteúdo para Raul consistia em: “completar as letras do alfabeto, ligar objetos ao seu nome escrito: (casa, carro, dado, osso); e ligar quantidades correspondentes” (DIÁRIO DE CAMPO, 18.06.2018).

Notou-se que a educação de Raul é pautada em métodos de reprodutivismo

e decoração de elementos desprendidos de contextos, sem o devido

reconhecimento de conteúdos abordados em sala de aula.

Percebe-se a defasagem no processo educacional escolar de Raul, pois a

ausência de conhecimento e práticas acerca de metodologias inclusivas na

educação da pessoa surda reflete nas relações sociais e na sua formação do ser

sujeito social, pois ainda que os conteúdos sejam de vertente educativas eles não se

encaixam como aprendizados contínuos, mas apenas assimilativos.

Durante a aplicação da prova houve um momento de aproximação entre

Raul e a pesquisadora estimulado pelo professor da sala de aula. Na ocasião Raul

resolvia as questões da prova mecanicamente ao mesmo tempo em que se mostra

inquieto com a presença da pesquisadora ao seu lado.

Ao terminar a sua prova, Raul foi convidado pela pesquisadora a escrever

algumas palavras a partir de comandos escritos. A reação de Raul evidenciou a

reprodução sem compreensão do que se estava sendo solicitado por meio da

escrita. Assim, entende-se que, sua alfabetização ainda é comprometida pela não

ciência da leitura da língua portuguesa.

Imagem 28 - Atividade realizada com Raul

Fonte: (DIÁRIO DE CAMPO, 18. 06. 2018).

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A imagem 28 evidencia a assimilação reprodutivista de Raul que perpassa

pela incompreensão dos caracteres que ali estão articulados, evidenciando uma

educação marcada por signos isolados sem validação em termos de aprendizados

que deem sentidos a funcionalidade ao alfabetizado escolar.

Para Freire (1981) a educação como um ato político implica no

conhecimento tácito de cada indivíduo. Através desta educação ele pode

problematizar seu mundo e por meio das reflexões críticas de sua prática ele pode

atuar de maneira mais segura no mundo.

Assim, a educação define-se como um elo formador da intersubjetividade do

ser humano em suas atuações frente a sua realidade social e cultural. Quando o

adolescente negro surdo e quilombola não alcança a educação em sua importância

formativa, social e ético-política ele é pluralmente negado por ser minoria.

Oliveira (2004, p. 147) afirma que a negação do outro como diferente

acontece pelos vieses: “cognitivo, ético, produtivo, jurídico e político, mediante a

centralização em um referencial dado o Eu capaz, racional, livre, produtor e a

consequente exclusão do Outro incapaz, não-racional, não-moral e não-produtor”.

Pelos entremeios das atividades escolares de Raul ilustradas anteriormente

faz-se relevante pontuar e analisar os significados simbólicos dos pequenos

desenhos elaborados aos finais de cada atividade do caderno.

Raul, em seu ato educativo, infere em seu caderno alguns signos que

podem ser analisados a partir das relações cotidianas, pois quando há a

oportunidade de realizar desenhos livres, ele ancora e objetiva percepções acerca

da sua realidade cultural educativa no ambiente social quilombola, separado do

aprendizado escolar através de círculos isolados.

Na (imagem 26), observa-se algumas figuras como: boi, caju, um menino,

um outro menino que aparenta ser um personagem de desenho animado, tem-se

também um pássaro, um lagarto, uma casa e um barco. Estes são alguns elementos

culturais que estão presentes no cotidiano de Raul (com a exceção do barco) e que

fazem referências a ambientes culturais educativos e, marcadamente, possuem

articulações de significados com as suas vivências do dia a dia.

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Imagem 29: Representações culturais de Raul no caderno

Fonte: coleta de dados (2018).

Os desenhos representados são elencados pelo educando surdo como

elementos significativos do seu fazer cultural cotidiano. Tratam-se de animais,

ambientes, frutas e identificações artísticas elucidados a diversões como que em um

contexto paralelo ao feito na atividade do caderno que envolve a cópia, reprodução e

assimilação.

Ao observar as imagens de uma perspectiva conjuntural reflexiva do

cotidiano de Raul, pode-se perceber elementos culturais que o cercam e a partir dos

quais Raul correlaciona aprendizados, seu fazer no mundo e seu saber em

articulação com seu espaço social e cultural.

Desta forma, na atividade, o educando surdo imbrica representações sociais

que incluem percepções infanto/juvenis, relações comunitárias e percepções

culturais cotidianas de lazer e de aprendizados que podem ser categorizadas no

quadro a seguir:

Quadro 21: Representações sobre saberes escolares e saberes culturais

Ancoragem A compreensão de experiências cotidianas culturais como elementos de aprendizados possíveis.

Objetivação Os desenhos revelam experiências culturais educativas do cotidiano.

Fonte: Elaboração própria

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De maneira indireta Raul correlaciona os temas educativos por entre os

saberes escolares e saberes culturais. Raul não recebe sinalizações do que deveria

desenhar nos círculos vazios, ele usa de sua criatividade para expressar situações

nas quais o seu “estar no mundo” é significativo e através dos quais ele se constrói e

também aprende.

As representações sociais que Raul infere no caderno quando diferencia a

educação a partir dos signos alfabéticos e das relações culturais cotidianas

correspondem a distinção de elementos que compõem a sua formação social crítica.

Para Jodelet (2009) a educação pessoal perpassa pelas representações do

sujeito tem de si, pois sendo ele um agente social pensante e ativo, ele é capaz de

evidenciar aspectos que são significativos ou não para a sua formação cidadã,

etária, identitária, cultural e educativa. Ele realiza um paralelo entre o saber escolar

e o saber cultural cotidiano.

A exemplo os saberes da mata: quando desenha animais silvestres e frutas

muito presentes na comunidade quilombola; dos saberes humanos em articulações

com os naturais: quando desenha o barco; ele representa também a figura de uma

casa: indicando lugar de abrigo; desenha o que aparenta ser um personagem de

desenho: que representa a sua interação com meios de multimídia que se configura

por entre distração e aprendizados, pois os desenhos animados repassam em seu

conteúdo algum tipo de mensagem. Por fim, ele representa o boi como um elemento

cultural necessário para a movimentação econômica da comunidade, evidenciando o

meio cultural no qual está inserido e através do qual sua formação se constitui.

A educação cultural para Freire é um acontecimento formativo constante

pois está associada as percepções críticas que o sujeito faz da sua realidade

quando se propõem a ler o mundo e sob esta ótica “a leitura de mundo revela,

evidentemente, a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se

constituindo” (FREIRE, 2002, p. 123).

Neste sentido:

O ato de conhecer envolve um movimento dialético que vai da ação à reflexão sobre ela e desta para uma nova ação. Para o educando conhecer

o que antes não conhecia, deve engajar-se num autêntico processo de abstração do qual reflete sobre a totalidade “ação – objeto” ou, em outras palavras, sobre formas de “orientação no mundo”. Este processo de

abstração se da na medida em que se lhe apresentam situação representativa de maneira como o educando “se orienta no mundo” - momentos de sua cotidianeidade - e se sente desafiado a analisá-las

criticamente (FREIRE, 1981, p. 41).

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As abstrações sociais advindas de um sujeito surdo que experencia o mundo

a partir das relações de observação, de sentidos, de experiências e de sinalizações

revelam a importância que tais elementos culturais desenhados têm para a sua

educação e formação subjetiva quilombola.

Em outra instância, a atividade escolar elucidada na imagem 27, a partir de

um contexto temático “com osso/sem osso”, o educador entrega a atividade para

que Raul a realize de forma mecânica e copista sobre um conteúdo esvaziado de

articulações entre teoria educativa e prática social em suas significações.

Após terminar a atividade reprodutivista Raul têm os espaços do círculo em

branco para preencher com desenhos, estes desenhos refletem a realidade do seu

meio cultural. Nesta ocasião ele representa uma casa, um gato, um olho e um

menino.

Tais elementos agora inferidos pelo educando surdo no caderno se

diferenciam dos desenhos elaborados na atividade analisada anteriormente, tratam-

se de alguns símbolos do cotidiano, mas menos abrangentes do que os anteriores e

com traços de significação subjetiva que caracteriza suas observações de mundo

em detalhes.

Imagem 30: Representação de abstrações cotidianas de Raul

Fonte: coleta de dados (2018).

Após isolar tais desenhos da referida atividade e organizá-los de forma

sistemática tendo por premissa a organização social subjetiva de Raul, pode-se

perceber que eles correspondem a elementos de um contexto onde são perceptíveis

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elementos comunitários como a casa, o gato e a figura de um olho expressando um

dos seus mecanismos de percepção de mundo.

Tais desenhos evidenciam de forma espontânea as abstrações de Raul na

comunidade quilombola, bem como aspectos do social que o chamam atenção, pois

na atividade classificada como “livre”, Raul dispõe apenas de espaços de círculos

em branco e nos quais ele simboliza ambientes, sentimentos e percepções,

alcançam uma dimensão de vida social alheia a vida escolar onde ele observa

pessoas ou ele mesmo, ambientes familiares, as relações humanas em articulação

com animais aos quais ele dá destaque.

As representações de Raul acerca do saber escolar e cultural subjetivo pode

ser visualizado a seguir:

Quadro 22: Representações subjetivas de saberes escolares e saberes culturais

Ancoragem A singularidade cultural subjetiva na educação.

Objetivação Os desenhos e as relações educativas de observação e interação com o meio.

Fonte: Elaboração própria

Dentre as muitas possibilidades as quais poderiam ser evidenciadas nos

espaços circulares em uma visão direta do “saber escolar” e suas significâncias,

Raul poderia desenhar uma diversidade de elementos referentes ao aprendizado

escolar como: signos alfabéticos ou numéricos, materiais escolares, o espaço da

sala de aula, ou mesmo reproduzir atividades anteriores.

Avesso a estas suposições, em todas as atividades que o educador aplica

atividade de cópia para reproduzir e abre os círculos para que Raul preencha

livremente, ele opta por representar espaços e elementos culturais presentes no

cotidiano ou mesmo que inexistem no ambiente, mas os quais tem

representatividade significativa para a sua formação cultural e relacional.

Por estes aspectos a surdez quanto fator constituinte do sujeito se revela no

sentido das valorizações cognitivas para o aprendizado de forma amplificada, muito

além do que é proposto em sala de aula de forma limitada. Para Oliveira (2011, p.

01):

Ser surdo não é apenas “não ouvir”. É muito mais amplo. É ver o mundo de

uma forma totalmente diferente da ótica de mundo do ouvinte. É apreender conhecimento, significar o mundo e a si mesmo através da visão, daí a importância da língua de sinais para a pessoa surda.

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O sujeito surdo partilha muitas experiências através do olhar, do observar,

do apreender, do selecionar e do ressignificar, em si, do representar. A língua de

sinais constitui-se como um elo formador imprescindível para a comunicação do

sujeito surdo em suas articulações sociais com o meio ouvinte e vice-versa.

As representações sociais são construções de conhecimentos observáveis

que são elaborados coletivamente e partilhados posteriormente a partir de seus

objetivos práticos de forma a construir uma realidade comum (JODELET, 2001).

Quanto ao processo de ensino/aprendizagem de Raul, este perpassa pela

alfabetização da língua portuguesa na sua modalidade escrita, entretanto são

realizadas em sala de aula abordagem de conteúdos de outras matérias.

A seguir são apresentados exemplos de atividades de Geografia e de

Matemática no sentido de dar maior visibilidade as relações estudantis de um

adolescente, surdo, negro e quilombola por entre um processo educacional escolar

estático baseado na assimilação da cópia em detrimento do conhecimento

amplificado de conteúdos que deveriam contribuir na formação social de Raul.

Imagem 31: Exercício de Geografia – uma abordagem étnica sobre o meio

ambiente

Fonte: coleta de dados (2018)

A temática abordada na imagem 31 faz menção ao conteúdo de consciência

ambiental fluidas a partir de observação da natureza e dos seus mecanismos de

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fertilização natural sob a ótica dos povos indígenas Ticuna36. No texto escrito Raul

menciona:

O poema a seguir foi escrito pelos professores indígenas Ticuna. Eles mostram que sabem de onde vem a fertilidade do solo. Com o vento as folhas se movimentam

E quando caem no chão ficam paradas em silêncio. As folhas caem, apodrecem e se misturam com os galhos secos. Assim se forma o ngaura. O ngaura cobre o chão da floresta e alimenta as árvores.

As folhas velhas morrem para ajudar37 o crescimento de cogumelos e vários tipos de outros seres vivos pequenos (ATIVIDADE DO CADERNO DE RAUL, 13.08.2018).

Após o texto no início da lauda têm-se um desenho representando o

ambiente de uma floresta, copiado do livro, e após o desenho observa-se o

comando de uma questão que solicita interpretação de texto e conhecimento acerca

das características da floresta amazônica, no trecho se lê: “como é o solo da floresta

amazônica? Como as folhas velhas ajudam o crescimento da vida?” (Idem, 2018).

Após o comando da questão que não foi respondida por motivos notórios é

inferido pelo docente uma marca de “correção” no vazio da pauta. A partir deste

exemplo, observa-se a fragilidade educacional/formativa em que Raul está inserido,

primeiramente pela precariedade estrutural e metodológica do ensino, depois pela

ausência de iniciativa docente de flexibilizar o processo educativo de Raul.

Além disso, a iniciativa de “corrigir” a página em branco simboliza o

conformismo com a estagnação educativa do adolescente surdo e com as

implicâncias que tal ato pode culminar, ou seja, uma educação vazia sem

perspectivas de avanços críticos de compreensão posto que a adjetivação simbólica

criada sobre Raul, corresponde a uma incapacidade cognitiva.

A exclusão social não é específica das pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais, os/as alunos/as pobres, os/as que

trabalham, os/as pertencentes a minorias étnicas, entre outras, sofrem discriminação e são excluídos do acesso e permanência na escola

(OLIVEIRA, 2004, p. 70).

A intelectual levanta uma problemática correspondentes as múltiplas faces

da exclusão social, pois segundo ela não se pautam apenas nas pessoas com

deficiência, mas nas minorias sociais e étnicas que subjugadas pela lógica de

36 Os Ticuna brasileiros (o povo Ticuna se estende a fora do Brasil) estão localizados no Estado do

Amazonas em regiões banhadas pelo rio Solimões (OLIVEIRA, 2002). 37 O termo “ajudar” inserido na transcrição foi elucidado no sentido se facilitar a compreensão do público leitor, entretanto ele se encontra nos escritos de Raul como giujar, a considerar o delicado

processo de alfabetização do educando surdo.

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produtividade e aceitação social burguesa embranquecida, condicionam aos

oprimidos contextos amplos de marginalização.

Sobre isto Arroyo (2011, p. 84) reflete:

Prevalece a visão escolar. Desiguais em alfabetização, em escolarização,

em acesso e permanência na escola. [...] desiguais em resultados de aprendizagem, no padrão de qualidade. [...] o ser desiguais em percursos escolares os torna desiguais nos percursos sociais.

Ao passo que na própria unidade escolar da comunidade étnica não são

oportunizadas estratégias educativas que facilitem o aprendizado da pessoa com

deficiência, ela sofrerá fora dela múltiplas marginalizações por estigmas, pois pelas

condições de sujeito adolescente, surdo, negro e não alfabetizado ele se encontra

vulnerável socialmente o que pode implicar em marcas de violências simbólicas para

sua subjetividade e potencialidades.

A importância de uma pedagogia educacional adaptada e significativa

expressa a dinâmica ampla que o conteúdo, originário de reflexões indígenas, teria

para aguçar a compreensão social, cultural e ambiental de Raul e dos demais

colegas ouvintes, visto que a comunidade quilombola preza por saberes culturais

aliados ao meio ambiente, as situações climáticas para que possam atuar nas

plantações do roçado e nas execuções das caça.

Adentrando na especificidade educacional de Raul, apresenta-se um outro

exemplo da educação escolar Matemática e Português.

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Imagem 32: Exercícios de Matemática/Português38

Fonte: coleta de dados (2018).

A atividade expressa pela (imagem 32) valida signos educativos onde são

dinamizados conhecimentos isolados das disciplinas de português e matemática que

são semelhantes em estruturas, mas vazias de significados que facilitem a produção

do conhecimento interdisciplinar.

A prática docente quando não é pautada em ato reflexivo tende a

homogeneizar processos educativos de sujeitos com necessidades educacionais

especiais, assim, aplicar a mesma metodologia, cobrar o mesmo desempenho sem

refletir se tal ensino reflete em aprendizagens. Para Freire (2002, p. 9) educar “é

mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas”, o autor

analisa que a formação está muito além do ato repetitivo sem fundamentação,

aplicabilidade e significabilidade.

Noutro sentido “Tratar sobre a educação dos Surdos sem um olhar atento

sobre suas potencialidades de desenvolvimento real é continuar deixando-os à

margem do processo, excluindo-os” (DORZIAT, 2009, p. 82). Assim, entende-se que

a exclusão está diretamente relacionada a atitudes sensíveis acerca do outro sem

homogeneizá-lo ou mecanizá-lo.

38 A imagem passou por adaptações gráficas onde foi necessário, por questões éticas da pesquisa, apagar o verdadeiro nome de Raul que estava dentre um dos itens a ser exaustivamente copiado e

reproduzido.

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Ao questionar a educação bancária não dialogada Freire (1987, p. 33)

enfatiza que “em lugar de comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos

que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e

repetem”.

Nisto pode-se problematizar a funcionalidade ou aplicabilidade da educação

escolar inclusiva em suas vastas esferas: políticas, sociais, culturais, pedagógicas e

crítica, posto que Raul está inserido em uma sala de aula regular de ensino desde a

infância, ali algumas gerações de colegas passaram por ele e ele permaneceu

estagnado na condição de “deficiente auditivo/cognitivo” pois a dificuldade do

diálogo entre os educadores ouvintes e sujeito surdo não possibilitou avanços

sequer na alfabetização dele.

No que tange ao sentido educacional, alfabetizador e dialógico, Freire (1981,

p. 41) afirma:

Como um ato de conhecimento, o processo de alfabetização implica na

existência de dois contextos dialeticamente relacionados, um é o contexto do autêntico diálogo entre educadores e educandos, enquanto sujeitos de conhecimento. É o contexto teórico. O outro é contexto concreto, em que os fatos se dão – a realidade social em que se encontram os alfabetizandos.

Para o intelectual a educação bem como a alfabetização dever ser

mediatizada pelo mundo em uma interrelação de lógicas e significados atribuídos ao

espaço concreto de atuação. A educação dialógica para Paulo, não se dá como via

de mão única, absoluta por um os lados, logo “Os ‘dialogantes’ admiram o mesmo

mundo; afastam-se dele; e com ele coincidem; nele propõe-se e opõe-se “(FREIRE,

1987, p. 8).

Considerando isto, a inexistência de sentidos sociais entre o que se ensina e

o que deveria se aprendido em contexto escolar, impacta na educação de Raul

gerando complexidade de entendimentos e apropriação do conhecimento de fato. O

evidente distanciamento dos saberes escolares e saberes culturais implica na falta

de signficados para a formação de Raul em contexto social e educacional.

A partir das evidências que os dados oferecem pode-se perceber e

problematizar se a Educação Inclusiva, em suas premissas pedagógicas,

metodológicas e relacionais estãos sendo efetivadas no quilombo na classe regular

de ensino entre educador ouvinte, e educandos ouvinte e surdo.

Evidentemente as relações estabelecidas em sala de aula apontam para a

continuidade de um sistema de ensino “bancário” e tradicional voltado para esfera

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de “uniformidade educativa dos sujeitos”. Ainda que as diferenças sejam

reconhecidas pelo educador, elas não se apresentam em importância necessária

para que a educação de Raul seja significativa para seu progresso científico escolar,

sua vida social e relacional dentro e fora do quilombo.

O espaço escolar está longe de ser homogêneo. É nele que adiversidade

existencial de seres humanos de encontra, se confronta e também dialoga entre

vivências e saberes, portanto:

para inserir o aluno surdo no ensino regular, é preciso que se proporcionem condições para que seus agentes, coletivamente, reflitam sobre as ações a serem desenvolvidas e, a partir disso, construam novos conhecimentos

sobre aquela realidade escolar (OLIVEIRA, M., 2008, p. 194).

Estes aspectos caracterizam uma educação democrática sobre a qual se

constituem mentalidades ético-valorativas acerca de si e do outro nas classes

regulares de ensino, bem como na sociedade. Por este viés “A educação inclusiva

pressupõe que as crianças se desenvolvem melhor num ambiente diverso e

complexo, com múltiplas experiências de vida e de relações” (OLIVEIRA, 2004,

p.78).

A proposta de incluir pessoas com deficiência na sala de aula regular

consiste em legitimar a presença do outro frente a estranhamentos, conhecimentos

e aproximações. Para além disto, a proposta inclusiva versa sobre a ampliação de

metodologias de ensino, flexibilização de conteúdos e a relevância das ilteligências

múltiplas bem como as potencialidades de cada educando. Se o/a educador/a se

vale destas premissas para articular suas aulas a partir das necesidades do público

educando, a inclusão social tende de fato a ser efetivada.

Contrário a isso a educação escolar de Raul, desde seus primeiros

percursos educacionais até a atualidade adolescente, se evidencia de maneira

mecanizada, copista, desarticulada socio/culturalmente de estratégias dialogadas e

metodologias eficientes que o contemple em suas especificidades de aprendizados.

Gesser (1971, p. 27) destaca que um dos mecanismos essenciais para a

educação da pessoa surda é a prática, difusão e conhecimento possível a partir da

Lingua brasileira de Sinais-LIBRAS, pois ela se caracteriza pelos termos estruturais

“fonológico, morfológico, sintático e semântico”, para que a educação da pessoa

surda seja significativa.

A Libras, por ser reconhecidamente língua, apresenta mecanismos

necessários para que a conversação visoespacial argumentativa seja compreendida

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em uma completude comunicacional. A Libras favorece um ambiente onde se

“constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de

comunidades de pessoas surdas do Brasil” (Lei n.º 10.436/2002), e por essa a

dimensão interregional, ela possibilita diálogo de sujeitos das mais diferentes

realidades, articula debates, promove ideais e também questionamentos acerca de

processos sociais, educativos e políticos.

Contudo, ainda que a Libras seja legitimada como primeira língua oficial dos

sujeitos surdos na modalidade visoespacial a sua abrangência, em termos de

popularização, não alcança a comunidade surda em contexto significativo pois

muitas comunidades tradicionais ainda carecem de conheicmento desta bem como a

sua articulação com as estratégias de conversação possível através dos sinais

caseiros.

Destas forma a sua significância em termos de alcance dos sujeitos surdos

se faz insipiente, visto que ela ainda não consegue abrangir uma comunidade

tradicional, situada a 54 Km de distância do município sede e de difícil acesso.

Assim, a comunidade tende a articular uma linguagem própria para que se faça

comunicativa entre surdo e ouvintes.

A promoção da educação inclusiva perpassa, sobretudo sobre mecanismos

onde articulações sociais onde:

ao pensar na educação de surdos na conjuntura da educação inclusiva, deve-se considerar as especificidades linguísticas inerentes a esses sujeitos. Isto significa que o educando surdo deve conviver em um

ambiente bilíngue que favoreça a construção de sua identidade e valorize na comunicação a Libras (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2015, p. 48) (grifos nossos).

As autoras levantam problemáticas acerca da conjuntura bilíngue necessária

para que a educação da pessoa surda aconteça. Entretanto deve-se atentar que,

para além do uso da Libras, tais especificidades linguísticas comunicativas

perpassam por metodologias nas quais não apenas a linguagem visogestual exista

ou a linguagem oral, elas chamam atenção à diversidade de possibilidades

dialógicas relacionais, que envolvem afetividade, contato, humanização do outro.

Assim, cria-se um ambiente que considera a conversação para além do falar ou

sinalizar.

Ademais, as autoras explanam:

É pertinente mencionar que a criação de um ambiente bilíngue deve ser a

primeira medida realizada para inclusão do educando surdo no espaço educativo. Todavia, mostram-se necessárias outras medidas para

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possibilitar uma efetiva inclusão educacional e linguística, como: um

currículo flexível, práticas pedagógicas inclusivas, metodologias diferenciadas, etc. (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2015, p. 48).

Quando o educador justifica sua prática educativa excludente a partir de

desconhecimentos de técnicas ou de estratégias metodológicas necessárias a

educação do sujeito surdo, ele se insenta da responsabilidade de ser um sujeito

social ativo em consonância com a sociabilidade ativa de seu educando também.

Tais medidas implicam na formação cidadã de Raul, pois ele em estado de

vulnerabilidade social, sofrerá com estigmas relacionados a cognição e a

potencialidades de aprendizados. Assim, a sua trajetória escolar de retenção será

considerada, sem aprendizados consistentes e incompreensiveis ocasionando

rupturas em possíveis oportunidades de progressões futuras.

Uma das inquietações de Oliveira (2004, p. 65) diz respeito a ausência de

sensibilidade criativa e humana de articulações escolares que efetivem realidade

ducativa do educando surdo. Para a autora “a escola não considera as diferenças

individuais e culturais das crianças em sua organização social, transferindo para as

pessoas com necessidades especiais a adaptação ao modelo escolar existente”.

Em outros termos a escola deve coexistir em “Tempos/espaços em que

Outros Sujeitos se afirmam, trazendo experiências sociais, políticas de resistência,

de construção de outra cidade, outro campo, outros saberes e identidades”

(ARROYO, 2012, p. 25).

Complementar a isto devem ser reforçados: outros debates, outras

realidades, outras necessidades, outros aprendizados, outra ótica onde o múltiplo se

afirme considerando as diversidades. Tais prerrogativas acentuam a valorização dos

saberes e potencialidades de pessoas que são caracterizadas por depreciações, por

ausências e/ou marginalizações.

Neste sentido a educação escolar oferecida a Raul tem de ser repensada,

rearticulada e revalidada em sua prática social, cultural de forma a alcançar o

educando em suas potencialidades criativas, perceptivas e cognitivas. É possível

perceber que a educação escolar oferecida do adolescente surdo se retém na

reprodução de letras e palavras sem sentido compreensivo distante de aparatos

culturais que são apreendidos, desenvolvidos e dialogados por Raul no cotidiano

com facilidade.

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4.4 Processos da escolarização de Raul: representações e leituras do

contexto escolar e cultural educativo

Após evidências e debates acerca do processo educacional tal qual

acontece em sala de aula nas relações educador ouvinte/metodologia de

ensino/educando surdo, pode-se notar as mazelas sob as quais Raul está envolto,

pois a problemática perpassa desde a estrutura administrativa do poder público, se

estende por vertentes metodológicas de ensino e culmina na defasagem de

aprendizado sem perspectiva de avanços no que tange ao progresso educacional

escolar de um adolescente negro, surdo e quilombola.

É importante observar que em meio a muitos exercícios no caderno que são

aplicados de forma repetitiva, Raul encontra um pequeno espaço para realizar

desenhos livres. Estes representam elementos subjetivos da percepção de Raul da

comunidade quilombola e sobre as suas vivências de aprendizados culturais nela.

Percebe-se com frequência em seus desenhos, a imagem de um menino,

que pode ser uma autorepresentação, bem como imagem de animais, personagem

de desenho animado e frutas regionais.

Essas imagens, em seus sentidos simbólicos, expressam ambientes

culturais diversos. Expressam vivências e representações que constituem a sua

formação educativa cultural por meio das quais ele interage e exprime a importância

do quilombo como um espaço de experiências múltiplas, diversas que podem ser

experenciadas a partir do perceber, do interagir e do significar circunstâncias que

marcam a sua percepção de vida social coletiva.

Percebe-se que a educação de Raul é caracterizada por linhas paralelas de

aprendizagem, por um lado: significações, diálogos, formações e reflexões em meio

socio/comunitário; e por outro, a educação escolar repetitiva, descontextualizada e

assistencialista por meio de “palavras ocas” (FREIRE, 1983).

A educação de Raul é comprometida, pois de um lado se tem vivências e

percepções das quais mensagens e significados são abstraídos, e de outro, um

sistema educacional de círculos enfadonhos. Desta forma, torna-se necessário

problematizar a escola para além de termos estruturais ou metodológicos, ou seja,

em sua dimensão humana.

Quando as representações, imaginários e práticas oferecidas a pessoa

surda são englobadas por medidas sociais de negação a partir do conceito de

“diferença” degenerativa e incapacitante, a depreciação e discriminação do sujeito

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dito deficiente evidencia-se culminando em sua mínima participação na sociedade

como cidadão (OLIVEIRA, 2004).

A medida em que Raul está em sala de aula e é contemplado por exercícios

repetitivos, sem interação flexível ou conversações que estimulem a sua

compreensão acerca do que se quer dialogar em aprendizados, compreende-se que

a discrepância irregular de ensino diverge significativamente do aprendizado que ele

experencia no seu cotidiano comunitário.

Nas interrelações culturais participativas - ainda que conflituosas - que Raul

atribui importância, pois ali o seu existir e seu aprendizado perpassam pela

sensibilidade de existência plural dele e seus pares, sendo estas experiências de

relevância para sua formação educativa pessoal e cidadã.

Sobre isto Freire reflete:

É preciso que a educação esteja – em seu conteúdo, em seus programas e em seus métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem [e a mulher] chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o

mundo, estabelecer com os outros homens [e mulheres], relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história (FREIRE, 1979, p. 21).

A educação como fim social busca a formação humana em

complementaridade de significações nas quais os sujeitos, com ou sem deficiência,

se constituem socialmente e têm a sua formação científica articulada ao seu meio

cultural, pois ela destaca-se como um fenômeno social por meio do qual os seres

humanos interagem, apreendem, distinguem, bem como são colocadas em relevo e

diferenciadas umas das outras (SCHUTZ, 2012), por meio das representações.

Assim, faz-se necessária “uma educação que liberte, que não adapte,

domestique ou subjugue. Isto obriga a uma revisão total e profunda dos sistemas

tradicionais de educação, dos programas e dos métodos” (FREIRE, 1979, p. 22),

exige a mudança no paradigma escolar educativo.

Após estas reflexões acerca dos conflitos educativos em esferas sociais e

escolares, a pesquisadora propôs duas dinâmicas, a primeira que: a) possibilitassem

a percepção e reconhecimento do outro sem o uso de um dos sentidos, a visão; a

segunda, b) consistiu na representação do espaço escolar através de desenhos.

a) Percepções das “ausências” e reconhecimento sensível do outro

A primeira dinâmica teve por finalidade problematizar a questão das

“ausências” em meio aos pequenos quilombolas, pois é de conhecimento de todos

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que Raul não partilha das vias auditivas, mas que consegue interagir com a

comunidade no sentido de participar de vivências e saberes.

Esta dinâmica se apresentou como desafio subjetivo de cada um sobre suas

percepções, sensibilidades acerca do seu próprio reconhecimento e de seus pares a

serem evidenciadas em grupo, em partilhas. A dinâmica pôs em relevo o

reconhecimento do outro através de elementos subjetivos, características

existenciais que marcam a diversidade como elo formador e constituinte da

sociedade.

Para a atividade reuniram-se em média 15 participantes entre crianças,

adolescentes ouvintes, Raul surdo e a pesquisadora também ouvinte. O primeiro

contato de Raul, foi em observação pela janela do lado de fora da escola para

entender do que se tratava o encontro e quando se sentiu à vontade, entrou para

participar.

Para começar realizamos uma dinâmica de conhecimento do outro por meio

de características físicas a partir do toque, como que na brincadeira “Cabra Cega”, mas com os olhos vendados pelas mãos da pesquisadora. Os participantes eram escolhidos aleatoriamente para reconhecimento de um outro [...] que deveria ser identificado através do uso do tato e em situações

especiais o uso da voz era necessário, assim dinamizava o suspense no ambiente (DIÁRIO DE CAMPO, 04.08.2018).

A dinâmica foi, além de prazerosa, descontraída, onde todos interagiram e

evidenciou a confiança de Raul em se auto indicar para participar como sujeito a ser

reconhecido. É importante salientar que a pesquisadora enfatizou aos presentes que

só era permitido tocar nos braços, rosto e cabelos, assim poderia se verificar

fisionomia, altura e características próprias de cada participante respeitando o toque

ao outro.

Para Raul contato direto com outro, quando do toque, e o fato de ser

reconhecido através da leitura labial pelo amigo que estava vendado mostraram a

sua satisfação, pois em meio ao silêncio geral no ambiente, alguém sabia como ele

era e o reconhecida mesmo sem ver, a experiência se mostrou inédita a ele pela sua

felicidade após o contato.

Terminada a dinâmica de acolhida, a pesquisadora distribuiu os materiais

didáticos aos presentes e orientou para que eles representassem o ambiente escolar

em suas estruturas espaciais, representassem as pessoas e o que mais faziam na

escola. O encontro logo contou com a chegada de outras crianças de variadas faixas

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etárias que adentraram e após acolhidos foram convidados também a participar da

dinâmica.

b) Representações de Raul acerca da escola e da comunidade: diversidade educativa dos ambientes sociais

Esta segunda dinâmica teve por finalidade visualizar as questões que Raul,

e os educandos ouvintes têm sobre o espaço escolar. Analisar como Raul o

percebe, como a escola se apresenta a ele em significados ou mesmo disparidades

a serem objetivadas por ele naquele espaço destinado ao ensino/aprendizagem.

Para a produção foi oferecido pela pesquisadora alguns materiais de apoio

didáticos como: papel A4 sulfite multicores; giz de cera; lápis de cor; lápis preto

nº.20, borrachas, tesouras, tinta guache e pincéis.

Imagem 33: Crianças e adolescentes recriando o espaço escolar

Fonte: Arquivo Pessoal (LOBATO, 2018).

No desenho realizado Raul expressou o espaço escolar em dois planos

diferentes, um simbolizando a parte externa da escola, o outro a interna com alguns

personagens e traços curiosos. Como a atividade já se estendia em horário, não deu

tempo de visualizar as percepções de cada educando acerca das imagens

desenhadas sendo oportunizadas em outro momento.

Em uma ocasião posterior, a pesquisadora retornou à comunidade

quilombola e após reunir as crianças e adolescentes, apresentou a cada um/a seu

desenho para que o descrevesse. Com o auxílio de Renato, Raul expressou

algumas características do seu desenho:

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Imagem 34: A Escola desenhada por Raul39

Fonte: Coleta de dados (2018).

“No desenho Raul sinaliza que fez ele e seus amigos dentro da escola, e na

frente o professor sozinho com um giz na mão, de costas para todos” (DIÁRIO DE

CAMPO, 05.08.2018). A cena é curiosa pois ela foge a conjuntura lógica de sala de

aula, pois o professor está sozinho e cercado por cadeiras vazias em um espaço

externo, enquanto os alunos permanecem do lado de dentro da escola “isolados” da

figura docente em um outro espaço. A escola representada se apresenta em dois

planos complexos, mas significativos.

Ao observar a imagem pode-se perceber que os alunos são ilustrados de pé

e um deles possui um objeto semelhante à um facão na mão e: “quando perguntado

qual era o objeto que um dos personagens da imagem segurava, ele responde que é

uma faca usada por eles para ir no mato” (DIÁRIO DE CAMPO, 05.08.2018).

As relações evidenciadas pelo desenho evidenciam o ambiente escolar por

entre espaços divididos. Em uma problemática aprofundada o desenho pode revelar

a discrepância que o ensino representa para o educando surdo ao evidenciar como

a lógica cultural está impregnada do sentido educativo, alheio ao espaço escolar e à

figura do professor. As próprias cadeiras esvaziadas oferecem um panorama de

39 A imagem sofreu alterações gráficas pois houve a necessidade da retirada do nome de Raul do canto inferior direito, entretanto a retirada do nome não ofereceu danos ao sentido a representação

desenhada.

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“espaço incompreendido”, visto que os educandos se encontram em outro plano

distante do educador.

Enquanto o professor está à frente de costas para as cadeiras solitárias com

um giz na mão, aqueles que na imagem seriam alunos aparecem em um espaço

distante da concepção de educação “bancária” oferecida pelo docente. De acordo

com o descrito por Raul, eles observavam a aula de longe, mas com intenções de

outras experiências culturais provavelmente atreladas à prática da agricultura ou à

caça, ou mesmo diversões que envolvam aspectos culturais.

Acerca da imagem representada e da sua contextualização pode-se

compreender as representações de Raul sobre o espaço escolar por entre

categorias de ancoragem e objetivação.

Quadro 23: Representações sobre a educação sociocultural e escolar Ancoragem A diversidade de possibilidades educativas entre a escola e a

comunidade.

Objetivação O desenho crítico ao entrelaçar os ambientes escolar/comunitário junto de seus sujeitos participantes.

Fonte: Elaboração própria

A abordar tais representações em seus conflitos de significados pode-se

compreender que tais representações perpassam por análises conjunturais do

ambiente as quais “nos guiam no modo de nomear e definir conjuntamente os

diferentes aspectos da realidade diária, no modo de interpretar esses aspectos e

tomar decisões" (JODELET, 2001, p. 17).

Por estas compreensões que envolvem elementos subjetivos aliados aos

intersubjetivos através dos quais o sujeito adolescente surdo está em formação,

corroboram com a problemática do aprendizado, da sua presença significativa no

ambiente, das pessoas que simbolizam a interação necessária em um constante

estar sendo no mundo de maneira reflexiva, problematizadora e crítica, assim:

O homem [e a mulher] chega[m] a ser sujeito[s] por uma reflexão sobre sua situação, sobre seu ambiente concreto. Quanto mais refletir[em] sobre a

realidade, sobre sua situação concreta, mais emerge[m], plenamente consciente[s], comprometido[s], pronto[s] a intervir na realidade para muda-la (FREIRE, 1979, p. 19).

Considerando a abordagem oportunizada por Freire, a significância da

educação escolar na imagem pelo adolescente surdo evidencia o desencontro de

informações e isolamentos aos quais professor e alunos estão envolvidos e, para

além disto, problematiza o quanto que as práticas cotidianas se fazem pertinentes

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para o universo discente, talvez pouco evidenciadas nas metodologias e na relação

escolar entre educandos/educador.

A utilização do desenho a respeito da sala de aula, pode evidenciar como a

organização do espaço escolar é percebida por Raul em termos de presenças,

posturas e a forma em que o aprendizado é visualizado. Sobre isto ele representa,

em um segundo desenho, a sala de aula.

Imagem 35:A sala de aula representada por Raul

Fonte: coleta de dados (2018).

A cena mostra o espaço interior da sala, diferente da imagem anterior. A

figura mostra em destaque a figura do professor de maneira centralizada a frente do

quadro negro de braços bem abertos como se tentasse manter a sala sob seu

domínio oral e gestual simbólico.

Noutro plano tem-se alguns alunos sentados em carteiras, também sem

detalhes de materiais escolares, estando como espectadores que reproduzem o

gesto do professor de braços abertos.

O que chama atenção na imagem é que que dois alunos da fileira central no

sentido horizontal, no canto direito da imagem não possuem braços, tampouco

imitam o gesto do professor. “Quando Raul é solicitado, como o auxílio de Renato, a

explicar a imagem de o porquê tais alunos da imagem não terem braços ele sinaliza

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que porque eles não gostam de repetir o professor” (DIARIO DE CAMPO, 05.08.

2018).

Provavelmente essa representação que envolve as figuras docente e

discente por entre contrates no espaço educativo da sala de aula, seja uma forma de

indicar que o fazer educativo docente não contempla a todos e mesmo não é

acatado por todos ao passo que dois educados parecem não compreender a

dinâmica de participação e se negam a reprodução.

Na representação é possível visualizar uma forma de resistência as

metodologias da figura docente, resistem em não realizar imitações ou mesmo

podem não terem mecanismos físicos para que participem da aula. Desta forma

podem-se categorizar as representações de Raul da seguinte forma:

Quadro 24: Representações sobre ações e recepções educativas escolares Ancoragem A sala de aula como um ambiente a ser problematizado.

Objetivação O contraste do fazer educativo por entre recepções passivas e de resistência.

Fonte: Elaboração própria

Ao ser colocado em relevo pelas representações de Raul, o espaço da sala

de aula é percebido como um ambiente que homogeneíza os educandos em

atitudes ao mesmo tempo em que percepções e resistências são encenadas e

indicam que tal ensino não se faz significativo para todos e nesta conjuntura a

consciência crítica de “não repetir” evoca a incompreensão metodológica quanto

significativa.

A sala de aula quanto espaço formador social, intelectual e relacional precisa

ser reinventada, pois ela é dimensionada como um espaço onde a diversidade se

encontra e onde as especificidades existenciais e de aprendizado denotam a

necessidade de se fazerem compreendidas por uma perspectiva inclusiva. Nela as

diferentes formas de aprendizados dialogam e transitam entre discentes e docente

articuladas ao meio social e cultural em que eles vivem. Neste sentido:

a educação especial passa a ser compreendida inserida na educação geral, onde todos aprendem juntos, convivendo com as diferenças. Isto significa

uma visão crítica da escola atual (excludente) e que a escola precisa realizar modificações estruturais (OLIVEIRA, 2004, p. 71).

Completa-se o argumento da autora com o termo atitudinais onde seja

possível visualizar mudança de postura, em que a ação docente não seja um mero

cumprimento de grade curricular descontextualizado, acrítico e mórbido, mas

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perpasse pelos exercícios de ação reflexiva que culmine em outras ações

significativas. Freire (1987, p. 83) chama atenção de que a educação, como

processo educativo não pode ser efetivada como “doação ou uma imposição – um

conjunto de informes a ser depositado nos educandos [...]”.

A partir das análises possíveis entre abordagens teóricas e vivências

culturais educativas articuladas as representações sociais do adolescente surdo

quilombola, fica notório o distanciamento entre aqueles aprendizados que são

pertinentes e aqueles incompreendidos atrelados a símbolos gráficos sem nexos

para um saber significativo nas suas vivências.

Os aspectos psicossociais presentes desde as vivências culturais,

abstrações, significações, disposições e atitudes do sujeito surdo com os seus pares

ouvintes propiciam compreensões acerca de aprendizados culturais e curriculares

com disparidades processuais e de significabilidade para a construção pessoal e

progressão estudantil visualizadas dentro e fora daquela comunidade quilombola.

A partir dos traços e abstrações de Raul, a dimensão da percepção social

sai do campo simbólico e se materializa por entre contrastes. Compreende-se que:

toda Representação Social possui uma dimensão que dá concretude ao social, ao mesmo tempo em que institui a matriz social, cultural e histórica

do sujeito psicológico. [...] as Representações Sociais não são inocentes; elas também atravessam espaços de poder que necessitam de questionamento e ação social. [...] uma das mais importantes contribuições

da Psicologia Social das representações vinculada ao cotidiano é, precisamente, o de ressaltar a necessidade de intervenção e da transformação, tanto do cotidiano como dos saberes que o sustentam. Não

se trata de idealizar os saberes do cotidiano, mas de entendê-los e, se necessário, de transformá-los (JOVCHELOVITCH, 2007, p.8).

Segundo a autora as representações sociais permitem que estruturas de

poder sejam questionadas das mais diferentes formas, pois a concepção crítica do

ato educativo demanda reações que inferem no grau de importância que o discente

surdo infere a escola e as atividades comunitárias.

As representações contemplam sua percepção através da materialidade

escolar representada no desenho, das experiências culturais impregnadas no

caderno em meio a círculos vazios, e muito além da crítica, a ação de Raul em favor

de mudança é visualizada quando da atitude em mudar de escola, e inconformado,

reestrutura a sua realidade a partir da sua presença ativa no mundo em favor de sua

formação e progressão em conhecimento, experiências e relações educativas de

fato significativas.

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5. INCLUSÃO DA PESSOA SURDA QUILOMBOLA: VIABILIDADE DE SABERES

EDUCATIVOS POR ENTRE GESTOS E SINAIS

Esta seção se propõe a desenvolver diálogos, questionamentos e

possibilidades educativas na comunidade quilombola a partir de elementos culturais

de comunicação que se fazem compreensíveis entre surdo e ouvintes. Tal

comunicação ainda que não possibilitem uma comunicação total, conseguem

promover a sociointeração e aprendizados do jovem surdo quilombola sujeito da

pesquisa.

A dialogicidade perpassa pelo uso de gestos e sinais emergentes que a

comunidade quilombola utiliza para se comunicar com Raul e vice-versa, partem de

percepções cotidianas significativas que são difundidas, bem como auxiliam em

aproximações, recriações e exteriorizações de saberes por meio das relações

intersubjetivas.

Os elementos culturais, as ações cotidianas, as demandas, as

responsabilidades, as formações e até mesmo o lazer são compreendidos pelos

significados dos sinais culturais que a comunidade fomenta. É importante pontuar

que as conversações entre o jovem surdo e os ouvintes não se limitam ao uso de

gestos, mas contemplam outros mecanismos de linguagens como: os contatos, as

expressões faciais, as leituras labiais, as percepções partilhadas e até mesmo a

troca de olhares, que assumem papel importante na elaboração do diálogo.

Esta seção dialoga com intelectuais da área da educação, surdez e

linguagem e aborda concepções e evidências dialógicas contextualizadas e

analisadas a fins de ressaltar a importância da ação cultural no processo de

comunicação e da linguagem entre surdo e ouvintes no quilombo, contribuindo para

afirmar a presença da diferença como marca subjetiva de cada ser humano e

constituinte de um todo comunitário que se educa nas ações sensíveis cotidianas.

Alguns dados foram coletados em diálogos corriqueiros na comunidade e

com a família. Outros dados são aclarados através de relatos Renato, intérprete da

pesquisa e amigo de Raul. Durantes as abordagens serão evidenciadas as

articulações comunitárias que envolvem saberes e linguagens, demonstração,

exemplificação e contextualização. Estas somam também como aprendizados

mútuos que partem das observações e percepções do sujeito surdo e de seu contato

com os demais ouvintes para significar o estar sendo no mundo, entre afetividades,

conflitos e limitações, mas em conjunto.

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5. 1 Educação dialogada: do debate de Língua e Linguagem à

significação cultural e existencial de um surdo quilombola

Apesar da Língua e Linguagens constituírem a formação humana desde o

momento do nascimento, ainda são poucas as pesquisas que se debruçam sobre as

perspectivas educativas culturais em vertente inclusiva na qual se dialoga com a

partilha de saberes por meio de vivências significativas interculturais, Inter

linguísticas.

As vertentes comunicacionais tomam grande importância colaborativa nas

representações sociais, pois através delas engendra-se “[...] um mundo de

comunicabilidade fora do qual é impossível dar-se o conhecimento humano

(FREIRE, 1983, p. 44). Esta dialogicidade é abordada nos estudos de Marková

(2006) quando afirma que o conhecimento humano e seus pensamentos são

viabilizados por meio da comunicação e do diálogo.

Marková (2006) compreende que a comunicação, o conhecimento e o

pensamento humano fazem parte de fenômenos em constante alteração e, assim

como os processos culturais, eles se modificam e se reinventam de acordo com as

necessidades demandadas do cotidiano. Considerando esta perspectiva:

Nós pensamos através de uma linguagem, nós organizamos nossos pensamentos de acordo com um sistema que está condicionado,

tanto por nossas representações, como por nossa cultura (MOSCOVICI, 1978, p. 35).

Ao considerar o fator comunicacional dos surdos às noções históricas pelas

quais eles foram e ainda são percebidos como “quase ouvintes”, observa-se

instâncias de opressão que não compreendem tais sujeitos em suas especificidades

comunicativas e potencialidades de aprendizados40.

Acrescenta-se o fato de que não se pode negar que as próprias relações de

opressão aos sujeitos surdos encontram receptividade deles oprimidos por

conjecturas crítico reflexivas e ativas. A ressignificação destas opressões passam a

se relacionar e a contribuir para que informações sejam repassadas, reconhecidas e

dialogadas, ou seja, em um olhar abrangente, cujos fatores entendidos outrora como

“estratégias opressivas” – oralização, leitura labial, não uso de uma língua de sinais

40 Oliveira compreende que os “Oprimidos são homens e mulheres que o sistema social não permite serem sujeitos do conhecimento, da história e da cultura. Nessa perspectiva, por serem as pessoas

com necessidades especiais ‘oprimidas’ no sistema social e educacional, considero a diferença de ‘capacidades’, junto com a de ‘classe’, ‘gênero’ e ‘etnia’, situada no contexto dos oprimidos freireanos (OLIVEIRA, 2003, p. 51).

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estruturada - , podem também ser mecanismos passíveis de conversação a

depender do contexto em que se efetivam.

Pode-se tomar por exemplo as percepções cotidianas de um sujeito que

desde a infância partilha sua unidade existencial surda com a multiplicidade da

comunidade ouvinte a qual pertence, o quilombo. Assim,

O diálogo tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não

apenas conservam sua identidade, mas a defendem e assim crescem um com o outro. O diálogo por isso mesmo, não nivela, não reduz um ao outro. Nem é favor que um faz ao outro (FREIRE, 1993, p.118).

Como já mencionado, sob uma análise histórica a educação de surdos foi

alvo de opressões e estigmas (GESSER, 2009). Este conjunto de práticas, foram

inegavelmente silenciadoras dos sujeitos surdos por incontáveis décadas, mas ao

passo que tais práticas os silenciavam enquanto “comunidade” não indicavam que

tais mecanismos, aliados à significação cultural cotidiana própria dos surdos em seu

meio, se fizessem elementos comunicacionais.

O papel cultural cognitivo que perpassa as criações de linguagens do tipo

visogestual, oral, expressiva e simbólica contempla o diálogo de interesses em

comum, a conversação. Desta forma estes signos comunicativos se fazem

compreensíveis entre sujeitos, independente de características biológicas ou

estereótipos, mas acontece por meio das interrelações afetivas que possibilita

construções coletivas para o viver com ou conviver.

A linguagem afirma a pessoa humana e a humanidade, colocando-a como

sujeito de seu destino. É por meio da linguagem que, na condição de indivíduos, dimensionamos o nosso mundo interior, o mundo ao nosso redor, o mundo com o qual sonhamos. É também por meio da

linguagem que a humanidade pode dimensionar seus valores, suas relações sociais, suas aspirações de justiça e liberdade, enfim externalizar sua cultura (DORZIAT, 2009, p. 55) (grifos nossos).

Segundo a autora a linguagem é pontuada com uma marca cultural que não

existe de maneira unilateral, mas múltipla, na qual subjetividades são expressas

para fins do encontro de interesses intersubjetivos comuns. Assim, entende-se que a

partir destes sinais a comunidade quilombola ouvinte se constitui, se relaciona e

ressignifica o cotidiano por meio de partilhas e saberes culturais.

Matos (2016) se debruça sobre os estudos da Língua e da Linguagem de

sinais quanto fatores históricos sociais característicos dos seres humanos, ouvintes

e surdos. Dentre as complexidades de seus estudos, ela pontua:

a linguagem é todo tipo ou forma de comunicação que usamos para transmitir uma mensagem, unilateralmente ou bilateralmente, isto é, ao

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interagirmos em sociedade ou apenas para transmitir algo, incluindo os

gestos, a mímica, a música, a dança, o teatro e outras (MATTOS, 2016, p. 50).

Para a autora a Linguagem compreende articulações que emergem no dia a

dia entre os pares para transmitir uma mensagem, independente de sua estrutura

oral, visual ou perceptiva.

A Língua, em seus termos específicos perpassa por concordâncias de

regras, estruturas, pré-noções que não podem ser alteradas, pois já foram

sobrepostas de maneira visualizar compreensões e coerências.

Assim, a língua não é inata. Ela é adquirida à medida que o indivíduo

convive em sociedade com outros indivíduos que se comunicam [...]. A língua é um sistema que não pode ser modificado e nem criado, pois ela já foi estabelecida conforme as suas regras e seu uso dentro de uma

sociedade. O seu uso não pode ser interrompido para a criação de outro sistema, mas ela pode ser preservada à medida que um indivíduo compreenda seus signos (MATOS, 2016, p. 51)

Segundo estas afirmações a língua e a linguagem encontram linhas tênues

de significados semelhantes, mas são afastadas por conjunturas lógicas estruturais

que legitima uma e caracteriza a outra por desencontros e irregularidades, ainda que

esta tenha por finalidade a transmissão de caracteres e informações.

Os gestos - como são conhecidas as abordagens linguísticas de surdos que

não possuem a língua de sinais oficializada – dentro dos estudos da linguística

podem ser compreendidos por categorias diferenciadas como: cinésica, proxêmica e

prosódica (GUIRAUD, 1980).

Matos (2016, p. 57) compreende a Cinésica como:

o estudo que procura dar continuidade na investigação de como os gestos e outros movimentos do corpo acompanham a fala. Ela é responsável por

estudar os gestos com o acompanhamento da fala articulada ou quando eles são articulados independentemente desta.

Ademais, a partir de seus estudos, a autora pontua que tais gestos

Cinésicos podem ser compreendidos dentre categorias de elementos “descritivos,

expressivos e simbólicos.” (MATOS, 2016, p. 58) (grifos da autora).

A Proxêmica é “estudo das posições do corpo no espaço cultural”

(GUIRAUD, 1980, p. 6). Tais posições em contexto social são definidos como

conjuntos de posturas, marcas culturais não necessariamente ligadas à conversação

ou repasse de informações, mas como signos “quase inteiramente inconscientes,

[...] esses signos apresentam alto grau de arbitrariedade e variam profundamente de

uma cultura para outra” (GUIRAUD, 1980, p. 76).

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A Prosódica é o “estudo das entonações e variações da voz por meio das

quais se exprimem os sentimentos e intenções dos interlocutores” (GUIRAUD, 1980,

p. 6-7). Matos (2016, p. 64) com base em Guiraud (1980) afirma que a prosódica,

quando entendida em um contexto de língua oral estuda “fenômenos sonoros, dos

fonemas e das variações da voz, pois, é por meio dela que se exprimem os

sentimentos do falante de forma gestual ou vocal”.

Postas estas delineações acerca dos estudos que envolvem a complexidade

dos gestos, como fator comunicacional de extrema importância para a significação

cultural e educativa de sujeitos sociais surdo e ouvintes quilombolas, a pesquisa

dará evidências a importância comunicacional dos sinais comunicativos na

comunidade quilombola percebidos como fenômenos de construção social, presença

formativa e apreensões culturais educativas que reconhecem as diferenças, assim:

o reconhecimento da diferença passa pela capacidade de apreensão das potencialidades dos Surdos, no que diz respeito ao seu desempenho na aquisição de uma língua cujo canal de comunicação é o viso-gestual e a

sua habilidade linguística que se manifesta na criação, uso e desenvolvimento dessa língua (DORZIAT, 2009, p. 73).

Destarte, são expostas algumas situações que envolvem a conversação no

meio quilombola por meio dos sinais aliados a outras manifestações dialógicas no

contexto cotidiano entre surdo e ouvintes. Através destas evidências dialógicas

visualiza-se a partilha de aprendizados nas vivências culturais e algumas indicações

de como Raul percebe e ressignifica a fala oral como algo a ser praticável por ele,

aliada a sinalizações, expressões, movimentos e caracteres próprios nos quais se

expressar é possível.

5.1.1 Tipos de sinais/gestos cotidianos dialogados entre surdo e ouvintes quilombolas

Para Paulo Freire (1983, p. 46) “a educação é comunicação, é diálogo, [...]

um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados”.

Neste sentido, a existência e formação de um sujeito surdo quilombola se faz

significativa através dos elementos culturais cotidianos que são representados,

dialogados e partilhados com seu grupo social de pertencimento e com o meio.

Considerando isto, fez-se necessário por em evidências os mecanismos

sinalizados na comunidade, utilizados para estabelecer relações de comunicação

com Raul e vice-versa. Renato, o adolescente ouvinte, foi quem colaborou nesta

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etapa a representar os significados das sinalizações culturais, estas foram

fotografadas e descritas por ele em suas significâncias.

A realização dos diálogos entre a pesquisadora e Renato se deu numa

manhã de encontro na cidade sede quando o adolescente e a família faziam

acompanhamento médico da sua mãe. Os procedimentos aconteceram em uma

praça da cidade que fica próximo ao local de embarque do ônibus que faz linhas

diárias de Porto Alegre para Cametá.

Renato se propôs a representar alguns, dos tantos, gestos utilizados para

facititar o diálogo e interação comunicativa entre surdo e ouvintes no quilombo. As

sinalizações perpassam por muitas áreas das vivências sociais como: brincadeiras,

necessidades pessoais, lazer, partilha de saberes, formação cultural e ações

escolares.

a) Interações e aprendizados: sinais respectivos a brincadeiras cotidianas e lazer

As sociointerações na comunidade quilombola contemplam ações que se

interligam naturalmente aos elementos culturais disponíveis no meio, tratam-se de

intervenções sociais que as próprias crianças criam ou herdam dos mais velhos para

significar a rotina de ser criança/adolescente quilombola.

Boa esperança é movida economicamente pela produção da farinha de

mandioca que viabiliza a subisistência das famílias, este fator econômico não

oportuniza que ferramentas digitais ou artifícios tecnológicos cheguem até as

crianças e adolescentes. Assim, eles tendem a desenvolverem suas dinâmicas de

convivência por entre linguagem, diálogos, formação e processos educativos. Neste

sentido, as brincadeiras, em sua ampla maioria, partem de recriações coletivas que

são adaptadas por Raul e seus pares.

Uma das situações que chamou atenção da pesquisadora foi quando:

À beira do campo de futebol Raul e um amigo estavam a gesticular e de repente Raul pega a sua bicicleta e se retira. Curiosa a pesquisadora pergunta ao seu amigo: para onde Raul teria ido? A criança responde que

ele havia ido buscar uma gaiola, pois eles haviam combinado de fazer uma transição de um passarinho de uma gaiola para outra (DIÁRIO DE CAMPO, 20.06. 2018).

Este relato evidencia que as experiências culturais de Raul se pautam não

só na observação da dinâmica quilombola, mas na aquisição de significados

culturais para si, pois a forte relação entre pessoas e criação de animais como o

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passarinho que mesmo sendo um animal sonoro é observado por Raul como um

elemento a ser observado e representado a partir da relação “ser humano/animal”.

Nestes termos seus saberes ganham conotações artísticas no entremeio da

tradicionalidade quilombola - que é possuir um passarinho41 – aliada ao seu brincar

cotidiano junto com os amigos a expressar assim a valorização das suas

potencialidades.

Nesta conjuntura, por mais que o sujeito surdo não experencie a sonoridade

auditiva do pássaro ele partilha tais costumes e saberes referentes à sua criação,

cuidados e manutenção da gaiola em uma intersubjetividade que lhe permite

interações, diálogos e novos aprendizados.

Observa-se a precisão do diálogo que Raul e o amigo Renato conseguem

estabelecer sobre demandas culturais do cotidiano a partir de sinais pertinentes que

movimentam e dão significados as experiências culturais quilombola. Observa-se,

então existir uma comunicação gestual entre eles criada na convivência do brincar.

Desta forma, os dois sujeitos, o ouvinte e o surdo, utilizam a comunicação gestual no

brincar, de forma livre e espontânea.

O quilombo de Boa Esperança dispõe de algumas áreas que são

aproveitadas para lazer, a exemplo o igarapé. Renato exemplifica os sinais utilizados

quando do convite para um conjunto de crianças e adolescentes, ouvintes e surdo,

para irem brincar, nadar e tomar banho no igarapé.

Vale mencionar que alguns sinais comunicativos são compostos, ou seja,

existem mais de um para representar uma informação. Desta forma, na pesquisa, os

sinais compostos serão identificados com números crescentes, que indicarão os

processos de continuidade quanto informação. Porém, os sinais simples, apenas

com um movimento não terão caracteres numéricos.

41 O fato de possuir um passarinho engaiolado tem uma simbologia na comunidade que envolve o

“domar” do animal para fins sonoros, pois existe certa admiração por aqueles passarinhos “cantadores”. Entretanto, para que tais aves mantenham o hábito de “cantar” é necessário que a pessoa responsável por ela a leve à mata todas as manhãs bem cedo e ao entardecer para que ela

entre em contato com seus semelhantes e assim aguce o “canto”. Doutro modo, as aves que, engaioladas, não tenham contato com a natureza, tendem a “esfriar o cantar”. Isto reflete de maneira negativa ao responsável por ela, pois ele não tem domínio de como cuidar da sua ave.

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Imagem 36: sinalizações para “banho de igarapé”

Fontes: arquivo pessoal (LOBATO, 2019).

A articulação da cena evidencia a sinalização como um mecanismo

dialogado de repasses e compreensões informativas que se conjecturam por entre

elementos de expressões sociais partilhadas em comum. Na foto 1 é notório a

sinalização que indica lugar, e na foto 2 há a referência a demonstração da “água

quando bate na cabeça e molha o corpo todo no banho” (PARTICIPANTE RENATO,

07.01.2019).

Assim os gestos comunicacionais contemplam as percepções de

interlocutores que dialogam a respeito de algo e têm como consenso o signficado

dos atos simbólicos os quais geram as informações.

Moscovici (2007) a firma que as competências dialógicas que cada indivíduo

possui não pode ser considerada como exclusividades, mas como elos possíveis

que partem de necessidades criadas pelas circunstâncias culturais existentes, aqui

evidenciadas pela necessidade do adolescente surdo em participar das vivências

com os demais ouvintes em ser compreendido e assim vivenciar as dinâmicas

socioculturais.

Outra sinalização que Renato contextualiza diz respeito as vivências

culturais da caça de animais através do uso do “balador”42, também conhecido como

estilingue. Renato exemplifica os sinais utilizados para demonstrar tal evento.

42 Objeto artesanal composto por um pedaço de madeira fina, geralmente é feita de galhos de árvores que têm forma de “Y”, a sua produção conta também com elástico emborrachado médio ou grosso e

um pedaço de couro.

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Imagem 37: sinalizações para “balador”

Fontes: arquivo pessoal (LOBATO, 2019).

Os sinais demonstrados por Renato apresentam dimensões de continuidade

simulando o movimento feito pelas mãos. Inicialmente o balador fica em posição

retraída como na foto 1, e posteriormente é esticado para poder projetar o objeto

contra o alvo, como mostra a foto 2.

Para além da visualização de “gestos” a cena evidencia que a linguagem

estabelecida permite a assimilação visual e funcional das vivências culturais

cotidianas onde seres humanos, independente da deficiência sensorial, convivem

com a natureza, extraem dela seus mecanismos de interação social e a utilizam a

fim de dar significados a prática tradicional da caça.

O sentido comunicacional para Freire (1983, p. 44) não pode ser fruto de

ações isoladas, pois ele envolve “um sujeito que pensa, um objeto pensado, que

mediatiza o primeiro sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos que se dá

através de signos linguísticos”. Assim a comunicação é um ato que parte da

realidade cultural, apreendida e adaptada entre sujeitos pensantes e objeto pensado

(FREIRE, 1979), havendo a significabilidade dialética destes com o quilombo.

Outra sinalização faz referência as atividades cotidianas relacionadas a

abatração de saberes culturais através dos sujeitos mais velhos, que são

vivenciados pelos mais jovens, trata-se da simbologia em torno da criação de

passarinhos em gaiolas, logo a sinalização criada pelo surdo e ouvintes quilombola

faz menção a situação do pássaro engaiolado.

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Imagem 38: sinalização para “gaiola de passarinho”

Fontes: arquivo pessoal (LOBATO, 2019).

A demonstração feita por Renato elucida a simbologia do espaço da gaiola

(fotos 1 e 2), bem como refencia a descrição do passarinho pelo movimento das

asas, feitas com as mãos do sujeito na foto 3. A importância dos saberes em torno

da captura do passarinho é descrita pelo adolescente intéprete como um processo

de aquisição de saberes tradicionais que são reivientados e socializados entre os

pequenos quilombolas.

Na oportunidade de encontro da pesquisadora com Renato foram

desenvolvidos alguns diálogos sobre a dimensão comunicativa de Raul com os

ouvintes. No decorrer destas, Renato ponderou alguns saberes entremeado pelo dia

a dia das crianças e adolescentes da comunidade.

Trata-se de um delicado processo que envolve uma árvore que só é possível

de ser encontrada em mata fechada, conhecida como “Vergueira”. Renato explica

que é utilizado um galho desta árvore para capturar o passarinho, o galho é

chamado de “vergo”.

A Vergueira é uma árvore que possui um leite pegajoso e quando este leite

entra em contato com limão ele transforma-se em uma poderosa cola, que após ficar

em estado sólido é utilizado para envolver um galho, no qual será colocado uma

isca, o passarinho irá se sentar e ali ficará preso.

Em uma conversa o processo é descrito:

Pesquisadora: como vocês fazem para capturar o passarinho? Renato: tem uma árvore que dá em mato, que tem mesmo mato [com ênfase] desse grosso que dá. Ai o cara pega limão, bota, pega o gomo do

limão, trisca lá e vai, vai triscando, vai triscando43 só [pausa]. Depois o cara

43 Os termos “trisca” e “triscando” mencionados por Renato, têm o mesmo sentido que é “encostar

levemente”.

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corta uma varinha, raspa, vai enrolando, vai enrolando, depois enrola.

Quando chega no campo, o cara abaixa e abaixa o sabão. Pesquisadora: sabão? Para que o sabão? Renato: é para pegar, o passarinho. Ai o “Vergo” fica lá, quando o

passarinho se joga, ele fica grudento e fica lá pendurado. Ai ele [a pessoa] vai e pega. Pesquisadora: e o passarinho fica grudado no Vergo?

Renato: fica! (PARTICIPANTE RENATO, 07.01.2019).

Renato salienta que a utilização do sabão é para limpar os pés do

passarinho após ele ser retirado do galho pegajoso, pois após o produto colar, ele

não é retirado com facilidade.

Imagem 39: sinalização para “pegar passarinho no mato”

Fonte: arquivo pessoal (LOBATO, 2019).

A sinalização da imagem 39, faz referência a situação de quando o

passarinho pousa no galho-armadilha. Percebe-se que com apenas um gesto um

convite de ir ao mato pegar passarinho é feito, assim uma ação planejada e sua

culminância evidenciada.

Tais relatos mostram a articulação de saberes que envolvem conhecimentos

da mata, articulados com as noções cultuais da criação de passarinho. A

complexidade na elaboração do produto colante, também se evidencia como prática

científica do cotidiano expressa na combinação de produtos naturais – leite da

vergueira e o limão – para produção de uma ação simbólica de grande relevância

que é possuir um passarinho.

A realidade cultural presente nestes relatos fazem referência a uma cultura

ativa de interações de signos tradicionais e articulações contemporâneas que

contribuem para que tal prática comunitária seja valorizada no sentido da

perpetuação de saberes. Para Freire (1979, p. 21) a cultura “é todo resultado da

atividade humana, do esforço criador e recriador do homem [e da mulher], de seu

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trabalho por transformar e estabelecer relações de diálogos com os outros [...]”

(FREIRE, 1979, p. 21).

As compreensões viabilizadas por meio dos sinais, expressões, vivências e

observações alcança os sujeitos em uma dimensão de aprendizado relacional e

cognitivo que não se encerra ao encontrar a barreira da “deficiência”, a educação é

mediatizada pelos interesses em comum, pelo respeito ao outro de maneira que tal

conhecimento seja adaptado de acordo com a potencialidades de abstração

subjetivas.

Outras situações culturais de aprendizados cotidianos dizem respeito à

observações da natureza e a representação desta por Raul. Estas são reconhecidas

e dialogadas pelos demais sujeitos quilombolas, a chuva, por exemplo, é um

processo natural e constante na comunidade.

Os sinais evidenciam percepções que partem da observação de Raul e

chegam até seus pares como possibilidade comunicativa e expressiva que o

adolescente surdo usa para expor o medo, pois segundo relatos de moradores da

comunidade sempre que Raul vê a chuva ele se enrola em lençóis com medos de

tempestados fortes e trovoadas que geralmente culminam em ausência de energia,

logo deixam as noites escuras. As chuvas não são bem aceitas por Raul.

Imagem 40: sinalizações para “chuva”

Fontes: arquivo pessoal (LOBATO, 2019)

A gestualidade incorporada ao contexto sociocultural de Raul se defronta às

percepções através de expressividade, descrição e simbologia (SUASSURE, 2012)

que são reconhecidas como marcas comunicativas do adolescente surdo, sendo

refletida e praticada na comunidade também entre ouvintes.

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As interrelações de saberes, articulações comunitárias em torno da

linguagem e da inclusão do adolescente surdo se encontram como elo dialógico

que, ao mesmo tempo em que mantém suas estruturas culturais, permitem que ela

seja compreendida e vivenciada por um sujeito com as pectos sensoriais diferentes,

assim as diferenças coexistem e são recriadas por articulação comunitária.

Desta forma, pode-se afirmar que no quilombo a linguagem assume um

papel importante nas relações de diferenças “A afirmação das diferenças – étnicas,

de gênero, orientação sexual, religiosas, entre outras – se manifesta em todas as

suas cores, sons, ritos, saberes, crenças e diversas linguagens”. (CANDAU;

RUSSO, 2010, p. 153-154).

Em uma outra conjuntura cotidiana de lazer, brincadeiras, diálogos e

aprendizados, Renato faz menção ao gesto utilizado por surdos e ouvintes para o

jogo de futebol.

Imagem 41: sinalização para o “jogo de futebol”

Fonte: arquivo pessoal (LOBATO, 2019)

Como já foi mencionado e analizado em momentos anteriores da pesquisa,

o futebol na comunidade assume caráter dinâmico por não ser atividade isolada de

um grupo ou de outro. Entretanto, ele abrange desde as crianças pequenas até os

idosos na comunidade. O futebol forma, comunica, estabelece relações de contato e

de aprendizados com o outro.

Renato exemplifica a dimensão comunicativa possível a partir de uma

partida de futebol e seus desdobramentos dialógicos.

Nós estávamos jogando bola, ele [Raul] se pendurou na trave, a trave estava podre. Ai na hora [...] quebrou. Ai eu falei para ele que as quatro horas nós tínhamos que ir cortar a trave [no mato], daí as três horas ele

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varou44 lá em casa e acenou que era para nós irmos cortar (PARTICIPANTE

RENATO, 07.01.2019).

Em seguida Renato demonstra alguns sinais utilizados para o repasse de

informações e assimilações do convite.

Imagem 42: sinalizações referentes “ao convite para ir ao mato cortar madeira”

Fonte: arquivo pessoal (LOBATO, 2019).

Os processos evidenciados pelos sinais na imagem 42 compreendem o

sentido não linear que envolve um ato conversativo. Percebe-se a complexidade que

tais sinalizações envolvem, pois perpassam por compreensões cotidianas de ação

reflexiva que giram em torno do conhecimento e assimilação de horários, a

compreensão de responsabilidades em reformar o que foi quebrado, os sentimentos

de confiança e parceria estabelecidos entre amigos, além do domínio e habilidades

com ferramentas culturais como o terçado/facão.

Estes conhecimentos sinalizados que permitem o diálogo são articulados a

partir do meio, do momento e do reconhecimento cutural formativo de cada sujeito

surdo e ouvintes. Reconhecer e valorizar tais mecanismos de interação social em

44 O termo “varou” utilizado por Renato tem o sentido de “chegou”.

1 2

3 4

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uma comunidade tradicional consiste em validar “[...] saberes e práticas que outros

grupos humanos produzem, criam e recriam nas suas experiências históricas, de

modo contextualizado” (SANTIAGO apud MARTÍNEZ, et al, 2009).

Estes outros grupos, a exemplo a comunidade quilombola, são parte

operante da conjuntura da humanidade não devendo ser compreendidos em guetos

que produzem articulações sociais isoladas, mas devem ser percebidos a partir de

suas contribuições educativas para potencializar relações e fenômenos culturais do

cotidiano.

b) A comunicação cotidiana sinalizada: expressões e simbologias em

torno da gestualidade cotidiana quilombola

As sinalizações demonstradas por Renato elucidam estratégias de

interações cotidianas que abrangeram o brincar, o lazer e as partilhas de saberes

dialogados entre surdo e ouvintes. Para além destes aspectos, Renato também

elucidou algumas sinalizações que Raul e seus pares utilizam frequentemente na

comunidade, tais sinalizações indicam necessidades pessoais e educativas.

Imagem 43: sinalização para “beber água ou sentir sede”

Fonte: arquivo pessoal (LOBATO, 2019).

Segundo Renato esta sinalização é usada com muita frequência por ser uma

necessidade natural. A articulação do sinal referente a “beber água” se vale de

gestos icônicos que facilitam o entendimento de surdo e ouvintes por meio de uma

complexa associação visual e sensorial, pois o gesto de levar algo a boca, se feito

de qualquer maneira, pode oferecer outros indicativos não assimiláveis ou, em

outros termos, pode até se confundir com a sinalização de “comer”. Entretanto, a

mão fechada e o dedo polegar – em movimento de aproximação e afastamento do

rosto - próximo a boca indicam que aquele gesto refencia “água” ou “sede”.

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Estas sinalizações não podem ser tidas de forma banalizada por serem

sinais incônicos, pois antes de sê-lo passou por um processo simbólico de

formulação, assimilação e partilhas. Matos (2016, p. 70) entende que “Os gestos

icônicos e os sinais icônicos frequentemente são parecidos com a forma do objeto,

muitas vezes até mesmo o movimento são produzidos iconicamente”. Assim, tais

gestos, por mais simples que sejam, são produtos de significações sociais.

Outra sinalização evidenciada foi a ação de comer, que compreende três

etapas.

Imagem 44: sinalizações para “comer”

Fonte: arquivo pessoal (LOBATO, 2019).

Percebe-se que a movimentação sinalizada expressada por Renato

conjectura o momento de sinalização do “prato” na foto 1, o ato de levar a boca

expresso na foto 2, e posteriormente o momento da degustação, foto 3.

A sinalização para indicar uma necessidade humana está articulada

necessidade existencial de se expressar e indicar anseios e isto perpassa por uma

educação cotidiana que aguça a autonomia humana. Freire (1981, p. 20) entende

que: “A educação, qualquer que seja o nível em que se dê, se fará tão mais

verdadeira quanto mais estimule o desenvolvimento desta necessidade radical dos

seres humanos, a de sua expressividade”.

Ao promover diálogos que envolvem vontades, como por exemplo, ter sede

ou fome por meio de simples gestos, confronta-se a ideia de que sujeitos surdos

são passíveis de assistencialismos, ou seja, o ato cognitivo de manifestar algo indica

a presença ativa do sujeito surdo no mundo, sua atuação como sujeito que articula

vontades a necessidade de expressá-las, e não meramente esperar que alguém

venha lhe saciar.

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Os sinais elaborados cotidianamente empreendem simbologias e

significados que foram articulados em meio a comunidade, portanto possuem

sentidos próprios na comunidade, neste sentido Raul e seus pares ouvintes

dinamizam as vivências sociais, culturais e tabém escolares por meio de sinais.

Imagem 45: sinalização para “estudar”

Fonte: arquivo pessoal (LOBATO, 2019).

A gestualidade para definição do ato educativo de estudar elaborada por

Raul e demais sujeitos quilombolas é representado pela expressão de olhar para

frente e, com as mãos, simular uma caneta e um papel onde se escreve. É notório

que a educação escolar representada no contexto da sinalização imbrica as funções

de observar o quadro negro e reproduzí-lo no caderno.

Outra sinalização demonstrada por Renato diz respeito as relações entre

sujeitos surdo e ouvintes e o uso ou empréstimos de materiais didáticos, como o

apontador de lápis em sala de aula.

Imagem 46: sinalização para “apontador de lápis”

Fonte: arquivo pessoal (LOBATO, 2019).

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A imagem 46 retrata o uso das duas maõs para a sinalização do apontador

de lápis, enquanto a mão totalmente fechada permanece parada, a outra semiaberta

faz movimento de giro. É importante expor a significação de alguns sinais utilizados

em sala de aula, pois por meio deles acontecem interações entre surdo e ouvintes.

Na escola:

Raul, assim como os demais colegas não têm um lugar fixo para assistir as

aulas, ocupam qualquer lugar disponível de acordo com a chegada. Neste cenário as crianças ouvintes procuram estar evolvidas com Raul e vice-versa. As crianças o auxiliam nas atividades propostas, o direcionam sobre

alguma situação em sala e interagem com ele por meio de sinais emergentes e expressões faciais (DIÁRIO DE CAMPO, 22.08.2018).

A sala de aula também é percebida como um espaço onde as limitações e

esforços para incluir Raul são concretizadas e onde, por entre conflitos de

aprendizados, a dialogicidade socioeducativa perpassa entre educandos ouvintes e

surdo. Estas interrelações evidenciam “A educação como um processo de

humanização de sujeitos coletivos diversos. Pedagogias em movimentos (ARROYO,

2012, p. 27).

Entende-se que uma educação significativa deva partir das condições

sociais e culturais dos sujeitos de forma a contribuir para formações simultânea onde

educador e ducandos dialogam saberes e assim aprendam uns com os outros.Para

Freire (1987, p. 79) “ Ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a

si mesmo: os homens [e as mulheres] se educam em comunhão, mediatizados pelo

mundo”.

Na sala de aula percebeu-se que, assim como nas vivências na

comunidade, Raul é solicitado, os colegas chamam a sua atenção, logo eles

interagem na medida do possível já que a sua interação social é contemplas

esforços para diálogos possíveis, partilha de saberes e sentimentos.

Alguns relatos sobre as dificuldades comunicativas de Raul na comunidade

e fora dela evidenciam que a especificidade biológica interfere em sua interação com

o mundo, mas não a limita. Um exemplo é quando Raul vivencia o universo musical

muito forte no quilombo de Boa Esperança, pois “maioria das casas possuem um

aparelho de som em seu interior (DIÁRIO DE CAMPO, 11.07.2018).

A contribuição sonora, dinâmica e corporal que envolve os habitantes de

Boa Esperança impactam Raul, pois assim como os ouvintes ele dança, brinca,

participa da festa dançantes na festividade de Nsa.Sra. do Bom Tempo e representa

a música por sinais a significativos para ele.

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Imagem 47: sinalização de “música”

Fonte: arquivo pessoal (LOBATO, 2019).

A sinalização na imagem 47 exemplificada por Renato e dinamizada por

Raul na comunidade, evidencia que o sentido de música para o surdo tem relação

com o movimento feito pelo instrumento da bateria, pois as “batidas” ou vibrações

em ritmo constante infere a Raul que ele pode se movimentar, dançar e brincar tal

qual os demais ouvintes.

A percepção sensível de Raul acerca da música e sua representação em

forma de sinais surge como uma abastração subjetiva, que após partilhada e

compreendida em seu sentido simbólico alcança a dimensão de formação cultural na

conjuntura social quilombola.

É importante entender que o fato de o Surdo ser usuário de uma língua com características viso-gestuais, [...] apresenta também as marcas da individualidade que é formada no contexto objetivo e subjetivo da vida. Ou

seja, o ser Surdo envolve o ser mulher/homem, criança/adolescente/adulto, pobre/rico, negro/branco [indígena]... características estas (e muitas outras) que fazem parte de um continuum (DORZIAT, 2009. P. 85) (grifos da

autora).

Neste sentido, as percepções culturais que envolvem a musicalidade,

percepções de sons e o próprio sentido de interação musical chega a Raul de forma

natural. A exemplo, Renato cita uma situação que envolveu as percepções de Raul

sobre a interação com o meio sonoro, sensorial perceptivo, oralização e

sinalizações.

Renato relata que:

Um dia desses aí, tocou o celular ai ele correu para lá e atendeu e disse para a Mariazinha45: “hum, hum hum, hãm”, [indicando através de sinais]

45 No relato, Renato cita o nome da irmã de Raul que mora em outra cidade e que durante as férias visita a família no quilombo de Boa Esperança. Mariazinha, é um nome fictício utilizado a preservar a

identidade da irmã de Raul, pois se trata de uma adolescente de 13 anos.

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uma bicicleta, que era para ela trazer, [depois de uma pausa, em seu relato

Renato imita Raul] “nã, hum, hum, hum” que era um celular para ela trazer para ele. Ai a Mariazinha falava: “quem é que está falando?”. Ai ele só fazia: “mã, mã, mã, ma.. hum, hum, hum”. (PARTICIPANTE RENATO,

07.01.2019).

O celular que Renato se refere diz respeito ao aparelho telefônico rural da

família da sua irmã que mora também em Boa Esperança. O telefone de fio quando

recebe chamada ele vibra, chamando a atenção de Raul para atendê-lo.

É interessante observar no relato que o Raul se vale de diversos

mecanismos para expressar sua interação e dar sentido so seu diálogo, ele usa

tanto sinalizações, o uso da voz e expressões faciais. Percebe-se que o uso da voz,

quando articulado com outros mecanismos de conversação é significativo a ponto de

não haverem distinções para ele dos tipos de equipamentos que seriam ou não

passíveis de uso por ele, um exemplo é o aparelho telefônico, bem como outros

elementos sonoros, como o passarinho, caixa de som e a sua participação em

festas.

Assim, a dimensão dos:

gestos fazem parte da fala, pois eles são usados de acordo com o meio social e o momento histórico, eles formam um sistema semiótico que servem para comunicar. Ao mesmo tempo que os gestos são uma forma de

linguagem eles podem ser considerados como língua no estágio inicial, pois eles se estruturam à medida que são criados no contexto social e dialógico

em que o indivíduo está inserido (MATTOS, 2016, p. 56).

Segundo a autora os gestos e sinais assumem a forma de uma língua em

um estado inicial, mas que se faz significativo em contextos específicos. Destarte, a

surdez é um fator característico de Raul que, por meio das sociointerações

propiciadas pelas dinâmicas dos gestos e demais tipos de linguagens possibilitam

vivências culturais em diversos ambientes do quilombo. Freire (1979, p.19) argui

que os significados do cotidianos são reflexos da presença de cada sujeito em seu

meio valendo-se de suas intervenções para significar o mundo ao seu redor “Assim,

a vocação do homem [e da mulher] é a de ser sujeito e não objeto”.

A presença ativa de Raul no meio ouvinte indica ressignificações de

conjunturas a partir de interrelações entre surdo e ouvintes reforçando assim a

“afirmação de direitos e plenitude de cidadania, o que supõe reconhecimento de

suas identidades culturais (CANDAU; RUSSO, 2010, p. 158)”. Neste sentido, a

percepção existencial é vivenciada para além das ausências, ela visualiza a

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completude que marca o ser humano em diversidades de potencialidades

educativas possíveis pelas ações reflexivas do cotidiano cultural.

Oliveira (2015) ressalta a importância dos processos educacionais que são

voltados para a vivências culturais como primordiais para uma conscientização do

fazer no mundo a partir do sujeito e suas ações.

Estas ações indicam a atuação consciente do sujeito surdo em meio a

comunidade quilombola, refletem-se em suas representações simbólicas e vivências

do cotidiano, evidencia articulações de estratégias culturais que ultrapassam

barreiras comunicacionais e amplificam o sentido de linguagens ao passo que o

formam quanto sujeito social ativo e crítico por meio de interações culturais

educativas.

É importante também salientar que os aprendizados são efetivados por

vieses de dinamicidades onde oportunizam a formação dialógica do adolescente,

negro surdo e quilombola, bem como da comunidade ouvinte. Constituem-se linhas

paralelas de saberes entremeados por significações de sujeitos múltiplos, mas que

significam em sentido amplo o cotidiano cultural e as vivências educativas no

quilombo.

O aprendizado que Renato elucida contribui com a sua sensibilização,

também, quanto sujeito ativo que se vale de compreensões de alteridades possíveis

o contato com o outro diferente, mas não estranho, tampouco assistenciável.

Os processos educacionais formativos evidenciam o florescer de autonomia

tanto das crianças e adolescentes ouvintes, quanto do surdo que em pares criam

estratégias dialogadas, conflituosas e formativas no sentido de articulações de

vivências, diálogos, contatos e sinalizações por todos envolvidos nas práticas

sociais.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa delineia áreas sensíveis do viver cotidiano de um sujeito

quilombola com especificidade sensorial una, mas que por articulações e

envolvimentos alcança multiplicidades formativas existenciais junto de seus pares.

Estas multiplicidades são representadas por aceitações, conflitos, estranhamentos e

vivências significativas que, em uma visão reducionista, poderiam ser consideradas

de exclusividade de ouvintes e pouco significativas para um surdo não usuário da

Libras.

A pesquisa dá evidência às representações sociais como elos formativos de

saberes que se entremeiam por afetividades, observações, construções e ações

reflexivas que impactam tanto na vida de Raul, jovem quilombola surdo, como na

conjuntura social e familiar da comunidade. Percebe-se que as representações

sociais de Raul envolvem um fazer cotidiano alheio ao “isolacionismo do silêncio”

provocado pela ausência da audição, contrário a isto, Raul demonstra engajamento

cultural, ressignificação sobre conversação que contempla desde a sinalização até a

sua apropriação pela oralidade de forma específica.

Em outra vertente a existência da surdez ainda se configura como um

paradigma nos ambientes sociais e escolar, pois as ausências de estratégias

significativas depreciam a formação escolar de Raul. Algumas atitudes condicionam

a ele lugares marginalizados quando das interações coletivas, como no exemplo do

futebol entre adultos onde o próprio Raul traça estratégias para estar incluído, e da

mesma maneira na sua trajetória escolar que, estagnada, não possibilitaria a ele

avanços, logo restrições de experiências outras em dinamicidade de saberes.

A problemática de uma educação escolar pautada em metodologia de

mecanização de caracteres incompreensíveis e descontextualizados, embasados

por uma educação tradicional além de inviabilizar uma vivência cidadã libertadora

pode condicionar marcas negativas em Raul sobre a funcionalidade da educação

para sua vida.

A construção humana, cultural e subjetiva de Raul se confronta com a

incompreensão da sua especificidade de aprendizagem que, junta a estrutura

mecânica de ensino, defasam e marcam negativamente sua memória cognitiva e

sua progressão estudantil.

As análises sob o princípio educativo freireano partilham da tese de que a

educação deve partir da realidade de cada educando para que posteriormente se

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faça uma ação-reflexão necessária, assim as percepções culturais do sujeito surdo

seriam articuladas a saberes de forma ordenada, autônoma, crítica e libertadora.

Em outros pontos os resultados evidenciaram que a surdez no quilombo se

configura como um elemento de diferenciação tanto para criações de estratégias

culturais inclusivas, quanto para estereotipias que debilitam a sua escolarização e o

condicionam a relações de “eu-isso”, assim Raul não é objetivado como sujeito ativo

da sua história, mas como alguém a ser assistido.

A disparidade surdo/ouvinte, especialmente em uma comunidade negra

tradicional, é ressignificada quando a deficiência é compreendida como um elemento

que o caracteriza quanto diferença biológica, mas também permite aproximações,

construções e interações sociais nas quais as experiências culturais são partilhadas

a ponto de contribuírem para a formação de um sujeito social ativo em seu meio.

A pesquisa chama atenção para as correlações estabelecidas entre

surdo/ouvintes/surdo, pois em meio a conflitos, percepções, negações e

potencialidades culturais educativas a comunidade como um todo participa do

processo emancipatório dialógico pelo qual Raul perpassa tanto em saberes quanto

em autonomias.

A linguagem de sinais e os gestos, quando se fazem dialogáveis e

compreensíveis por surdo e ouvintes ampliam possibilidades de compreensões de

mundo, de inclusão social para além da deficiência, propriamente dita, mas alcança

um viés bem maior em termos de inclusão social por um fazer educativo possível no

cotidiano nas práticas culturais e relacionais de uma comunidade tradicional negra,

rural e potencialmente analfabeta funcional que oportuniza em ações fluxos de

conhecimentos que rompem barreiras da diferença.

É importante enfatizar a cumplicidade que o participante da pesquisa, o

adolescente Renato, tem em relação à Raul. A amorosidade, humanização,

dialogicidade e respeito demonstram a naturalidade de aprendizados que surgem e

são ampliados por meio das relações cotidianas através da alteridade.

Tratam-se de compreensões com sentidos próprios articulados com

necessidades existenciais e também relacionais de um sujeito surdo, morador de

uma comunidade quilombola que modifica a sua própria realidade, e a realidade da

comunidade ao passo quem que as dinâmicas sociais, culturais e religiosas o

envolvem através de relações dialógicas.

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O processo educativo cultural de Raul é pautado no saber da experiência

cotidiana onde ele seus pares ouvintes articulam através de sinais emergentes, do

olhar, do observar, do sentir, do viver, de expressões faciais e dinâmicas grupais,

possibilidades que em si não permitem uma conversação precisa de conjunturas

sociais, mas que conseguem transpassar saberes e além de serem assimilados pelo

surdo, se expandem através de conhecimentos e habilidades criativas que ele

desenvolve em conjunto.

Percebe-se que os discursos, tanto socioantropológico quanto o clínico,

fazem uma abordagem acerca da pessoa surda que se divergem em opiniões, mas

que inferem ao sujeito surdo estigmas ora vinculados à deficiência depreciativa, ora

com a deficiência valorativa.

Nestes sentidos a pesquisa elucida que Raul vivencia e apreende o seu

meio por outros mecanismos perceptivos que estão para além da visão ou de sinais

articulados por uma Língua isolada, mas fomenta conversação por mecanismos

dinâmicos mesmo sem experiências com comunidade surda e sem o conhecimento

da Libras. Tal autonomia criativa de Boa Esperança significa a rotina da comunidade

por adaptações culturais de vivências e espaços.

A ausência da Libras na comunidade quilombola é uma, entre tantas

barreiras ainda existente no espaço escolar e comunitário pois a Libras, em sua

proposta dialógica e importância, oferece subsídios para que Raul, os docentes da

comunidades e seus pares ouvintes criem articulações dinâmicas que o possibilitem

se afirmar em sua especificidade cultural, social, étnica e cidadã no quilombo e fora

dele.

Ainda sobre as abordagens clínica e socioantropológica, concebe-se a

necessidade de ambas dialogarem, pois são necessárias para se compreender

questões acerca da surdez tanto nos vieses biológicos, quanto nos direitos sociais

identitários e afirmativos destes em uma diversidade existencial que não se pauta

penas em problemática de um ser estático, mas de um estar sendo em constante

metamorfose perceptiva, comunicativa e educativa.

A realidade escolar da pessoa com deficiência no campo evidencia

percalços que estão longe de serem supridos, pois existem impasses desde a

questão estrutural, organizacional pedagógica, formação docente adequada a

realidade quilombola e metodologias flexíveis que sejam significativas para a

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realidade social do educando surdo em processo de escolarização e formação

pessoal.

Para além da precariedade do sistema de ensino público no campo, a

tendência metodológica de ensino tradicionalista oferecida pelo docente não

oportuniza o ensino/aprendizagem eficiente de maneira que contemple o educando

em suas potencialidades cognitivas, recreativas, assimilativas e construtivas em

conjunto.

Percebe-se que os saberes acontecem de forma espontânea nas diversas

relações culturais dialogadas nas quais o observar, abstrai, abstraindo passa por um

processo de seleções que culminam na prática reflexiva dos procedimentos, dos

caminhos que o conduzem, e a consolidação destes coexiste através das múltiplas

potencialidades características do ser humano, próprios das RS.

Em tese, a não partilha das vias orais auditivas deixariam Raul sob a égide

do silêncio existencial, da marginalização excludente e da segregação coadjuvante

num cenário em que a dança, ritmos, religiosidades e brincadeiras demandam

comandos orais compreensíveis como sendo necessários para a interação.

Nisto as articulações comunitárias como processual e comunicativa

evidenciam mecanismos significativos que sinalizados se correlacionam entre

ouvintes e surdo por uma significação cultural que parte do cotidiano e consolida

aprendizados, estimulando percepções e habilidades em potencial. A atenção às

maneiras de aprendizagem de cada pessoa depende dos mecanismos pelos quais

as ações educativas perpassam.

Raul a partir de suas relações educativas culturais e escolares evidencia

durante a pesquisa que consegue interagir de forma significativa com seus pares

infanto-juvenis e até adultos, que dinamiza aprendizados de forma dialógica e que

sua capacidade independe da “fala oral ou apenas sinalizada”, mas parte da sua

atuação presente no meio, e das articulações de inclusão comunitária possíveis

através de mecanismos próprios de conversação que articulam vivências,

aprendizados culturais, processos cognitivos/formativos críticos pelos quais as

representações são ancoradas e objetivadas.

Os sujeitos quilombolas, surdo e ouvintes, são produtores de saberes

diferenciados que contemplam necessidades do cotidiano e a partir delas dão

significado às suas práticas desde o sistema de linguagens às organizações

sócio/políticas cabendo assim partilhas dialógicas dentre a diversidade.

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À medida em que se reconhecem as especificidades valorativas dos sujeitos

sociais independente de marginalizações incapacitantes, assistencialistas, e

opressoras se permite problematizar os parâmetros educacionais que norteiam

práticas e posturas que não condensam aprendizados, mas os dinamizam de

maneira coerente éticopolítico e social humanizada.

A existência subjetiva de um sujeito se constitui a partir dos encontros que

ele estabelece com os seus pares, a partir de diálogos valorativos existenciais, do

aprendizado possível nas interrelações, das sensibilidades de se perceber e

representar a si e aos outros em um contexto de multiplicidades que implicam em

inspirações, aversões e formações identitárias que se firmam no cotidiano e se

modificam no decorrer do tempo.

A pesquisa revela que os saberes culturais cotidianos implicam no

reconhecimento étnico valorativo do adolescente surdo por entre tradições,

habilidades cognitivas, inovações e articulações dialógicas possíveis por meio dos

mecanismos de linguagens e sinais significativos. Assim, as vivências e

representações intersubjetivas de Raul se fazem educativas, pois ainda que se

defrontem com conflitos de afirmações e negações, ambas apontam para uma

educação intercultural para o ser e estar sendo no mundo.

Estas representações se configuram como elemento importante para seu

engajamento no cotidiano onde estratégias de auto inserção são elaboradas e

partilhadas por ele e pelos ouvintes, os saberes culturais são evidenciados de forma

a contribuir para percepções de coletividade, amadurecimentos e construções

partilhadas.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICES

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APÊNDICE A- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

“AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE UM ADOLESCENTE SURDO QUILOMBOLA:AFIRMAÇÕES ÉTNICAS, CONFLITOS CULTURAIS,

PARADIGMAS EDUCATIVOS E ESTRATÉGIAS DIALÓGICAS.” Pesquisadora Responsável: Vera Lúcia de Cristo Lobato

CPF: 020.691.222-63 Número para contato: (91) 991639259

e-mail: [email protected] Pesquisadora Orientadora:

Ivanilde Apoluceno de Oliveira CPF: 024.174.212-91

Número para contato: (91) 988065657 e-mail: [email protected] Instituição a que pertence a Pesquisadora Responsável:

Universidade do Estado do Pará – UEPA Travessa Djalma Dutra, 156.

Instituição coparticipante: Comunidade Quilombola de Boa Esperança Telefones para contato: (91) 984388405/ (91) 991639259; Nome do

responsável:____________________________________________________ Idade:_________ anos.

Aos pais do adolescente surdo

O Sr.(ª) está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa como pessoa

responsável pelo adolescente em condição de vulnerabilidade social. A pesquisa intitula-se: “AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE UM ADOLESCENTE SURDO

QUILOMBOLA: AFIRMAÇÕES ÉTNICAS, CONFLITOS CULTURAIS, PARADIGMAS EDUCATIVOS E ESTRATÉGIAS DIALÓGICAS.”, de responsabilidade da pesquisadora Vera Lúcia de Cristo Lobato, mestranda do

Programa de Pós-graduação em Educação Centro de Ciências Sociais e Educação da Universidade do Estado do Pará- matrícula 20177501003. Esta pesquisa tem por

objetivo Analisar as representações sociais que o adolescente negro surdo tem de si ao vivenciar o fator “surdez” na comunidade quilombola e sobre o seu processo socioeducativo vivenciado no quilombo e as implicações destas representações na

sua trajetória de vida social e escolar. A sua participação dar-se-á por meio da supervisão e acompanhamento dos

processos desenvolvidos na comunidade através da aplicação de técnicas de desenhos e dinâmicas pedagógicas sócio/interativas realizadas em ambiente social e escolar. Para o registro dos dados pretendo utilizar um aparelho digital de áudio e

vídeo, mediante a V. S.ª autorização, também farei um diário de campo, por fim os dados coletados serão analisados.

A pesquisa irá zelas pelos termos da resolução 466/12 que indica o comprometimento ético e respeito implicados na pesquisa para com o sujeito central, ressalta-se que danos previsíveis serão evitados e que os participantes envolvidos

terão a sua dignidade preservada estando cientes de que podem interromper sua participação na pesquisa a qualquer momento em que se sintam edsconfortáveis.

Page 194: VERA LÚCIA DE CRISTO LOBATOccse.uepa.br/.../2020/01/vera_lucia_de_cristo_brito.pdfAo grupo “Malungo de Capoeira Angola/Bando da Brava” que me ofereceram novas perspectivas existenciais,

194

Reitera-se que será garantido bem-estar para os participantes da pesquisa sendo

providenciados os recursos necessários para o andamento da mesma. Durante a execução do projeto, será evitado, ao participante adolescente,

constrangimentos ou trazer à memória experiências e situações que causem um desconforto emocional que se enquadram ao nível de riscos mínimos. Caso a V.Sª se sinta desconfortável com qualquer processo da pesquisa e deseje fazer

alguma reclamação, poderá entrar em contato com a pesquisadora responsável pelo seguinte número: (91) 984388405.

Porém, os riscos serão minimizados a você e à comunidade em que a mesma será realizada com a sensibilidade da pesquisadora em considerar a fragilidade emocional do participante que a constitui em face da problemática vivenciada em um

contexto de vulnerabilidades caracterizado pela surdez, negritude e naturalidade quilombola. Além disso, será garantida a confidencialidade das informações geradas

e a privacidade dos participantes e sujeito, pois a referência aos mesmos serão feitas através de código numérico ou nomes fictícios criados pela pesquisadora.

Após as gravações seguidas das transcrições das entrevistas, V. Sª (quanto

responsável pelo adolescente) terá acesso às entrevistas transcritas, obtendo a total autonomia para decidir se o conteúdo deve ou não ser publicado no relatório da

pesquisa, ainda que as suas identidades não sejam reveladas. Os benefícios advindos da execução e análise deste projeto perpassam pela

possível contribuição de ampliar-se o debate sobre os processos de inclusão étnica

da pessoa surda de maneira que sejam repensadas práticas dialógicas inclusivas adaptáveis a tais sujeitos no sentido de considerar as percepções sociais do sujeito

quanto sua história de vida, seu ambiente social e educacional. Vale ressaltar que sua participação é VOLUNTÁRIA e poderá ser interrompida a qualquer momento, quando irei devolver-lhe todos os depoimentos anotados e/ou gravados, sem que

haja nenhum prejuízo para V. Sª e para a comunidade quilombola. O tema desta pesquisa é: inclusão da pessoa surda no quilombo e seus processos educativos

sócio/escolares. O sujeito adolescente negro surdo NÃO será obrigado a participar de qualquer processo da pesquisa que não seja autorizado pelo seu responsável por livre vontade. Este documento deverá ser assinado em duas vias, sendo uma para a

pesquisadora e outra para o responsável do sujeito. Após ler e receber explicações sobre a pesquisa, e ter meus direitos de:

1. receber resposta a qualquer pergunta e esclarecimento sobre os procedimentos, riscos, benefícios e outros relacionados à pesquisa; 2. retirar o consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo;

3. não ser identificado e ser mantido o caráter confidencial das informações relacionadas à privacidade;

4. procurar esclarecimentos com os Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará-Centro de Ciências Biológicas e de Saúde-CCBS, Trav: Perebebuí 2623, fone: 3131-17-04;

Eu,_____________________________________________________________,

declaro que li as informações sobre a pesquisa e me sinto perfeitamente esclarecido sobre o conteúdo da mesma. Declaro ainda que, por minha livre vontade, autorizo a pesquisa como adolescente vulnerável, acompanhando, cooperando e oferecendo

auxílio para com a coleta de informações para a mesma.

Page 195: VERA LÚCIA DE CRISTO LOBATOccse.uepa.br/.../2020/01/vera_lucia_de_cristo_brito.pdfAo grupo “Malungo de Capoeira Angola/Bando da Brava” que me ofereceram novas perspectivas existenciais,

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Cametá:____/____/______.

_________________________________

Participante da pesquisa

_________________________________

Pesquisadora Responsável

_________________________________ Pesquisadora assistente

_________________________________

Testemunha 1

_________________________________

Testemunha 2

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APÊNDICE B- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

“AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE UM ADOLESCENTE SURDO QUILOMBOLA:AFIRMAÇÕES ÉTNICAS, CONFLITOS CULTURAIS,

PARADIGMAS EDUCATIVOS E ESTRATÉGIAS DIALÓGICAS” Pesquisadora Responsável: Vera Lúcia de Cristo Lobato

CPF: 020.691.222-63 Número para contato: (91) 991639259

e-mail: [email protected] Pesquisadora Orientadora:

Ivanilde Apoluceno de Oliveira CPF: 024.174.212-91

Número para contato: (91) 988065657 e-mail: [email protected] Instituição a que pertence a Pesquisadora Responsável:

Universidade do Estado do Pará – UEPA Travessa Djalma Dutra, 156.

Instituição coparticipante: Comunidade Quilombola de Boa Esperança Telefones para contato: (91) 984388405/ (91) 991639259; Nome do

responsável:____________________________________________________ Idade:_________ anos.

Aos pais do adolescente colaborador. O Sr.(ª) está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa como pessoa

responsável pelo menor que atuará na pesquisa como colaborador em condição de vulnerabilidade social. A pesquisa intitula-se: “AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

DE UM ADOLESCENTE SURDO QUILOMBOLA:AFIRMAÇÕES ÉTNICAS, CONFLITOS CULTURAIS, PARADIGMAS EDUCATIVOS E ESTRATÉGIAS DIALÓGICAS”, de responsabilidade da pesquisadora Vera Lúcia de Cristo Lobato,

mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação Centro de Ciências Sociais e Educação da Universidade do Estado do Pará- matrícula 20177501003.

Esta pesquisa tem por objetivo Analisar as representações sociais que o adolescente negro surdo tem de si ao vivenciar o fator “surdez” na comunidade quilombola e sobre o seu processo socioeducativo vivenciado no quilombo e as

implicações destas representações na sua trajetória de vida social e escolar. A sua participação dar-se-á por meio da supervisão e acompanhamento dos

processos desenvolvidos na comunidade através da aplicação de técnicas de desenhos e dinâmicas pedagógicas sócio/interativas realizadas em ambiente social e escolar. Para o registro dos dados pretendo utilizar um aparelho digital de áudio e

vídeo, mediante a V. S.ª autorização, também farei um diário de campo, por fim os dados coletados serão analisados.

A pesquisa irá zelas pelos termos da resolução 466/12 que indica o comprometimento ético e respeito implicados na pesquisa para com o sujeito central, ressalta-se que danos previsíveis serão evitados e que os participantes envolvidos

terão a sua dignidade preservada estando cientes de que podem interromper sua participação na pesquisa a qualquer momento em que se sintam desconfortáveis.

Page 197: VERA LÚCIA DE CRISTO LOBATOccse.uepa.br/.../2020/01/vera_lucia_de_cristo_brito.pdfAo grupo “Malungo de Capoeira Angola/Bando da Brava” que me ofereceram novas perspectivas existenciais,

197

Reitera-se que será garantido bem-estar para os participantes da pesquisa sendo

providenciados os recursos necessários para o andamento da mesma. Durante a execução do projeto, será evitado, ao participante adolescente

bem como ao colaborador, constrangimentos ou trazer à memória experiências e situações que causem um desconforto emocional que se enquadram ao nível de riscos mínimos. Caso a V.Sª se sinta desconfortável com

qualquer processo da pesquisa e deseje fazer alguma reclamação, poderá entrar em contato com a pesquisadora responsável pelo seguinte número: (91) 984388405.

Porém, os riscos serão minimizados a você e à comunidade em que a mesma será realizada com a sensibilidade da pesquisadora em considerar a fragilidade emocional do participante que a constitui em face da problemática

vivenciada em um contexto de vulnerabilidades caracterizado pela surdez, negritude e naturalidade quilombola. Além disso, será garantida a confidencialidade das

informações geradas e a privacidade dos participantes e sujeito, pois a referência aos mesmos serão feitas através de código numérico ou nomes fictícios criados pela pesquisadora.

Após as gravações seguidas das transcrições das entrevistas, V. Sª (quanto responsável pelo menor colaborador) terá acesso às entrevistas transcritas, obtendo

a total autonomia para decidir se o conteúdo deve ou não ser publicado no relatório da pesquisa, ainda que as suas identidades não sejam reveladas.

Os benefícios advindos da execução e análise deste projeto perpassam pela

possível contribuição de ampliar-se o debate sobre os processos de inclusão étnica da pessoa surda de maneira que sejam repensadas práticas dialógicas inclusivas

adaptáveis a tais sujeitos no sentido de considerar as percepções sociais do sujeito quanto sua história de vida, seu ambiente social e educacional. Vale ressaltar que sua participação é VOLUNTÁRIA e poderá ser interrompida a qualquer momento,

quando irei devolver-lhe todos os depoimentos anotados e/ou gravados, sem que haja nenhum prejuízo para V. Sª e para a comunidade quilombola. O tema desta

pesquisa é: inclusão da pessoa surda no quilombo e seus processos educativos sócio/escolares. O menor colaborador da pesquisa NÃO será obrigado a participar de qualquer processo da pesquisa que não seja autorizado pelo seu responsável por

livre vontade. Este documento deverá ser assinado em duas vias, sendo uma para a pesquisadora e outra para o responsável do sujeito.

Após ler e receber explicações sobre a pesquisa, e ter meus direitos de: 1. receber resposta a qualquer pergunta e esclarecimento sobre os

procedimentos, riscos, benefícios e outros relacionados à pesquisa;

2. retirar o consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo;

3. não ser identificado e ser mantido o caráter confidencial das informações relacionadas à privacidade;

4. procurar esclarecimentos com os Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade do Estado do Pará-Centro de Ciências Biológicas e de Saúde-CCBS, Trav: Perebebuí 2623, fone: 3131-17-04;

Eu,__________________________________________________________

___, declaro que li as informações sobre a pesquisa e me sinto perfeitamente

esclarecido sobre o conteúdo da mesma. Declaro ainda que, por minha livre vontade, autorizo a pesquisa como adolescente vulnerável, acompanhando,

cooperando e oferecendo auxílio para com a coleta de informações para a mesma.

Page 198: VERA LÚCIA DE CRISTO LOBATOccse.uepa.br/.../2020/01/vera_lucia_de_cristo_brito.pdfAo grupo “Malungo de Capoeira Angola/Bando da Brava” que me ofereceram novas perspectivas existenciais,

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Cametá:____/____/______.

_________________________________

Participante da pesquisa

_________________________________

Pesquisadora Responsável

_________________________________ Pesquisadora assistente

_________________________________

Testemunha 1

_________________________________

Testemunha 2

Page 199: VERA LÚCIA DE CRISTO LOBATOccse.uepa.br/.../2020/01/vera_lucia_de_cristo_brito.pdfAo grupo “Malungo de Capoeira Angola/Bando da Brava” que me ofereceram novas perspectivas existenciais,

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APÊNDICE C -TERMO DE ASSENTIMENTO DO MENOR

“AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE UM ADOLESCENTE SURDO

QUILOMBOLA:AFIRMAÇÕES ÉTNICAS, CONFLITOS CULTURAIS, PARADIGMAS EDUCATIVOS E ESTRATÉGIAS DIALÓGICAS”

Pesquisadora Responsável:

Vera Lúcia de Cristo Lobato

CPF: 020.691.222-63 Número para contato: (91) 991639259

e-mail: [email protected] Pesquisadora Orientadora:

Ivanilde Apoluceno de Oliveira CPF: 024.174.212-91

Número para contato: (91) 988065657 e-mail: [email protected] Instituição a que pertence a Pesquisadora Responsável:

Universidade do Estado do Pará – UEPA Travessa Djalma Dutra, 156. Instituição coparticipante: Comunidade Quilombola de Boa Esperança Telefones para contato: (91) 984388405/ (91) 991639259;

Você está sendo convidado para participar da pesquisa As Representações Sociais De Um Adolescente Surdo Quilombola: Afirmações Étnicas, Conflitos Culturais, Paradigmas Educativos E Estratégias Dialógicas”. Seus pais permitiram

que você participe. Queremos analisar as representações sociais que você, quanto negro surdo, tem de si ao vivenciar o fator “surdez” na comunidade quilombola, e

sobre o seu processo socioeducativo vivenciado no quilombo e as implicações destas representações na sua trajetória de vida social e escolar. A sua idade durante

o processo da pesquisa sinaliza entre _____ e ______ anos.

Você não precisa participar da pesquisa se não quiser, é um direito seu. Não terá nenhum problema se desistir.

A pesquisa será feita na comunidade quilombola de Boa Esperança, onde você irá participar desde as observações que a pesquisadora fará em campo, até a sua

participação nos processos sociais e escolares através do uso de dinâmicas pedagógicas como: pintura, recorte e colagem, montagem de cartaz e quadro demonstrativos. Para isso, serão usados (se necessários) câmeras fotográficas,

câmera filmadora, gravador de voz, e materiais de uso didático: papel A4, papel 40 Kg, giz de cera, canetinhas multicores, tesouras sem ponta e cola branca. O uso do

material é considerado seguro, mas é possível ocorreram situações de desconforto emocional durante as etapas da pesquisa. Caso aconteça algo errado, você pode nos procurar pelos telefones (91) 984388405

e (91) 988065657, ambos corespondem diretamente à Vera Lúcia de Cristo Lobato e sua orientadora Ivanilde Apoluceno de Oliveira, responsáveis pela pesquisa.

Mas há coisas boas que podem acontecer como: o fortalecimento de discussões que giram em torno da inclusão étnica e social da pessoa negra surda quilombola, evidenciando a partir de elos educativos entre comunidade e escola, como o sujeito,

por vezes negado, se percebe frente às problemáticas já postas. Isto nos propõe a

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200

pensar a partir de ações acadêmicas possibilidades de inclusão de surdos urbanos e

rurais no sentido de diálogo a partir das percepções de alteridade. Ninguém saberá que você está participando da pesquisa, não falaremos a outras

pessoas, nem daremos a estranhos as informações que você nos der. Os resultados da pesquisa vão ser publicados, mas sem identificar você no processo da pesquisa. Quando terminarmos a pesquisa divulgaremos os achados para que possam

contribuir para o fortalecimento cidadão das comunidades quilombolas, para as discussões de matrizes étnicas e de inclusão interespacial da pessoa surda, e de

práticas educativas culturais que possam ser percebidas quanto inclusivas entendendo que este processo de inclusão não parte apenas de uma lógica acadêmica, mas parte de possibilidades que podem ser evidenciadas no convívio do

cotidiano de agentes sociais quilombolas, ribeirinhos, urbanos, etc.

Se você tiver alguma dúvida, você pode me perguntar ou a pesquisadora Ivanilde Apoluceno de Oliveira. Eu escrevi os telefones na parte de cima desse texto.

Eu _______________________________________________ aceito participar da pesquisa “As Representações Sociais De Um Adolescente Surdo Quilombola:

Afirmações Étnicas, Conflitos Culturais, Paradigmas Educativos E Estratégias Dialógicas”, que tem o/s objetivo(s) de: observar de que maneira os saberes

quilombolas e o currículo escolar contribuem para o seu reconhecimento enquanto negro surdo; Identificar as barreiras atitudinais e comunicacionais no processo educativo do adolescente negro surdo no âmbito escolar e social; explicitar na

trajetória de vida social e escolar do adolescente quilombola surdo as consequências das representações que possui sobre si e seu processo

socioeducacional no quilombo. Entendi as coisas ruins e as coisas boas que podem acontecer. Entendi que posso dizer “sim” e participar, mas que, a qualquer momento, posso dizer “não” e desistir que ninguém vai ficar furioso. As

pesquisadoras tiraram minhas dúvidas e conversaram com os meus responsáveis.

Recebi uma cópia deste termo de assentimento e li e concordo em participar da pesquisa. Cametá-PA, ____de _________de __________.

________________________________

Assinatura do menor

_________________________________

Assinatura do (a) pesquisador(a)

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201

APÊNDICE D - TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA UTILIZAÇÃO DE

RELATOS ESCRITOS, IMAGEM E SOM DE VOZ PARA FINS DE

PESQUISA

Eu, ______________________________________________, autorizo a utilização de meus relatos _________________________________________________

(definir qual o tipo de relato: escritos, imagem e/ou som de voz), na qualidade de participante/entrevistado(a) no projeto de pesquisa intitulado “As Representações

Sociais De Um Adolescente Surdo Quilombola: Afirmações Étnicas, Conflitos Culturais, Paradigmas Educativos E Estratégias Dialógicas” sob responsabilidade de Vera Lúcia de Cristo Lobato e Ivanilde Apoluceno de

Oliveira (orientadora da pesquisa), vinculada a Universidade do Estado do Pará-UEPA (instituição proponente).

Autorizo meus relatos escritos, imagem e som de voz serem reproduzidos, publicados ou exibidos pelos materiais de divulgação e informação produzidos pela referida pesquisa, após aprovação no Comitê de Ética desta Fundação.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente previsto na lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, tenho garantido nos termos da lei, os direitos

fundamentais da pessoa humana (liberdade, respeito e dignidade) livre de qualquer discriminação em meus direitos e deveres individuais e coletivos, expressos no Art. 17: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e

moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos

pessoais”. Tenho ciência de que não haverá divulgação da minha identidade, imagem,

nem som de voz por qualquer meio de comunicação, sejam elas televisão, rádio ou

internet, exceto aos dados codificados nas atividades vinculadas ao ensino e a pesquisa, explicitadas acima. Tenho ciência também de que a guarda e demais

procedimentos de segurança com relação às imagens e sons de voz são de responsabilidade do(a) pesquisador(a) responsável pela referida pesquisa e, após o período de 5 anos a contar a partir da data de publicação da pesquisa, os mesmos

serão inutilizados. Serei livre para interromper minha participação na pesquisa a qualquer

momento e/ou solicitar a posse da gravação e transcrição de minha entrevista. Deste modo, declaro que autorizo, livre e espontaneamente, o uso para fins

de pesquisa, nos termos acima descritos, dos meus relatos escritos, imagem e som

de voz. Este documento foi elaborado em duas vias, uma ficará com o(a)

pesquisador(a) responsável pela pesquisa e a outra com o(a) participante.

_____________, ___ de __________de _________.

____________________________________________

Assinatura do Participante

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APÊNDICE E - TERMO DE ACEITE DE ORIENTAÇÃO

Referência: As Representações Sociais De Um Adolescente Surdo Quilombola: Afirmações Étnicas, Conflitos Culturais, Paradigmas Educativos E Estratégias

Dialógicas Pesquisadora Responsável: Vera Lúcia de Cristo Lobato Pesquisadora Assistente (orientadora): Ivanilde Apoluceno de Oliveira

A quem possa interessar: Eu, Ivanilde Apoluceno de Oliveira, coordenadora do Programa de Pós-graduação

do Estado do Pará - UEPA, portadora do CPF: 024.174.212-91, e pesquisadora assistente desse estudo, declaro que aceito orientar projeto de pesquisa da pesquisadora Vera Lúcia de Cristo Lobato, intitulado: “As Representações Sociais

De Um Adolescente Surdo Quilombola: Afirmações Étnicas, Conflitos Culturais, Paradigmas Educativos E Estratégias Dialógicas” conforme os

requisitos e diretrizes estipuladas na Resolução CNS 466/12 e toda a regulação complementar relativa à ética em pesquisa que envolva seres humanos e assumo, neste termo o compromisso de:

1. Somente iniciar a Pesquisa após a sua aprovação junto ao Comitê de ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade do Estado do Pará

(466/2012). Caso a Pesquisa seja interrompida, informar tal fato ao CEPs, de forma justiçada;

2. Na ocorrência de evento adverso grave comunicar imediatamente ao CEP,

bem como prestar todas as informações que me forem solicitadas; 3. Ao utilizar dados e/ou informações coletados com o sujeito da pesquisa,

assegurar a confidencialidade e privacidade dos mesmos; 4. Destinar os dados coletados somente para o projeto ao qual se vinculam.

Todo e qualquer outro uso deverá ser objeto de um novo projeto de Pesquisa

que deverá ser submetido e apreciado nos colegiados e Comitês de ética e Pesquisa da UEPA;

5. Apresentar relatório final, sobre o desenvolvimento da Pesquisa ao CEP; 6. Esclarecer aos participantes os objetivos e os procedimentos que serão

utilizados na pesquisa, com o detalhamento dos métodos a serem utilizados.

7. Explicação dos possíveis desconfortos e riscos decorrentes da participação na pesquisa, além dos benefícios esperados dessa participação e

apresentação das providências e cautelas a seres empregadas para evitar e/ou reduzir efeitos e condições adversas que possam causar danos, considerando características e contexto do participante da pesquisa;

8. Esclarecimento sobre a forma de acompanhamento e assistência a que terão direito os participantes da pesquisa, inclusive considerando direitos,

benefícios e resultados posteriores aos encerramento e/ou a interrupção da pesquisa;

9. Garantia de plena liberdade ao participante da pesquisa de recusar-se a

participar ou retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma;

10. Garantia de manutenção do sigilo e da privacidade dos participantes da pesquisa durante todas as fases da pesquisa; garantia de que o participante da pesquisa receberá uma vida do Termo de Consentimento Livre

Esclarecido; Belém, 22 de maio de 2018.

__________________________________________________ Assinatura da orientadora da pesquisa

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APÊNDICE F-TERMO DE COMPROMISSO DA PESQUISADORA

Referência: Representações sociais de um adolescente surdo quilombola: trajetória de vida social e escolar

Pesquisadora Responsável: Vera Lúcia de Cristo Lobato A quem possa interessar:

Eu, Vera Lúcia de Cristo Lobato da Universidade do Estado do Pará-UEPA, portadora do CPF: 020.691.222-63 e pesquisadora responsável do estudo “As Representações Sociais De Um Adolescente Surdo Quilombola: Afirmações

Étnicas, Conflitos Culturais, Paradigmas Educativos E Estratégias Dialógicas” conforme requisitos e diretrizes estipuladas na Resolução CNS 466/12 e toda a

regulamentação complementar relativa à ética em pesquisa que envolva seres humanos e assumo, neste termo o compromisso de:

1. Somente iniciar a Pesquisa após a sua aprovação junto aos Comitê de Ética

em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade do Estado do Para (Resolução 466/2012). Caso a Pesquisa seja interrompida, informar tal fato

aos CEPs, de forma justificada; 2. Na ocorrência de evento adverso grave comunicar imediatamente ao CEP,

bem como prestar todas as informações que me forem solicitadas;

3. Ao utilizar dados e/ou informações coletados com o sujeito de pesquisa, assegurar a confidencialidade e a privacidade dos mesmos;

4. Destinar os dados coletados somente para o projeto ao qual se vinculam. Todo e qualquer outro uso deverá ser objeto de um novo projeto de Pesquisa que deverá ser submetido é apreciado nos colegiados dos Comitês de Ética e

Pesquisa da UEPA. 5. Apresentar relatório final, sobre o desenvolvimento da Pesquisa ao CEP;

6. Esclarecer aos participantes os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa, com o detalhamento dos métodos a serem utilizados;

7. Explicitação dos possíveis desconfortos e riscos decorrentes da participação

na pesquisa, além dos benefícios esperados dessa participação e apresentação das providências e cautelas a serem empregadas para evitar

e/ou reduzir efeitos e condições adversas que possam causar danos, considerando características e contexto do participante da pesquisa;

8. Esclarecimento sobre a forma de acompanhamento e assistência a que terão

direito os participantes da pesquisa, inclusive considerando direitos, benefícios e resultados posteriores ao encerramento e/ ou a interrupção da

pesquisa; 9. Garantia de plena liberdade ao participante da pesquisa, de recusar-se a

participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem

penalização alguma; 10.Garantia de manutenção do sigilo e da privacidade dos participantes da

pesquisa durante todas as fases da pesquisa; garantia de que o participante da pesquisa receberá uma via do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;

Belém, 11 de dez. 2017.

___________________________________

Assinatura da pesquisadora

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APÊNDICE G - ROTEIRO DAS DINÂMICAS PEDAGÓGICAS

EIXO I

1.IDENTIFICAÇÃO SUJEITO DA PESQUISA:

1.1. Nome:__________________________________________________________

1.2. Idade: _____ anos

1.3 Sexo: Masculino

1.4. Naturalidade:______________________; Data de nascimento:___/___/_____

1.5. Endereço:_______________________________________________________

_________________________________________________Telefone:___________

1.6. Escola: __________________________________________________________

1.7. Série: ___________________________________________________________

1.8. Turno de frequência às aulas: ________________________________________ 1.9. Participa de atividades em sala de recurso multifuncional? _________________

EIXO II:

2. DINÂMICAS PEDAGÓGICAS COM O ADOLESCENTE SURDO:

REPRESENTAÇÕES SOBRE SABERES CULTURAIS E FORMAÇÃO SOCIAL

2.1 Dinâmica Pedagógica: oficina de artesanato com Miriti Procedimentos: coleta de matéria prima; confecção; partilha dos significados dos

brinquedos produzidos. 2.2 Dinâmica: produção de desenho sobre o espaço escolar e sobre as vivências no futebol

Procedimentos: fornecimento de material didático de apoio; representação sinalizada sobre o desenho produzido.

a) Como você representa o espaço escolar?

b) Qual a importância do professor?

c) Qual a relevância da educação escolar para sua vida?

2.3 Dinâmica pedagógica: visualização do curta metragem “menina bonita do

laço de fita” e formação de quadro demonstrativo

Procedimentos: exposição de um curta metragem e debate acerca das diferenças étnicas; montagem de um quadro demonstrativo sobre ser negro.

a) Como você se vê na comunidade quilombola?

b) O que é a comunidade quilombola para você?

c) Como é a sua relação com os membros da comunidade quilombola?

d) O que você faz na comunidade quilombola?

e) Que imagem você tem de si como adolescente surdo e quilombola?

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ANEXOS

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