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Verde MARINA MORENA DO BRASIL ano 4 edição especial semestral nov/2011 a abr/2012 - ISSN 2179 5606 - R$ 15,00

VERDE VERSÁTIL

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Revista sobre sustentabilidade com destaque para o tema Biomas do Brasil e entrevista exclusiva com a ex Ministra Marina Silva.

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EDITORIALAOS LEItORESPOR CLAUDIA LIBA

CAROS LEITORES, com muita felicidade produzimos a pri-meira edição Verde Versátil, sonhada há tanto tempo! Uma expressão usada por Marina Silva na entrevista dá o tom desta edição especial: é necessário ser “sonhático”. Em minha infância, vislumbrava um mundo com maior envolvimento entre as pessoas, entre as pessoas e a natureza. Havia ar puro, passeios no pico do Jaraguá, Horto Florestal, com poucos au-tomóveis nas ruas. Tinha o bate-papo entre vizinhos e brin-cávamos na rua. Hoje, as crianças vivem indoor. As brincadei-ras de rua foram substituídas por jogos no computador. Mas nunca perdemos a capacidade de sonhar. De meus sonhos veio a escolha da profissão: bióloga. Não me cansa observar a natureza, com ela relacionar-me. Hoje, com muito prazer, levo a você, leitor, matérias de qualidade, que tornaram a Verde Versátil a primeira das futuras publicações semestrais volta-das ao tema sustentabilidade. Agradeço à Marina Silva por gentilmente nos receber e contar como seus sonhos percor-reram caminhos árduos e de muitas conquistas, e aos reno-mados profissionais que trouxeram informações importantes sobre os biomas brasileiros, o Código Florestal e a educação ambiental. Alegra-me a presença de ilustradores, escritores e músicos nesta edição. A arte traz tons, sons e a beleza que uma vida sustentável requer. A todos que acreditaram na Ver-sátil desde seu início, em 2007, meu carinho. A Verde Versátil inaugura uma nova fase. Não um sonho, mas um nascimento.

Dedico a Verde Versátil à memória de meu pai.

Claudia [email protected] @versatilmagazin

PublisherClaudia Liba

Direção Executiva Verde VersátilLuana Capobianco

Conselho EditorialAlexandre Lourenço, Antonio Gomes, Claudia Ramos Lessa, Gabriel Leicand, Gabriel L. Schleiniger, Juliana Jamilles.

Foto de CapaCacá Meirelles

Redação, Edição e Revisão de textoValéria Diniz [email protected]

Repórter Especial de Meio AmbienteJuliana Ferrari

Projeto Gráfico Luana Capobianco

DiagramaçãoKeila Carvalho

Analistas de Redes SociaisCaio Gasparetto Diniz da Silva, Gabriel L. Schleiniger, Juliana Ferrari.

Versátil Onlinewww.revistaversatil.com.brtwitter @versatilmagazin

ImpressãoW Gráfica

DistribuiçãoButantã, Morumbi, Parque dos Príncipes, Vila Madalena, Vila São Francisco.

PARA ANUNCIAR ENtRE EM CONtAtO:tels. (11) 8851 7082 / (11) 3798 [email protected]

Verde Versátil é uma publicação semestral direcionada a mailing Vip, focada em susten-tabilidade e não se responsabiliza por eventu-ais mudanças na programação fornecida, bem como pelas opiniões emitidas nesta edição. Todos os preços e informações apresentados em anúncios publicitários são de total respon-sabilidade de seus respectivos anunciantes, e estão sujeitos a alterações sem prévio aviso. É proibida a reprodução parcial ou total de textos e imagens publicados sem prévia autorização.

CIDADANIA CóDIGO FLOREStALANDRÉ LIMA

SAÚDE OS EFEItOS DA POLUIÇÃO NA SAÚDEPAULO SALDIVA

EDUCAÇÃO AMBIENtAL EDUCAÇÃO PARA A SUStENtABILIDADEINStItUtO 5 ELEMENtOS/ MÔNICA BORBA

MÚSICA O SILÊNCIO MUSICAL - MEDItAÇÃO E MEREDItH MONK ILANA VOLCOV

ARQUItEtURA A REFAZENDA: UMA CONtRUÇÃO SUStENtÁVEL EDER VENDRAMEL

ARtE A DANÇA DA SELVAMANOEL BRIttO

PENSAMENtO ECOSOFIA: BICHO DE tRÊS CABEÇASCLAUDIA RAMOS E LESSA

LIXORECICLAALFREDO ROCCA

COtIDIANONÃO EStOU SENtINDO NADA!ANtONIO GOMES

POESIAA MAtAF. MARCOS

CAPAMARINA MORENA DO BRASILENtREVIStA EXCLUSIVA MARINA SILVA

NEGóCIOSLUCRO VERDE: O QUE SE ANDA FAZENDO PELO MEIO AMBIENtE?RUBENS BORGES

BIOMAS BRASILEIROSAMAZÔNIA, CERRADO, PAMPA, MAtA AtLÂNtICA, PANtANAL, CAAtINGAPOR DIVERSOS PESQUISADORES

EDUCAÇÃO MELHORANDO A QUALIDADE DE VIDA NAS ESCOLASMARCOS GALVEZ

CRIANÇACUIDANDO DO PLANEtA POR ELAS MESMAS

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CIDADANIA CóDIGO FLOREStAL ANDRÉ LIMA

André Lima, nosso entrevistado, é advogado, mestre em Gestão e Política Ambiental e pesquisador do Programa de Mudanças Climáticas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Diretor do Departamento de Articula-ção de Ações para a Amazônia e de Políticas de Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente de 2007 a 2008, hoje participa ativamente das discussões sobre as alte-rações do Código Florestal. Defende, entre outras medidas, o incentivo à produtividade nas áreas já abertas pelo desmata-mento como uma das principais soluções para o impasse. Da bancada dos ambientalistas, André não abre mão de princí-pios como a exigência de manutenção de 80% de floresta preservada, opondo-se aos ruralistas, que querem reduzir esse percentual para 50%.

A Verde Versátil conversou com André e traz a vocês uma entrevista que esclarece, de forma bastante objetiva, o ris-co que o nosso país está vivendo. Vale sempre a reflexão. O IPAM é uma organização ambiental não-governamental fun-dada em 1995 com a missão de contribuir para um processo de desenvolvimento da Amazônia que atenda às aspirações sociais e econômicas da população.

VV: Gostaria que o senhor explicasse de forma sintética o que está ocorrendo na prática com a questão polêmica do Código Florestal.André Lima: O que acontece é que, nos últimos dez a quinze anos, a sociedade brasileira vem acordando para a questão da preservação dos ecossistemas naturais, nossas florestas, os biomas Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica, Amazônia, Caatinga. Esta conscientização vem se refletindo nas ações do governo no sentido de coibir e fortalecer o controle do desmatamento, fiscalizando e cobrando a fiscalização em relação às leis ambientais. Uma destas leis é a do Código Florestal; a outra é a Lei de Crimes Ambientais. Com a cons-cientização, o governo começou a forçar a implementação da lei. Isto significa que o muito que foi feito de errado para trás, em termos de desmatamento ilegal, principalmente nas chamadas Áreas de Preservação Permanente (margem de rios, nascentes, montanhas, morros e outras áreas), foram desmatadas ilegalmente. Muitas recentemente, nos últimos dez anos, e o governo está na cola cobrando a recuperação destas áreas. Por isto existe uma reação das classes repre-sentativas de lideranças políticas do setor agropecuário para que a legislação seja revista, para que não sejam cobradas pelo que foi feito de errado.

VV: Poderia citar alguns exemplos de discordâncias en-tre ambientalistas e ruralistas?AL: Poderia citar vários, mas vou me deter nos mais urgen-tes. Um problema grave é que a proposta é ignorar, simples-mente, tudo o que foi feito de errado. Criaram uma figura chamada Área Rural Consolidada, que propõe a manuten-ção de vários tipos de ocupações ilegais na beira de rios, nas nascentes. Crimes de desmatamento ocorridos até julho de 2008, portanto bem recentes, podem ser beneficiados pelo conceito de Área Rural Consolidada. O que os ambientalis-tas aceitam e propõem como uma forma de tentar chegar a um acordo é considerar consolidados os desmatamentos contínuos anteriores à Lei de Crimes Ambientais e às mudan-ças que ocorreram no próprio local. Se você fez um desma-tamento na década de 1990 até a entrada da Lei de Crimes Ambientais em 1998, é possível considerar como Área Rural Consolidada, porque até então a lei ou era ambígua, ou foi al-terada, criando situações que não eram interpretadas como ilegais. As pessoas ocupavam conforme a lei, mas depois se tornava ilegal. É quase consenso entre os ambientalistas que é possível trabalhar o conceito de Área Rural Consolidada. Mas não nos novos desmatamentos! Inclusive, temos uma Lei de Crimes Ambientais para fortalecer a situação da de-gradação ambiental e, depois disto, a gente vai dar anistia para desmatamentos ocorridos entre 1998 e 2000 e pouco. Tem uma distância muito grande. Significa 140 milhões de hectares de desmatamentos ilegais ocorridos no Cerrado e na Amazônia. Não estou falando nem dos outros biomas! Então, há um volume grande de desmatamento ilegal em que o Estado ou a lei podem acabar privilegiando quem a in-fligiu, sem dar nenhum tipo de benefício para quem a cum-priu. É uma lei injusta.

VV: Então, o senhor vê um retrocesso no relatório apre-sentado, que acarretaria incentivo ao desmatamento?AL: Incentiva o desmatamento por dois motivos: primeiro, porque está premiando o infrator, o que gera um sentimento de impunidade e, por outro lado, muito grave, a lei também cria facilidades para a regularização de novos desmatamen-tos, ou seja, vai valer a pena desmatar.

VV: Quais consequências o senhor vê caso seja aprova-do o relatório proposto pelo deputado Aldo Rebelo no Senado?AL: Não dá para prever! A verdade é que o boato que corre no meio rural é que tudo o que foi feito para trás vai ficar como está! Isto gerou, por exemplo, no Estado do Mato Grosso,

uma corrida para aumentar o desmatamento. Aumentou nos últimos três meses! E a gente debita esta corrida ao debate do Código Florestal.

VV: Os cientistas da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a ABC (Academia Brasileira de Ciência) manifestaram-se publicamente, através de uma carta ao presidente do Senado, José Sarney, solicitando discussão mais profunda em relação às alterações pro-postas. Gostaria de saber do senhor qual é o peso das análises da equipe técnica de biólogos, engenheiros florestais, ecólogos e outros profissionais altamente ga-baritados para a compreensão e as decisões pertinentes ao assunto sobre o que vivenciamos hoje em relação ao Código Florestal. AL: Deveria ser mais relevante. O problema é que os rura-listas levam esta discussão para os campos econômico e político. Justificam a necessidade da utilização destas áreas através de argumentos econômicos, mas desconsideram completamente que o desgaste e a degradação ambien-tal também têm um custo para eles. Custo não mensurável objetivamente de forma clara, mas custo que será cobrado da sociedade a longo prazo. Tem a ciência econômica, a ciência política e as ciências naturais. As naturais dizendo que a proposta é ruim; as econômicas tratando a questão de forma enviesada e com lacunas, porque não avança-ram o suficiente para poder tratar a economia ecológica, a economia da degradação ambiental e o custo da mesma a médio ou longo prazo para a sociedade, o poder público e a produção agropecuária. E tem as ciências políticas, outro elemento desta história. Há uma conjuntura política volátil: a base de apoio do governo Dilma varia de acordo com

“A LEI TAMBÉM CRIA FACILIDADES PARA A REGULARIzAçãO DE NOVOS DESMATAMENTOS, OU SEJA, VAI VALER A PENA DESMATAR”

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os temas. Em relação ao Código Florestal, o governo não se empenhou para fazer cumprir isto. A Dilma se comprometeu durante a campanha a não aceitar retrocesso, anistia e mais desmatamento.

VV: Como seria possível resolver a questão da área agricultável, uma vez que vivemos em uma condição privilegiada em relação ao tamanho desta área?AL: Antes de tudo, o problema do desmatamento não se refere apenas à Amazônia, mas aos biomas do país inteiro. Sobretudo na região Centro-Sul, porque a média de vegeta-ção nesta região não passa de 20%. Ainda nesta área, há sub--regiões que não têm nada de vegetação, e isto tem conse-quências não apenas para o clima local, mas para a produção de insumos para pecuária e a disponibilidade de água. Por isto há cada vez mais transposições, aquedutos e aquíferos, cujos custos são muito altos. Quando a gente tem malha hí-drica, ela tem que ser mantida, conservada. O Código Flo-restal serve para isto. A sua pergunta não é fácil responder, mas é fundamental que a sociedade não esqueça em quem votou. Deve ir atrás dos parlamentares, mandar e-mail, ligar para gabinetes, assessorias, dizer que está preocupada com o tema e o que espera do trabalho deles, para que se sintam monitorados, pressionados. Há uma distância muito grande entre o que os parlamentares fazem em Brasília e o discurso deles nas campanhas, nos eventos midiáticos. Distância en-tre discurso e prática. Se não criarmos algum tipo de cons-trangimento em nossos parlamentares, eles vão se sentir à vontade para votar o assunto de acordo com o projeto no momento da votação.

VV: Quanto tempo ainda temos para fazer esta “pressão”?AL: Pouco mais de um mês. Na verdade, é pra já, porque a matéria já foi para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e está no Senado. Agora, passa a ser discutida no Ministério da Ciência e Tecnologia, da Agricultura e, por último, na Co-missão do Meio Ambiente. Na plenária do Senado, depen-dendo do que for decidido, volta para a Câmara, porque a tendência é modificar o relatório no Senado. É um processo complexo, um rolo compressor até a votação, e o esforço que estamos fazendo é para ter mais debates para compre-ender melhor a proposta e poder melhorar.

VV: O que você falaria para as crianças sobre meio am-biente? AL: É o direito delas que está sendo dispensado. Hoje, a gen-te já paga um pouco da conta do que nossos avós fizeram. As crianças de hoje terão mais dificuldades quando forem adultas, porque receberão algo, infelizmente, pior: clima mais aquecido, água mais cara, menos áreas de lazer, o equi-líbrio ambiental bastante comprometido. Isto com desdo-bramentos em vários campos, como cultura, lazer, saúde e até na educação, porque a biodiversidade é a chave para a ciência e a tecnologia. Estou falando do direito da criança. Saibam que seus pais têm responsabilidade pelo que vão deixar aos filhos. Falem com seus pais para que se mobili-zem e assinem o abaixo-assinado!

“O PROBLEMA DO DESMATAMENTO NãO SE REFERE APENAS À AMAzÔNIA, MAS AOS

BIOMAS DO PAÍS INTEIRO“

(entrevista concedida em out/11)

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SAÚDE OS EFEItOS DA POLUIÇÃO NA SAÚDE PAULO SALDIVA por Juliana Ferrari e Claudia Liba

Uma busca constante e atual de nossa sociedade é o resgate do contato com a natureza para melhorar a qualidade de vida. Evidentemente, o homem distanciou-se do que o mantém vivo, com saúde. Daí o aumento de demandas como alimentos or-gânicos, automóveis movidos a álcool, biocombustíveis em frotas de veículos pesados, a preferência por produtos sustentáveis.

Apresentamos aqui uma conversa com o Dr. Paulo Saldiva, da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Ele fala sobre os problemas de saúde decorrentes da poluição do ar e expõe dados alarmantes que mostram a necessidade de encontrar formas de alcançar melhor qualidade de vida no ambiente urbano.

Verde Versátil: Moradores de bairros como Granja Viana, Ibirapuera,  Jardins, ou próximos a grandes áreas verdes, como Parque do Carmo e Serra da Cantareira, sofrem menos com a poluição atmosférica? Paulo Saldiva: Não. A poluição do ar tem uma mobilidade grande pelas características da área. É evidente que, se você mora do lado de uma avenida, de grandes corredores de tráfego, são os locais onde tem maior concentração de poluentes. Mas você pode ter, mesmo fora dos grandes corredores de tráfego, certa mobilidade de poluentes. A região oeste é uma das re-giões onde precursores de ozônio emitidos em São Paulo vão gerar ozônio nessas regiões. A Granja Viana pode ter um nível maior de ozônio; em geral, poluentes secundários, não aqueles que saem dos escapamentos dos carros. Os maiores níveis de ozônio em São Paulo estão em direção às regiões noroeste e oeste, pelo tipo de vento que ocorre durante o dia.

VV: Quais impactos na saúde estão associados à má qualidade do ar? Como podemos preveni-los ou minimizá-los?PS: A poluição do ar tem um risco pequeno, mas, infelizmente, o número de pessoas afetadas é grande. Quem mora em cidades poluídas tem mais de 10% de chance para desenvolver câncer de pulmão. Um indivíduo que fuma dois maços de cigarro por dia tem um risco quinze vezes maior do que isto. Então, o risco é de 1.500 contra 10, ou seja, a poluição traz os mesmos problemas que o cigarro traz, só que em pequena escala. Porém, a poluição tem uma característica diferente do cigarro, já que afeta muitas pessoas. Embora o risco seja pequeno, a porcentagem atribuída de doenças é grande, porque todo mundo está exposto, inclusive crianças, idosos, indivíduos que já têm doenças respiratórias e cardiovasculares e que decidiram não fumar. Existem janelas na nossa vida, como também condições de saúde que nos fragilizam e fazem com

que a poluição afete os mais vulneráveis. Um exemplo é o infarto do miocárdio. De 8% a 10% dos infartos do miocár-dio na cidade de São Paulo são atribuíveis à poluição do ar, ou seja, a poluição não é a maior causa do infarto do mio-cárdio, mas é suficiente para quem infartou, e tem tama-nho grande para aparecer na fotografia. Das mortes em São Paulo por causas naturais, em torno de 7% são causadas pela poluição do ar. Não é a maior causa da mortalidade, porém ela aparece de uma forma bastante significativa.

VV: Em relação ao câncer, a poluição só está associada ao câncer de pulmão? PS: Câncer de pulmão e vias aéreas com certeza. E algo, tal-vez, em relação ao câncer de mama em mulheres jovens. Uma das hipóteses pra explicar esse aparecimento de câncer de mama em pessoas mais jovens relaciona-se aos disrupto-res endócrinos, presentes nos alimentos e na poluição do ar.

VV: Mesmo sem carga genética? Não necessariamente estas mulheres são portadoras do gene BRCA?PS: Não, nem todo câncer de mama é dependente do gene BRCA, mas em pessoas com histórico familiar, a poluição pode ser um fator agravante. Existem evidências de que compostos, principalmente do diesel, são capazes de pro-mover alterações endócrinas. Tanto que, nas regiões mais poluídas de São Paulo, o número de nascimentos de meni-nos cai em relação ao de meninas.

VV: Interessante, um dado ao qual muita gente não tem acesso.PS: O que a poluição faz é tudo o que o cigarro faz: aumento do risco de doença respiratória, envelhecimento precoce do pulmão, aumento do risco de aterosclerose, aumento do ris-co de infarto agudo do miocárdio, baixo peso dos bebês ao nascer, maior risco de abortamento e alguns tipos de câncer, mais notadamente de via aérea superior e pulmão e, em al-guns casos, suspeita-se que câncer de mama também.

VV: Quando pensamos em prática de esportes, existem mesmo problemas associados a fazer caminhada ou cor-rida em determinados horários do dia?PS: O que acontece é que, em algumas cidades mais privile-giadas, como Rio de Janeiro ou cidades litorâneas, existem calçadas próprias pra que as pessoas pratiquem esportes nas ruas. Geralmente, estão associadas à orla marítima. Em São Paulo não. Nossas calçadas são horrorosas. Tanto que a maior causa de acidentes de tráfego em São Paulo é a queda da própria altura em calçadas esburacadas. Mais de 50% dos casos que chegam até o Instituto de Ortopedia da Faculdade de Medicina da USP é de gente que está andando a pé. Por-que, nas calçadas, o pedestre não aparece. Tem um segmen-to invisível da população! No jornal, vi uma foto do chamado “caos aéreo”, as pessoas esperando de vinte a trinta minutos pra pegar um táxi no aeroporto de Congonhas. Outro dia, fui dar uma aula na estação Tiradentes do metrô e, geralmente, pego a linha verde em direção à FMUSP. Fiquei vinte e cinco minutos na estação, tentando entrar no trem, e não conse-gui. O caos do transporte já ocorre no Jardim Ângela, nos trens da CPTM e as pessoas não aparecem. Só quando o caos começa a pegar o andar de cima é que você tem a primeira página do jornal. O que temos hoje, na cidade de São Pau-lo, são calçadas inapropriadas pra andar, muito menos pra correr. Então, as pessoas começam a correr nas calçadas das avenidas, o que é um mau negócio, porque os grandes corre-dores de tráfego podem ser comparados a novas chaminés. Saíram as indústrias, já deixam de produzir bens para vender serviços e, consequentemente, você tem as emissões saindo, predominantemente, das avenidas. Durante a corrida, você aumenta a ventilação e, consequentemente, inala mais po-luentes em lugares pouco adequados. Mesmo nos parques, Aclimação, Ibirapuera, as pessoas que correm regularmente vão construindo uma trilha externa, junto às grades, para di-minuir a monotonia do treino e inalam mais poluentes. Se for correr, é preferível que não seja em vias de tráfego, e é melhor tentar fugir dos horários de pico.

“A POLUIÇÃO tRAZ OS MESMOS PROBLEMAS QUE O CIGARRO”

“SE FOR CORRER, É PREFERÍVEL QUE NãO SEJA EM VIAS DE TRÁFEGO, E É MELHOR TENTAR FUGIR DOS HORÁRIOS DE PICO”

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EDUCAçãO AMBIENTAL EDUCAÇÃO PARA A SUStENtABILIDADE INSTITUTO 5 ELEMENTOS / MÔNICA BORBA

Fundado em 1993, o Instituto 5 Elementos é uma Organi-zação da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que realiza diversas atividades relacionadas à cultura da susten-tabilidade. São temas trabalhados pelo Instituto a gestão de resíduos sólidos, as formas de consumo, mudanças climá-ticas e atitudes sustentáveis. Em suas oficinas, há diversas atividades teóricas e práticas - como os Cursos de Educação para a Sustentabilidade e a manutenção dos Centros de Edu-cação Ambiental de Caucaia do Alto (CEA) - que implantam, em parceria com a comunidade, sistemas de aquecimen-to de água com energia solar, compostagem, tratamento biológico para a água, viveiros, minhocários, agroflorestas, banheiros ecológicos, jardins de plantas comestíveis, medi-cinais e ornamentais. E também o projeto de trilhas em nas-centes estudando e valorizando a Mata Ciliar.

Diversos prêmios foram conquistados pelo Instituto, como o Prêmio ANA (Agência Nacional de Águas) 2010 - com o projeto “Cenários Atlas Socioambiental e Oficinas na bacia hidrográfica dos rios Sorocaba Médio-Tietê”.

A Verde Versátil conversou com a ambientalista Mônica Pilz Borba, que fundou o Instituto 5 Elementos ao lado de Minka Ilse Bojadsen e Mônica Renard. Atualmente, Mônica é coorde-nadora do Instituto.

Verde Versátil: Educação ambiental é um tema muito abrangente. Poderia defini-lo para nós?Mônica Borba: O tema educação ambiental pressupõe a ên-fase na educação que tenha foco na observação, pesquisa

e compreensão de como acontecem as complexas relações entre a vida nos ambientes natural, rural e urbano. Faz par-te desta aprendizagem a valorização da compreensão dos ciclos de vida de todos os seres e elementos que coexistem em nosso planeta. Perceber que todos somos UM é funda-mental neste processo, pois nós somos parte do Universo e do Planeta.

VV: O que é a ecoalfabetização?MB: A alfabetização ecológica incentiva que aprendamos com os “princípios ecológicos” e promove determinadas lei-turas e interpretações preferenciais sobre a natureza. Entre essas, a de que a natureza é perfeita, harmônica e sábia.

VV: Em que contexto surgiu o Instituto 5 Elementos e quais foram as motivações que levaram à sua criação? Por que existem tantas ONGs e OSCIPs trabalhando com educação ambiental?MB: O Instituto 5 Elementos nasceu do desejo de educadoras em promover o tema educação ambiental nas escolas, em-presas e nas instâncias governamentais. As fundadoras se co-nheceram na Pró-Jureia, que, em 1989, lutava para transformar a Jureia em uma estação ecológica. Depois desta luta ganha, montamos um grupo de educação ambiental na Pró-Jureia, onde estudávamos o tema e promovíamos ações junto a edu-cadores em Peruíbe, cidade vizinha ao Parque Ecológico da Ju-reia. Em 1993 fundamos o Instituto 5 Elementos e agora, com dezoito anos de ação, ampliamos sua missão ao promover a Educação para a Sustentabilidade, tema prioritário para a cons-trução de uma sociedade sustentável.

VV: Como começou a ser introduzido o tema educação ambiental nas escolas? MB: Desde 1999 foi constituída a Política Nacional de edu-cação ambiental, dando ênfase a este tema nas escolas. Po-rém, esta lei exige que sejam criadas leis, regulamentações e planos nos Estados e municípios que levem em conta sua realidade local, seu bioma. Enfim, ainda temos muito traba-lho pela frente.

VV: Ainda sobre as escolas, deve-se trabalhar a educação ambiental como disciplina ou abordar o tema indireta-mente em todas as situações apresentadas aos alunos?MB: A educação ambiental deve ser promovida por meio de projetos interdisciplinares, e não numa única matéria. O tema necessita de todas as áreas do saber para avan-çarmos no conhecimento da complexidade das relações entre as vidas existentes em nosso planeta.

VV: Poderia contar um pouco sobre o projeto “5 REs” (re-duzir, reutilizar, recuperar, reciclar e repensar os hábitos de consumo), desenvolvido pelo Instituto 5 Elementos?MB: Em 2009, lançamos a Coleção Consumo Sustentável e Ação, uma iniciativa de produção de material educativo em prol da sustentabilidade. O primeiro título da coleção desenvolve a temática sobre a questão da geração e trata-mento dos resíduos sólidos, propondo rever nossos hábi-tos de consumo. Nesta publicação, dirigida aos professo-res, também há sugestões de atividades educativas que promovem o consumo sustentável. Os demais títulos são voltados a crianças e jovens, e trazem um enredo onde os

alunos da Escola da Vida têm a tarefa de pesquisar sobre o ciclo do lixo - Papel, Plástico, Metal, Vidro e Orgânico - para apresentarem na Feira de Ciências com o tema Consumo Sustentável. Dentro deste contexto, os alunos interagem com vários personagens da comunidade, que trazem no-vos conhecimentos e reflexões sobre de onde vem e para onde vai tudo neste planeta!

VV: No Brasil, assim como nos países africanos, há questões muito urgentes, como a pobreza, a falta de saneamento e alimento. Embora todas as questões sejam intimamente associadas aos problemas am-bientais, as intervenções em educação ambiental são viáveis? A senhora poderia contar exemplos de novas posturas que foram mantidas nas comunidades em que trabalhou?MB: O Instituto 5 Elementos atua com foco na implantação de políticas públicas nas áreas de gestão dos recursos hídri-cos, resíduos sólidos, biodiversidade, agricultura orgânica, com o princípio básico de que somente com a participação das comunidades envolvidas nestas questões poderemos, de fato, alterar nosso futuro comum. Atualmente, estamos promovendo o desenvolvimento sustentável local de di-versos municípios do Brasil, com base na educação para a sustentabilidade. Os primeiros resultados já estão apare-cendo, pois hoje a consciência ambiental já é muito maior do que há dezoito anos, quando iniciamos nossa atuação. O tema sustentabilidade está em todo o lugar e temos a certeza de que estamos construindo este conceito de for-ma participativa.

“A EDUCAçãO AMBIENTAL DEVE SER PROMOVIDA POR MEIO DE PROJETOS INTERDISCIPLINARES, E NãO NUMA ÚNICA MATÉRIA”

“A NAtUREZA É PERFEItA, HARMÔNICA E SÁBIA”

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MÚSICA O SILÊNCIO MUSICAL - MEDItAÇÃO E MEREDItH MONK ILANA VOLCOV

Quando a Claudia Liba me pediu uma sugestão de pauta para a área musical, pensei em diferentes artistas ligados à meditação. Fiquei tão entusiasmada com a matéria que me ofereci para a tarefa!

Mas o leitor pode estar se perguntando: por que a medita-ção está relacionada ao tema meio ambiente? Ou mesmo: de que forma a meditação pode contribuir para o trabalho artístico ou, simplesmente, para o exercício da criatividade? Se você já pratica meditação e estas perguntas não passa-ram pela sua mente, espere para conhecer um pouco mais sobre o trabalho de Meredith Monk.

Muitas vezes ouvi comentários como: “não consigo meditar, minha cabeça não para!”. Meditar não significa ausência de pensamentos, mas tomar consciência dos pensamentos no momento em que aparecem. E, em seguida, não se identifi-car com eles.

Temos cerca de 70 mil pensamentos por dia: nossos humo-res, emoções, opiniões mudam diversas vezes ao longo de poucas horas. Entretanto, escolhemos alguns e sedimenta-mos padrões de comportamento, julgamentos, sentenças.

Imagine ter alguns minutos para enxergar com consciência os pensamentos escolhidos. (Pode não ser simples, pois tal-vez você não goste do que verá). Imagine que esses e todos os demais pensamentos que surgirem não fiquem retidos, apenas passem. Você aceita tudo o que surgir na sua men-te sem julgar se é bom ou mau, ou se isso precisa ficar com você. Você não se prende a nada.

Vamos supor que você seja um artista, criando uma música sobre o tema jardim e, na meditação, apareça uma nova ima-gem para a canção, uma caneta. Claro, você não precisa usar essa ideia. Mas, se quiser aproveitá-la, talvez a canção passe a falar sobre o desenho de um jardim, ou sobre um casal que rabisca seus nomes na árvore, como em “Juazeiro”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. O mais interessante é que, normalmente, quando a tal da caneta aparece, é ela quem dá sentido aos demais elementos da composição. Noel Rosa, ao compor, costumava esboçar as letras com palavras que surgiam de maneira espontânea durante a escuta da melo-dia. Mais tarde é que entrelaçava esses dados, aparentemen-te sem nexo, lapidando a canção. É também por acolher di-ferentes pensamentos que surgem durante a meditação que o praticante aproveita uma área criativa que não combina, inicialmente, com suas preferências estéticas, seu compor-tamento ou sua personalidade. No caso de um cantor, ele pode moldar a própria voz conforme determinados padrões estéticos, ou pode explorar o canto com maior liberdade e inventar um caminho.

Meredith Monk vem de uma família de cantores e, por esta razão, sentiu necessidade de formular um jeito próprio de cantar e de estar no palco. Em 2009, esteve no Brasil para apresentar o espetáculo “Impermanência”, dar cursos e falar sobre a importância da meditação em sua arte. Em uma pa-lestra, a artista americana disse que “trabalhar com arte nos dá a possibilidade de quebrar padrões”, e que “não há dife-rença entre a atividade espiritual e a arte”. São afirmações que merecem horas de conversa e de estudo, mas talvez seja possível esboçar uma interpretação mais superficial.

Quando abrimos mão de nossos julgamentos, podemos agir de maneira mais natural. Se estamos ocupados, fazendo avaliações, perdemos a oportunidade de aproveitar o agora, momento em que realmente se pode perceber, agir e mudar as coisas.

NO PALCO, QUANtO MENOS JULGAMENtOS, MAIS CLAREZA MENtAL.

O músico fica a serviço da música, despido de interferências. Se elas aparecem, não ficam retidas durante a execução mu-sical. O artista está alerta e focado: enquanto o ego se aquie-ta, usa seu instinto, sua intuição e permite que algo sublime se manifeste.

Ainda durante a palestra, Meredith mencionou sua opção por vocalizar com “verdade emocional” ao invés de usar truques. Explico: a artista identificou duas formas de fazer arte: 1. a arte como um produto, em que se trabalha num universo conhecido; 2. a arte como um desafio, começando do zero, com inocência, deparando-se com o desconhecido. O artista fica curioso e persegue pistas como um detetive. Atravessa o medo, tateia no escuro, descobre o inesperado.

“Sempre pensei que fazer arte é como caminhar até a beira de um despenhadeiro, correr o risco e saltar. No começo de uma nova obra ou de um dia de trabalho está o desconheci-do. Ser artista é questionar, vagando pela escuridão, apenas pressentindo o que se manifestará, é não ter certeza, é tole-rar o medo. Quando a curiosidade e o interesse se tornam mais presentes que o desconforto, conseguimos apreciar o mistério, e a exploração se torna vívida e vibrante. Então de fato ultrapassamos o medo, e há um sentido de descoberta”, diz Meredith.

Ela investiga o canto sem palavras, pois acredita que, desta forma, seja possível falar de maneira mais profunda. Pes-quisa também novos vocabulários, tanto para a voz como para os gestos corporais, optando pela performance, arti-culando som, movimento e imagens: “Na performance, a arte é uma estrutura, e o performer traz luminosidade, dá vida a essa estrutura.” Para ela “a beleza da situação de uma apresentação ao vivo está na possibilidade de um desastre completo a cada momento. Ao fazer um filme ou gravar um disco, em certo momento podemos cortar tudo aquilo de que não gostamos. E eles se tornam uma forma fixa. Na apresentação ao vivo, no entanto, tudo é real, tempo pre-

sente, e vemos as pessoas de cima de uma corda bamba, é essa a nossa experiência. A vulnerabilidade é um aspecto maravilhoso da apresentação ao vivo. O artista existe e to-dos na plateia existem; estamos todos no mesmo espaço e no mesmo momento. Compartilhamos esse tempo e esse espaço. Em suma, a experiência torna-se como a figura do número 8, um signo do infinito, que apenas vai e vem, vai e vem, dá voltas e retorna.”

Em 2008, quando Bobby McFerrin, grande cantor e pesquisa-dor da voz (famoso pela canção “Don’t worry, be happy”), en-cerrou sua apresentação em Salvador, no lugar do bis, foi até a plateia responder perguntas. Ao ouvir a esperada questão “Bobby, are you happy?”, respondeu: “Claro, estou vivo, meu coração está batendo!”. Após o show, tive a oportunidade de pedir-lhe sugestões para minha prática de improvisação vo-cal. Um dos exercícios sugeridos foi cantar com os barulhos que me cercam, como o motor de um carro, o ranger da jane-la, o pio do passarinho, passos sobre o piso de madeira. Trata--se de uma espécie de meditação! Não se pode estar atento a tais eventos sem estar alerta, sem viver o momento presente com total entrega.

Mas o improviso e a interação com o inesperado trazem ris-cos. Se nesta situação o cantor for tomado pela ansiedade, pelo julgamento ou pelo medo, o resultado será menos cria-tivo, menos musical. No programa do espetáculo “Imperma-nência”, Meredith Monk fala sobre a questão: “Cada vez que criamos uma obra, o medo está sempre lá, sempre o estamos trabalhando, brincando com ele, permitindo que o interesse e a curiosidade pelo que fazemos se tornem mais fortes do que a ansiedade”. Sua proposta obriga o artista a se lançar, arriscar-se e se superar. Exige coragem, concentração, ho-nestidade, abertura, generosidade e muita investigação. É um caminho que potencializa o indivíduo e torna mais hábil sua comunicação com os demais, de maneira criativa e cheia de vitalidade.

A meditação é um tema abrangente. Como sou apenas uma praticante e não uma estudiosa, não vou abordar aspectos mais profundos. Mas podemos retomar a im-portância de romper padrões. Quando superamos nossos medos e barreiras, abrindo mão do excesso de julgamen-tos, nossa agressividade naturalmente diminui. E se esti-vermos conscientes do nosso estado mental e emocional, seremos capazes de trocar a reação pela ação. (Foi com-provado que a meditação em massa é capaz de reduzir o número de casos de violência na região do evento. David Lynch fala sobre este assunto em seu livro Em Águas Pro-fundas: Criatividade e Meditação).

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Outro aspecto: junto com o sono, a alimentação e a respi-ração, a meditação é uma das nossas principais fontes de energia. Todas podem gerar vitalidade, equilíbrio, disposi-ção, produtividade. (Reparem que dificilmente desfrutamos das fontes de energia em quantidades e/ou qualidades ade-quadas). A alimentação interfere nos estados da mente e, por esta razão, costuma-se praticar a meditação antes das refeições. Algumas comidas podem trazer agitação, raiva, ir-ritação; outras, podem gerar inércia, letargia e depressão. Po-deríamos conhecer os benefícios de cada alimento para colo-car no prato aquilo que atenderia nossas reais necessidades. Porém, ingerimos comidas e bebidas sedutoras, pouco nutri-tivas, com muitos aditivos químicos e mínima energia vital. Quando observamos os efeitos dos alimentos em nosso cor-po, a qualidade se torna presente em nossa refeição. Frutas e verduras frescas entram no lugar de enlatados, congelados e comidas instantâneas. Chás e sucos naturais substituem re-frigerantes e produtos “de caixinha”. Como a meditação nos ajuda a perceber os efeitos das toxinas, é natural reduzir o consumo de carnes.

Este assunto é bastante polêmico, pois temos resistência a mudar hábitos, e muitas pessoas não acham graça em levar uma vida saudável. Desconhecemos a forma com que nossas compras afetam a saúde do planeta. Somos consumidores fantásticos. Quanto mais estressados, mais gastamos dinhei-ro em busca de algum prazer. A meditação interfere nesta dinâmica, pois nos ajuda a reduzir o estresse.

A partir dessas linhas, é possível vislumbrar o poder de uma sociedade que medita.

INDIVíDUOS MAIS CONSCIENtES QUEStIONAM PADRõES EStABELE-CIDOS. Talvez não consumam produtos desnecessários ou comidas pobres em nutrientes. Talvez não propaguem a violência, tal-vez não usem tantos remédios. Talvez encontrem soluções mais criativas. Talvez apreciem trabalhos artísticos mais pro-fundos. Ou simplesmente passem seus dias com mais vitali-dade. Decerto, serão indivíduos com grande capacidade de escuta: haverá habilidade para reconhecer aquilo que surge quando se encontra o silêncio.

Visite: www.meredithmonk.orgIlana Volcov é cantora, compositora e educadora musical. Lançou, em 2010, o CD Banguê, seu primeiro álbum solo.

Dicas de outros artistas ligados à meditação e ao vegeta-rianismo, por Ed Motta: Sun Ra, Horace Silver, Donovan, Alice Coltrane.

O projeto elaborado pelo arquiteto Eder Vendramel na cidade de Bernardino de Campos (SP) tem como base uma fazenda repartida em três partes pelos familiares proprietários.

No passado, a Fazenda Agropecuária Modelo contava com sete casas. Havia a sede, construída nos moldes da épo-ca - datada do início do século XX - com materiais de boa qualidade: tijolos de olaria, portas e janelas feitas com ma-deiras de árvores do local, como eucaliptos, e madeiras de demolição (entre outros, extraídos da própria região). Além da sede, mais seis casas foram construídas na fazenda com os mesmos materiais.

Em uma das áreas, agora dividida entre os irmãos, permane-cem uma casa e uma piscina construídas há dez anos. Nesta mesma área, o proprietário, hoje falecido, utilizou materiais de três das sete casas que seriam destruídas, pois estavam muito velhas e não seriam mais usadas.

Daí nasceu o projeto relatado por Eder: “A ideia partiu da necessidade de ter um anexo para receber hóspedes e pos-sibilitar aos moradores o convívio próximo à piscina. Com as madeiras, portas, janelas, telhas e tijolos das outras casas, projetei um anexo em forma de L ao redor da piscina, com sala, quarto, cozinha e banheiro. Também projetei neste es-paço uma pequena casa para hóspedes, com sala, quarto, banheiro e cozinha, reaproveitando totalmente os materiais das antigas casas. Entre estas casas, foi elaborado um projeto de paisagismo com plantas e árvores locais e um açude, com-pletando o cenário. Este projeto não é contemporâneo como

costumo projetar, mas a ideia de reutilizar materiais me con-quistou”. Este é apenas um dos projetos de construção susten-tável realizado pelo arquiteto, que recebeu o prêmio Solvay de Arquitetura Sustentável em 2006.

ARQUITETURA A REFAZENDA: UMA CONStRUÇÃO SUStENtÁVEL EDER VENDRAMEL

fotografias de Eder Vendramel Eder Vendramel é arquiteto [email protected]

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ARTE A DANÇA DA SELVA MANOEL BRITTO

A DANÇA DA SELVA

Quem olha a selva de avião tem a impressãode que a paisagem está sem movimento, estática.Mas se fizermos um filme acelerado veremos quena verdade a floresta dança.Nossa atenção não consegue acompanhar o que émuito lento, nem o que é muito rápido.É impossível seguir os ponteiros da hora do relógio(muito lento) ou observar uma bala saindo de um revólver (muito rápido).Sem que a gente perceba as árvores nascem, crescem até 20, 30, 50 metros de altura, vivem o seu ciclo e morrem, desintegrando-se no solo efornecendo matéria-prima para as plantasque estão chegando.Cada patamar de altura das árvores seguraa umidade no planeta mantendo o climaideal para cada estação.Fotossíntese, fungos, sombras e águascomemoram o casamento entre o Sol e a Terraneste jogo entre a luz e a clorofila queexiste desde muito antes de nós até muitotempo depois, como se esta dança fosse eterna.Assim sendo, assim seja!

Manoel Britto

RainForest / Manoel Britto

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PENSAMENTO ECOSOFIA: BICHO DE tRÊS CABEÇAS CLAUDIA RAMOS LESSA

A visão de alguns filósofos pós-modernos solucionaria a difícil polêmica diante da escolha entre o “inseto” e o “inseticida”. A vida seria transformada ou reinventada pelos humanos conscientes, dentro de conceitos “ético-políticos” propostos pela ecosofia.

Termo cunhado em 1972 por Arne Naess, ecosofia representa a fusão de conhecimentos da ecologia com a filosofia. Propõe uma mudança radical em nossa forma de viver e utilizar os recursos do planeta e do Universo, para assim garantir a integri-dade dos sistemas, a preservação da biodiversidade e promover a tomada de consciência sobre a existência e o respeito humano. Desta forma, tornou-se palavra de ordem dos movimentos verdes, das políticas de sustentabilidade e das pessoas descontentes com as “barbeiragens” na condução do planeta.

O livro As Três Ecologias, escrito pelo filósofo pós-moderno Felix Guattari, denuncia a demência humana na busca de satisfazer necessidades propostas pela mídia. Ele acredita que as pessoas são estimuladas ao consumo desenfreado de bens e serviços, que, além de desnaturar o homem, corrói de forma brutal as reservas naturais e incita a competição, a violência, a perda da identidade e singularidade da pessoa.

Guattari propõe “uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais”, desenhando as três cabeças da ecosofia. Ele nos convida a repensar e reinventar nossas relações: primeiro, com o meio ambiente, composto pela natureza, pelo planeta e o Universo; segundo, com as relações sociais, domando os nossos instintos de violência e poder de dominação; terceiro, no campo individual, onde a subjetividade humana - sensibilidade, inteligência e desejo - seria reinventada, tornando-se, a um só tempo, solidária e cada vez mais diferente, conquistando a singularidade de cada ser.

A ECOSOFIA RADICALIZA AO DIZER QUE A QUEStÃO AMBIENtAL DEVE SER VIStA NA ESCALA PLANEtÁRIA. NO CAMPO SOCIAL, tERíAMOS QUE REINVENtAR A MANEIRA DE SER E, NA QUEStÃO INDIVIDUAL, A RELAÇÃO DO SUJEItO COM O CORPO E A MENtE.

Da lógica cartesiana iríamos para a “eco-lógica”, utilizando todos os recursos dispostos pela ciência e a tecnologia para repor os desgastes ocasionados pela ambição de produzir e consumir, destruindo a vida natural, deteriorando as rela-ções humanas e ameaçando nossa própria espécie. Segun-do o filósofo canadense Mc Luahn, “a tecnologia do homem é o que ele tem de mais humano”. Assim, sugere que tal ca-pacidade pode nos salvar da degradação.

Foi Mc Luahn quem nos trouxe a ideia da “aldeia global”, pois percebia que a evolução da tecnologia levaria o mundo, en-tão grande e cheio de distâncias, a ficar totalmente transpa-rente e integrado, facilitando a conscientização dos proble-mas comuns. A sustentabilidade, que hoje preenche o vazio dos discursos, seria consciência comum à preservação.

Para Joseph Tainter, “qualquer sociedade que use continu-amente recursos críticos de modo insustentável, entrará em colapso”. A globalização chegou unindo os homens pela tecnologia e a economia de mercado, mas não trou-xe, de pronto, nem transparência nem conscientização. A

mídia da globalização continua confundindo e preservan-do a estrutura econômica de poder que mantém parte da população na miséria e tenta perpetuar práticas de des-truição e dominação.

Falsos discursos, corrupção de bens e ideias globalizam a per-versidade. Derrubar ou conservar as florestas torna-se uma questão de ponto de vista, apregoando que a reciclagem e a economia doméstica vão repor ao planeta o que foi abo-canhado em 200 anos de produção desenfreada de grandes grupos econômicos.

O certo é que será difícil sobreviver desprezando a visão “antropo-ética” proposta por Edgar Morin quando diz que temos que trabalhar para a humanização da humanidade, alcançar a unidade planetária na diversidade, desenvolver a ética da solidariedade e ensinar a ética do gênero humano. Difícil ou utópico? A palavra difícil abre uma possibilidade, enquanto a utopia seria a palavra a ser usada quando pen-samos nas propostas dos filósofos pós-modernos, que sina-lizam o caos.

Finalmente, segundo o nosso Paulo Freire, “a conscientização nos convida a assumir uma posição utópica frente ao mun-do”. Ele afirma que o utópico não é irrealizável e só depende da vontade e do empenho humano.

Ecosofia se conjunga com utopia. Para onde vamos? Planeta, sociedade e pessoas.

Claudia Ramos Lessa é diretora da Soares & Lessa Consulto-ria Empresarial.crlessa@terra.com.brwww.planejamentodevidaecarreira.blogspot.com

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LIXO RECICLA ALFREDO ROCCA por Michele Correa de Almeida

A cada dia o tema sustentabilidade é mais discutido e levado a sério mundialmente. E não temos como falar a respeito sem tocar nas questões relacionadas aos resíduos.

Atualmente, na cidade de São Paulo, são produzidas 13 mil toneladas de resíduos domiciliares todos os dias – e mais 13 mil toneladas de outros tipos de resíduos. O que agrava o problema é que menos de 10% deles  são reciclados.

Para minimizar a situação, a população precisa se cons-cientizar da necessidade da reciclagem. Já o poder público deve organizar a coleta e investir mais na implantação de novas cooperativas de reciclagem.

Mas podemos ser otimistas, pois tanto a população quanto os governantes e empresários têm se preocupado com a questão e proposto medidas concretas a favor da preser-vação ambiental. Um exemplo são as sacolas plásticas, que, a partir de 2012, não poderão ser mais comercializadas no Estado de São Paulo, contribuindo para a diminuição dos resíduos.

Nesta edição especial, a Verde Versátil entrevistou Alfredo Carlos Cardoso Rocca, gerente da Divisão de Áreas Contaminadas da CETESB (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), professor e engenheiro civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

Verde Versátil: De todos os resíduos, qual mais agride o meio ambiente?Alfredo Rocca: Os resíduos mais impactantes ao meio ambiente são aqueles considerados perigosos por serem tóxicos, persistentes, reativos, corrosivos, inflamáveis ou patogênicos.

VV: Como é feito o descarte dos resíduos na cidade de São Paulo?AR: Os resíduos dos serviços de limpeza pública, incluindo os da coleta de lixo domiciliar, são predominante-mente descartados em aterros. Apenas uma pequena porcentagem, inferior a 10%, é reciclada. Os resíduos de serviços de saúde são enviados a unidades de desinfecção e depositados em aterros. Os resíduos indus-triais são depositados em aterros ou incinerados.

VV: Quais os resíduos que podem ser reaproveitados e como?AR: Do lixo urbano, principalmente os papéis, plásticos, vidros, madeiras, latas e resíduos metálicos. Dos resíduos industriais, principalmente as embalagens, borras de óleo, borras de tinta, solventes, fi-bras têxteis, madeira e sucatas. Os resíduos entram novamente em processos produtivos, substituindo matérias-primas virgens ou insumos.

VV: De que forma o poder público pode resolver a questão da geração e reaproveitamento dos resíduos?AR: A solução começa pela conscientização da população sobre a necessidade de segregar os resí-duos em recicláveis e não recicláveis. Depois, pela organização do sistema de coleta e destinação, e também do setor produtivo, para possibilitar a reciclagem. Por fim, dar um destino adequado aos rejeitos, mediante incineração, aproveitamento energético e aterro das cinzas (menos de 30% da quantidade gerada).

Com o objetivo de incentivar a população a reciclar resíduos, a Sabesp (Com-panhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) inaugurou em junho o primeiro dos 20 Ecopostos de recolhimento de material reciclável na região metropolitana de São Paulo. O local recebe papel/papelão, plástico, metal, vi-dro e óleo de fritura. Todo o material entregue para reciclagem será repassa-do a cooperativas e ONGs que trabalham com estes resíduos, como a Cooper Vivabem. Ecoposto Sabesp. Rua Sumidouro, 448 - Pinheiros.

VV: Quais são os principais problemas associados à geração de lixo e à conscientização da população de São Paulo?AR: Os principais problemas estão associados ao consumo insustentável, induzido pela mídia, à falta de conscientização sobre a necessidade de segregar e reciclar os resíduos e à falta de cobrança dos cidadãos para que o poder público im-plante soluções adequadas de destinação dos resíduos.

VV: Como seria possível reciclar todo o resíduo domiciliar da cidade de São Paulo?AR: Todo o resíduo, é praticamente impossível. Mas uma boa parcela pode ser reciclada mediante o reaproveitamento de materiais recicláveis, compostagem da fração orgânica e aproveitamento energético.

Michele Correa de Almeida é aluna do Curso Superior Tecnológico em Gestão Ambiental.

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COTIDIANO NÃO EStOU SENtINDO NADA! ANTONIO GOMES

“Socorro, não estou sentindo nada”, começa assim uma canção do Arnaldo Antunes. Lembrei-me dela num percurso curto, mas suficiente: pegando o trem da Barra Funda à Luz. Fazia muito frio, tempo úmido, o trem lento, muitas paradas, notei os casebres ladeando a via - a favela cresce dia a dia -, os barracos dependurados qual em palafitas, alguns a ponto de despencar sobre os trilhos...

Observei, mas não senti...

Um deles em especial, perdido no que supus cantinho dos mais úmidos, ficava colado atrás de uma coluna de concreto, quase que só dava pra ver seu telhado, o qual, pelo que notei, servia de lixeira: os moradores dos outros jogavam de tudo na cobertura do que ficava mais abaixo. Imaginei a infestação de ratos...

Mas não senti nada, não... só observava!

O trem demorava tanto, parecia que nunca chegaria à Luz, o que fazer? Fiquei de olho no cortiço, imaginei que tipo de gente morava ali, se escondia, convivia com baratas, restos, a ponto de despencar nos trilhos da CPTM e aguentar aquele frio. O dia estava de rachar. Rangiam-me os dentes...

Mas eu mesmo, nem tchum! Sentir? Sentia nada, não...

Lembrei-me, meio à toa, de ter recentemente passado de ônibus na estrada de Taipas. Num dos trechos mais estreitos dela era possível, da janela da condução, assistir a um tico da no-vela das oito na TV do morador, que, certamente, já está habituado ao ronronar dos ônibus, aos olhares indiscretos e à fumaça que avança todos os dias janela adentro. Pensei: quanto de insensibilidade é necessário para suportar este tipo de vida?

Mas logo divaguei sobre outro tipo, que tive o privilégio de conhecer. Ele mora sozinho num apartamento no Morumbi: quatrocentos metros quadrados de puro luxo e solidão garanti-dos! E pasmei novamente: quanto de insensibilidade é necessário para que um felizardo, de sua ampla sacada, observe sem dor a favela que se expande vizinha aos castelos?

Poxa, mas dizer que eu sentia algo de verdade a respeito, não. Só lembrava, ao acaso da demora...

Voltando ao trem, que nunca mais andava, e às favelas, que sempre se arranjam nalgum canto, notei, também meio em vão, que eu não era nem melhor, nem pior do que os caras que convivem com os ratos, nem mais sensível que o ricaço que me disse outro dia: “Até acho vantajoso que a empregada more na favela - é pertinho, não gasto um centavo a mais com condução”. (Ele...).

Socorro! Não estou sentindo nada, mas assisto a tudo, e me parece, às vezes, que antes que qualquer ação pública venha a dar conta de um sistema mais digno de vida, há que se resga-tar a sensibilidade: quem é incapaz de sentir algo, quem sente nada, “nem medo, nem calor, nem fogo”, custa a dar conta do próprio nariz. Perdido na pressa da metrópole dirá perceber que a dor alheia é também a sua, e que o planeta não sustenta mais tanta insensibilidade.

Mas tudo isto é indiferente... Basta que o trem volte a andar, basta que eu não perca o horá-rio, basta que eu consiga chegar ao serviço, cumpra o compromisso e conquiste uma pro-moção. Antes que o mundo morra por falta de carinho.

Antonio Gomes é músico, compositor e escritor ([email protected]).

POESIA A MAtA F. MARCOS

Sou um homem do mato.Lá aprendi as estações do ano,Pelo cheiro da terra,O vento, o canto dos pássaros.

Lá também, aprendi sobre as chuvas.Pois os pássaros a anunciavam logo pela manhã.

Os bichos também me ensinavam coisas.Onde encontrar água na estação da seca,Os frutos comestíveis,Os remédios para todos os males.

Na mata onde vivi,Havia harmonia.Na alta madrugada havia o cantar da coruja.O amanhecer era saudado pelo sabiá.

Hoje sou um homem da cidade.Trago comigo a alta tecnologia.ipods, ipads, iphone.

Eles me trazem músicas,Textos e contatos com os outros.Sou o que se diz aqui um homem antenado.

Mas que falta a mata me dá.Sua água cristalina,Seu verde de arrepiar.E milhões de pássaros a cantar.Tenho aqui comigo até um GPS,Mas aquela minha mata,Essa nunca mais vou localizar.

F. Marcos Um cara que acredita em sonhos e planta amigos.

Luan

a Ca

pobi

anco

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CAPA

MARINA MORENA DO BRASIL entrevista exclusiva com Marina Silva por Claudia Libafotografias de Cacá Meirelles

Ela nasceu no Acre, de um casal de nordestinos, em 08 de fevereiro de 1958 e recebeu o nome Maria Osmarina Mari-na Silva Vaz de Lima. Seus pais tiveram onze filhos, dos quais três morreram. Cresceu em uma pequena comunidade, Breu Velho, no Seringal Bagaço. Sua luta pelo meio ambiente o mundo inteiro conhece. Ela é uma mulher pequena, morena, tem quatro filhos e se declara palmeirense. Em 16 de maio de 2010, lançou sua pré-candidatura à Presidência da República. Vinte milhões de brasileiros votaram nesta mulher. É com Ma-rina Silva que inauguramos a edição Verde Versátil.

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Verde Versátil: Queria ouvir um pouco, Marina, sobre o fato de você ter nascido na Amazônia. Como isto influen-ciou a sua luta como ambientalista? Quais os aspectos mais marcantes que a conduziram para este caminho? Marina Silva: A minha relação com a floresta, com a mata, é de complementaridade, porque, nas circunstâncias em que vivi até os 16 anos, a gente dependia da floresta pra tudo. Era da floresta que a gente tirava os alimentos, que a gente tirava materiais para fazer a casa, o forro, produ-tos pra vender e comprar coisas que a gente não produzia. Era da floresta que vinham os mitos, os mistérios e a maior parte dos remédios. Os chás, quando a gente adoecia, ia lá na floresta pegar casca de jatobá pra fazer chá para curar anemia. Se ficava com malária, ia pegar quinaquina, uma árvore, pra fazer um chá amargo, um quinino. A relação com a floresta sempre foi de complementaridade mesmo. De existência. Obviamente, durante uma grande parte, eu não tinha a consciência de que essa floresta poderia estar ameaçada. Na minha infância, a floresta era tão grande, tão poderosa, havia tantos mistérios, que ela era invencível. Ela não precisava de proteção, mas era a gente que precisa-va se proteger da floresta. Quando fui crescendo, vendo a abertura da BR-364, o processo de compra das margens da estrada, transformando-as em fazendas, a compra de vários seringais - inclusive onde nasci, o seringal do Bagaço, com uma floresta riquíssima em castanhais - , espécies de bichos sendo destruídas, então, tive a noção de que poderiam aca-bar com a floresta, e que poderiam também acabar com a gente! Fora da floresta, era como se não tivéssemos lugar. Quem era seringueiro, quem era índio, ia ser o quê? Quan-do a sua profissão é associada a uma condição natural, você deixa de existir quando esta condição natural não existe mais. Isto foi acontecendo com uma espécie de medo, re-ceio, e foi um passo pra se transformar em sentimento de resistência, de luta, de não querer. Foi quando conheci o Chico Mendes e o frei Leonardo Boff, que começaram a di-zer que a gente tinha que lutar contra a expulsão dos se-ringueiros e a transformação de seringais em fazendas. Era possível melhorar a vida das pessoas morando na floresta.

VV: Diante destas questões, cabe a ideia conservacionis-ta do elemento humano no espaço, no local, auxiliando neste processo? É importante manter as pessoas neste contexto?MS: Com certeza. A ideia do ambientalismo que surge no Brasil, sobretudo com os seringueiros no Acre, faz esta in-tegração. Até então, pensar em ecologia e defesa do meio ambiente estava associado ao afastamento da natureza e do homem. De repente, você vê que é possível ter uma relação também de integração, respeitando determinados espaços. Criar uma relação de coexistência, convivência. O homem, com alto ou baixo impacto, vai impactar a natureza. Mas ele também é impactado por ela. O importante é perceber que parte desta natureza “de fora” precisa ser conservada inte-gralmente - e uma parte pode ser usada, desde que tenha a possibilidade de regeneração, de não estagnação. O perigo é quando a interferência leva à devastação. É um processo de retroalimentação. A presença humana não pode ser tão agressiva a ponto de fazer estagnar processos vivos natu-rais, e nem estes processos podem ser uma ação imperativa a ponto de nos estagnar enquanto capacidade criativa, de elaboração e de transformação.

VV: Há um argumento muito utilizado em relação a situa-ções como a construção da usina de Belo Monte de que no ambiente urbano temos mais conforto e as pessoas que vivem na Amazônia também têm direito a tais condições. A senhora concorda com esse tipo de argumentação?MS: Há uma demanda muito grande hoje no mundo por re-cursos naturais. Se mantido esse ritmo, não haverá capacida-de de suporte para esta demanda. Como suprir as necessida-des legítimas das pessoas sem esgotar os recursos naturais? É uma grande equação para este início de século. O que sinto é que não dá pra resolver esta equação sem um questiona-mento da forma de fazer as coisas e da forma de ser. A nossa forma de ser é que nos leva a fazer coisas para além da ca-pacidade suporte do planeta. Se, hoje, com 7 bilhões de pes-soas, o planeta já está no vermelho em 30%, daqui a trinta anos, quando formos 9,5 bilhões, se mantivermos o mesmo nível de extração dos ecossistemas, com certeza não haverá como sobreviver. Por outro lado, a gente tem que pensar em princípio de equidade. O modelo de vida que a gente tem é dos europeus, dos japoneses, dos americanos. Só que esse modelo de vida, se universalizado para 7 bilhões, precisa-remos de quatro planetas Terra. A gente só tem um. Entra aqui um questionamento de natureza ética: se esse mode-lo não puder ser universalizado para todos os humanos, ele não tem como ser eticamente defendido. Então, temos que fazer um questionamento do modelo de desenvolvimen-to. Ultimamente, estou brigando com o termo desenvol-vimento sustentável, prefiro amadurecimento sustentável. Porque tudo tem um processo de estabilização em algum momento. Você nasce, cresce, e um dia chega o momento em que você vai amadurecer. Acho que a humanidade tem uma relação infantilizada com o planeta, que vai crescendo, crescendo, como se fosse um bebezão que não vai parar de crescer. Acho que precisamos pensar um processo de ama-durecimento. Chegará o momento em que precisaremos es-tabilizar a forma de extrair, de criar um padrão civilizatório que não leve a uma relação de crescer sem raiz. E tudo que cresce muito sem raiz, você, que é bióloga, sabe que vai cair! Então precisamos de um amadurecimento sustentável que

seja civilizatório. Mas existem ainda países e povos que ainda não conseguiram o nível de atendimento de necessidades essenciais que precisam - e precisam mesmo! Alimento, saú-de, moradia, saneamento, qualidade de vida justa. Fazendo este questionamento, talvez a gente não precise estimular tanto, como referência de felicidade, o ter coisas. Quando é feito este questionamento, ele é legítimo para ressignificar nossas experiências em termos de uso de recursos. Vamos ressignificar nossas experiências no sentido de buscar o que nos faz sentir plenos, realizados, acolhidos e acolhedores uns dos outros, que não seja pelas credenciais do consumo. Tem aí um questionamento de natureza ética em relação ao planeta. Ou estamos tão intoxicados por ter que consumir, que não conseguimos reverter o processo? Como em “eu sei que o cigarro faz mal, mas não consigo parar de fumar”. A mesma coisa com o álcool ou outra coisa que agrida o seu organismo. Será que o consumo é algo que, mesmo sabendo que está sacrificando o planeta e morrendo junto com ele, a gente não para de fazer as mesmas coisas, ter um organismo mais saudável?

VV: A senhora falou em pronunciamento realizado em um espaço em São Paulo, ao deixar o Partido Verde, que era preciso ser “sonhático”. Primeiro sonhar e idealizar para depois buscar. Em relação à nova forma de pensar a polí-tica, de agregar políticos oriundos de partidos diferentes, com ideias diferentes rumo a um objetivo comum, o que acontecerá com a política Marina Silva?MS: Acho que estou vivendo um momento muito rico, muito especial, de descobrir que a política pode ser vivida com surpresas. Geralmente, as pessoas acham que a políti-ca é um espaço de cálculo e previsibilidade. Mas a política viva, transformadora, como uma palavra que transita, ela se transforma e é transformada, se agrega e é agregada a ou-tros sentidos e significados. Não pode ser vivida como um ato sempre pensado, calculado, planejado. Para mim, fazer política nasce de uma experiência viva, da relação com as instituições, com as pessoas, com os acontecimentos. Não posso ter um padrão para proteger o meu “capital político”,

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de perdoar. E o imprevisível? Só é possível suportar com a promessa, com o compromisso. Se eu disser “eu me com-prometo com vocês, que vocês nunca vão morrer”, alguém leva a sério esse compromisso? Não há credibilidade. Então, melhor é viver o imprevisível de forma saudável e criativa,

sustentado pelo acolhimento de outras pessoas, de outros olhares. Estou vivendo um momento de imprevisibili-dade na política. Mas eu não estou vivendo isto sozinha. O mundo inteiro está vivendo um momento de imprevisi-bilidade na política. O que é

previsível nós não queremos, mas preferimos o imprevisível para poder contar uns com os outros e criar algo mesmo que em cima de experiências passadas.

VV: Quando a senhora fala sobre o perdão ser uma for-ma de reverter o irreversível, politicamente, já teve que se perdoar por algum motivo? Sair do Pt foi dolorido? Foi um momento de se perdoar ou não?MS: Existiu uma dor, e lhe digo que é uma dor que não pas-sou. É um luto que está sendo elaborado. Por outro lado, há uma experiência viva que não morreu, que está sendo ressignificada e que continua lá, no PT, nas pessoas que eu sei que são íntegras, meus parceiros, pelo menos para mim vão ser para sempre. Quando saí do PT e me filiei ao PV, naquela manhã eu estava muito triste, muito angustia-da, chorava muito. Minhas filhas, preocupadas comigo, di-ziam: “Mãe, tem uma festa lá e você está chorando, então por que saiu do PT?”. Eu me vi naquela angústia e vieram duas coisas na minha cabeça, duas poesias. Uma do Gui-marães Rosa e uma oração-poesia de Santo Agostinho. Na poesia do Guimarães Rosa, no conto “Nenhum nenhuma”, o personagem em determinado momento diz assim: “Será que um dia, quando a gente se separar, você será capaz de, sem querer, sem saber, continuar gostando de mim? E gostando e gostando?” Isto é o que estou sentindo.

Mas percebi que a promessa não tinha mais credibilidade onde deveria ter credibilidade. O compromisso com o desen-volvimento sustentável era o mesmo compromisso que era para ter com a democracia, com a questão social. Por que não conseguia ser com o que agora era essencial, visceral pra vida da humanidade? Eu não podia ficar. Não importava o quanto doesse, tinha que sair. No PV, em que eu ia entrar, era novo, não conhecia as pessoas. Todo mundo dizia que havia proces-sos verticalizados, fisiologismo, mas tinha pessoas em que eu confiava muito, como o Gabeira, a Aspásia Camargo, o Sér-gio Xavier. Ia ser sustentada por estas pessoas, que ainda me sustentam ainda estando no PV. Aí entra o Santo Agostinho. Quando ele se converteu, aos quarenta e poucos anos, foi um pouco “malandro”. Sua mãe era muito religiosa e ele comple-tamente “roda solta”. Ele faz uma oração em determinado mo-mento e diz: “Dá-me a castidade, ó Deus; mas não agora!”. Isto é para dizer o quanto o processo de conversão dele foi difícil. Mas quando se converte, diz: “Tarde vos amei, beleza tão nova e tão antiga. Tarde vos amei. É que estavas tão fora e tão den-tro de mim!”. Quando ele acha que é o seu encontro com o Espírito Santo, todas as coisas que fazia não eram nada diante dele se conectar com ele mesmo! Era a sua semelhança com Deus. Então, pensei: “As bandeiras do PV sempre estiveram dentro de mim. Eu é que estava fora de mim.” Estas bandeiras, pra mim, não são o partido. Não é se filiar ao partido. Eu não vou me desfiliar das causas.

VV: Marina, o que é possível fazer em relação às altera-ções do Código Florestal? MS: A sociedade brasileira tem uma contribuição muito grande para dar nessa história do Código. E Hannah Arendt que nos ajude de novo. Para o irreversível só existe o perdão,

mas ela diz: “Só é possível perdoar aquilo que seja passível de punição”. O holocausto não pode ser punido, logo, não exis-te perdão. Quem consegue punir a atrocidade tamanha de destruir a Mata Atlântica, a Amazônia? Isto não tem como ser punido! E ela, não sendo pessoa de fé, diz que os Evangelhos e Jesus elaboram esta questão de forma maravilhosa. Diz que para determinados males causados para a humanidade, me-lhor seria se a pessoa causadora tivesse uma pedra amarrada ao pé e fosse lançada no mar. É o princípio de que determina-dos males não podem ser causados à humanidade. Há uma interdição daquilo que a gente pode punir, humanamente falando. E para além daquilo que a gente pode perdoar.

Não há como reverter o processo e há uma responsa-bilidade enorme pra que a gente possa interditar, para o nosso próprio bem, a nossa loucura de não compre-ender que destruir a floresta é destruir a si próprio.

VV: Na época em que a senhora era ministra, havia a cam-panha pelo desmatamento zero. Ao mesmo tempo, hou-ve um movimento da grande mídia que anunciava com grande frequência focos de desmatamento, trazendo am-biguidade à interpretação dos dados reais. Na realidade, houve redução drástica do desmatamento durante sua permanência como ministra do Meio Ambiente. Então, onde reside o problema? Por que há tanta dificuldade para efetivamente proibir o desmatamento?MS: O problema somos nós! Esse desmatamento que con-seguimos diminuir, vou falar com você uma coisa: não fui eu, não foi o Lula! Foi a sociedade brasileira! Nós já somos

“A VIDA É SUCESSIVA. EStÁ SUCESSIVA NOS MEUS FILHOS, É SUCESSIVA EM VOCÊ E A SUCESSIVIDADE DA VIDA É O QUE FAZ COM QUE A VIDA SEJA PERMANENtE”

tEMOS QUE SABER QUE DEStRUIR A FLOREStA É UM PROCESSO IRREVERSí-VEL, COM PREJUíZOS IRREVERSíVEIS, E QUE ISSO NÃO tEM COMO SER PERDO-ADO. SE NÃO tEM COMO SER PERDO-ADO, MELHOR QUE NÃO SEJA FEItO.

de comportamento e de fala, que me leve a achar que eu estou ali preservando isto. Não! Eu tenho que descobrir em cada realidade o que faz com que minha contribuição pos-sa ser efetiva, livre, criativa, produtiva e saudável. Pra mim, isso é política. É não se deixar aprisionar pela mesmice, pelo conservadorismo. Se eu projetasse algo em mi-nha vida, a última coisa que iria projetar era que eu seria candidata à Presidência da República em 2010! Nunca projetei isso na minha vida. Supondo que eu projetas-se, ia pensar que chegaria a quase 20 milhões de votos? Não! Isto é uma demonstração de que há surpresa no fazer humano. Existe uma espécie de cavalo de troia dentro de nós, para o bem ou para o mal, que faz com que a gente seja seres interessantes - muito mais do que seres previsíveis. Estou vivendo o mo-mento de poder não ficar ansiosa com a imprevisibilidade e me colocar no processo. A Hannah Arendt afirma que há coisas que o homem não consegue suportar. Ele não conse-gue suportar o irreversível, e nem o imprevisível. O irreversí-vel é insuportável como a morte. Ninguém fica pensando na morte, porque o homem não consegue simbolizar a morte. E como não consegue, não fala muito sobre ela. A morte é uma espécie de não dito, e a gente vive com esse não dito. Isto é algo irreversível. O que faz com que a gente suporte esse irreversível da morte? É a sucessividade da vida. Eu sei que já estou aqui dobrando o cabo da Boa Esperança, mas a vida é sucessiva. Está sucessiva nos meus filhos, é sucessiva em você e a sucessividade da vida é o que faz com que a vida seja permanente. Temos também dificuldade de lidar com o irreversível. Ela diz que só há um remédio: o perdão. Se o amado te traiu e você o ama, e ele diz “pisei na bola”, o que você vai fazer, vai cair do prédio? Vai ficar infeliz o res-to da vida com a galhada que você levou, ou você perdoa? Você consegue viver o irreversível revertendo-o pelo per-dão, mas o fato é que o amado traiu. Aí é a nossa capacidade

“EU NÃO VOU ME DESFILIAR DAS CAUSAS”

SEI QUE SEM QUERER, SEM SABER, EU CONtINUO GOStANDO DO LULA. EU CONtINUO GOStANDO DA EXPE-RIÊNCIA BONItA QUE FOI VIVIDA NO BRASIL E QUE ERA UMA PROMESSA.

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ANÚNCIOum produto da sociedade brasileira. Não haveria Marina Silva ministra do Meio Ambiente sem o consentimento da população brasileira, o emponderamento da sociedade. Há vinte anos, estavam matando Chico Mendes porque ele estava querendo defender o seringal em que morava! Só aquele pedacinho! Ele morreu, mas o Brasil não sabia quem era o Chico Mendes. E, se não tivesse vindo aqui o Al Gore, a revista Time, se o jornal New York Times não tivesse dado a notícia de primeira página, não haveria a repercussão que teve. Vinte anos se passaram e, ao invés da Polícia Federal dar suporte para o fazendeiro desma-tar, a sociedade brasileira fez com que nós tivéssemos 480 policiais federais indo ao Mato Grosso prender gri-leiros, secretário corrupto, e desmontar um esquema de corrupção. Qualquer ministro que colocasse 725 pessoas na cadeia, desconstituísse 1.500 empresas, que ajudasse a inibir 35 mil unidades de grilagem, se não fosse pelo suporte da sociedade, cairia! Morreria! Isto é sociedade! Na hora em que a sociedade decidir que não quer mais saber de carne que venha de propriedade com desmata-mento ilegal, quando a sociedade estabelecer como um valor que não leva pra sua casa aquilo que é produzido com trabalho escravo, com trabalho infantil, na hora em que a sociedade estabelecer isto como valor, a gente vai conseguir reverter. Não da noite pro dia. A gente tem ga-nhos e perdas. Estamos vivendo um momento de ameaça de um retrocesso. Estas conquistas que a sociedade chan-

celou, deu sustentação política, agora correm o risco de andar para trás. E não podemos andar pra trás. O Código Florestal é uma espécie de armagedon. Se a gente tiver um Código com as alterações de relatório do Aldo Rebe-lo, nós abrimos as porteiras para um retrocesso tamanho numa agenda que, nos últimos trinta anos, o Brasil vem avançando! Avançando em termos de marco regulatório, de estrutura, de resultados efetivos.

tER REDUZIDO O DESMAtAMENtO EM QUASE 80% NOS ÚLtIMOS CIN-CO ANOS É UMA CONQUIStA DA SOCIEDADE BRASILEIRA. E É EStA CONQUIStA QUE EStÁ AMEAÇADA AGORA E QUE NÃO PODEMOS DEI-XAR. COMO ISSO PODE SER FEItO? Só HÁ UM CAMINHO: MOBILIZA-ÇÃO EFEtIVA!

Eu não sei o que temos que dizer aos senadores, eu não sei o que a gente tem que dizer para a Dilma, pra evitar que isso aconteça. Mas, se a sociedade não interditar o Congresso, eles vão mudar a lei. E vão mudar de forma disfarçada.

Luan

a Ca

pobi

anco

Entrevista concedida em out/11.Colaborou nesta entrevista Juliana Jamilles.

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NEGÓCIOS LUCRO VERDE: O QUE SE ANDA FAZENDO PELO MEIO AMBIENtE? RUBENS BORGES

Muito se fala em meio ambiente, desenvolvimento sustentá-vel, ações ambientais, preservação da natureza... Mas, efetiva-mente, quais são as ações a favor da preservação ambiental?

Quando falamos em grandes ações em prol da preservação ambiental, logo imaginamos ações governamentais, que, através de uma legislação específica ou de fiscalização, são capazes de conter desmatamentos, preservar mananciais ou evitar que uma indústria emita mais poluentes do que a legislação permite. E é verdade. Cabe ao poder público, atra-vés do estabelecimento de políticas públicas e ações fiscali-zatórias, coibir os excessos que podem prejudicar a saúde e o bem-estar coletivo.

Outro conceito que devemos destacar é que, ao falar de meio ambiente, lembramos a floresta amazônica, o mico leão dou-rado ou as falésias do nosso vasto litoral. Porém, não devemos esquecer que o meio ambiente é o meio em que vivemos. Se vivemos em um local urbanizado, este é o ambiente que de-vemos considerar. É necessário pensar em como manter uma melhor qualidade de vida, ainda que estejamos em meio a trânsito, poluição do ar, ruídos, falta de verde.

Como sentimos o nosso ambiente? O homem é um ser subjetivo para o qual sentimentos e sensações são diferen-tes uns dos outros. Sentimos o ambiente e suas influências de formas diferentes. Por exemplo: um indígena, acostu-mado a viver junto à natureza e com sua cultura própria, provavelmente verá um ambiente urbanizado como um lugar impossível de se viver - o que para nós é um ambien-te perfeitamente habitável.

Talvez tenhamos que avançar um pouco na questão de como cada um sente o seu ambiente. A poluição o inco-moda? Até que ponto você se irrita com o trânsito de São Paulo? Ainda que todos saibam que o trânsito, a poluição e a falta de segurança trazem problemas sérios à saúde fí-sica e psicológica, cada pessoa sente e tem reações varia-das diante das situações. Ainda que elas incomodem mais ou menos cada pessoa, algo precisa ser feito para tornar a vida nas grandes cidades um pouco melhor.

Em um contexto onde o meio ambiente tornou-se funda-mental para a continuidade da vida na Terra, o fomento a políticas públicas ambientais surge como um desafio.

Muitos mecanismos têm sido propostos, como as Parcerias Público e Privadas, a criação de ferramentas de financiamen-to de planos, programas e projetos ambientais e, ainda, os chamados consórcios municipais, onde os pequenos muni-cípios, que não dispõem de muitos recursos técnicos e finan-ceiros, podem juntar-se para obter melhores resultados em suas ações, com o apoio de outras esferas de governo.

No entanto, os resultados somente serão obtidos se houver esforço conjunto entre os governos municipal, estadual e a União, no sentido de se integrarem em busca de resultados comuns. Quando falamos em fomento, estamos nos referin-do ao dinheiro para o financiamento de projetos ambientais. Sem esforço conjunto, as iniciativas bem sucedidas realiza-das até o momento correm o risco de ter eficácia comprome-tida por se tornarem iniciativas isoladas.

Entre diversas iniciativas adotadas pelo poder público a favor do meio ambiente, uma que merece destaque é a criação dos Fundos Socioambientais Públicos para incentivar a implanta-ção de projetos ambientais em diversas áreas - envolvendo educação ambiental, intervenções como o plantio urbano, o reflorestamento, a preservação de florestas e mananciais.

Cada esfera de governo pode ter fundos ambientais pró-prios, com finalidades específicas - como o Fundo Nacional do Meio Ambiente, o Fundo para preservação da Amazô-nia, os Fundos de Recursos Hídricos e de Direitos Difusos.

Para integrar e fortalecer a operação e o funcionamento dos Fundos Socioambientais foi criada a Rede Nacional de Fundos Socioambientais Públicos, que integra informações e troca de experiências entre fundos de todo o Brasil - públi-cos ou privados - no sentido de obter melhores resultados e o incentivo à criação de novos fundos socioambientais.

No âmbito do município de São Paulo, foi criado em 2001 o Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, conhecido como FEMA. Presidido pelo Secretário Municipal do Verde e do Meio Ambiente, o Conselho do FEMA é composto paritariamente por membros do governo e representantes da sociedade civil. Isto representa a participação direta da população nas decisões de aplicação dos recursos desse fundo.

Quando falamos em Fundo, estamos falando de uma insti-tuição que possui recursos financeiros para aplicação espe-cífica. Trata-se de uma via de mão dupla: para haver recursos disponíveis, eles devem ser gerados de alguma forma. As for-

mas de geração de recursos para alimentar o FEMA são, entre outras, dotações orçamentárias próprias, recursos advindos de acordos, contratos, doações, Termos de Compromissos Ambientais (TCAs), Créditos de Carbono e uso de espaços públicos. Estes recursos são depositados em uma conta cor-rente específica e lá permanecem até serem usados no apoio a projetos ambientais.

E como são aplicados estes recursos? O apoio a projetos é feito de forma direta, através de organizações não-gover-namentais ou órgãos públicos cujos projetos atendam a política ambiental do Município e especificações de oito editais de chamamento para a seleção dos projetos. Após análise, os projetos são submetidos à deliberação do Con-selho do Fundo, que elege quais serão beneficiados com os recursos.

O princípio deste modelo de apoio financeiro às ONGs surge da necessidade do governo de realizar ações com o apoio das lide-ranças locais, o que permite maior segurança na obtenção de resultados positivos, pois, quando se conta com o engajamento da população, os resultados tornam-se mais eficientes e está-veis, garantindo a sustentabilidade dos projetos.

Além disto, é necessário reconhecer que o poder público não dispõe de recursos humanos e técnicos para a realização de um número de projetos que atenda à demanda da população para a questão ambiental de forma pontual, respeitando as especifi-cidades e características de cada região. Somente uma entida-de local com conhecimento das necessidades e precariedades locais poderá fazê-lo. Dessa forma, as parcerias são o melhor instrumento para se atingir objetivos concretos.

“NÃO DEVEMOS ESQUECER QUE O MEIO AMBIENtE É O MEIO EM QUE VIVEMOS. SE VIVEMOS EM UM LOCAL URBANIZADO, EStE É O AMBIENtE QUE DEVEMOS CONSIDERAR”

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O Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sus-tentável – FEMA vem apoiando projetos desde 2005, quando ocorreu o lançamento do Edital número 01, que, como pilo-to, financiou apenas três projetos. A partir daí, anualmente é lançado pelo menos um edital de chamamento para a sele-ção de projetos, com crescimento exponencial no número de projetos apresentados.

Para que os resultados sejam mais eficientes e as ações não se diluam em uma cidade tão grande e com tantos proble-mas ambientais, alguns editais focam um tema ou local es-pecífico da mesma. Assim, os objetivos dos projetos tornam--se mais visíveis para os beneficiados, que passam a perceber melhor seus resultados. Foi o que ocorreu entre os anos de 2005 e 2009, com o lançamento de três editais direcionados à preservação de Áreas de Proteção Ambiental e mananciais no extremo sul da cidade de São Paulo, mais especificamente as APAs dos rios Capivari-Monos e Boboré-Colônia. Durante este período, foram aplicados mais de R$ 3 milhões em pro-jetos de educação ambiental, criação de viveiros, agricultura urbana sustentável, além de trabalhos com a comunidade indígena e a colônia alemã que habitam a região.

Ao todo, o Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvi-mento Sustentável já lançou oito editais, com um número to-

tal de mais de sessenta projetos implantados e um montante de mais de R$ 6 milhões aplicados.

Além disto, através de projetos de recuperação de áreas ver-des, implantação de praças, implantação de centro de recu-peração de animais silvestres e projetos de implantação de parques lineares, já foram aplicados pela Prefeitura mais de R$ 30 milhões, obtidos através de leilões de créditos de car-bono gerados pela queima, e geração de energia dos aterros sanitários Bandeirantes e São João.

A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente tam-bém vem trabalhando para a aprovação de um projeto de lei que, se aprovado pela Câmara de Vereadores, permitirá que o FEMA efetue o pagamento por serviços ambientais (PSA) diretamente aos proprietários de terras que possuam áreas preservadas que forneçam serviço ambiental para toda a ci-dade. A expectativa para o próximo ano é o lançamento de um novo edital que garanta a continuidade das parcerias en-tre o poder público e a sociedade civil numa mesma direção.

Vale informar que as reuniões do Conselho do Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - FEMA são abertas à população, e seu calendário encontra-se disponível no site da Prefeitura do Município de São Paulo.

Rubens Borges é administrador, especialista em Educação Ambiental e Secretário Executivo do Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (FEMA).

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características

Verde Versátil: Quais as principais características do bioma Amazônico, que o diferenciam dos demais?Plínio Ribeiro: Eu diria que a principal diferença em rela-ção aos outros biomas é o tamanho e o histórico da ocu-pação. É claro que existe uma infinidade de diferenças ecológicas entre eles, mas é surpreendente pensar que o bioma Amazônico ocupa quase metade do território bra-sileiro. Isso traz uma série de responsabilidades ao Brasil, que detém quase 60% do bioma, lembrando que o res-tante está espalhado em outros oito países. Na Amazônia tudo é colossal. Só os afluentes do rio Amazonas possuem aproximadamente 25.000 km de trechos navegáveis. É muito importante não considerar toda essa área como se fosse tudo homogêneo. Na verdade, tirando o verde das árvores, quase todo o resto é diferente de região pra re-gião. Há muitas amazônias na Amazônia: cultural, social e ecologicamente falando.

BIOMAS BRASILEIROS AMAZÔNIA PLÍNIO AGUIAR RIBEIRO fotografias de Miriam Prochnow e Wigold B. Schäffer

“É SURPREENDENtE PENSAR QUE O BIOMA AMAZÔNICO OCUPA QUASE MEtADE DO tERRItóRIO BRASILEIRO. ISSO tRAZ UMA SÉRIE DE RESPONSABILIDADES AO BRASIL, QUE DEtÉM QUASE 60% DO BIOMA, LEMBRANDO QUE O REStANtE EStÁ ESPALHADO EM OUtROS OItO PAíSES”

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ameaças

VV: Quais as principais ameaças que o bioma enfrenta e qual é a situação de conservação atual?PR: Quando se pensa em Amazônia, duas coisas vêm à mente: floresta e desmatamento - e, é claro, a relação en-tre as duas.

Estima-se que perto de 18% da Amazônia Legal (área que não se limita ao bioma) já esteja completamente desmatada. Outros 40% já sofreram algum grau de degradação, o que torna essas áreas mais suscetíveis a futuros desmatamentos, invasões e fogo. As ameaças são muitas: madeira ilegal, pecuária, conversão de florestas em agricultura de larga escala.

Mas isso é, no fundo, o resultado de visões de desenvolvimento que não estão conectadas à conservação, e, principalmente, da nossa incapacidade em atribuir valor econômico à floresta em pé.

potencialidades

VV: Quais as potencialidades do bioma em termos de serviços ambientais e desenvolvimento de oportuni-dades econômicas sustentáveis?PR: As potencialidades são muitas, mas os meios ainda inadequados. É importante lembrar que mais de 90% do que resta de floresta na Amazônia está localizado em áreas públicas: Territórios Indígenas, Unidades de Conservação e as chamadas “terras sem destinação”. As oportunidades econômicas, por sua natureza, só podem ser aproveitadas por agentes privados, logo, se faz urgentemente neces-sária a criação de instrumentos que permitam parcerias público-privadas para que elas sejam perseguidas. A falta desse ambiente legal de atuação conduz muita gente a entrar na ilegalidade em busca de retornos a curto prazo, e, numa área desse tamanho, é praticamente impossível coibir esse tipo de atuação. As atividades sustentáveis exi-gem um período muito mais longo para trazerem os re-tornos desejáveis, e para que esse investimento aconteça é preciso segurança institucional, fundiária e crédito es-pecífico. Aumentar o risco da ilegalidade é também uma forma de diminuir a concorrência desleal.

visite

VV: Por que o bioma em questão merece uma visita de nosso leitor?PR: Alguns números falam por si só: 1.300 espécies de pei-xes conhecidas de um total estimado de 4.000, a onda mais longa do mundo na pororoca do rio Araguari, 170 etnias e mais de 100 idiomas, a maior biodiversidade do planeta. Conhecer a Amazônia é conhecer o Brasil.

atrativos

VV: Quando viajar para conhecer o bioma amazônico, o que nosso leitor não pode deixar de conhecer? Pode citar, além dos atrativos naturais, aspectos humanos, como alimentação, modo de vida da população local, manifestações artísticas e culturais?PR: Numa região tão grande e tão diversa, fica difícil lis-tar os atrativos mais interessantes. Várias viagens e expe-dições são necessárias. Mas existem alguns lugares que são mágicos: Alter do Chão, próxima a Santarém, com suas praias brancas e águas azuis. O arquipélago de Ana-vilhanas, próximo a Manaus. Manaus é uma cidade inte-ressantíssima, que abriga a história da época da borracha e onde é possível presenciar o “choque” entre civilização e natureza. São Gabriel da Cachoeira, sem dúvida, é um dos municípios mais belos do país. A Reserva de Desen-volvimento Sustentável de Mamirauá, que tão bem soube conciliar turismo, manejo e conservação. Uma viagem de carro entre Porto Velho e Rio Branco dá uma pista do que é uma fronteira se expandindo e levando a floresta no ca-minho. Xapuri, no Acre, que conta a vida dos seringueiros pela manutenção de suas florestas. Macapá tem um belo forte erguido na época dos portugueses, e é possível ver a imensidão da foz do Amazonas. Boa Vista, cidade plane-jada, de onde saem uma série de excursões principalmen-te ao Monte Roraima. O Parque Estadual do Cristalino, no norte do Mato Grosso, que é uma região riquíssima em di-versidade de pássaros. Belém tem uma culinária e cultura sensacionais, com destaque para o carimbó. Sem contar a ilha de Algodoal, não muito distante da capital paraen-se, onde é possível observar o encontro da floresta com o oceano Atlântico, atraindo uma grande quantidade de aves migratórias, com uma variação de maré inacreditável. Enfim, viagens para a vida inteira.

Plínio Aguiar Ribeiro é diretor executivo e cofundador da Biofílica Investimentos Ambientais, empresa brasileira focada na gestão de florestas na Amazônia e comercialização de seus respectivos serviços ambientais. Foi produtor do documentário “Return to the Amazon”, de Jean Michel Cousteau. É formado em administração de empresas pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e tem mestrado em Meio Ambiente e Políticas Públicas pela Universidade de Columbia em Nova Iorque.

“AS AtIVIDADES SUStENtÁVEIS EXIGEM UM PERíODO MUItO MAIS LONGO PARA tRAZEREM OS REtORNOS DESEJÁVEIS, E PARA QUE ESSE INVEStIMENtO ACONtEÇA É PRECISO SEGURANÇA INStItUCIONAL, FUNDIÁRIA E CRÉDItO ESPECíFICO”

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www.amazonia21.blogspot.com

características

Verde Versátil: Quais as principais características do bioma Cerrado, que o diferenciam dos demais?Mauro Pires: O Cerrado é o segundo maior bioma brasi-leiro, com área de 2 milhões de km², abrangendo dez Es-tados e o Distrito Federal, e responsável pelas principais nascentes que vertem suas águas para formar as bacias hidrográficas do continente sul-americano: a bacia do Tocantins-Araguaia, que faz parte da bacia Amazônica, a do São Francisco e a do rio Paraná-Prata. Sua biodiversi-dade é estimada em pelo menos 5% de todas as espécies terrestres do planeta, com mais de 12 mil espécies lenho-sas. É considerado uma espécie de “floresta para baixo”, pois, embora boa parte de suas árvores não sejam tão al-tas quanto às das florestas tropicais, têm profundas raízes, muitas das quais chegam a 12 m de profundidade. Daí, sua grande importância em termos de armazenamento de carbono. Quando é desmatado ou queimado, sua bio-

massa acaba transformando-se em gases de efeito estufa, o que prejudica o clima global. Ele é pouco conhecido, até mesmo pelos brasileiros! Mundialmente, quando se pensa no meio ambiente do Brasil, os olhos se voltam pri-meiro para a Amazônia e, às vezes, para a Mata Atlântica. Outros biomas brasileiros, como a Caatinga e o próprio Cerrado, não recebem a atenção internacional. Basta ima-ginar o seguinte: quando pensamos em savanas, todo mundo lembra as savanas africanas, mas desconhece que o Brasil também tem as suas! O Cerrado é um tipo dife-renciado de savana, porque é formado por vários tipos de vegetação. O melhor é vê-lo como um grande mosaico vegetacional, com grande variação: tem desde ecossis-temas formados principalmente por gramíneas, como o campo limpo ou campo sujo, chega até os tipos denomi-nados “cerradão” e às matas ciliares - que quase se confun-dem com as florestas tropicais tipicamente conhecidas.

BIOMAS BRASILEIROS CERRADO MAURO PIRES fotografias de Miriam Prochnow e Wigold B. Schäffer

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potencialidades

VV: Quais as potencialidades do bioma em termos de serviços ambientais e desenvolvimento de oportunida-des econômicas sustentáveis?MP: O Cerrado é visto como o celeiro do mundo, porque nele ocorre boa parte do agronegócio brasileiro. É possível usá-lo e produzir alimentos sem destruí-lo. É um ambiente cheio de oportunidades. Como está no coração do Brasil, conta com uma malha rodoviária muito propícia, por exemplo, para o ecoturismo. Seus frutos são usados na fabricação de doces, geleias e muitas outras guloseimas. Seus princípios ativos são úteis na indústria cosmética e medicinal.

visite

VV: Por que o bioma em questão merece uma visita de nosso leitor?MP: Porque ele é lindo, fácil de chegar e merece ser valorizado.

atrativos

VV: Quando viajar para conhecer o bioma Cerrado, o que nosso leitor não pode deixar de conhecer? Pode citar, além dos atrativos naturais, aspectos humanos, como alimentação, modo de vida da população local, manifes-tações artísticas e culturais?MP: O Cerrado faz parte da cultura sertaneja do interior do Brasil. Nele ocorrem diversas festas locais, como a Festa das Cavalhadas, em Pirenópolis-GO, no mês de maio. Aliás, está aí uma boa oportunidade para conhecer as belezas do Cer-rado: Pirenópolis, além de ser uma charmosa cidade de esti-lo colonial, abriga inúmeras cachoeiras, que são uma grande atração turística. E está a uma hora e meia de carro, saindo de Brasília. Os parques nacionais do bioma, como o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, próximo a Cuiabá, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, a duas horas de Brasília, e o Parque Serra do Cipó, em Minas Gerais, são boas opções de turismo e lazer.

Mauro Pires é sociológo, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e diretor do Departamento de Políticas de Combate ao Des-matamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

ameaças

VV: Quais as principais ameaças que o bioma enfrenta e qual é a situação de conservação atual?MP: Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o bioma Cerrado teve uma área suprimida de 48,22% até o ano de 2009. Ou seja, quase metade de sua área original. No perí-odo de 2002 a 2008, a taxa anual média de desmatamento foi de aproximadamente 14.200 km², a maior taxa dentre os seis biomas brasileiros. Isso equivale a um valor médio anual duas vezes maior do que a taxa de desmatamento da Amazônia em 2009 (7.400 km²), embora o bioma tenha uma área duas vezes menor que a floresta amazônica. Ou seja, o ritmo do desma-tamento é mais intenso e veloz, pois começou há quatro dé-cadas. As principais atividades econômicas associadas ao des-matamento na região têm a ver com a pecuária, a agricultura e a extração de matéria lenhosa para a produção de carvão vegetal - usado para a produção de ferro gusa - e aço, sobretu-do no polo siderúrgico de Minas Gerais. Embora o percentual de Reserva Legal (área dentro de cada propriedade) devesse ser destinado ao uso sustentável e à conservação - seja de ape-nas 20% do total da propriedade (à exceção dos 35% das áreas de Cerrado dentro da Amazônia Legal) - muitas propriedades chegam a ter 100% de sua área totalmente desmatada. Isto leva a vários prejuízos, inclusive econômicos. Os rios se tornam assoreados, os animais perdem seu habitat, e os serviços am-bientais, como a polinização das plantas e a manutenção do ciclo hidrológico, ficam prejudicados. Os próprios agricultores se tornam vítimas, porque, sem a polinização natural, acabam gastando mais com fertilizantes e agrotóxicos, que contami-nam solo e rios. E, como a água é cada vez mais cara, com o assoreamento aumentam as despesas para obtê-la com a qua-lidade necessária. Além disso, o Cerrado tem poucos parques e reservas ambientais. Menos de 3% do bioma está dentro de Unidades de Conservação de Proteção Integral.

“O CERRADO É O SEGUNDO MAIOR BIOMA BRASILEIRO, COM ÁREA DE 2 MILHõES DE KM², ABRANGENDO DEZ EStADOS E O DIStRItO FEDERAL”

“O CERRADO tEM POUCOS PARQUES E RESERVAS AMBIENtAIS. MENOS DE 3% DO BIOMA EStÁ DENtRO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DE PROtEÇÃO INtEGRAL”

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Verde Versátil: Quais as principais características do bioma Pampa, que o diferenciam dos demais?Eduardo Vélez: No bioma Pampa, a vegetação nativa pre-dominante são os campos, ao invés das florestas. Na maior parte do bioma, o relevo é suavemente ondulado, forman-do pequenas elevações denominadas coxilhas. O clima é subtropical e se caracteriza pela presença de chuvas bem distribuídas ao longo do ano e temperaturas médias mais baixas. A vegetação herbácea (capins, gramas, ervas), que recobre as paisagens tipicamente abertas, é muito diversi-ficada, com cerca de 450 espécies de gramíneas. Também ocorrem capões de mata, estreitas florestas de galeria e árvores isoladas, além de formações arbustivas que dão

um aspecto de savana para várias porções do bioma. Es-tão presentes muitas espécies de aves, répteis e mamífe-ros que dependem da existência dos campos para a sua sobrevivência (ema, perdiz, codorna, veado–campeiro, zorrilho, tatu-mulita, tuco-tuco). Na sua porção sudeste, a oeste da Laguna dos Patos, o Pampa também abriga uma região montanhosa e geologicamente muito antiga, deno-minada de Serra do Sudeste, com elevações próximas de 600 m. Nesta região estão presentes formações geológicas singulares, com ruínas e guaritas de rara beleza cênica nas redondezas de Caçapava do Sul. Também estão presentes muitas espécies de cactos endêmicas (que só ocorrem na-quela região) sobre alforamentos rochosos.

características

BIOMAS BRASILEIROS PAMPA EDUARDO VÉLEz fotografias de Miriam Prochnow e Wigold B. Schäffer

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ameaças

VV: Quais as principais ameaças que o bioma enfrenta e qual é a situação de conservação atual?EV: As principais ameaças à biodiversidade do Pampa de-correm da conversão dos campos em extensas áreas de agricultura, especialmente para o plantio de soja e de arroz. Atualmente, há uma grande preocupação com o avanço da silvicultura, já que grandes plantações de eucalipto es-tão sendo implantadas no Pampa, especialmente em locais menos propícios para a agricultura. Em 2008, somente 36% de sua cobertura vegetal nativa ainda estava conservada e muitas regiões já haviam perdido completamente as carac-terísticas das paisagens originais. Talvez pela pouca presença de florestas, este bioma tenha recebido tão pouca atenção do ponto de vista da conservação da sua biodiversidade. No Pampa há pouquíssimas unidades de conservação (parques e reservas) e as que existem são pequenas e ainda não foram devidamente implementadas.

potencialidades

VV: Quais as potencialidades do bioma em termos de serviços ambientais e desenvolvimento de oportunida-des econômicas sustentáveis?EV: A vocação econômica do Pampa são as atividades pas-toris. A pecuária praticada de forma sustentável, tendo a vegetação nativa dos campos como recurso forrageiro, representa uma alternativa de produção com baixo nível de insumos, garantia de ganhos econômicos e pouco im-pacto sobre os ambientes naturais, desde que aplicadas técnicas de manejo ecológico da vegetação campestre.É um paradoxo que se desmate a Amazônia para criar gado, e se plante eucalipto no Pampa des-considerando a vocação natural do bioma para a pecuária.

visite

VV: Por que o bioma em questão merece uma visita de nosso leitor?EV: O Pampa se estende em direção ao sul, ocupando todo o Uruguai e parte da Argentina, conformando uma das regiões de campos temperados mais importantes do planeta. Para quem vive num país “florestal”, vale a pena conhecer as paisa-gens pampeanas e aproveitar para percorrê-las também em roteiros pelo interior dos nossos países hermanos. Desde a colonização ibérica, o desenvolvimento das atividades pas-toris no Pampa ensejou o desenvolvimento de uma cultura mestiça singular, de característica transnacional, represen-tada pela figura do gaúcho. Conhecer o Pampa representa uma grande oportunidade de contato com o modo de vida, os costumes, usos, valores e tradições desta importante cul-tura nacional. A região também conta com uma rica história de contendas e batalhas pela conquista do território entre portugueses e espanhóis e foi também o palco da Revolução Farroupilha (1835-1845).

atrativos

VV: Quando viajar para conhecer o bioma Pampa, o que nosso leitor não pode deixar de conhecer? Pode citar, além dos atrativos naturais, aspectos humanos, como alimentação, modo de vida da população local, manifes-tações artísticas e culturais?EV: Um bom passeio pelo Pampa começa em Porto Alegre e vai até a cidade de Caçapava do Sul, onde podem ser visi-tadas formações geológicas de grande beleza cênica como as Guaritas, a Pedra do Segredo e a Casa de Pedra. A seguir vai-se até a cidade de Bagé, onde ocorre a Festa Internacio-nal do Churrasco, no mês de novembro. Desde esta cidade percorre-se as paisagens da Campanha Gaúcha, passando pela cidade de Dom Pedrito até chegar à cidade fronteiriça de Santana do Livramento. Em Livramento há pousadas em estâncias onde podem ser apreciadas as lidas campeiras, vi-nícolas e oportunidade de compras no free shop de Rivera, no Uruguai. Outra opção para conhecer as manifestações artísticas e culturais é visitar o Pampa durante os festejos da Semana Farroupilha, de 7 a 20 de setembro, ou escolher um dos diversos rodeios que ocorrem ao longo do ano.

Mais informaçõeswww.turismo.rs.gov.br.

www.semanafarroupilha.com.brwww.dupago.com.br

Eduardo Vélez é biólogo com pós-graduação em ecologia. Foi diretor do Museu de Ciências Naturais da Fundação zoobotânica do Rio Grande do Sul e di-retor de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente. Reside em Porto Alegre e participa como consultor em projetos de conservação da natureza.

“UM BOM PASSEIO PELO PAMPA COMEÇA EM PORtO ALEGRE E VAI AtÉ A CIDADE DE CAÇAPAVA DO SUL, ONDE PODEM SER VISItADAS FORMAÇõES GEOLóGICAS DE GRANDE BELEZA CÊNICA COMO AS GUARItAS, A PEDRA DO SEGREDO E A CASA DE PEDRA”

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Verde Versátil: Quais as principais características do bio-ma Mata Atlântica, que o diferenciam dos demais?Márcia Hirota: A Mata Atlântica está entre as mais impor-tantes e ameaçadas florestas do planeta. Abrange um mo-saico de fisionomias e vegetação, com florestas ombrófilas densas, abertas e mistas; florestas estacionais deciduais e se-mideciduais; campos de altitude, mangues e restingas que se estendem ao longo da costa brasileira, do Nordeste ao Sul, atingindo áreas da Argentina e do Paraguai nas regiões Su-deste e Sul. No Brasil, o bioma Mata Atlântica abrangia uma área equivalente a 1.315.460 km² e estendia-se originalmen-te ao longo de 17 Estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí). É um dos

biomas mais ricos em termos de biodiversidade, com mais de 20 mil espécies de plantas, sendo 8 mil endêmicas; 270 espécies conhecidas de mamíferos (55 endêmicas); 1.020 espécies de aves (188 endêmicas); 197 répteis (60 endêmi-cas); 372 anfíbios (mais de 90 endêmicas); 350 peixes (133 endêmicas). Embora rico, o bioma Mata Atlântica é um dos mais ameaçados de extinção do planeta. Das 633 espécies de animais ameaçados de extinção no Brasil, 383 ocorrem na Mata Atlântica. A área é considerada um hotspot mundial, ou seja, uma das mais ricas em biodiversidade e mais ame-açadas do planeta. Foi decretada Reserva da Biosfera pela UNESCO e Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988. É o único bioma brasileiro que tem uma lei específica desde 2006, Lei nº 11.428, publicada em 2008 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

características

BIOMAS BRASILEIROS MAtA AtLÂNtICA MÁRCIA HIROTA fotografias de Miriam Prochnow e Wigold B. Schäffer

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ameaças

VV: Quais as principais ameaças que o bioma enfrenta e qual é a situação de conservação atual?MH: O bioma Mata Atlântica foi o primeiro a ser descoberto pelos europeus. A história do Brasil é a história da devastação da Mata Atlântica. No início da “descoberta”, os portugueses vislumbraram a Terra Brasilis como uma inesgotável fonte de renda. O uso do pau-brasil, árvore da qual era extraída uma tintura muito utilizada pela indústria têxtil na época, gerava uma imensa mão de obra disponível a ser catequizada, os povos indígenas, que eram considerados as principais ma-térias-primas. Do quase extermínio do pau-brasil, partimos para os diversos ciclos econômicos, como o do ouro, o da cana-de-açúcar e, posteriormente, o do café. Outros ciclos econômicos vieram e, como se já não bastassem os milhares hectares destruídos para a (des) construção do país, vive-mos, mais recentemente, um veloz processo de industrializa-ção e, consequentemente, a urbanização - com as principais cidades brasileiras assentadas hoje na área original da Mata Atlântica. Temos, atualmente, 7,9% de remanescentes flores-tais, considerando as ilhas de floresta nativa acima de 100 hectares. Ou seja, restam hoje menos de 8% da Mata Atlânti-ca original. Se considerarmos todos os fragmentos florestais acima de 3 hectares, temos 11% da área original. O processo de devastação é contemporâneo e, embora o rit-mo tenha diminuído, ainda ocorrem desmatamentos em vá-rias regiões do Brasil, seja para expansão das fronteiras agríco-la e pecuária, a ocupação humana nas cidades, as queimadas e obras de infraestrutura.

potencialidades

VV: Quais as potencialidades do bioma em termos de serviços ambientais e desenvolvimento de oportunida-des econômicas sustentáveis?MH: A Mata Atlântica beneficia direta e indiretamente mais de 118 milhões de habitantes, que correspondem a 62% da população do país. A floresta ajuda na regulagem do flu-xo de mananciais hídricos, garantindo o abastecimento de água de muitas cidades brasileiras. Ajuda também a evitar a erosão e diminuir a incidência de desastres naturais, prote-gendo o solo. Também atua no controle do clima e é fonte de alimentos e plantas medicinais. As maiores potencialidades estão nos atrativos que oferece, regiões com beleza cênica singular. Os maiores desafios são aliar o desenvolvimento regional e a conservação da natureza, seja por meio do turismo, do manejo de espécies e outras atividades sustentáveis, que propiciam negócios e geram trabalho e renda para as comu-nidades locais.

visite

VV: Por que o bioma em questão merece uma visita de nosso leitor?MH: Boa parte das cidades brasileiras encontra-se em área de Mata Atlântica. Sabe-se da qualidade de vida que a Mata Atlântica proporciona a essa população e, dentre outras fun-ções, de seus inúmeros benefícios, diretos e indiretos. Para citar alguns, primeiramente, o vital: a água, já que ela pro-tege e regula o fluxo de mananciais hídricos que abastecem as cidades e principais metrópoles brasileiras. Além disso, abriga rica e enorme biodiversidade, preserva beleza paisa-gística e um patrimônio histórico de valor inestimável, abri-gando várias comunidades indígenas, caiçaras, ribeirinhas e quilombolas, que constituem a genuína identidade cultural do Brasil.

atrativos

VV: Quando viajar para conhecer o bioma Mata Atlân-tica, o que nosso leitor não pode deixar de conhecer? Pode citar, além dos atrativos naturais, aspectos huma-nos, como alimentação, modo de vida da população lo-cal, manifestações artísticas e culturais?MH: São várias dicas. Em primeiro lugar visitar e conhecer a Mata Atlântica. Há vários parques espalhados nos Estados, seja na região costeira ou mais no interior, que devem ser vi-sitados. Existem paisagens belíssimas e inúmeras atividades que cada um pode fazer. Alguns exemplos: Parques Nacio-nais do Iguaçu (PR), Itatiaia (RJ/MG/SP), Tijuca, (RJ), Monte Pascoal (BA) e outras áreas bem preservadas. Em cada re-gião, as pessoas podem apreciar as comidas típicas: peixe à caiçara, moqueca baiana ou capixaba; frutas da época, jabuticaba, caju, mangaba, pitanga; alimentos como o pal-mito-juçara, pinhão, erva-mate. Mas conhecer e cuidar da Mata Atlântica também é conhecer e cuidar do ambiente ao nosso redor. Lutar pela arborização urbana e pelos parques dentro das cidades; descartar corretamente o lixo; evitar desmatamentos; economizar água, energia e outros recur-sos; procurar alternativas para o uso excessivo de veículos, tudo isto também faz parte da atitude de conhecer e prote-ger este bioma tão importante para os brasileiros.

“A HIStóRIA DO BRASIL É A HIStóRIA DA DEVAStAÇÃO DA MAtA AtLÂNtICA”“DAS 633 ESPÉCIES DE ANIMAIS

AMEAÇADOS DE EXtINÇÃO NO BRASIL, 383 OCORREM NA MAtA AtLÂNtICA”

Márcia Hirota é diretora de gestão do conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica, supervisora dos programas e projetos institucionais e coordenadora do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, desenvolvido em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

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Verde Versátil: Quais as principais características do bio-ma Pantanal, que o diferenciam dos demais?Nícia Magalhães: O Pantanal é privilegiado, porque é uma mistura, compõe um verdadeiro mosaico. Em relação à par-te botânica, tem vegetação de Cerrado, de Mata Atlântica e Amazônia. Nas áreas secas, existem topos de morros de formação calcária e vegetação de Caatinga. Consequente-mente, em relação à fauna, há animais que migram da Mata Amazônica. Se você vai ao Pantanal do Sul, vê bichos da Mata Atlântica com facilidade, e até migração dos Andes. O nome “pantanal” não é muito adequado, porque o Pantanal

não é um pântano. É seco e, na época das secas, o povo so-fre, porque a água vai embora e tem que fazer poços. O que regula a vegetação e a exuberância do Pantanal são as en-chentes do rio Paraguai. Toda a área pertence à bacia do rio Paraguai. Politicamente, há oitenta anos o Mato Grosso era um Estado só; depois, foi dividido em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Praticamente não há diferença de aspecto, mas de animais encontrados se atravessarmos o Mato Gros-so de leste a oeste ou de norte a sul. As migrações variam e, assim, há épocas em que não é possível ver alguns animais. O Pantanal é um complexo.

características

BIOMAS BRASILEIROS PANtANAL NÍCIA WENDEL DE MAGALHãES fotografias de Miriam Prochnow e Wigold B. Schäffer

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ameaças

VV: Quais as principais ameaças que o bioma enfrenta e qual é a situação de conservação atual?NM: Eu conheço bem o Pantanal desde os anos 80. Íamos com frequência na beirada do rio Miranda e acompanha-mos como o lugar começou a ser ocupado demais. Com a pesca e o turismo de massa, o lugar acabou se deterioran-do e acabaram os bichos. Hoje para observação de animais é necessário o acompanhamento de biólogos que conhe-cem a área, seus ciclos e os hábitos das espécies.

potencialidades

VV: Quais as potencialidades do bioma em termos de ser-viços ambientais e desenvolvimento de oportunidades econômicas sustentáveis?NM: O grande atrativo do Pantanal para os turistas ainda é ver bichos. E um turismo consciente pode ajudar a pro-teger o bioma. Por exemplo, conheci uma fazenda que faz parcerias com universidades, pesquisa animais, trabalha com rastreamento de onças, jaguatiricas e onça parda. Eu já tinha ouvido falar e visitei o local com uma turma de tu-ristas. Foi muito divertido, porque houve diversão e atra-tivos para todos os gostos. Chegamos num calor danado, houve mudança de tempo, chuva, frio pela manhã. Deu para passear bem e vimos os bichos saindo, muito lindo!

visite

VV: Por que o bioma em questão merece uma visita de nosso leitor?NM: Em nenhum lugar do Brasil podemos encontrar ve-getação de Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia na mesma área. O visitante não pode deixar de ver esta complexidade.

atrativos

VV: Quando viajar para conhecer o bioma Pantanal, o que nosso leitor não pode deixar de conhecer? Pode ci-tar, além dos atrativos naturais, aspectos humanos, como alimentação, modo de vida da população local, manifes-tações artísticas e culturais?NM: Se você for observar plantas, os ipês florescem nas se-cas. Coincide com a época boa de ver os bichos. Mas se quer ver cambará, tem que ser em outra época. A melhor época para visitar o bioma é do fim de maio até setembro, mês em que começam as chuvas e os bichos estão todos em volta das lagoas, concentrados. Há lugares com veículos adaptados para safáris em que se pode fazer o melhor de tudo: passeios noturnos. Os guias levam lanternas e encontram o brilho nos olhos dos animais, que, já acostumados, continuam fazendo o que estavam fazendo. A gente rejuvenesce quando faz uma viagem assim.

Nícia Wendel de Magalhães é uma das precursoras da educação ambiental no Brasil e professora por exce-lência. Ambientalista, formou-se em História Natural pela Universidade de São Paulo e foi professora do ensino médio em escolas da rede pública e privada. Em 1981 fundou a ECO – Associação para Estudos do Ambiente, ONG que entre os anos de 1981 a 1995 promoveu projetos educativos levando alunos a campo. Mais tarde pas-sou a realizar expedições ecológicas pelo Brasil e hoje atua em diversos projetos ambientais com comunidades.

“EM NENHUM LUGAR DO BRASIL PODEMOS ENCONtRAR VEGEtAÇÃO DE CAAtINGA, CERRADO, MAtA AtLÂNtICA E AMAZÔNIA NA MESMA ÁREA”

“O PANtANAL É PRIVILEGIA-DO, PORQUE É UMA MIStURA, COMPõE UM VERDADEIRO MOSAICO”

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características

“O PARQUE NACIONAL DA SERRA DA CAPIVARA É tAMBÉM UM DOS MAIS IMPORtANtES PAtRIMÔNIOS CULtURAIS PRÉ-HIStóRICOS DO BRASIL, COM A MAIOR CONCENtRAÇÃO DE SítIOS ARQUEOLóGICOS AtUALMENtE CONHECIDA NAS AMÉRICAS. tUDO ISSO FEZ COM QUE A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇõES UNIDAS PELA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULtURA (UNESCO) RECONHECESSE O PARQUE COMO PAtRIMÔNIO CULtURAL DA HUMANIDADE”

“O PARQUE NACIONAL DA CHAPADA DIAMANtINA, COM SEUS 152.000 HECtARES, É UM DOS MAIS FASCINANtES PARQUES NAtURAIS NO BRASIL, MARCADO PELO ENCONtRO DE VEGEtAÇõES tíPICAS DA CAAtINGA, CERRADO E MAtA AtLÂNtICA, ONDE BROMÉLIAS, ORQUíDEAS, SEMPRE-VIVAS E CACtOS VIVEM EM HARMONIA, ADAPtADOS AOS MAIS VARIADOS AMBIENtES ... O PARQUE E SEU ENtORNO SÃO O BERÇO DE 50% DOS RIOS QUE BANHAM O tERRItóRIO BAIANO”

BIOMAS BRASILEIROS CAAtINGAMIRIAM PROCHNOW E WIGOLD B. CHÄFFERfotografias de Miriam Prochnow e Wigold B. Schäffer

Verde Versátil: Quais as principais características do bio-ma Caatinga, que o diferenciam dos demais? Nas terras que guardam as memórias dos habitantes mais antigos do Brasil, e por onde andaram Lampião e Maria Bo-nita, existem outras histórias que mexem com a emoção. Uma das mais recentes e significativas é a da ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), uma espécie endêmica da Caatinga cujo último exemplar, que vivia no Raso da Catarina, na Bahia, desapareceu para sempre da natureza em outubro do ano 2000, depois de insistentes tentativas dos pesqui-sadores em conseguir um par para o macho solitário que habitava uma das paisagens mais inóspitas e secas do país. Estamos falando da Caatinga, uma região semiárida, onde chove pouco e onde a vida tem um ritmo próprio, ditado pelas condições especiais impostas pela natureza. Caatin-ga é um nome de origem indígena. Vem do tupi caa, que significa mata, e tinga que significa branca (mata branca). Com 844.453 km², a Caatinga ocupa aproximadamente 11% do território do país, e é o único bioma exclusivamen-te brasileiro. É o menos conhecido dos nossos biomas, pre-dominando no Nordeste, onde abrange de forma contínua parte dos Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, e uma pequena parte no Sudeste, ao norte de Minas Ge-rais. Segundo o IBGE, o tipo de vegetação predominante no bioma é a Savana Estépica (Caatinga), com fisionomia decidual e espinhosa, composta de árvores e arvoretas que perdem as folhas na época seca, e com a presença de cactos e bromélias. No bioma Caatinga são encontrados ainda outros tipos de vegetação, como as florestas esta-cionais deciduais e semideciduais, associadas a ambientes

especiais, como áreas serranas, brejos e outros tipos de bol-sões climáticos mais amenos. Essas áreas de florestas esta-cionais, conhecidas como encraves florestais do Nordeste, juntamente com as restingas e os manguezais existentes na região, integram os tipos de vegetação da Mata Atlântica e são protegidas pela Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428, de 2006). Uma das principais áreas de florestas estacionais no interior do Nordeste abrange as chapadas da Serra das Confusões e da Serra Vermelha no Piauí. A região apresenta duas estações quentes distintas: uma marcada pela seca e outra pelas chuvas. A estação seca é a mais longa, podendo durar de sete a nove meses por ano. Entretanto, em alguns casos não chove durante anos sucessivos. Estas estações criam duas paisagens completamente diferentes. No perí-odo seco, a quase totalidade das árvores e outras plantas perdem as folhas. Nessa época, a Caatinga está despida, cinzenta e espinhosa. Com o surgimento das primeiras chuvas a paisagem muda rapidamente e a Caatinga é logo coberta de imenso e novo verde - que emana da enorme quantidade de pequenas folhas - e o solo fica forrado de pequenas plantas, mudando a paisagem para um verde exuberante. Um verde que se espalha por toda a parte, nas ervas e na abundante ramificação dos arbustos e das árvores. Na Caatinga, a média anual de chuva varia de 300 a 800 mm, o que torna intermitentes a grande maioria dos rios que nascem na região, os quais permanecem secos de cinco a sete meses no ano. O rio São Francisco é o principal rio que cruza os sertões da Caatinga, mantendo seu fluxo d’água perene, com águas trazidas de nascentes localiza-das em outras regiões climáticas e hídricas, como a Mata Atlântica e o Cerrado.

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“LEVANtAMENtO DIVULGADO PELO MINIStÉRIO DO MEIO AMBIENtE EM 2010 MOStRA QUE A CAAtINGA JÁ PERDEU CERCA DE 45% DE SUA COBERtURA VEGEtAL ORIGINAL. ENtRE 2002 E 2008 FORAM DESMAtADOS 16.576 KM², ÁREA EQUIVALENtE A 2% DO BIOMA”

“DIVERSAS ESPÉCIES DE PLANtAS tÊM POtENCIAL PARA USO SUStENtÁVEL FORRAGEIRO, ALIMENtíCIO E MEDICINAL”

ameaças

VV: Quais as principais ameaças que o bioma enfrenta e qual é a situação de conservação atual?Dados do Ministério do Meio Ambiente apontam que a por-centagem de cobertura vegetal da Caatinga ainda está em torno de 55%. Apesar desse índice razoável de cobertura vegetal, quando comparado com outros biomas, como, por exemplo, a Mata Atlântica, a Caatinga sofre com desmata-mentos (muitos deles para produção de lenha e carvão ve-getal) e queimadas que desencadeiam processos de deser-tificação. A desertificação é resultado do desmatamento e do mau uso do solo, e já existem alguns núcleos onde o pro-cesso está bem mais avançado, como Seridó (RN), Irauçuba (CE), Gilbués (PI) e Cabrobó (PE). Para se ter uma ideia da gravidade do problema, basta olhar os números que mos-tram que a área total suscetível à desertificação aumentou de aproximadamente 900.000 km² (2003) para mais de 1,3 milhão de km² (2007). A continuar esse processo, as regiões semiáridas do Brasil podem se transformar em áridas ou semidesertos nos próximos sessenta anos. Além de com-prometer a qualidade de vida das pessoas que convivem com essa realidade, os processos de desertificação trazem prejuízos econômicos enormes ao país. Para melhorar as condições de vida na região é fundamental que se faça o controle do desmatamento e o combate à desertificação. No entanto, o desmatamento na região persiste, principal-mente, no sul do Estado do Piauí e em algumas regiões da Bahia e do Ceará. Levantamento divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2010 mostra que a Caatinga já per-deu cerca de 45% de sua cobertura vegetal original. Entre 2002 e 2008 foram desmatados 16.576 km², área equivalen-te a 2% do bioma. A vegetação é derrubada especialmente para lenha e fabricação de carvão vegetal, destinado a ali-mentar siderúrgicas de Minas Gerais e do Espírito Santo e, também, para o polo gesseiro e o de cerâmica do Nordeste. Na região da Serra Vermelha, no sul do Piauí, o desmata-mento para a produção de carvão envolve um esquema cri-minoso que conta com a colaboração de agentes públicos e empresários, conforme apontou recente relatório da Po-lícia Federal. A chapada da Serra Vermelha, assim como os

vales adjacentes, é coberta por floresta estacional decidual, tipo de vegetação protegida pela Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428 de 2006). A cobertura florestal da Serra Vermelha exerce também importante papel na recarga dos aquíferos e do lençol freático do Vale do Gurgueia. A Serra Vermelha começou a ser ameaçada quando o Ibama, em março de 2006, aprovou o “Projeto Energia Verde” sem exigência de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Im-pacto Ambiental (EIA/RIMA). O projeto, que previa o desma-tamento de 78 mil hectares de floresta foi cancelado pelo próprio Ibama em 2007, após denúncia do programa Globo Repórter (Rede Globo). O cancelamento do projeto foi man-tido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região pelo fato de prever desmatamento de floresta estacional protegida pela Lei da Mata Atlântica e por prever o corte raso de 100% da floresta, o que não configura um Plano de Manejo Flores-tal Sustentável. Em maio de 2006, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), por iniciativa da Fundação Rio Parnaíba (Furpa), aprovou moção propondo a criação de um Parque Nacional na Serra Vermelha. A partir daí, o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Chico Mendes (ICMBio) rea-lizaram estudos técnicos que apontaram que a totalidade da Serra Vermelha deveria ser incluída na ampliação do Parque Nacional da Serra das Confusões, processo que já estava em andamento. Estranhamente, ignorando os estudos técnicos e todos os pedidos da comunidade científica e ambienta-lista, o governo federal, em 31/12/2010, ampliou o Parque Nacional da Serra das Confusões, excluindo a região da Serra Vermelha. Essa decisão deixou novamente a região à mer-cê dos desmatadores e produtores de carvão. Diante dessa nova ameaça, a Reapi e a Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA) mantêm a campanha pela criação do Parque Nacional da Serra Vermelha. Outro que está na briga contra o desma-tamento e pela preservação da Serra Vermelha é o Ministé-rio Público Federal do Piauí. O leitor também pode ajudar a salvar a Serra Vermelha da destruição.

Mais informaçõeshttp://serravermelha.blog.terra.com.br

potencialidades

VV: Quais as potencialidades do bioma em termos de serviços ambientais e desenvolvimento de oportuni-dades econômicas sustentáveis?Diversas espécies de plantas têm potencial para uso sus-tentável forrageiro, alimentício e medicinal. As espécies medicinais são a aroeira (adstringente), o araticum (anti-diarreico), o velame e o marmeleiro (antifebris). Do caroá e do sisal são extraídas fibras para artesanato, e o cajueiro e o umbuzeiro são utilizados na produção de doces. As plantas da Caatinga têm alta capacidade de resistência à seca e algumas espécies de cactáceas, como o mandacaru (Cereus jamacaru), desenvolveram a capacidade de arma-zenar água. O mandacaru é um cacto de porte arbóreo que atinge até 3 m de altura e é utilizado como alternativa alimentar e fonte de água para os animais na época da seca. Seus frutos são muito atrativos e saborosos, sendo consumidos in natura pela população local. Entre os ani-mais endêmicos da Caatinga, o mocó (Kerodon rupestris) é um roedor que vive exclusivamente nos paredões e la-jedos das serras. Pesquisas apontaram que o mocó vive há pelo menos 30 mil anos na região, datação obtida de fezes mumificadas encontradas nos sítios arqueológicos. Nos períodos secos, o mocó alimenta-se principalmente de cascas e resinas de árvores.

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Fontes

http://www.wwf.org.br/informacoes/questoes_ambientais/biomas/bioma_caatinga/

http://www.fumdham.org.br/parque.asp

http://www.icmbio.gov.br/o-que-fazemos/visitacao/ucs-abertas-a-visitacao/32-parques-nacionais/199-parque-nacional-da-serra-da-capivara

http://www.icmbio.gov.br/o-que-fazemos/visitacao/ucs-abertas-a-visitacao/32-parques-nacionais/208-parque-nacional-das-sete-cidades

http://www.ibama.gov.br/revista/7cida/texto_7cida.htm

http://www.mma.gov.br

http://www.maisnatureza.com/animais/especies-extintas/ararinha-azul/

http://www.zoologico.sp.gov.br/aves/ararinhaazul.htm

http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/calendarios/calendario.shtm

http://serravermelha.blog.terra.com.br/

Ararinha-azul

A ararinha-azul foi estudada pela primeira vez em seu habi-tat natural pelo naturalista alemão Johan Baptist von Spix, em 1819, em Juazeiro (BA). O nome científico Cyanopsitta spixii: Cyano significa “azul”; psitta significa “papagaio”, e o termo spixii homenageia o naturalista que a descreveu. O nome popular ararinha-azul é bem apropriado, pois a ave é praticamente toda azul, com apenas um pouco de cinza. É a menor das araras-azuis brasileiras, medindo cerca de 57 cm, dos quais 35 cm só de cauda. A ararinha-azul era uma ave endêmica da caatinga baiana e ocupava desde o extre-mo norte da Bahia até o sul do rio São Francisco. Vivia nas árvores mais altas, junto aos riachos intermitentes da caa-tinga, e alimentava-se principalmente de sementes de bu-riti e de outras árvores. A ararinha-azul sempre foi rara na natureza e uma das espécies mais ameaçadas de extinção do planeta. É considerada oficialmente extinta da natureza pelo Ministério do Meio Ambiente desde 2002, ano em que não foi mais encontrado o último exemplar conhecido em vida livre. Os raros indivíduos ainda existentes estão em ca-tiveiro em diversas partes do mundo e participam de um programa de manejo reprodutivo coordenado pelo IBAMA. As principais causas da extinção da espécie na natureza são a destruição do ambiente natural e, principalmente, o tráfi-co de animais silvestres.

Miriam Prochnow é pedagoga, especialista em Ecologia Aplicada, coordenadora de Políticas Públicas da Apremavi e secretária executiva do Diálogo Florestal.

Wigold B. Schäffer é administrador e ambientalista. Traba-lhou no Ministério do Meio Ambiente (MMA) de 1999 a 2010. Atualmente é consultor do PNUD, Programa das Nações Uni-das para o Desenvolvimento, atuando junto ao MMA.

visite

VV: Por que o bioma em questão merece uma visita de nosso leitor?É na Caatinga, também, que se encontram os sítios arqueo-lógicos mais importantes do Brasil, como os localizados no interior do Parque Nacional da Serra da Capivara, represen-tados, em sua maioria, por pinturas e gravuras rupestres - nas quais se encontram vestígios da mais antiga presença do homem no Brasil (100.000 anos atrás). No período seco, os sertanejos precisam caminhar quilômetros em busca da água dos açudes e das raras fontes. Uma das principais iniciativas para erradicar a pobreza e a fome na região é o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC). Este programa é uma das ações do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), uma rede formada por cer-ca de 750 organizações da sociedade civil que atuam na gestão e no desenvolvimento de políticas de convivência com a região semiárida. O objetivo do programa é bene-ficiar cerca de  cinco milhões de pessoas em toda região semiárida, com água potável para beber e cozinhar. A cis-terna é uma tecnologia simples, de baixo custo e adaptável a qualquer região. A água das chuvas que cai no telhado da casa é captada e canalizada até a cisterna, que tem capaci-dade de armazenar aproximadamente 16 mil litros, quan-tidade suficiente para uma família de cinco pessoas beber e cozinhar por um período de seis a oito meses – época da seca na região. Desde que surgiu, em 2003, o programa já construiu mais de 300 mil cisternas, beneficiando mais de 1,5 milhões de pessoas. Só 7% do bioma Caatinga se en-contram em unidades de conservação, e menos de 1% em unidades de conservação de proteção integral, como Par-ques, Reservas Biológicas e Estações Ecológicas, que são as mais restritivas à intervenção do ser humano. Proteger os recursos naturais e criar novas Unidades de Conservação, além de implantar aquelas já criadas, é uma das formas mais efetivas de promover o desenvolvimento de alterna-tivas econômicas na região. Paisagens exuberantes, rica biodiversidade e aspectos culturais e históricos oferecem um grande potencial de desenvolvimento sustentável com geração de emprego e renda para a população da região. Isto já é realidade nos municípios que abrigam os Parques Nacionais da Serra da Capivara e Sete Cidades, no Piauí, e o Parque Nacional da Chapada Diamantina, na Bahia.

atrativos

VV: Quando viajar para conhecer o bioma Caatinga, o que nosso leitor não pode deixar de conhecer? Pode citar, além dos atrativos naturais, aspectos humanos, como alimenta-ção, modo de vida da população local, manifestações ar-tísticas e culturais?Uma visita ao Parque Nacional da Serra da Capivara é uma verdadeira imersão no Brasil pré-histórico. Localizado no su-deste do Piauí, a 350 km de Teresina, tem 129.140 hectares e abrange parte dos municípios de São Raimundo Nonato, São João do Piauí, Coronel José Dias e Canto do Buriti. Além da exuberante paisagem, com grandes boqueirões e belíssimos paredões rochosos multicoloridos, da vegetação que mostra a intensidade da vida de uma região semiárida e uma fauna específica ainda pouco estudada, o parque é também um dos mais importantes patrimônios culturais pré-históricos do Brasil, com a maior concentração de sítios arqueológicos atualmente conhecida nas Américas. Tudo isso fez com que a Organização das Nações Unidas pela Educação, Ciência e Cultura (Unesco) reconhecesse o Parque como Patrimônio Cultural da Humanidade. Segundo dados da Fundação do Museu do Homem Americano, estão cadastrados no parque 912 sítios arqueológicos, entre os quais 657 apresentam pin-turas rupestres. Além do parque em si, duas outras visitas de-vem ser feitas. Uma é ao Museu do Homem Americano, em São Raimundo Nonato, onde está exposto o material escava-do no parque e a outra é à Cerâmica Serra da Capivara onde são produzidas pela comunidade local, num resgate das tra-dições dos povos ceramistas, peças com pinturas rupestres encontradas no parque. O Parque Nacional de Sete Cidades é uma das principais atrações turísticas do Nordeste. Com área de 6.221 hectares está localizado a 190 km de Teresina (PI), nos municípios de Piracuruca e Brasileira. Seu principal atra-tivo é um conjunto de sete grandes afloramentos rochosos em formato de ruínas, com aproximadamente 190 milhões de anos e inscrições rupestres de várias tonalidades, conheci-do como “as sete cidades de pedra”. Várias nascentes formam

riachos e cachoeiras que também são atrativos para os vi-sitantes. Na primeira cidade temos a “Piscina dos Milagres”, onde fica uma das nascentes do parque que nunca deixou de jorrar, mesmo nos anos mais secos. Na segunda cidade está o “Arco do Triunfo”, que recebeu este nome por lembrar o arco francês. Na terceira cidade pode ser vista a “Cabeça de Dom Pedro I”, rocha que lembra o rosto do imperador do Brasil. Assim, seguindo de cidade à cidade, o visitante tem a oportunidade de mergulhar num imenso patrimô-nio natural e histórico de nosso país. Já o Parque Nacional da Chapada Diamantina, com seus 152.000 hectares, é um dos mais fascinantes parques naturais no Brasil, marcado pelo encontro de vegetações típicas da Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica, onde bromélias, orquídeas, sempre-vivas e cactos vivem em harmonia, adaptados aos mais variados ambientes. Muitas plantas são endêmicas da região, ou seja, só ocorrem ali. Localiza-se numa região de serras e cavernas nos municípios de Lençóis, Mucugê, Palmeiras, Andaraí e Ibicoara, no Estado da Bahia, onde no passado predominou a atividade do garimpo, dando origem à cidade histórica de Lençóis, que ainda hoje guarda as características da época. O parque e seu entorno são o berço de 50% dos rios que banham o território baiano. O rio Paraguassu é fundamen-tal para a vida no semiárido da região. As águas da chapada também têm características bem particulares. Muito limpas, podem ser ultratransparentes ou então escuras como um chá. De uma das muitas serras e morros do parque, cai em queda livre a Cachoeira da Fumaça. Com mais de 340 m de altura, durante muito tempo ficou conhecida como a mais alta do Brasil.  Em época de estiagem, de maio a setembro, ela fica com pouca água e o vento leva de volta as gotinhas formando a famosa “Fumaça”. No Vale do Capão pode ser avistado o Morrão, que, com seus 1.418 m de altitude, é uma das vistas mais marcantes do parque. O parque é um paraíso para os praticantes do trekking, sendo um dos roteiros mais procurados o Vale do Pati.

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“UM DOS OBJEtIVOS DO PROJEtO (APE) É APRIMORAR E AMPLIAR AÇõES RELACIONADAS AO MEIO AMBIENtE E à SUStENtABILIDADE POR MEIO DE AtIVIDADES”

CRIANçA CUIDANDO DO PLANEtA POR ELAS MESMAS

EDUCAçãO MELHORANDO A QUALIDADE DE VIDA NAS ESCOLASPROJEtO AÇõES PREVENtIVAS NAS ESCOLAS (APE)MARCOS GALVEz

O desafio da educação paulista, nos últimos anos, passou da universalização da educação básica, etapa praticamente vencida, para a construção de uma escola de qualidade, em que os alunos, sujeitos do processo educativo, possam encontrar espaço efetivo para o desenvolvimento pessoal e coletivo na perspectiva democrática.

A qualidade pretendida é aquela que põe em relevo, para além de conteúdos acadêmicos, os socioculturais e a possibilidade de vivências direcionadas à qualidade de vida, ao exercício da convivência solidária, à leitura e interpretação do mundo em constante transformação.

Diante deste compromisso, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo propõe ações que contribuem para a inclusão social de crianças e jovens, minimizando sua vulnerabilidade e possibilitando sua plena formação como cidadãos. Em 2003 foi criado o Programa Escola da Família (PEF) e, em 2004, o Projeto Ações Preventivas na Escola (APE).

O Programa (PEF) proporciona a abertura de escolas da Rede Estadual de Ensino aos finais de semana com o objetivo de criar uma cultura de paz, despertar potencialidades e ampliar os horizontes culturais de seus participantes. Cada escola organiza as atividades dentro de quatro eixos: Esporte, Cultura, Saúde e Trabalho.

O Projeto (APE), desenvolvido pela Fundação Faculdade de Medicina da USP, promove ações integradas ao Programa, e tem como proposta o desenvolvimento de atividades que busquem o despertar do autocuidado para a prevenção de agravos e a aquisição de hábitos saudáveis para a melhoria da qualidade de vida da comunidade que participa do Programa, fortalecen-do o eixo Saúde.

Um dos objetivos do Projeto (APE) é aprimorar e ampliar ações relacionadas ao Meio Ambiente e à Sustentabilidade por meio de atividades como: coleta seletiva de lixo, horta comunitária, oficinas de reciclagem, revitalização do canteiro da escola, ofi-cinas de confecção de produtos de limpeza caseiros e ecológicos, desfile de moda com materiais recicláveis e palestras sobre educação ambiental utilizando o conceito dos 5 Rs: Repensar os hábitos de consumo e descarte, Recusar produtos que pre-judicam o meio ambiente e a saúde, Reduzir o consumo desnecessário, Reutilizar e recuperar ao máximo antes de descartar e Reciclar materiais.

Atualmente, o Programa e o Projeto são desenvolvidos em mais de 2.300 escolas da Rede Estadual de Ensino em todo o Esta-do de São Paulo. Venha participar desta iniciativa e faça parte da nossa grande família.

Marcos Galvez é coordenador do Projeto Ações Preventivas na Escola.

Francesco Tonucci, filósofo e educador italiano, levantou uma questão polêmica na obra A solidão da criança: “DIANtE DO FRACASSO DA CIDADE PENSADA PELOS ADULtOS (QUE APRISIONA, QUE É REGIDA PELO MEDO, QUE NÃO PRIVILEGIA O CONVíVIO EM COMUNIDADE), EM SE tRA-tANDO DE POLítICA URBANA, DEVíAMOS CONSULtAR AS CRIANÇAS! É NECESSÁRIO QUE AS CIDADES SE tORNEM CIDADES DAS CRIANÇAS.”

A Verde Versátil oferece aqui um estímulo, uma provocação. Convide seu filho, ou criança com a qual tenha proximi-dade, a fazer um desenho que seja a representação viva de como deveria ser esta cidade e como deveríamos cuidar do nosso meio ambiente.

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APRENDER BRINCANDO, BRINCAR APRENDENDO!

A EDUCAÇÃO DO SEU FILHO COMEÇA AQUI!

Desde 1977 a Ponto de Partida oferece um ensino espe-cializado e direcionado a crianças de 1 a 6 anos.

Nossa proposta concebe a criança como um ser histórico, psicológico e social, propondo uma educação que inclui a criança, a família e os educadores num processo contínuo de construção do conhecimento, já que conhecer é viver, é agir, avaliar e refletir.

A criança aprende sempre, desde que desafiada na sua curiosidade e no desejo de saber, perguntar, pesquisar, brincar.

BRINCAR É COISA SÉRIA acreditamos que a criança aprende privilegiadamente quando brinca.

VENHA CONHECER A PONtO DE PARtIDA seu dia a dia, seus espaços amplos, bem cuidados e pla-nejados para muitas descobertas com alegria!

Temos meio período e integral.Tels (11) 3031 2418 / 3031 7286Rua Alvarenga, 1.540Butantã SP

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EXPEDIÇÃO CULtURAL E GAStRONÔMICA PARA A ItÁLIA leva os visitantes a paisagens cinematográficas.São grupos pequenos, não perca tempo!A viagem para a Puglia integra as ações culturais do Projeto Santu Paulu.

SANtU PAULUMemória viva e acessível

Difusão cultural

para maiores informações:www.santupaulu.com.br

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