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Imprensa portuense ameaçada pela crise Diretores: Ana Luísa Azevedo Inês Barbosa Jorge Eusébio Ricardo Couto Simão Freitas - Ateliês de Jornalismo - 2013 A atual crise económica junta- se à crise do jornalismo e a imprensa local tem di�iculdades em subsitir. Fecham cada vez destaque mais jornais e os que sobre- vivem, sucumbem às pressões económicas e políticas dos órgãos de poder mais próximos. O novo paradigma arrasta-se às redações com os jornalistas a queixarem-se de constantes pressões e interferências no seu trabalho. Apelam aos mecanis- mos de regulação e de controlo da pro�issão para que o setor seja salvaguardado. João Semedo: “Não tenho saudades de nada na vida. Tenho memórias” especial entrevista Nas páginas centrais, João Semedo fala a’ O Prisma sobre a sua vida. A infância em Lisboa, a escolha pela medicina, as motivações políticas desde o abandono do PCP até à liderança do Bloco de Esquerda. Pág. 18 a 21 Joel Faria: das bilheteiras para a ribalta cultura Pág. 29 política Pág. 8 a 11 Descoberto nas bilheteiras do Estádio do Dragão, o ilustrador Joel Faria foi convidado para ilustrar o livro distribuído aos adversários da Champions. O seu traço começa a ser reconhe- cido e nos seus diários ilustra- dos aparecem retratados vários momentos do panorama cultural portuense. “A culpa desta crise que vivemos é da corrupção” Paulo Morais é um dos rostos mais proeminentes na luta contra a corrupção em Portugal e, para ele, não restam dúvidas que foi a corrupção a provocar a de�icitária situação �inanceira. Paulo Morais pede ainda uma miaor e�iciência ao poder judicial. nacional Amadorismo: a nova realidade da dedicação O amadorismo exige uma entrega e dedicação, muitas vezes pouco recompensadas. Será que ainda há quem procure estas atividades como hobbies? Ou será que os tempos mudaram e são cada vez menos os que estão dispostos a empregar o seu tempo livre neste tipo de atividades? Pág. 16 e 17 grande porto Vandoma: uma feira de realidades A feira da Vandoma tem cres- cido de sábado para sábado. O perímetro permitido já foi ultra- passado. São cada vez mais os desempregados que procuram uma forma extra de rendimento e os jovens que querem pagar os seus estudos. Um Porto escon- dido nas madrugadas de sábado. Pág. 22

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Imprensa portuense ameaçada pela crise

Diretores: Ana Luísa Azevedo Inês Barbosa Jorge Eusébio Ricardo Couto Simão Freitas - Ateliês de Jornalismo - 2013

A atual crise económica junta-se à crise do jornalismo e a imprensa local tem di�iculdades em subsitir. Fecham cada vez

destaque

mais jornais e os que sobre-vivem, sucumbem às pressões económicas e políticas dos órgãos de poder mais próximos.

O novo paradigma arrasta-se às redações com os jornalistas a queixarem-se de constantes pressões e interferências no seu

trabalho. Apelam aos mecanis-mos de regulação e de controlo da pro�issão para que o setor seja salvaguardado.

João Semedo:“Não tenho saudades de nada na vida. Tenho memórias”

especial entrevista

Nas páginas centrais, João Semedo fala a’ O Prisma sobre a sua vida. A infância em Lisboa, a escolha pela medicina, as

motivações políticas desde o abandono do PCP até à liderança do Bloco de Esquerda.

Pág. 18 a 21

Joel Faria:das bilheteiraspara a ribalta

cultura

Pág. 29

política

Pág. 8 a 11

Descoberto nas bilheteiras do Estádio do Dragão, o ilustrador Joel Faria foi convidado para ilustrar o livro distribuído aos adversários da Champions. O seu traço começa a ser reconhe-cido e nos seus diários ilustra-dos aparecem retratados vários momentos do panorama cultural portuense.

“A culpa destacrise que vivemosé da corrupção”Paulo Morais é um dos rostos

mais proeminentes na luta contra a corrupção em Portugal e, para ele, não restam dúvidas que foi a corrupção a provocar a de�icitária situação �inanceira. Paulo Morais pede ainda uma miaor e�iciência ao poder judicial.

nacionalAmadorismo: a nova realidadeda dedicaçãoO amadorismo exige uma

entrega e dedicação, muitas vezes pouco recompensadas. Será que ainda há quem procure estas atividades como hobbies? Ou será que os tempos mudaram e são cada vez menos os que estão dispostos a empregar o seu tempo livre neste tipo de atividades? Pág. 16 e 17

grande portoVandoma: uma feira de realidadesA feira da Vandoma tem cres-

cido de sábado para sábado. O perímetro permitido já foi ultra-passado. São cada vez mais os desempregados que procuram uma forma extra de rendimento e os jovens que querem pagar os seus estudos. Um Porto escon-dido nas madrugadas de sábado. Pág. 22

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destaque

O modelo de negócios não é sustentável e com a crescente diminuição da receita publicitária e dos apoios estatais, o setor está em risco. De acordo com um estudo de 2010 da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) intitulado "A Imprensa Local e Regional em Portugal", o Porto é o distrito com o maior número de publicações de imprensa local e regional, perfazendo 11,7% do total nacional de publicações. 6 das 21 publicações analisadas nesse estudo acabaram por fechar portas.

De acordo com o mesmo estudo, a publicidade comercial representava 51,3% do valor total das fontes de receita dos jornais locais e regionais. Filipe Bastos, diretor do jornal "O Gaiense" (Vila Nova de Gaia), con�irma esta tendência sobre a origem do dinheiro: "É publici-dade e uma parte da venda do jornal, mas o grande volume é publicidade."

Já para Miguel Almeida, diretor do gratuito "Vivacidade" (Gon-domar), não há outra forma de manter o jornal. O "Vivacidade" depende "única e exclusiva-mente da publicidade". "Não há qualquer outra fonte de rendi-mento", admite. A maior di�icul-dade é mesmo receber: "Eu vou faturando mas tenho muita di�iculdade em receber".

Paulo Faustino, professor universitário, investigador e consultor da empresa Media XXI, a�irma que nalguns casos a publicidade "pode representar um valor superior a 70%" do total de receitas, sendo que no caso da imprensa regional o tipo de publicidade "tende a ser mais de âmbito regional". Na opinião de Faustino, "a imprensa region-al está subavaliada em termos de publicidade, ao contrário do que acontece com a imprensa nacional", já que "há algum comodismo por parte dos planeadores de publicidade",

que evitam olhar para a reali-dade local. "Alguém que queira fazer uma campanha verdadei-ramente nacional tem teorica-mente de usar os jornais region-ais", argumenta.

De acordo com o investigador, a crise de todos os setores da sociedade também contribui para o arrastar dos problemas nos jornais locais. "Está tudo a pensar como é que se há de pagar os salários", e o investi-mento publicitário �ica para segundo plano, o que prejudica ainda mais a realidade local. No caso especí�ico do Porto, para além da crise, "perdeu muito poder. Político e económico. E aliado a isso está a perda de poder mediático", argumenta. Isto fez com que muitos títulos fechassem e com que os que sobrevivem �iquem mais depen-dentes de quem paga publici-dade nos jornais.

Diminuem apoios do EstadoNo Estatuto da Imprensa

Regional, inserido no Decre-to-Lei n.º 106/88, a imprensa regional é tida como “altamente relevante, não só no âmbito territorial a que naturalmente diz mais respeito, mas também na informação e contributo para a manutenção de laços de autên-tica familiaridade entre as gentes locais e as comunidades de emigrantes dispersas pelas partes mais longínquas do Mundo”. Apesar da utilidade das publicações regionais, os apoios

provenientes da administração central e das autarquias têm diminuído.

Ainda no Estatuto da Imprensa Regional, �icam previstos apoios diretos, “de natureza não reem-bolsável, revestindo as formas de subsídios de difusão, de reconversão tecnológica ou de apoios à cooperação e para a formação pro�issional de jornalistas e outros trabalhadores da imprensa”, e indiretos, que se traduzem “na comparticipação dos custos de expedição, na boni�icação de tarifas dos serviços de telecomu-nicações ou na comparticipação nas despesas de transporte de jornalistas”. Contudo, estes apoios têm diminuído e o mais frequente hoje em dia é o Incen-tivo à Leitura, que em 2007 substituiu o Porte Pago e que consiste, segundo informação disponibilizada pelo Gabinete para os Meios de Comunicação Social (GMCS), “na compartici-pação �inanceira parcial, por parte do Estado, do envio, pelo correio, das publicações periódi-cas regionais para o território nacional e estrangeiro”. Essa

Ana Luísa Azevedo, Inês Barbosa, Jorge Eusébio, Ricardo Couto e Simão Freitas

São cada vez mais os jornais a ceder às pressões económicas e políticas

Porto: Imprensa regional em perigopor causa da crise

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comparticipação é a fundo perdido e tem vindo a diminuir ao longo dos anos, cifrando-se atualmente nos 40%. Ano após ano, cada vez menos publicações bene�iciaram do Incentivo à Leitura: segundo dados do GMCS, em 2007 bene�iciaram do incentivo à leitura 343 publi-cações. Em 2008 apenas 274. A tendência manteve-se e os números continuaram a cair, até que em 2012 foram só 209 as publicações apoiadas por este incentivo. Mais de cem empresas deixaram de ter este apoio num espaço de cinco anos, uma ajuda que lhes permitia manter e até aumentar o número de assinantes. Sem este apoio indireto, a tendência para aumentar o preço da assinatura é maior.

Outro dos apoios disponíveis para a imprensa regional é a comparticipação dos salários dos funcionários. Um dos jornalistas do jornal gondoma-rense “Vivacidade”, explica o diretor Miguel Almeida, trabalha no jornal “ao abrigo de uma medida-estímulo que é comparticipada a 80% ao longo de 10,12 meses. Ao �im desse tempo será pago por nós”. Já o jornal “O Gaiense” tentou recor-rer a outras ajudas estatais, mas com pouco sucesso. “O Gaiense tentou aqui ou ali uma ou outra ajuda e só uma vez teve apoio do Estado para a melhoria dos computadores, de resto mais nada”, a�irma.

“A imprensa portuenseperdeu muito poder. Político e económico

Paulo Faustino

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Paulo Faustino prevê uma mudança na política pública no que diz respeito à imprensa regional, principalmente devido à crise económica que o país atravessa. “É necessário desen-har uma nova política pública que também acompanhe este período extraordinário. Eu defendo isso, com uma integração do QREN”, a�irma. No “Estudo de Impacto dos Incenti-vos Directos Concedidos pelo Estado aos Órgãos de Comuni-cação Social”, de dezembro de 2010, estudo coordenado por Paulo Faustino, Arons de Carval-ho e Maximiano Martins, a ajuda pública à imprensa regional é descrita como uma ajuda que permitiu às publicações sobre-viverem, além de ter também contribuiído “para algumas empresas desenvolverem o seu produto jornalístico”. Os apoios estatais são descritos no estudo como um contributo “para a preservação do pluralismo e da riqueza dos media de infor-mação escrita.

No Vivacidade, o jornalista também faz a distribuição

Artur Bacelar a�irma que as câmaras podiam comprar mais publicidade, especialmente dado o espaço dedicado no jornal a notícias da Câmara. “O nosso serviço é 80 a 90% cobrir eventos da câmara, bem ou mal. No entanto, não temos esse retorno, ninguém nos paga isso.” Na opinião do diretor do “Maia-Hoje”, a comparticipação autárquica “garantia a inde-pendência dos jornais region-ais”. O jornal do concelho da Maia sobrevive “à custa do património pessoal”. Também o Vivacidade publica os editais de várias juntas de freguesia, e o mesmo acontece com a câmara

In�luência autárquicaQuanto às autarquias, o apoio é

mais visível através da publici-dade obrigatória, como editais, que é publicada nos jornais regionais. Em Vila Nova de Gaia, “O Gaiense” costuma bene�iciar dessa publicidade. “A autarquia vai publicitando aqueles anúnci-os fundamentais, de publicação obrigatória e vai dando algum ao jornal“, diz o diretor Filipe Bastos.

de Gondomar. Miguel Almeida vê com bons olhos a ajuda das câmaras. “Todo o apoio é bem-vindo desde que seja inocente”, diz o diretor do jornal gondomarense. Por vezes, os apoios por parte das autarquias não são iguais para todas as publicações dentro de uma região ou concelho. No relatório da ERC, de 2010, são relatados “exemplos de alegadas práticas discriminatórias por parte desses investidores, apon-tados como “beneficiando” algu-mas publicações em detrimento de outras, por motivos que os próprios atribuem a critérios

político-partidários”.Filipe Bastos, diretor do jornal

“O Gaiense”, con�irma que esta situação já aconteceu em Vila Nova de Gaia. “Quando havia vários jornais em Gaia houve alturas jornais eram altamente privilegiados em relação ao Gaiense”, disse o diretor da publicação gaiense.

O diretor do jornal “Vivaci-dade” deixa uma ressalva quanto ao favorecimento de jornais em detrimento de outros. “Qualquer tipo de apoio que vem com segundas intenções, eu rejeito”, a�irma Miguel Almeida.

Uma in�luência que chega às redações...Tanto Ricardo Caldas como

Pedro Emanuel Santos, jornalis-tas, já sentiram esse tipo de pressões. Pedro classi�ica as pressões como naturais e diz que “cabe ao jornalista e a quem está acima dele saber lidar com isso de forma a que o trabalho não seja prejudicado e que os leitores tenham acesso à notícia o mais transparente possível”. Já Ricardo, jornalista do Vivaci-dade, diz que as pressões são mais comuns em tempo de eleições mas que é na parte comercial que se sente mais esse tipo de constrangimentos: ”Como o nosso jornal vive da publicidade às vezes um cliente faz um determinado evento e nós sentimos a obrigação de ir mesmo que não tenha um fator notícia. Só porque é cliente e vai manter a publicidade no jornal”.Outras das queixas dos órgãos

de comunicação local e regional é a desigualdade em termos de acesso às fontes. Se as fontes não o�iciais se apresentam disponíveis, as fontes o�iciais oferecem algumas oscilações. Quando a notícia é de maior relevo procuram os órgãos de comunicação nacional. “Se for uma notícia mais séria onde é mais di�ícil arranjar informação é mais complicado para um órgão local chegar a essa infor-mação. Se alguém do Público ou de uma televisão ligar provavel-mente vai ter mais fontes”, diz Ricardo Caldas.

Para Artur Bacelar a disputa pelas fontes é, essencialmente, uma questão �inanceira e denun-cia o pagamento ilícito a fontes o�iciais: “O Correio da Manhã tem fontes dentro do INEM que, ao serem funcionários do estado, deviam funcionar para

para todos, mas o dinheiro por fora faz muita coisa”.

O relatório da imprensa local e regional elaborado pela ERC em 2010 con�irma uma forte dependência dos órgãos de comunicação face aos poderes económico e político locais. Segundo o estudo, 73% dos anúncios provém de empresas de comércio e indústrias locais e 23% das autarquias.

Uma in�luência que se estende até às redações e que, para Estrela Serrano, pode mesmo colocar em causa o trabalho jornalístico: “Se um jornal depende em grande parte da publicidade da autarquia e das fontes ligadas ao poder local; se não possui jornalistas com meios para investigar e exercer o papel de vigilância dos poderes locais; se não for competitivo a nível da sua região, será um

jornal votado à extinção”.O princípio de vigilância dos

poderes é violado e a matéria jornalística é ferida no seu rigor e isenção. As crescentes preocu-pações económicas também criam novos paradigmas que di�icultam a pro�issionalização e modernização do jornalismo local. As redações trabalham, na sua maioria, com menos de três jornalistas o que leva a uma concentração de funções.

Além das notícias, Ricardo planeia a maquete do jornal, ajuda na paginação e, por �im, ainda distribui o jornal pelos vários pontos de venda. “Por um lado tem a sua piada porque tu fazes o teu trabalho e tu gostas de o distribuir e de ver a reação das pessoas, mas por outro não é por isto que tiramos o curso”.

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"Pre�iro mil vezes ter que ir distribuir o jornal do que fazer isso. Mas sei que é um trabalho que, no nosso jornal, tem de ser feito porque senão o jornal morre". A publireportagem é um método de promoção comercial pago por uma empresa que visa a publicação de conteúdos infor-mativos sobre a empresa que contrata o serviço. "É mais um

complemento da publicidade, ou seja, quando um cliente faz um contrato de publicidade melhorzito, pronto, normal-mente faz-se uma publireporta-gem", assume Filipe Bastos, diretor do "Gaiense". Miguel Almeida, diretor do “Vivacid-ade”, adota uma estratégia semelhante: “Eu tenho na minha tabela que se tiver um contrato

de 6 meses eu faço uma publire-portagem, porque a empresa está a pagar". No entanto, os diretores salvaguardam que as publireportagens estão sempre identi�icadas como tal nos respetivos jornais.

A moda das publireportagensA importância da carteiraO Vivacidade é um jornal do

concelho de Gondomar com uma tiragem de 10000 exemplares que conta com dois jornalistas. Ambos com carteira pro�is-sional. Para Miguel Almeida, diretor da publicação, só podia ser assim porque sem a carteira “a credibilidade que existia era completamente diferente”. Esta é uma política também defen-dida pelo Maia Hoje e pel’ O Gaiense. No caso do jornal de Vila Nova de Gaia a redação é toda licenciada na área mas Filipe Bastos, o diretor, apre-senta queixas acerca da forma-ção actual e considera “que o jornalista não traz uma forma-ção adequada para o mercado de trabalho”. Muitos destes recém-licenciados são incorporados nas redações como estagiários.

Artur Bacelar, do Maia Hoje, fala de como a realidade económica obriga muitas das vezes a recorrer a este tipo de política: “Precisamos mesmo de alguém que trabalhe gratu-itamente. Os estagiários trabal-ham gratuitamente e tiram a vantagem de perceber como

funciona o mundo do trabalho”. Estrela Serrano alerta para os perigos deste modelo: “Se houver jornalistas com carteira pro�issional que orientem esses estagiários não vejo mal, porque poderão ser os futuros jornalis-tas mas se for exploração de mão de obra barata, como por vezes acontece, então não é aceitável”.

À estrutura pro�issional os jornais locais acrescentam a sua rede de colaboradores. Estes colaboradores não são, muitas das vezes, licenciados nem têm carteira pro�issional. É, porém, a parte pro�issional que exerce supervisão sobre esse trabalho.

Que futuro?As limitações, problemas e

impedimentos ao desenvolvim-ento igualitário dos meios de comunicação regionais e locais são identi�icados com a clareza de quem sabe o que é segurar um jornal que não tem meios para produzir. O presente é mar-cado pelas di�iculdades diárias de manter uma redacção inde-pendente, que não cede a pressões e produz factos. O futuro é incerto numa época em que “não há dinheiro”, admite o diretor do jornal MaiaHoje. Uma opinião corroborada pelo diretor do jornal de Gondomar,

Vivacidade,“Qualquer empresa para sobre-

viver tem de ter capitais, tem de ser rentável e eu tenho di�icul-dades em aceitar que esta reali-dade é exequível”.

Porque diretrizes passará o futuro do jornalismo local? Estará a imprensa regional com os dias contados? A ERC aponta a “necessidade de revisão da Lei de Imprensa e do Estatuto da Imprensa Regional no que respeita à classificação de publi-cações periódicas e ao seu enquadramento normativo” como uma possível solução para o problema admitindo que “o

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plano jurídico e regulatório, constituí um obstáculo ao esen-volvimento independente da actividade.».

Estrela Serrano, ex-membro do Conselho Regulador da ERC fala em «encontrar formas de �inan-ciamento para além da publici-dade com inteligência e criativi-dade» como conceito chave para a sobrevivência dos órgãos. Já para Paulo Faustino a estratégia chave “é reinventar o seu modelo de negócio: diversi�icar os serviços, as atividades, orga-nizar conferências como se faz nalguma imprensa especial-izada”.

Filipe Bastos, diretor do Gaiense aponta na direcção de uma nova organização das empresas, tendo sempre em conta que “tem que haver de facto o apoio, que não é subsídio. O apoio de quem tem a obriga-ção de apoiar”. E acrescenta que se “o governo faz uma campanha contra a vacinação, porque é que não publica nos jornais region-ais? Não estou a dizer que não o faça também nos nacionais, mas que divida a verba.». Miguel Almeida diz que a solução pode estar no apoio do «antigo porte

de forma a chegarmos à maioria das pessoas da forma mais completa possível” confessa o diretor do Gaiense. Miguel Almeida fala dessa colaboração: “Gondomar é um concelho com 170 mil pessoas e eu tenho alguma di�iculdade em chegar a todo o lado. Se tivesse a possibi-lidade do porte pago poderia chegar a sítios onde não chego». Contudo, existe uma realidade comum, os diretores concordam que as garantias de independên-cia dos jornais são uma lacuna bem real, e Miguel Almeida, a�irma ter consciência das causas diretas da situação: ”Tenho consciência que aquilo que estamos a fazer de momento não é o certo, não é o justo, mas as limitações �inan-ceiras são mesmo muito, muito complicadas. A tendência será piorar. Estas falhas podem deixar o jornalismo vulnerável aos poderes e in�luências”.

As parcerias e sinergias entre jornais locais e nacionais são outra solução, apontada pelos diretores, que poderia ajudar a fazer um “trabalho diversi-�icado, melhorando o produto, de forma a chegarmos à

à maioria das pessoas da forma mais completa possível” confessa o diretor do Gaiense. Miguel Almeida diz que essa colaboração “devia ser um apoio muito mais efetivo do que aquilo que é. Bene�iciavam os dois”. Pedro Emanuel Santos, ex-editor no ‘O Gaiense’, ex-jornalista no ‘Ponto Norte’ apresenta um ponto de vista mais critico e confessa que “os jornais region-ais são vistos um bocadinho como o parente pobre da imprensa”. Fala em “presunção jornalística que só faz mal ao jornalismo em si” e considera que a �iscalização deve existir mas com “bom senso”. O Online

Outra das discussões de futuro serão os meios online. Paulo Faustino considera que «o mer-cado publicitário online ainda não teve o upgrade necessário, os investidores de publicidade ainda não migraram para o digital.». Já Filipe Bastos não considera a Internet como uma impulsão, mas sim como uma «perda na venda. O Gaiense se

destaque

O Gaiense é um jornal com muita história no concelho de Vila Nova de Gaia. Tem sabido sustentar-se no mercado, apesar de todo o mar de di�iculdades que atravessa o jornalismo

divulgar muito a sua página de internet perde na venda no Sábado. O nosso propósito é sobretudo vender jornal em papel». Já o diretor do jornal maiato, Artur Bacelar, defende outro tipo de aposta: “Cada vez mais as pessoas se têm de adap-tar às novas tecnologias. É este o futuro, são essas as portas que têm de se abrir”.

Num tempo de grande inde�inção para o jornalismo, a imprensa regional debate-se com graves problemas que colo-cam em causa a sua existência. Será que conseguirá resistir? Os que com ela colaboram têm-se dedicado a isso mas o futuro é incerto quando a própria rotina jornalística é afetada. A imprensa regional, e em especial no Porto, prepara-se para entrar num período de clari�icação. Quem sabe, se não serão novos tempos áureos para o jornal-ismo. Uma coisa é certa: vêm aí grandes e turbulentos momen-tos de mudança.

O novo paradigma impõe-se e o jornalismo ainda não tem as respostas. Até lá, vão-se deterio-rando as condições jornalísticas de quem trabalha na imprensa local.

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políticaLIVRE: O NOVO PROJETO POLÍTICO PORTUGUÊSRui Tavares encabeça o movimento que está no proces-

so de recolha de assinaturas com vista à legalização como partido. Para já, o LIVRE pretende combater a pos-sibilidade "séria e grave de a partir de 2015 o país ter um governo de bloco central que poria a Constituição em risco".

"O nosso grande objetivo está nas eleições legislativas de 2015", disse Rui Tavares em conversa com O Prisma. Tavares diz que o LIVRE já está a "intro-duzir temas para debate", como a questão da alteração consti-tucional. Caso haja um governo de bloco central em 2015, "deix-amos de ter a muralha que temos tido a proteger o Estado social de direito", alertou.

Para evitar esse cenário, um dos principais aspetos que o LIVRE pretende abordar é a convergência à esquerda. "Unir a esquerda é um ideal. Libertar a esquerda é uma necessidade", a�irmou Tavares. O eurodeputa-do disse ainda que "a atual oposição deveria ter sido muito mais exigente consigo mesma" , e questionou como ser possível "que Portugal tenha uma tal assimetria política que nunca possa haver um governo progressista ancorado à esquer-da". Ainda sobre o panorama partidário português, Rui Tava-res acrescentou que "muitos dos partidos estão ainda a tentar resolver os seus tabus e os seus traumas acerca da convergência, nós nascemos com eles resolvi-dos". E apontou agulhas para o futuro: "o que interessa é saber que a partir de agora haverá interlocutores disponíveis para a governação à esquerda, e creio

que nós ao tomarmos essa posição provavelmente até vamos fazer com que outros sigam essa posição também".

Posicionamento ideológicoIdeologicamente, o LIVRE

estará "no meio da esquerda", mas pretende "falar a toda a gente": "na esquerda, no centro, até na direita onde muita gente que se a�irma social-democrata e não se revê na atual social-de-mocracia, que se a�irma democrata-cristã e não se revê no CDS-PP". Rui Tavares entende que falta uma voz "nesse enorme hiato que nasceu e cresceu na política portuguesa, que está entre uma esquerda mole e uma esquerda inconse-quente", e essa voz não pode "�icar no seu canto a protestar". O LIVRE pretende "desenvolver um tipo de socialismo que não é obrigatoriamente um socialismo estatista", mas sim "um socialis-mo muito assente na própria força da sociedade, no setor corporativo, associativo e mutu-alista".

Um dos pilares do LIVRE é Europa (os outros são Liber-

dade, Esquerda e Ecologia). No entanto, as europeias do próxi-mo ano não estão em primeiro plano, ainda que Tavares não exclua a hipótese de apresentar uma lista: "Se na altura já existir-mos como partido legalizado e pudermos concorrer, seja sozin-hos ou em convergência com movimentos sociais e com parti-dos, nós teremos um discurso europeu". "Hoje em dia está muito na moda ser anti-europeu ,como está na moda ser anti-político, como está na moda ser anti-partidos… e eu creio que o LIVRE até é uma relativa novidade não só em Portugal mas à escala europeia porque é a primeira vez que existe um partido novo, um partido nasci-do da crise, mas que em vez de ser anti-Europa, anti-política, anti-partidos, é pelo contrário um movimento de reformulação de todas estas coisas", reforçou.

Identidade europeiaFace à pergunta sobre onde

integrar o LIVRE num dos parti-dos pan-europeus, Rui Tavares deixou tudo em aberto. Disse que "o LIVRE colaborará tanto em Portugal como na Europa com movimentos e partidos, incluindo partidos pan-euro-peus da área progressista, da esquerda, da ecologia, do social-ismo democrático, do liberalis-mo em sentido político, não no liberalismo económico". Relem-brou que esse processo não é "uma coisa simples", até porque "os partidos pan-europeus de esquerda que existem na Europa neste momento já têm parceiros portugueses".

Nos próximos tempos não se adivinham grandes desenvolvi-mentos no LIVRE. O movimento continua a recolher assinaturas de forma a poder constituir-se como partido político.

“ “Jorge Eusébio

Unir a esquerda é um ideal. Libertar a esquerda é uma necessidade

“LIVRE para nós é uma espécie de abreviatura de Liberdade, Esquerda, Europa e Ecologia, que são os quatro pilares do partido. A papoila é o símbolo da paz na I Guerra Mundial, faz agora cem anos que a Europa se lançou numa mortandade estúp-ida, que nos deve fazer pensar

que quando os políticos falham há gerações que pagam o preço. É mportante trazer de novo essa memória, porque os europeus de há cem anos atrás não eram mais estúpidos do que nós, nós é que temos de ser mais inteligen-tes do que a história de con�lito que trouxe a Europa até aqui.”

Rui Tavares é a cara do partido que quer estar “no meio da esquerda”

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Álvaro Cunhal: encontro entre passado e presente

Entre 30 de novembro e 15 de dezembro esteve, na Alfândega do Porto, uma exposição sobre a vida e obra de Álvaro Cunhal, carismático membro do Partido Comunista Portu-guês. Este ano comemo-ra-se o centenário do seu nascimento. Jaime Toga e João Pires, membros do PCP responsáveis pela exposição, explicaram a O Prisma em que medida o pensamento e a in�luência do ex-líder se mantêm atuais.

"É inevitável contar e ter presente o contributo, o pensa-mento, o legado de Álvaro Cunhal", começa por dizer Jaime Toga. Apesar das alterações sociais do nosso país desde que Cunhal deixou de ser secretário-geral do PCP, em 1992, "o pensamento de Cunhal é válido ainda hoje". Dado o seu papel no partido, era natural que Cunhal fosse uma �igura pública com um impacto signi�icativo.

No entanto, Jaime Toga reforça o caráter coletivo do ex-líder, ao citar o líder atual: "Cunhal era alguém que sempre se inseriu no coletivo. Aliás, o secretário-geral do Partido, Jerónimo de Sousa, referiu a propósito destas comemorações que o PCP não seria o mesmo sem Álvaro Cunhal, nem Álvaro Cunhal seria o mesmo sem o PCP". Para reforçar esta componente coleti-va de Cunhal, Toga deu como exemplo alguns escritos que, ainda que assinados por Cunhal, eram submetidos a discussão coletiva.

A comparação entre o PCP de Cunhal e o atual PCP impõe-se. Jaime Toga diz não existirem grandes alterações: "O partido

de hoje faz jus ao legado de Álvaro Cunhal e de muitos outros dirigentes comunistas. Nós estamos a falar de gente que com 16 e 17 anos assumiu o risco de entrar na clandestini-dade, e temos de respeitar esse legado. Não deixamos de olhar para o presente e para os prob-lemas do país, mas não deixam-os de incorporar o legado do passado na análise que fazemos hoje".

Já João Pires preferiu alicerçar a sua posição no contexto histórico. "Nós assistimos, na década de 90, à derrocada do bloco socialista a leste. Nessa altura houve muito campo para colocar um ponto �inal na história das ideias socialistas, e

para que muitos partidos comu-nistas cedessem. E muitos cederam. Mas a persistência do PCP é algo que dá razão ao Álvaro Cunhal e a este partido". O estudo teórico feito por Cunhal relativamente à queda do bloco de leste, às contradições do capitalismo e ao futuro do país foram também realçados por Pires e Toga de forma a justi�icar a intemporali-dade do pensamento de Álvaro Cunhal. No entender dos militantes, as previsões efetua-das pelos comunistas vieram a concretizar-se na atualidade. E de acordo com Toga e Pires, há que inverter essa atualidade. Com con�iança.

"Se há algo que caracteriza a vida de Cunhal é a con�iança", diz Jaime Toga. "Con�iança mesmo nos momentos mais di�íceis da sua vida e na vida do país". E para ser �iel à história de vida de Álvaro Cunhal, é necessário transportar essa con�iança para os dias de hoje: "Tal como no tempo de Cunhal havia con�iança que o povo derrubaria do fascismo, hoje em dia tem de haver con�iança que este povo derrubará as atuais políticas", concluiu.

Jorge Eusébio

Uma das secções da exposição é sobre a primeira prisão de Álvaro Cunhal

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política

Um estudo da Transparência Internacional coloca Portugal como terceiro país mais corrupto da Europa e aquele que, na última década, mais perdeu transparência. Paulo Morais, vice-presidente da representante portuguesa, é um dos rostos mais conhecidos da luta anticorrupção e considera perigoso, para a democracia, que os meandros do poder estejam à mercê de interesses particulares. Aponta a corrupção como a causa principal da crise e apela a uma consciencialização coletiva para que o regime possa combater e�icazmente o problema.

O Estudo da Transparência Internacional coloca Portugal como o terceiro país mais corrupto da Europa, apenas atrás da Itália e da Grécia. Numa entrevista disse que a Itália é controlada pela Má�ia e que a Grécia é um país com-pletamente desorganizado. Portugal, o que é?

A corrupção em Portugal tomou conta da administração e da política. Está muito bem orga-nizada pois instalou-se com mecanismos muito ma�iosos, semelhantes aos que se sentiam em Itália nos piores anos do predomínio da Má�ia sobre a política. Em algumas áreas de atividade temos organizações verdadeiramente ma�iosas que tomam conta do espaço público e dos recursos públicos em bene�ício de alguns grupos económicos.

Até que ponto a corrupção pode ser também um proble-ma cultural, visto que estes países têm alguns traços culturais semelhantes?

Há uma correlação forte entre a pequena corrupção, que poderá ser mais cultural, e a grande corrupção. Na pequena necessitamos de tempo para intervir na modi�icação de mecanismos mas na grande, havendo vontade política,

pode-se intervir muito rapida-mente. Os portugueses não são só 10 milhões. Somos 15 milhões. E são esses mesmos portugueses que noutros contextos, com outros estímulos, têm comportamentos perfeita-mente adequados. O que acon-tece em Portugal é que, como há grande corrupção a nível da política e da administração, nas pequenas repartições os funcionários públicos acabam por ter alguns pecadilhos. Eu já �icava contente se em Portugal houvesse episodicamente alguns casos de pequena corrupção em que a justiça tivesse que intervir. A sociedade superava bem essa situação. Aquilo que não conseguimos aguentar é uma situação em que a corrupção domina absoluta-mente a política e a adminis-tração e, por essa via, suga todos os recursos aos cidadãos.

Falamos da reprodução social da corrupção. Na gener-alidade, as pessoas acabam por ter uma atitude coniven-te?

Aparentemente, a população não penaliza com veemência os políticos corruptos porque já percebeu que a corrupção tomou de tal forma conta da política que, perante políticos corruptos que fazem alguma coisa ou políticos corruptos que não fazem nada, optam pelo mal

menor. É uma depreciação da vida democrática de tal ordem que os cidadãos sentem que já não têm opção senão escolher corruptos. Os políticos não são todos corruptos, mas aqueles que mandam mais são e domi-nam a vida política em Portugal. Contudo, sinto, nos últimos tempos, uma revolta face aos fenómenos de corrupção, mas essa revolta não tem uma expressão coletiva. Quando houver essa censura social estará chegado o momento do regime combater a corrupção não por vontade própria mas por imposição externa.

Quais são os perigos para o sistema democrático e para o sistema social deste problema da corrupção?

É a extrema-unção do sistema democrático. O nosso regime tem 39 anos, nasce a 25 de abril de 1974, tem uma primeira fase de recuperação da liberdade e depois um período conturbado próprio dos processos revolu-cionários. Mas nos anos 80, nomeadamente com a nossa entrada na Comunidade Económica Europeia, esper-ar-se-ia que a liberdade fosse uma conquista de�initiva assim como a democracia. Houve um equívoco na sociedade portu-guesa. As pessoas acharam que se podia conquistar a democra-cia. A democracia não se

se conquista. A liberdade conquista-se, a democracia ou se constrói ou se destrói. O que falta hoje em Portugal é justa-mente mais democracia. Temos liberdade su�iciente para, enquanto vontade coletiva, aumentarmos os níveis de democracia da sociedade. Mas se essa vontade coletiva não for exprimida, �ica a sociedade refém de pequenos grupos, nomeadamente económicos, que, pela sua in�luência, conseg-uem diminuir a democracia. O acréscimo da corrupção é um sintoma de redução da democra-cia. Quando aumenta a corrupção e não há uma inter-venção da justiça, quer dizer que já não temos um Estado de Direito. E um Estado que não é de Direito não é democrático.

Costuma dizer que 10 a 15% dos políticos portugueses são corruptos, os restantes são coniventes. Porquê? Há medo?

Há medo. Os corruptos são uma minoria, mas uma minoria que manda na maioria do orça-mento e que domina a atribuição de licenças que geram muitas mais-valias aos privados. Os presidentes de Câmara das grandes Câmaras, os vereadores de urbanismo, os membros do Governo, os deputados princi-pais no Parlamento… Os restan-tes andam a tentar manter o lugar porque muitas vezes o

Ricardo Couto

Paulo Morais mostra-se preocupado com a ine�icácia da justiça portuguesa

“O acréscimo de corrupção é um sintoma de redução da democracia”

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lugar dá-lhes um certo prestígio social, dá direito a ter uns bilhetes gratuitos para a ópera, conseguem mais depressa emprego para os sobrinhos, fazem obras em casa da tia com mais facilidade, e por essas migalhas acabam por se vender. Para não perder um lugar na política em Portugal só é preciso fazer duas coisas: a primeira é fazer pouco para não agitar as águas; e a segunda é não pôr em causa os negócios daqueles que mandam na política. Todos esses que �icam à porta a assobiar para o lado são tão responsáveis como os corruptos.

Por que é que eles não são devidamente escrutinados, quer pelo povo português quer pela justiça? Vemos muitas vezes alguns dos maiores nomes do Estado envolvidos e falados em casos de corrupção. Não deviam ser eles os primeiros a querer que a sua situação fosse resolvida?

Podia dar vários exemplos, mas eu não consigo com-preender como é que pessoas como Durão Barroso, Paulo Portas ou António Guterres não querem ver esclarecido o caso dos submarinos. O caso dos submarinos é um caso de corrupção comprovada pelos tribunais alemães e, apesar da comprovação, os atores políticos envolvidos não querem ver isto esclarecido. Quando na minha vida pro�issional há um qualquer problema que gera alguma ambiguidade sou o primeiro a querer que o assunto se esclareça porque se não se esclarecer durante muito tempo, os responsáveis são os que estão no topo da pirâmide. Guterres, Rui Pena, Durão Barroso ou Paulo Portas, os atores envolvi-dos na governação na área da Defesa na altura da compra dos submarinos, um destes quatro ou é cúmplice ou é corrupto. Sobre isso eu não tenho qualquer dúvida. E �ico perplexo como é que estas pessoas não querem ver o assunto imediata-mente esclarecido.

O poder judicial protege o poder político e o poder económico?

Eu acho que o poder judicial tem tido pouca intervenção na área da corrupção e crimes conexos. O problema da Justiça em Portugal é a sua atuação ine�icaz. Nas áreas que envolvem grandes negócios, a legislação é deliberadamente confusa para que depois seja também di�ícil encontrar os culpados. É necessária uma simpli�icação legislativa. Por outro lado têm que se constituir tribunais espe-cializados com intervenção nesta área que, de seis em seis meses ou de ano a ano, tenham que dizer que inquéritos condu-ziram, que acusações produzi-ram, que julgamentos houve, quem foi condenado e quem foi preso. Para além disto, a Justiça tem que ter uma intervenção no sentido de recuperar para a sociedade os bens que nos são roubados pela via da corrupção.

Em Portugal, não chegam a duas dezenas os condenados por corrupção. No relatório da Transparência Internacional um dos aspetos referidos é a falta de consequências políti-cas e judiciais nos processos de corrupção. Foram criadas, ao longo do tempo, comissões e organizações contra a corrupção. Por que é que a maior parte delas falha?

O Estado português tem assinado todas as convenções anticorrupção mas sempre que há avaliações veri�ica-se que o país não está a cumprir aquilo que a que se havia comprometi-do. O combate à corrupção em Portugal, no atual regime, tem passado por várias fases. Logo nos primórdios da democracia havia a Alta Autoridade Contra a Corrupção. As experiências mais recentes passaram pela criação de uma comissão parlamentar para o combate à corrupção, que tinha uma série de deputados que pouco �izeram, a não ser algumas questões formais e terem induzido o parlamento a produzir legislação no sentido de acesso ao sigilo bancário em

determinadas condições. Não seria de esperar muito mais quando o presidente dessa comissão, Vera Jardim, era ele próprio presidente de um banco e de uma leasing imobiliária. Neste momento temos um Conselho de Prevenção da Corrupção, presidido pelo Presi-dente do Tribunal de Contas. Os efeitos práticos da sua inter-venção são nulos, para não dizer contraproducentes. Incumbiu toda a administração pública de produzir relatórios de prevenção da corrupção e riscos conexos. Esses relatórios foram produzidos, e daí para a frente não aconteceu nada mais. Grande parte desses relatórios foi elaborada por aqueles que estão envolvidos nos mecanis-mos da corrupção. O pior é que passa à opinião pública a ideia de que há um organismo a com-bater a corrupção e a prevê-la, quando isso não acontece.

O Estado devia ser mais transparente na passagem de informação?

O Estado português é comple-tamente opaco. Os cidadãos portugueses não têm noção onde é que o Estado gasta o seu dinheiro e quem são os seus principais fornecedores. Era fundamental que houvesse um ambiente geral de transparência à semelhança do de outros países. Era fundamental, na discussão do Orçamento do Estado, que os portugueses soubessem de onde vem cada euro e para onde vai cada euro

dos seus impostos. Nos docu-mentos do Orçamento do Estado há muitas rubricas do tipo "Outros", ou seja, não se sabe em que é que vai ser gasto. Nós temos situações de parcerias público-privadas e outros negócios a�ins cujos gastos deviam ter sido contemplados nos Orçamentos e nem sequer foram referidos. Se há carac-terística que falta à adminis-tração em Portugal e à política em Portugal é transparência.

Se o sistema judicial está também corrompido, em quem pode con�iar um cidadão que queira denunciar a corrupção?

Se for um caso de menor dimensão pode tentar a justiça junto do Ministério Público porque, apesar da democracia estar moribunda, é junto da Justiça que se deve procurar justiça. Não só por uma questão de organização social, mas também para permitir àqueles que acusamos que se possam defender em local próprio. Sou denunciante de muitos casos e apresento esses casos no Ministério Público. Se for um caso de alguma dimensão pode-se dirigir a uma associação como a Transparência e Integri-dade porque tem a salvaguarda quer de con�idencialidade quer de que não sofre represálias. Em Portugal os denunciantes são muitas vezes alvo de represálias e o Estado português, em vez de os defender, exerce também essas represálias.

Paulo Morais vê a corrupção como a grande ameaça à vida democrática

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políticaAo longo deste seu caminho

anticorrupção e de denúncia já sofreu algum tipo de pressão ou constrangimento por parte de alguém?

Tenho muitas pressões e de muitos tipos. Pressões públicas, gente a insultar-me, en�im, tudo acontece. As pressões vão sempre em dois sentidos: uma, que chega a ser parola e inconse-quente, que é tentar convi-dar-me para um lugar. Para mim é claro que tanto eu como os meus colegas que andamos nesta luta só aceitaríamos ocupar qualquer lugar na administração em Portugal se houvesse possibilidade de com-bater e�icazmente a corrupção. Depois, há muitas vezes o exer-cício de tentar matar o mensage-iro. Na Transparência temos sempre o máximo cuidado. Os casos que denunciamos são casos perfeitamente comprova-dos, dados objetivos, e depois emitimos a nossa opinião no uso de um direito que nos é consti-tucionalmente consagrado. Há pessoas que se sentem mal com isso e que tentam perseguir quer a organização, quer as pessoas, e, de alguma maneira, até cansar-nos com processos em tribunal e outro tipo de ações. Não é pelo cansaço que nos vencem. Eu aqui estou como o general Humberto Delgado quando foi candidato à presidência: "Eu só tenho medo que pensem que eu tenho medo". É importante que as pessoas percebam que se a sociedade não tiver medo desse pequeno grupo de vigaristas, damos um salto rápido para o desenvolvimento.

Há pessoas incorruptíveis?Há pessoas que já passaram

por lugares de tal importância e com capacidade de gerar rique-za de tal ordem que, se não �icar-am ricas nessa altura, é porque são incorruptíveis. Não há nada como aquela prova �inal quando uma pessoa tem possibilidade de em determinado momento �icar milionário e abdica disso em favor de um conjunto de princípios.

Fala muito da ação dos grupos económicos. Até que ponto a crise que atravessa-mos é causada pela corrupção?

A origem da crise está na corrupção. Foi a corrupção na administração central que levou à dívida pública gigantesca. A nossa dívida pública é de, aprox-imadamente, 130% do Produto Interno Bruto, uma dívida públi-ca insuportável, e nasce por duas razões: primeiro a existên-cia da própria dívida. Quem se endivida, só pelo facto de ter dívida, gera mais dívida. Segun-do: a dívida original originada pelos inúmeros casos de corrupção. Tivemos corrupção na Expo 98', nos submarinos, no Euro 2004, nas parcerias públi-co-privadas, no BPN, no BPP, no Banif, entre outros, e tivemos corrupção na gestão da própria dívida. Cada um destes casos custou ao Estado português milhares de milhões de euros que todos somados, agravados com juros e com o tempo, nos trouxeram a esta situação. Sem estes casos de corrupção, não havia dívida pública nem havia necessidade de fazer todas estas medidas de austeridade e aumento de impostos.

E quanto à dívida privada? O mesmo acontece com a

dívida privada. A dívida privada nasceu porque as pessoas anda-ram a comprar telemóveis, carros ou a fazer férias? Isso representa apenas 15%. Os outros 85% derivaram da espec-ulação imobiliária feita ao nível dos departamentos de urbanis-mo das Câmaras Municipais. Promotores imobiliários ligados à política andaram a adquirir terrenos em reserva agrícola e em reserva ecológica e a trans-formá-los, através de alvarás de loteamento, em terrenos urban-izáveis com grande capacidade construtiva. Conseguem mar-gens de lucro que, em Portugal, apenas têm comparação com o trá�ico de droga com a agravante de que no urbanismo não só têm um documento da Câmara que lhe atesta o ganho económico, como tem um documento que o amnistia de um crime que acabou de cometer. Os tra�i-cantes de solos, que são os promotores imobiliários, conse-guiram, durante 20 anos, fazer isto devido a um vazio legislativo pois o regime jurídico dos instrumentos de gestão territo-rial deveria ter sido regulamen-tado. Houve muito terreno que foi valorizado arti�icialmente

apenas porque ali ia passar um qualquer investimento público e o custo de expropriação ia ser mais caro. O absurdo que isto é: haver entidades públicas que valorizam terrenos a privados para que depois estes os vendam novamente a entidades públicas, mas muito mais caro.

Ou seja, os portugueses estão a pagar por uma situação pela qual não têm culpa.Não têm culpa nenhuma! A austeridade tem que existir mas não esta. O Orçamento do Estado tem um dé�ice signi�icativo e obviamente tem que se tomar medidas no sentido de baixar a despesa e aumentar a receita. Acontece que em vez de se baixar a despesa, baixam-se os salários dos funcionários públi-cos, as pensões e reformas, reduzindo bene�ícios sociais, poupando no serviço nacional de saúde e poupando no serviço de educação. Nada disso devia acontecer! Devia-se poupar dinheiro nos juros da dívida pública, que são hoje a primeira despesa pública e nas parcerias público-privadas, onde se gastam milhares de milhões de euros todos os anos, para além dos desvios que nos últimos anos têm sido maiores que o custo. Devia-se poupar em muita formação pro�issional que não chega sequer a executar-se não obstante haver orçamento para esse efeito. O Estado devia poupar nas rendas que paga, algumas das quais milionárias e de favor. Devia-se aumentar a receita, não aumentar o IRS a quem ganha 1000 euros nem aumentar o IVA na restauração até 23%, o que levou ao fecho de muitos restaurantes.

Que medidas poderiam ajudar a superar algumas das consequências económicas da corrupção?

“A promiscuidade entre grupos económicos e a política é absoluta”

Paulo Morais vê a corrupção como a raíz profunda da crise

CORRUPÇÃO E A CRISE

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Deviam-se aumentar impostos sobre algumas operações �inan-ceiras que em Portugal estão isentas, apesar de não ser muito signi�icativo, mas o que era verdadeiramente relevante era tributar em IMI todo aquele património imobiliário que está titulado em fundos de investi-mento imobiliário fechados que estão isentos de IMI e IMT. Dos 2 milhões de casas vazias que existem em Portugal, mais de 1 milhão está titulado nesses fundos e não em nome dos donos nem da família. Quem provocou a crise foi quem fez toda esta corrupção e deveriam ser esses chamados a pagar. Mas é exatamente o contrário. Neste momento está a pagar a crise toda a gente, exceto aqueles que a provocaram. O setor �inanceiro e o setor imobiliário provocaram a crise e estão a ser poupados.

Pior que isso: quando a gover-nação dá sinais de que as parce-rias público-privadas e os juros da dívida pública são intocáveis, obviamente que os mercados, que têm reações inteligentes aos estímulos que recebem, vão investir no que for intocável. A banca investe em títulos da dívida pública em vez de empre-star dinheiro às pequenas e médias empresas que precisam de se �inanciar. Há dinheiro que vem da troika para a recapital-ização da banca, e a banca em vez de o utilizar para se recapi-talizar e para emprestar dinheiro à atividade económica pega nesse dinheiro e vai com-prar títulos da dívida pública.

E porque é que esses grupos económicos e a banca têm passado impunes?

Passam impunes porque a

promiscuidade entre esses grupos económicos e a política é absoluta. Na atividade política estão muitos atores que são simultaneamente represen-tantes do povo, porque foram eleitos, mas são ao mesmo tempo assalariados das empre-sas que têm este bene�ício. Nas parcerias público-privadas temos a situação que temos porque ao longo dos anos todos aqueles que, nos Governos, criaram parcerias públi-co-privadas ruinosas para o Estado português, acabaram mais tarde por ir trabalhar para as empresas que bene�iciaram dessas parcerias públi-co-privadas, nomeadamente os concessionários. Bastará ver que a primeira PPP portuguesa foi a ponte Vasco da Gama. Foi pensa-da no Governo do Dr. Cavaco Silva pelo Sr. Ministro das Obras

Joaquim Ferreira do Amaral que hoje é presidente da Lusoponte, concessionária da ponte Vasco da Gama. No governo de Guterres o Ministro das Obras Públicas era Jorge Coelho que incentivou e permitiu muitas PPP e hoje é administrador da Mota Engil, a empresa portugue-sa que mais parcerias públi-co-privadas rodoviárias detém. No tempo de Durão Barroso, o ministro Valente de Oliveira, das Obras Públicas, também assinou muitos documentos relativos a parcerias público-privadas e hoje trabalha na mesma Mota Engil. A promiscuidade entre a política e os negócios é de tal dimensão que assistimos a um conjunto de atores da política e da administração a arranjar negócios para os privados.

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política internacional

Um relatório da Comissão para a Protecção dos Jornalistas (CPJ) apontou a administração de Barack Obama como sendo a que mais obstáculos coloca ao escrutínio noticioso por parte dos jornalistas. Vários jornalistas que cobrem a atividade da Casa Branca a�irmam que Obama é o Presidente mais obcecado com o controlo de informação.

"Os funcionários do governo estão cada vez com mais medo de falar com a imprensa", pode ler-se no relatório elaborado por Leonard Downie Jr, antigo editor-executivo do Washington Post que esteve envolvido na investigação do caso Watergate. Desde que Obama é presidente dos Estados Unidos, seis funcionários do governo e dois prestadores de serviços (entre os quais Edward Snowden) foram alvo de processos crimi-nais. Este número de processos é anormal se comparado com os de todas administrações anteri-ores: três.

"Quando me perguntam qual é a administração mais manipula-dora e sigilosa que cobri, eu digo sempre que é a atual", diz Bob Schieffer, da CBS.

Scott Shane, do New York Times, explica as di�iculdades que esta postura do governo de Obama tem colocado: "Há uma zona cinzenta entre as infor-mações secretas e não secretas,

e a maioria das fontes está nessa zona. Agora estão com medo de entrar nessa zona cinzenta". Segundo Shane, isto ameaça a democracia: "Se considerarmos que a cobertura agressiva por parte da imprensa das ativi-dades do governo é um dos pilares da democracia ameri-cana, a balança inclina-se signi�i-cativamente a favor do governo".

Esta pressão por parte do governo sobre as fontes foi um obstáculo real para David Sanger, também do New York Times. Depois de publicada uma reportagem sua sobre uma oper-ação secreta que envolvia um ataque informático a centrais de enriquecimento de urânio irani-anas, os funcionários da Casa Branca foram avisados "para armazenar e reter qualquer e-mail, e, presumivelmente, registos telefónicos de comuni-cação comigo", disse Sanger. As fontes dizem-lhe "não me mande e-mail. Não vamos conversar até que isto acabe", adianta.

Para além das investigações internas, as comunicações e os

os contactos de diversos órgãos de comunicação social têm sido espiados. Na sequência de uma reportagem da Associated Press (AP) sobre uma operação secre-ta da CIA no Iémen em 2012, o Departamento de Justiça norte-americano informou a AP que tinha con�iscado e apreendi-do todas as suas gravações de abril e maio de 2012.

No seguimento deste caso, numa carta enviada ao procura-dor-geral do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, mais de 50 empresas jornalísti-cas pediam o regresso às práti-cas das administrações anteri-ores, que determinam que ordens judiciais em assuntos que envolvem o exercício do jornalismo devam ser utilizadas só em último caso. O próprio Downie Jr, redator do relatório, diz lembrar-se "de alguns casos, durante várias administrações norte-americanas, em que pedi-dos de investigação federal, com aviso prévio no jornal, foram negociados com êxito de manei-ra a proteger a nossa inde-

pendência jornalística de acordo com as diretrizes da justiça".

A administração Obama tem optado pela comunicação direta com os cidadãos. Por exemplo, a Casa Branca produz o seu próprio noticiário, que é publi-cado no respetivo site. O gover-no atual está a usar as redes sociais "para se evadir dos media noticiosos tradicionais completamente", conclui Frank Sesno, ex-chefe da CNN em Washington.

Jorge Eusébio

Relatório aponta Administração Obama como a menos transparente com os jornalistas

Foto: Casa Branca

Obama é presidente dos Estados Unidos da América desde 2009

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China é o terceiro país a pousar aparelho na lua

BREVES

A nave “Chang’e-3” pousou na Lua às 21h de Sábado, 14 de dezembro, tornando a China a terceira nação a conseguir pousar equipamento na Lua, depois dos Estados Unidos e da União Soviética. A aterragem foi transmitida em direto pela televisão chinesa. A nave tinha sido lançada a 2 de Dezembro e contém um robô que vai percor-rer uma parte da Lua para fotografar a paisagem e, com um radar, analisar o solo e as rochas até 100m de profundidade.

Grã-Bretanha considera limitar entrada de imigrantes

O “Sunday Times” noticiou que a Grã-Bretanha está a considerar limitar o número de imigrantes a 75.000 pessoas por ano. O semanário alega que o primeiro-ministro David Camer-on quer não apenas �ixar o número de imigrantes por ano, mas também limitar a entrada desses imigrantes, sendo que os trabalhadores altamente quali�i-cados só entrariam em caso de oferta de emprego, e os menos quali�icados apenas em caso de falta de mão-de-obra nacional.

Venezuela inspeciona avião da Air France por ameaça de bombaUm avião da Air France foi

impedido de descolar na Vene-zuela, por suspeitas de atividade terrorista. O Ministro do Interior da Venezuela, Miguel Rodríguez, declarou que os serviços secre-tos foram informados pelas autoridades francesas de que havia uma ameaça de bomba num dos voos Paris-Caracas ou Caracas-Paris. Uma equipa de 67 peritos procede então à inspeção “milimétrica” do aparelho.

Nelson Mandela enterrado em Qunu

Mandela foi enterrado com honras militares em Qunu, a aldeia da África do Sul onde cresceu. Na cerimónia privada estiveram presentes familiares, amigos próximos e alguns convi-dados de honra. Várias dezenas de pessoas acorreram ao local e foram disparadas 21 salvas de canhão, numa última saudação à grande �igura do país. Mandela morreu a 5 de dezembro, aos 95 anos de idade.

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Venezuela: A transversalidade da crise

A Venezuela está a atravessar graves prob-lemas económicos. O escasso acesso a bens que vêm de fora do país está a levar a que se pratiquem preços astronómicos que in�luenciam todo o sistema económico venezuelano. A in�lação chegou a níveis superiores a 54%, e no �im da cadeia económica está o consumidor, que é quem mais sofre. Aos problemas económicos juntam-se outros problemas.

"Podemos ter o dinheiro para comprar, mas há dias em que não há leite nem coisas básicas para comer", diz Jonny da Costa, engenheiro luso-venezuelano que nasceu e sempre viveu naquele país. "Isto depois traduz-se em mais insegurança, algo que sempre existiu por aqui", acrescenta. Mas não são só os bens essenciais que escas-seiam: "Se precisarmos de uma peça para o carro também não há, vem tudo de fora", acrescen-ta.

Luís Torrealba, nascido em Caracas, é também luso-venezu-elano mas vive em Portugal. E compara a situação venezuelana com a portuguesa: "Lá há o poder de compra mas escas-seiam os bens. Aqui, há bens mas escasseia o poder de compra", diz.

Mas a�inal quem é o responsável pela situação caóti-ca vivida pelos venezuelanos? Jonny não tem dúvidas: "O mal já estava feito. Não foi Maduro que criou isto. A política que vem sido feita ao longo do tempo é muito má. Agora só estamos a sofrer as consequências daquilo que se tem vindo a passar desde há dez anos." E mesmo que a oposição tivesse ganho as últimas eleições, "isto sucederia

na mesma", reforça Jonny. Luís salienta também "o poder empresarial que domina com-pletamente o sistema de bens". E reparte a culpa: "Tanto o presi-dente em exercício tenta colocar uma política muito agressiva ao nível dos bens, como o poder empresarial não quer abdicar do seu único propósito, que é obter lucros".

Na sequência de todos estes problemas, o presidente Nicolás Maduro fez aprovar a gover-nação por decreto durante um ano, o que lhe permite governar sem necessitar de aprovação da Assembleia Nacional. "É um assunto muito delicado. Há uma linha muito ténue entre a gover-nação por decreto motivada por uma situação de emergência, e assim ter de ser só uma pessoa a controlar as decisões, e uma ditadura ou um poder autoritário expressivo", alerta Luís. Jonny, que é "contra" o regime, fala num país dividido: "Normalmente diz-se que é 50/50.

Nas grandes cidades como Caracas ou Maracaibo, a maioria das pessoas é contra o regime. Mas nas localidades do interior do país, do campo, as pessoas não têm tantos estudos e só têm acesso aos canais do Governo. O

governo tem uma máquina propagandística muito grande, e uma pessoa que nunca estudou não consegue pensar por si mesma".

E para além dos problemas económicos, surgem também problemas de acesso à infor-mação. Jonny tem um escape a estes problemas: a RTP Interna-cional. "As notícias que passam para fora do país até são mais do que as que posso ver por cá. Na RTP Internacional passa muita coisa que não vejo nos canais de cá. Os canais são quase todos do Governo, e os que não são não podem passar o que lhes apetece.", alerta. Já Luís, que está em Portugal, tem uma perceção diferente: "O que me contam os meus familiares é que à volta de 80% do que os meios de comu-nicação da Venezuela divulgam é �iel ao que realmente se está a passar lá". Para além disso, Luís Torrealba diz ser preciso ter cautela nas análises que se fazem, pois "é preciso ver os dois lados da moeda", ou seja, tanto a perspetiva do Governo como a da oposição.

Em relação ao futuro, nem Luís nem Jonny estão muito esper-ançados. Ainda assim, Luís sugere algumas soluções: "A curto prazo, criar mecanismos

regulatórios no que toca à compra de bens que vêm de fora. E a médio prazo alargar esses mecanismos regulatórios para evitar o que está a acontecer agora".

Jonny da Costa aponta uma solução de rutura: "Enquanto se mantiver o atual Governo, nada vai mudar. E não vai ser fácil mudar de Governo." De facto, a popularidade do regime está bem alicerçada, ainda que longe dos tempos do chavismo. No dia 8 de dezembro, a coligação apoiada por Maduro ganhou as eleições municipais venezuela-nas com 48,69% dos votos, contra 39,34% da oposição.

"As políticas económicas do Governo são baseadas em coisas fracassadas, em socialismo, algo que nunca resultou. É olhar para Cuba. Cuba está na miséria. Este tipo de política não tem resulta-do em lado nenhum do mundo", a�irma Jonny, que "não quer o mesmo para a Venezuela".

A Venezuela está politicamente dividida, e atravessa uma grave crise económica. Longe dos níveis de in�luência e populari-dade do chavismo, Nicolás Maduro atravessa o seu primeiro grande teste. Resta saber se as suas medidas políti-cas in�luenciarão a economia.

Jorge Eusébio

Nicolás Maduro é, desde abril de 2013, o presidente venezuelano, tendo substituído Hugo Chávez no cargoFoto: La Patilla

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nacional

Muitas pro�issões lidam diariamente com a morte. Alguns desses casos são negócios que representam o sustento das respectivas famílias. Quando a pro�issão os faz trabalhar com o medo dos vivos, vemos como é «Viver da Morte».

Cristina Oliveira e o irmão trabalham no ramo funerário há 30 anos. Antes deles, o pai já o fazia também há 30 anos. Para Cristina, o negócio do pai era como outro qualquer: “Eu vinha do colégio e sentava-me em cima das urnas a fazer os trabalhos de casa. Claro que nessa altura não tinha noção do que era a morte.». Como negócio que é, Cristina explica que, «Hoje em dia, para ter uma agência funerária é preciso ter um alvará e um responsável técnico. Depois há outros requisitos que a ASAE nos impõe”.

A obrigatoriedade de ter um responsável técnico é uma novi-dade para o negócio e, segundo Cristina «foi uma maneira de nos fazer gastar dinheiro, 150 horas e 750€ para não aprendermos nada.», acrescenta ainda que «Existem outras leis que dizem que a nossa actividade tem de ser exclusivamente funerária, ou seja, as pessoas que tinham agência com a �lorista ao lado e as mármores atrás, tiveram de construir uma parede a meio.». O negócio não foge aos apertos governamentais e apesar de não estar a perder clientes, existem outros factores que o colocam em crise. «O negócio está di�ícil porque temos muitos calotes. As pessoas não têm dinheiro para pagar e cada vez pedem funerais mais baratos. O Estado também não facilita. Criaram um funeral social que custa 394€ e pouco. Isto para nós é uma coisa inviável porque esse valor nem nos paga a urna. A nossa “sorte” acaba por ser o facto de este funeral não englobar o velório, e as pessoas não querem isso. A população ainda está muito agarrada à tradição de velar o corpo. Ao velar o corpo deixa de

ser funeral social e o preço passa para os mil e tal euros.».

Como cerimónia que é, o funer-al envolve muitos preparativos. A nível do próprio corpo: “Faze-mos a higienização e tratamen-tos que sejam necessários para a conservação, estética, preparar o funeral e, se for preciso, até ajudamos a meter na cova.». No que diz respeito à preparação da cerimónia, Cristina Oliveira explica que «o principal é a escolha da urna. Depois, se é um funeral católico ou não, para sabermos o que temos de prepa-rar. A seguir, ver se a família quer velar o corpo. Depois as coisas adicionais como as �lores, publi-cidade, pessoal para pegar na urna ou não…».

Tudo acaba para dar lugar a um “momento em que estamos a sós com o corpo num trabalho que tem de ser minucioso e cuidadoso”.

Explicada a parte prática, Cristina explica como lidar com a parte humana: “Não foi fácil no início, nada fácil mesmo. Os choros, a dor… chegava a casa derreada. Isto é um negócio mas nós somos humanos e não podemos olhar para as coisas sem essa vertente humana”. Considera o funeral a parte mais complicada porque «Se estiver sozinha com o corpo, encaro-o como um corpo. A partir do momento em que a família está presente, o corpo passa a ser um ente querido. Deixa de ser algo inanimado e passa a ser algo com sentimento. Aí é que se torna di�ícil».

Confessa que, esquecer a morte é uma tarefa impossível e que acaba por aplicar os funerais que organiza à sua própria realidade: «Há dois ou três anos �iz um funeral de um miúdo de 15 anos, que na altura tinha a idade da minha �ilha

mais velha. Quando estava a ser feito o serviço eu andei a carre-gar �lores e a inventar tarefas, senão não me ia aguentar.».

À semelhança de Cristina, o Padre Amorim, já conta com alguns anos de lide com o tema. É padre há 44 anos e confessa que “é uma coisa muito fácil por causa da visão que tenho da morte, que é a visão cristã. Eu não considero a morte uma desgraça mas sim uma passagem”.

Apesar disto, e à semelhança de Cristina, admite que “Há alguma separação entre a minha vida e a das pessoas, mas acabo eventualmente por pensar que também vou morrer, o que me faz repensar a vida e tomar decisões enquanto ainda estou vivo. Grande parte das decisões que tomo é com base no pensa-mento de morte, não num senti-do trágico”.

No que toca à prática, Padre Amorim pode não organizar os funerais mas, segundo o próprio, existem outros preparativos e cuidados especiais: «Na homília da celebração fúnebre procuro escolher bem as leituras e o meu discurso é muito diferente daquilo que eu faço ao domingo. O tom de voz é mais doce, mais suave.»

Tal como Cristina, admite que o que mais doí «não é a morte mas

Ana Azevedo

Viver da morte

mas o que as pessoas estão a sofrer naquele momento”.

Joaquim Almeida é coveiro de pro�issão. Passa grande parte do tempo dentro do cemitério. Conhece o cemitério melhor que ninguém e é responsável por grande parte das tarefas que lá se fazem. “No cemitério tenho de abrir as covas, baixar os caixões quando é preciso, tapar.... a parte do funeral em si. Mas também trato do espaço, mantê-lo agradável...também tenho de vender os círios e as velas e todas essas coisas que as pessoas põem nas campas”, conta Joaquim que a�irma que “há muitos anos, ao início, custava-me quando escurecia”. Esse medo foi ultrapassado há já muito tempo e Joaquim, à semel-hança de Cristina Oliveira e do Padre Amorim, confessa que «o que dói mais, muitas vezes, é ver o sofrimento de quem cá �ica, muitas mulheres a chorar pelos �ilhos e pelos maridos... isso mexe comigo».

Entre leis e funções especí�icas, as pessoas que lidam com a morte diariamente têm algo em comum. Se os vivos acham que o que mais custa é lidar com a morte, estes pro�issionais a�irmam, sem hesitar, que o mais di�ícil é mesmo lidar com os vivos.

Esta é uma inscrição que podemos ver à entrada da funerária de Cristina Oliveira

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Às armas, às armas, pela vida lutarCom o panorama de crise

e com os graves números de desempregados em Por-tugal, há cada vez mais jovens a tentar a sua sorte no meio militar. O Prisma falou com Alberto Silva e Gustavo Santos Rodrigues, respetivamente membros do Exército e da Força Aérea, para tentar perce-ber as motivações e rotinas dos jovens que abraçam este tipo de carreiras.

Alberto Silva, gondomarense de 20 anos, confessa que o Dia da Defesa Nacional (entretanto extinto) fez com que lhe surgisse o "bichinho", mas "para além disso tive vários amigos e famili-ares a aconselharem-me a optar pela vida militar". Já Gustavo Santos Rodrigues, oriundo da Maia, tem 18 anos e sempre se interessou por aviação. Candida-tou-se logo que soube que "era possível fazê-lo através do site da força aérea".

Quando questionados sobre a

escolha da opção militar em detrimento de um trabalho na vida civil, as motivações são ligeiramente diferentes. Gustavo diz que "ser piloto de avião sempre esteve numa das minhas possíveis carreiras", e que a Força Aérea "combina a opor-tunidade de fazer aquilo que se gosta com a possibilidade de ter uma participação ativa na defesa do país e dos seus interesses". Por outro lado, Alberto admite que o contexto do país também in�luenciou a sua decisão: "Esta opção aparece um pouco como salvação. O trabalho na vida civil escasseia e eu, estando a tirar o curso de Ciências de Comuni-cação no ISMAI por amor à arte, não via grande futuro no mundo

jornalístico". Para além do curso, Alberto trabalhava num super-mercado e ainda dava expli-cações num ATL. "Vendo que mais cedo ou mais tarde acabar-ia por não conseguir suportar os custos do curso, optei pela carreira militar", concluiu.Hoje em dia, a carreira militar "é vista com outros olhos por jovens que não tiveram opor-tunidades desejadas para prosseguir estudos ou um emprego que lhes garantisse sustentabilidade", diz Alberto. Ainda assim, de acordo com Gustavo, quem está de fora não percebe bem o que signi�ica esta opção de vida: "Acho apenas que não sabem do que falam, porque nunca passaram por uma

experiência do género". Alberto concorda: "De facto, existe um pouco de preconceito para com a vida militar".

A adaptação ao rigor do mundo militar não foi fácil para nenhum dos dois jovens. "Foi complicado, confesso", diz Alberto. "De um momento para o outro �icar sem a família e amigos, conhecer novas pessoas e toda uma outra realidade foi, durante a primeira semana, um pequeno choque", acrescenta. "No início é bastante complicado, mas quem gosta não tem grandes problemas", a�irma Gustavo. Em relação à rotina, Gustavo tem de estar sempre disponível para o serviço, "24 horas e 365 dias por ano", sendo que passa a maior parte do tempo na academia. Alberto tem uma rotina semel-hante: "Neste momento, em que sou recruta, passo a semana toda na Unidade. Apresento-me no domingo à noite e sexta ao meio dia já estou dispensado para regressar".

Uma vida diferente, di�ícil, rotineira, mas que "gradual-mente se vai tornando num gosto enorme", conclui Alberto Silva.

Jorge Eusébio

São cada vez mais os jovens a optar pela vida militar Foto: Exército

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nacional

Em tempo de crise económica e de preocupações diárias com o orçamento familiar, os portugueses tentam articular o tempo e o dinheiro numa gestão mais e�ici-ente. Com as preocupações constantes, será que ainda existe tempo livre e disposição para dedicar a um passa-tempo exigente como o amadorismo?

António Sandiares colecciona histórias dos seus 57 anos como amador de pesca desportiva. Foi Fundador da Associação Region-al do Norte, é Presidente da Assembleia dos Amadores de Pesca Reunidos, o mais antigo clube do Norte, e ex- Presidente da Federação de Pesca Desporti-va: “As histórias são muitas. É uma vida”. Quando foi “para a Federação, abdicava três dias por semana à pesca desportiva, gratuitamente. Nunca recebi um tostão dado pela pesca. Só prejuízos de viagens para os campeonatos, estadia, alimen-tação. Aos �ins-de-semana dedi-cava-me exclusivamente ao desporto. Mesmo à noite ia para a pesca nocturna. O amadorismo é um vício, é ter um vício. É uma doença. Prejudicamos a família e outras coisas em prol da modali-dade. Isso é um amador. É ter essa paixão e dedicação”.

Hoje, António já não pesca “porque a idade não perdoa” mas ainda desempenha funções administrativas no clube, Ama-dores de Pesca Reunidos. A fuga das pessoas para os subúrbios fez com que deixassem de ir à sede. Em acrescento a isto, Antó-nio diz que «o clube enfrenta di�iculdades na captação de membros jovens, porque se os adultos não têm dinheiro, os jovens muito menos.». Para além deste cenário o ex-pescador confessa que «Todas as modali-dades desportivas amadoras estão a agora a sofrer grandes cortes. Isto re�lecte-se no número de inscrições. A pesca, em si, já perdeu mais de 50% dos atletas em 3 ou 4 anos. Isto é terrível. Os clubes estão a fechar todos. Só sobrevivem os clubes-�irma». Esta realidade

não passa ao lado do reformado que, com pesar na voz, fala que “Como dirigente, vi atletas que vinham ter comigo e me disse-ram, com as lágrimas nos olhos, que iam desistir porque, �inan-ceiramente, não podiam. Vi também muitos dirigentes de clubes que fecharam portas porque não aguentavam. É realmente uma pena não haver uma maior fomentação do desporto amador porque Portu-gal tem grandes atletas e tem dirigentes que se sabem organi-zar. Nós somos campeões desde os miúdos até aos adultos, tanto feminino como masculino”.

O esforço, a dedicação, e as horas passadas a estudar nunca foram retribuídas, a não ser pelo prazer e satisfação pessoais, até porque “O nosso pescador tem de conhecer muito de biologia, questões atmosféricas, marés… tem que ter conhecimentos para ser um pescador de topo. Não é fácil pescar. Um individuo pode ter a sorte do dia, mas não tem a sorte do mês, nem do ano”.

Ana Lopes tem 29 anos e é arquitecta e professora de música. Nas horas livres, é actriz amadora na associação «Teatro à sexta». “O que me levou a começar foram as pessoas de quem eu era muito amiga, que estavam a fazer teatro e foi o desa�io de poder fazer outra coisa com o meu instrumento que não as audições e concertos que se fazem no Conservatório Clássico. Pensei que me podia integrar enquanto música, num espectáculo que era totalmente diferente. A partir daí, nunca mais consegui parar”, conta Ana que começou já lá vão 16 anos.

A Associação Teatro à Sexta surgiu o�icialmente em 1999, constituída por um grupo de amigos de sempre, na sua maio-

ria jovens, que começaram a fazer teatro amador. Apesar de na altura nenhuma das pessoas envolvidas ter qualquer tipo de formação teatral, só o gosto pelo teatro e a vontade de o fazer em conjunto, �izeram com a asso-ciação avançasse. Ana Lopes diz que ser ator amador é isto mesmo, «é fazer teatro sem estar à espera de viver disso, ou seja, não há remunerações. Não signi�ica isto que não se tente fazer o trabalho mais pro�ission-al possível. Acaba por haver um amor e uma dedicação mais honesta porque só faz quem gosta, quem o faz por amor ao teatro”.

Entre as aulas de música e os projectos, Ana diz que a gestão de tempo nem sempre é fácil mas “Tem sido sempre possível, ainda que às vezes com sacri-�ício. Coordenar horários, fazer substituições de aulas para poder estar no teatro e conjugar as duas coisas. Sinto que, às vezes, há fases duras e di�íceis. Não me esqueço de estar a fazer a minha tese de mestrado e, na altura da entrega, estar a sofrer bastante porque também estava em altura de espectáculos. Conjuga-se, por amor à camiso-la.».

A nível de apoio �inanceiros públicos, são ”inexistentes” porque, cada vez mais “Tem sido algo mais a título privado, diga-mos assim, dependendo do sítio onde vamos montar o espectá-culo, ou nos convidam para

Ana Azevedo

Amadorismo: paixão em vias

mostrar e acabam por dar algum contributo”.

Felisberto Soares e Alfredo Balreira são dois amigos de longa data. Sempre sonharam mais alto, em direcção ao imenso universo. São astróno-mos amadores, “amantes do céu” como diz Alfredo. Por opção própria, não pertencem a nenhuma associação, “Quando precisamos trocamos impressões um com o outro. Neste caso, é um trabalho solitário. Somos astrónomos solitários. É uma paixão”, confes-sa Felisberto que, descobriu a paixão pelo universo quando ainda era muito pequeno. “Quando era pequeno, tive numa casa abrigo no cimo da mon-tanha, na serra da Boa Viagem, e �izemos uma caminhada noctur-na. Nunca mais esqueci essa caminhada. Eu olhei para o céu e aquilo era uma coisa deslum-brante. As estrelas pareciam cair do céu. Parecia em três dimensões. Era uma imagem fabulosa!”, recorda o astrónomo, que depois disso comprou um “ telescópio pequenito que só dava para ver as crateras da lua e pouco mais”. Hoje a situação é muito diferente.

Felisberto tem o seu próprio observatório no telhado de sua casa e um telescópio que, ligado a uma máquina fotográ�ica, capta fenómenos como «Plane-tas, a lua, e depois objectos do céu, mais profundos, como galáxias, nebulosas e coisas um

Alberto e Felisberto fazem da astronomia uma paixão amadora

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um bocado mais di�íceis que requerem uma paciência muito grande e, acima de tudo, algum equipamento capaz. Gosto muito de fazer fotogra�ia. Cada vez que observava os objectos do céu, �icava sempre com muita pena de não �icar com aquela imagem para mais tarde poder ver aquilo novamente”. “Nós conseguimos ver coisas fantásticas, movimen-to dos planetas em tempo real, eclipes, sombras que esse movi-mento provoca”, acrescenta Alfredo, que tal como Felisberto, admite que a maior parte dos conhecimentos foram autodi-dactas. Apesar disto, os amigos admitem que a actividade é muito cara, exige muitas noites em branco e que a questão mon-etária tem muito peso: “Isto é muito bonito mas se calhar não é para qualquer um. Existem �iltros especiais para fazer fotogra�ia debaixo de um céu com poluição luminosa mas o equipamento é muito caro. Não estar à bolsa de toda a gente. Eu

não estou a ver um individuo jovem a ter capacidade económi-ca capaz de comprar um �iltro, uma máquina ou um telescópio. Tudo isto implica muito dinheiro e não está ao alcance de qualquer um. Está ao alcance dos privilegiados e eu conside-ro-me um porque, felizmente, ainda vou tendo para fazer umas brincadeiras dessas”, confessa Felisberto.

Para cobrir a despesa desta actividade, não existe nenhum tipo de participação do Estado mas, Felisberto compreende, até porque “Se o Estado não tem dinheiro para as coisas básicas, automaticamente, não tem dinheiro para sustentar essas actividades”.

Alberto Balreira confessa que, cada vez mais, exitem amadores portugueses melhor equipados e informados e que, na astrono-mia, o amadorismo acaba por ser até mais “prático” do que a astronomia pro�issional. O astrónomo explica que os pro�is-

sionais portugueses trabalham para projectos europeus e “tratam mais da papelada com a análise dos dados”: “O astróno-mo pro�issional, em princípio, não sabe mexer em telescópios porque, hoje em dia, é uma pessoa que está fundamental-mente a tratar dados que vêm dos telescópios. O astrónomo amador está mesmo em contac-to com o céu porque tem materi-al e vê in loco aquilo que se está a passar. O pro�issional tem uma noção do que está a ver mas não sabe como chegar lá”. Alberto acrescenta ainda que, “Só os pro�issionais têm acesso aos

de extinção?

telescópios e os amadores não participam em projectos euro-peus.”

Sem os apoios do estado e a alimentar-se da paixão e do amor dos seus praticantes, o amadorismo em Portugal tem sofrido uma quebra no número de praticantes, que se retiram da actividade por falta de posses económicas. Pode não estar em vias de extinção, mas o certo é que, actualmente, o amadorismo caminha para se transformar numa actividade elitista, para quem tem dinheiro, um emprego com horário �lexível e muita, muita vontade de aprender.

Plataforma de cooperação da atividade pro�issional e amadora Alexandre Aibéo é astrónomo

pro�issional e teve uma ideia inovadora: aproveitar a activi-dade amadora e criar uma plata-forma onde pudesse existir a partilha de conhecimentos num projeto em comum.

Sucintamente, Alexandre expli-ca que “Construimos uma plata-forma que assenta em dois pilares: por um lado, qualquer pessoa é tratada igualmente, simplesmente tem que subme-ter um projeto, que pode já estar a decorrer, e dizer o que é que precisa. Depois, amadores ou pro�issionais aderem, ou não, ao projeto. A principal vocação é unir as duas partes. Ainda não temos nenhum projeto a andar. A plataforma já está montada mas ainda é recente e não houve ninguém que submetesse um

projeto, mas já há uma história. Já há, pelo menos, 19 projetos, alguns já registados no site, de parceria entre astrónomos”. Quando concluído o projeto, os resultados são publicados e assinados pelos astrónomos

responsáveis, sejam amadores ou pro�issionais. “A verdade é que há muito menos astrónomos pro�ission-ais do que amadores. Ou seja, haveria todo o interesse em termos os astrónomos ama-

dores a colaborar. A ideia é aproveitar o trabalho que eles já fazem, dar uma roupagem mais cienti�ica e fazer projec-tos em conjunto”, explica Alex-andre que defende que “Ás vezes é preferível ter centenas de pequenos telescópios, do que ter um grande e cinco minutos em determinada altura do ano”. “Nós temos amadores muito bons” confes-sa o pro�issional. Questionado acerca da aplicação desta plataforma para outras áreas cientí�icas, usando a força da actividade amadora com os pro�issionais, Aibéo diz que a Plataforma Pro-Am “É uma coisa a replicar. Se der certo, acho que era uma óptima ideia passar isto para as outras áreas”.

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O teatro amador é movido pela paixão de palco FOTO: PAULO VIANA

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especial entrevista

João Semedo é coordenador do Bloco de Esquerda desde 2012 mas a sua entrega à política ainda em Lisboa. Hoje é entre a capital e o Porto que divide a sua vida. Ao trabalho de coordenador acrescenta-se o de deputado, de pai e de marido. Há um outro que vai permanecendo dormente: a medicina. Exerceu durante muitos anos e chegou a ser o chefe máximo do hospital Joaquim Urbano. Falámos do seu passado e do seu presente. O futuro é mais incerto porque não gosta de fazer planos nem previsões.

Nasceu em Lisboa e, ainda hoje, quando lá vai �ica na mesma casa onde viveu durante a sua infância. É um lisboeta bairrista?

Bairrista não sou. Vivi metade da minha vida em Lisboa e outra no Porto. Gosto tanto do Porto como de Lisboa. São cidades muito diferentes mas que me habituei a gostar. Vivo hoje na mesma casa em que vivi quando saí de casa dos meus pais. Há oito anos que sou deputado, passo grande parte da semana em Lisboa e portanto regressei a essa casa.

E como foi a sua infância em Lisboa?

Nessa altura não havia centros comerciais, não havia playsta-tions, portanto as brincadeiras eram bem mais simples. A minha infância foi uma infância como a dos outros miúdos. Ia à escola de manhã, depois fazia os deveres e o resto era brincar na rua, jogar à bola, en�im, os jogos que os miúdos têm nessa idade.

Tem alguma memória espe-cial dessa altura?

Eu vivia junto ao Jardim Constantino que era onde se jogava à bola. O jardim tinha um lago e lembro-me que um dia a bola foi parar a esse lago e eu tentei tirá-la sem entrar na água mas escorreguei e caí.

Como veio parar ao Porto?Em 1978 era funcionário do

Partido Comunista Português e na altura o camarada responsável pela Juventude Comunista Portuguesa do Porto ia sair e era necessário alguém para substitui-lo. A escolha recaiu sobre mim. Curiosamente

acabei por não ir fazer o que estava previsto. Entrei directa-mente para o PCP e �iquei a trabalhar no sector intelectual.

Mas os estudos fê-los em Lisboa, certo?

Sim, a minha formação foi toda em Lisboa.

E onde é que estudou?Estudei primeiro no Liceu

Camões, depois na Faculdade de Medicina e o meu internato foi feito nos Hospitais Civis de Lisboa.

Desde pequeno que sonhava ser médico?

Não. Eu pretendi ser arquiteto e ainda hoje gosto muito de arquitectura. Mas o meu pai era engenheiro e eu achei que entre arquitectura e engenharia as fronteiras eram muito pouco separadas, e pretendia ter uma vida bastante independente. A opção que me atraiu mais foi medicina. Embora sempre tenha tido muita curiosidade pela Biologia, não tenho uma vocação natural para a medicina.

Então o que é que o fascina na medicina?

Julgo que o mais importante na medicina é gostar de pessoas, estar com elas e observá-las. A doença é uma fase transitória da vida. Falar com as pessoas, ouvi-las, conhecê-las… Isso é que é o mais fascinante da medicina!

Durante quanto tempo exer-ceu?

Tirando os anos em que a actividade política me exigiu dedicar-me a tempo inteiro, só pratiquei medicina.

Além da parte mais humana

da medicina, exerceu também cargos de administração. Foi presidente do conselho de administração do hospital Joaquim Urbano. Como é gerir um hospital? Gerir um hospital é ter a possibi-lidade de o pôr a funcionar de acordo com as necessidades e com a sensação de satisfação de quem o procura: os doentes. Hoje, por razões políticas, talvez a situação seja diferente, mas na altura havia a possibilidade de mudar muitas coisas. As nossas decisões têm uma repercussão imediata e direta na vida hospi-talar. Dá um sentido de respons-abilidade e de exigência, mas também um sentido muito útil na nossa intervenção. Gostei muito de ser diretor de um hospital tão particular, um hospital pavilhonar, e naqueles anos renovámos o hospital por inteiro, não só do ponto de vista da metodologia, como também do ponto de vista de estruturas. Fizemos obras e o hospital ao �im de seis anos estava pratica-mente novo, tendo em conta que tinha mais de cem anos.

Deixou de exercer Medicina mas não coloca de parte a possibilidade de voltar a exer-cer…Nunca programei a minha vida nem ao milímetro, nem ao centímetro e muito menos ao metro ou ao quilómetro… A minha vida foi evoluindo em função das circunstâncias e das opções. Não me arrependo de nenhuma que tenha feito. Sempre gostei de fazer aquilo que �iz na vida e sou um privile-giado por isso mesmo. Sinto-me feliz e realizado com a vida que tive portanto admito perfeita-mente. Não podemos estar sempre a fazer a mesma coisa,

hoje sou colaborador do Bloco de Esquerda, amanhã poderei não ser. Não tenho nenhum projecto nem nenhum plano para o futuro.

Durante o tempo em que não exerceu continuou a servir de médico da família e dos famili-ares?

Costumo dizer que onde há médico, há doente. E isso é válido na família, no parlamento, em casa, junto dos amigos… Um médico é sempre a oportuni-dade de pedir um conselho, pedir uma opinião, de se queixar disto ou daquilo.

Falou da importância do contacto com as pessoas e a necessidade de ajudá-las como motivação para ter exer-cido medicina. Foi também isso que o levou para a políti-ca?

Não sei se terá sido isso… mas há uma coisa que é verdade:

Jorge Eusébio e Ricardo Couto

“Para exercer bem a atividade política, 18

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política

e da satisfação das necessidades básicas dos homens e das mulheres foi a atração maior para os jovens da minha idade.

E as pessoas iam para o Partido Comunista por essas razões ou apenas porque era a face da oposição?

Eu julgo que pelas duas razões. As pessoas compreendiam que no Partido Comunista se podia lutar organizadamente e com maior e�icácia contra o regime fascista, pela liberdade, pela democracia, pelo �im da guerra colonial, mas também acho que havia o ideal, que vinha lá de fora, de uma sociedade diferente que, apesar de tudo, tinha enorme sucesso porque eram anos em que a União Soviética e os Estados Unidos disputavam a corrida ao cosmos. Para quem não conhecia aquele mundo, dava-nos uma ideia de um mundo cheio de capacidades tecnológicas de investigação, de desenvolvimento a par de uma preocupação muito grande com a igualdade entre as pessoas.

E foi esse mundo tecnológico que viu quando visitou os países da Europa do Leste?

Não. Esse é o outro lado da moeda. Umas horas depois de chegar lá a maioria parte de nós teve a sensação que não era aquele mundo nem aquela socie-dade em que queríamos viver. Em muitos aspectos se confun-diu igualdade com igualitarismo. Ninguém gosta de viver numa sociedade em que um partido decide tudo. Era di�ícil de com-preender como é que países que tinham tecnologias tão avança-das que lhes permitiam disputar a corrida ao espaço e, no entan-to, as pessoas não sabiam o que era uma torradeira ou um simples corta-unhas.

As suas desavenças com o Comunismo começaram aí?

Eu sempre achei que nunca faríamos uma sociedade assim, aquilo não era modelo, não era

política nasceu aí e depois actividade sindical, e também na Ordem dos Médicos.

Nessa altura o comunismo era talvez a face mais visível da luta, ainda que invisível.

Houve o Maio de 68, a Guerra do Vietname, portanto, por toda a Europa e Portugal, apesar da ditadura, o ambiente era de esquerda, de libertação, de luta, de revolução, de mudança do sistema e costumes. Havia muita oposição que não era do Partido Comunista, mas o PC tinha um peso enorme e com muita facili-dade confrontávamo-nos com as ideias do socialismo, do comu-nismo e muito do trabalho oposicionista era a discutir política, a ler os livros clandesti-nos de Marx, Engels... A adesão ao comunismo era a adesão a um mundo que nós ouvíamos falar mas que não se conhecia exata-mente. A materialização de um projeto comunista de igualdade

para exercer bem a atividade política tem vantagem quem goste de pessoas, quem se preocupe como elas vivem e com os seus problemas. Eu acho que um médico tem essa formação de base. Aprendeu a ouvir as pessoas, a sentir o que elas sentem, a perceber o que elas estão a querer dizer, o que elas estão a pensar e eu acho que isso me ajudou imenso no exercício da atividade política.

Como surgiu a política na sua vida?

Talvez o ambiente familiar. O meu pai era comunista, a minha mãe nunca teve partido mas era uma pessoa da oposição e vivi num ambiente contra o regime fascista, a guerra colonial, a PIDE, as prisões, as torturas… Depois, em 1967, houve umas cheias em Lisboa que foram uma coisa monumental. O padre Vítor Feytor Pinto organizava umas tertúlias ao sábado à tarde

tem vantagem quem goste das pessoas”

com alguns jovens do Liceu que serviam de impulso para a relação social. Eu participava nessa discussão e, nesse contex-to, o padre organizou umas brigadas que se deslocaram para as zonas mais atingidas das cheias para ajudar. Nunca tinha visto nada como o que vi: pobre-za, miséria, condições infra-hu-manas de vida. Marcou-me muito porque vivia numa elite privilegiada, o meu pai era engenheiro e a minha mãe professora, e não tinha a com-preensão das desigualdades e comecei a perceber que tinha di�iculdade em lidar com elas.

Depois começou o envolvi-mento mais ativo …

No ano seguinte entrei para a faculdade e havia o movimento associativo estudantil, natural-mente de oposição. Fui dirigente da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina durante uns anos. A minha atividade

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especial entrevistanão era projecto, não era naquilo que eu pretendia viver, mas sempre achei que faríamos em Portugal de uma maneira difer-ente.

O comunismo falhou com-pletamente, está morto?

O ideal socialista de uma socie-dade em que a produção de riqueza permite uma distribuição mais igualitária, mais equitativa, não está em falência. Bem pelo contrário. A crise �inanceira de 2008 demon-strou que o capitalismo é um modelo permanentemente em crise que não permite à humani-dade aproveitar todas as suas potencialidades. Eu não estou nada desiludido, se me pergun-tar como me considero ideologi-camente, digo que sou um socialista porque acredito numa sociedade com mais preocu-pação pela igualdade, não apenas de condições mas de meios para que possamos todos ter uma vida que nos realize. Naquela altura eram comunistas também porque simpatizavam e aderiram ao modelo dos países chamados comunistas. Mas nunca houve, em tempo algum, comunismo nesses países!

Voltando agora à dimensão nacional. Foi preso em 72. O que é que fez para ser preso e o que é que lhe �izeram nesses dias?

Fui preso porque estava a distribuir o primeiro manifesto da oposição democrática a mani-festar vontade de participar nas eleições e a apelar a que os democratas, os patriotas, se envolvessem nisso. Sucede que ao contrário do que deveria ter feito, não fui reconhecer o terre-no onde ia fazer essa distribuição com camarada meu, também estudante da faculdade de Medicina. Fomos para a Estação de Caminhos de Ferro da Parede e a esquadra da PSP era a cem metros portanto ao �im de uns minutos a polícia cercou-nos. O meu colega ainda conseguiu fugir mas eu não e fui entregue à PIDE. Estive preso duas ou três semanas. Não me

aconteceu nada de especial, na altura a própria PIDE compreen-deu que era um iniciado na política, levei umas bofetadas e ponto �inal.

E onde é que estava no 25 de Abril de 74?

Estava em Lisboa, não fui propriamente apanhado despre-venido. Tinha recebido a infor-mação, de uma forma muito imprecisa e muito inde�inida, de que se estava a preparar aquilo que veio a ser o 25 de Abril. Saí muito cedo de casa, fui para a Associação de Estudantes e passei o dia na rua.

O seu percurso no PCP atravessa o antes, o durante e o depois da revolução. Começou por militante mas foi subindo na estrutura do partido. Como foi esse percur-so?

Julgo que foi o percurso normal de quem se empenha e que dedica muitas horas da sua vida. Fui tendo várias respons-abilidades. Fui eleito para vários órgãos da direcção regional do Porto, depois para o Comité Central, onde acabei por estar muito pouco tempo por divergências profundas relativa-mente à orientação do partido.

Que quebras foram essas?O Comité Central expulsou

quatro militantes do partido: José Luís Judas, o Raimundo Narciso, Mário Lino, e o Barros Moura. Eu discordei dessas expulsões porque achei que as divergências políticas discutem-se politicamente e não são uma questão de estatutos. Na reunião do Comité Central só houve três votos contra. Um foi o meu. Tinha sido uma questão tão central na vida do partido que era di�ícil manter-me como funcionário e como dirigente do PCP depois de ter votado contra. No dia seguinte entreguei a minha carta de demissão de uma coisa e de outra. Mantive-me no PCP sem nenhuma actividade até ao �inal dos anos 90.

Guarda saudades de todo o tempo do PCP?

Eu não tenho saudades de nada na vida. Tenho memórias. Eu julgo que o presente é sempre melhor que o passado e o futuro é muito motivador, portanto não tenho, em geral, saudades. Não tenho saudades nenhumas, tenho boas memórias! Muitos dos meus amigos foram do PCP. Foi um óptimo período da minha vida, �iz o queria fazer e aquilo que achei que devia fazer.

Se lhe dissessem nessa altura que uma década depois iria ser coordenador de um partido, ia acreditar?

Nem nessa altura nem dez anos depois. Durante muitos anos nunca me imaginei outra coisa que não comunista. Se isso é alguma descontinuidade com o que sou hoje? Não, porque eu sempre achei que um comunista é um tipo que era socialista e eu continuo-me a identi�icar como socialista. Só pensei que iria ser coordenador do Bloco de Esquerda um pouco antes da Convenção. Como disse, não sou uma pessoa que programe a vida.

Como é que o Bloco apareceu na sua vida?

Em 2000, o PCP teve o XVI Congresso que arrumou de�initi-vamente a hipótese de mudança que eu queria para o PCP. Foi então que arrumei em de�initivo. Sendo um tipo de esquerda com convicções socialistas e conhecendo muita gente de esquerda, fui continuando a conversar com essas pessoas até que, em 2004, o meu amigo Miguel Portas, me telefonou e disse que vinha ao Porto e queria estar comigo. Aproveitei para lhe mostrar o hospital e ele convidou-me para integrar a lista do Bloco de Esquerda para o Parlamento Europeu, da qual ele era o cabeça de lista. Aceitei. Em 2005 convidaram-me para a lista de candidatos à Assembleia da República e a história inicia-se assim.

Foi eleito deputado. Lem-bra-se do seu primeiro dia na Assembleia?

O primeiro dia em que eu entrei na Assembleia foi, isso não me esqueço, o dia 8 de Março de 2006. Não me esqueço do dia porque é o Dia Internacio-nal da Mulher.

E a primeira intervenção no

“Durante anos nunca me imaginei outra coisa que não comunista”

João Semedo é coordenador do Bloco de Esquerda, mas a sua vida política já deu muitas voltas. Envolveu-se em várias lutas e já se prepara para a próxima: impedir a privtaização dos CTT

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E a primeira intervenção no plenário, lembra-se?

A primeira sessão que eu estive sentado no hemiciclo foi a tomada de posse de Cavaco Silva, e a primeira intervenção que �iz no plenário foi num debate com o então ministro da saúde Correia de Campos.

Sente o peso de substituir o Francisco Louçã?

Ser coordenador do Bloco de Esquerda é um peso especí�ico próprio. Eu não ando curvado a esse peso, até ando bastante bem disposto, mas substituir o Francisco Louçã é uma respons-abilidade. Foi o primeiro líder do Bloco de Esquerda e substituir um líder é sempre di�ícil. Substi-tuir o primeiro líder do Bloco de Esquerda ainda mais será, e estamos a falar de um cidadão universalmente reconhecido, um cidadão político de grande experiência e de muitas capaci-dades e qualidades pessoais. Tudo isso torna mais di�ícil, mas há uma enorme vantagem: o Francisco Louçã é dirigente do Bloco, mantém-se na direção, portanto não se exilou nem se remeteu ao silêncio. O Bloco de Esquerda continua a contar com o Francisco Louçã como militante e como dirigente. Não houve um vazio que eu e a Cata-rina tivéssemos que preencher. Há muito de continuidade. O Bloco é o mesmo, os aderentes são os mesmos, a direção é a mesma. Há uma orientação política que se mantém no essencial na mesma.

E qual é o futuro político de João Semedo? Vê-se a ser coordenador até quando, vê-se na vida política até quando?

Se eu fosse religioso, católico, diria ‘ah isso a Deus pertence, o futuro a Deus pertence’. Tal como nunca planeei ser coorde-nador do Bloco de Esquerda, também não estou a pensar quando é que vou deixar de ser. Só se é coordenador do Bloco de Esquerda enquanto os ader-entes quiserem. A única condição que eu ponho para

continuar no Bloco de Esquerda é que os meus camaradas quei-ram que eu seja. No dia em que não quiserem, eu sou o primeiro também a não querer.

Curiosamente nessa respos-ta falou em religião. Quais é que são as raízes do seu ateís-mo?

Se a minha vida política teve alguma in�luência do ambiente que vivi em minha casa, julgo que também o ateísmo nasceu aí. Os meus pais não eram religiosos, não professavam qualquer religião, e eu nunca me senti atraído para isso, embora tenha tido uma crise como em geral os adolescentes têm e por volta dos doze, treze anos inter-essou-me a prática católica. Ia à missa mas foi sol de pouca dura porque sou um sujeito que acredita na força dos homens e na materialidade da vida. Gostando muito de cultivar aquilo que se costuma chamar as coisas do espírito e gostando de conversar, de discutir e de me cultivar, acho que o mundo é feito pelos homens. Feito, desfeito, refeito pelos homens e não há nenhuma entidade divina que nos ilumine ou oriente e portanto eu rejeito isso. É uma questão intelectual, racional e sou de facto um materialista.

E como é que gere os afazeres políticos com a sua vida familiar, tendo em conta que tem a sua vida entre o Norte e o Sul?

Na realidade não faço qualquer gestão disso, isso tudo é que faz a gestão do meu tempo. Eu hoje tenho uma vida muito ocupada politicamente e, essa situação é, digamos, bastante constrange-dora. Mas a minha família e as pessoas que vivem mais próxi-mo de mim aceitam-me assim e aceitam a vida que eu tenho, e isso também faz parte da vida delas, como a vida delas também faz parte da minha. Portanto há, digamos, uma cumplicidade, uma amizade, uma com-preensão e uma aceitação natu-ral, senão isto tornava-se um inferno.

E fora da política o que é que costuma fazer nos seus tempos mais livres, se é que os tem?

Tenho, tenho! Eu faço o que habitualmente as pessoas fazem. Leio, vou ao cinema, passeio… Aquilo talvez que seja o meu hobby, aquilo que gosto mais de fazer, é ver pintura e escultura.

E arranja tempo para ver o Ben�ica ou não?

Ontem arranjei. Mas na televisão, claro. Entre uma iniciativa do Bloco que acabou às cinco e meia e o comboio, conse-gui ver uma parte do jogo na televisão.

Como gostava de ser lembra-do?

(silêncio) Isso da morte é uma coisa estranha, não é? Eu nunca penso muito nisso e procuro viver com intensidade os meus dias e vivo-os dessa forma. Eu tive a vida que gostei de ter. Se morresse, morria inteiramente feliz e realizado. Não estou a dizer com isto que quero morrer amanhã ou depois, ou que isso me seja indiferente! O que eu estou a dizer é que se morresse hoje, morria feliz. E portanto podiam pôr lá no epitá�io qualquer coisa do género, ‘este tipo morreu feliz e realizou-se’, ponto �inal, parágrafo. Chegava isto. Eu gostava que os meus amigos guardassem de mim essa ideia, de um tipo que viveu bem a sua vida, viveu satisfeito, que se realizou e morreu feliz!

Em poucas palavras...

João Semedo é ateu e considera-se, pela forma de viver, um materialista

Mário Soares:

Álvaro Cunhal: “Um resistente”

“Uma das �iguras do século XX” Salazar:

“Fascista”

Passos Coelho: “Direitola incompetente”

Paulo Portas: “Um dissimulado”

António José Seguro:“Na corda bamba”

Jerónimo de Sousa: “Um dirigente político autêntico”Miguel Portas:“Uma saudade”

Catarina Martins:“Uma mulher de armas”

Francisco Louçã:“Um amigo e um riquíssimo apoio”

João Semedo:“Eu próprio”

Um livro:“Em busca do unicórnio”, de Juan Eslava GalánUm autor:“Mário de Sá-Carneiro”

Uma música:“Mudar de vida”

Um �ilme:“Cinema Paraíso”

Um artista:“Nanni Moretti”

Uma comida:“Bife”

Um ídolo:“Ho Chi Minh”

Um político:“Alexis Tsipras”

Uma luta:“Contra a privatização dos CTT”

Um lema de vida:“Carpe Diem”

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grande porto

A Vandoma é uma feira de artigos usados. Mas não só. Há muito se tornou um espelho de um país mergulhado na crise. Um retrato daquilo a que alguns chamam o “país real”. Agora não são só os produtos que aqui procuram uma segunda vida, são também os vendedores.

São 5 da manhã e ouvem-se pneus sobre a terra batida. Segue-se o bater das portas e logo o chão se enche de caixas. Há de tudo. Roupa, livros, discos, interruptores, maçanetas e até cordas. Os cobertores multipli-cam-se em funções. No chão servem de banca improvisada e no corpo servem de agasalho aos que enfrentam o clima gélido da madrugada. Alguns deles ainda crianças. Os olhos vidrados de sono esmorecem diante do fumo que emana da bebida quente. Já os adultos vão-se aquecendo em conversas.

Ultimamente tem sido assim na Vandoma. É cada vez maior o número de famílias a procurar um espaço na feira das Fontainhas. O motivo? A crise. Tatiana Lopes começou a vender há pouco mais de um mês e apenas com um objetivo: “ter algum para mim”. Hoje chegou por volta das três e meia para guardar lugar. Não sabe a que horas sai: “Se não for trabalhar de seguida vou embora às dez, onze”. Para ela, a Vandoma é uma oportunidade de ganhar mais algum dinheiro. Quase como um part-time.

Na banca de Elisabete, os livros vão aparecendo iluminados pela luz das lanternas dos visitantes.

Maior parte das vezes em mov-imentos repentinos e logo se afastam. Outras prolongam-se e lá se faz uma compra. Elisabete é apaixonada por livros. Antes frequentava à feira em busca das pechinchas, hoje vende-as: “Estou desempregada e para ganhar uns trocos venho para aqui”. Saltou para o outro lado da banca e, bem perto de si, tem Miguel Maia.

Miguel é um dos rostos mais jovens a vender na feira. Tem 21 anos e, desde março, que as suas madrugadas e manhãs de sábado são passadas na Vando-ma. Vende roupa e ferramentas mas vem, sobretudo, para com-prar um futuro: “Estou aqui para pagar as propinas, essencial-mente”.

A crise obrigou Tatiana, Elisa-bete e Miguel a procurarem algum dinheiro extra. As despe-sas aumentaram, as di�iculdades também. Há contas para pagar, bocas para alimentar e um futuro para assegurar. A necessi-dade obrigou a que abdicassem de parte do seu passado. Parte de si. São eles a cara da “outra Vandoma”. Aquela que cresce todas as semanas e que não tem lugar marcado. Aquela que não é legal.

“A crise trouxe mais vende-dores à feira porque está muita gente desempregada e então

procuram este ‘meiozinho’. Quantas pessoas haverá que nem um tostão leva para casa ao �im de estar aqui uma madruga-da? Temos que compreender e dar um bocadinho de espaço a essas pessoas”. O ‘meiozinho’ é como, carinhosamente, Fátima Silva trata a feira. Vende aqui há 15 anos e todos os meses paga à Câmara 22 euros por cada um dos três lugares que ocupa. Sente-se um pouco injustiçada por uns pagarem e outros não, mas a necessidade e o contexto merecem-lhe compreensão.

“Não é injustiça nenhuma porque as pessoas têm necessi-dade”, explica um dos outros rostos da Vandoma legal. Jorge Alberto Correia paga, há mais de três anos, o seu lugar. Tanto ele como Fátima veem, todas as semanas, a feira crescer para além do perímetro permitido e, apesar do número crescente de vendedores, não os consideram concorrência. Há mais a uni-los do que a separá-los. São quase como companheiros da mesma luta. Jorge vende para ajudar o seu �ilho desempregado e foi também o desemprego que

Ricardo Couto

Vandoma: vidas em segunda mão

trouxe Fátima a vender aqui.As duas faces da Vandoma vão

coexistindo nas madrugadas de sábado. A “feira do velho” abriu caminho aos novos. O passado está à venda para poder susten-tar o presente e o futuro. A unir estes pontos está uma voz: a de Alcina da Conceição. Percorre todos os caminhos da feira para vender comida e bebida. Já conhece grande parte dos vend-edores: “Para mim são todos iguais”. Todas as semanas conhece mais um: “Tem mais pessoas e mais miséria. Muitas crianças e mães solteiras a vender aqui ao frio e com fome. Dá dó ver. E eu, no pouco que ainda estou a vender, ainda dou. É a vida.”

Tudo se resume a isso: a vida. É por ela que lutam aqueles que aqui vendem. As duas Vandomas são faces da mesma moeda, a da sobrevivência. Pobreza e di�icul-dades que crescem para além do perímetro. Por muito que a madrugada seja escura e a luz das lanternas ténue, esta conti-nua a ser uma feira de oportuni-dades. Para quem compra. Para quem vende.

Na Vandoma há de tudo. Na foto, uma banca com porcelanas pintadas com �iguras religiosas.

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Igreja da Lapa guarda o coração do PortoO coração de D. Pedro IV,

Rei de Portugal e Impera-dor do Brasil, reside na Igreja da Lapa desde 1835, após o “Rei Soldado” o ter deixado em testamento à cidade do Porto. Mas porquê o Porto e porquê esta igreja em particular?

“A esposa entendeu que sim senhor, [o coração] �icar no Porto tinha todo o sentido, era vontade do marido D. Pedro IV, mas que estando no Porto o seu lugar era na Igreja da Lapa.”, diz Ferreira dos Santos, “E então houve uma conversação entre a cidade a Irmandade e desde que uma parte e outra concordaram o coração �icou aqui”.

O coração jaz agora num mau-soléu dentro da Igreja, à esquer-da do altar. Esse mausoléu tem mais de sete metros de altura e a sua pedra está repleta de elementos que identi�icam os dois países do D. Pedro IV, Portu-gal e Brasil, e ainda uma inscrição em latim que refere a devoção que o rei tinha pela “Cidade Invicta”.

Por receio de que o coração se deteriore, já não é mostrado ao público várias vezes por ano, como era costume antigamente.

“O coração está dentro de um recipiente de cristal encastoado em prata e com um líquido para o conservar. Claro que este tempo de conservação fez com que o coração se dilatasse um pedaço, e começou a correr riscos de se desfazer.”, conta o reitor, “Por esta razão, o instituto que acompanha isto entende que ele agora durante uns anos deve estar em total repouso, sem

sem luz e sem ser apresentado publicamente.”

A última vez que o coração foi mostrado ao público foi já há mais de quatro anos, em 2009, a pedido especial de Rui Rio, então Presidente da Câmara Municipal da cidade. Mas sempre que por algum motivo é necessário abrir o mausoléu para retirar o coração, o proto-colo a seguir é demorado e requer diversas autorizações.

“Deve ser dito que nem a Câmara sozinha pode ter a última palavra sobre se o coração pode ser exposto, nem a Irmandade [da Lapa], porque as chaves estão num sítio e noutro.”, salienta o cónego, “Elas estão separadas e precisa-se de todas, pelo que tem de haver combinação entre as duas insti-tuições para que seja possível o coração sair de lá. Sempre assim foi e há-de ser.”

O reitor conta também que, por norma, são os turistas brasile-iros aqueles que mais o procur-am para tentar ver o coração.

“Os brasileiros vêm muitas vezes aqui, realmente, e para eles é quase uma coisa religiosa! D. Pedro IV foi um rei impor-tante em Portugal, mas o facto de ser o primeiro Imperador do Brasil e ter tornado o Brasil independente… isso �icou-lhes lá

nos genes.”, explica o padre, “Até, há dois ou três anos, se chegou a constar que o coração ia para o Brasil. Não houve fundamento nenhum, era um boato que alguém lançou intencional-mente para criar esse movimen-to, mas que não pegou.”

Ainda que, segundo o reitor, os portugueses pareçam não lhe prestar muita atenção, é inegável o facto de que D. Pedro IV deixou à cidade que mais amava um legado muito espe-cial. E a Igreja da Lapa continu-ará a guardar-lhe o coração.

Inês Barbosa

“D. Pedro IV nutria uma devoção muito grande pela cidade, porque ele teve as lutas liberais e absolutistas com o irmão, D. Miguel, e o Porto teve um peso muito grande para ele ter sido vencedor.”, explica o cónego Ferreira dos Santos, reitor da Igreja, “E tinha uma grande devoção, concretamente, pela Irmandade da Lapa. Quando vinha ao Porto ele vinha fazer a sua vida religiosa aqui na igreja que, de resto, também está muito ligada ao Brasil, foi um padre brasileiro que a fundou.”

O “Rei Soldado” deixou o seu coração à cidade; no entanto, a sua esposa, a rainha-viúva D. Amélia de Beauharnais, sabendo da devoção religiosa do marido, decidiu que o órgão devia �icar na Igreja e não nos Paços do Concelho, onde fora original-mente colocado.

O coração de D.Pedro IV está guardado num mausoléu na Igraja da Lapa

O PORTO DAS ILHASTradição As novas realidades

Uma reportagem multimédia para ver em:

http://jornaloprisma.wix.com/oprisma

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Fechar ou inovar, eis a questãoDurante a época baixa, o

turismo divide-se: alguns fecham portas, outros fazem promoções espe-ciais e ainda outros nem sentem a quebra. ço, para compensar a falta de bom tempo.

A época baixa do turismo traz, todos os anos, um dilema para quem trabalha na área: é mais rentável fechar e reabrir no verão, ou oferecer algo diferente, nos serviços ou no preço, para compensar a falta de bom tempo.

Luzia Moreira é dona do Oporto Sky Hostel, “um dos primeiros a abrir na cidade do Porto”. O Sky Hostel vai fechar no inverno, “para fazer umas obras. Já o ano passado foi a mesma coisa”, diz. Já a Tuktour vai continuar a trabalhar no inver-no. Quem o diz é Sérgio Eusébio, que explica que a empresa tenta “combater essas di�iculdades de diferentes maneiras”, nomeada-mente através do comércio busi-ness-to-business. “No mercado

empresarial, a época alta é agora, é durante o Inverno, é quando as empresas fazem seminários, congressos, team-buildings, entre outras coisas”, explica.

Jorge Azevedo tem uma agên-cia de viagens, e con�irma o que diz Luzia Moreira. “Na época baixa o negócio baixa, disso não há dúvidas”, diz. O truque, para Jorge, é “encontrar o negócio onde à primeira vista não há nenhum”. Nesse sentido, recorre a promoções e parcerias com companhias aéreas low cost, para apostar no segmento mais jovem. “Os jovens estudantes procuram sempre viagens mais baratas para as cidades europe-ias, principalmente onde se faz

Erasmus”, diz. “O que tento fazer é juntar essa procura a outros serviços. Se vão visitar colegas ou passar um �im de semana prolongado em Praga ou na Polónia, tento fazer pacotes especí�icos para isso, a preços convidativos”, acrescenta. Em época baixa o negócio “sofre um corte”, mas Jorge garante ainda que “se não me mexer ou se fechar, é pior”. A aposta nos descontos e ofertas especiais não é algo que agrade a Sérgio Eusébio. “Podemos tentar adap-tar àquele preciso cliente uma coisa que se adapte a ele medi-ante as possibilidades dele”, reconhece, mas não fazem nenhum desconto para todos os clientes, já que não vêem o

Porto como um destino low-cost, “nem gostamos de nos associar a essa ideia”, diz. “O Porto é um destino que deve ser valorizado todo o ano”, por isso não fazem distinção de época baixa e época alta no preço.

As opiniões dividem-se, e embora o Sky Hostel feche no Inverno, Luzia não considera que fosse possível agir de outra maneira. “Podia fazer um kara-oke, umas festas. Mas vou gastar mais do que o que vou receber”, explica. A época baixa é, para Luzia Moreira, um problema para o turismo local, “e quem disser o contrário está a mentir”. Jorge Azevedo já fechou a agên-cia, há “6 ou 7 anos atrás”, duran-te a época baixa, mas arrepen-deu-se. “Compensa-me mais continuar aberto. O lucro é muito pouco, mas não dou despesa, e nos tempos que correm mais vale pouco do que nada”, a�irma. A verdade é que quer se feche o negócio ou se procure oferecer condições diferentes, a época baixa existe e afeta o negócio do turismo na cidade do Porto.

Simão Freitas

Tuktour vai continuar a trabalhar durante a época baixa Foto: Tuktour

Este pinheiro de Natal é ecológico e solidárioSimão Freitas

O projecto "Um pinheirin-ho por um sorriso" conce-beu um pinheiro de Natal ecológico, feito de cartão, que custa menos de dez euros. Parte das vendas revertem para instituições de apoio a pessoas caren-ciadas

Há quem diga que Natal sem pinheiro não é Natal. Mas e se o pinheiro for de cartão, custar menos de dez euros e, ainda por cima, solidário? Não poderia estar mais de acordo com o Natal, pois não?

A Pré inpré, uma empresa de artes grá�icas, e o mo.ca - mobiliário de cartão criaram em conjunto o projecto "Um pinheirinho por um sorriso", com o qual procuram colaborar com instituições de cariz social.

Quando conceberam o projec-to, o objectivo era "as pessoas sentirem que podem fazer a diferença, ao mesmo tempo que levam o pinheiro para casa, para decorá-lo e ilustrá-lo", diz Ricar-do Sousa, da Pré inpré." Quería-mos que as pessoas �izessem alguém sorrir e assim conseguis-sem sorrir elas mesmas", acres-centa. Jorge Sá, do mo.ca, mos-tra-se satisfeito pela dimensão que o projecto ganhou. "Estamos muito contentes com a adesão

das instituições que se colocar-am do nosso lado", explica. Ricardo Sousa acrescenta que "o impacto, sobretudo nas redes sociais, tem sido muito positivo, e num curto espaço de tempo".

Os pinheiros, feitos de cartão canelado reciclável, custam 9,90 euros, sendo que dois euros revertem para instituições ou causas sociais, que vão desde a delegação do Porto da UNICEF até à paróquia de São João Baptista, em Vila do Conde, ou a Santa Casa da Misericórdia de Oliveira de Azeméis, por exemp-lo. Há várias formas de comprar um pinheirinho: nas próprias associações apoiadas ou através da Internet.

Os pinheiros de cartão são uma forma económica e solidária de festejar o Natal

economia24

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economiaDurante os dias 6 e 7 de dezembro, no Hotel Sheraton, no Porto, teve lugar a con-

venção "O Valor Económico do Mundo Português", que permitiu aos empresários pre-sentes estabelecer contactos com vista a investimentos no mundo lusófono. Esta con-venção esteve integrada no "Mesa Portugal - Brasil", uma mostra gastronómica.

A abertura coube a Paulo Nunes de Almeida, Presidente da Fundação da Associação Empresarial de Portugal (AEP), que começou por referir que "os negócios também se fazem unindo interesses e culturas". No entanto, na lusofonia os negócios nem sempre são fáceis, e deu como exemplo que "as trocas entre Portugal e Brasil podem ser complicadas". De resto, esta foi uma questão que acompanhou toda a convenção, tanto do lado português como do lado brasileiro.

"É di�ícil entender o porquê das barreiras alfandegárias no Brasil", disse João Rafael Koehler, Presidente da Direção da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE). Também Rodrigo Paolilo, presi-dente da Confederação Nacional de Jovens Empresários (CONA-JE) do Brasil referiu este aspeto, salientando os "problemas de corrupção" que provêm da "questão tributária, que é custo-sa e trabalhosa". Paolilo queix-ou-se também de que no Brasil "não existe uma política integra-da de acesso ao mercado e que incentive a indústria", algo que di�iculta o investimento a quem vem de fora. O também brasile-

iro Marcos Nascimento, Diretor da Associação Comercial de São Paulo e da Federação de Indústrias do Estado de São Paulo, resumiu o problema: "A relação comercial entre Portugal e Brasil é muito pequena".

Para inverter este dé�ice de relações comerciais, Marcos Nascimento diz ser preciso que "as pequenas e médias empresas tenham apoio", e que "os políti-cos têm que ter uma ação mais pró-ativa", de forma a que se aproveite "o melhor de dois mundos". Já Luís Valente de Oliveira, da Fundação AEP, referiu que "a maior riqueza são as pessoas", em contraste com a materialidade dos recursos naturais cuja "utilidade se deve questionar".

Ainda assim, José Vital Morga-do, representante da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), a�irmou que Portugal "duplicou vendas para o Brasil nos últimos 5 anos", sendo que a maioria destas vendas "vêm do setor dos serviços". Vital Morgado referiu também o impacto que os brasileiros têm em Portugal, dando o exemplo do investimen-to da Embraer (empresa aeronáutica brasileira tem insta-lações em Évora) e dos mais de 400 mil turistas que nos visitam.

Mas não só de relações entre Portugal e Brasil se falou nesta convenção. Também Angola esteve presente. António de Sousa Magalhães, Membro da Direção e da Comissão Executiva da Câmara de Comércio e Indústria de Portugal-Angola, apresentou vários fatores deci-sivos para quem quer investir na ex-colónia portuguesa. Apesar de se ter recusado a falar de questões políticas, não se coibiu de dizer que "quem sofre com eventuais problemas são as empresas portuguesas e os portugueses" empregados em Angola. Magalhães salientou a importância de "perceber as motivações dos angolanos", ao mesmo tempo que falava sobre a adaptação que as empresas têm de ter à realidade local, respeit-ando-a.

Da parte do Governo Portu-guês, esteve presente o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooper-ação, Luís Campos Ferreira. O responsável pela pasta em questão não se limitou a falar em fazer negócios onde se fala português "mas também onde há portugueses", ao mesmo tempo que salientava o papel da política externa nacional, que deve "estabelecer parcerias entre setor privado português e estrangeiro" através de uma "rede diplomática empenhada em estabelecer centros de negócios".

António Souza-Cardoso, Presi-dente da Associação para a Promoção da Gastronomia e Vinhos, Produtos Regionais e Biodiversidade (AGAVI) diz que os portugueses "não podem falar apenas de onde andaram", mas construir "um mundo português muito maior". nós, respeita-nos e respeita o nosso passado".

Jorge Eusébio

Fazer negócios em português

As potencialidades económicas do mundo lusófono discutidas no Sheraton

BREVES

CGD obrigada a vender seguros da Fidelidade durante 25 anosO novo contrato de venda da Caixa Seguros de�ine que a venda de seguros da Fidelidade (entretanto privatizada) será exclusiva da Caixa Geral de Depósitos durante os próximos 25 anos. A Caixa Seguros inclui, para além da Fidelidade, a Multi-care, os Seguros de Saúde, a Care e a Companhia de Seguros.

Páginas Amarelas vai receber investimento de 5 milhões de eurosPara garantir a sua viabilidade, a Páginas Amarelas vai receber, do seu novo investidor, uma injeção inicial de 2,5 milhões de euros, a que se seguirá um aumento de capital no mesmo valor. Cada um dos trabalhadores da empresa terá até ao �im da semana para decidir se aprova o novo Plano Especial de Reabilitação (PER), que foi apresentado na semana passada pelo diretor-geral da P.A, Fernando Bernardino.

Gérman Efromovich quer nova companhia aérea na EuropaO milionário colombiano-bra-sileiro deseja criar uma nova companhia de aviação que poderá vir a fazer a ponte entre a Europa e a América Latina. Após a rejeição por parte do Governo português da sua proposta de compra da TAP, Efromovich tinha referido a sua vontade de encontrar alternativas e está a considerar em qual dos países da Europa poderá criar a nova empresa.

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Lama, chuva e obstáculos no Parque da Cidade

Ginástica: o campeão do Mundo em trampolim é portuguêsDiogo Costa, natural de Vila do Conde, tem 18 anos e no

mês passado conquistou a medalha de ouro em duplo mini trampolim 17/18 anos em Só�ia, na Bulgária. A paixão nasceu aos 13 anos e, desde aí, tem colecionado títulos. Contudo, para o jovem, o sucesso não lhe traz reconhecimento no nosso país.

O atleta do Ginásio Clube Vilacondense começou a treinar aos cinco anos, mas a paixão pelos trampolins só chegou mais tarde. “Mais ou menos até aos 13 anos parecia que não tinha jeito para o que fazia, pensava que estava a desperdiçar tempo.”, conta Diogo, “A partir daí começou tudo a tornar-se mais fácil e comecei a ter mais resul-tados do que o que tinha antes.”

Há cerca de cinco anos que participa em campeonatos europeus e mundiais, mas não sente que o seu trabalho seja reconhecido em Portugal. “É preciso fazer muito para as pessoas começarem a ter um reconhecimento do nosso valor e do nosso trabalho.”, a�irma

o ginasta, “Por exemplo no meu caso, agora, ganhei o mundial e quando voltei senti que as pessoas não davam tanto valor, foi como quase nada se tivesse passado.”

Para Diogo, essa falta de recon-hecimento deve-se à política desportiva de Portugal, em que o futebol é o desporto-rei. Diogo sente que quando se representa o país enquanto atleta é preci-so“pôr de lado a parte �inancei-ra” e dar mais importância ao “amor pelo nosso país”, apesar

de se sentir desiludido com Portugal. “Ganhei um mundial e praticamente não me deram nada, foi o meu clube que me pagou tudo para ir para lá.”, conta Diogo, “Eu pensei, e se eu fosse de outro país? Neste momento podia estar numa situação completamente difer-ente. Se calhar podia ajudar os meus pais nos meus estudos, se calhar só fazia aquilo que eu gostava, que é saltar. (…) Podia estar numa situação completa-mente diferente do que o que estou agora.” O atleta diz que praticar ginástica de trampolim não é fácil e tem muito a ver com a parte psicológica de cada um.“Nós temos que motivar-nos a nós próprios. (…) Isso é que é di�ícil, é uma luta mais ou menos

sozinho.”, explica o ginasta. Diogo estuda no ISMAI e diz que a sua vida é feita de estudar, treinar e sair com os amigos quando pode. “Tento gerir de uma forma a ter tempo para tudo, e tenho. Sinto que consigo gerir bem a minha vida.” Os planos para o futuro estão bem delineados: o atleta quer partici-par no campeonato europeu de 2014, em Guimarães. “Vou começar a treinar para isso, não é um processo que faço agora, exige ainda mais treino e mais tempo (…), passar dois anos a não estudar e só treinar.”, explica Diogo, “Como isso é di�ícil cá, estou a pensar um bocado, mas em princípio vou tentar o apura-mento para os Jogos Olímpicos em 2020 e 2024.”

“ “

Inês Barbosa

Vou tentar o apuramentopara os Jogos Olímpicosem 2020 e 2024.

O Parque da Cidade, no Porto, passou uma manhã de sábado selvagem. O Call of the Wild trouxe aos portuenses uma corrida de obstáculos e a chuva ajudou à festa.

Perto das dez da manhã de 19 de outubro, os participantes iniciavam os exercícios de aquecimento e a organização dava o mote: “Aqui não há vence-dores, nem vencidos”. No Call of The Wild o importante é superar

dos arbustos, nos lagos e por caminhos que, para alguém que frequenta o Parque todos os dias, não conhecia”. Já Vera Silva, de 38 anos, destaca a combi-nação entre “natureza e despor-to”. Contudo a prova exige alguma preparação �ísica e, para o personal trainer Pedro Silva, também participante na corrida, é preciso “ser capaz de correr, no mínimo, uma hora”.

A corrida reuniu cerca de meia centena de participantes que protestaram pela má colocação

os diferentes obstáculos que vão aparecendo no percurso. Dado o tiro de partida, as sapa-tilhas começaram a andar em diferentes ritmos e as camisolas brancas se sujaram. Os partici-pantes tiveram de saltar obstáculos, correr pela água e rastejar na lama. A chuva tornou o solo mais enlameado e a corri-da mais selvagem.Para Filipe Sousa, de 32 anos, e a correr pela primeira vez neste tipo de prova, a iniciativa é louvável pois é feita “no meio

da indicação de trajetória que gerou alguma confusão no decurso natural da prova. Pedro Martins, um dos diretores da prova, desvalorizou o sucedido e até viu com bons olhos a mudança: “Obrigou que as pessoas dessem mais duas voltas a um campo de futebol cansaram-se mais um bocadin-ho”. O Call of The Wild parte agora para outras cidades no Norte antes de ir para Coimbra e Leiria, tendo já agendadas seis corridas até ao �im do ano.

Diogo Costa conquistou o ouro no mundial de trampolim em Novembro

O Parque da Cidade, no Porto, passou uma manhã de sábado selvagem. O Call of the Wild trouxe aos portuenses uma corrida de obstáculos e a chuva.

Ricardo Couto

desporto26

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grande porto

Apesar de não terem estádio próprio, os adep-tos do Salgueiros não desistem de apoiar a sua equipa. Ainda assim, o atual Sport Clube Salgue-iros 08 não é o clube que move a paixão dos adeptos. "O meu clube é o Sport Comércio e Sal-gueiros, mas como não podemos ter futebol a nível sénior, optaram pelo Sport Clube Salgueiros 08", diz José Gonçalves, sócio do clube há 38 anos. Um presente diferente, com a esperança de regressar aos tempos gloriosos do passado.

Por causa das dívidas, o Sport Comércio e Salgueiros está impedido de inscrever equipas seniores. Em alternativa, em 2008 foi criado o Sport Clube Salgueiros 08, que teve de começar na segunda divisão distrital: a última das com-petições de futebol. E apesar da nova realidade, os adeptos têm apoiado o trajeto da equipa, mas vão suspirando pelo verdadeiro Salgueiros.

Um dos adeptos que nunca deixou o cachecol do Salgueiros em casa foi Fernando Magalhães, professor universitário em part-time. Para ele, o Salgueiros faz parte da história da cidade do Porto e confunde-se com a vivência humilde dos seus ante-passados. "O meu bisavô, por exemplo, era sapateiro e era adepto do Salgueiros", explica.

José Gonçalves também nunca virou as costas ao clube do seu coração. Mostra-se orgulhoso pelo recente percurso, mas guarda em si uma mágoa: o Salgueiros não ter estádio próprio. "Preferia não andar na Primeira Liga mas ter o nosso complexo desportivo, o nosso cantinho. Era um dos sonhos que gostava que se realizasse", conta.Ter um estado próprio é uma vontade comum dos adep-

tos e da direção. Vítor Barros, vice-presidente do Salgueiros 08, diz que mais do que um está-dio "o Salgueiros gostava de ter era um complexo desportivo que desse capacidade para o futebol de formação".

Nesta vontade de ter um estado próprio, existe uma nostalgia escondida: a do antigo estádio Eng. Vidal Pinheiro. Do velhinho Vidal Pinheiro resta apenas uma pequena parte: alguns contentores onde funcio-nam escritórios do clube e uma bancada obsoleta. A ação não se passa por cima do relvado, mas sim por baixo: o futebol deu lugar ao Metro. Agora, as pessoas não correm para o está-dio, mas sim para a estação de Salgueiros.

O ambiente infernal criado nas bancadas salgueiristas era algo que não passava em claro aos adversários que passavam pelo Vidal Pinheiro. Carlos Secretário, ex-treinador do Salgueiros, foi durante 10 épocas jogador do Futebol Clube do Porto (FCP) e recorda-se das di�iculdades em vencer neste campo. "O Salgueiros tinha sempre uma grande equipa com jovens que tinham acabado de sair da sua formação e o Futebol Clube do Porto sentia sempre muitas di�iculdades. Sinto alguma angústia quando falo

nisso", revela.O projeto de crescimento do

clube é sustentado também num dos grandes alicerces do novo Salgueiros: a formação. Para Ricardo Pinto, um dos elemen-tos ligados às camadas jovens, a formação tem um papel essen-cial, neste momento: "Basta olhar para a equipa sénior do Salgueiros e ver que temos vários atletas formados no clube, como é o caso do Pedrin-ho, Joel, Moreira... são vários".

Ricardo Pinto fala também do papel social do clube. A estraté-gia do Salgueiros é clara: "Em primeiro lugar e antes de se formar um atleta, devemos formar um homem". Só assim pode existir o modelo de "atleta à Salgueiros". Mas para moldar

Ricardo Couto e Jorge Eusébio

O renascimento da alma salgueirista

o "atleta à Salgueiros" é funda-mental transmitir a alma salgue-irista aos mais jovens. Muitas vezes, são os próprios pais dos jovens atletas que dizem aos �ilhos o que era o Salgueiros. . "Os pais conhecem o Salgueiros. Neste momento, muitos dos miúdos que cá temos Salgueiros e já acompanham o clube há muito tempo. Os pais têm um papel fundamental na trans-missão da mística do clube", explica.

E entre viagens ao passado e ilusões do futuro, a alma salguei-rista vai sobrevivendo. Sem instalações próprias, sem estar no lugar que outrora ocupou no futebol português, mas com muita vontade, orgulho e tradição.

Apesar das di�iculdades, os adeptos mantêm-se �iéis ao clube

As bancadas do antigo Vidal Pinheiro estão, hoje, vazias mas carregam consigo a história de um dos principais clubes do Porto

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desporto 27

“Lembro-me que foi em Fevereiro de 2006, poucos meses depois de ter começado a ver wrestling, que criei um blog na Internet onde escrevia sobre a modalidade, sobre o que eu achava”, explica o criador do PTWrestling. O blog virou suces-so e Salvador decidiu trans-formá-lo num site. O PTWres-tling conta com cerca de cinco mil visitas diárias e a página do facebook tem mais de vinte mil fãs. “É quase um parte-time que tenho”.

A aventura nos ringues começou em abril de 2008 quando, num show da WWE, a maior companhia mundial de wrestling, em Portugal, conhe-ceu alguns portugueses que praticavam a modalidade e que o convidaram a experimentar. Saiu-se bem no primeiro treino e continuou a aparecer.

Quem não achou muita piada foram os familiares e amigos de Salvador. “Os meus pais e os meus amigos dizem que sou louco por ir para lá levar porra-da”. Mas nem isso, nem as dores a seguir aos treinos, �izeram desistir o jovem. O mais compli-cado é gerir o tempo. Salvador

tenta coordenar o site e a prática da modalidade com os estudos e a vida pessoal . É impossível fazer do wrestling um modo de vida. “Em Portugal, existem algumas pessoas que conseg

“Em Portugal, existem algumas pessoas que conseguem ganhar dinheiro com o wrestling, mas nenhuma delas consegue fazer do wrestling vida porque o que se ganha é muito pouco. A única portuguesa que começou a viver do wrestling foi a Shanna, mas teve de ir para o estrangeiro”. O futuro do wrestling em Portugal não é menos desanimador. Os praticantes são cada vez menos. “Hoje se aparecer alguém, mês sim mês não, já estamos com sorte” conta Salvador “Se isto continuar assim, eu acho que daqui a 10 anos o wrestling vai acabar por morrer em Portugal. Não haverá um crescimento nem uma renovação pelas gerações mais novas”.“O wrestling é um entretenimen-to. Uma coreogra�ia entre dois lutadores que se têm de conhecer muito bem para conse-guirem ter um bom combate”. Sem dúvida, algo diferente.

Ricardo Couto

Jorge Eusébio

Está feito o sorteio para o Mun-dial de 2014. A seleção nacional pode estar satisfeita com o desfecho do sorteio. Apesar de não estar num grupo fácil, também não está nos chamados "grupos da morte". Em condições normais, a seleção portuguesa avançará na fase de grupos à frente de Gana e Esta-dos Unidos, e atrás da Alemanha.Diversos desa�ios se colocam à Federação na preparação deste torneio. Um deles é a forma como se irá fazer a preparação antes de ir para o Brasil. Nos últimos estágios realizados pela seleção portuguesa antes de grandes torneios, assistimos a enormes concentrações de pessoas em redor dos jogadores. Patrocinada por grandes empre-sas portuguesas, a Federação cedeu ao dinheiro e os jogadores apareceram em concertos e em grandes espetáculos de market-ing. Não é a melhor forma dos jogadores se concentrarem, mas também não pode ser desculpa para eventuais falhas. Em todo o caso, caso exista um falhanço desportivo, rapidamente se verão teorias a equacionar este fator. No mínimo, não é prudente fazer uma preparação mediática como as que pudemos assistir recentemente.Outro desa�io prende-se com a parte desporti-va. Que jogadores irá Paulo Bento chamar? Ao olhar para as últimas convocatórias, há clara-mente um núcleo duro de joga-dores que Bento preserva no grupo, mesmo que a qualidade das suas exibições (quer nos clubes quer na seleção) seja questionável.Rúben Micael será o exemplo mais óbvio. E há outros que não estão no núcleo duro de Paulo Bento mas estão constantementea "bater à porta". O caso mais evidente será o de José Fonte.O defesa central do Southampton é a equipa sensação da liga inglesa,

e é das defesas menos batidas. Fonte faz parte dessa defesa, é um dos esteios do Southampton. No mínimo, é estranho que nem para o banco seja chamado, especialmente quando vemos jogadores como Sereno (que joga no penúltimo classi�icado do campeonato turco) no seu lugar.Há também a questão Fernando. O médio do Porto adquiriu recentemente a nacionalidade portuguesa e poderá ser chama-do por Paulo Bento. Não entran-do na questão da utilização ou não de jogadores naturalizados, se Paulo Bento chamar Fernan-do (que é um jogador de quali-dade indiscutível) e não chamar José Fonte, estaremos perante uma incoerência grande. Quanto ao torneio em geral, os dados estão lançados mas a mesa de jogo está longe de estar pronta. Alguns estádios ainda não estão concluídos, as acessib-ilidades para chegar aos mesmos são terríveis e já houve vários acidentes mortais em locais de construção, sendo o mais conhecido o da Arena Corinthians, em São Paulo. O Brasil ainda tem muito que preparar, e já falta meio ano para o torneio arrancar. Nunca se demorou tanto tempo a ter os estádios prontos. O Brasil já �ica com essa mancha na sua �icha técnica. Nota negativa também para a FIFA, que à última da hora fez uma alteração nos procedimen-tos do sorteio. Desta forma, a França saiu bene�iciada (e até acabou por �icar num dos grupos teoricamente mais fáceis). Num mundo cheio de suspeições como é o do futebol, este episó-dio constituiu mais um murro dado na já pouca credibilidade transparência que o organismo presidido por Joseph Blatter tem aos olhos da opinião pública.

“O wrestling é um misto entre uma modalidade desportiva e uma novela”

Luís Salvador foi um dos muitos jovens que começou a assistir aos shows de wrestling pela televisão. A modalidade foi uma das modas da década passada, mas ainda hoje Salva-dor é um apaixonado. Tornou-se lutador e o site que criou acerca da modalidade é uma das principais referências entre os fãs portugueses.

O wrestling tem vários fãs em Portugal mas poucos praticantesFOTO: Wrestling Portugal

Mundial 2014: o que foi feito e o que se vai fazer

Comentário

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Joel Faria: a caneta levou-o aos grandes palcos

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Ricardo Couto Joel Faria desenhou o FC Porto, mas faz mais que isso: cria diários ‘desenhados’

Nos jogos de rua, por entre os pontapés na bola, é comum ouvir os miúdos dizer que querem ser como os seus ídolos. Os do FC Porto sonham em ser Lucho, Varela, Helton… Joel Faria foi todos eles. Não foi o seu talento de pés que o levou ao Dragão, mas sim o seu talento com as mãos. Descobe-rto nas bilheteiras do estádio, o seu traço já saltou para os grandes palcos. Desenhou todo o plantel dos dragões e o seu trabalho foi compilado num livro entregue aos adversários dos portistas na Liga dos Campeões.

Joel Faria é portista assumido, mas a sua relação com o clube vai além da paixão. Pouco tempo após a inauguração do estádio, começou a trabalhar nos bares. Um tempo de pausa e o regresso em 2009 para trabal-har nas bilheteiras. Foi lá que começou a travar conhecimento com alguns elementos da estru-tura diretiva e foi um deles, ligado ao marketing, que lançou o convite. Desenhar o clube de coração foi, para Joel, “um misto de ansiedade, medo e gratidão”.

Seguiu-se um período de pesquisa, observação e desenho. “O mais complicado era aquilo que não conhecia. Tive que fazer pesquisa porque não desenhei os jogadores ao vivo e não fui a todos os locais que desenhei, apenas alguns a que tinha acesso”, conta o desenhador para quem o pouco tempo de execução foi também um desa�io: “Tinha de estar pronto para o sorteio da UEFA e o timing era curto. Até em termos cronológicos foi um desa�io muito grande!”

De todos os desenhados, houve dois que, pelos porme-

nores acrescentaram mais gozo: Lucho e Licá. O mais di�ícil? Esse foi Varela. “Quando eu estava a desenhar parecia-se pouco, mas no �im �icou pare-cido”, conta o desenhador, cujo objetivo era captar “a identi-dade e o maneirismo” de cada um dos jogadores. O desenho foi feito à mão, a pintura digital-mente e, no �im, a obra espan-tou o próprio criador: “Fiquei-fascinado!”. Não é só pela colaboração com os dragões que o trabalho de Joel é recon-hecido. Os diários desenhados atraem curiosos à sua página no facebook: “É quase um álbum de fotogra�ias desenhadas. Um diário de bordo. Acabas por te registar cronologicamente em termos de desenho e é uma coisa que te vai acompan-hando”. Um dos mais conheci-dos é o diário de concertos a que assiste, e que já lhe valeu o reconhecimento dos próprios músicos. Samuel Úria elogiou o trabalho. Capicua pediu-lhe o seu mal o viu. “Faço questão de no �im do espetáculo ir pedir o autógrafo ou a assinatura, então eles dão-me logo o feedback

instantâneo”, explica Joel. Por muito que o

traço comece a ser reconhecido, Joel não pensa em si como um artista ou o desenho como a sua arte. Gosta de dizer que é apenas ele. Um estilo e uma vontade que despertaram tarde:“O jeito para o desenho começou na faculdade onde tive três anos intensivos de desenho com o mesmo professor e foi ele que fomentou em mim a paixão, o desejo e a vontade de desen-har”. Terminada a faculdade, a vontade foi um mar. Umas vezes maré baixa, outras alta. Até que, há dois anos, Joel apanhou a onda, inscreveu-se numa o�icina de desenho e o lápis não mais lhe saiu dos dedo. “Foi nessa o�icina de desenho que perdi um dos meus grandes medos que era desenhar em

público e ter a sensação das pessoas estarem a olhar para o meu trabalho”, conta o desenha-dor. Hoje é comum vê-lo sentado num qualquer lugar munido do seu lápis e do seu bloco: “Há um certo espaço temporal da observação ao registo. Por vezes tento diminuir esse intervalo, quase registando automaticamente o que o olho vê. Captar a informa-ção crua. Outras vezes tento captar o pormenor e as formas de uma maneira mais relaxada, com mais tempo e espaço”. Do olho até ao lápis,gosta de captar momentos.

Pessoas conhecidas ou anóni-mas, locais públicos ou os pormenores recônditos. Para Joel é “quase como fotografar com a caneta”. Uma entrega e uma paixão que não lhe chegam para sobreviver, mas que garan-tem o conforto da expressão pessoal: “Neste momento vivo para o desenho mas não me importava de viver do desenho”. Um futuro incerto, mas uma busca insaciável: “Falta-me captar mais rápido e com mais perfeição. Isso falta sempre”.

cultura

“ “Desenhar é quase como fotografar com a caneta

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Cultura

A operação Condor foi uma estratégia político-militar que as ditaduras sul-americanas, sob alçada dos Estados Unidos, levaram a cabo para por �im à oposição de índole comunista apoiada pelo bloco soviético. Os resultados foram 100 mil assassinatos e 400 mil torturados. Foi aqui que se concentrou a objetiva de João Pina.

Para quem trabalha com a imagem, o primeiro desa�io foi perceber como fotografar algo que já não está. Foi então que João se concentrou na sombra do legado. Durante oito anos fotografou, por todo o continen-te sul-americano, as marcas que o tempo deixou. Fotografou e entrevistou os resistentes, muitos deles com doenças do foro psíquico devido às torturas, acompanhou prisões e julga-mentos daqueles que perpetr-aram os crimes e esteve junto dos restos mortais daqueles que não resistiram e que, ao longo dos anos, têm sido descobertos nas várias valas comuns onde eram enterrados. “Foi um proje-to pessoal que veio na sequên-cia de um trabalho que tinha

feito em Portugal sobre os presos políticos do tempo do Estado Novo. Depois disso, vi que um país como Portugal não me chegava e quis alargar para a América Latina”. Seguiram-se seis países.

Numa casa de tortura no Chile ou numa prisão de São Paulo, o disparo da sua máquina ouviu-se. “Fui captando esses momentos com a esperança de criar uma memória coletiva”. João não larga a sua câmara, mas vêm do jornalismo. “No meu trabalho, eu olho e penso. Com-qualquer jornalista tenho as minhas fontes e histórias". Pina já foi publicado no New York Times, na New Yorker, na Time, no El País, no Expresso e na Visão. Uma carreira feita, essen-

cialmente, no estrangeiro por opção e por falta de oportuni-dades.

“A sombra do Condor” tinha tudo para ser mais uma dessas oportunidades falhadas. “Decidi que ia fotografar isto para a imprensa. Fui falar com os jornais e revistas com quem trabalhava. Acharam interes-sante mas ninguém quis dar dinheiro”. Numa primeira fase, aventurou-se sozinho mas o dinheiro acabou e então surgiu a solução: o crowdfunding. O projeto foi �inanciado a três fases e duzentas pessoas, de 21 países diferentes, ajudaram no �inanciamento. Tudo isto surpreendeu o autor: "Se há dez anos me dissessem que na Inter-net conseguiria 30 mil dólares,

eu não acreditaria". A concret-ização do seu projeto leva-o a incentivar outras iniciativas: "Se encontrarem uma história que querem contar, vocês vão conse-guir contá-la".

“A sombra do Condor” é um projeto que une os tempos. Começou com o autor a achar que “se fala muito pouco na memória”. As di�iculdades foram do presente. “Não temos os recursos �inanceiros de antiga-mente, por isso, temos de ser mais criativos”. A solução, essa, foi de futuro. Uma coisa é certa: o objetivo é sempre intemporal. “Se o público não quisesse, não tinha tanta gente a ajudar”.

Ricardo Couto

No dia 22 de novembro, como parte da sua P.U.L.S.E World Tour 2013, os Brit Floyd deram um concerto no Meo Arena, em Lisboa. A banda de tributo aos Pink Floyd proporcionou ao público um regresso ao passado, ao tocar músicas de vários álbuns de uma das bandas mais in�luentes do século passado.

Depois do sucesso da sua passagem por Portugal no ano passado, os Brit Floyd voltaram ao nosso país, mas desta vez o concerto aconteceu no Meo Arena. A banda encabeçada por

músicas foram feitas", dizia Alice Brás, enquanto o seu marido concordava. O espetáculo multi-média do concerto também não deixou ninguém indiferente. As mensagens políticas e sociais que iam passando no painel colocado acima do palco ajuda-vam a ilustrar as músicas dos Pink Floyd. José Carmo personi-�icava o encontro de gerações proporcionado por este concer-to. Acompanhado pelo �ilho Bruno "para ele saber o que é música", José recuou aos seus tempos de juventude: "Nas minhas festas de sótão só se ouvia Dark Side of the Moon, e

Damian Darlington voltou a brindar o público português com algumas das melhores músicas dos Pink Floyd. Por entre viagens por álbuns como Dark Side of the Moon, The Wall, Wish You Were Here, Animals ou The Division Bell, temas como Time, Money, Another Brick in the Wall (Part 2), Comfortably Numb, Shine On You Crazy Diamond, Dogs e High Hopes não faltaram à chamada. Os Brit Floyd �izeram vibrar a audiência e relembraram uma era que não volta mais. "É tudo, não só as músicas mas também os aconte-cimentos à volta dos quais as

tinha o padrão do The Wall pintado na parede do meu quarto". Já Bruno, ainda que menos entusiasmado que o pai, não deixou de reconhecer a "genialidade e intemporalidade" das obras. Quanto à perfor-mance dos Brit Floyd, Alice saiu "muito satisfeita" do concerto. "São bastante �iéis ao original", acrescentou.

Ainda não se sabe se os Brit Floyd voltam a Portugal no próx-imo ano. Para já, a banda ainda não tem uma tour agendada para 2014.

João Pina fotografou familiares das vítimas desta operação

“A herança da operação Condor pela lente de João Pina”

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Brit Floyd: banda de tributo aos Pink Floyd voltou a PortugalJorge Eusébio

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Elizabeth Olsen apresenta-nos um retrato convincente da ante-cessora no original.

O novo �ilme de Spike Lee prova que nem sempre se devem fazer versões ocidentais de obras-primas asiáticas. “Oldboy” é um caso �lagrante pela polar-ização de opiniões: se o original é brilhante, um exemplar perfeito do que de melhor se faz no cinema oriental, o remake parece esforçar-se por expor a vulgaridade por vezes imprimi-da por Hollywood nos �ilmes mais básicos.

Nota: 2/5

original, sem que Lee tenha imprimido qualquer tipo de originalidade às cenas. Em vez disso, �icamos muitas vezes a relembrar o original em vez de apreciar o remake, por culpa própria do último.Há que deixar a ressalva: fazer um remake de Oldboy não seria tarefa fácil para ninguém, e não é descabido dizer que muitos produziriam um resultado igual-mente negativo (ou pior) no lugar de Spike Lee. O �ilme do sul coreano Chan-wook Park é brilhante, com um visual onírico que �ica na retina de qualquer um que veja o �ilme. Contudo, Spike Lee não aproveitou o enorme potencial que o original lhe oferecia para aliar o talento que tem ao brilhantismo que o �ilme trazia na bagagem. Os pontos positivos do original parecem ter sido esquecidos, substituídos por uma iconogra-�ia que parece, muitas vezes, demasiado forçada.Com efeito, os dois únicos pontos positivos do �ilme são as duas personagens principais: Josh Brolin encaixa perfeita-mente no papel do anti-herói e

O elenco é chamativo: com Josh Brolin como cabeça de cartaz, o �ilme conta ainda com Samuel L. Jackson, Sharlto Copley, Eliza-beth Olsen (não, não é uma das gémeas; é a irmã mais nova) e Michael Imperioli nos principais papéis. O �ilme conta a história de Joe Doucett, um homem obcecado por se vingar de quem o manteve preso durante 20 anos, à procura não só de vingança mas também de respostas, já que não sabe a razão pela qual foi con�inado a

“Oldboy-Velho Amigo”: Culto (mal) revisitado

Spike Lee nunca gostou de desa�ios fáceis. O mais recente �ilme pela mão do realizador norte americano não foge à regra. Ao tomar em mãos o remake de “Oldboy”, a obra-prima de Chan-wook Park e o primeiro �ilme de uma trilo-gia de �ilmes dentro da mesma temática, a vingança, Lee estava ciente de que independentemente do resultado seria criticado por uns e aclamado por outros.

O elenco é chamativo: com Josh Brolin como cabeça de cartaz, o �ilme conta ainda com Samuel L. Jackson, Sharlto Copley, Eliza-beth Olsen (não, não é uma das gémeas; é a irmã mais nova) e Michael Imperioli nos principais papéis. O �ilme conta a história de Joe Doucett, um homem obcecado por se vingar de quem o manteve preso durante 20 anos, à procura não só de vingança mas também de respostas, já que não sabe a razão pela qual foi con�inado a

uma existência solitária e acor-rentada.Dez anos depois do original, o �ilme chega às salas de cinema de todo o mundo, e enfrentou desde logo uma boa dose de desilusão. Há �ilmes onde se questionam as razões desse feedback negativo. Oldboy (o de 2013) não é um deles. Podemos identi�icar rapidamente as duas causas principais do falhanço do �ilme de um realizador que nos trouxe “Não Dês Bronca” (pelo qual foi nomeado a um Óscar): a primeira razão é o facto de o �ilme não conseguir distin-guir-se em nenhum momento do original. A segunda é a falta de qualidade quer como remake quer como �ilme independente do predecessor.

Spike Lee parece, neste �ilme, ter abandonado todas as carac-terísticas visuais que o distin-guiram no trabalho até aqui, apenas para adotar o estilo visual de qualquer thriller de sábado à tarde. Quanto à �ideli-dade ao original, esta prende-se com tudo o que está mal e deixa de parte o positivo: o �ilme relembra-nos, a cada frame, do

original, sem que Lee tenha imprimido qualquer tipo de originalidade às cenas. Em vez disso, �icamos muitas vezes a relembrar o original em vez de apreciar o remake, por culpa própria do último.Há que deixar a ressalva: fazer um remake de Oldboy não seria tarefa fácil para ninguém, e não é descabido dizer que muitos produziriam um resultado igual-mente negativo (ou pior) no lugar de Spike Lee. O �ilme do sul coreano Chan-wook Park é brilhante, com um visual onírico que �ica na retina de qualquer um que veja o �ilme. Contudo, Spike Lee não aproveitou o enorme potencial que o original lhe oferecia para aliar o talento que tem ao brilhantismo que o �ilme trazia na bagagem. Os pontos positivos do original parecem ter sido esquecidos, substituídos por uma iconogra-�ia que parece, muitas vezes, demasiado forçada.Com efeito, os dois únicos pontos positivos do �ilme são as duas personagens principais: Josh Brolin encaixa perfeita-mente no papel do anti-herói e

Simão Freitas

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Not so Pearl JamInês Barbosa

“Lightning Bolt” é o décimo álbum de estúdio dos Pearl Jam e é o primeiro dos dez que me desilude francamente.

Não há uma boa maneira de descrever o conjunto das doze músicas que formam este novo álbum, mas a melhor palavra que me surge é... confusão.Confusão porque começa com algo tão brutal e tão “rockeiro” como a faixa “Getaway” e logo a seguir passa para coisas absur-das como “Mind Your Manners”, a que se seguem outras quase inexplicáveis e nada típicas de Pearl Jam como “Pendulum” e “Swallowed Whole”. O facto de não serem típicas do estilo da banda não teria necessaria-mente que as tornar piores, mas neste caso, é isso mesmo que faz.No entanto, o álbum acaba numas quatro ou cinco músicas

mais aceitáveis, que me �izeram querer dar-lhe mais uma opor-tunidade, ainda que só para ouvir essas tais últimas faixas.Se tivesse que destacar algo pela positiva, escolheria “Sirens”, “Let The Records Play” e “Sleeping By Myself” que, elas sim, me conse-guiram relembrar as razões pelas quais conto Pearl Jam entre as minhas bandas preferi-das desde há tanto tempo.É possível que, nestes quatro anos que passaram desde que “Backspacer” foi lançado, eu me tenha deixado habituar demasi-ado ao estilo a solo de Eddie Vedder e seja por isso que agora estranho tanto o som deste novo trabalho; no entanto, continuo a

achar que estes não são os Pearl Jam que eu conheci.E, ao contrário de muitas das opiniões que tenho lido, eu não acho que os Pearl Jam devam regressar ao estilo “grunge” que caracterizou o início da banda, porque tantos anos e tantas mudanças depois, iria provavel-mente soar demasiado forçado.O que eu queria era um só um bocadinho menos de estranheza neste álbum, e um bocadinho mais de coerência musical. E um bocadinho mais daquela “qualquer coisa” que os Pearl Jam costumavam ter e que em Lightning Bolt não se fez sentir.

Nota: 3/5

crítica cultural

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INESC aposta em projeto de planeamento estético do cancro da mama

ciência & tecnologiaProjecto MyFarm.com: o Farmville na vida real

A iniciativa MyFarm.com surgiu em 2011 no Instituto Politécnico de Beja, a partir de uma colaboração entre o pro-fessor Luís Luz e seis alunos da Escola Superior Agrária, e permite a qualquer pessoa ter uma pequena horta, que pode controlar de forma simples a partir da sua própria casa. Trata-se quase de transformar em realidade o Farm-ville, o famoso jogo do Facebook, mas tendo muito menos trabalho.

“As pessoas criam uma conta [no site] e a conta dá-lhes acesso a um espaço virtual onde eles vêem a sua horta virtual, uma horta que tem 7x7 metros quadrados e em cada um desses metros quadrados eles podem escolher o que é que lá querem plantar.”, explica Luís Luz, responsável pelo projecto, “Têm um menu com todos os produtos disponíveis para plantar ou semear, consoante a época obviamente, e vão eles próprios desenhando com o rato a sua horta, vão dizendo o que é que querem lá pôr. Vão recebendo ao mesmo tempo informação sobre as quantidades e as previsões de quando é que a colheita poderá estar pronta e vão de�inindo assim a sua horta.”

Posto isso, a equipa do MyFarm disponibiliza a cada um dos seus agricultores virtuais um gestor de clientes, que “vai ser a ponte entre a horta real e o nosso agricultor virtual, e que vai acompanhar todo processo da horta real, dando aconselha-mento depois ao nosso e-agri-

cultor”.O investimento inicial que é

preciso fazer para ter uma horta no MyFarm é de cerca de 90 euros, embora dependa da zona do país onde a horta está a ser construída.“É preciso investir como se fosse uma horta real, porque é mesmo uma horta real.”.

Ao contrário do Farmville, no entanto, os “e-agricultores” podem mesmo visitar a sua horta e até trabalhar nela, se quiserem, o que depois lhes vai trazer recompensas.

“Nós consideramos que há duas vertentes de agricultores virtuais. Há aqueles agricultores ‘de sofá’, aqueles que querem apenas controlar tudo pela internet, que podem ir visitar a sua horta de vez em quando mas não querem fazer lá trabalhos nenhuns, mas temos depois aquilo a que nós chamamos os nossos agricultores virtuais ‘de galocha’, que são aqueles também controlam tudo na net, mas que quando nós os convida-mos a ir à horta fazer pequenas tarefas eles vão, levam a família e desta maneira nós até os

recompensamos com créditos para a sua conta, ou seja, no �im torna os custos com a sua horta mais baixos.”

Mas o MyFarm também tem preocupações sociais: um dos objetivos atuais da iniciativa é apoiar a pequena agricultura local tanto quanto possível e ao mesmo tempo tentar ajudar instituições de solidariedade social. O projeto nasceu em Beja, mas já cresceu até Sintra e os planos são para que possa crescer ainda mais no futuro.

“Queremos aos poucos ir alargando, criando mais pequenos agriparques nas zonas

urbanas.”.Luís Luz refere que a adesão à

iniciativa tem sido bastante boa e com perspetivas de aumento, ainda que haja sempre algum receio inicial por parte dos ‘e-ag-ricultores’ de que as coisas possam não correr bem.“Eles no início têm algum receio porque, como não percebem muito bem o que é a agricultura, mas com o tempo, Certi�icam eles próprios a qualidade dos legumes”, conta o professor. “São agricultores virtuais que usufruem de uma forma saudável daquilo que a agricultura também tem de bom para lhes dar.”

Inês Barbosa

A Unidade de Telecomuni-cações e Multimédia (UTM) do INESC Porto encontra-se a desenvolver um projeto de plan-eamento do resultado estético pós-cirúrgico em pacientes com cancro da mama. Esta iniciativa está inserida no projecto euro-peu PICTURE (Patient Informa-tion Combined for the Assess-ment of Speci�ic Surgical Outcomes in Breast Cancer) e engloba uma parceria entre vários centros europeus, dos quais fazem parte o INESC, a marca Philips, um hospital em

dos tem a seu cabo uma parte diferente do projeto global.

“Nós no INESC vamos constru-ir um modelo paramétrico para a mama e depois vamos tentar adaptar a informação especí�ica de cada paciente ao modelo que construímos. Com esse modelo paramétrico adaptado a cada paciente.”, explicita o investi-gador.

As expectativas quanto ao seu potencial sucesso são elevadas, uma vez que a iniciativa é inova-dora e permitirá explorar novas e variadas estratégias quanto à cirurgia mamária.“A ideia é que todos os centros clínicos possam

Londres e outro na Holanda.“Basicamente a ideia global do

projecto é, sabendo onde está a posição do tumor e as carac-terísticas, tentar prever como é que a paciente vai �icar e qual vai ser o resultado após cirurgia.”, explica o professor Hélder Oliveira, uns dos responsáveis pelo projeto, “Tudo isto de uma forma pré-operatória, isto é, a própria paciente pode consultar diversos centros ou diversas hipóteses de cirurgia e perceber qual a que melhor se adequa àquilo que ela quer. ”Sendo uma colaboração a nível europeu, cada um dos parceiros envolvi-

usar o software. Todos eles estarão interessados em mostrar de uma forma mais e�iciente como é que a paciente vai �icar. Os cirurgiões fazem uns desenhos no papel para mostrar à paciente como ela vai �icar, mas nunca é tão fácil como se tiver-mos uma visualização tridimen-sional do resultado e o nosso projeto vai permitir isso.”

O projeto PICTURE iniciou-se em Fevereiro deste ano e irá até Janeiro de 2016, sendo que os primeiros resultados são esper-ados para Abril de 2014.

Inês Barbosa

O MyFarm.com transformou a agricultura virtual em agriculutra real

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tempo com o comando pousado do que a premir botões freneti-camente até devastarmos horde atrás de horde de inimigos.

A história é o maior atrativo, e o maior ativo: dividido em 20 segmentos de forma não cronológica, “Beyond” acom-panha a vida de Jodie Holmes (interpretada por Ellen Page) desde criança até à idade adulta. Até aqui nada de mais. O que torna Jodie especial é a entidade sobrenatural que está permanentemente ligada a ela (a quem chama Aiden), e que ela consegue controlar, mas não totalmente, com a mente. Esta capacidade sobrenatural traz-lhe vantagens, mas também muitos problemas.

O que é recompensador nesta

história é vermos Jodie (e também Aiden) crescer à medida que enfrenta os prob-lemas que lhe vão surgindo, que vão desde a angústia adoles-cente de não poder ir a festas até uma missão secreta na Somália, ao serviço da CIA.

A jogabilidade permite ao jogador sentir com mais inten-sidade os estados mentais de Jodie, e aproveita as potenciali-dades da PlayStation 3 para tornar o jogo o mais intuitivo possível. O melhor exemplo disso é o sistema de luta, que aproveita os sensores de movi-mento para aumentar a adrena-lina nos momentos mais movi-mentados.

Apesar do jogo ser, em grande parte, desenhado como um

A maturidade da startup, segundo o CTO, dá já alguma segurança aos seus fundadores que, no que toca a planos futuros, preparam uma ida para os Estados Unidos da América: “Abrir uma subsidiária e ter uma presença comercial. Em termos de desenvolvimento vai continuar cá. Somos uma empresa de segurança infor-mática ou segurança web e o mercado principal para esse tipo de tecnologias é lá. Nós temos, neste momento, cerca de 7500 empresas a usar o nosso produto e sem dúvida que o país que mais usa é os Estados Unidos. Essa passagem está a ser preparada.».

encontram-nos e dizem que a nossa solução não tem compa-ração com as outras”, revela Pedro Fortuna.O título de Melhor Startup Portuguesa atribuído pela EuroCloud “não teve grande impacto em termos de vendas porque prémio é local e nós vendemos para fora”, mas a “altura em si” foi um marco para a empresa porque lançaram uma nova versão do JScrambler e consideram que chegaram “a um patamar e a um marco já de alguma reputação. Também fomos noticiados no TechCrunch o que é, para quem trabalha nesta área, uma medalha.”, conta Pedro Fortuna.

A meio do caminho começamos a fazer uma solução que era de auditoria mas havia uma parte do código dessa solução que corria no computador da pessoas. Sentimos necessidade de proteger esse código. Fazer com que não fosse fácil para alguém que quisesse continuar a fazer fraude, desligar ou desactivar o nosso mecanismo pois a nossa auditoria seria posta em causa. Não encontra-mos solução no mercado que nos enchesse as medidas e então decidimos fazer uma solução dentro de portas, uma solução para proteger o código, ou seja, para tornar di�ícil a quem tem essa intenção, alterar o código cometendo fraude.”A solução que veio complemen-tar uma lacuna no mercado da protecção de código é já recon-hecida mundialmente e prova disso é “o facto de grandes empresas no mundo encontrarem-nos, não somos nós que vamos até eles dizer que temos este produto. Há uma necessidade que existe e se existe, tal como nós �izemos ao procurar as soluções que havia, os outros também procuram e

Auditmark, a startup made in Porto que é anti-hackers

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Ana Luísa Azevedo

Começaram em 2008 com ideias de criar um produto que controlasse a publicidade online, mas quis o destino que o rumo fosse diferente. Hoje, têm um dos mais e�icazes programas de protecção de código Java.

Incubado no UPTEC, o Audit-mark tem dado que falar na área da tecnologia e protecção de código online. Surgiu em 2008 liderado por Pedro Fortuna, ex estudante da Facul-dade de Engenharia do Porto, e não parou de crescer. Em Outu-bro, foi considerada a Melhor Startup do Ano ao receber o EuroCloud Award pelo produto JScrambler, que, no mercado há cerca de três anos, conta já com quase 10 mil utilizadores de mais de 100 países. Pedro Fortuna, CTO da empresa, conta que os planos iniciais não passavam pelo JScrambler e que foi tudo uma questão de necessidade: “A Auditmark nasceu para fazer um propósito que era criar uma solução de auditoria de clicks de cam-panhas de publicidade online.

A Auditmark prepara a abertura de uma subsidiária nos EUA ondetem uma presença forte.

Crítica: A vida é bela... e complicadaSimão Freitas

“Beyond: Two Souls” acom-panha a vida de Jodie Holmes desde criança até à idade adulta enquanto convive com uma entidade sobrenatural, que a ajuda ou prejudica nos (muitos) problmas que tem de enfrentar ao longo dos anos.

Antes de comprar “Beyond:Two Souls”, lembre-se: este exclusivo para a PS3 foi desenvolvido pela Quantic Dream, produtora francesa de videojogos que �icou conhecida pelo esmagador sucesso “Heavy Rain”, lançado em 2010. Assim, Beyond segue a mesma linha do predecessor: é um jogo ‘cinematográ�ico’, um drama interativo onde passamos mais

�ilme, as interações que fazemos com os outros ou com o que nos rodeia acabam por ser, quase sempre, interes-santes, já que são normalmente para produzir uma reação noutra personagem ou para ajudar ao desenrolar da história.

Por outro lado, a ordem não cronológica da história pode apanhar os mais desatentos, perdendo boa parte do que é o jogo ao perder a história.

Não há dúvidas que “Beyond: Two Souls” vai �icar na história dos videojogos, e pela positiva. Fica a ideia de que poderia ser uma obra-prima se tivesse sido melhor executado. Ainda assim, é um must-buy para qualquer gamer que se preze.

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editorial & opiniãoEditorialNovos desa�ios

O primeiro desa�io é relativo ao jornalismo. O jornalismo atravessa uma fase crítica da sua história. Estamos numa era de transição entre o papel (que ainda subsiste e é o ganha-pão dos jornais) e o mundo eletróni-co. Há que perceber o contexto em que surgem o jornais na internet: gratuitos. Mas no papel nunca foi assim. Sempre se pagou pelos jornais, e de repente deixou de se pagar para ter acesso a notícias. Era uma subversão da ordem estabeleci-da. E o que estamos a assistir nos dias de hoje é simplesmente a reposição da ordem natural das coisas.Ninguém trabalha sem receber nada, e não há jornalismo de qualidade sem dinheiro. Apesar de toda a liber-

dade e toda a aura de gratuiti-dade proporcionada pela inter-net, este processo acaba por ser natural.

No meio de toda esta turbulên-cia no mundo do jornalismo, estão os jornais locais. Muito mais limitados, são os parentes pobres das empresas de media. Não podem cobrir os prejuízos com lucros provenientes de outros setores da empresa, porque não os há. E num clima económico como o atual, é impensável almejar lucro através da modernização. Se nem as receitas de publicidade online cobrem os custos dos sites dos grandes jornais, os pequenos nem ousam sonhar com isso. E se a esta as�ixia económica juntarmos a

dependência que os jornais locais têm relativamente a empresas e autarquias, é fácil de constatar que estamos perante tempos de grandes problemas para este tipo de jornalismo. Garantir a sua independência é fulcral.

O outro desa�io está relaciona-do com o futuro político do nosso país. Os atuais partidos estão gastos, e os portugueses acreditam cada vez menos neles. Isto é comprovável pelo número de votos brancos e nulos das últimas eleições autárquicas. Neste momento, o espectro partidário português encon-tra-se acomodado e estagnado.. Nesse sentido, o aparecimento do LIVRE saúda-se. Independen-temente da sua ideologia,

saúdam-se as motivações de alguém que não se conforma com a situação atual e não se protege debaixo de um posicio-namento ideológico estático. Este dinamismo do LIVRE podia ser arrastado para outros seto-res políticos. E se há um descon-tentamento nalguns setores da direita, porque não o apareci-mento de uma alternativa à atual coligação? Todo o país sairia a ganhar com um verdadeiro debate ideológico. Urge uma re�lexão séria e profunda sobre o que o país precisa no pós-troika. A�inal, estamos todos fartos da política feita pelos mesmos e para os mesmos, carregada de clichés e soundbytes vazios.

Percorremos os grandes escri-tores do mundo premiados com um Nobel. A bandeira portugue-sa surge apenas uma vez, com a data de 1998. O nome José Sara-mago �inaliza a menção exclu-siva de tão pequeno país, no meio de tão grandes autores. Hoje, celebramos os 15 anos desta conquista. Perdão. Não encaremos isto como uma conquista, vejamos além disto, porque já dizia o outro «Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.». Dissequemos.

Saramago foi o único portu-guês a ganhar tal prémio e não poderia ter sido de outra forma. José representa o verdadeiro português. Nasceu no Alentejo, no coração da alma lusitana, na pacatez do chaparro, que tanto o marcou.

histórias», cresceu e trabalhou como serralheiro. Foi crescendo e seguindo as histórias, até chegar a escritor. O caminho foi longo, mas o talento falou mais alto. Saramago tinha um olho clínico que analisava como ninguém. Dissecava tudo. Era crítico, atento e perspicaz. Acima de tudo, queria mudar as coisas. Uma esperança que se mostrava em homens que �icar-am tão cegos que viveram como cães, ou através de pobres cam-poneses que perderam a vida entalados entre as rodas das carroças que transportavam as pedras de um convento majesto-so em Mafra. Saramago foi do povo. O amor de Blimunda, tão simples, tão cheio de nada. Sara-mago foi um homem de amor. A busca constante de Deus, tão inquietante. Saramago foi um homem que queria acreditar. Um padre que constrói uma máqui-na voadora que se alimenta de vontades. Saramago foi um sonhador.

O �im do Ano da Morte de Ricardo Reis: «Aqui, onde o mar se acabou e a terra espera.».

O nobel iniciaria o seu discurso na Academia Sueca da seguinte forma: «O home mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever.». Questiono o que terão pensado os nórdicos com esta declaração, um país que em 98 já tinha 99% da população alfabetizada? O que passou pela cabeça daquela sala cheia de intelectuais? Aposto que Saramago se diver-tiu. A verdade é que o autor contou que transportava os avós, simples camponeses, para as personagens que idealizava e que, posteriormente se tornava ele próprio «criador dessas personagens, mas, ao mesmo tempo, criatura delas». Das origens para as origens, Sarama-go foi cedo para Lisboa, mas não foi o cosmopolitismo que o atraiu, foi sim o «na aldeia andei sempre descalço até aos 14 anos», foram as «palhas agar-radas ao cabelo», foi o «passar da parte cultivada do quin-tal para a outra onde se encontravam as pocilgas», foi a «grande tigela de café com pedaços de pão». O pequeno José, neto de um «contador de

Ana Luísa Azevedo

1998 - José SaramagoSaramago foi um homem de fado. A evocação de uma nova interculturalidade, tão utópica, em A Jangada de Pedra. Sarama-go era um Vasco da Gama. Se isto não é ser português, então não é nada. 15 Anos de um Nobel da Literatura. Ad aeternum José Saramago. «Termino. A voz que leu estas páginas quis ser o eco das vozes conjuntas das minhas personagens. Não tenho, a bem dizer, mais voz que a voz que elas tiverem. Perdoai-me se vos pareceu pouco isto que para mim é tudo.». Assim seja.

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Crónica

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como em casa de outro casal amigo, que tem animais e, como é normal, tem di�iculdade em controlar os bichos. Então, lá, já estou habituado a ir à casa de banho e a encontrar uma poça de urina no chão, ou de entrar na sala e encontrar em cima do tapete um monte de fezes. Mas, pelo menos, eles não têm prob-lemas em assumir que foram os animais. Apesar de que, agora que penso... aquelas fezes parecem-me grandes de mais para um Scottish Terrier....

Mas, pronto, de qualquer maneira, acho que o que quero dizer é que o melhor caminho é o de deixarmos todas estas falsas aparências, deixarmos de tentar parecer o que não somos, assumirmos as nossas próprias falhas e imperfeições. A�inal, qual é o problema? Já agora, deixem-me dizer-vos que esta até nem é das melhores cróni-cas que eu já escrevi. Basta perguntarem a quem me conhece, que eles dizem-vos logo que sou capaz de bem melhor.

-me em sinal de penitência. O leitor também, certamente (não a esbofetear-se, mas a ter este comportamento, de querer manter sempre as melhores aparências). Uma prova de que eu já o �iz está no que aconteceu a semana passada. Em conversa com uma amiga minha, a certa altura, lamenta ela: “- Oh, ainda não sei o que te vou oferecer nos anos…”. O que é que eu respondo? “- Oh, oh, oh, oh! Deixa-te disso! Eu já te disse que não quero nada!”. O que é que num universo paralelo eu responderia? “Então vê lá se pensas nisso a sério, pá!”. Mas não. Tudo para manter as melhores aparências.

E a questão é que não é só neste aspeto. No outro dia fui jantar a casa de uns amigos, uma casa muito bonita, diga-se de passagem, em que estava tudo impecavelmente arru-mado e o que é que eles dizem mal entro: “Não repares na desarrumação, por favor! Que vergonha...!”. En�im... Contudo, pre�iro que seja assim do que

meno, naquele almoço, manifestou-se outro.

A certa altura, entre o habitual “Posso provar do teu rosbife?” e o “Acabou-me a bebida. Dás-me um bocadinho da tua Pepsi? Eii, espera aí!!! Só agora é que repa-rei!!! Tu pediste Pepsi!! És parvo ou quê?!? Não sabes que o Ronaldo morre um bocadinho por dentro sempre que um português pede Pepsi?!?”, uma das minhas amigas pega no telemóvel e mostra uma fotogra�ia da mãe a outra pessoa do grupo que ainda não conhecia a progenitora daquela.

Seguiu-se este diálogo: “- Vês? Esta é a minha mãe”, “- Que gira! Ela está muito bem conser-vada!” (nota: eu con�irmo que aquela mãe é, de facto, gira, e está muito bem conservada), “E nesta foto nem está favorecida! Ela é bem mais gira do que isto!!”

E agora pergunto: por que é que nós, seres-humanos, fazemos isto? Eu próprio já o �iz, e envergonho-me e estou neste momento a esbofetear-

Entroikadosmembros do Governo?

Um dos problemas é que os membros do Governo estão enganados. Portugal não foi um bom aluno. Portugal foi apenas o menino querido do professor. enganados. Aquele aluno que concorda sempre com o profes-sor, mesmo que o professor diga para ele se atirar da ponte. E foi isso mesmo que este Governo fez. E para além de se atirar da ponte, fê-lo com tremenda determinação e orgulho, con�iando que estava a fazer o bem, porque era isso que o mandavam fazer. O dito bom aluno ignorou o facto de se poder espatifar-se ao ao atirar-se da ponte. Não pensou nas consequências das ações sugeridas por quem o dirigia.

E o mais irónico de tudo isto é

No outro dia estava num restaurante, a almoçar com uns amigos, e o fenómeno manifestou-se. As minhas glân-dulas salivares retraíram-se e o meu duodeno estreitou-se. Então não é que o empregado de mesa me traz um prato de lulas inteiras, quando eu lhe tinha pedido lulas em tiras?!? Pfff… Tamanha incompetên-cia… Bem… em abono do sr. Neveiros, o tal empregado de mesa, alentejano de gema, é possível que tenha sido o seu sotaque a traí-lo. Realmente, quando me perguntou o que eu ia almoçar, soou desta forma: “E as lulas, vai querer ‘intieras’ ou ‘intieras’?”. Eu, para não parecer que estava chacotear do sotaque do Neveiros respondi “”Intieras””. Mas daí até ele trazer-me inteiras, tenham dó!

No entanto, além deste fenó-meno

Jorge Eusébio

Que é isto que me apresenta, Sr. Neveiros?

Entroikado foi a palavra do ano 2012, de acordo com uma votação organizada pela Porto Editora naquele ano. Mas a verdade é que Portugal �icou entroikado em 2013 e arrisca-se a �icar assim durante mais alguns anos, mesmo depois de sair do programa de assistência �inanceira.

Sairemos do programa, mas será que deixaremos de ter de prestar contas ao Fundo Mon-etário Internacional, Banco Central Europeu ou Comissão Europeia? Continuaremos a manter a aura de bom aluno que tanto é publicitada pelos

que o professor, aparente-mente, também não sabia bem o que andava a fazer. Em conversa com o aluno, dizia tudo o que ele tinha de fazer. Mas nas reuniões com os outros professores, já não tinha bem a certeza se aquilo que estava a dizer ao aluno era o correto.

Uma total falta de rumo.Mais grave é a tentativa de

colagem por parte do menino querido do professor ao verda-deiro bom aluno, a Irlanda.

A Irlanda foi o aluno que percebeu a necessidade de ser ajudado pelo professor, mas que não seguiu cegamente o que ele lhe dizia. Soube perce-ber o que era bom e o que era mau para si.

Os dois alunos tiveram prob-lemas diferentes, mas o menino querido do professor, ao ver

que o bom aluno se safava tão bem, sentiu alguma inveja e quis colar-se ao seu sucesso. Apenas por causa do reconheci-mento que isso lhe traria

Resta saber o que vai acon-tecer quando o aluno Portugal for para a Universidade. Se saberá estudar por si próprio ou se continuará entroikado. Se terá de ir bater à porta do seu antigo professor em busca de nova orientação. O verdadeiro bom aluno, a Irlanda, está prestes a descobrir sozinho os novos corredores e as novas portas que se lhe abrem. Pode olhar para o futuro sem descon-�ianças.

Daniel Cerejo

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Diretores: Ana Luísa Azevedo Inês Barbosa Jorge Eusébio Ricardo Couto Simão Freitas - Ateliês de Jornalismo - 2013

O Jardim de S.Lázaro no Porto é um ponto de encontro entre gerações. Mas não só. Esta senhora, presença habitual no

destaque

jardim, já trata as pombas como amigas.

Neste instante é captada a cumplicidade entre duas

mais

foto do dia

espécies tão distintas como o Homem e a pomba.

Pudesse ainda a pomba ser levada como o seu sentido

metafórico e, de pronto, a�irma-ríamos que alguém almeja a tão desejada liberdade. A da alma. A paz de alma.

menos

Rui Costa, ciclista portugês merece ser �igura de destaque pelo excelente ano de 2013 que teve.

As constantes vitórias atiraram-nos para o topo do ciclismo mundial, onde se

espera que seja o seu lugar nos próximos anos. Com a mudança de equipa, espera-se que mudem também as aspirações de Rui. A liderar uma equipa de top mundial, as etapas começam a ser curtas e vem a sede pelas grandes voltas. Será desta que teremos um português no topo do pódio nos Campos Elísios?

O pedal está do lado do poveiro que já mostrou capacidade para surpreender.

Kim Jong Un - O líder norte-coreano continua a desilu-dir. Não que se esperasse muito dele, mas a sua educação ociden-tal poderia evidenciar algum tipo de abertura. Mas não.

Pelo contrário: Já eliminou 2 dos seus mais próximos colab-oradores (um deles seu tio) e parece ser implacável. À imagem do seu pai e do seu avô, não parece ter qualquer tipo de compaixão no que concerne à liderança do regime mais fecha-do do mundo.

Quem sofre, como sempre, são os norte-coreanos. Não terão uma mudança de regime nos pŕoximos longos anos.