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O ADJECTIVO EM TERÊNCIO

COLOCAÇÃO E MÉTRICA

A liberdade de colocação das palavras na frase é numa língua de flexão casual, como o latim, mais pronunciad? Jo que em portu- gués. O exemplo clássico é o da frase Petru¿ necat Paulum que, em latim, pode apresentar, pelo menos em teoria, seis (1) disposições diver- sas dos três termos que a constituem.

Em português, todavia, não é indiferente dizer Pedro mata Paulo ou Paulo )nata Pedro; a verdade é que, nestas duas frases, com a inver- são dos termos, opera-se simultáneamente a inversão do sujeito e do objecto da acção, não apenas no plano gramatical, mas também no da realidade física.

E as colocações do tipo de Pedro Paulo mata 011 Paulo Pedro mata, para já não falar de Mata Pedro Paulo ou Mata Paulo Pedro, são absurdas, a menos que se objective o complemento directo da acção expressa pelo verbo, por meio da preposição «a». Assim mesmo, construções como A Paulo mata Pedro ou Pedro a Paulo mata, ou ainda, Á Paulo Pedro mata, bem como as duas últimas, Mata Pedro a Paulo e Mata a Paulo Pedro, são sentidas como demasiado forçadas, embora em grau diferente (2), para serem admi- tidas no uso normal da língua.

Deste modo, na frase-tipo Pedro mata Paulo, a falta de desinências casuais de sujeito e complemento torna a ordem de colocação sujeito- -predicado-objecto directo verdadeiramente obrigatória e, como acen- tuou J. Vendryes (3) a propósito do francês, «a ordem das palavras é aqui um morfema»: «[...] les désinences us et um dénoncent le rôle que les deux substantifs jouent dans la phrase, indiquant quel est le

(1) Trata־se de permutações de três objectos, A, B, C, isto é, 3 x 2 x 1 = 6 .(2) A mais natural é ainda Mata Pedro a Paulo que pode ser empregue no

uso literário do português.(3) Le langage. Introduction linguistique à Vhistoire. Paris, 1939, pág. 93.

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AMÉRICO DA COSTA RAMALHO2

sujet et quel est le régime. Le seul indice qui donne le français est l’ordre des mots: l’ordre des mots est ici un morphème»

Entretanto, das seis variações possíveis na apresentação da frase referida, três são, em latim, as mais naturais, a saber, Petrus necat Paulum, Petrus Paulum necat e Paulum necat Petrus; e nessas ainda, a ordem dos termos tinha para os latinos um. valor psicológico que os levaria, para determinado caso particular, a preferir, com mais probabi- lidades, determinada ordem a outra qualquer. Como diz Yendryes (1): «[...] l’analyse logique ne perçoit aucune différence. Et cependant le choix entre les trois ordres n’est pas indifférent. Un Latin ne s’y serait trompé». Quer dizer: embora em latim a ordem das palavras seja, em teoria, livre, na realidade, certas limitações provenientes do uso da língua tendem a dar às palavras uma colocação mais fixa, do que aquela que as aparências poderiam deixar supor. A essas limitações será exagerado chamar leis, ou mesmo, regras. Chamemos-lhes, então, mais de acordo com as realidades, simplesmente tendências.

A determinação das tendências de colocação das palavras na lín- gua latina, constitui um capítulo importante da estilística do Latim— estudo a que, mais do que qualquer outro, se tem dedicado o Prof. J. Marouzeau da Sorbonne, um dos mais famosos latinistas da actuali- dade. A ele pertencem, além de outros relacionados com o mesmo assunto, os volumes seguintes todos eles relativos à investigação sobre a colocação em Latim: Vordre des mots dans la phrase latine, t. 1: Les groupes nominaux. Paris, Champion, 1922; 1.11: Le verbe, Paris, Cham- pion, 1935; t. ni: Les articulations de Γénoncé, Paris, Les Belles Lettres, 1949. Estes três livros foram condensados e sistematizados num só, publicado recentemente, com o título de Uordre des mots en Latin. Volume complémentaire avec exercices d'application et bibliographie. Paris, Les Belles Lettres, 1953.

Neste momento, dos livros acima citados do ilustre Mestre pari- siense, interessam-nos sobretudo o primeiro e o último, pois ambos se ocupam da colocação do adjectivo em Latim. Ora, no presente estudo sobre o adjectivo terenciano, ocupar-nos-emos extensamente do problema da sua colocação. Deste modo, será conveniente resu- mir as ideias do Prof. Marouzeau sobre a questão da ordem das pala- vras, no capítulo do adjectivo, e parece-nos preferível fazê-lo com os

(1) Le langage, pág. 167.

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3O ADJECTIVO EM TERÊNCIO

próprios dizeres do Autor, tanto na primeira, como na última obra citadas.

Sobre as relações entre métrica e colocação de palavras, o Prof. Marouzeau pronuncia-se deste modo no seu livro de 1922 (pág. 9):

«On pourra faire une objection préalable à l’utilisation de textes des comiques, du fait que la contrainte du vers peut être dans certains cas une raison déterminante de l’ordre. Mais on sait que la versifi- cation iambo-trochaïque était assez facile pour ne pas imposer une gêne réelle aux poètes comiques, «apud quos, nisi quod uersiculi sunt, nihil est aliud cotidianae dissimile orationis» (Cic., Orat., 20). Fau- drait-il éliminer aussi les textes de Cicéron, sous prétexte qu’ils sont soumis aux nécessités de la prose métrique?

En fait, s’il y a des règles d’ordre des mots, le versificateur n’a pas plus d’excuse pour les enfeindre que le prosateur lui-même. Sans doute il use des facilités que lui offre la liberté de l’ordre des mots, mais dans la mesure seulement où Tordre qu’il adopte ne trahit pas sa pensée. C’est le cas lorsque l’ordre est, comme il arrive, réellement indifférent. C’est le cas aussi lorsque deux ordres différents expri- ment deux sens ou deux nuances également possibles, également accep- tables. Mais s’il arrive que l’ordre imposé par la forme du vers fasse tort au sens ou au style, l’écrivain digne de ce nom se l’interdira au même titre qu’une construction qui violerait la syntaxe; il remaniera son vers jusqu’à ce que métrique, grammaire et style y trouvent leur compte. L’appel à l’exception «propter metri necessitatem» est une échappatoire commode qui dispense trop souvent d’expliquer les cas embarrassants. [...] Deux cas sont à distinguer: ou bien l’ordre est déterminé par de telles considérations, alors c’est que pour le sens il est indifférent, et il ne nous intéresse pas ici; ou bien il n’est pas indif- férent, et alors la raison métrique ou euphonique, n’étant pas détermi- nante, peut être provisoirement négligée (cf. sur cet aspect de la ques- tion, ci-dessous, Conclusion).

Estas linhas do Prof. Marouzeau prestam-se a diversos comen- tários de que, por comodidade de exposição, diferiremos os que dizem respeito à utilização dos versos dos poetas cómicos, para lugar mais oportuno. Ocupar-nos-emos primeiro de alguns usos métricos de colocação dos adjectivos em outros poetas. Às regras de M., como já dissemos, pela nossa parte, preferimos chamar tendências, visto não se apresentarem com a regularidade suficientemente determinada que permita dar-lhes o nome, um tanto dogmático, de regras.

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AMÉRICO DA COSTA RAMALHO4

Para o adjectivo, em relação ao substantivo, a tendência mais geral é a de colocar o adjectivo qualificativo antes, e o adjectivo discrimina- tivo depois, do substantivo (1). Todavia, os autores podem inverter a posição habitual do adjectivo e desta inversão resulta — segundo Marouzeau— um efeito mais expressivo (2).

Não pretendemos negar as regras gerais (susceptíveis de numero- sas excepções e de casos particulares dificilmente explicáveis), formu- ladas há muito (3), tanto mais que elas são, de um modo geral, as mes- mas do francês (4), do espanhol (5) e do português (6). Pretendemos, sim, neste capítulo, valorizar um pouco a influência do metro, de que se faz tábua rasa na investigação do Prof. Marouzeau.

Também não pretendemos negar que entre duas ordens possíveis na colocação dos adjectivos, possa haver apreciáveis diferenças de matiz estilístico, mas parece-nos que o Prof. Marouzeau, ansioso por atirar a métrica pela borda fora, para não ter de preocupar-se com ela, exagera a importância das tendências de colocação do adjectivo, numa como luta de influências com o ritmo, em detrimento deste. Ora a verdade é que, à parte certos grupos que o uso tornou fixos, como

(1) J. Marouzeau, Vordre des mots en latin, 1953, pág. 1 e segs..(2) Idem, idem, pág. 4 e segs..(3) Vinet teria escrito, segundo To bler (extraio a citação de Marouzeau,

I — Les groupes nominaux, 1922, pág. 15): «l’esprit place l’épithète après le subs- tantif, et Tâme la place plus volontiers devant».

(4) Cfr. Marcel Cressot, Le Style et ses techniques. Nouvelle édition. Paris, 1951, pág. 191 e segs. (La place de Vépithète).

(5) Gramática de la lengua española (Real Academia Española), Nueva edi- ción, reformada. Madrid, 1931, pág. 177.

(6) Cfr. A. Epiphanio da Silva Dias, Syntaxe historica portuguesa, 2.a ed., pág. 312, que se detém pouco sobre o assunto: «Os adjectivos attributoscollocam־se depois do seu substantivo, quando não são de modo algum epithetos oratorios ou poeticos: olhos azues, mesa redonda, amêndoa amarga, azeite doce, homem coxo, criança cega, estrela polar, lado direito». Os adjectivos poéticos ou oratórios da terminologia de Epifânio são os qualificativos inerentes a, ou habitualmente ligados a, um substantivo; os que não são de modo algum epithetos oratorios ou poeticos, são os adjectivos discriminativos.

Rodrigues Lapa, in Estilística da Língua Portuguesa, Lisboa, 1945, pág. 148, escreveu: «Podemos pois desde já enunciar esta regra de estilo português: quando o adjectivo está logo depois do substantivo, tende a conservar o valor próprio, objec- tivo, intelectual ; quando está antes, tende a perder o próprio valor e a adquirir um sentido afectivo. Assim «uma rapariga bela» pode não ser «uma bela rapariga», porque a primeira se distingue pela beleza física, a segunda pela beleza moral».

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5O ADJECTIVO EM TERÊNCIO

respublica, magnopere, etc. (e, mesmo nesses, a ordem inversa ocorre), a inversão é n׳ rmalmente possível e, de um modo geral, não é coisa extraordinária. Os próprios grupos constituídos pelo mesmo subs- tantivo e pelo mesmo adjectivo, que têm significado diferente consoante a ordem é subst.-adj. ou adj.-subst., são em latim pouco frequentes, talvez ainda menos do que em francês (cf. as citações de Marouzeau, no seu livro de 1922, pág. 14) e do que em português (1). Isso mesmo reconheceu o ilustre latinista, quando escreveu, nesse trabalho de 1922, a pág. 14: «Il arrivera, comme en français, que le changement d’ordre entraîne un changement de sens: praetor urbanus est «le préteur ur- bain», urbanus praetor «un préteur spirituel». Mais c’est là un cas peu fréquent et facile à interpréter».

Marouzeau consegiu dar apenas um exemplo de real diferença de sentido dum adjectivo, de acordo com a sua posição antes ou depois do substantivo. Mas esse mesmo exemplo é discutível (2) e, pessoalmente, só lhe podemos dar crédito, depois que nos seja mos- trado o autor e o passo em que urbanus praetor signifique «un préteur spirituel».

(1) Em português é conhecida a diferença entre um homem pobre e um pobre homem, em que pobre tem valor diferente nas duas frases. Do mesmo modo, o adjectivo triste em Um santo triste é um triste santo, frase que nos deve ter vindo do francês, pois o dito é atribuído a São Francisco de Sales.

(2) César, por exemplo, que tem pelo menos um praetor urbanus (B. C. ui, 20), usa o adjectivo urbanus, anteposto ou posposto, sempre com o mesmo sentido em urbanae res (B. G., vu, 6) «a situação em Roma», urbanus motus (B. G. vn, 1) «a revolução em Roma», urbana gratia digni tasque (B. C. in, 83) «a popularidade e a consideração em Roma», litterae urbanae (B. AI. lxv) «as cartas recebidas de Roma». O adjectivo passa a ter o sentido de cultivado, elegante, requintado, no tempo de Cicero, como se iê numa sua carta (Fam. ni, 8):

Te hominem non solum sapientem, uerum etiam, ut nunc loquimur, urbanum, non arbitrabar genere isto legationum delectari. Deste sentido fácilmente se passa ao de arguto, espirituoso que parece ser (segundo o dicionário de Lewis and Short) o de homo urbanus no trecho seguinte, também de Cícero (In Verrem, 11, 1, 6): [...] iste, atque istius amici, homines lauti et urbani [...].

E Quintiliano define assim o urbanus homo que, visivelmente, é o mesmo queo homo urbanus de Cicero: urbanus homo erit, cuius multa bene dicta responsaque erunt: et qui in sermonibus, circulis, conuiuiuiis, item in contionibus, omni denique loco ridicule commodeque dicet, Domit. Mars. ap. Quint. 6, 3, 105.

No recente livro do Prof. Marouzeau, Vordre des mots en latin, pág. x, já se não fala do urbanus praetor, mas diz-se simplesmente o seguinte: «L’adjectif urbanus n’est pas plus en relief dans urbanus homo que dans praetor urbanus; la construction

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Portanto, se a inversão de ordem raramente produz em latim uma diferença fundamental de sentido, as colisões entre conveniências métri- cas e conveniências semânticas não constituiriam problema grave para os poetas latinos, antes a semântica, os cambiantes psicológicos e as acomodações métricas convergiriam num todo harmónico.

Quanto à invocação das excepções propter metri necessitatem, capazes de comprometer a aplicação das regras de colocação do adjec- tivo e fautoras (ou, talvez melhor, provenientes) de mera preguiça mental, parece-nos que o Prof. Marouzeau exagera um pouco. Com efeito, se a excepção por necessidade métrica pode ser fácil de inventar, a «explicação» propter metri necessitatem, devidamente fundamentada, é sem dúvida coisa mais difícil do que a aplicação das regras (ou melhor, tendências) da colocação dos adjectivos. Prova disso está em que o ilustre Mestre francês, depois de ter desprezado provisoriamente a influência métrica (peut être provisoirement négligée), relegando-a para o capítulo de Conclusão, acaba por mencioná-la aí de maneira igual- mente tão provisória, que, a bem dizer, a deixa por tratar.

E a espécie de dilema com que termina o trecho atrás citado tem mais interesse como exercício retórico, do que como justa e imparcial (sem ideias preconcebidas) apreciação dos factos.

Atitude mais conforme com a realidade é com certeza a do Autor, não muito adiante, quando, na página 16, põe a questão nos termos seguintes: «Un ordre donné est une résultante, dont 11 est souvent difficile de reconnaître les facteurs déterminants; c’est ce qui explique que l’interprétation des règles de construction est souvent hasardeuse, et que dans la plupart des cas on doit se contenter de reconnaître des tendances, sans prétendre formuler des règles impératives».

Antes de entrarmos no estudo de alguns problemas de métrica e colocação do adjectivo no verso terenciano, mencionaremos brevemente uma questão do metro dactilico. Trata-se da colocação do adjectivo de acordo com as pausas do verso.

ne conditionne ici qu’une différence de sens, urbanus signifiant dans le premier cas «spirituel» et dans le second «urbain»».

Já vimos que o sentido de «espirituoso» não provém da ordem de coloca- ção do adjectivo, mas do contexto. O livro de Ernout-Thomas, Syntaxe latine (Paris, 2.a ed., 1953). pág. 162, menciona também a diferença de sentido entre praetor urbanus e urbanus praetor, mas é provável que a informação provenha de Marouzeau.

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7O ADJECTIVO EM TERÊNC10

Um comentário métrico a estes versos, por breve que seja, não pode deixar de acentuar no verso 1 : a pausa da ces. semiquinária em patulae, epíteto do substantivo final fagi; no verso 2: os pares Siluestrem... musam e tenui...auena, com o jogo das pausas 3/2 — 7/2 pés para o primeiro par, e 5/2 pés — final de verso (idéntica à de patulae...fagi do verso anterior) para o segundo par; no verso 3: o epíteto dulcia, do substantivo final arua, é posto em relevo pela diérese bucólica ; no

É bem conhecido de quantos se habituam à leitura métrica dos hexámetros latinos, que a posição relativa dos epítetos e dos substan- tivos a que aqueles pertencem, é regulada, quando epíteto e subs- tantivo não estão contíguos, pela posição das cesuras métricas. É uma prática de leitura esta que não precisa geralmente de mestre que a elucide. O estudioso que lê por gosto, ou o estudante que lê por obri- gação, se fazem leitura atenta do verso dactilico, acabam sempre por descobrir, mais tarde ou mais cedo este uso dos poetas latinos. E, a partir de certa altura, quando se lê um epíteto a meio do verso, já se olha mecánicamente para o final, em busca do substantivo que lhe per- tence. É que, automàticamente também, logo se adivinhou depois do adjectivo, a existência duma cesura principal do verso, e a escansão reflectida confirma geralmente a intuição. Por vezes, a posição é inversa e o substantivo que ocorre antes da cesura tem como epíteto o adjectivo final do verso.

O processo é relativamente discreto e variado em Virgílio:

Tityre, tu patulae recubans sub tegmine fagi

Siluestrem tenui musam meditaris ctuena:

Nos patriae fines et dulcia linquimus arua,

Nos patriam fugimus; tu, Tityre, lentus in umbra,

Formosam resonare doces Amaryllida siluas.

(Buc. i, 1-5)

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61O ADJECTIVO EM TERÊNCIO

Terêncio temos, pois, até um certo predomínio da colocação inversa da que Plauto prefere.

Num senário iâmbico, o superlativo ocorre duas vezes e em posi- ções opostas:

dicunt: «ius summum saepe summas t malitia.»(Ht. 796)

A frase em que se encontra, é um conhecido provérbio, já qualificado como tal por Cícero (De Officiis, 1, 10) que lhe dá a forma por que ainda hoje o conhecemos: summum ius summa iniuria. No verso terenciano, parece-nos que o quiasmo (ius summum...summa malitia) é menos a causa da colocação de summa, do que a consequência de o super- lativo não poder ocupar a posição final do senário iâmbico. Aliás, não pode pensar-se em que a diferente colocação do adjectivo con- dicione neste caso qualquer diferença de matiz, quando se tem em vista exactamente o paralelismo perfeito entre as duas expressões.

Em dois exemplos que contêm adjectivos (humanus, puerilis) que normalmente aparecem colocados depois do substantivo, a inversão, se é certo que pode atribuir-se a um imaginável valor qualificativo (mais nítido no primeiro, que no segundo) provém certamente da impos- sibilidade de qualquer dos adjectivos ocupar o fim do senário:

haec ego putabam esse omnia humani ingeni mansuetique animi officia.

(An. 113-4)

quid uos, malum, ergo me sic ludificamini

inepti uostra puerili sententia?(Ph. 948-9)

E nos dois versos seguintes, os adjectivos Rhodius e natalis que normalmente têm colocação depois do substantivo, aparecem na posi- ção inversa da habitual:

erat hic, quem dico, Rhodius adulescentulus(E. 423:

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AMÉRICO DA COSTA RAMALHO62

O último pé dos senários iámbicos, com ser obrigatoriamente um iambo (2), exerce uma forte atracção sobre os adjectivos que, quanto ao ao ritmo, são créticos ou terminam por crético. O estudo dessa atracção constituiu o assunto principal do presente trabalho.

Os adjectivos com a referida conformação métrica apresentam-se também de forma peculiar, embora mais livre, nos septenários e octo- nários. Pormenores desse comportamento foram também estuda- dos aqui.

Ao findar a presente investigação, parece-nos ser possível afirmar que na colocação dos adjectivos de fórmula no senário teren-ciano, a constituição rítmica contribui de tal modo para lhes determinar a posição no verso e em relação ao substantivo, que tem de ser reconhe- cida à métrica tanta importância, pelo menos, como às «tendências» de colocação do adjectivo.

(1) Aparece 15 vezes em senários iâmbicos, sempre no fim.(2) E o penúltimo, na grande maioria dos casos, um espondeu, como pode

ver-se nos exemplos citados no decurso do trabalho.

porro autem alio ubi erit puero natalis dies(Ph. 48)

No primeiro caso, o lugar final foi tomado pelo substantivo adu־ lescentulus que tende para essa posição (1); no segundo, um dissílabo iâmbico constitui o sexto pé. Em qualquer destes exemplos, parece- -nos que a colocação do adjectivo é determinada pela métrica.

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INDICE DAS PALAVRAS PRINCIPAIS

inferus 33

infimus 23, 24, 25, 27, 29

ingens 49

inhumanissimus 23, 27, 32

iniustius 42, 43

inmortalis 49, 50

inpotens 34, 50

inpudens 50, 51

inpurissimus 23, 27

inritus 33

instrenuuus 33, 59, 60

integer 60

intumus 23, 27

inutilis 33

iustissimus 23, 26

lepidissimus 23, 24, 25, 27

liber 51, 52

lugubris 33, 39, 40, 59, 60

maiusculus 35

maleuolus 52

maxumus 23, 24, 26, 28, 29, 30, 31,

32, 42

miserrimus 23, 26

muliebris 34

mundius 42, 43

musicus 52, 53, 58

mutuus 34

natalis 61, 62

nobilis 53, 54 ·

nuptiae 20, 21, 22

optumus 23, 24, 25, 26, 29

paruolus 54, 55

pauculus 35, 60

acerrimus 23, 25

adfabilis 32

adulescens 40, 43

adulescentulus 61, 62

argentarius 32

aridus 32

asper 32

Atticus 43, 44

auidior 40, 43

beniuolus 44

caesius 45

callidus 45

carissimus 23, 24, 25, 27

commodus 46, 47

complusculus 35, 60

'conscius 47

difficillimus 23, 27

elegans 42, 47

elegantia 44

eloquentia 44

facilis 41

fallacia 43, 48

familiarior 48

fortunatior 41

fortunatissimus 23, 25

grandior 42

gratissimus 23. 25

grauissimus 23, 24, 25

horridus 33, 35

humanus 61

idoneus 47, 48

ignobilis 33

-ικός (Adjectivos gregos de sufixo) 58

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AMÉRICO DA COSTA RAMALHO64

puerilis 61

Rhodius 61

rusticus 34

Sacra (uia) 11, 12

scaenicus 57, 58

serius 34, 59, 60

simplex 35, 37, 59, 60

sobrius 58

sordidus 33, 35

summus 60, 61

tardiusculus 36

uirgo 20, 25

unicus 59

urbanus 5, 6

paullulus 55

pauper 55, 56

pauperculus 56

pauxillulus 35

perditus 56, 57

perspicax 34, 50

pessumus 23, 24, 29

plenior 41, 42

plusculus 36

praeditus 34

primarius 34, 38, 59, 60

propitius 57

proxumus 23, 24, 26, 29

publicus 34

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BIBLIOGRAFIA CITADA

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AMÉRICO DA COSTA RAMALHO66

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