26
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 2: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

78

de posiçao nesse domínio mesmo que tal se venha a traduzir -como vai ser o nosso caso- numa proposição funda­mental aI/ti-onto16gica alltimetafísica post que, na verdade, embora bjecto material conjunto das Ku/tunvis­sellschaJtell (ou da //lora/is p/I/'/osophia) seja essa mesma res exte/lsa, peculiarmente volátil e proteica, das relações humanas, o bjecto formal da Economia Política lhe proporciona uma marcada consistência pr6pria visto tra­tar-se, basilarmente, das pr6prias condições de vida, tendo por fundamento a base material da existência hist6rica do homem sobre a terra que apenas surge, ap6s o exterm{nio, "a Oriente do Paraíso" (1), situação esta, realmente, insuscep-

defendida em provas públicas em 10 de Outubro de 1988. À parte esta memória e algumas adições já há muito em carteira -e um par de meras actllalizações-, o que ora se publica reproduz, qlla si ipsis verbis, a versão (policopiada) original.

(1) Ver Gél/., 4.16 (sobre o Uexternúnio") e 3.19 (sobre o pão e o suor), estando no texto a palavra exterm(I/io na dúplice acepção, literal (expulsão ou expugnação, desterro) e figurada (destruição), tal como dizimllr significa, na hist6ria, imediatamel/te, cobrar ou extorquir (o J(zill/o ou a décima) e, no entanto, no fi", de COI/tas, talar ou destruir também, bem (ou mal) como elimil/ar (de ex-lili/iI/o, de limes, - itis, ou a fronteira do território) se fez al/iqllilar. Sendo. como é, Ua Génese" o uec plus IIltra do criaciol/ismo ou fixismo (e, como tal, o contraponto do evolllciol/ismo), esse monumental reposit6rio de sabedoria que é a Bíblia constitui. no entanto, um precioso testemunho ("sinal dos tempos") da sua pr6pria sitl/llção no cumprimento do processo histórico; wn s6 ex. o: Caim, agricultor, mata (i. e. sucede violentamente a) Abel, pastor. É, pois, em literal contradição. antag6nica com esta perspectiva que surge o ponto de partida para uma reflexão daqueles que postulam, desde o iJúcio. um arquétipo de "natureza humana" mcontingente e descarnada. como virá a ser o caso do marginalismo, futuro contraditor intencional (por confesso e professo) de Marx, e do • Vulgãrsozialisl/IlIs' do seu tempo ("e. com estes, de uma parte. da democracia"; ver a "Crítica ao Programa de Gotha" - Marx 1975d-, I.2, MEA 4, p. 390), desde Proudhon e os socialistas ricardianos a Lassalle e consortes, a começar por) . F. Bray (socialista ricardiano. autor de Labours rvrol/Ks and labollr's remedy ...• 1839. a quem, aliás, Marx respeita muito mais do que ao destinatário da sua Misere de 111 P/Jilosophie), com sua "fase de transição" (com apropriação colectiva dos meios de produção e

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 3: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

79

tível de conceber-se segundo uma Vlsao escalonada em vários níveis ou esferas do ser, tendo no ápice as ideias il1a(as, essências puras ou arquétipos como hipostase ("verdadeiro ser") que se vma degradando, gradualmente, em sucessivas emanações, nos vários "tE veis de existência multiplicada (ou dividida ... ) ou vários reflexos, progressivamente mais "numerosos" e esmaecidos, da unidade ou absoluto primor­dial (2). Não seria de esperar, portanto -ao menos em

individual dos produtos) em que os trabalhadores permutariam entre si, em 'boards of trade', o equivalente dos respectivos créditos em horas de trabalho, cujo desenho conduzma os permutantes ("Pedro e Paulo") à "poSIção solItária e pouco social" ou ao "estado de Robinson" (pois que, por uma espécie de "concorrência da preguiça", viria "cada IJIII" a produzir cada vez menos, para não desperdiçar "créditos excedentários"); e a terminar (?) com o pr6prio Proudhon que, desprezando (como, em seguida, velhos e novos positivistas) "o método hist6rico e descritivo" de Smith e Ricardo, recorre, por seu turno, à persollificação em "Prometeu" da 'soci!t! eivile' surgida ex nihilo "no primeiro dia da segunda criação" (ver Marx 1961, 1.1-3, pp. 45 e 79-87). Bastaria, contudo, para edificação universal dos unificadores de todas as espécies (velhos e novos promotores da 'soei!t!-persol/ne'), ter lido um trecho de Rousseau (que, aliás, consta da obra do escorraçado cidadão genebrino primo cotlspecttl mais propícia -por seu ep6nimo "contratualismo"- a conferir foros de nobreza à "consciência hist6rica" que a 'soei!t! civi/e' se compraz em obter de si para si mesma, como etemo presellte): 'Je n'ai rien dit du roi Adam ... Quoi qu'il en soit, on ne peut disconvenir qu'Adam n'ait été souverain du monde comme Robinson de son lle, tant qu'il en fut le seul habitant; et ce qu'il y avait de commode dans cet empire était que le monarque assuré sur son trône n'avait à craindre ni rébellions ni guerres ni conspirateurs (Rousseau 1966, I1I.2 i" fine).

(2) Tal como o Platão da alegoria da caverna e (mais remotamentel) a cosmogonia tantra indiana (cfr. Rawson 1973), plotino concebeu a existência como degradação (gradual) do verdadeiro ser, a partir das três primeiras hipostases (o Uno, a Intelig2ncia e a Alllla do MUI/do) e sucessivos níveis derivados ou reflectidos (gradualmente mais apagados) de degenerescência material (ver, para um reflexo deste reflexo, as redondilhas Sóbolos rios que vão, esp. vs. 216-25, da última fase da lírica de Camões, que reencontraremos já a seguir, na nota 6). A projecção metafísica do idealismo ontol6gico profundo a que se faz referência, ilumina e conflIma o ponto Alfa da concepção criacionista: "A piedosa Mme Bourignon tinha

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 4: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

80

princípi~ que nos houvé emo de medir, neste noss d núnio, c m idealistas a este nível (idealistas ou "realis-

a certeza de que Adão era hermafrodita, tal qual o primeiros homens do divino Platão" (Voltaire 1964. s. l'OC. 'Ada/ll', art. de 1767). Quem considera um ponto il/icia/ para o devir da humanidade considera também, "naturalmente", um ponto termil/a/ (o ponto Qmega) de uma peregril/ação de transcendente a transcendente (como ucede com a valência escatológica da mensagem salvítica das religiões), ou de um processo (como ucede, de algum modo, com Platão, mediando umfiaf -paraíso (Fédol/)

perdido (Fedro)- e urna utopia -como é a de A ReplÍb/ica- e com o próprio Hegel, com o "processo" dialéctico rumo à realização da "Ideia Moral": muito prosaicamente e "em vulgar", com o advento do estado prussiano, para não falarmo de um avatar bastardo nosso coetâneo ... ); processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para Marx, desde a "hominização" (com o comlll/ismo primitillo) até à sociedade co,m/r/ista do futuro, cumprido (e a cumprir) sob o signo da desigualdade (ou iniquidade: para um eloquente testemunho neste sentido, ver, entre os demais racionalistas europeus do séc. XVlU, p. ex. o Rousseau 1965, II, pp. 120-2, e Voltaire 1964, s. IIOC. 'II/éga/ité', art. de 1764). Com as conquistas defi­nitivas que transportou consigo (a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e a abolição dos vínculos e outras peias "feudais", contudo alguma portadoras do selo inquestionável dafrafemidade ... ), a Revolução irá exterminar, do lema que a moveu (ou identificou, por exclusão, como obra-prima do "terceiro estado"), precisamente o terceiro termo, Fratemidade (exclllsivista e intruso entre os demais), e a nova ordem será firmada segundo certas Liberté e Ega/ité, situadas e datadas, a consagrar, de facto, a Propriété no vazio consequente à sublimação da Fratemit!: "Liberdade, igualdade e Bentham ... pois ambos [o comprador e o vendedor no mercado 1 cuidam só de si próprios. A única força que os liga e relaciona é a do seu egoísmo, do seu próprio lucro, dos interesses privados. Cada um só pensa em si, ninguém se importa com os outros e precisamente por i so, e em virtude de uma harmonia pré-estabelecida das coisas, ou sob os auspícios de uma providência sumamente engenhosa ['allpfiffig': "toda engenhosa", por alusão à omnipotência, mais no sentido

em que Odisseus era nOÀull~x.otVOç -"das (muitas) artimanhas"- do que naquele em que a Providência é toda poderosa; em todo o caso, tal como a 'i"visible hand' de Smith ou a voz do pregoeiro cego e enlouquecido de Walrasl. cada um trabalha por si e para si e todos acabam por trabalhar para a utilidade e o interesse comum" (Marx 1962, final do cap. 4 -MEW 23, pp. 189-90- e do cap. 6 da versão francesa: Marx 1976a: ES I, p. 135). É este, na verdade, o passo que faltava para a unificação: o do 'homo

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 5: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

81

tas" (3)), embora seja de contar com a presença de marcados resqu{cios de idealismo desse (prot6)tipo, por projecção no domínio (derivado) dagnosiologia e da epistemologia (4): é,no

Clecollomicl/s', que já iremos observar deambulando, solitário, pelas v/!redas da "colina do prazer" de Edgeworth e do último Pareto, e da "empresa representativa" de Marshall. Assim foi abolida, não só a consistência histórica, mas o próprio contexto (ou o sistema de determillações), quer temporal ou diacrónico, quer espacial ou sincrónico, abolição tão ansiada por velhos e por novos "positivistas", por velhos e por novos II/arginalistas (os 'soi disflllt' "lIeoclássicos" ou "neo-lIeoclássicos", consoante sejam, a seu muito pesar, anteriores ou posteriores à Gmllde Depressão e à GI/erra

1/lIldial -i. e. a Keynes- mas todos anteriores ao recente Dilúvio, i. e. a Sraffa 1960). Cfr. as notas 5 e 6.

(3) O termo 'realismo' é, no contexto, extremamente equívoco precisamente por designar os idealistas na célebre "querela dos u/liv/!rsais" sobre a natureza das ideias ou conceitos gerais. A querela dividiu entre si idealistas (neoplatónicos), para quem as ideias inatas eram essências preeminentes no domínio ontológico ("realistas", por isso: por defenderem que as ideias sào "reais", verdadeiros seres a se stfll/tiblls, dotados da 'Selbstandigkeit' hegeliana, e os existentes meras emanações concretas -iII actu- desses seres iII potelltia), e negadores do idealisll/o (neo--aristotélicos), para quem as ideias ou conceitos gerais eram meros nomes ('lIoll/i/la' ou 'verba rerrrlll'; ou, porventura, um pouco mais que isso, como depois veremos: os 'elltilia' de Occam, ou os "entículos" que constituem a representação mental das ideias elaboradas pela análise da res extensa), donde a designação de "nominalistas". Sobre algo disto poderá ver-se Almeida 1970, (3.10, pp. 39-43 e respectivas notas, e o que se segue nesta Parte r, principalmente no Apêndice IV; e, em geral, para um primeiro, contacto e como permanente ponto de referência, (Ferracer) Mora 1977, em trad. porto (sem índice!); palavras-chave: 'apodíctico', 'apofântico" 'aporia', 'atomismo lógico', 'axioma', 'coisa em si', 'dado', 'emanação', 'empirismo', 'entimema', 'hipostase', 'historicismo', ' realismo', 'ideia, ' lógica' , 'matéria', 'materialismo', 'mecanicismo', 'neoplatonismo', 'neopositivismo', 'nominalismo', 'númeno', 'paradoxo', 'positivismo', ' racionalismo' , 'realismo', 'universais' e, no Ap. Hist.o, sobretudo Aristóteles, Berkeley, Espinosa, Hegel, Hobbes, HlIl/le, Kant, Marx, Occal/l, Platào, Plotino, Rllssell e WittgellSteill. Poderá também conferir-se (principalmente sobre sellliótica) Trabant 1980 (Introd. e os 5 caps. da 1.' parte).

(4) Continuaremos a distinguir entre uma e outra das categorias, conservando gnosiologia para a teoria do conhecimento (em geral, i. e. quanto à "posição do homem no mundo", sobre a possibilidade e os limites do

6

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 6: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

2

entanto, com isso me mo (e até, surpreendentemente, com mais do que s6 i , como ficou prenunciado na nota 1) que, neste nosso D ro primo COIlSpcctu insu peito, nos vamos defrontar, n meadamente 11 seio das (ainda hoje) 'ma;lI­stream econ01l1;cs', de ideação marginalista (5), "naturalment " portadora ab ;/lit;o, de uma pr pen ão marcadam.ente idealista, conatural à sua pr6pria via de (ou para a) reflexão,

conlledmento, quer as questões se ponham ignoscellte mellte, quer não), e reservando epistemologia para a teoria da ciência ou do saber orgaJjizado em tomo de um objecto material, geral ("o mundo", para a epistemologia gera0 ou regiollal, segundo um específico objecto forlllal (epistemologia espeda0. Isto porque, a meu ver, por um lado, os sucedâneos hoje correntes ("objecto real" e "objecto lógico", p. ex. o) da terminologia "aristotélico-tomista" (a maior parte remontando mesmo a Aristóteles, connosco encontradiço em todas as esquinas desta cidade) não passam disso mesmo (de Sl/ced8I1eos, quando não de arremedos de perrice infantil, como no nosso ex. 0 ... ); por outro lado, consumir o conceito de gnosiologia no de epistemologia só empobrece uma linguagem que ainda não foi superada, em clareza e em rigor (e, quanto a imaginação, que cada um valha por si, "dentro de lo que cabe" .. . ); depois, existem mesmo contemporâneos que só não são solipsistas como G. Berkeley porque até negam a pura e simples possibilidade de falar disso, como é o caso do primeiro Wittgenstein, p. ex. o: ver as proposições 5.62 e 5.64 do Tractatlts (1921) e a p. xvii; da (quase desdenhosa) lntrod. de Russell à ed. em livro (cfr. ainda a nota 7 deste ensaio). Tudo nos leva, pois, a concluir que a nomenclatura e a taxinomia de lIostri praeceptores profundos se mantêm incólumes praticamente, mesmo como veículo de um d;scurso proposto:' sua negação.

(5) Ao longo deste ensaio, os autoproclamados "neoclássicos" serão referidos, de preferência, como marginalistas (Sraffa utiliza, para o efeito, o equivalente literal do Português "marginais" a que, obviamente, se não recorrerá aqui) pela mesmíssima razão de Pasinetti 1974, Essay VI, nota 3: 'I aro using the term "marginal productivity", as it seems to me more appropriate than the term "neoclassical", which has been generally l1sed. The introduction of the notion of marginal productivity seems to be the only purpose of this approach, which has very little to do with Classical economics': é a lição de Sraffa, IlItrod. geral a Ricardo 1951 I, e 1960 (cfr. o que virá na sequência da nota 31, mormente o § 7). Sobre IiS origens do termo "neoclássico" confira-se Aspromourgos 1986 (de título traduzido por esta remissão).

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 7: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

83

introspectiva e microanalítica de raiz (6), verdadeiro selo do seu estreme idealismo gnosio16gico (ou de "onfaloscopia"), estreitamente conexionada com o "realismo" ôntico já aludido na nota 2, de um psicologismo impenitente e imperioso, irreconciliável com uma visão objectiva da r ealidadc social (7).

(6) Não é demais frisar que a II/oero e a II/ieroanálise econ6micas s6 se distinguem, logicamente, quanto ao seu ponto de partida (um tipo "representativo" ou micro-operador, como os já aludidos hO/llo oeconomicus e 'represelltatille firm', para estes; ou um conjullto objectivamente determinado -que pode ser ul/iversal mas nunca sillgular; nem, obviamente, tlIlio ou vaz io-, para aqueles), mas não quanto ao carácter das conclusões que ambas se propõem alcançar: num caso e noutro, de âmbito geral.

(1) A contraprova da irredutibilidade da concepção marginalista do homo oeconomictlS como hipostase é o pr6prio facto de a podermos surpreender aplicada à ideia de Deus, numa integral retroacção por toda a via feuerbachiana para a alienação religiosa! Com o hurnaJÚssimo cuidado de prevenir qualquer espécie de deísl/lo (sabido primeiro passo em direcção ao ateísl/lo ... ) e ensaiando responder ao desafio de motivar o "silêncio de Deus", uma recente Bíblia paulina, devidamente autorizada, projecta em Deus "o problema" que, segundo Lionel Robbins, constituiria o objecto formal da UOtlomia (ver o § 9); ao discorrer sobre a exegese e a revelação, o corpo de exegetas oferece esta razão meta-exegética: 'Ora, os copistas, não tiveram a assistência do Espírito Santo como os hagi6grafos, e enquanto copiavam à mão, era natural que se introduzissem no texto alterações de várias espécies. No longo período de 1 500-3000 anos, desde as primeiras c6pias até à invenção da imprensa (séc. xv), era moralmente [sic] impossível que dois exemplares de um mesmo livro, ao menos os mais extensos, fossem exactamente iguais, e Deus, que preservou de todo o erro os originais dos livros sagrados, tlão quis obrigar-se a milhares de /IIi/agres que seria/ll IIecessários para que se conservassem intactas as cópias. Bastaria comervar illtacta a SIIbstâtlcia do depósito da fé cOlltido 1l0S livros sagrados'. E assim se cumpre o fatal reencontro entre os adeptos da unificação metafísica da "natureza", como Proudhon & ai. e os marginalistas (por um Indo) , e uma exegese bíblica "demasiado humana" (por outro lado), ao connmgar em que "cada um age quando e enquanto lhe vale a pena": havendo iniciado os seus caminhos costas com costas, eis que se reencontram, surpreendidos (ou se entrecruzam sem se notar), agora frente a frente, no ponto diametralmente oposto de uma circunferência que ambos -cada um por seu lado-, embora a seu pesar, delinearam com

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 8: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

84

Por ora bastará estatuirmos o seguinte: o ser mate­rialista (8) -como confessamente o é o autor deste ensaio e o são também, irremissivelmente, os mais dos mais cultores da nossa disciplina, que "escrevem prosa", tal como o outro, "sem o saber" (ou afectando desconhecê-Io)- não significa (como tambémjá se escreveu (9)) ser crassamente naturalista, pretensamente "realista" (lIoe sel/su) ou empirista. Temos, de facto, por assente que o acto complexo de conhecer -ou o processo gnosiológico- interliga o e/IS eog/loseells e ares cogttita (rectius, "eogl/oscenda") , desde o primeiro momento, sem dependência universal daquele em relação a esta. O ens não se limita a receber, em intercurso de um s6 sentido (a absorver), a res como veículo lIeulro da realidade "em si". Ser, pois, materialista, não poderia significar -agora em relação pontualmente contraditória com o 'esse est percipj' da posição solipsista (como limite lógico de um percurso ou

simetria e equidade pontuais, em direcção à (ríllica) verdade (e bem pedestre) marginalista, tendo corrido, cada qual, 7':R unidades de espaço lógico à mesma velocidade lógica! Atentaremos, uma vez mais, em Marx: 'M. Proudhon emprunte à M. Dunoyer l'exemple de l'industrie extractive -<ueillette, pâture, chasse, pêche, etc.-, qui est l'industrie la plus simple, la moins couteuse et par laquelle l'homme à commencé "Ie premier jour de sa deuxieme création". te premier jour de sa premiere création est consigné dans la Genese qui nous fait voir en Dieule premier industriel du monde' (Marx 1961, 1.2, p. 71. efr. as notas 1 e 2 deste ensaio). Na verdade ...

(8) O que não quer significar que se (re)negue o espírito. Pelo contrário: dele o autor, solenemente, reivindica o seu grão, que mais não seja na sua condição de homo l"dtllS deste jogo (do espírito) . Mas não é o espírito uma argúcia da matéria que, no momento crítico (verdadeiro "salto qualitativo") que é o despertar da consciência e a conquista da razão, de si se faz ciente, a si se reconhece e questiona, em si mesma se reflecte e vai ao ponto de se negar? Desta matéria somos feitos!

(9) Ver Almeida 1970, pp. 39-43, donde praticamente se transcreveram essas palavras desenvoltas que se sucedem até ao fim deste parágrafo.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 9: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

85

discurso iniciado com a espantosa "descoberta" cartesiana de que 'cogito, ergo Stlm' !)- a pura e simples rendição do ens perante a ,'es: a matéria bruta, o dado em si, não tem relevo originário para o observador. A tensão teleológica entre quem analisa e os fins que tem em vista está nele presente desde início, e estudam-se Jen6menos -segundo o objecto formal de cada disciplina-, e não os "factos" imponentes do empirismo absolutista. Tem, pois, a própria heurística, como função uma recolha premeditada do relevante ou significa/irlo, estando presente, desde logo, uma primeira escolha da matéria a assumir: não há, portanto, "pureza" aqui. Vemos da nossa situa~ão (principalmente do lugar que ocupamos dentro -ou "à margem"- das relações de prod'lção) , com os nossos olhos e em dada circunstância.

§ 2: Sobre a «ciência pura»

Concluiremos, pois, por negar o extremo empmsmo " ... " , . pOSltIvlsta que, por seu turno, tenta negar as categonas epistemológicas o estatuto de seres de relação ou entes de referência (desde os 'entitia' de Occam, já aludidos na nota 3). imprescindíveis mediadores entre o "agente" (destituído de imponência) e o "paciente" (impaciente (10)) desse processo

(10) Mais do que a própria especificidade do objecto material das ciências sociais, a armadilha em que tropeçam idealistas e positivistas é o não terem consciência de a investigação -a actividade teorética- ser, ela mesma, actividade social na sua consistência de prática teórica, diacrónica e sincronicamente ("estruturalmente") situada: "impaciente", como res cogtloscel1da, pois, e não paciente e inerte na posse de um agente sem contingência nem determinações, omnipotente, fora e acima da q:>úcnç (ou seja em plena lIIetafísica, quer para os que a desdenham, quer para os que cl1idam absorvê-Ia com absoluta lIeutralidnde, clamando por 'Des foits, ,ien

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 10: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

86

de dar e tomar, entes também, portanto, e "por direito pr6prio" (como tI(ms{[;os que são também, 'cosa mwtale' embora): basta-nos, na verdade, tentar comprewder (do Lat. cum+praehcndo -+ comlpraehelldo, tomar ou agarrar junta­mente) profundamente, ao IÚVe1 da linguagem, o que são os conceitos (do Lat. wm+capio -+ c01llcipio, ,.., cepi, -ceptum, com o mesmo sentido, tal como, por imitação, o Alemão be+greiffell -+ bc IgreiffC1/, - greif, griff, equivalente pon­tual de agarrar, em Português) ou cO/lstmçõcs mentais (co/l.stmctio/les, de mm+stmo -+ co/l1 stmo, ,.., stmxi, - struc­tum construir ou erguer em cotljtmto, por sua vez proveniente de cum+itmgo -+ con I itmgo , itmxi, - Ítmc­tllm, juntar, coligar, conexionar) ...

Não obstante o contra-ataque do atomismo lógico (e sucessores neopositil/istas (11), tal como a Joan Robinson

que desfaits, pas de IIIysticislllef'). Assim, no que directamente nos interessa, 'Les catégories économiques ne sont que Jes expressions théoriques, les abstractions des rapports sociaux de la production. M. Proudhon, en vrai phtiosophe, prenant Jes choses à J'invers, ne voit dans Jes rapports réels que des incarnations de ces principes, de ces catégories, qui sommeillaient ... au sien de la "raison impersonnelle de J'humanité". M. Proudhon J'économiste a tm bien compris que Jes hommes font le d~ap,la toile, les étofTes de soie dans des rapports déterminés de production. Mais ce qu'il n'a pas compris, c'est que ces rapports sociaux déterminés sont aussi bien produits par les hommes que la toile, le lin, etc .. Les rapports sociaux sont intimement liés aux forces productives ... Les mêmes hommes qui établissent les rapports sociaux conformément à leur productivité matérielle, produisent aussi les principes, Jes idées, les catégories, conformément à leurs rapports sociaux. Ainsi ces idées, ces catégories sont aussi peu étemelles que les relations qu'elles exprirnent. Elles sont des prodllits historiqlles et tra"sitoires' (Marx 1961, 2.1, 2.' obs., pp. 118-9; ver, no mesmo sentido, a sua carta a P. V. Annenkov, datada de Bruxelas 28 de Dez. O de 1846 -Marx 1976d-, visivelmente escrita ao preparar o seu anti-Proudhon de longo alcance; aí se considera, justamente, Proudhon como "o intérprete científico da pequena burguesia francesa").

(II) Quanto a positivismo (velho ou novo) ser positivismo, nada de verdadeiramente novo, pois carregar a teoria do valor de "metafísica" é

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 11: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

114

- s6 COIIIO os deuses c COI/IO os 1II0rtos- com "n mito de Adão u Pr meteu" nas "r bins nadas do éc. XVIII", e mais, "não só c m animal gregári , ma c m um animal que ó se p de individualizar n sei da s ciedade: n prodHção por um indivíduo i olad , fora da s ciedade - uma raridade que pode c rrer se um civilizado, em que as f; rças sociais estão pre entes cm potência [dy//nl/lisch ], se encontrar caído na selvajari:!- é tão absurdo com o desetlllol'Jime//to dn li//gungel/l sem indivíduos convivendo e falando uns com os outros' (Marx ((1857)) 1939 (2 )).

travaux particuliers ct de soins directelllellt utile ct agréables à la perso/llle. Cette quatricme classe embrasse depu is les profession scientiflques et libérales le plus di tinguées jusqu'aux erviccs domcstiques les moins estimés. Tels sont Ics travaux qui soutiennent la ociété. Qui les supporte? Le Tiers état.'; ieyes 1982, inicio do cap. 1, numa tctralogia que, igualita­riamente, a todos compreende, mesmo os "cstéreis" de Quesnay e os "improdutivos" de Smith, aliás descritos dc uma maneira pontualmente smithiana: cfr. a nota 21).

(28) Cfr. MEA 2, pp. 466-8, e Marx 1973, i. e. Grulldrisse sego M. Nicolaus, pp. 83-5. Ver, sobre o texto em referência e a concepção que lhe preside, a excelente sínte e de Bhaduri 1969 (principalmente a secção II), no epicentro da "controvér ia sobre o capital" (embora algo despercebido entre o som e a fúria do aliás eloquente terçar das armas mais imediatamente formais, fundamentais e "economistas"), com especial insistência na indigitação (pelo próprio Marx) do paralelo entre produção lIIaterial e produção lillgu{stica, tão frutuoso e excitante no nosso tempo em que o estudo da lillgllística e o da filosofia tendem a confundir-se. A relação entre o "animal político" e a linguagem é, aliás, posta em relevo pelo próprio Aristóteles que, aliás, Marx segue bem mais de perto do que o que a explícita referência ao "animal social" levaria a supor. Para destacar, nessa largueza de inspiração, a selllelhallça e a difere/lça (curiosamente se",e1"atlte à diferellça entre Smith e os fisiocratas: cfr. a nota 25), nada melhor do que repr.oduzir aqui parte do texto da Política -como se fez, a outro título, na nota 19, com um texto da Ética- que serve de cOlltex(o a Marx, salientando, quer um ponto de encontro quase literal entre dois génios comunicantes ---e, logo de seguida, uma referida expressão minha quase de "escrita automática" ("só como os deuses e como os morto ,,) que, "casualmente", parece reflectir também esse lugar tão sugestivo (cfr. Almeida 1970, nota 148, e Almeida 1973, 2. 'lição, p. 20 e contexto)-,

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 12: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

115

§ 7: A mutação de paradigma

A concepção marginalista como que deflagrou n momento oportuno e no local azado: na Europa a Norte do paralelo dos Pirenéus (sobre a cadeia herciniana, rica em carvão de pedra e miuério de ferro) e no início dos anos setenta do séc. XIX. Uma vez cumprida a rello/lIção itldtlstrial e exacerbada a "questão social" com o advento do "Quarto estado" como "classe para si" (tendo como sinais o anarco-comunismo, Marx e a I IlItemaciona / e o movimento mutualista, entre outro 11ários mas correspondentes) e em face do progresso científico e tecnológico (principalmente, com a mecânica racio1lal (29)), as próprias circunstâncias pareciam exigir uma

quer a diferellça fundamemal entre o estagirita e o trierensc (treviriano): "Por isso é evidente que a cidade é uma formação /latllral e que o homem é, por Ilatureza, um animal social, ao passo qlle o apátrida (&7toÀ~ç) por Ilatureza, e não devido a qualquer cOlltingência, é UIII ser I/lIIito inferior ou muito sl/perior ... COII/O UII/a peça dI! xadrez isolada. Por isso é manifesto que o homem é um animal social, mais do que uma abelha ou qualquer membro de um rebanho. Com efeito, li natl/reza Il(Idn faz 1.'11/ vão . .. Ora a fala [o i tinJa ao !tOll/ell/, ellLe todos os animais .. . A sociedade desses é que produz a (asa e a cidade. Portanto, existe por natureza a cidade alltes da casa de cada ~ml de 116s" (ap. Pereira (M. H.) 1971, p. 424, trad. porto do ponto 1 253a da edição de D. Ross; grifei e substituí "sociável" por "social").

(Obs. : Aproveito este ensejo tardio para, indo ao encontro do leitor mais atemo, corroborar que a tradução que fiz do texto -fundamental­de Marx que vai em epígrafe a este cap. é uma versão livre, pois contrapus a "e fera tumultuosa" -literatill/, "ruidosa"- "da circulação", "laborat6rio secreto", como na coedição francesa do Livro I -ES 1.6, p. 135-; mas a expressão originária, "/lIgar secreto" -'die verborgne Stiitte'- é, por paronímia, exuberante de sugestões como alusão potencial a uma "cidade -'Stadt'- proibida" -ou estado: 'Staat'- como a do círculo exterior da Beijing imperial dos infrnitos círculos concêntricos ou a dantesca 'dlltl dolellte' -mas não sileme, senão por fora-, pluricircular também; e por que não as "Índias Negras" de Júlio Verne ou a Metropolis de Fritz Lang, ou mesmo a R. U.R. de Karel Capek t)

(29) Para um conspecto muito ao alcance (cemrado sobre a Física) e muito fértil de sugestões, ver Gibert 1982, ad indo (s. voe. 'Lagrallge', no que dierectamente agora nos interessa, mas também em geral).

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 13: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

116

mutação de paradigma que se viesse a traduzir numa resposta cientifica à dê/tda de Marx c m um antfd to, trazendo :\ apologia do MPC em stado de pureza para domínio da exactidão e da neces idade. E, realmente, a perspectiva "Ileoclássica" pr põe-se suceder à esc la clássica inglesa como se, entret . .'mt ,nada s tivesse passad : à parte s percursores (mas, em geral, em excepção d s posteriores eclécticos c agnósticos de sempre), a no a perspectiva deseja expres­samente, nessa h Ll ovante de positivismo (primeiro ou "velho"), sobrepor- e aos clássicos (sobretudo a Ricardo (30)) e opor-se a Marx, quer ignorando-o, quer intentando esconjurá-lo (31), mas tendo-o sempre como referência

(30) Por se tratar da "última palavra" do pensamento da escola, mas por motivos mais imediatos: veja-se, p. ex. o -e por cllriosidade-, a "árvore genealógica dos economistas" na contracapa de Samuelson 1980, tricolor (tudo o que precede Snúth é "verde", Marx e os seguidores de azul, com Marx a descender de Smith por Ricardo, tendo por colateral J. S. Mill, de quem descendem directamente -cfr. a nota 26!- Walras & Marshall -como se fossem homozigóticos!- e destes Keynes & 'Mail/streall/ &ol/oll/ics' -também eles a esmo- e o próprio Samuelson -modestamente anónimo-, tendo por específico costado Malthus esmaecido). Mas a ascendência ricardiana dos marginalistas ~, pelo menos problemática: trata-se de evocar a sua teoria da renda, porém da secundária renda illtetlsiva (pois a renda extellsiva opera com diferelltes qualidades, não homogéneas, de terra) -e a correlativa lei dos relldill/erltos decrescentes (o contraponto clandestino das 'wel!are ecollolI/ics')- e fazer dela o ponto de partida pa.ra modelos de sucessões -infmitesimais- "no tempo" -mas sem história- e substituir a renda e a terra pelo juro (e/ou IfIC1O) e o "capital físico", mas para ter de regressar, no fim, por imperativo irrecusável (mas tantas vezes recusado ... ) de coerência, às "quase rendas" marshaUianas. Não é, contudo, hoje possível-após a Irltrod. (geral) de Sraffa a Ricardo 1951 1- desconhecer, como veremos, que o problell/a de sell/pre fora, para Ricardo, o de encontrar uma II/edida iI/variável do valor (cfr. a nota 31 e o início da Parte II) . Mas a distância é intransponível: a teoria "ricardiana" (aliás "westiana") da renda fundiária não tem nada em comum com o paradigma marginalista, como o provou o lúcido Wicksteed e o pro­clamou, com arreganho, o próprio Jevons da maturidade.

(31) À parte as excepções (muito contadas) da escola de Lausanne, o escrupuloso "purista" (ver o § 3. 0 do pref. o de Sraffa 1960) P. H .

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 14: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

117

preeminente e insuprível. Porém, em vez de terem mudado de resposta -à questão de encontrar uma medida do valor independente da distribuição do "produto líquido" entre as classes sociais-, mudaram de questão: em lugar de inquirir se o trabalho (ou a força de) pode constituir essa medida, passam a responder a uma "pergunta de retórica", cuja resposta antecipada já possuíam felizmente: Numa primeira geração -dcJevollS, Menger e Walras-, a questão de saber o qtle é o valor, em termos de "teoria da oferta e da procura" e com a óbvia resposta de que valor é preço e (a descoberta de

Wicksteed e (por latente contraposição) um possesso da estirpe de um ].B. Clark (ver o seu "grito d' Alma" marginalista em Almeida 1979, § 9, p. 50, que adiante se reproduz, no § 12), e poucos mais, a resposta tribal tem sido, até a esta "nossa era de Leontief e Sraffa" (Samuelson dixit), quase um eloquente silêncio "universal" (daquela tribo ou "universo" torrencial, para devolver à procedência um juízo de Osório: cfr. a nota 13).

Daí que Joan Robinson tenha afirmado, com inteira verdade quanto à "corrente dominante": 'Until recently, Marx used to be treated in academic cirdes with contemptuous silence broken on\y by an occasional moking footnote' (Robinson 1966, pref.o à 1.' ed., 1942, datado de Set. O

de 1941, § 2. 0 ; e, no mesmo sentido, Tsuru 1954, p. 320). Esta observação toma, portanto, como referência fundamental a "revolução keynesiana" (a era de após Keynes 1926), como se toma óbvio perante este outro texto da mesma autora: 'The relationship between Marxist and academic economists has changed in recent years. During the time of Marshall an impassable gulf still divided them. The one party was engaged in exposing the evils of the capitalist system, the other in painting it in an agreeable light ... This fundamental difference of outlook was supported by a difference of language ... latter-day academics have, for the most part, undergone a stricking change. The circunstances of time have forced them to concentrate on two problems, monopoly and underemployment' (início de Robinson 1941; seguem-se duas cits. de Keynes 1936, uma de Hicks 1946 -19391- e outra de KalecKi) . Fiquemos, por agora, com este tema de reflexão: 'Smith [with a defence of the labol1r lmits as the on\y stabJe basis on which the real vall1e ofincome may be established both at ally poillt iII timt and over time 1 began a (perhaps vain) search Ivhich was to be co" tinlled by Ricardo alld Marx' (A. kinner, flltrod. a Smith 1974, fmal do § 2, p. 51; grifei).

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 15: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

118

que o) preço "tlli [idade marginal" (32) (trê categorias idem per idem defmida (3)); numa segwlda -de Boluu-Bawerk e Alfred Mar hall , eguind mais de p rt os precursor

(32) Cfr. Robinson 1965a, p. 174 dos seus Co/lected papers, vol. lu (Robinson 1965b) e 1969, p. 184 de CO/ltributiol/s (Robinson 1978a) que, no entanto, não faz a di tinção de "geraçõe " já, no entanto, claramente estabelecida p. ex. o em Ro1l1942 (9.3, preci amente intitulado 'Tire secol/d ge/luatiol/').

(33) O que, por si, não const;tui paralogismo: é esse mesmo o uso da lógica verbal, predicativa (veiculada por silogismos e sorites, usual­mente expre os na forma de entimemas de amba as ordens) e da "formal" ou matemática (alguma vezes também elíptica e até me mo defectiva); ver (sobretudo) Bródy 1974, ad il/d., s. voc. 'cirC1llarity', especialmente em 2.2. Mas, como vimos no final do § 3 e j.1 veremo (na Parte II), não é possivel emitir proposiçõe novas ou emergentes sem ter admitido liminarmente novos axiomas e/ou postulados (pelo menos implicitamel/te: 'lridell assllmptio/ls' ou pressupostos c/al/destil/os) que as fundamentem. Eis um exemplo crasso (que vem ao ca o, directamente) de uma pura tautologia: 'Val,//!: depel/Js solelv 01/ tire !iI/ai degrce of utility ... I will re tate it in a tabular form, as follows:

Cost of productiol/ determil/es supply ; SlIpply deterlllil/es !iI/ai degree of utility ; Final degree of utility detumilll!s value'.

Oevons 18711, 4.25 -'Tire origi/l of value'-, p. 187 da ed. Collison Black, i. e. Jevons 1970, após ter contestado Smith e pretendido que a conhecida distinção de Ricardo entre mercadorias reprodutíveis e irreproduclveis -e entre processo de trabalho e "mera escassez"- significava ter ele abandonado a teoria do valor-trabalho! ').

Na realidade, se o escritor tivesse tido a perspicácia de omitir o 1. 0

termo da alegada "cadeia de causalidade", estar-se-ia perante um puro c simples (inofensivo) "circulo vicioso" ou "raciocinio circular", sei/icet: "procura --+ utilidade marginal--+ valor --+ procura, &c., ad il/[.", sem determinação causal, em tudo semelhante ao do inocente Say: ver a epigrafe de Ricardo ao cap. 4 deste ensaio; porém, tal como está, a "fórmula tabular" jevonsiana é muito I"el/OS (ou muito mais) que isso, dado que se resolve, paradoxalmel/te, na conhecida proposição ricardiana 'Cost of prodl4Ction determines ... valI/e', referente a o que realmel/te i/lteressa: os "bens reprodutíveis" ('Those goods which may be multiplied ... without any assignabJe limit, if we are disposed to bestow the labollr necessary to

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 16: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

119

v. Thünen e H. Gossen-, a questão de saber se é o trabalho que é a causa (ou está na origem) do vaLor, e a resposta de que não s6, mas que também o capital, os dois "factores de produ­ção" fundamentais "cooperantes" na obtenção, consortes na repartição do produto nessa mesma medida, ex aequo et bOHO,

especialmente com o sistema marshalliano do "equilíbrio

obtain them': Ricardo 1951 l, 1.1, p. 12). Estamos, portanto, em face de um deslize também já cometido por J. B. Say (cfr. o seu último extracto do § 11 e as notas 78 e 106), que aqui nos fica a abeberar, como o "1II0StO" de Bohm, até à nota 107, em que daremos a palavra a um raro Marshall mansamente agastado com o economista de Manchester por caHsa de Ricardo , para a forllla[ denúncia da infeliz formulação. (Obs.: A asserção com que abre esta nota -a confrontar com uma outra, com ela condizente, da nota 4-- deve entender-se CUIII sa[e qualltHIII satis para cons­truir uma hipérbole - em sentido ret6rico - , pois não pretende insinuar que a formalização da silogística de tradição aristotélica e elaboração escolástica contém ou esgota, literalmellte, toda a complexa textura arquitectónica verbalizada própria da lógica predicativa, mas sim -e só­assegurar --cfr. a nota 4-- que essa modulação não foi ainda, até onde eu conheço, ultrapassada. Tal qual os 'Begriffschriftell' de Frege, com que parece ter vincada semelhança -cfr. Jonathan Barnes, II/trod. a Aristóteles 1975, p. xiv-, o sy/lOgiSlllllS Sel/SH stricto é um barquinho de papel apto 'somente para formular átolllos apofânticos -talvez 1II0léculas; contudo, llunca algo complexas estrutl~ras 1II0IeCIIlares-; é uma tríade singela, com vários 1II0dos de conjunção, representando proposições muito simplificadas -reduzidas ao osso- mediante a forma usual dos três sintagmas fundamentais: sujeito -B-, predicado -fi, e, i, 0- e complemel/tos -directo ou iI/directo, ou cirClltlstatlciais: A-, sem orações subordinadas ou coordenadas - nem matizes semânticos-, dotado de "rigor e elegância exemplares" mas portador de uma "evidente limitação": "a silogística é s6 um fragmento da lógica; é impossível fiXar os argumentos de uma ciência elaborada -ou do discurso comum- na forma si logística" - Id., ibid .. Para ilustrar o género de epigralllas a que convém a forma lógica simbólica do si logismo -e a sua al/abiose, com a loglstica modema-, eis quatro exemplos retirados de uma célebre fábula feroz a que recorreremos na Parte II , quando revisitarmos a pocilga elll aHtogestão de Sraffa 1960, § 2: 'No animal (B] shall drink (e] alchool [A] ... 'to excess [A+)' , i. e. AeB -+ A +eB; 'Ali animaIs [B] are [a] equal [A)' ... 'But [ n ] some [o] are 1II0re equal (toA] t"a/l others', i. e. AoB n toAoB, com a intencional contradictio iII adjecto, pois 'toA' -- '+ = '; cfr. George Orwell, Animal form, II/troá. , 2.5 i/1 fil/e, 2.7 elO).

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 17: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

120

e pecial" predestinado à mais prosaica e c. tcnsa vulgari­zação, ao descre er a " imetria fundamental da procura e da

ferta em relação ao valor", segundo uma d utrina de que " valor normal de cada coi a ... se rege, c m a chave de um arco, pelo equilíbrio entre a força oposta que se fazem entir de ambos s lad s. A forças da procura fazem

pressao de um lado, a da oferta d utr" (34). Porém, se "a

(34) Marshall, Pril/ciples, 8.' ed. (de(), 1920, "p. 120, e pref. o à 2.' ed., 1891", ap. Sraffa 1925, fmal da secção I, p. 280, preci arnente ao expor a base do seu delel/dus Marslu,lI (fUlal da tréplica sem título de Sraffa a Robertson: Sraffa 1937b, trad. it. na NCE, p. 620) num artigo que feriu a atenção do culto (e já então "agnóstico") F. Y. Edgeworth que, já idoso, convidou a escrever sobre o tema, para o ECI que codirigia, o então jovem italiano (estando, pois, na origem do clássico Sraffa 1926 e da emigração do autor, pela mão de Keynes, da Itália então em pleno crescendo fascista para a Univ. de Cambridge, para ficar: cfr. Roncaglia, 1975, n. 27 à 1.' parte, pp. 16-7). Qualquer ensaio de síntese é, fatalmente redutor; convém, portanto, deixar aqui uma breve referência à peculiaridade da concepção de "capital" da escola au tríaca como constituindo um composto, heterogéneo e instável, de "geleia" e de tempo (que voltaremos a considerar na Parte 1lI, com Samuelson), e à circunstância de a introdução de P. M. Sweezy a Bohm-Bawerk 1949-a tantos títulos excelente mas, por cronológica fatalidade, anterior a Sraffa 1960, depois de que tlldo mudou- não ter prestado justiça inteira ao critico de Marx: se é inegável que o "manual médio" vulgarizou muito dos seus argumentos inconsistentes, certo é também que, após ele, praticamente nada de novo se produziu sobre esse tema; por outro lado, será uma sua proposição (mas não das mais apreciadas e, por ventura, emitida por ele sem que se tenha apercebido claramente da importância crucial do problema que levantou) o que ficou de toda a extensa crítica (anti-)marxista posterior, como veremos na Parte II.

(Obs.: A dupla citação de Marshall por Sraffa, referida acima entre aspas, está duplamente errada, correspondendo ambas as frases (re-)tra­duzidas, respectivamente, ao Ap. ! , p. 820 -por gralha, p. 120 em Sraffa- e a V1.2.2, p. 526 da 8.' ed. dos Prillciples, paginação mantida em Marshall 1961 I: erros reproduzidos pelo pressuroso ed. de Sraffa 1975, p. 9, notas 6 e 7. Uma curiosidade é o porquê da referência, sem a propósito aparente, ao pref. o da 2. ' ed.; mas o "enigma" é facilmente resolvido por uma nota do ed. de Marshall 1961 -vol. II , p. 563-: ' I have altered the word "nominal" before "vai ue" in this sentence in the 8th edition to read "normal", notwithstanding the ( urprising) fact that the u e

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 18: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

121

lógica impregna o mundo" (como supunha o primeiro Wittgentein: Tracia/us, 5.61(1)), a deste mundo margina­lista, da imetria, é obviamente claudicante, uma vez que

' La "funzione deli a domanda" si basa su un'ipotcsi molto c1cmentare e naturalc, quel1a dell' utilità decresccnte; nella produzione invece ii rapporto funzion31e c ii risultato di un sistema di ipotesi molto pil! complicato. Fatto sta che sol1o dopo che gli studi sull'utilità marginale avevano richiamato l' attenzione sul rapporto fra prezzo c quantità (consumata), c sorta per analogia la concezione simmetrica di una connezione fra costo c quantità prodotta' (Sraffa 1925, p. 280).

Mas essa mesma enganadora simplicidade em que reside o êxito da mutação marginalista continua patente, no coroamento da escola, no próprio Marshall, perito em descon versar (35):

of the word "nominal" in this sentenee persists through every edition form the first to the eight'; Sraffa terá, pois, motivado a emenda 6bvia numa peça perdida do original, com apelo a um passo do pref. o de Marshall à 2 .• cd., que reza: 'as regards fll1ctuations in short periods the leading role is held by prices, and a subordinate one by earnings; but as regards to slow adjustments of /lorll/al value their parts are interchanged, and the influence which prices exert on earnings, is less than that that earnings exert on prices'; Marshall 1961 II, p. 39: grifei).

(3S) 'The more I learn about economies the more I admire Marshall 's intelIect and the less I like his eharacter. He worked out his short period for forward movements with great lucidity and then he fiUed the book with tear gas, so that no one [principalmente 'rhe Iresllll/fIIl' ... ] would notice that he fuddged the whole of the rest of the argumento Just read Marshall 's Pri/lciples through again with a gas mask and you will sec how right I am' (Robinson 1978b, pp. 141-2 de uma lição hilariante em Oxford) . 'But Marshall was well aware that value of assets is influenced by the levei of the rate ofinterest and he admitted that it was impossiblc to derive the rate of interest frOI11 the vallle of capital without arguing in a cirele . . . One allswer was that a prodllction fl1nction can be drawn up in terll1s of specified inputs, and that the vallle of"capitaJ" is an llnnecessary concept. Bl1t these inputs, seemillgly, were not produced by proflt-

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 19: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

188

epígrafc ,1 c:tp. 1), 'alle Wi sellschaft ware überflüssig, weIUl die Erscheinullg ~ rm und da Wesen der Dinge unmittclbar Zll al11111 llftclen' (Marx 1964, p. 25; ver o § 4 e

a 11 ta 18 Ic te Cll ai ). De ta pr t ver ã da upcrficial "cconomia como

ciênci:t da tr C.l' (77) re llltará, também imediatamente, a

pandIord'; cito por Marx 1964, cap. 4 , 1.0 fragm.o, p. 823; a propo ição aor extell o vem em Ricardo 1951 1,2 p. 74, e reza e-"(/ct(/I/Iel/ te assim: 'the cdvantage ffertile la"ds are i" "0 c<lse 105(, bllt (I"(Y transferred from the aultivator, or consuma, to the landlord'; grifei). (Obs. 1: O material entre c pas e as referências feita ao intr duzir os doi últimos excertos de Marx lonstam do própri Mar ', Capit(/I lU, secção VII, 'Die Reve"IIe" II"d ihre Q"elle,,' , cap. 48, 'Die tri//it(/rische Forl/lell'; Obs. 2: a propósito de "da mesma IlId55r1", vi ontem UIU cartaz de circo que anunciava, como "atracçôe ", "Icôe, a alo, palhaços, trapczistas, porcos e cães": "naturalmente", da per pectiva desse el/lpresário, aliás sem especificar a espécie zoológi a do "trapezi tas" c "palhaço ").

(71) A tentação ou tentativa de apreensão, imediata e em simul­tâneo, do valor de liSO e do valor de troc(/ como um só 1"(/"t/l1/l de IItilid(/de coisiftcada (perempta a via (/Item(/til'(/ do s(/crifício ou "utilidade lIeg(/tiv(/") tem inerente o irredutível p(/radoxo do I'(/IM (quer essa "troca" seja igualou "desigual") que Marx exp' s no antepenúltimo texto cito neste parágrafo, que fmaliza com uma prevenção ineptamente desatendida meS1110 por parte de algun que pretenderam escrever em seu nome. O caso é muito simples: e o "erviços produtivos" (ou "produtore ,,) de um animal , yegeral, mineral ou capital e tomarem mais "úteis" (ou "produtivos"), fomecerão, naquele "acto" de "troca a que chamamos produção", uma maior "utilidade" às "coisas", produzindo "mais coisas" no mesmo período, ou a mesma "utilidade" às mesma "coisas" de antes num lapso de tempo inferior, donde resulta que o aumento do I'(/Ior de liSO dos "factores" fará diminuir o eu I'(/Ior de troc(/ ("marg inalmente", a sua "remulleração") e o das "coisa" a que "fornecem utilidade", em margem para evasões, retóricas ou numerol' gica . O ponto, crucial, e tava, aliás, fadado para constituir um celebérrimo pOlIS //I(/gistror/IIII de que aqui se regista um par de queda separadas, no tempo, por século e meio de comunhão. Já sobre um certo chmalz, que ustentatva que "o valor do trabalho de outrem nunca produz para nó senão uma economia de tempo ... que ... é tudo o que cons6tui (I sell 1'(/1", e o sell preço" (ou, no original, que "o trabalho dos outro Ó tem para nó um valor: o de no poupar tempo"), comentou Marx: "Aqui, ele confunde: a éco"ol/l;e de tel/lps obtida pela divisão do trabalho não determina o valor e o preço de uma coisa; sucede,

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 20: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

189

illVersão de posições entre a primeira e as Ldtimas da três pess as (persol/ae) da "económica trindade", hierarquizan-d 1 (l) "N "" d fi dO'O" o-se e a, portanto, como atureza - ren a un JarJa , (2) "C o I" "I "(CC o d lh O") () aplta - ucr u, al11 , me or, o Juro c 3 "Trabalho"-"salário", ficando cm último lugar a própria base da prática teórica "por analogia" da congeminaçã o

Contudo, a obra est,wa, ainda, a meio caminho da extrell/a illl'ersão mediante a substituição terminal da coisas (res) pela mente (ens COgIlOSCe/lS), patentemente desde o vulgarizador universal, "o grande vuglarizador de Adam Smith" (ver o início do § 10) c, ex professo, de Ricardo (na própria tradução francesa do português Constâncio: cfr. a nota 75), ao embeber cm utilidade o próprio mundo externo:

' FACULTÉS PRODUCTIVES. II faut elltendre par cc mot I' aptitude qu' on Ies illdl/sfriCllx, les capitmlx et Ies agmfs /latI/reis, à coopérer à la productioll en donnant aux choses de I' I/tilifé o .. Dans Ie prêt à illtérét, c'est la faCIIlfé prodl/cti ve d' UI1 capital qu' on prête, ct non une somme d'argent .. o INDUSTRIE. L'industrie est I'action des forces physiques et morales de I' homme appliquées à la production .. o PRODUlRE, c'est donner à une chose une valellr reconnue pOlir telJe, susceptible de procurer par I' éc/lal/ge une alltre chose de valeur égale .. o SALAlRE. Cest le prix qu ' un el/trepel/tllr paie pour I' usage d' une capacité indus­trielle dOllt iI retire le pro fito Le salaire est, relativement au profit indllstriel, ce que l' illtérét est au profit dl/ capital; cc que le fermage est au profi! du fonds de terre ... SER VICES

simplesmente, que obtenho um valor de uso superior pelo mesmo valor, tornando-se o trabalho mais produtivo dado que, no mesmo tempo, fornece maior quantidade de produtos" (Marx e apo Marx 1974, 4(07), pp. 223-4 - TMW 1-, correspo ao post scripulIIl do cado o IX, po 400 do mso; cfr. a nota do edo)o O outro (mau) exemplo é o de So Amin que serviu de pretexto a Almeida 1979, para onde se remete (cfro principalmente os §§5e6)0

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 21: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

190

PRODUCTIFS. Ce sont les services relldus par l'holllmc, les capitallx et les ageflts tlatllrels dans I' oeuvre de la prodllctioll. Leur prix, quand le service n'est pas gratuit, compose les fiais de prodllctiotl' (Say 1861, Épitol/le, pp. 579, 584 e 596; grifei "dollt ii retire le profit"!) ('8).

(18) A intranquilidade do vulgar Say de longo aI ance, talvez devida ao seu conhecimento do quadro de Quesnay (p. ex.O, com o seu 'strict "éussaire' para os trabalhadores, na base da ideia de //lera subsistê"cia fisica tendencial dos clássicos) e, indubitavelmente, à perplexidade resultante da sua discussão com Ricardo, está aqui patente num segundo deslize mais desastroso ainda do que o do fim do seu extracto da p. 148, que agora põe a claudicar todo este quadro, aliás sinóptico, de teorética vulgaridade (designadamente, o passo comprometedor 'dol/t ii retire le profit'). Daí resulta que, no contexto, se nos depara, quanto ao estado e estatuto dos trabalhadores, uma abissal //Iargel/l de indecisão que vai deste deslize (ideo)lógico (com a força de trabalho na origem do lucro) até à vulgarlssima noção de "opeclrio" como o que "renunciou" à condição de "empresário" (ver o excerto dado no § 10). É este o pOl/to ,,(tico ou lugar ol/de o paradigma marginalista CO//lO Immdivisão se torna il/coerel/te sem ganhar relevt3l/da (cfr. o § 3): precisamente quando se tenta projectar a il/trospecção, como eqlliUbrio entre apetites ("gostos") e cOlltrariedades ("obstáculos") retel/ta in //leI/te do /'01/10 oecollol/licus, no resistente, contras­tante e alheio "non-ego dos metafísicos" jevonsianos (cfr. a nota 68), i. e. na iminência de colidir, com fragor e sem "gosto", com ares extetlsa (apesar de) cartesiana. Vimos, ainda agora (principalmente na nota 77), qual a razão porquê. Vemos agora, ainda, que nem Say nem Osório (cfr. pp. 173-5 e a nota 72), quase um século depois, poderiam evitá-lo, como nenhum dos seus poderia fazê..lo, tendo a coragem de chegar até a(, partindo embora de qualquer Ulll de ambos os lados do Atlântico. Eis, como contraprova, só mais o ex. ° de John Bates Clark, segundo o testemunho de Eric(h) Roll: 'His theory of value and cost is slight. On the whole he tented to accept the kind of cost-of-producrion approach which became common after John Stuart Mill. He certainly approved ofMill's theory of prices. But being marginalist with a hedonistic bend, he accepted the subjective utility approach and the pelasure-pain calculus of the psychological real-cost theory. To him, cost was, in the last analysis, pain; utility was pleasure. Pain, in tum, was either labor or abstinence. And the determination of their rewards was explained in the marginal-producri­vity theory of wages and interest' (Roll1942, 10.2, p. 481). E não há volta a dar-lhe, como se vê.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 22: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

191

Eis uma deixa para Walras, com quem a inversão total de que provém (e em que se traduz) este mundo às avessas se irá cumprir, mediante a criação do conceito midfico de "capital humano", tão do agrado dos marginalistas da maIS

recente geração (79):

'Les éléments producteurs sont au nombre de trois ... : la terre, lc travail et le capital ... Le travai[ est le service des facultés personnelles ou des persollncs: ii faut donc ranger à côté de lui 110n la tel're et le capital, mais la rente ou les seI vices des terres et le profit ou le service dcs capitaux .,. li est de l' essence des capitaux de donner naissance aux revenus; et

(79) São conhecidos e abundantes os trabalhos sobre os "ciclos vitais" ('/ife cycld) da literatura norte-americana modema, da perspectiva da afectação (alocação) de recursos escassos, e com pesquisas sobre as "etnias" e a "fertilidade" da subespécie homo sapiens sapie/ls. Para uma primeira apreciação sobre este tema, ver o simpósio da AER 1975, com intervenções de F. We\ch (a cfr. para as "referências à literatura") e Bowles & Gintis, cuja "crítica marxiana" (subtítulo) conclui: 'The theory of human capital, like the rest of neoclassical economics, ultimate\y locates the sources of human happiness and misery in an interaction of human nature (preferences and "habilities") with nature itself (technologies and resources). This framework provides an elegant apology for almost any pattem of oppression and ineql1ality (under capitalism, state socialism, or whatever), for it ultimate\y attributes social or personal ills either to the shortcomings of individuaIs or the unavoidable technical requisites of production. It provides, in short, a good ideology Cor the defense of the status quo. But it is a poor science for understanding either the working of the capitalist economy or the way towards an ecof\omic order more conductive to hl1man happiness' (Bowles & Gintis 1975, p. 83), ficando por notar (e para ser notado) que este último (?) avatar de uma teoria da po[{ticn segundo a ideia de optimização de recursos dados (e não produzidos e a reproduzir) conforma um mar ou um deserto fimciona/ista tipicamente transatlântico, em cuja estéril travessia também um destes dois autores acabará por se perder (Gintis 1975, réplica a Talcott Parsons, últ. · p.); com efeito, na sequência da sua intervenção inicial -Gintis 1972-, a sua generosa exortação final parece redundar, logicamente, num sarcasmo como este: "Fut"iot,ários de todos os países em MPC -inclusive a poUcia, inclusive po[(ticaI- uni-vos, pois já não tellJes adversário/". Mas, etltão, contra quem?

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 23: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

192

iI e t dc I' es ellce de reveulIs de naltre directement u indirecte111ent d capitaux. V ici c m111ent ... Au moyen d I défmiti n des apitaux ct de revenus, n us pouvon d' abord distribucr en ... tr is catég ries de apitaux ct une catég rie dc rcvcnu , t ut I'en cmble de la richesse socialc ... Nous rallgcron dans la premicre catég rie le tcrre ... V ilà donc une prcmicre catégoric de capitaux, les capita/l.\·

. ~)I/ciers u tcrres, prêt à fournir leurs rcvcnu , les revenu!> u servic('s fOl/ders, que nous appclleron au i les rentes.

Nou rangerons dan la econde catég rie les personne ... oi\à d nc une econde catég rie de capitaux. les capital/.\·

perso/l/ll'/s u perstl//IICS, prêts à fournir lem revenus, Ics reve/IIIS Oll services pcrSOI//lc/s, que n li appellerons aussi trcJllallX ... N lIS rangerollS ... dans la troisieme catégorie touce les aucre valeur qui 'ont des valeur capitales et qui ne sont ni des terre ni des personnes .. . V ilà donc une tr isicme catégorie de capitaux, les capittlllx nlObi/iers ou capitallx pr prement dit , prêts à f; urnir leurs revenu , \c.s revellllS ou services mobiliers, que nous appellerons aussi les pro.fits· (W alras 1926, 17.' lição, §§ 166 e 169-72)!

Eis, ne ta rara, confrangedora e crita, pontualmente gc métrica, do fundador da escola de L:llls:mne, a coerência marginali ta levada l ua exasperante compleiçã ,na própria ba e irredutível da Sua imago mUI/di como uma "machina analytica" ou no ~l torrc de Babel mental em quatro níveis, coroada apenas na 4.' e última cd. (1900) dos Élémerlts e cuja

essência ou chal'e O sório enunciou assim:

'Entre as coisas que formam a riqueza social, é preciso distinguir os capitais ou bel/s dl/radol/ros, que são os quc servem mais de uma vez, e os rmdimel/fos ou bel/S fl/Ilgíveis, que servem apenas uma ez ... Os erviços dos capitais qlle têm lima utilidade directa têm o nome de serviços COI/Slllllíveis; os que apenas possuem uma utilidade indirecta, têm o nome de serviços prodlltores. Para Walr:l , está aqui a chave da economia pura. Se se desprezar a distinção entre

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 24: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

193

capitais e lendimelltos c., sobretudo, se se recusar admitir os serviço imateriais dos capitais entre a riqueza social, ao lado dos rendimentos materiais, toda a teoria científica da determinação dos preços se torna impossível. Admitida[s], ao contrário, a classificação e a distinção indicadas, fica-se habilitado a fazer sucessivamente: pela teoria da troca, a determinação dos preç.os dos objectos de consumo, e dos serviços consumíveis; pela teoria da produção, a determinação dos preços das matérias primas e dos serviços produtores; pela teoria da capitalização, a determinação dos preços dos capitais fixos; e, pela teoria da circulação, a determinação dos pleços dos capitais circulantes' (Osório 1911, § 10, p. 19).

É claro que o sumptuoso edifício arquitectado por Walras se irá tornando, noutros tempos de prosa, irreversivelmente um ermo ou cidade fàntasma (80); mas a

(80) Para um resumo maravilhoso, puramente verbal, da "machina do mundo" walrasiana, veja-se Osório 1911, § 10, ao deixar (entre)ver (mostrar sem demonstrar, i. e. sem a matemátiw) a perfeição do edifício a cuja compleição prometia votar-se após a sua própria "teoria da troca", como j~ vimos (na nota 13) sem o poder lograr. Uma das raras fidelidades pontuais à concepção do francês de Lausanne é a de Irving Fisher, coerente e sagaz, além de especialmente corajoso (para o autor, p. ex. 0, o cigarro na boca do empresário -ou do trabalhadorl-, enquanto tal, é expressamente considerado um "bem de prodJlção -física e economicamente­consunúvel" para, contudo -e no limite da fluidez do mundo consoante esta contemplação-, às cinco em ponto de cada tarde, se transformar, magicamente, como os aprestos da Gata borralheira ao badalar da meia noite, nesse "bem de consumo" que, por um erro de perspectiva ou uma ilusão óptica "materialista" muito difícil de evitar em virtude -ou por vício- da fraqueza da carne, ingenuamente se suporia sempre ele ser (cfr. Fisher 1911, cap. 4, pp. 77-8)! Sobre a fraqueza fundamental da teoria walrasiana da capitalização, confua-se, por todos, o excelente Garegnani 1960, I.2-3. Outra fraqueza óbvia e liminar -usualmente passada em claro- é a de o autor não distinguir ainda entre "rendimentos flll/dados" (do capital lato sel/SU, em sentido usual) e "não fI/lidados" (das "faculdades pessoais") ao enunciar a sua teoria do "capital humano" ou "faculdades pessoais". Dir-se-ia, no entanto, que a assimetria não compromete irremissivelmente a coerência e solidez da edificação, porque se poderiam sempre aplicar também a esta novíssima "modalidade de

13

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 25: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

194

ideia-base que constitui a sua "chave" tem de permanecer ao meno como uma tendência para c roamento de uma contemplação reversa (u invertida) mas coerente, e portadora, uma vez mais (cfr. a not 57), do seu grão de verdade sociológica; porém, não enquanto teoria ou fruto de uma prática teórica mediante uma apreensão crítica conform os entes de referência que se entendeu convirem a essa apreensão, mas antes c mo um testemu/lho ou um sintollla de paciêllcia imediata do "real racional" directamente segregado por uma ideologia entregue ao seu funciona­mento: criado o "4. o reino da natureza" (sem "histórica natural": o "reino capital"; cfr. a nota 77) pela mão e para a boca da "economia pura", é inverter, agora, a situação, i. e., passar da base da "analogia" (a natureza "representada" pelos proprietários,já, por seu turno, à imagem das "faculdade ", "capacidades(s)" ou "força de trabalho" e sua remunera­ção) ( 1) para a visão totalizante de natureza pancapitalista,

capital" essas mesmas rubricas "amortização e seguro", para assim obter o montante líquido da capitalização dos respectivos "serviços produtores"; porém, o obstáculo reside aqui noutro lugar: é que Walras, uma vez mais, opera "por analogia" com a situação dos beati possidelltes de um capital directamente medível e contável em dillheiro, para lhe equiparar "cientificamente" o "capital real" fISicamente 'illdestructible' (cfr. Wicksell 1934b, p. 258, logo no início da sua "análise do problema do Dr. Akerman"), o que introduz, uma vez mais, um impasse irredutível na tentativa de extetlsão de uma categoria inextensível: um 11011 sequiwr essencialmente conceitual ou teórico, e não um mero problema "contabilístico" (ou "econométrico", como diria C. E. Ferguson), duas questões distintas cuja diferellça há muito se tentou ensinar, mas se tem persistido em prescindir de aprender (ver a referência a I/IIS e outros a meio da nota 101».

(81) Será conveniente esclarecer que a expressão "'representada'" (qualificando a "natureza") foi posta entre aspas porque reveste aqui, não o sentido (imediatamente) gnosiológico de que se vem tratando principahnente no contexto (p. ex.O, neste mesmo § 11, p. 176, com a alusão a Schopenhauer), mas sim o alcance (mediante "conversão": • Umformung') olltol6gico por via de uma ficçio (metafórica) de "representação

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 26: Versão integral disponível em digitalis.uc · processo que, para quem não seja cego (por insciência ou convicção) para o progresso humano, é um processo histórico, como para

195

olertementc contempland o reaL como reflexo de uma reflexão ideal, com o aduzido a devorar o dado, por retrocesso (e não retroacção).

jurídica" ( egundo a Uteoria da representação" de Roscher: veja-se o texto da p. 180) da natureza (Oll "terra", usual e impropriamente, pois se não trata só do terreno de cultivo, nem s6 da superfície sobre que incidem a caça e a pesca, mas sim de todo o planeta Terra, incluindo o SJ4bsolo, como objecto de trabalho do "sector primário" da produção) pelos terratenetltes (p. ex. o o Sr. Campos, o Sr. Quintas, o Sr. Roça, o Sr. Veiga, o Sr. Minas; o Sr. Terra) e do capital pelos argl'lltários ou os detentores dos meios de produção derivados (p. ex. o o Sr. Ferro, o Sr. Azenha, o Sr. Fazenda -o Sr. Chitas, o Sr. Sedas-; o Sr. Milhões) , "cooperantes na produção", alcance este também, uma vez mais, surpreendido e desvelado (ou desvenóado) por Karl Marx, não já 110 passo diamantino das TMW de que se deu a tradução nas p. 176-7 (em que o autor desmonta o mecanismo subjectivista e utilitário da operação gn6sio-epistemol6gica como "herança jacente" universal para a contemplação "idealista", mas sim no excerto do cap. 48 do livro III do Capital que a seguir extractei (pp. 182-4) sobre a "ontotect6nica" ("ontomaquia") peculiar ao paradigma, que, aliás, se pode completar com este excerto condizente desse mesmo lugar, especialmente claro e coloquial: " ... neste sentido, a f6rmula: capital-juro (lucro), terra-renda, trabalho-salário, é de uma incongruência idêntica e simétrica . .. os vários meios de produção são, em si e por si, por SJ4(J natureza, capital; capital não é senão um simples "nome econ6mico" dos vários meios de produção, tal como a terra 1:-, em si e por si, por SlIa t/(/tureza, a terra I/loI,opolizada por daóo lIIíll/ero de proprietários fimdiários. Como sucede com o capital e os capitalistas -que, com efeito, não são senão a personificaçãC' do capital-, os produtos adquirem uma [orça aut61/0ll/a em relação aos produtores, tal como o proprietário fimdiário personifica a terra que, també", ela, é erigida em [orça allt61/0",a que se apreseI/ta a rec/all/ar a Slj{/ qllotaparte do produto para cuja criação cOl/tribl/il/. Não é, comI/do, a terra em si que recebe a quotaparte do prodllto que lhe compete, para que possa refazer e aumentar a SUtI

produtividade, mas sim, em seu lugar, o proprietário fundiário, que a poderá tra/lsaccíollar 011 dilapidar" (Marx 1964, cap. 48, 1. o fragm. o, p. 332: grifei; cfr. anota 76). Trata-se, pois, de uma diferença de sentidos entre algo e algo que, no Português, é denotado pelo mesmo vocábulo, 'represen­tação' , mas que, no Alemão, para além de um alcance abstracto, comum, equivalellte, com a mesma origem no Latim (com 'RepraseIlUltion'), possui di[erelltes denotações (ou "representações" ... ) com, respectivamente, 'Dar-' e • Vorstelhmg', para a representação viSlIO[ (p/tfstica) e dra",ática, com o segundo termo com o alcance "nobre" que nos interessa directamente

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt