Versos, Sons e Ritmos - Norma Goldstein

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1 VERSOS, SONS E RITMOS Norma Goldstein Captulo 1 - A unidade do poema Um discurso especfico Como toda obra de arte, o poema tem uma unidade, fruto de caractersticas que lhe so prprias. Ao analisar um poema, possvel isolar alguns de seus aspectos, num procedimento didtico, artificial e provisrio. Nunca se pode perder de vista a unidade do texto a ser recuperada no momento da interpretao, quando o poema ter sua unidade orgnica restabelecida. Nos textos comuns, no-literrios, o autor seleciona e combina as palavras geralmente pela sua significao. Na elaborao dO texto literrio, ocorre uma outra operao, to importante quanto a primeira: a seleo e a combinao de palavras se fazem muitas vezes por parentesco sonoro. Por isso se diz que o discurso literrio um discurso especfico, em que a seleo e a combinao das palavras se fazem no apenas pela significao, mas tambm por outros critrios, um dos quais, o sonoro. Como resultado, o texto literrio adquire certo grau de tenso ou ambigidade, produzindo mais de um sentido. Da a plurissignificao do texto literrio. No h receitas Cabe ao leitor ler, reler, analisar e interpretar. Ao analisar, mais simples comear pelos aspectos mais palpveis do poema, aqueles que saltam aos olhos - ou aos ouvidos. A seguir, preciso estabelecer relaes entre os diversos aspectos do texto para tentar interpret-lo. No h "receitas" para analisar e interpretar textos, nem isto seria possvel, dado o carter particular e especfico de cada criao de arte. O prprio texto deve sugerir ao estudioso quais as linhas de seu trabalho. Mas, de certo modo, possvel pensar-se em "tcnicas" de anlise que seriam uma espcie de auxiliar para o trabalho com texto. Esta obra pretende contribuir parcialmente nesse sentido, tratando da anlise do aspecto formal e rtmico do poema. Dado o primeiro passo - a anlise rtmica -, ser preciso que o leitor prossiga, estabelecendo relaes entre o aspecto rtmico e os demais aspectos do poema: vocabulrio, categorias gramaticais predominantes, organizao sinttica, figuras. Ele dever tentar perceber como se processou no s a escolha ou seleo de palavras, mas tambm a combinao que aproximou certas palavras umas das outras, visando ao efeito potico. A interpretao dificilmente ser a palavra final se for feita por uma s pessoa. O texto literrio talvez seja aquele que mais se aproxima do sentido etimolgico da palavra "texto": entrelaamento, tecido. Como "tecido de palavras" o poema pode sugerir mltiplos sentidos, dependendo de como se perceba o entrelaamento dos fios que o organizam. Ou seja: geralmente, ele permite mais de uma interpretao. Dada a plurissignificao inerente ao poema, a soma das vrias interpretaes seria o ideal. Captulo 2 - O ritmo do poema No compasso da vida Toda atividade humana se desenvolve dentro de certo ritmo. Nosso corao pulsa alternando batidas e pausas; nossa respirao, nossa gesticulao, nossos movimentos so ritmados. H trabalhos coletivos. - no campo como na indstria - que tm rendimento maior, em funo do ritmo conjunto de todos os participantes. Certas provas esportivas em equipe dependem do ritmo conjunto para o bom resultado final. O ritmo aparece tambm na produo artstica do homem. De um modo especial, na poesia. Como o ritmo faz parte da vida de qualquer pessoa, sua presena no tecido do poema pode ser facilmente percebida por um leitor atento, que , ao mesmo tempo, um ouvinte. A poesia tem um carter de oralidade muito importante: ela feita para ser falada, recitada. Mesmo que estejamos lendo um poema silenciosamente, perceberemos seu lado musical, sonoro, pois nossa audio

2 capta a articulao (modo de pronunciar) das palavras do texto. Mas se o leitor passar da percepo superficial para a anlise cuidadosa do ritmo do poema, provvel que descubra novos significados no texto, como ilustram as leituras "rtmicas" que se seguem. Percebendo o compasso A musicalidade (sugesto de msica e ritmo) pode partir do ttulo, algumas vezes. Como na letra da cano "A banda", de Chico Buarque de Holanda. O nome indica msica, multido, festejo. A partir da, fica-se na expectativa de um texto que contenha estas sugestes. o que acaba acontecendo. A banda passa e altera a vida das pessoas: o triste vira alegre; o velho se torna criana; o que est parado comea a se movimentar. A temtica est apoiada no ritmo do texto: simples, curto, contagiante: Estava toa na vida, O meu amor me chamou, Pra ver a banda passar Cantando coisas de amor. O ouvinte capta o apelo do texto, graas harmonizao de todos os seus elementos, um dos quais, o ritmo. possvel comear a perceb-lo, atravs da marcao das slabas poticas: Es- TA- va~ -TO- a- na- VI (da) O- meu- a- MOR- me- cha- MOU Pra- ver- a- BAN- da- pas- SAR Can- tan- do- COI- sas- de a- MOR. As slabas destacadas so fortes; as outras, fracas. Se usarmos os sinais de maisculas e minsculas, respectivamente para slabas fortes e fracas, ocorrer o seguinte: Es- TA- va~ -TO- a- na- VI (da) O- MEU- a- MOR- me- cha- MOU Pra- VER- a- BAN- da- pas- SAR Can= TAN- do- COI- sas de~a - MOR. O ritmo simples e repetitivo facilita a memorizao. Trata-se, aqui, do ritmo da letra da cano, sem levar em conta a sua melodia, ou seja, comenta-se o texto apenas enquanto poema. Alm do jogo da alternncia entre slabas fortes e fracas - que vem a ser a cadncia do poema -, h outros efeitos sonoros. A repetio de letras, por exemplo: EsTava Toa na vida O Meu amor Me chamou Pra ver a banda Passar Cantando Coisas de amor. Voc percebe as seguintes repeties: o som "I", na primeira linha ou primeiro verso; o som "M" no segundo verso; o som "P", no terceiro; e o som "Q" (grafado "c") no quarto. Em todos os versos h um outro som que se repete: a vogal "A": EstAvA A toA nA vidA O meu Amor me chAmou Pr ver A bANdA pAssAr CANtANdo coisAs de Amor. As repeties lembram o som das percusses da banda. Tambm marcam o compasso da marcha, ritmo musical que percorre todo o texto. A banda rompe com o quotidiano das pessoas, que se pem a ouvi-la, levadas por um feitio irresistvel. Enquanto ela passa, dura o

3 encantamento, a iluso. Depois, tudo volta a ser como antes: Mas para meu desencanto O que era doce acabou Tudo tomou seu lugar Depois que a banda passou Palavra-chave e jogo de sons No poema "Jos", de Carlos Drummond de Andrade h uma estrofe que formula uma srie de hipteses, todas elas iniciadas pela conjuno condicional "se", que vai se repetir em alguns versos, como uma espcie de eco, apoiando e ampliando o sentido do texto. Neste caso, a palavra-chave ("se") contamina outros termos com sua sonoridade: Se voc gritasse, se voc gemesse, se voc tocasse a valsa vienense, se voc dormisse, se voc cansasse, se voc morresse... Mas voc no morre, voc duro, Jos! Neste trecho, possvel notar vrios efeitos sonoros e rtmicos. A palavra "se" repete-se, sempre na mesma posio: a anfora (repetio de uma palavra, na mesma posio, em versos diferentes) valorizada pelo eco que a mesma slaba faz no interior de outras palavras, como "voC", "gritaSSE", "gemeSSE", "tomaSSE" etc. O jogo sonoro apoia-se na alternncia entre slabas fortes e fracas: Se - vo - CE - gri - TAS (se) Se-vo-CE-ge-MES(se) O leitor percebe a sugesto das hipteses no s pelo sentido, mas tambm pelas rimas, pela sonoridade, pelo ritmo do poema. Da a fora de contraste dos dois versos finais: O "Mas" ope a realidade srie de alternativas hipotticas, produzindo ruptura simultnea do sentido e da seqncia sonora. O ritmo como criao do poeta As noes de "metro", "verso" e "ritmo" esto estreitamente ligadas em nossa tradio literria. As leis de metrificao ou versificao apresentam as normas a serem seguidas, estabelecendo esquemas definidos para a composio do verso. No sistema qualitativo, tais regras subdividem os versos em ps ou segmentos, compostos de slabas longas e slabas breves. No sistema silbico ou acentuas, elas determinam a posio das slabas fortes em cada tipo de verso. p ritmo formado pela sucesso, no verso, de unidades rtmicas resultantes da alternncia entre slabas acentuadas (fortes) e no-acentuadas (fracas); ou entre slabas constitudas por vogais longas e breves. At o incio de nosso sculo, valorizava-se sobretudo a contagem silbica dos versos. Mais recentemente, esta noo associa-se das unidades rtmicas que, de certo modo, abrange a anterior. A nova posio crtica permite analisar o ritmo do verso livre, inovao modernista que no segue nenhuma regra mtrica, apresentando um ritmo novo, liberado e imprevisvel. Ao se ler um poema, o verso se destaca j a partir da disposio grfica na pgina. Cada verso ocupa uma linha, marcada por um ritmo especfico. Um conjunto de versos compe a estrofe, dentro da qual pode surgir outro postulado mtrico: a rima, ou seja, a semelhana sonora no final de diferentes versos. Uma vez que a prosa se imprime em linhas ininterruptas, a organizao do poema em versos seria, de incio, o trao distintivo do poema.

4 As normas mtricas foram seguidas de maneira diferente em cada perodo literrio. Ora se preferia determinado esquema rtmico. Ora se mesclavam diferentes tipos de metro. Ora surgia uma inovao. A mais. marcante, historicamente, foi o verso livre modernista, que no segue nenhum tipo de esquema rtmico preestabelecido, como se retomar adiante. A mtrica , de certo modo, exterior ao poema. Ao compor, o poeta decide se vai, ou no, obedecer s leis mtricas que seriam um suporte ou ponto de apoio. Nada mais que isso. Graas criatividade do artista, depois de pronto, o poema tem um ritmo que lhe prprio. O ritmo pode decorrer da mtrica, ou seja, do tipo ~e verso escolhido pelo poeta. Ele pode resultar ainda de uma srie de efeitos sonoros ou jogo de repeties. O poema rene o conjunto de recursos que o poeta escolhe e organiza dentro de seu texto. Cada combinao de recursos resulta em novo efeito. Por isso, cada poema cria um novo ritmo. Um pouco mais frente, voc vai ver os tipos de verso, de estrofe e os recursos fnicos mais freqentes em nossa lngua. No final, uma anlise de texto ilustrar a correlao entre o ritmo e os demais aspectos do poema. O objetivo que se passe a ler o poema com os olhos e os ouvidos, isto , como uma organizao visual e sonora. O leitor comum perceber o ritmo potico isolado do significado, enquanto o leitor atento, treinado a ouvir, poder captar no poema o ritmo e o significado como uma unidade indissolvel. Captulo 3 Ritmos Cada poca tem seu ritmo A prpria origem da palavra arte implica uma atividade transformadora realizada pelo homem. Esta atividade, por sua vez, traz sempre, direta ou indiretamente, certas marcas das condies concretas em que ela se efetua. Da se compreende que o ritmo, componente do poema, deva ter, uma relao com a poca ou a situao em que produzido. Um exemplo: a vida das pessoas, no sculo passado e nos anteriores, era mais padronizada, talvez mais calma. Nesse perodo, o ritmo era simtrico e regular. Ele correspondia vida que as pessoas levavam. A regularidade de vida e de ritmo potico - prevaleceu at fins do sculo passado e incio deste. A partir d segunda dcada. deste sculo, a vida das pessoas tornou-se mais liberta de padres e mais imprevisvel. O ritmo dos .poemas acompanhou o processo: tornou-se mais solto, mais livre, menos simtrico. Simetria Leia um trecho de "Remorso", de Olavo Bilac: Sinto o que esperdicei na juventude; Choro neste comeo de velhice, Mrtir da hipocrisia ou da virtude. Os beijos que no tive por tolice, Por timidez o que sofrer no pude, E por pudor os versos que no disse! Para verificar a mtrica do poema, vamos fazer a excanso do primeiro verso. Escandir significa dividir o verso em slabas poticas. Note que nem sempre as slabas poticas correspondem s slabas gramaticais. O leitor-ouvinte pode juntar (ou separar) slabas, quando houver encontro de vogais, de acordo com a melodia do verso. O ouvido de cada um vai indicar como proceder. Leia e releia em voz alta, percebendo a cadncia do verso: Sin- t~ - que~s- per- di- CEI- na- ju- ven- TU (de) An escandir, isto , dividir um verso em slabas mtricas, em portugus, deve-se parar na ltima

5 slaba tnica. Se houver outra(s) depois dela, no se conta(m) para efeito mtrico. No verso acima, voc pode observar que algumas slabas aparecem grifadas e em letras maisculas. So as slabas fortes ou acentuadas. Podemos resumir o esquema rtmico (mtrico) desse verso da seguinte forma: E.R. 10(6-10). Ou seja: um verso de 10 slabas poticas, como se indica antes do parntese; so acentuadas as slabas de nmero 6 e de nmero 10, como se indica no interior dos parnteses. Ele se compe de dois segmentos rtmicos: o primeiro at a sexta slaba e o segundo, at a dcima. Leia em voz alta os trs versos seguintes, onde aparece o mesmo E.R. 10(6-10) : Cho- ro- nes- te- co -ME - o - de - ve- LHI (ce) Mr- tir- d hi- po - cri - SI - u - da - vir - TU (de) Os-bei-jos-que-no-TI-ve-por-to-LI(cel No penltimo verso, o metro (tamanho) o mesmo: dez slabas. O que muda a posio das slabas acentuadas: Por - ti - mi - DEZ - o - que- so- FRER - no - PU (de) Representa-se assim este E.R.: 10(4-8-10). Isto : verso de dez slabas ou decasslabo, com acento na quarta, oitava e dcima slabas. O primeiro tipo sugere a bipartio em dois segmentos rtmicos; este segundo, a tripartio. J no ltimo verso, retorna o E:R. 10(6-10) : E - por - pu - dor - os - VER - sos - qu eu - no - DIS [se) E possvel perceber outro acento, menos forte, na quarta slaba (dor). A indicao feita entre colchetes por ser acento secundrio: E.R. 10([4]-6-10). Releia os seis versos de Bilac. Voc vai verificar que a ltima slaba potica sempre acentuada: ela marca o fim do verso, do segmento rtmico. Alm da alternncia entre silabas fortes e fracas, o ritmo provm de outros efeitos sonoros, como a repetio de letras ou palavras. Um deles, a rima: repetio de sons semelhantes no final de versos diferentes. Verifique as rimas do trecho anterior: juventUDE / virtUDE / pUDE veIhICE / toIICE / dISSE No conjunto, fica a impresso de simtrica regularidade. No penltimo verso, h uma alterao no esquema rtmico, preparado o verso final, aspecto mais relevante do "remorso" do poeta: "os versos que no disse". Percebe-se o metro apoiado a famosa "chave de ouro" parnasiana. ,. Assimetria A partir das primeiras dcadas de nosso sculo, o ritmo dos poemas comea a ser cada vez mais solto e distanciado das regras da mtrica tradicional. Veja como exemplo "O poeta come amendoim", de Mrio de Andrade: Brasil que eu amo porque o ritmo do meu brao aventuroso, O gosto dos meus descansos, O balano das minhas cantigas amores e danas. Brasil que eu sou porque s minha expresso muito [engraada] Porque o meu sentimento pachorrento ~, ' Porque o meu geito de ganhar dinheiro, de comer e de ~[dormir]. Percebe-se um poema completamente diferente do anterior. Vamos comear pelo vocabulrio, pelas palavras empregadas em cada texto. No primeiro: "esperdicei", "mrtir", "hipocrisia", "virtude", "timidez", "tolice". Termos cultos, prprios da linguagem escrita. No segundo: "engraado", "pachorrento", "geito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir". Expresses simples, freqentes na linguagem falada. Passemos siniaxe, ordem dos termos na frase. No poema de Bilac, h inverses: "Por timidez o que sofrer no pude" que, em ordem direta, ficaria assim: "o que no pude sofrer, por timidez". Na poema de Mrio, a ordem dos termos a mesma da linguagem falada corrente: direta. Quanto ao metro, no primeiro poema, todos os versos se assemelham: decasslabos. No segundo, cada verso tem um tamanho diferente. Observe: Bra-sil-queeu-a-mo-por-que~o-rt-mo-do meu - bra- o a - ven - tu - RO (so)

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No primeiro verso, 16 slabas poticas. Quanto aos acentos, voc ver que eles podem variar a cada leitura, pois trata-se de um poema em versos livres, cuja acentuao no obedece s regras mtricas clssicas. Isto : os acentos no so fixos, com exceo do da ltima slaba. Uma outra leitura do mesmo verso, separando vogais, resultaria num nmero maior de slabas poticas. . O verso dois bem menor; apenas sete slabas: O - gos - to - dos - meus - des - CAN (sos) Verifique como o metro varia de verso para verso. Os termos simples, a ordem direta, o ritmo liberado ~ do poema traduzem o novo modo de vida do sculo XX. Nos dois casos, o ritmo faz parte de uma concepo de arte, de uma viso de mundo. No h um ritmo "melhor", outra "pior", mas apenas ritmos diferentes, cada um traduzindo um modo de ver o mundo e de viver. Insisto novamente: no basta analisar o ritmo, apenas. preciso sempre associ-lo aos demais aspectos do texto. Deve-se, ainda, relacionar a obra ao contexto sociocultural em que ela foi produzida. O modo de compor associa-se temtica do poema para traduzir um modo de vida, um conjunto de valores, uma viso de mundo. Captulo 4 Sistemas de metrificao A marcao latina Para metrificar ou "medir" versos, existe mais de um tipo de versificao. Entre os latinos e os gregos da Antigidade Clssica, havia o sistema quantitativo: considerava-se a alternncia entre slabas longas e slabas breves. A unidade de tempo seriaa slaba longa, representada pelo sinal /-/. A silaba breve representada pelo sinal /U/, correspondia a metade longa, ou seja,, duas breves seriam equivalentes durao de uma slaba longa. Conforme a distribuio das slabas longas e das breves, o poeta compunha diferentes segmentos de versos, chamados ps. Estes so os principais ps mtricos do sistema quantitativo: uma longa e uma breve: /-U/ p jmbico uma breve e uma longa: /U-/ p trocaico ou troqueu duas longas: /--/ p espondeu uma longa e duas breves: /-UU/ p dtilo duas breves e uma longa: /UU-/ p anapesto ou anapstico. Com o passar do tempo, em vez de durao, ou seja, alternncia entre longas e breves, passou-se ao critrio de intensidade, isto , a alternncia entre slabas acentuadas e no acentuadas. O sistema quantitativo, adaptado ao critrio de intensidade, permanece em algumas lnguas. Em portugus nosso sistema o contagem de slabas mtricas, ou seja, o sistema silbico-acentual. Conta-se o nmero de slabas dos versos; em seguida, verifica-se quais as slabas fortes, tnicas ou acentuadas em cada verso. No entanto a influncia do sistema latino permanece. No raro, lem-se comentrios sobre o ritmo "anapstico" de um poema. Trata-se da alternncia entre duas slabas fracas e uma slaba forte, numa, adaptao da `quantidade" rtmica ao sistema acentual. Alm disso, este tipo de critrio pode permitir a descoberta de parentesco rtmico entre versos aparentemente diferentes. Por exemplo, um verso curto (5 ou 6 slabas) e um verso longo (10 ou 12 slabas). Embora de tamanhos diferentes, eles talvez possam apresentar o mesmo ritmo: ternrio anapstico / U U-/; ou binrio jmbico /- U /; ou troqueu / U -/ etc. Na verdade, um sistema influencia o outro. Certas pocas so rgidas, impondo regras de composio aos escritores. Outras so menos rigorosas, permitindo ao escritor a liberdade de compor independentemente de regras. Encontramos grandes poetas tanto entre os que seguiram, quanto entre os que aboliram as regras. Contando as slabas mtricas, hoje

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A organizao do poema em versos agrupados em estrofes faz o ritmo saltar aos olhos do leitor. A rima, quando presente, acentua essa impresso. No entanto a cadncia do verso lido em voz alta que realmente indica a alternncia de slabas fortes e fracas. So as regras de versificao ou de metrificao que estabelecem onde deve cair o acento tnico em cada tipo de verso. Na mesma posio da slaba forte, ocorre a cesura, pausa que, geralmente, divide o verso em partes ou segmentos rtmicos. Vamos examinar versos regulares de uma a doze slabas poticas, verificando como funcionam em poemas de diversos autores e pocas. No final, um resumo esquemtico dos vrios modelos rtmicos encontrados. Verso de uma slaba No verso em que s h uma slaba potica, a slaba nica acentuada. Verifique: SERENATA SINTTICA Rua torta. Lua morta. Tua porta. Cassiano Ricardo Como indica o ttulo, uma "serenata sinttica" j que cada verso tem uma s palavra, apenas uma slaba potica, pois s se conta at a ltima slaba tnica do verso: RU(a)/TOR(ta)//LU(a)/MOR(ta)// //TU(a)/POR(ta). O ttulo e a construo do texto (sem nenhum verbo) sugerem a expectativa do poeta, numa caminhada incerta ("rua torta", noite sem lua) at a amada ("tua porta"). O leitor pode ampliar a dvida proposta pelo texto: ser a serenata ouvida, ou no? Verso de duas slabas. Neste tipo de verso, o acento cair necessariamente sobre a ltima slaba antecedida por uma slaba breve (no-acentuada). O exemplo mais conhecido em lngua. portuguesa de Casimiro de Abreu, recriando em "A valsa" o ritmo que o ttulo indica, como exemplifica o trecho abaixo: Na valsa Cansaste; Ficaste Prostrada, Turbada! Pensavas, Cismavas, E estavas To plida Note como soa o ritmo deste poema: Na - VAL (sa) Can-, SAS (te)

8 FI - CAS (te) Pros - TRA (da) Tur - BA (da) Pen- SA (vas) Cis - MA (vas) E es - TA (vas) To - P (li-da) Todos os versos obedecem ao mesmo E.R. (esquema rtmico): E.R. 2(2). Veja agora um exemplo moderno, isto , contemporneo, de Jos Lino Grnewald, num poema concreto onde o aspecto visual ou cone tambm assume grande importncia: f o r ma reforma disforma transforma conforma informa forma No primeiro verso e no ltimo, h apenas uma slaba potica: FOR(ma). Nos demais, h duas, sendo a ltima acentuada: re-FOR(ma)/dis-FOR(ma)/trans-FOR(ma)/ /con-FOR(ma)/in-FOR(ma). Alm da regularidade mtrica, a repetio "forma" no interior de todos os versos tambm produz efeito rtmico. Verso de trs slabas Leia um trecho de "Trern de ferro", de Manuel Bandeira Foge, bicho Foge, povo Passa ponte Passa poste Passe pasto Passa boi Estes versos trisslabos imitam o movimento do trem: FO- ge - BI (cho)/FO - ge - PO (vo)/PAS - sa PON (te)/ PAS - sa - POS (te)IPAS- sa - PAS (to)IPAS sa - BOI Em todos eles, so acentuadas a primeira e a terceira slabas, com E.R. 3(1-3). O verso trisslabo pode apresentar um nico acento. Cabe ao leitor aplicar o ouvido e descobrir as slabas fortes, preciso deixar fluir a msica do verso, sem atentar ao sentido lgico dele, enquanto se contam as slabas poticas. Numa etapa posterior, as concluses sobre o ritmo podero auxiliar a interpretao. do texto. Mas, no momento da escanso, os demais aspectos deveriam desaparecer, ficando s a cadncia e a alternncia entre slabas fortes e fracas. Verso de quatro slabas Os exemplos de versos de quatro slabas, ou tetra-silbicos vo conduzir a vrios esquemas rtmicos. De incio, "A casa", de Vincius de Moraes: Era uma casa Muito engraada

9 No tinha teto No tinha nada possvel ler o primeiro verso de duas maneiras diferentes: 1) E - ra~ u - ma - CA (sa), com E.R. 4OA (um s segmento rtmico) 2)e - RA~ U - ma - CA (sa), com E.R. 4(24) (dois segmentos rtmicos) Refaa a leitura. Tente localizar os acentos. O fato vai se repetir: ora o acento interno (que fica no interior do verso) cai na primeira, ora na segunda slaba. Quando isto acontece, temos a tenso rtmica, que resulta da dupla possibilidade de leitura. Colocado em evidncia pela tenso rtmica, o verso deve merecer ateno especial do leitor. Neste caso, trata-se da ambigidade da casa: , ou no, uma casa? Os versos seguintes colocam dvida quanto a isso, j que a casa "no tinha teto", "no tinha nada". tenso rtmica acrescenta-se a tenso semntica. Passemos ao segundo verso: tambm duas leituras possveis: 1) MUI - to~en - gra - A (da), com E.R. 4(1-4) 2) Mui - TO~EN - gra - A (da), com E.R. 4(2-4) Pela segunda vez, associa-se a tenso rtmica semntica, esta ltima criada pela ambigidade do termo "engraada": que faz rir? estranha? extravagante? Ou tudo isso junto? ... Nos dois outros versos, os acentos no so mveis, no aparece tenso rtmica, sendo o E.R. 4(24): No - Ti - nha - TE (to) 1 2 3 4 No - Ti - nha - NA (da) 1 2 3 4 Na exposio negativa do que falta casa, no pode haver ambigidade, o sentido nico. O ritmo acompanha a significao. Verso de cinco slabas O verso de cinco slabas, ou pentasslabo, chama-se redondilha menor. Na idade mdia, os poetas portugueses j o empregavam nas "cantigas de amor e de amigo". Entre os modernos, Ceclia Meireles o retoma, bem como aos demais versos "curtos" (de uma a seis slabas). Leia um terceto de "Tempo celeste": Dorme o pensamento. Riram-se? Choraram? Ningum mais recorda. Verifique a escanso do primeiro e segundo versos: DOR me~o - PEN - sa - MEN (to) E.R. 5(1-3-5) 1 2 3 4 5 Ri - ram- se- cho- RA (ram) E.R. 5O-5) 1 2 3 4 5

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No terceiro verso, encontramos duas leituras possveis, resultando em tenso rtmica: 1) Nin- GUM - mais - re - COR (da) E.R. 5(2.5) 12 345 2) Nin- gum- MAIS - re- COR (da) E.R. 5(3-5) 1 2 3 4 5 O significado do verso - o valor da lembrana - acentuado pela tenso da dupla leitura. Verso de seis slabas Novamente um poema de Ceclia Meireles para ilustrar o verso de seis slabas, ou hexasslabo: um trecho retirado de uma das "Canes": H noite? H vida? H vozes? Que espanto nos consome de repente, mirando-nos? (Alma, como teu nome?) Vamos escandir: H- NOI- te?~H - Vi- da?~H- VO (zes?) E.R. 6(2-4-6) 1 2 3 4 5 6 Que~es- PAN -to- nos- con- SO (me) E.R. 6(2-6) 1 2 3 4 5 6 de - re - PEN-te - mi- RAN (do-nos?) E.R. 6O-61 1 2 3 4 5 6 AL- ma- co - MO~ - teu- NO (me?) E.R. 6(1-4-6) 1 2 3 4 5 6 Em "Debussy", Manuel Bandeira retrata uma criana adormecendo numa cadeira de balano, com um novelo de linha na mo. A estrofe nica do poema tem um ritmo peculiar, fruto da mescla do verso de seis slabas com outro maior. Observe o verso que se repete: DEBUSSY 1 Para c, para l ... 2 Para c, para l ... 3 Um novelozinho de linha... 4 Para c, para l ... 5 Para c, para l ... 6 Oscila no ar pela mo de uma criana 7 (Vem e vai ... ) 8 Que delicadamente e quase a adormecer o balana 9 - Psio...10 Para. c, para l... 11 Para c e... 12 - O novelozinho caiu. Os doze versos que compem o poema organizam-se musicalmente, como sugere o nome que o compositor lhe d, em duas vozes, ou seja, em duas modulaes ou temas. O primeiro, contido nos versos curtos (v. 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10 e 11), trata do efeito do balano sobre o fio de linha,

11 acompanhando o movimento da criana. O segundo, contido nos versos longos (v. 3, 6, 8 e 12), retrata a prpria criana, com o novelozinho de linha na mo. O verso inicial repete-se mais quatro vezes e meia. Meia, porque ele fica pela metade, como um acorde suspenso, no penltimo verso. Ao lado dos demais versos curtos, ele apresenta um carter "descritivo", reproduzindo o movimento do balano, enquanto os versos longos tm um carter "narrativo", contando o que acontece com o objeto que est sendo embalado. O poema feito da integrao de todos os elementos que o compem. Um deles, o esquema rtmico do verso de seis slabas: Pa - ra - L - pa - ra - C E.R. 6(3-6) 1 2 3 4 5 6 O efeito de balano vem do metro, da repetio no interior do prprio verso ("para" e "para") e da identidade fnica (de sons) entre as slabas acentuadas' do verso que apresentam a mesma vogal ("I" e "C"), resultando em a interna (rima no interior do verso). Acrescente-se da a repetio do mesmo verso em quase metade do ema. Desse conjunto de recursos surge o ritmo musical, integrando-se temtica do texto. Verso de sete slabas O verso de sete slabas, heptasslabo ou redondilha maior, o mais simples do ponto de vista das leis mtricas. Basta que a ltima slaba seja acentuada, os demais acentos podem cair em qualquer outra slaba. Talvez por isso ele seja o verso predominante nas quadrinhas e canes populares. Verso tradicional em lngua portuguesa, j era freqente nas cantigas medievais. Comecemos por uma cantiga de roda: Como pode o peixe vivo Viver fora da gua fria? Como poderei viver Sem a tua companhia? Vamos metrificar: Co- mo- PO- de~ o - PEI - xe- Vi (vo) E.R. 7(3-5-7) 1 2 3 4 5 6 7 Vi- ver- FO - ra- da~ -gua- FRI (a) E.R. 7(3-7) 1 2 3 4 5 6 7 CO - mo- PO- de- REI vi - VER E.R. 7(1-3-5-7) 1 2 3 4 5 6 7 Sem - a- TU -a - com-pa- NHI (a) E.R. 7(3-7). 1 2 3 4 5 6 7 A redondilha maior, esse verso meldico, muito freqente na letra das canes folclricas e populares. Aparece ainda em poemas de todas as pocas, em Portugal e no Brasil. Verso de oito slabas Para ilustrar o verso octosslabo, a letra de uma cano de Noel Rosa, "A melhor do planeta": Tu pensas que tu que s A melhor mulher do planeta, Mas eu que no vou fazer Tudo o que te der na veneta. Escandindo, fica assim:

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Tu - PEN - sas- que - TU - - que- S E.R. 8(2-5-8) 1 2 3 4 5 6 7 8 A - me - LHOR - mu - LHER - do - pla- NE (ta) E.R. 8(3-5-8) 1 2 3 4 5 6 7 8 Mas- EU - que - NO - vou - fa- ZER E.R. 8(2-5-8) 1 2 3 4 5 6 7 8 TU- do o . que - te - DER - na - ve - NE (ta) E.R. 8(1-5-8) 1 2 3 4 5 6 7 8 Como no caso dos outros versos, so estes apenas alguns exemplos. Outros tipos de acento podem aparecer, sendo bem freqente o que divide o verso ao meio, com acento na quarta e na ltima slabas. Verso de nove slabas Para o verso de nove slabas, ou eneasslabo nosso exemplo retirado da parte III do "Canto do Piaga", de Gonalves Dias: No sabeis o que o monstro procura? No sabeis a que vem, o que quer? Vem matar vossos bravos guerreiros, Vem roubar-vos a filho, a mulher! O ritmo de todo o segmento o mesmo: um encasslabo ternrio, isto , composto de trs segmentos rtmicos. Veja a contagem do primeiro verso: No - sa - BEIS - o - queo - MONS - tro - pro - CU (ra) 1 2 3 4 5 6 7 8 ER. 9(3-6-9) 9

Nos outros versos, repete-se o mesmo esquema rtmico. O efeito encantatrio, enfeitiador, tal qual o monstro evocado pelo poeta que apavorava os indgenas. Um outro tipo de versos eneasslabos aparece em "Ou isto ou aquilo", de Ceclia Meireles. Leia em voz alta: Ou se tem chuva e no se tem sol Ou se tem sol e no se tem chuva. O esquema rtmico revela um verso bipartido, com E.R. 9(4-9). Harmonizam-se metro e significado: o primeiro segmento rtmico do verso levanta uma alternativa; o segundo prope a alternativa oposta. Verso de dez slabas O verso de dez slabas, ou decasslabo, foi um dos versos preferidos pelos poetas clssicos do sculo XVI. Ele domina o clebre poema pico Os lusadas, de Lus de Cames. Aparece nos sonetos da poca o tambm nos de todas as outras pocas, por ser um verso musical de grande efeito. No Classicismo, havia dois tipos de decasslabos: o herico, com E.R. 10(6-10), e o sfico, com E.R. 10(4-8-10). Leia a seguir uma estrofe do canto V de Os lusadas. Trata-se do momento em que os lusos avistaram terra, aps muito tempo no mar, em uma noite de lua. No texto, a lua o "planeta" de "meio rosto": 1 Mas j o planeta que no cu primeiro

13 2 Habita, cinco vezes, apressada, 3 Agora meio rosto, agora inteiro, 4 Mostrara, enquanto o mar cortava a armada, 5 Quando da etrea gvea um marinheiro, 6 Pronto co'a vista: "Terra, terra," brada. 7 Salta no bordo alvoroada a gente, 8Co'os olhos no horizonte do Oriente. Verifique os acentos do primeiro e do stimo versos: 1 1 Mas- j~'o - pia - NE - ta- que- no - CU - pri - MEI (ro) 2 3 4 5 6 7 8 9 10

7 Sal- ta- no -BOR- d~~l -vo- ro- A-da~a- GEN (te) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Trata-se de decasslabos sficos, com E.R. 10(4-8-10). Faa a contagem dos demais versos, com exceo do sexto. Veja o verso 2: 2 Ha - bi - ta - cin - co - VE - zes - a - pres - SA (da) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 O E.R. 10(6-10) aponta um decasslabo herico. O mesmo E.R. pode ser encontrado para os versos 3, 4, 5, 8. O verso 6 vai apresentar dupla leitura possvel, isto , tenso rtmica: ora sfico, ora herico: 1) Pron-to-co'a- vis-ta-TER -ra-ter-ra-BRA (da) E.R. 10(6-10); 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 2) Pron-to-co'a- VIS-ta-ter-ra-TER-ra-BRA (da) E.R. 10(4-8-10). 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Pode-se interpretar a tenso rtmica como um modo de enfatizar o anncio de "terra vista", meta importante do grupo de viajantes. A partir dessa poca, o decasslabo foi sendo enriquecido ritmicamente, com variantes de novos acentos em relao aos dois tipos iniciais. Veja como ele aparece no primeiro verso do dstico (estrofe de dois versos) que funciona como ~ ~r (estrofe que se repete) no poema "A catedral", de Alphonsus de Guimaraens: E o sino canta em lgubres responsos Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus! Os dois versos tm tamanhos diferentes: dez e sete slabas, respectivamente. Vamos examinar o maior: E o - si- no- CAN - ta em1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ER 10(4-6-10) L-gu-bres-res-PON (sos)

medida que se for lendo e analisando poemas, sero encontradas novas variaes rtmicas possveis para este e para os outros tipos de versos. Verso de onze slabas O endecasslabo, ou verso de onze slabas, tambm permite mais de um tipo de acentuao. Veja a primeira parte do poema "I-Juca-Pirama", de Gonalves Dias: No meio das tabas de amenos verdores,

14 cercadas de troncos - cobertos de flores, Alteiam-se os tetos d'altiva nao; So muitos seus filhos, nos nimos fortes, Terniveis na guerra, que em densas coortes Assombram das matas a imensa extenso. Neste trecho, todos os versos se assemelham. Vamos escandir os dois primeiros: No- ME]- o -da- TA -ba- de a - ME- nos- ver- DO (res) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 E.R. 11(2-5-8-11) cer- CA- das- de-TRON - cos- co -BER -tos-de-FLO (res) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 E.R. 11(2-5-8-11) O esquema rtmico dos demais o mesmo. Resulta da um ritmo cuja musicalidade enfatiza o clima ("amenos verdores", 'troncos - cobertos de flores") e as personagens ("altiva nao", "nimos fortes", "temveis na guerra") hericas do poema. Verso de doze slabas O verso de doze slabas, ou alexandrino, um verso longo e muito querido dos poetas clssicos e dos parnasianos. menos freqente em outras pocas. Geralmente, tem um acento e uma cesura (diviso) na sexta slaba, ficando partido ao meio. Cada uma das metades chama-se hemstquio. Observe o. ritmo dos alexandrinos criados por Cruz e Souza na estrofe inicial do soneto "Amor": Nas largas mutaes perptuas do universo O amor sempre o vinho enrgico, irritante... Um lago de luar nervoso e palpitante... Um sol dentro de tudo altivamente Imerso. Metrifiquemos o primeiro verso: Quanto ao segundo, vai ser possvel a dupla leitura, pois ocorre tenso rtmica: Nas-lar-gas-mu-ta-ES-per-p-tuas-do~u-ni-VER (so) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 E.R. 12(612) 1) O~a-mor--sem-pre~o-VI-nho~e- nr-gi-co~ir-ri-TAN (te) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 E.R. 12(6123 2) O~a-mor--SEM-Pre~o- vi-nho~e- NR-gi-co~ir-ri-TAN (te) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 E.R. 12(4-8-12) Ora os alexandrinos apresentam dois hemistiquios, com E.R. 12(6-12), ora se partem em trs segmentos rtmicos, com E.R. 12(4-8-12). No verso em que h tenso rtmica, note que h tambm tenso semntica, isto , quanto ao sentido: o poeta diz que o amor o vinho e qualifica este vinho com dois adjetivos que, por serem opostos, estabelecem uma tenso em relao ao sentido: vinho "enrgico" (qualidade positiva) e "irritante" (caracterstica negativa). Ritmo e significado apoiam-se mutuamente. No verso 3 e no verso 4, o esquema rtmico 12(6-12). Rigorosos quanto a rima, os parnasianos praticavam a fuso sonora dos dois hemistiquios do

15 verso alexandrino. Isto : o final do primeiro segmento rtmico deveria ligar-se ao incio do segundo, como ensina Olavo Bilac em seu Tratado de versificao: "A lei orgnica do alexandrino pode ser expressa em dois artigos: 1) quando a ltima palavra do primeiro verso de seis slabas (hemistiquio) grave, a primeira palavra do segundo deve comear por uma vogal ou por um h; 2.) a ltima palavra do primeiro verso (hemistquio) nunca pode ser esdrxula". Em poetas modernos, h mais flexibilidade. Versos com mais de doze slabas Voc talvez esteja pensando em perguntar se h versos maiores que o alexandrino. H, mas, geralmente, so versos compostos de dois outros versos menores. Por exemplo: o verso de 14 slabas seria equivalente a dois versos de 7 slabas; o de 15 slabas, a um de 7 mais um de 8 slabas. Tudo o que foi dito aqui refere-se apenas aos versos regulares, aqueles que obedecem s regras tradicionais de acentuao mtrica. Quando os versos no forem regulares, o ritmo outro, como voc ver a seguir. Captulo 5 Versos Regulares Os versos regulares, como j foi dito, so os que obedecem s regras clssicas estabelecidas pela mtrica, determinando a posio das slabas acentuadas em cada tipo de verso. As rimas aparecem de modo regular, marcando a semelhana fnica no final de certos versos. Os exemplos que ilustram o captulo anterior so de versos regulares. Brancos Quando os versos obedecem s regras mtricas de verificao ou acentuao, mas no apresentam rimas chamam-se versos brancos. So brancos os versos do poema Uruguai, do poeta rcade Baslio da Gama (sc. XVIII): L, como uso do pais, roando Dois lenhos entre si, desperte a chama, Que j se ateia nas ligeiras palhas, E velozmente se propaga. Ao vento Deixa Cacambo o resto e foge a tempo Este trecho conta como o heri indgena Cacambo, ateou fogo ao acampamento de seus inimigos. Cada verso tem dez slabas poticas. O primeiro, terceiro e quarto versos so sficos, com E.R. 1O(4-8-1O); os outros dois so hericos, com E.R. 1O(6-1O). As rimas no aparecem, pois os versos brancos apresentam regularidade mtrica, mas no, rimas. Para os versos regulares ou para os brancos, so estes os esquemas rtmicos mais freqentes: Nmero de slabas poticas Slabas acentuadas uma 1 duas 2 trs 3 ou 1 e 3 quatro 1 e 4,ou 2 e 4 cinco 2 e 5 ou 3 e 5 ou 1, 3 e 5 seis 3 e 6 ou 2 e 6 ou 2, 4 e 6 ou 1, 4 e 6 sete qualquer slaba e ltima

16 oito nove dez onze doze Polimtricos O nome por si j diz: poli = muito; metro = tamanho. Este o nome _que se d a um conjunto de versos regulares e de tamanhos diferentes. Embora de tamanhos diferentes, tm as slabas fortes localizadas nas posies indicadas pelas regras mtricas tradicionais. Livres Os versos livres no obedecem a nenhuma regra preestabelecida quanto ao metro, posio das slabas fortes, nem presena ou regularidade de rimas. Esse tipo de verso, tpico do modernismo, vem sendo muito usado a partir da segunda dcada de nosso sculo. Num poema em versos livres, cada verso pode ter tamanho diferente a slaba acentuada no fixa, variando conforme a leitura que se fizer. Como no poema abaixo, de Alberto Caeiro, heternimo de Fernando Pessoa: O espelho reflete certo: no erra porque no pensa. Pensar essencialmente errar. Errar essencialmente estar cego e surdo. Releia o texto. Verifique como o ritmo solto e imprevisvel. O verso livre modernista tem um ritmo irregular cujo efeito d uma espcie de vertigem. Aps a grande voga desse verso, os poetas retornaram. ao verso tradicional. inovando-o, reinventando-o, na medida em que passavam a utiliz-lo de modo nunca visto anteriormente. Por exemplo: agrupam-se versos de metro (tamanho) igual, com acentuao distribuda de tal modo que o leitor supe estar diante de versos desiguais. Ou, inversamente, sucedem-se versos desiguais cuja acentuao inovada os faz parecerem semelhantes. O verso livre muito mais difcil que o regular, embora possa dar a impresso contrria, ' conforme testemunha Manuel Bandeira, no ensaio "Poesia e verso": "Mas verso livre cem por cento aquele que no se socorre de nenhum sinal exterior seno o de volta ao ponto de partida, esquerda da folha de papel: verso derivado de vertere, voltar. primeira vista, parece mais fcil de fazer do que o verso metrificado. Mas engano. Baste dizer que no verso livre o poeta tem de criar seu ritmo sem auxlio de fora. ( ... ) Sem dvida, no custa nade escrever um trecho de prosa e depois distribu-lo em linhas irregulares, obedecendo tosomente s pausas do pensamento. Mas isso nunca foi verso livre. Se tosse, qualquer um poderia pr em verso at o ltimo relatrio do Ministro da Fazenda". Durante muitos perodos, entre o sculo XV e o XX, a busca de simetria se fez presente em todas as artes, inclusive na poesia. o caso o a alexandrino em duas partes iguais de seis slabas (hemistquios) e do decasslabo em duas partes quase iguais, com E.R. 1O(64O).A partir de fins do sculo XIX a simetria foi sendo abolida das artes. Em poesia, os simbolistas deram os primeiros passos que Culminaram na liberao rtmica do Modernismo. Em lugar da simetria, surge a irregularidade, o contraste, a dissonncia, o efeito imprevisvel ou inesperado. Quando se voltou aos mtodos tradicionalmente chamados regulares, sobretudo a partir de 45, estes se viram transfigurados em novos. o caso de Joo Cabral de Melo Neto, de Murilo Mendes e de outros poetas contemporneos. A liberdade rtmica criou uma nova msica do verso, tornando o metro mais livre, o poema menos cantante que os tradicionais, o ritmo mais 4 e 8,ou 2, 6 e 8 ou 3, 5 e 8 ou 2, 5 e 8 4 e 9 ou 3, 6 e 9 6 e 1O ou 4, 8 e 1O 5 e 11 ou 2, 5, 8 e 11 ou 2, 4, 6 e 11 6 e 12 ou 4, 8 e 12 ou 4, 6, 8 e 12

17 seco e contundente. Em outras palavras, um ritmo inesperado como o da vida do homem contemporneo. Uma observao importante: a diferena entre os tipos de verso somente de estrutura e no de qualidade. H belos poemas em versos regulares e belos poemas em versos livres. O modo de compor traduz a viso de mundo uma certa poca. Muda o modo de vida, mudam as formas artsticas. Cada poeta escolhe, o ritmo que julgar adequado ao tema, que vai tratar. O leitor deve buscar integrar o ritmo, seja ele qual for, aos demais aspectos estruturadores do poema. Captulo 6 Dsticos, tercetos ... Estrofes Estrofe um conjunto de versos. Uma linha em branco vem antes, e outra, depois da estrofe, separando-a das demais partes do poema e marcando a sua unidade. H estrofes de diferentes tamanhos. De um s verso, de dois, de trs ou maiores. Conforme o nmero de versos que a compem, a estrofe recebe um nome diferente: Nmero de versos Nome do estrofe dois versos dstico trs versos terceto quatro versos quadra ou quarteto cinco versos quinteto ou quintilha seis versos sexteto ou sextilha sete versos stima ou septilha oito versos-oitava nove versos novena ou nona dez versos dcima No perodo anterior ao Modernismo, as estrofes ~ predominantes eram os tercetos, os quartetos, as quintilhas, as sextilhas, as oitavas e as dcimas. Aps a liberao rtmica modernista, as composies em verso passaram a apresentar todo tipo de estrofe e de verso. Os quartetos e os tercetos compem o soneto, poema de forma fixa de mais longa permanncia em nossa tradio literria de que se falar adiante. Convm observar que, quando se trata de composio popular, a estrofe de quatro versos tem estrutura menos elaborada (podem rimar apenas os versos pares) e recebe o nome de quadra ou, no diminutivo, quadrinha. A quintilha e a sextilha so estrofes que podem rimar livremente, sem obedecer a esquemas rgidos. A dcima organiza-se como estrofe composta de um quarteto seguido de um sexteto, havendo um esquema diferente de rimas em cada subestrofe que a compe. So freqentes os poemas que mesclam mais de um tipo de estrofe. medida que o leitor de poesia vai enriquecendo sua bagagem, o contacto com poemas antigos e modernos ir revelando novos modos de organizao dos versos no poema. Sem me perder em exaustivas exemplificaes, detenho-me apenas em alguns tipos de estrofe: o refro, a oitava e a quadrinha. Refro Encontram-se poemas com vrios tipos de organizao estrfica. Ora estrofes todas iguais: s tercetos; s quartetos; s quintetos, e assim por diante. Ora as estrofes so diferentes uma da outra. s vezes, um grupo de versos se repete ao longo do poema. Trata-se do refro. O refro facilita a memorizao nas canes, tendo um papel rtmico importante em todas as pocas. O exemplo abaixo da Lira IV, do rcade Toms Antnio Gonzaga: Marlis, teus olhos

18 So' rus, e culpados, Que sofra e que beije Os ferros pesados De injusto Senhor. Marlia, escuto Um triste Pastor. Mel vi o teu rosto, O sangue gelou-se, A lngua prendeu-se, Tremi, e mudou-se Das faces a cor. Marlia, escuta Um triste Pastor. Nas duas primeiras estrofes da Lira IV, voc observa cinco versos iniciais, de cinco slabas, descrevendo a beleza de Marlia e sua atrao sobre o poeta. Os dois versos finais compem o refro que vai se repetir ao longo do poema. O refro invoca a ateno da amada para seu "pastor", como se autonomeavam os poetas do Arcadismo. Aparentemente, so os mesmos os versos que se repetem. Na verdade, entre uma apario do refro e outra, como h os versos que se intercalam, o tom do apelo vai ficando mais forte e denso, medida que a leitura do poema avana. O leitor percebe que o par amoroso vai separar-se, e o refro se torna um lamento cada vez mais acentuado, at a pungente despedida da estrofe final: Mos eu te desculpo, Que o fado tirano Te obriga a deixar-me; Pois baste o meu dano Da sorte, que for. Marlia, escuta Um triste Pastor. Oitava A oitava (estrofe de oito versos) aparece nos dez cantos de Os lusadas, de Cames, e em outras composies picas. Eis suas caractersticas: oito versos decasslabos; rimas organizadas da seguinte forma: 1.O tipo de rima versos 1, 3, 6; 2.O tipo - versos 2, 4, 6; 3.O tipo - versos 7 e 8. Voc j leu uma estrofe de Os lusadas, pginas atrs. Observe esta outra, do Canto I: Vasco de Gema, o forte Capito, Que a tamanhas empresas se oferece, De soberbo e de altivo corao, A quem fortuna sempre favorece, Para se aqui deter no v razo, Que inabitada a terra lhe parece Por diante passar determinava Mas no lhe sucedeu como cuidava. Os versos so decasslabos hericos, com E.R. 10(6-10). Quanto s rimas, eis a distribuio: 1) v. 1 capitO v. 3 coraO / v. 5 razO 2) 2) v. 2 ofeRECE v. 4 favoRECE / v. 6 paRECE 3) 3) v. 7 determinAVA / v. 8 culdAVA Ao ler e analisar poemas, voc vai notar que a estrofe ou um grupo de estrofes - estabelece certa

19 unidade, no interior do texto. O verso seria a primeira unidade; a estrofe, a segunda. Ela s pode ser interpretada em funo do poema todo, e vice-versa. Mas a partir dela que voc pode comear a analisar um texto potico. Quadrinha Quadrinha o poema de quatro versos que, geralmente, desenvolve um conceito relativo filosofia popular. neste tipo de composio que Carlos Drummond de Andrade se inspira, ao compor quadras em homenagem a seus amigos, no livro Viola de bolso. Veja duas delas: MURILO MENDES Altssimo poeta puro, s tu, meu Murilo Mendes, que estrelas, no cu escuro, alando os braos, acendes. & MARIA DA SAUDADE Esparsa (alto mistrio) eis que a poesia reconquista, na luz, sua unidade Ela mora, perfeita alegoria, em Murilo e Maria da Saudade. O que marca a estrofe , graficamente, o espao em branco antes e depois dela; e, fonicamente (sonoramente), as rimas. Alguns poemas mantm o mesmo tipo de rima em todas as estrofes. A maioria muda de rima a cada estrofe. O captulo seguinte trata das rimas, seu emprego e sua classificao. Captulo 7 Rimas Parentesco sonoro Rima o nome que se d repetio de sons semelhantes, ora no final de versos diferentes, ora no interior do mesmo verso, ora em posies variadas, criando um parentesco fnico entre palavras presentes em dois ou mais versos. Rima interna e externa A rima externa ocorre quando se repetem sons semelhantes no final de diferentes versos. Pode haver rima entre a palavra final de um verso e outra do interior do verso seguinte. Temos, ento, a rima interna. Em ambos os casos - rima externa ou interna -, trata-se de um recurso de grande efeito musical e rtmico. Rima consoante e toante A rima pode ser consoante e toante. Rima consoante aquela que apresenta semelhana de consoantes e vogais, Como neste quarteto de Tristezas", de Joo de Deus: Na marcha da vida (IDA) Oue vai a voar (AR) Por esta descida (IDA) Caminho do mar (AR) Observe que se assemelham tanto as vogais quanto as consoantes. Rima toante a que s apresenta semelhana na vogal tnica, sem que as consoantes ou outras vogais coincidam. Observe as rimas toantes no poema "Melancolia" de Guilherme de Almeida:

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1 Sobre um fruto cheiroso e bravo (vogal tnica A) 2 todo pintado de vermelho vivo (vogal tnica I) 3 uma lagarta verde dorme. (vogal tnica O) 4 O silncio quente do meio-dia (vogal tnica I) 5 respira como o papo de uma ave. No ar alvo (vogal tnica A) 6 a asa de uma cigarra risca um silvo (vogal tnica i) 7 longo - brilhante - e some. (vogal tnica O) 8 Melancolia. (vogal tnica i) Eis as rimas toantes: v. 1 brAvo / v. 5 Alvo v. 2 vivo / v. 4 dia / v. 6 silvo / v. 8 melancolia v. 3 dOrme / v. 7 sOme. Para efeito de anlise, ficou convencionado designar cada rima por uma letra do alfabeto: 1.O tipo de rima do poema: A; 2.O tipo, B; 3.O tipo, C, e assim por diante. Para exemplificar, uma estrofe de "Efeitos de Sol" de Mrio Pederneiras: Belo tempo o da mESSE - rima A Do Sol que a Terra e que as Espigas dOIRA... rima B Para quem passa nos Trigais, parECE rima A Que a terra tndA LOIRA rima R Neste quarteto, a rima ABAB. Rimas cruzadas, emparelhadas, interpoladas, misturadas Conforme o modo como as rimas se distribuem ao longo do poema, elas podem ser cruzadas (ou alternadas), emparelhadas, interpoladas ou misturada s. Leia um trecho de "Dados biogrficos" de Carlos Drummond de Andrade: Mas que dizer do poeta numa prova escolar? Que ele meio pateta e no sabe rimar? Que velo de Itabira, terra longe e ferrosa? E que seu verso vra, de vez em quando prosa? rima A rima B rima A rima 13 rima C rima D rima C rima D

Sobre estas duas estrofes, pode-se dizer que as rimas obedecem ao esquema ABAB CDCD. Este tipo de rimas recebe o nome de rimas cruzadas ou alternadas. Observe outro modo de distribuir as rimas, na primeira estrofe de "O sentimento dum ocidental" de Cesrio Verde: Nas nossas ruas, ao anoitecER H tal soturnidade, h tal melancoliA Que as sombras, o bulcio, o Tejo, a maresiA Despertam-me um desejo absurdo de sofrER rima A rima 13 rima 13 rima A

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Neste caso, temos rimas ABBA. As rimas "B" so emparelhadas, As rimas do tipo A so chamadas interpoladas. Se as rimas tiverem outro tipo de organizao, chamam-se rimas misturadas. Quando aparece um verso sem rima,chama-se rima perdida ou rima rf. Rimas agudas, graves ou esdrxulas Quanto posio do acento tnico, a rima coincide com a palavra final do verso: rimas agudas formadas por palavras agudas ou oxtonas. Rimas graves, formadas por palavras graves ou paroxtonas; rimas esdrxulas formadas por palavras esdrxulas ou proparoxtonas. Classifiquemos as rimas do quarteto de "Poemeto irnico", de Manuel Bandeira: O que tu chamas tua paixo, rima A to-somente curiosidade rima B E os teus desejos ferventes vo rima A Batendo asas na irrealidade. rima B As rimas "A" ("paixO"/"vO") so agudas; as rimas "B" ("curiosidADE"/"irrealidADE") so graves. Todas as rimas so consoantes. Como o esquema ABAB, trata-se de rimas cruzadas. Vamos repetir, analisando o quarteto inicial de um soneto de Cruz e Souza: um pensar fiamejador, dardnico (A) Uma exploso rpida de idias (B) que com um mar de estranhas odissias -(B) saem-lhe do crnio escultural, titnico (A ) As rimas "A" (dardNICO/ltitNICO) so esdrxulas; e as "B" (idIA/odissIA) so graves. Como a distribuio ABBA, as primeiras (A) so interpoladas, e as segundas(B), emparelhadas. Todas so rimas consoantes. Rima rica e rima pobre So dois os modos de conceituar rima rica e rima pobre: o primeiro critrio gramatical; o segundo, fnico. De acordo com o critrio gramatical, a rima pobre ocorre entre palavras pertencentes mesma categoria gramatical (dois substantivos, dois adjetivos, dois verbos etc.). E a rima rica se d entre termos pertencentes a diferentes categorias gramaticais. Para ilustrar, um quarteto de Gregrio de Matos, do soneto " instabilidade das cousas do mundo": Nasce o Sol e no dura mais que um dia, Depois da luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contnuas tristezas, a alegria. Comparando os termos que rimam, segundo o critrio gramatical, percebemos que dia e alegria apresentam rima pobre, por pertencerem mesma categoria gramatical (substantivos), enquanto que escura (adjetivo) e formosura (substantivo) tm rima rica, pela diferena de categoria gramatical. Pelo critrio fnico, a rima pobre ou rica conforme a extenso dos sons que se assemelham. Na rima pobre, igualam-se as letras a partir da vogal tnica. Na rima rica, a identificao comea antes

22 da vogal tnica. Classifiquemos as rimas no quarteto inicial de "Um beijo", de Olavo Bilac, pelo critrio fnico: Foste o melhor beijo da minha vida, (A) Ou talvez o pior..' dlria e tormento, (B) Contigo luz subi do firmamento, (B) Contigo fui pela infernal descida. (A) As rimas "A" so interpoladas e pobres, pois as palavras "vlDA" e "descIDA" s se identificam a partir da vogal tnica; as rimas "B" so emparelhadas e ricas, pois a igualdade de sons entre as palavras que rimam j se inicia antes da vogal tnica: "firmaMENTO" e "torMENTO". Neste ltimo caso, o "e" a vogal tnica; e desde o "m", consoante de apoio do "e", j se d a identificao. RESUMO Classificao quanto a posio no verso semelhana de letras distribuio ao longo do poema Tipos de rima' interna ou externa consoante - rimam consoantes vogais toante - rima apenas a vogal tnica cruzadas - ABABAB emparelhadas - AA BB CC Interpoladas - A.............C misturadas pobres (mesma categoria gramatical ricas (categoria gramatical diferente) pobres (identidade da vogal tnica em diante) ricas (identidade desde antes da vogal tnica)

categoria gramatical extenso dos sons que rimam

Captulo 8 Figuras de efeito sonoro Aliterao Aliterao a repetio da mesma consoante ao longo do poema. O leitor deve buscar seu efeito, em funo da significao do texto. No soneto "Braos", de Cruz e Souza, aparecem vrias aliteraes. O texto corresponde ao que o ttulo anuncia, a descrio de membros superiores femininos. Observe as aliteraes em destaque, e procure verificar em que medida elas sugerem a viso da parte do corpo, que est sendo descrita. As consoantes "BR" da palavra ttulo braos vo levar a sonoridade desta palavra-chave para outras, produzindo um tipo de aliterao. Alm desta, - note tambm as outras aliteraes destacadas no texto (S, V, T, M). BRAOS BRaoS nerVosoS, BRancaS opulndaS, BRuMaiS WancuraS, MigidaS BRancuraS alVuraS caSTaS, VirginaiS alVuraS, IaTeSCnCIaS daS raraS laTeSCnCaS. AS faSCInanTeS, MrbidaS dorMnCiaS doS TeuS aBRaoS de IeTaiS flexuraS, produzem SenSaeS de agreS TorTuraS, doS desejoS aS MornaS floreSCnCIaS. BRaoS nerVosoS, TenTadoraS SerpeS

23 que prendem, TeTanizam coMo oS herpeS, doS delrioS.na TrMula coorTe... Pompa de carneS TpidaS e flreaS, BRaoS de eSTranhaS correeS MarMreaS, aberToS para o AMor e para a MorTe! Assonncia Assonncia o nome que se d repetio da mesma vogal no poema. Observe a assonncia de "A", vogal tnica do nome feminino que d ttulo letra da cano "Clara", de Caetano Veloso: quANdo A mANhA mAdrugAvA cAlmA AltA ClArA CIArA morriA de Amor Seja na forma nasal (an, ), seja na forma oral (a), a mesma vogal predomina na estrofe onde o tema a mulher chamada CLARA. Dado o significado do nome e a hora luminosa do dia ("manh madrugava"), o som que se repete parece sugerir luz, claridade. . No estou afirmando que a vogal "a" significa esta ou aquela idia, nem poderia faz-lo. Esta letra ou outra, bem como qualquer repetio, s adquire sentido apoiada nos outros elementos do texto. Certos poemas so particularmente ricos em aliteraes e assonncias, -como "Violoncelo", de Camilo Pessanha (aliterao de S, TR, L, M e assonncia de A e O): TRMuLOS ASTROS... SOLideS LAcuSTReS... LeMeS e MASTROS... E OS ALAbASTROS dOS bALASTReS! As figuras sonoras de repetio no tm um sentido por si prprias, mas somam seu efeito significao do poema, cujo ttulo j sugere a musicalidade que vai percorr-lo. Note-se que a mtrica e as rimas associam-se s repeties de letras na musicalidade e ritmo de "Violoncelo". As correspondncias sonoras reforam a correspondncia entre os diferentes universos: celeste (astros), aqutico (lemes, - lacustre) e mineral (alabastro). Repetio de palavras A repetio de palavras um recurso muito freqente. Quando acontece sempre na mesma posio (incio, meio ou final de vrios versos), recebe o nome de anfora. Observe como a empregou Oswald de Andrade, no poema "Vcio na fala", tentativa potica bem-humorada de aproximar a linguagem falada da escrita: Para dizerem milho dizem mio Para melhor, dizem mi Para pior pi Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vo fazendo telhados No incio dos cinco primeiros versos, a mesma palavra: para. So enumerados vrios termos "falados" e "escritos". O verso final quebra a enumerao. Interrompe a repetio e conclui: a ao ("fazendo") acontece, apesar da fala errada. Mais uma vez, v-se que difcil analisar o aspecto

24 rtmico sem associ-lo aos demais. Por outro lado, sem a anlise dos recursos sonoros, os demais aspectos talvez fiquem bem menos ricos e sugestivos. No mesmo poema de Oswald de Andrade, aparece outra anfora. No meio dos versos 1, 2, 4 e 5, repete-se a palavra "dizem" enfatizando o lado oral da lngua portuguesa, to valorizado pelos modernistas, particularmente Oswald e Mrio de Andrade (que, apesar do sobrenome igual, no eram parentes). H repeties de palavras que no ocorrem sempre na mesma posio, mas de modo misturado no poema. O importante localizar a repetio, e depois verificar qual a sua contribuio para a interpretao do texto. H casos em que o poeta faz uma espcie de loge com os sons, alternando posio de sons semelhantes no interior de palavras diferentes, como Mrio Quintana: A TENTAO E O ANAGRAMA Quem v um fruto Pensa logo em furto Neste dstico, Mrio Quintana revela grande habilidade potica. A partir da troca de posio entre "u" e "r" em "fruto/furto", quanta sugesto! ... O recurso sonoro pode confirmar o sentido do texto.Ou, em outros casos, criar tenso (ambigidade, duplicidade de sentido). Observe a estrofe abaixo, de "Hora de ter saudade", de Ribeiro Couto. Ocorre identidade de sons; mas a diferena grfica (da escrita) produz diversidade de sentido. Leia: Houve aquele tempo... (E agora, que a chuva chora, ouve aquele tempo!). Observe os termos houve (v. haver) e ouve (v. ouvir). Do ponto de vista sonoro, identidade; do ponto de vista semntico, diferena. Surge uma tenso que enriquece o sentido do poema. O poeta lamenta o tempo que passou. Depois, ironicamente, faz aluso ao clima do momento presente. Porm a nostalgia aparece: "a chuva chora" (aliterao de "ch") e o termo ouve ambguo, duplo. Trata-se do verbo ouvir, mas o leitor remetido ao primeiro verso, inevitavelmente. Concluso: ao lado da ironia, a mgoa da saudade. Onomatopia Chama-se onomatopia a figura em que o som da letra que se repete lembra o som do objeto nomeado, como o do refro do poema "Os sinos", de Manuel Bandeira: Sino de Belm, pelos que ind vm! Sino de Belm, bate bem-bem-bem. Sino da Paixo, pelos que l vo! Sino da Paixo, bate bo-bo-bo. As onomatopias remetem ao som dos sinos, elemento central do poema que os anuncia j no ttulo. Captulo 9 Poemas de forma fixa

25 Formas e gneros tradicionais Algumas composies em verso tm um padro fixo determinante de sua estrutura. O mais conhecido, dentre .os poemas de forma fixa o soneto, formado por dois quartetos e. dois tercetos, querido dos poetas de todas as pocas. O mais popular a quadrinha o quarteto de sentido completo H muitos outros dentro dos quais destaco alguns, em rpida descrio. 1 Balada: feita para ser cantada, baseia-se no princpio da repetio que facilita gravar o texto na memria. A mesma idia ou a mesma frase repete-se ao trmino de cada estrofe. Costuma apresentar trs oitavas (estrofes de oito versos), geralmente com versos de oito slabas. Vilncete: comea com um "mote" ou motivo, tema a ser desenvolvido. O mote est contido numa estrofe curta inicial. A seguir, vm as "voltas", trs ou mais estrofes maiores que desenvolvem e glosam o mote. Nas estrofes da volta repete-se um dos versos do mote. Ode: entre os antigos gregos e romanos, ligava-se msica, passando depois a um poema lrico em que se exprimem os grandes sentimentos da alma humana. Pode celebrar fatos hericos, religiosos, o amor ou os prazeres. Sem obedecer a regras rgidas, a ode costuma ser dividida em estrofes iguais pela natureza e pelo nmero de versos. Cano: uma composio curta, cujo teor pode ser~ ora melanclico, ora satrico. Permite todos os temas e nem sempre se destina a ser cantada. Pode, ou no, apresentar estribilho ou refro. As "canes nacionais" incorporam-se tradio de todos os povos. Madrigal: composio curta, destinada a homenagear algum, ora com galanteio, ora com uma confisso de amor. Pode ser estruturado em qualquer metro, mas geralmente emprega a redondilha, ou mescla versos de 6 e de 10 slabas. Elegia: composio destinada a exprimir tristeza ou sentimentos melanclicos. Idlio, gloga ou pastoral: composies que celebram a vida no campo, a natureza, a atividade agrcola e pastoril, ou seja: o bucolismo. Rond ou rondel: sucedem-se tipos Iguais de quadras ou estrofes maiores, em versos de sete slabas. Os dois primeiros versos de uma estrofe so retomados adiante, em outra estrofe. -Epitalmio: poema composto para celebrar um casamento. -Triol: compe-se de uma ou mais oitavas em versos de sete ou oito slabas. Aparecem d ois tipos de rima. O quarto verso repete o primeiro, e os dois versos- finais da estrofe retomam os dois primeiros. -Sextina: compe-se de seis sextilhas, geralmente em versos decasslabos, seguidos de um terceto final. Os versos devem terminar com palavras de duas slabas, As palavras finais dos versos da primeira estrofe devem reaparecer- em versos das outras estrofes. - Haicai: tipo de poema japons, Composto de 17 slabas, distribudas em trs versos apenas: o primeiro de cinco, o segundo de sete, e o terceiro de cinco slabas. Originalmente sem rima, no Brasil vem sendo retomado de maneira rimada. Consiste na anotao potica e espontnea de um momento especial. Leia "Infncia", de Guilherme de Almeida: Um gosto de amora comida com sol. A vida chamava-se "Agora".

26 Soneto O poema de forma fixa mais encontrado, como j se disse, o soneto. Composto de dois quartetos e dois tercetos, o soneto apresenta, geralmente, versos de dez ou doze slabas. Aparecem rimas de um tipo nos quartetos (AB), e de outro, nos tercetos (M). O soneto costuma uma reflexo sobre um tema ligado vida humana, Como exemplo, uni soneto de Vincius de Moraes. Ao retomar o modo camoniano de compor sonetos, o poeta moderno presta uma homenagem ao grande clssico da lngua portuguesa, reconhecendo no presente o legado cultural de tempos passados. SONETO DE AMOR TOTAL Amo-te tanto, meu amor no cante O humano corao com mais verdade.... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade. Amo-te afim, de um calmo amor prestante, E te amo alm, presente na saudade. Amo-te, enfim, com grande liberdade Dentro de eternidade e a cada instante. Amo-te como um bicho, simplesmente, De um amor sem mistrio e sem virtude Com um desejo macio e permanente. E de te amar assim muito e amide que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude. Na unidade de 14 versos do poema, possvel perceber as subunidades formadas pela estrofe. Alm do tema - uma reflexo sobre o seu modo de amar -, tambm o metro garante a unidade do conjunto. O verso o decasslabo. As rimas apresentam o esquema ABAB ABBA CDC DCD. O texto tem um desenvolvimento progressivo, num aumento de intensidade que vai envolvendo o leitor at o exagero dos versos finais ("morrer de amar"). Nos tempos atuais, s inovaes rtmicas acrescentaram-se tambm mudanas quanto aos gneros literrios. Em vez dos poemas de forma fixa, a poesia contempornea se organiza em poemas de formas no fixas, ou melhor, no prefixadas. E, caso retome uma das composies tradicionais, o poeta moderno o faz, geralmente, de maneira renovada. Captulo 10 Nveis do poema As partes do todo Os captulos anteriores tratam essencialmente do aspecto rtmico do poema, ou seja: construo mtrica, tipo de estrofes e de versos, acentuao dos versos, rimas, repeties. Alm deste, devem ser analisados outros nveis ou aspectos estruturais do poema, sempre tendo em vista que cada um -deles deve ser relacionado -aos demais a fim de se chegar Interpretao do poema em sua unidade. J ficou dito que no h "receitas" para analisar e interpretar textos, dado o carter especfico de cada obra literria. Tambm j se comentou que certas tcnicas podem ser teis para a leitura mais aprofundada de textos. nesse sentido que segue um comentrio sobre os outros aspectos do poema, isto : como sugesto cuja utilizao fica a critrio da sensibilidade de cada leitor.

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Acho importante acrescentar que esta s uma abordagem inicial. Ser fundamental que outras leituras tericas, alm do trabalho prtico com textos poticos, ampliem a bagagem do interessado em poesia. Nvel lexical Trata-se de analisar o lxico do texto, verificando de quais palavras ele se compe. Q vocabulrio do texto revela um de nvel de linguagem: culto ou coloquial, por exemplo. De modo geral, a linguagem coloquial mais freqente nos poemas modernos. Mas tambm h poemas modernos em linguagem culta, assim como poemas tradicionais compostos em linguagem simples. Em seguida, deve-se procurar quais as categorias gramaticais presentes no poema, qual delas predomina e como so empregadas no texto. O predomnio de verbos de ao, conforme o sentido do texto, pode indicar dinamismo; o de verbos de estado, tambm dependendo do sentido do poema, sugeriria estaticidade. Os substantivos, abstratos indicariam, generalizao; os concretos, particularizao. Procede-se a um levantamento dos adjetivos, locues adjetivas e oraes adjetivas, ou seja, dos caracterizadores em geral. Deve-se sempre relacionar o substantivo ao adjetivo que o acompanha. Alm do levantamento das categorias gramaticais, devese verificar como o autor as utiliza: o emprego usual? um emprego novo? o que sugere cada termo isoladamente? e em conjunto? Quanto aos verbos, pesquisa-se tempo e modo verbal. Conforme a significao dos versos, o tempo verbal pode apontar proximidade (presente) ou distanciamento (passado/futuro); o modo representaria a realidade, (indicativo) ou a possibilidade, o desejo (subjuntivo). Ao concluir sobre a escolha das palavras que compem o poema, constata-se como elas contribuem para interpretar o texto. Retomo um poema que j apareceu ilustrando o verso de uma slaba: "Serenata sinttica" de Cassiano Ricardo: Rua torta. Lua morta. Tua porta. Neste poema, no h verbo nenhum. Como efeito, a hiptese de estaticidade que a anlise do poema pode contar ou no. Em cada estrofe, dois versos e duas palavras: um substantivo e um caracterizador: adjetivo ("torta", "morta") ou pronome ("tua"). Numa primeira leitura, "rua torta" seria rua sinuosa. Num plano conotativo, pensa-se em "rua" como via, caminho, passagem, destino; e em "torta" como difcil, sinuosa, misteriosa, duvidosa. No verso trs, a "lua" no apenas o satlite da Terra, mas tambm o complemento romntico de uma serenata; no quatro, "morta" significa sem vida. O conjunto "lua morta" refere-se ausncia de lua, noite sem luar, sem luz. Se a noite escura, a obscuridade a torna misteriosa. A estrofe final indica o destino da serenata: "tua porta". Tanto a porta da casa, quanto a do corao. Porta que no se sabe se ser aberta, ou no, para o "seresteiro", o poeta. No conjunto, o clima de expectativa e incerteza, resultante tanto do sentido do texto, como da ausncia verbal, percorre todo o texto. Nvel sinttico O leitor pode "ler" a organizao sinttica do texto; comeando pela pontuao, isto , o levantamento do tipo de perodos do texto: curtos ou longos; frases ou oraes isoladas. s vezes aparece o paralelismo, ou seja, a mesma construo sinttica (mesmo tipo de verbo com mesmo tipo de complemento; combinao semelhante de substantivo e adjetivo; locues introduzidas

28 pelo mesmo termo etc.), em versos diferentes. O relacionamento dos paralelismos um dos componentes que concorrem para o sentido do texto. Por vezes, certos termos so omitidos, podendo-se perceber quais seriam e interpretar essa ausncia. Interrogaes, reticncias, inverses sintticas, podem apontar um caminho para interpretar o poema. Volto a uma estrofe do poema "Jos" de Carlos Drummond de. Andrade, que j apareceu anteriormente. -Observe os paralelismos e as interrogaes: o dia no velo, o bonde no veio, o riso no velo, no veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou e "agora, Jos"? Nos trs primeiros versos, h um tipo de paralelismo sinttico ou repetio. Varia o sujeito, permanece o mesmo predicado: "no veio". No quarto verso, a construo a mesma, mas o efeito de impacto decorre, agora, no do paralelismo, e, sim, da inverso, colocando em destaque a palavra "utopia". Na variao dos sujeitos, uma gradao: o dia" (passar do tempo), "o bonde" (locomoo no espao), a emoo contida no "riso", e, enfim, o projeto impossvel da "utopia". Nos versos seguintes, repete-se o sujeito, modifica-se o verbo que, paralelisticamente, est sempre no passado: "acabou" (idia de fim), "fugiu" (evaso, fuga) e "mofou" (estragou, tornando-se imprprio para o uso). Os verbos no passado - constatao referente ao nvel lexical - marcam o distanciamento entre o texto - ou suas enumeraes - e o presente. Aps a negao e o fim de tudo, o efeito de perplexidade da interrogao dirigida ao Jos que pode ser cada um de ns. Encadeamento ou "enjambement" Encadeamento, cavalgamento, ou, usando um termo francs, enjambement, a construo sinttica especial que liga um verso ao seguinte, para completar o seu sentido. Explicando melhor ele incompleto quanto ao sentido e quanto construo sinttica apenas. Metricamente, ritmicamente, ele tem todas as slabas poticas, e, se for verso regular, poder ter rima. Surge, portanto, uma espcie de choque entre o som (completo), a organizao sinttica e o sentido (ambos incompletos). Ou seja: tenso. Geralmente, o encadeamento produz uma relao bastante complexa entre esses nveis, resultando em ambigidade de sentido. Atente para os encadeamentos na estrofe inicial de "O aspecto mais lindo da cidade", de Olegrio Mariano: Sob a chuva, a Cidade Espelhante de casaria, Tem a esquisita sensualidade De gato que se lambe e que se acaricia... Friorenta, lbrica Cidade. A sintaxe pontuao ligam os versos 1 / 2 e os versos 3 / 4. No primeiro caso, destaca-se o termo `Cidade": em maiscula e no final do verso; ao mesmo tempo, restringe-se o termo: a cidade "espelhante de casaria". No segundo caso, ocorre o mesmo com "sensualidade" no final do verso 3, especificada a seguir como sensualidade "de gata que se lambe e se acaricia". Nos dois casos, o termo colocado em final de verso sofre uma espcie de reduo em seu sentido pelo enjambement que o liga pela sintaxe e pelo sentido ao verso seguinte. No conjunto dos versos, esta ambigidade vai ser ampliada pelo contraste sugerido no verso final: "Friorenta, lbrica Cidade". A anttese "friorenta" X "lbrica" amplia a tenso sugerida pelos dois encadeamentos, instaurando duplicidade de sentido, na medida em que se associam aspectos contraditrios para descrever uma mesma paisagem.

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O enjambement, ou encadeamento, um recurso que deve ser analisado cuidadosamente, j que surge tenso relativa a som, sintaxe e sentido. Geralmente, seu efeito pode ser associado ao de outros recursos empregados nos mesmos versos ou em versos prximos. Nvel semntico Ao tratar dos demais nveis do poema, o aspecto semntico nunca deixou de estar presente. As figuras sonoras, a organizao sinttica, o vocabulrio, o emprego das categorias gramaticais s podem ser analisados tendo-se em vista o sentido global do texto. Ao isolar, para fins didticos, o "nvel semntico", este trabalho visa apenas a comentar algumas figuras cuja presena no poema pode implicar importantes efeitos semnticos. Figuras de similaridade Comparao: tambm chamada de smile, uma figura que aproxima dois termos, atravs da locuo conjuntiva "como", "assim como", "tal", "qual", e outras do mesmo tipo. Como exemplo, dois versos do Canto 1 do "Poerna do Frade" de lvares de Azevedo: Sonhei-a em sua palidez marmrea, Como a ninfa que volve-se na areia. O poeta aproxima a amada da ninfa, atravs do "como" comparativo. Metfora: h muitos estudos sobre esta figura de grande efeito potico. De maneira simplificada, pode-se compreender a metfora como uma comparao abreviada, ou seja, da qual se retirou a expresso "como" ou similar. Conforme o tipo de construo da metfora, varia seu efeito potico. Um exemplo de Cames: "Amor fogo que arde sem se ver". ,Alegoria: geralmente, conceituada como uma seqncia de metforas, associando e aproximando elementos, que, normalmente, no teriam nenhum parentesco. A "Dama Branca", que percorre o poema homnimo de Manuel Bandeira, sorrindo-lhe nos "desenganos" e acompanhando-o por anos a fio, a alegoria da morte, como esclarecem os versos finais: A Dama Branca que eu encontrei, H tentos anos, Na minha vida sem lei nem rei, Sorriu-me em todos os desenganos. Esse constncia de anos a fio, Sutil, captara-me. Imaginai! Por uma noite de muito frio, A Dama Branca levou meu pai. Ocorre ocultao de sentido apenas provisoriamente. Ao terminar a leitura do poema, o enigma se desfaz, a alegoria ou metfora continuada se esclarece e o leitor percebe qual a identidade da "Dama Branca". *( Este exemplo de alegoria foi retomado das anotaes do curso ministrado pelo professor Antonio Candido, em 1963). Sinestesia: o recurso que sugere associao de diferentes impresses sensoriais, ou seja, sugestes ligadas aos cinco sentidos: viso, tato,, audio, olfato, paladar. O verso de "Anoitecer", de Ceclia Meireles, associa impresses visuais e tcteis: "As crianas fecham os olhos sedosos". Figuras de contigidade 1

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Metonmia: o emprego de um termo por outro, numa relao de ordem: causa pelo efeito; sinal pela coisa significada; continente pelo contedo; possuidor pela coisa possuda. No poema "O espelho" Manuel Bandeira diz: "Tu refletes as minhas rugas". As rugas seriam sinal da figura global do velho refletido no espelho. Sindoque: emprego de uma palavra por outra, numa relao de compreenso: parte pelo todo; singular pelo plural; gnero pela espcie; abstrato pelo concreto. "Bilhete perdido", de Guilherme de Almeida, comea assim: "Duas palavras s para dizer... o qu?" No se trata de duas palavras, mas de um bilhete completo, como indica o ttulo. Figuras de oposio Anttese: consiste na aproximao de idias contrrias. Retomando o exemplo de Cames, a primeira parte do verso "Amor um fogo que arde" ope-se segunda: "sem se ver". a principal figura de oposio, ao lado do oximoro, da ironia e do paradoxo. Paralelos Ao empregar figuras na construo do poema, o poeta cria sugestes mltiplas de significao, tanto no plano denotativo como no conotativo. A anlise do nvel semntico deve sempre ser associada dos outros nveis. importante relacionar termos, em funo de sua semelhana e de sua divergncia. Podem-se aproximar termos, em um poema, pelas mais diversas razes: por estarem na mesma posio; - por estarem em posio simtrica; - por terem a mesma funo sinttica; - por pertencerem mesma classe gramatical; - por terem a mesma sonoridade etc. Tentam-se todos os tipos de paralelo que forem possveis, sempre relacionando cada aspecto ao conjunto do poema como uma unidade. Ao concluir e interpretar, deve-se ter em mente que geralmente um poema est enquadrado numa viso de mundo, a do poeta; e que reflete, direta ou indiretamente, um contexto histrico-social. Eventualmente a interpretao se enriqueceria graas a um paralelo com. outros textos do mesmo autor ou poca, ou com outros poemas de temtica semelhante. Captulo 11 Estabelecendo relaes Um exemplo de anlise e interpretao Lembrando que a interpretao de um texto - quando feita por uma s pessoa - necessariamente incompleta, isto , aberta complementao de novas e enriquecedoras leituras do texto, passo agora anlise de uni poema em seus vrios aspectos, procurando relacionar uns aos outros, para chegar interpretao. Trata-se de uma "Cano", de Ceclia Meireles. CANO 1 Assim moro em meu sonho: 2 como um peixe no mar. 3 O que sou o que veio. 4 Veio e sou meu olhar 5 gua o meu prprio corpo,

31 6 simplesmente mais denso. 7 E meu corpo minha alma, 8 e o que sinto o que penso. 9 Assim vou no meu sonho. 10 Se outra fui, se perdeu. 11 o mundo que me envolve? 12 Ou sou contorno seu? 13 No noite nem dia, 14 no morte nem vida: 15 viagem noutro mapa, 16 sem volta nem partida. 17 O cu da liberdade, 18 por onde o corao 19 j nem sofre, sabendo 2O que bateu sempre em vo. Este poema do livro Canes, de 1956, obra onde a maioria dos textos composta de versos de cinco slabas. Este, no entanto, contm versos de seis slabas. Mas uma "cano" tambm. Rica em sugestes rtmicas. Verifique o esquema rtmico dos dois primeiros versos. Eles se assemelham aos demais: As- sim- MO - ro~em- meu - SO (nho) E.R. 6(3-6) 1 2 3 4 5 6 Co - mo~um - PEI- xe, - no - MAR E.R. 6(3-6) 1 2 3 4 5 6 Alm do esquema rtmico, estes versos apresentam outras semelhanas: a aliterao de S e M; a assonncia de O e a presena de vogais nasais: ,i, , . Observe: ASSIM MOrO EM Meu SOMO / cOMO UM peixe nO Mar No h apenas o parentesco sonoro, mas ainda o da construo: 1) sintaticamente: a pontuao liga o primeiro verso ao segundo pelos dois-pontos; 2) semanticamente: a comparao (o "como") aproxima os dois versos, estabelecendo a relao seguinte: o sonho para o poeta o que o mar para o peixe - o ambiente natural. Esta comparao marca dois termos-chave para a compreenso do texto: "sonho" e "mar" sonho vai justificar toda a atmosfera do poema, bem como a sua linguagem. O mar vai criar mltiplas sugestes: espelho (reflexo); sensao tctil. (sensao de frio, de molhado), alm da sensao visual (o verde do mar), auditiva (o barulho das ondas) e gustativa (o sal da gua marinha); a partir do sonho, surge a idia de mergulho interior, devaneio, reflexo. Observe que so os sons de "sonho" "S" e "O", alm de "') e de "mar" "M") os que predominam nos versos iniciais, marcando tambm sonoramente a atmosfera que vai prevalecer no texto. Observe quem fala: "meu sonho"; "moro". Trata-se da primeira pessoa verbal. Da o tom pessoal da cano. Nos dois versos seguintes, repete-se o esquema rtmico dos iniciais: O - que - SOU - e~o . que - VE (jo) E.R. 6 (3-6) 1 2 3 4 5 6

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Ve- jA - SOU - meu - o - LHAR E.R. 6(3-6) 1 2 3 4 5 6 Alm da identidade sonora, ocorre identidade de construo, pois as duas metades do v. 3 tm a mesma sintaxe:.o que sou" = "o que vejo" Entre as duas metades, o verbo "", de ligao, colocando no mesmo plano o sujeito (o que sou) e seu predicativo (o que vejo). Deduz-se que, no texto, SER = VER. Ou seja: existir = contemplar. A mesma sugesto se confirma no verso seguinte, onde tambm aparece a aproximao entre "ver", "ser" e "olhar" (este ltimo, substantivo). O quarto verso rima com o segundo "mar" e "olhar". Os versos mpares no apresentam rima. A rima, a combinao sonora, aproximando "mar" e "olhar", sugere vrios significados e associaes. mar: gua, reflexo do cu; olhar: contemplao, reflexo do mundo exterior; mar: transparncia (profundidade); olhos: transparncia do mundo interior. Identificam-se "meu sonho" e "meu olhar": 1) pela semelhana de construo: possessivo "meu" seguido (substantivo; 2) pela semelhana de posio: final de verso. Temos a associao entre sonho e contemplao, mergulho no mundo, interior, que, ao mesmo tempo, reflete o exterior. No verso 5, aparece tenso rtmica, ou seja, dupla possibilidade de acentuao do verso: 1) - gua~e~o - MEU - pr- prio- COR (po) E.R. 6(3-6) 1 2 3 4 5 6 2) - gu~~o - meu - PR- prio - COR (po) E.R. 6(14-6) 1 2 3 4 5 6 A tenso prope uma parada neste verso: aqui identificam-se "gua" e "corpo". Ou seja: o corpo do poeta funde-se com o ambiente. Qual ambiente? O do poeta? O do peixe? O verso diz "gua", mas no quarteto anterior ficou estabelecida uma rede de ligaes entre "mar" e "olhar". Uma vez que "gua" retorma "mar", reaparece aqui todo o conjunto de associaes estabelecidas para a estrofe anterior, ao mesmo tempo que se prope a fuso "corpo" gua sem mais haver necessidade da mediao do sonho ou do peixe. Os versos 6, 7 e 8 apresentam o mesmo E.R. da primeira estrofe: sim- ples- MEN- te - mais - DEN (so) E.R. 6(3~6) 1 2 3 4 5 6 E - meu - COR - po~e. mi. NHA~AL (ma) E.R. 6(3-6) 1 2 3 4 5 6 e o - que - SIN - TO~~o - que - PEN (so) E.R. 6(3-6) 1 2 3 4 5 6 Surgem aqui novas relaes: corpo/alma; sinto/penso. A palavra "CORPO" faz rima toante com "SONHO", do v. 1; "ALMIA" rima toantemente com "GUA", do v. 2; "penso" apresenta anasalada a mesma vogal de "vejo" e de Mesmo". Estabelecem-se identidades por associao fnica: cOrpo = sOnho

33 Alma = gua = mAr Se considerarmos a construo sinttica dos versos, v-se que a mesma, no v. 5 ("gua meu prprio corpo") e no v. 7 ('E meu corpo minha alma"). Nova cadeia, por associao sinttica: gua = corpo corpo = alma O v. 3 tem a mesma construo sinttica do v. 6 (paralelismo sinttico): O que (sou ou sinto) o que(vejo ou penso) Do ponto de vista semntico, o v. 6 retoma o v. 5: corpo X alma sinto X penso (O x significa oposio.) Aproximam-se os opostos. Isto se liga metfora da gua enquanto reflexo: ela espelha o lado oposto. Os opostos seriam o reflexo um do outro. Na estrofe seguinte, repete-se o mesmo esquema rtmico, alm de ainda se repetirem palavras e sons: 9 Assim vou no meu sonho 10 Se outra fui, se perdeu. 11 o mundo que me envolve? 12 Ousou contorno seu? E.R. 6(3-6) E.R. 6(3-6) E.R. 6(3-6) E.R. 6(3-6)

O verso inicial desta estrofe - o v. 9 - faz eco ao v. 1. Apenas troca o verbo: em vez de "moro", aparece "vou", havendo rima toante entre os dois termos. idia inicial de permanecer passivamente (morar), acrescenta-se a idia de movimento: o sonho como meio de locomoo (vou). O verso seguinte, o 10, dividido em dois segmentos rtmicos, ficaria assim: 1) Se - outra - FUI; 2) Se per - DEU. Os dois segmentos comeam pelo mesmo termo "se"; identidade sonora, portanto. Porm, cada um deles com outro sentido: "se" conjuno condicional; e "se" pronome pessoal. Diferena semntica e diferena de funo sinttica. Entre este aspecto e o rtmico surge tenso, tornando duplo o sentido. Nos versos 11 e 12 aparece a fuso do poeta com o mundo. a pontuao que indica a ambigidade do mergulho (interrogao). H oposio entre o v. 9 (o mundo em torno do poeta) e o 10 (o poeta em torno do mundo), acentuando o duplo sentido, mais uma vez. Nas palavras "envOlve" e "contOrno" reencontramos a rima toante com as palavras surgidas anteriormente: ,,cOrpo" e "sOnho". O corpo envolve as pessoas, como o mundo ao poeta; o poeta se integra no sonho, como contorna o mundo. Pela rima toante, reaparece a ligao entre mundo interior e exterior, lembrando novamente a metfora da gua, o reflexo, a correspondncia entre contrrios. Passemos ao esquema rtmico da quarta estrofe: 13 No noite nem dia, E.R. 6(3-6) 14 no morte nem vida: E.R. 6(3-6) 15 viagem noutro mapa, E.R. 6(2-4-6) 16 sem volta nem partida. E.R. 6(2-4-6)

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Os versos 13 e 14 mantm o E.R. anterior. Os versos 15 e 16 apresentam outro esquema rtmico. Paralelamente, vai haver mudana de atmosfera. Nos versos 13 e 14, h a mesma construo: a dupla construo negativa: No (noite ou morte) nem (dia ou vida) Mais uma vez so possveis associaes entre os termos: horizontalmente, h oposio: noite X dia e morte X vida. Verticalmente, h identidade fnica: nOite = mOrte e dIa = vIda. A tenso prope a atemporalidade, isto , a eliminao do tempo: fora do dia ou da noite, fora da morte ou da vida; ou seja: fora do tempo. Nos dois outros versos, vai ocorrer o mesmo em relao ao espao: fora do espao (fora do mapa, sem volta nem partida) numa situao de anespacialidade. Rompem-se as barreiras e rompe-se o ritmo, com esquema diferente nestes dois versos, como j se viu. O mesmo E.R. 6(2-4-6) repete-se nos dois versos iniciais da ltima estrofe: 17 cu de liberdade, 6(3-6). 18 por onde o corao E.R. 6(2 4-6) E nos dois ltimos versos retoma o E.R. do incio: 6(3-6). 19 j nem sofro, sabendo E.R. 6(16) 2O que bateu sempre em vo. E.R. 6(3-6) Atingida a atemporalidade e a anespacialidade na penltima estrofe, na ltima aparece a evaso: o "cu" da liberdade. O estado contemplativo uma viagem paradoxal, sem comeo nem fim (eliminou-se o tempo), sem ponto de partida nem meta de chegada (eliminou-se o espao), a libertao. Em liberdade, o corao no sofre mais nem bate era vo. Os versos finais do poema, ligados pelo encadeamento (v. 17 / 18; 18 / 19; 19 / 2O), colocam o problema do relacionamento do poeta com o mundo social, exterior, onde se sofre. Isto no ocorre no mundo do sonho, da fuso, da libertao. Toda a estrofe final um nico perodo: trata-se da causa da evaso: o choque com o mundo real. Ante tal motivo, enriquece-se a contemplao. Por outro lado, a aluso ao mundo real resulta em comunho com ele, j anunciada desde a metfora do mar e da gua. O reflexo e a correspondncia adquirem profundidade, unindo num todo o poeta e o mundo. Captulo 12 Vocabulrio crtico Aliterao: repetio da mesma consoante no interior de um ou mais versos. Anfora: nome da figura que consiste na repetio da mesma palavra, na mesma posio, em vrios versos (sempre no comeo, sempre no meio ou sempre no final do verso). Anttese: figura que aproxima termos de sentido oposto. Assonncia: repetio da mesma vogal dentro de um ou mais versos. Cadncia: alternncia entre slabas fortes e fracas do verso. Cesura: pausa que ocorre no interior do verso, aps a slaba acentuada.

35 Comparao: tambm chamada de smile, uma figura que aproxima dois termos, atravs de conjuno: "como", ou similar. Encadeamento: tambm conhecido como enjambement ou cavalgamento, esse recurso ocorre quando um verso apresenta ligao sinttica (e de sentido) com o verso seguinte. Escanso: fazer a escanso ou escandir um verso consiste em decomp-lo em slabas ou ps mtricos. Esquema rtmico: ou E.R. o nome que se d frmula que indica quantas slabas poticas tem o verso (fora dos parnteses) e quais as slabas acentuadas (dentro dos parnteses). Estrofe: chama-se estrofe o conjunto de versos de um poema. Metfora: de maneira simplificada, pode-se compreender a metfora como uma comparao abreviada, ou seja, da qual se retirou a expresso "como" ou similar. Metonmia: figura que consiste em nomear um dos aspectos de uma representao global. Mtrica ou metrificao: sinnimo de versificao, o estudo dos metros, ps, acentos e ritmo do verso. Rima: semelhana entre os sons no interior do mesmo verso (rima interna) ou no final de versos diferentes (rima externa). Pode ser consoante (rimam vogais e consoantes) ou toantes (rimam apenas as vogais tnicas). Podem ser pobres ou ricas, conforme a extenso dos sons que rimam ou a categoria gramatical. Quanto disposio, podem ser alternadas ou cruzadas, emparelhadas, interpoladas ou misturadas. Sindoque: figura que emprega um termo pelo outro, numa relao de compreenso. Sinestesia: o recurso que sugere associao de diferentes impresses sensoriais, ou seja, sugestes ligadas aos cinco sentidos: viso, audio, olfato, paladar, tato. Verso: trata-se de uma linha de um poema, com ritmo especfico, diferente do de uma linha de prosa. Quando o verso segue as regras da mtrica clssica, chama-se verso regular. Quando no obedece a elas, chama-se livre. Bibliografia comentada ALONso, Dmaso. Poesia espanhola. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 196O. Obra extensa, onde o autor mostra sua trajetria de apaixonado leitor de poesia a crtico especializado. Ao mesmo tempo que aborda conceitos tericos, exemplifica analisando inmeros poemas em lngua espanhola. 'BILAC, Olavo & PASSOS, Guimares. Tratado de versificao. 3. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1918. Embora se trate de obra difcil de, ser encontrada, imprescindvel sua consulta, em bibliotecas, nesta ou numa das edies posteriores. Bosi, Alfredo. O ser e o tempo na poesia. So Paulo, Cultrix/Edusp, 1977. Em seis captulos, o autor faz reflexes sobre o fenmeno potico e sua relao com os outros campos do conhecimento. Dentre eles, "O som no signo" completaria a leitura deste volume. Obra

36 sria, til para o estudioso de literatura, CAMPOS, Geir. Pequeno dicionrio de arte potica. So Paulo, Cultrix, 1978. Como o nome indica, um glossrio de termos poticos, explicados com objetividade e clareza. Livro indispensvel para se estudar poesia. CANDiDo, Antonio. Exerccio de leitura. Textos (1). Araraquara, 1958. Obra de difcil acesso, sua leitura em bibliotecas universitrias essencial para os interessados no estudo do poema. CARVALHo, Amorim. Tratado de versificao portuguesa; teoria moderna tia versificao. 2. ed. refundida. Lisboa, Portuglia Editora. s, d. Embora de difcil acesso deve ser consultada em bibliotecas. CoHen, Jean. Estrutura e linguagem potica. So Paulo, Cultrix EDUSP, 1974. O autor tem um ponto de vista que sofre crticas de certas correntes: a poesia como desvio de prosa CHOCIAY, Rogrio. Teoria do verso. So Paulo, McGraw-Hill do Brasil 1974. Em dezesseis captulos enriquecidos com exemplos de lngua portuguesa, o autor faz um estudo que amplia, desenvolve e completa a proposta deste trabalho, tratando de versos, estrofes, cadncia, rimas, isto : do ritmo do poema. UONomuo, Salvatore. Elementos estruturais do poema. In: -. O texto literrio; teoria e aplicao. So Paulo, Duas Cidades, 1983. O autor resume as principais tendncias crticas da atualidade, enquanto prope uma espcie de roteiro para anlise e interpretao do texto potico. Leitura bsica para o estudante de letras. FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lrica moderna. So Paulo Duas Cidades, 1978. No captulo inicial - "consideraes preliminares" o autor estabelece a importncia da poesia no mundo moderno. Nos demais, comenta a obra de grandes poetas: Baudelaire, Ungaretti, Garca Lorca e outros. PFEIFFER, Johanes. Introduo poesia. Lisboa Europa-Amrica, 1966. Em linguagem simples, o autor aborda com muita seriedade temas fundamentais para o estudo da literatura. O captulo inicial - "Ritmo e melodia" -completa o assunto deste livro. TOMACHEVSKi, B. Sobre o verso. In: -. Teoria da literatura; formalistas russos. Porto Alegre, Globo, 1973. Outro complemento importante para a leitura de Versos, sons; ritmos. O autor fala de mtrica, verso, ritmo, rima e outros recursos fnicos, Apesar dos exemplos estrangeiros, sugere aplicaes variadas e teis.