Via Lactea

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Poemas escolhidos de Olavo Bilaque, incluindo Via Lactea

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VIA-LCTEA

Via-Lctea, de Olavo Bilac

Fonte:BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. So Paulo : Martin Claret, 2002. p. 37-55 : Via-Lctea. (Coleo a obra-prima de cada autor).

Texto proveniente de:A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro A Escola do Futuro da Universidade de So PauloPermitido o uso apenas para fins educacionais.

Texto-base digitalizado por:Anamaria Grunfeld Villaa Koch So Paulo/SP

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VIA-LCTEAOlavo Bilac

I

Talvez sonhasse, quando a vi. Mas viaQue, aos raios do luar iluminada,Entre as estrelas trmulas subiaUma infinita e cintilante escada.

E eu olhava-a de baixo, olhava-a... Em cadaDegrau, que o ouro mais lmpido vestia,Mudo e sereno, um anjo a harpa dourada,Ressoante de splicas, feria...

Tu, me sagrada! Vs tambm, formosasIluses! sonhos meus! eis por elaComo um bando de sombras vaporosas.

E, meu amor! eu te buscava, quando Vi que no alto surgias, calma e bela,O olhar celeste para o meu baixando...

II

Tudo ouvirs, pois que, bondosa e puraMe ouves agora com o melhor ouvido:Toda a ansiedade, todo o mal sofridoEm silncio, na antiga desventura

Hoje, quero, em teus braos acolhido,Rever a estrada pavorosa e escuraOnde, ladeando o abismo da loucura,Andei de pesadelos perseguido.

Olha-a: torce-se toda na infinitaVolta dos sete crculos do inferno...E nota aquele vulto: as mos eleva,

Tropea, cai, solua, arqueja, grita,Buscando um corao que foge, e eternoOuvindo-o perto palpitar na treva.

III

Tantos esparsos vi profusamentePelo caminho que, a chorar, trilhava!Tantos havia, tantos! E eu passavaPor todos eles frio e indiferente...

Enfim! enfim! pude com a mo trementeAchar na treva aquele que buscava...Por que fugias, quando eu te chamava,Cego e triste, tateanto, ansiosamente?

Vim de longe, seguindo de erro em erro,Teu fugitivo corao buscandoE vendo apenas coraes de ferro.

Pude, porm, toca-lo soluando...E hoje, feliz, dentro do meu o encerro,E ouo-o, feliz, dentro do meu pulsando.

IV

Como a floresta secular, sombriaVirgem do passo humano e do machado,Onde apenas, horrendo, ecoa o bradoDo tigre, e cuja agreste ramaria

No atravessa nunca a luz do dia,Assim tambm, da luz do amor privado,Tinhas o corao ermo o fechado,Como a floresta secular, sombria...

Hoje, entre os ramos, a cano sonoraSoltam festivamente os passarinhos.Tinge o cimo das rvores a aurora...

Palpitam flores, estremecem ninhos...E o sol do amor, que no entrava outrora,Entra dourando a areia dos caminhos.

V

Dizem todos: Outrora como as avesInquieta, como as aves tagarela,E hoje... que tens? Que sisudez revelaTeu ar! que idias e que modos graves!

Que tens, para que em pranto os olhos laves?S mais risonha, que sers mais bela!Dizem. Mas no silncio e na cautelaFicas firme e trancada a sete chaves...

E um diz: Tolices, nada mais! MurmuraOutro: Caprichos de mulher faceira!E todos eles afinal: Loucura!

Cegos que vos cansais a interrog-la!V-la bastava; que a paixo primeiraNo pela voz, mas pelos olhos fala.

VI

Em mim tambm, que descuidado vistes,Encantado e aumentando o prprio encanto,Tereis notado que outras cousas cantoMuito diversas das que outrora ouvistes.

Mas amastes, sem dvida... Portanto,Meditais nas tristezas que sentistes:Que eu, por mim, no conheo cousas tristes,Que mais aflijam, que torturem tanto.

Quem ama inventa as penas em que vive:E, em lugar de acalmar as penas, antesBusca novo pesar com que as avive.

Pois sabei que por isso que assim ando:Que dos loucos somente e dos amantesNa maior alegria andar chorando.

VII

No tm faltado bocas de serpentes,(Dessas que amam falar de todo o mundo,E a todo o mundo ferem, maldizentes)Que digam: Mata o teu amor profundo!

Abafa-o, que teus passos imprudentesTe vo levando a um plago sem fundo...Vais te perder! E, arreganhando os dentes,Movem para o teu lado o olhar imundo:

Se ela to pobre, se no tem beleza,Irs deixar a glria desprezadaE os prazeres perdidos por to pouco?

Pensa mais no futuro e na riqueza!E eu penso que afinal... No penso nada:Penso apenas que te amo como um louco!

VIII

Em que cus mais azuis, mais puros ares,Voa pomba mais pura? Em que sombriaMoita mais nvea flor acaricia, noite, a luz dos lmpidos luares?

Vives assim, como a corrente fria,Que, intemerata, aos trmulos olharesDas estrelas e sombra dos palmares,Corta o seio das matas, erradia.

E envolvida de tua virgindade,De teu pudor na cndida armadura,Foges o amor, guardando a castidade,

- Como as montanhas, nos espaos francosErguendo os altos pncaros, a alvuraGuardam da neve que lhes cobre os flancos.

IX

De outras sei que se mostram menos frias,Amando menos do que amar pareces.Usam todas de lgrimas e preces:Tu de acerbas risadas e ironias.

De modo tal minha ateno desvias,Com tal percia meu engano teces,Que, se gelado o corao tivesses,Certo, querida, mais ardor terias.

Olho-te: cega ao meu olhar te fazes...Falo-te e com que fogo a voz levanto! Em vo... Finges-te surda s minhas frases...

Surda: e nem ouves meu amargo pranto!Cega: e nem vs a nova dor que trazes dor antiga que doa tanto!

X

Deixa que o olhar do mundo enfim devasseTeu grande amor que teu maior segredo!Que terias perdido, se, mais cedo,Todo o afeto que sentes se mostrasse?

Basta de enganos! Mostra-me sem medoAos homens, afrontando-os face a face:Quero que os homens todos, quando eu passe,Invejosos, apontem-me com o dedo.

Olha: no posso mais! Ando to cheioDeste amor, que minhalma se consomeDe te exaltar aos olhos do universo...

Ouo em tudo teu nome, em tudo o leio:E, fatigado de calar teu nome,Quase o revelo no final de um verso.

XI

Todos esses louvores, bem o viste,No conseguiram demudar-me o aspecto:S me turbou esse louvor discretoQue no volver dos olhos traduziste...

Inda bem que entendeste o meu afetoE, atravs destas rimas, pressentisteMeu corao que palpitava, triste,E o mal que havia dentro em mim secreto.

Ai de mim, se de lgrimas inteisEstes versos banhasse, ambicionandoDas nscias turbas os aplausos fteis!

Dou-me por pago, se um olhar lhes deres:Fi-los pensando em ti, fi-los pensandoNa mais pura de todas as mulheres.

XIISonhei que me esperavas. E, sonhando,Sa ansioso por te ver: corria...E tudo, ao ver-me to depressa andando,Soube logo o lugar para onde eu ia.

E tudo me falou, tudo! EscutandoMeus passos, atravs da ramaria,Dos despertados pssaros o bando:Vai mais depressa! Parabns! dizia.

Disse o luar: Espera! Que eu te sigo:Quero tambm beijar as faces dela!E disse o aroma: Vai, que eu vou contigo!

E cheguei. E, ao chegar, disse uma estrela:Como s feliz! como s feliz, amigo,Que de to perto vais ouvi-la e v-la!

XIII

Ora (direis) ouvir estrelas! CertoPerdeste o senso! E eu vos direi, no entanto,Que, para ouvi-las, muita vez despertoE abro as janelas, plido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquantoA via-lctea, como um plio aberto,Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,Inda as procuro pelo cu deserto.

Direis agora: Tresloucado amigo!Que conversas com elas? Que sentidoTem o que dizem, quando esto contigo?

E eu vos direi:Amai para entende-las!Pois s quem ama pode ter ouvidoCapaz de ouvir e de entender estrelas.

XIV

Viver no pude sem que o fel provasseDesse outro amor que nos perverte e engana:Porque homem sou, e homem no h que passeVirgem de todo pela vida humana.

Por que tanta serpente atra e profanaDentro dalma deixei que se aninhasse?Por que, abrasado de uma sede insana,A impuros lbios entreguei a face?

Depois dos lbios sfregos e ardentes,Senti duro castigo aos meus desejos O gume fino de perversos dentes...

E no posso das faces poludasApagar os vestgios desses beijosE os sangrentos sinais dessas feridas!

XV

Inda hoje, o livro do passado abrindo,Lembro-as e punge-me a lembrana delas;Lembro-as, e vejo-as, como as vi partindo,Estas cantando, soluando aquelas.

Umas, de meigo olhar piedoso e lindo,Sob as rosas de neve das capelas;Outras, de lbios de coral, sorrindo,Desnudo o seio, lbricas e belas...

Todas, formosas como tu, chegaram,Partiram... e, ao partir, dentro em meu seioTodo o veneno da paixo deixaram.

Mas, ah! Nenhuma teve o teu encanto,Nem teve olhar como esse olhar, to cheioDe luz to viva, que abrasasse tanto!

XVI

L fora, a voz do vento ulule rouca!Tu, a cabea no meu ombro inclina,E essa boca vermelha e pequeninaAproxima, a sorrir, de minha boca!

Que eu a fronte repouse ansiosa e loucaEm teu seio, mais alvo que a neblinaQue, nas manhs hiemais, mida e fina,Da serra as grimpas verdejantes touca!

Solta as tranas agora, como um manto!Canta! Embala-me o sono com teu canto!E eu, aos raios tranqilos desse olhar,

Possa dormir sereno, como o rioQue, em noites calmas, sossegado e frio,Dorme aos raios de prata do luar!...

XVII

Por estas noites frias e brumosas que melhor se pode amar, querida!Nem uma estrela plida, perdidaEntre a nvoa, abre as plpebras medrosas...

Mas um perfume clido de rosasCorre a face da terra adormecida...E a nvoa cresce, e, em grupos repartida,Enche os ares de sombras vaporosas:

Sombras errantes, corpos nus, ardentesCarnes lascivas... um rumor vibranteDe atritos longos e de beijos quentes...

E os cus se estendem, palpitando, cheiosDa tpida brancura fulguranteDe um turbilho de braos e de seios.

XVIII

Dormes... Mas que sussuro a umedecidaTerra desperta? Que rumor enlevaAs estrelas, que no alto a Noite levaPresas, luzindo, tnica estendida?

So meus versos! Palpita a minha vidaNeles, falenas que a saudade elevaDe meu seio, e que vo, rompendo a treva,Encher teus sonhos, pomba adormecida!

Dorme, com os seios nus, no travesseiroSolto o cabelo negro ... e ei-los correndo,Doudejantes, subtis, teu corpo inteiro...

Beijam-te a boca tpida e macia,Sobem, descem, teu hlito sorvendo...Por que surge to cedo a luz do dia?!...

XIX

Sai a passeio, mal o dia nasce,Bela, nas simples roupas vaporosas;E mostra s rosas do jardim as rosasFrescas e puras que possui na face.

Passa. E todo o jardim, por que ela passe,Atavia-se. H falas misteriosasPelas moitas, saudando-a respeitosas... como se uma slfide passasse!

E a luz cerca-a, beijando-a. O vento um choro...Curvam-se as flores trmulas... O bandoDas aves todas vem sada-la em coro...

E ela vai, dando ao sol o rosto brando,s aves dando o olhar, ao vento o louroCabelo, e s flores os sorrisos dando...

XX

Olha-me! O teu olhar sereno e brandoEntra-me o peito, como um largo rioDe ondas de ouro e de luz, lmpido, entrandoO ermo de um bosque tenebroso e frio.

Fala-me! Em grupos doudejantes, quandoFalas, por noites clidas de estio,As estrelas acendem-se, radiando,Altas, semeadas pelo cu sombrio.

Olha-me assim! Fala-me assim! De prantoAgora, agora de ternura cheia,Abre em chispas de fogo essa pupila...

E enquanto eu ardo em sua luz, enquantoEm seu fulgor me abraso, uma sereiaSoluce e cante nessa voz tranqila!

XXI

A minha me

Sei que um dia no h (e isso bastanteA esta saudade, me!) em que a teu ladoSentir no julgues minha sombra errante,Passo a passo a seguir teu vulto amado.

- Minha me! minha me! a cada instanteOuves. Volves, em lgrimas banhado,O rosto, conhecendo soluanteMinha voz e meu passo costumado.

E sentes alta noite no teu leitoMinhalma na tua alma repousando, Repousando meu peito no teu peito...

E encho os teus sonhos, em teus sonhos brilho,E abres os braos trmulos, chorando,Para nos braos apertar teu filho!

XXII

A Goethe

Quando te leio, as cenas animadasPor teu gnio, as paisagens que imaginasCheias de vida, avultam repentinas,Claramente aos meus olhos desdobradas...

Vejo o cu, vejo as serras coroadasDe gelo, e o sol, que o manto das neblinasRompe, aquecendo as frgidas CampinasE iluminando os vales e as estradas.

Ouo o rumor soturno da charrua,E os rouxinis que, no carvalho erguido,A voz modulam de ternuras cheia:

E vejo, luz tristssima da lua,Hermann, que cisma, plido, embebidoNo meigo olhar da loura Dorotia.

XXIII

De CaldernLaura! dizes que Fbio anda ofendidoE, apesar de ofendido, namorado,Buscando a extinta chama do passadoNas cinzas frias avivar do olvido.

V que o faa, e que o faa por perdidoDe amor ... Creio que o faz por despeitado:Porque o amor, uma vez abandonado,No torna a ser o que j tinha sido.

No lhe creias no olhos nem na boca,Inda mesmo que os vejas, como pensas,Mentir carcias, desmentir tristezas...

Porque finezas sobre arrufos, louca,Finezas podem ser; mas, sobre ofensas,Mais parecem vinganas que finezas.

XXIV

A Lus Guimares

Vejo-a, contemplo-a comovido... AquelaQue amaste, e, de teus braos arrancada,Desceu da morte a tenebrosa escada,Calma e pura aos meus olhos se revela.

Vejo-lhe o riso plcido, a singelaFeio, aquela graa delicada,Que uma divina mo deixou vazadaNo eterno bronze, eternamente bela.

S lhe no vejo o olhar sereno e triste:- Cu, poeta, onde as asas, suspirando,Das liras de ouro as gemedouras cordas...

XXV

A Bocage

Tu, que no pego impuro das orgiasMergulhavas ansioso e descontente,E, quando tona vinhas de repente,Cheias as mos de prolas trazias;

Tu, que do amor e pelo amor vivias,E que, como de lmpida nascente,Dos lbios e dos olhos a torrenteDos versos e das lgrimas vertias;

Mestre querido! vivers, enquantoHouver quem pulse o mgico instrumento,E preze a lngua que prezavas tanto:

E enquanto houver num canto do universoQuem ame e sofra, e amor e sofrimentoSaiba, chorando, traduzir no verso.

XXVI

Quando cantas, minhalma desprezandoO invlucro do corpo, ascende s belasAltar esferas de ouro, e, acima delas,Ouve arcanjos as ctaras pulsando.

Corre os pases longes, que revelasAo som divino do teu canto: e, quandoBaixas a voz, ela tambm, chorando,Desce, entre os claros grupo das estrelas.

E expira a tua voz. Do paraso,A que subira ouvindo-te , cado,Fico a fitar-te plido, indeciso...

E enquanto cismas, sorridente e casta,A teus ps, como um pssaro ferido,Toda a minhalma trmula se arrasta...

XXVII

Ontem nscio que fui! - maliciosaDisse uma estrela, a rir, na imensa altura:Amigo! uma de ns, a mais formosaDe todas ns, a mais formosa e pura,

Faz anos amanh... Vamos! procura A rima de ouro mais brilhante, a rosaDe cor mais viva e de maior frescura!E eu murmurei comigo: Mentirosa!

E segui. Pois to cego fui por elas,Que, enfim, curado pelos seus enganos,J no creio em nenhuma das estrelas...

E mal de mim! eis-me, a teus ps, em pranto...Olha: se nada fiz para os teus anos,Culpa as tuas irms que enganam tanto!

XXVIII

Pinta-me a curva destes cus... Agora,Erecta, ao fundo, a cordilheira apruma:Pinta as nuvens de fogo de uma em uma,E alto, entre as nuvens, o raiar da aurora.

Solta, ondulando, os vus de espessa bruma,E o vale pinta, e, pelo vale em fora,A correnteza trbida e sonoraDo Paraba, em torvelins de espuma.

Pinta; mas v de que maneira pintas...Antes busques as cores da tristeza,Poupando o escrnio das alegres tintas:

- Tristeza singular, estranha mgoaDe que vejo coberta a natureza,Porque a vejo com os olhos rasos dgua.

XXIX

Por tanto tempo, desvairado e aflito,Fitei naquela noite o firmamento,Que ainda hoje mesmo, quando acaso o fito,Tudo aquilo me vem ao pensamento.

Sa, no peito o derradeiro gritoCalcando a custo, sem chorar, violento...E o cu fulgia plcido e infinito,E havia um choro no rumor do vento...

Piedoso cu, que a minha dor sentiste!A urea esfera da lua o ocaso entrava,Rompendo as leves nuvens transparentes;

E sobre mim, silenciosa e triste,A via-lctea se desenrolavaComo um jorro de lgrimas ardentes.

XXX

Ao corao que sofre, separadoDo teu, no exlio em que a chorar me vejo,No basta o afeto simples e sagradoCom que das desventuras me protejo.

No me basta saber que sou amado,Nem s desejo o teu amor: desejoTer nos braos teu corpo delicado,Ter na boca a doura de teu beijo.

E as justas ambies que me consomemNo me envergonham: pois maior baixezaNo h que a terra pelo cu trocar;

E mais eleva o corao de um homemSer de homem sempre e, na maior pureza,Ficar na terra e humanamente amar.

XXXI

Longe de ti, se escuto, porventura,Teu nome, que uma boca indiferenteEntre outros nomes de mulher murmura,Sobe-me o pranto aos olhos, de repente...

Tal aquele, que, msero, a torturaSofre de amargo exlio, e tristementeA linguagem natal, maviosa e pura,Ouve falada por estranha gente...

Porque teu nome para mim o nomeDe uma ptria distante e idolatrada,Cuja saudade ardente me consome:

E ouvi-lo ver a eterna primaveraE a eterna luz da terra abenoada,Onde, entre flores, teu amor me espera.

XXXII

A um poeta

Leio-te: - o pranto dos meus olhos rola:- Do seu cabelo o delicado cheiro,Da sua voz o timbre prazenteiro,Tudo do livro sinto que se evola...

Todo o nosso romance: - a doce esmolaDo seu primeiro olhas, o seu primeiroSorriso, - neste poema verdadeiro,Tudo ao meu triste olhar se desenrola.

Sinto animar-se todo o meu passado:E quanto mais as pginas folheio,Mais vejo em tudo aquele vulto amado.

Ouo junto de mim bater-lhe o seio,E cuido v-la, plcida, a meu lado,Lendo comigo a pgina que leio.

XXXIII

Como quisesse livre ser, deixandoAs paragens natais, espao em fora,A ave, ao bafejo tpido da aurora,Abriu as asas e partiu cantando.

Estranhos climas, longes cus, cortandoNuvens e nuvens, percorreu: e, agoraQue morre o sol, suspende o vo, e chora,E chora, a vida antiga recordando...

E logo,. O olhar volvendo compungidoAtrs, volta saudosa do carinho,Do calor da primeira habitao...

Assim por largo tempo andei perdido:- Ah! que alegria ver de novo o ninho,Ver-te, e beijar-te a pequenina mo!

XXXIV

Quando adivinha que vou v-la, e escadaOuve-me a voz e o meu andar conhece,Fica plida, assusta-se, estremece,E no sei por que foge envergonhada.

Volta depois. porta, alvoroada,Sorrindo, em fogo as faces, aparece:E talvez entendendo a muda preceDe meus olhos, adianta-se apressada.

Corre, delira, multiplica os passos;E o cho, sob os seus passos murmurando,Segue-a de um hino, de rumor de festa...

E ah! que desejo de a tomar nos braos,O movimento rpido sustandoDas duas asas que a paixo lhe empresta

XXXV

Pouco me pesa que mofeis sorrindoDestes versos purssimos e santos:Porque, nisto de amor e ntimos prantos,Dos louvores do pblico prescindo.

Homens de bronze! um haver, de tantos,(Talvez um s) que, esta paixo sentindo,Aqui demore o olhar, vendo e medindoO alcance e o sentimento destes cantos.

Ser esse o meu pblico. E, decerto,Esse dir: Pode viver tranqiloQuem assim ama, sendo assim amado!

E, trmulo, de lgrimas coberto,H de estimar quem lhe contou aquiloQue nunca ouviu com tanto ardor contado.