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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE HISTÓRIA - LICENCIATURA VIAJANTES E NEGROS NO SUL DO BRASIL: CONTANDO UMA HISTÓRIA DO SÉCULO XIX Giseli Giovanella Rodrigues Monografia apresentada no Curso de História do Centro Universitário Univates, para Obtenção do Título de Licenciatura em História. Orientador: Prof. Dr. Luís Fernando da Silva Laroque Lajeado, julho de 2009

VIAJANTES E NEGROS NO SUL DO BRASIL: CONTANDO … · Em seu entender a atenção recai sobre um conjunto de membros que se identifica e é identificado por outros como uma população

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

CURSO DE HISTÓRIA - LICENCIATURA

VIAJANTES E NEGROS NO SUL DO BRASIL: CONTANDO UMA HISTÓRIA DO SÉCULO XIX

Giseli Giovanella Rodrigues

Monografia apresentada no Curso de História do

Centro Universitário Univates, para Obtenção do

Título de Licenciatura em História.

Orientador: Prof. Dr. Luís Fernando da Silva Laroque

Lajeado, julho de 2009

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Aos meus pais,

irmão e noivo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais Idair e Idelma, pois sem eles eu não

existiria. Deram-me educação, força e determinação em todos os momentos de

minha vida.

Ao meu irmão Diego que me cedeu várias vezes o computador, mesmo ele

também tendo que fazer seu trabalho de conclusão.

Ao meu noivo Dalvani, pelo amor, companheirismo e ajuda na execução do

meu trabalho.

Ao meu professor orientador Professor Doutor Luís Fernando da Silva

Laroque, pelo auxilio e grande apoio.

A todos os meus professores que estiveram presente nesta jornada

acadêmica.

A todos os meus amigos, pelo carinho.

Enfim, a todos que me auxiliaram na execução do deste trabalho.

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"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele,

por sua origem ou ainda por sua religião.

Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem

aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar."

(Nelson Mandela)

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RESUMO

O presente estudo analisa os relatos sobre os negros nas áreas rurais e urbanas de viajantes europeus que percorreram os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, mais precisamente entre os anos de 1803 e 1887, teoricamente nos embasamos em aportes de Roberto Cardoso de Oliveira (1976), Fredrick Barth (1998), Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart (1998) e João José Reis (2000), para a análise das fontes documentais e bibliográficas. O trabalho considera o contexto histórico europeu e brasileiro, analisando o grupo étnico negro que ocupou as diferentes regiões dos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul no século XIX. Constatando que tiveram grande importância para o desenvolvimento da sociedade sul brasileira tanto em meios rurais quanto em meios urbanos.

PALAVRAS-CHAVE: Negros. Viajantes. Rio Grande do Sul. Santa Catarina.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7

2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO SÉCULO XIX EM MEIO AOS

VIAJANTES EUROPEUS ......................................................................................... 13

2.1 Motivações que impulsionaram a vinda dos viajantes para a América no

século XIX ................................................................................................................ 21

2.2 Quem eram os viajantes? ................................................................................. 24

3 IMPRESSÕES DOS VIAJANTES EUROPEUS SOBRE OS NEGROS RURAIS

SUL BRASILEIROS .................................................................................................. 28

3.1 Passagem pelo Estado de Santa Catarina ...................................................... 28

3.2 Passagem pelo Estado do Rio Grande do Sul ................................................ 32

4 IMPRESSÕES DOS VIAJANTES EUROPEUS SOBRE OS NEGROS URBANOS

SUL BRASILEIROS .................................................................................................. 40

4.1 Passagem pelo Estado de Santa Catarina ...................................................... 40

4.2 Passagem pelo Estado Rio Grande do Sul ..................................................... 43

5 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................... 49

FONTES .................................................................................................................... 53

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho analisa os relatos de viajantes europeus, que

percorreram ao longo do século XIX mais especificamente o sul do Brasil. O foco de

estudo será a visão que tinham a respeito do negro neste período.

O estudo enfoca o século XIX, considerando como marco inicial a chegada do

primeiro viajante no Estado de Santa Catarina Orly Lisiansky no ano 1803, até o ano

de 1887 por ser o ano que Joseph Hörmeyer, último dos viajantes que trabalhamos

o qual deixa o Brasil partindo para a Europa. Neste sentido, ressaltamos que o fio

condutor do trabalho é levar em consideração as impressões que deixaram escrito a

respeito do negro.

A história do negro no sul do Brasil, por muito tempo foi negada pela

historiografia, porém sabe-se que este grupo étnico teve fundamental participação

na construção do Brasil. Frente a isto e visando analisar e investigar o imaginário

destes viajantes sobre o negro levanta-se as seguintes problematizações:

É possível afirmarmos que os negros eram vistos como parte secundária da

sociedade sul brasileira pelos viajantes europeus? Qual a visão que os viajantes

tinham em relação ao tratamento que se empregava aos negros sul brasileiros?

Em relação ao primeiro problema apresentamos a seguinte hipótese: os

viajantes tinham uma visão de superioridade, visão européia e enxergavam

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unicamente pelo filtro de sua própria cultura conseqüentemente, para eles, o negro

não era tão importante quanto à população imigrante européia que vivia no sul.

No que se refere ao segundo problema a hipótese levantada é: para os

viajantes europeus o tratamento empregado aos negros sul brasileiros não era um

tratamento injusto, para alguns inclusive era até uma forma de acúmulo de riqueza.

O objetivo geral do trabalho é perceber como eram vistos os negros no sul do

Brasil entre os anos de 1803 e 1887 a partir dos relatos dos viajantes europeus.

Dentre os objetivos específicos, pretende-se comparar os relatos dos viajantes de

distintos países europeus que estiveram no sul do Brasil e as percepções que

tiveram em relação ao negro; identificar os relatos demográficos sobre o negro no

sul do Brasil, bem como sua relevância para as economias regionais; demonstrar

que os relatos de viajantes europeus referente aos negros no sul do Brasil são de

grande importância para o repensar da história deste grupo étnico; analisar os

relatos dos viajantes sobre os negros de forma crítica no que se refere aos padrões

culturais de ambos os grupos.

Justifica-se a importância do estudo devido aos diários de viagens de

europeus que percorreram as diversas regiões onde há uma pluralidade de

discursos e propósitos contidos nestes relatos. Também vale a pena ressaltar a

partir da revisão da literatura realizada que não temos conhecimento de obras

especificamente considerando o olhar dos viajantes europeus, que trate sobre os

negros.

A história dos negros é ainda uma história pouco lembrada, porém influenciou

profundamente a sociedade sul brasileira como também de outras regiões do país.

Neste sentido, é que esta pesquisa se torna relevante para uma história a qual nos

parece que, infelizmente, foi esquecida durante muito tempo.

Dentre os referenciais teóricos para análise e discussão das informações

relativas à temática que estamos tratando nos utilizaremos de autores que tratam de

alguns conceitos e idéias chaves para o melhor entendimento da questão do negro

sul brasileiro.

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Fredrick Barth no trabalho “Grupos Éticos e suas Fronteiras” ([1969] 1998),

entende o grupo étnico como uma forma de organização social, onde interessa

menos o traço cultural atribuído do que a própria característica de auto-atribuição e

atribuição por outros. Em seu entender a atenção recai sobre um conjunto de

membros que se identifica e é identificado por outros como uma população distinta.

Ainda no que concerne às relações interétnicas, ressalta que não apenas a

interação é, em si, um fator gerador de cultura e de limites para cada grupo, como os

contatos externos a um grupo são também constitutivos da estrutura desse grupo.

Mas a comunidade é também uma construção simbólica.

Roberto Cardoso de Oliveira na obra “Identidade Etnia e estrutura Social”

(1976) destaca que valores culturais fundamentais compõem um campo de

comunicação e interação. Há um grupo de membros que se identifica e é

identificado por outros como representado de um conjunto distinguível, nas

identidades assumidas por alguém há apenas um número limitado de identidades

combinadas, isto é, suscetíveis de serem assumidas pelo outro indivíduo, contrário

da interação.

Ilka Boaventura Leite na obra “Antropologia de Viajem: escravos e libertos em

Minas Gerais do século XIX” (1996) apresenta uma análise dos escravos libertos em

Minas Gerais, no século XIX, a partir dos relatos de viajantes. A referida autora não

aprova as teorias racistas, contudo não diminui a importância dos relatos dos

viajantes que percorreram diversas regiões brasileiras.

Outro estudo importante é trata-se do artigo de João José Reis intitulado “Nós

chamamos em campo a tratar da liberdade: a resistência negra no Brasil

oitocentista” (2000), organizado por Carlos Guilherme Motta. Nele, é abordado o

trabalho do negro nas diversas regiões brasileiras do século XIX, enfatiza também

as lutas travadas pela liberdade, as quais são fundamentais para algumas

conquistas no contexto do escravismo.

A metodologia utilizada na pesquisa consistiu em levantamento de

informações sobre os negros no sul do Brasil no decorrer do século XIX em fontes

documentais (obras dos viajantes) e bibliográficas, muitos dos quais encontrados na

biblioteca da UNISINOS, em São Leopoldo e da UNIVATES, em Lajeado. Estes

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dados inicialmente foram fichados e após analisados considerando a época que o

viajante esteve no sul do Brasil, regiões rurais e urbanas visitadas por eles tanto na

Província de Santa Catarina como na do Rio Grande do Sul. Por último embasado

nos referenciais teóricos já apresentados procuramos desenvolver os objetivos e

problemas propostos na pesquisa.

Como fonte documental nos utilizamos dos relatos dos seguintes viajantes:

Georg Heinrih Von Langsdorff ([1812] 1996), Orly Lisiansky ([1814] 1996), Louis-

Charles-Adelaide Chamisso de Boncourt ([1821] 1996), Nicolau Dreys ([1839] 1990),

Auguste de Saint-Hilaire ([1887]1999), Arséne Isabelle, Joseph Hörmeyer (1896),

Robert Avé-Lallemant ([1859]1890).

Para a elaboração desta pesquisa além das obras dos viajantes nos

utilizamos principalmente das seguintes fontes bibliográficas: A obra de Fernando

Henrique Cardoso e Octávio Ianni “Cor e Mobilidade Social em Florianópolis” (1960)

contribui destacando que a cor da pele e as marcas raciais teriam articulado a

naturalização das desigualdades entre negros e brancos, que regia as relações

entre os senhores e os escravos. Os negros permaneceram prestando os mesmos

serviços para os quais a ideologia racial os considerava “naturalmente” adequados,

apenas sob condições distintas.

Outro autor que descreve sobre o negro é Fernando Henrique Cardoso na

obra “Capitalismo e escravidão na Brasil Meridional. O negro na Sociedade

escravocrata do Rio Grande do Sul ”(1977) na qual questiona as relações entre

senhores e escravos, denunciando os horrores da escravidão no Brasil. Conclui que

as condições extremamente duras da vida em cativeiro haviam destituído os negros

das habilidades necessárias para serem bem sucedidos na vida em liberdade. As

condições desfavoráveis da vida em cativeiro teriam desprovido os escravos da

capacidade de pensar o mundo a partir de categorias e significados sociais e não

aqueles instituídos pelos próprios senhores, ocorrendo assim, uma "coisificação

social" dos negros escravizados. A violência exercida pelo sistema escravista

chegava a fazer com que os negros concebessem a si mesmos como não-homens,

como criaturas inferiores, como "coisas", daí a denominação "teoria do escravo-

coisa".

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A estudiosa Kátia M. de Queirós Mattoso em sua obra “Ser escravo no Brasil”

(1982), traz informações referentes a vinda dos escravos para o Brasil e como era

suas relações interpessoais com os demais setores da sociedade escravocrata da

época. Também defende a existência de relações sociais e de trabalho baseadas no

compadrio entre senhores e escravos, o que poderia ter contribuído para amenizar

as relações entre estes segmentos distintos da sociedade brasileira.

A obra de Mário José Maestri Filho “O escravo no Rio Grande do Sul” (1984),

discute o que foi a escravidão na charqueada rio-grandense, tal como foi tratado o

tráfico de negros e utilização de sua mão de obra. Uma outra obra deste mesmo

autor intitulada “O escravo gaúcho: resistência e trabalho” (1990) também aborda o

escravismo gaúcho, enfatizando os estudos da resistência escrava através da

violência. Ou seja, através, das revoltas, das fugas, das formações de quilombos,

entre outros.

Outro trabalho é de Margaret Marchiori Bakos “O Negro Consciência e

trabalho” (1991), trata sobre a utilização da mão de obra escrava, as condições

sociais do negro sul brasileiro a importância deste grupo étnico para o

desenvolvimento da economia sulina.

A obra de Boris Kossoy e Maria Luiza Tucci Carneiro “O Olhar Europeu: O

negro na Iconografia no século XIX” (2002) enfoca o olhar do europeu sobre o negro

na iconografia brasileira do século XIX. Os autores discutem o olhar do artista como

estruturador do preconceito a partir da veiculação de uma imagem estereotipada.

Giralda Seyfert em sua obra “Colonização, imigração e a questão racial no

Brasil” (2002), trata de mostrar a influência da idéia de raça e os problemas

decorrentes do nucleamento de estrangeiros e seus reflexos num discurso

nacionalista que recusa as distinções de natureza étnica ou cultural.

Antes de adentrarmos nos capítulos do trabalho, é importante mencionar que

é através da identificação de um grupo social, que podemos extrair a concepção de

identidade étnica, que os negros vêm buscando ultimamente. Fredrick Barth ao

tratar destes grupos étnicos, considera-os como uma organização social, onde se

encontram características de auto-atribuição ou da atribuição por outros a uma

categoria étnica.

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Uma atribuição categórica é uma atribuição étnica quanto classifica uma pessoa em termos de sua identidade básica mais geral, presumivelmente determinada por sua origem e seu meio ambiente. Na medida em que os atores usam identidades étnicas para categorizar a si mesmos e outros, com objetivos de interação, eles formam grupos étnicos neste sentido organizacional (Barth, [1969] 1998, p. 193-194).

A estrutura do texto está dividida em três capítulos os quais irão abordar as

seguintes questões: no primeiro capítulo intitulado “Contextualização Histórica do

século XIX em meio aos viajantes europeus”, apresenta o panorama mundial que de

uma forma ou de outra influenciou na vinda dos viajantes para diferentes regiões.

Também neste capítulo procuraremos analisar quem eram estes viajantes, de que

parte da Europa vieram e quais suas intenções em viajar para o sul do Brasil. Já no

segundo capítulo intitulado “Impressões dos viajantes europeus sobre os negros

rurais sul brasileiros”, serão mencionadas as impressões que os viajantes tiveram

sobre os negros no meio rural em passagem pelos estados de Santa Catarina e Rio

Grande do Sul no século XIX. No terceiro e último capítulo intitulado “Impressões

dos viajantes europeus sobre os negros urbanos sul brasileiros” trata de como se

dava a vida dos negros urbanos na cidade de Desterro em Santa Catarina e as

cidades do Rio Grande do Sul como: Porto Alegre, Rio Grande e São Leopoldo.

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2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO SÉCULO XIX EM MEIO AOS VIAJANTES EUROPEUS

O século XIX foi o cenário para o desenvolvimento do pensamento

historicista, no sentido amplo do termo, que pode englobar cientificidade,

relatividade, compreensão e ideologias.

A sociedade européia no início do século XIX passou pelos abalos trazidos

pela Revolução Francesa e pelo novo papel social da burguesia, a partir de seu

poder econômico crescente.

Com a primeira Revolução Industrial que ocorreu no início do século XVIII, a

Europa se caracterizou pelo avanço, onde passou de uma economia agrária,

baseada no trabalho manual, para uma economia dominada pela indústria

mecanizada. Presenciou amplo desenvolvimento tecnológico e industrial, que

permitiu sua evolução econômica.

Com a segunda Revolução Industrial, já em meados do século XIX e início do

século XX surgiram novas fontes de energia e novos maquinários, expansão de

transportes com construção férrea, progressos na navegação, desenvolvimento de

centros industriais, criação de novos postos de trabalhos, entre outros.

René Rémond (1974, p. 56) analisa a Revolução econômica de forma a não

se limitar seus efeitos a produção dos bens, mas gerar paralelamente outras

atividades, por sua vez geradora de mudanças na composição da sociedade.

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Na América Latina do século XIX, inspirado nos ideários liberais dos

iluministas, estava ocorrendo o processo de independência das colônias, as quais se

espelhavam nos Estados Unidos.

No Brasil temos a chegada da família real logo nos primeiros anos do século

XIX devido Portugal ter sido invadido pelas tropas de Napoleão Bonaparte no final

de 1807.

Um fato que vale a pena ser mencionado segundo Luis Felipe Alencastro

(1997) é que em todos os países europeus, as abolições dos negros constituíram-se

talvez a mais ampla e profunda transformação social. Tratando-se de Brasil parece

que as coisas trascorerram de maneira diferente, pois sobre isto temos:

Nas sociedades ditas tradicionais, o privado se opunha ao público antes como poder do que como direito. É o poder privado do senhor sobre seus escravos que define essencialmente uma ordem escravista. Nesse campo, talvez mais do que em qualquer outro, o Império viveu uma situação peculiar que, de resto, compartilhou – pelo menos até meados do século – com a maioria das antigas colônias escravistas do continente. Ainda assim, as formas práticas e legais mediante as quais a sociedade imperial tentaria acomodar a continuidade da escravidão, ou seja, a existência legal e legitima do domínio privado de um ser humano sobre o outro. À adoção de certas nações gerais de direito civil adotadas na Constituição de 1824 primariam pela originalidade (Alencastro, 1997, p. 337-338).

A partir da metade do século XIX, a escravidão no Brasil, passou a ser

contestada pela Inglaterra, interessada em ampliar seu mercado consumidor no

Brasil e no mundo. O Parlamento Inglês aprovou a Lei Bill Aberdeen (1845), que

proibia o tráfico de escravos, dando o poder aos ingleses de abordarem e

aprisionarem navios de qualquer país que tivesse esta prática.

Em 1850, o Brasil cedendo às pressões inglesas aprovou a Lei Eusébio de

Queiróz que acabou com o tráfico negreiro. Em 28 de setembro de 1871, era

aprovada também a Lei do Ventre Livre que dava liberdade aos filhos de escravos

nascidos a partir daquela data. Logo depois no ano de 1885 era promulgada a Lei

dos Sexagenários que garantia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de

idade.

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Contudo, somente no final do século XIX, é que a escravidão foi

mundialmente proibida. No Brasil, sua abolição se deu em 13 de maio de 1888 com

a promulgação da Lei Áurea, feita pela Princesa Isabel.

Durante o século XIX, o Brasil foi marcado do ponto de vista social e de

apropriação do excedente econômico pelo apogeu, o declínio e a abolição da

escravidão, assim como pelo crescimento da produção e das exportações de café.

Neste sentido, é possível perceber que a escravidão e suas sequelas marcaram

profundamente o Brasil do século XIX.

Em Santa Catarina como em qualquer outra parte do Brasil é utilizada em

longa escala o escravismo. A primeira notícia que se tem sobre a existência de

escravos na Província de Santa Catarina é do ano de 1536, quando Gonzalo de

Mendonça, em um pedido de busca de socorro para Buenos Aires, assinala a

existência de escravos. Através desse registro não se pode precisar se esses

escravos eram índios ou de origem africana. Contudo, ele indica que, desde o

século XVI, os fundadores das primeiras povoações litorâneas catarinenses,

Francisco Dias Velho, Manoel Rodrigues de Andrade, Francisco Dias e Domingos de

Brito Peixoto, desceram para Santa Catarina trazendo seus parentes e escravos.

Assim, nos baseando também em Walter Piazza (1975) podemos afirmar a

existência de mão-de-obra escrava desde os primórdios da ocupação do território

catarinense. Segundo Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ianni (1960), a

colonização dessa área assumiu formas específicas de desenvolvimento, em

relação às demais regiões brasileiras. Nessa região do Brasil Meridional, o negro

teve uma pequena importância, se comparado a outras regiões, mas não menos

significante que nas demais.

[...] O escravo negro não exerceu um papel importante na colonização do Brasil Sul. Essa colonização iniciou-se no momento em que a mineração (setor exportador da economia colonial) desenvolvia-se, consumindo grande número de escravos negros. Em conseqüência, o preço das peças era muito alto e a mão-de-obra escrava tornou-se antieconômica nas regiões do Brasil que não podiam concorrer no mercado colonial de exportação (Cardoso e Ianni, 1960, p. 5).

O século XIX em Santa Catarina de acordo com Silvia Fávero Arend e Ana

Lice Brancher (2001, p.8) foi uma época de profundas e complexas mudanças

econômicas, sociais, políticas e ideológicas. Sendo assim, as possibilidades da

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historiografia regional, no que diz respeito a esse período, transcendem, em muito,

as simples cronologias administrativas, os mitos fundadores de uma ou outra cidade,

bem como ainda o elogio pouco contido a tal ou qual corrente imigratória.

Em vista disto, percebe-se que a historiografia e o predomínio das

características européias, contribuíram para que a presença dos negros durante

muito tempo fosse registrada de uma forma que os deixaram “invisíveis”, anulando

suas formas organizativas e culturais.

Na maior parte dos relatos valorizava-se o escravo que possuía habilidades

além de vigor físico. Entretanto não como sujeitos históricos que possuíam suas

devoções, seus cultos e que realizavam suas festas e bailes.

As relações entre senhores e escravos se processavam como no restante do

território brasileiro, davam-se através do trabalho pesado e dos castigos. Estas

ações muitas vezes geravam fugas.

No que se refere aos negros na Ilha de Santa Catarina de acordo com

Fernando Henrique Cardoso (1960, p. 21) sabe-se que já na segunda metade do

século XVIII a mão de obra negra veio substituir a mão de obra indígena.

Para Ilka Boaventura Leite (1996, p. 41), a produção agrícola no litoral

catarinense caracterizava-se pela “média e pequena propriedade e pela policultura.

Este aspecto foi suficiente para limitar o interesse do sistema escravista aqui

implantado”. A pequena atividade mercantil com pouca exportação, basicamente de

subsistência associada a uma organização familiar bem definida, estabeleceu um

modo de vida e organização social em Santa Catarina bastante peculiar. Neste

sentido, a ausência de grandes fortunas impediu que a população que exercia

basicamente trabalho produtivo “adquirisse uma soma de escravos” (Vieira, 2000, p.

17).

Sabe-se que em Desterro Segundo Fernando Henrique (1960, p. 22), por

volta de 1763, o negro já participava da economia da época econômica

caracterizado principalmente da pesca da baleia No século XIX a exportação de

produtos agrícolas e da indústria extrativa tomara um impulso, e também o

transporte marítimo se desenvolveu em Santa Catarina. No entender de Fernando

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Henrique Cardoso, (1960, p. 51-53), em 1872 a mão de obra escrava em Santa

Catarina estava voltada inteiramente para as atividades rurais ou para serviços

domésticos. Segundo este mesmo autor Desterro concentrava-se a maior parte de

escravos que possuíam alguma qualificação profissional, mas esses eram muito

pouco numerosos (Cardoso, 1960, p. 73).

Também é possível constatar que houve o aproveitamento regular da mão de

obra escrava em Santa Catarina nas atividades propriamente urbanas desde a

primeira metade do século XIX. Atesta isto os registros da câmara de vereadores,

onde apareciam pedidos de proprietários de escravos para que esses fossem

licenciados para vender quitandas ou fazendas (Cardoso, 1960, p. 74).

Na Província de Santa Catarina segundo um outro trabalho de Fernando

Henrique Cardoso de Cardoso (2000) a população escrava tendeu a crescer na

primeira metade do século XIX, mas decresceu na segunda metade, do referido

século. A este respeito informa-se que a taxa de população escrava decresceu

quase continuamente até 1887, às vésperas da abolição. De 1884 a 1887, conforme

ainda Fernando Henrique Cardoso (2000), não há números da população total,

portanto, não podemos saber ao certo o percentual que decresceu. Apesar da falta

de estatísticas percebe-se que o percentual da população escrava continuou a cair,

seguindo a tendência do Brasil, devido, principalmente, ao aumento da população

livre, alforria e morte dos escravos.

A entrada de imigrantes europeus em Santa Catarina coincide com o

momento que a escravidão estava em declínio. “Contudo o preconceito e as

discriminações raciais já estavam estabelecidas, a devido as relações sociais entre

negros e brancos” (Pedro et al, 1988, p. 25).

Segundo Pedro et al (1988) em concordância com os discursos da época

ocorre em Desterro a reafirmação de que os caminhos do desenvolvimento

capitalista seriam possíveis mediante a vinda do colono europeu e

consequentemente reduzindo a população escrava. Em vista disto estabeleceu-se

em Santa Catarina uma certa relação entre o abolicionismo e o imigrantismo no fim

do século XIX:

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A mesma voz que condena a escravidão e prega a abolição associa a presença do imigrante branco ao progresso e aumento da produção, enquanto a presença do trabalho escravo como entrave a este processo [...] Em um país como este, cujo desenvolvimento depende da imigração, não podemos deixar de oferecer aos filhos de outras raízes uma nova pátria com todos os seus gozos em nosso meio (Pedro et al, 1988, p. 49-58).

Santa Catarina, segundo Pedro et al (1988), particularmente, nunca fez parte

das regiões do país cuja produção era para abastecer o mercado externo com

produtos tropicais, nem mesmo tornou-se uma importante região complementar para

o suprimento do mercado interno com alimentos, meios de transporte e de tração,

como por exemplo, foi o caso do Rio Grande do Sul. Neste contexto, a acumulação

de capital era reduzida, o que impossibilitou a aquisição de um contingente de

escravos, comparável às demais regiões. Outro fator que contribuiu para a pequena

utilização do escravo foi a contínua entrada de imigrantes europeus que fez com que

o trabalho livre superasse o trabalho escravo.

Já história da escravidão do africano negro no Rio Grande do Sul se inscreve

na história mais ampla da escravidão no Brasil e nas Américas. Também no Rio

Grande do Sul, como diz o historiador Mário Maestri (1984), o escravo já se

encontrava no começo do século XVIII, destaca-se também que na sociedade

colonial brasileira como um todo não se podia imaginar esta sem o braço escravo.

De acordo com Maestri (1984) o negro aparece no Rio Grande do Sul em

1725, com a frota de João Magalhães, vinda por terra. Estes negros, certamente

escravos, realizavam o serviço pesado. Referente ao sistema econômico rio-

grandense, temos:

Os escravos negros serão também mão de obra na fazenda. Os primeiros „cazeas‟ aqui chegados, os primeiros povoadores, muitas vezes, traziam alguns escravos. As referências já para os primeiros anos da ocupação oficial do sul são abundantes. Sabemos, que, por exemplo, que na “Frota” de João de Magalhães (1725) compunha-se de 31 pessoas, “sendo a maior parte deste corpo, homens pardos ou escravos” (Maestri, 1984, p. 48).

Como cozinheiro, carregador, artífice, pajem, enfim, em quase todas as

circunstâncias econômico-sociais, deparamo-nos com o homem escravizado.

Segundo Mário Maestri (1984) no Rio Grande do Sul não será diferente: os escravos

de ganho trabalhavam como pintores, sapateiros, carpinteiros ou ferreiros, vendiam

produtos como frutas e hortaliças, carregavam mercadorias nas costas, entre outras

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atividades, havia muitos escravos domésticos, que trabalhavam nas casas como

porteiros, cozinheiras, lavadeiras, cocheiros, etc. Entre os escravos urbanos

destacavam-se também os escravos de ganho ou jornaleiros, que vendiam o seu

trabalho ou algum produto nas ruas das cidades, para isso eles eram obrigados a

pagar uma determinada quantia a seu senhor.

Nas estâncias o escravo negro desempenhou diversas atividades como a

derrubada da mata, abertura de estradas, preparo da terra, plantio e colheita. Sendo

que, dentre os serviços prestados destaca-se sua grande contribuição à

estruturação de desenvolvimento das charqueadas que possuíam escravos, estes

podiam trabalhar como capatazes ou peões, cuidando do gado que era criado solto.

Alguns deles também participavam do transporte das tropas de gado para o centro

do Brasil. Segundo Mário Maestri (1984, p.42-43), havia ainda escravos que

cuidavam sozinhos das fazendas na ausência de seus senhores ou que moravam

afastados da sede da estância para cuidar do gado. Certamente havia fugas, mas

boa parte dos escravos permanecia nas fazendas, pois podia receber alguma

recompensa pelos serviços prestados. A vida fora da estância podia ser tão ou mais

difícil quanto a vida dentro dela.

Entretanto, foi a partir do desenvolvimento das charqueadas que começa em

1780, com ocupação da área de Pelotas que o tráfico negreiro começa a tomar

volume (Maestri, 1984, p.27).

A produção de carne no Rio Grande do Sul estava ligada à crescente

necessidade de gêneros alimentícios do centro e do norte do Brasil, causada pelo

aumento da população. Boa parte do charque destinava-se a alimentar os escravos

que trabalhavam nas grandes propriedades agrícolas de São Paulo, Rio de Janeiro

e outras províncias. O charque era produzido nas charqueadas, que se espalharam

pela região da laguna dos Patos e da lagoa Mirim, destacando-se Pelotas como

grande centro produtor. A produção era enviada para o centro do Brasil

principalmente pelo porto de Rio Grande (Maestri, 1984, p. 44).

Conforme Sandra Pesavento (1992, p.63-77), o Rio Grande do Sul

apresentava uma economia de caráter fundamentalmente agropecuária, dividida em

dois ramos sócio – econômicos: 1°) Atividade ligada à pecuária e ao charque; 2°) A

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agricultura e o artesanato colonial. A produção de ambas as matrizes dirigiam em

um destino comum que era o de abastecer o mercado brasileiro, este por sua vez

dando ao Rio Grande do Sul a denominação de “celeiro do Brasil”. Desta forma o

estado estava aberto a uma divisão regional do trabalho, produzindo alimentos e

matérias primas para a atividade agroexportadora do centro, o que limitou as

atividades do mercado interno brasileiro. Como o Rio Grande do Sul produzia bens

de baixo valor para um mercado altamente competitivo, a acumulação de capital

relativamente mais baixa no estado em quentão em relação ao resto do país.

O escravo negro esteve presente na historia de Rio Grande, trazendo

vantagens econômicas no desempenho de diversas tarefas, onde adquiriu posição

de destaque na atividade de comércio. Segundo Fernando Henrique Cardoso temos.

Ve-se, portanto, que também nas atividades urbanas houve a utilização regular de escravos negros. [...] Os ofícios e os serviços urbanos ligados ao comercio e ao transporte de mercadorias eram exercidos exclusivamente pelos negros (Cardoso, 1997, p. 79).

No Rio Grande do Sul, também ocorreu tentativa historiográfica de negar o

passado escravista que dominou os campos e as cidades do Planalto, do Pampa, da

Depressão Central e do Litoral, sobretudo durante o século XIX. Destaca-se que a

província sulina manteve-se ao longo do século em questão no ranking das seis

maiores províncias escravistas do Brasil, chegando em 1874 a possuir 98.450

trabalhadores escravizados, quando a escravidão já retrocedia em boa parte do

Brasil (Bakos, 1991, p. 71).

Grande parte dos negros que vieram no século XIX para o Rio Grande do Sul

destinava-se às charqueadas. Nelas, as condições de trabalho eram terríveis, os

escravos estavam sempre sob a ameaça de um feitor, frequentemente sofriam

castigos, e as inúmeras tarefas que tinham que cumprir eram excessivas e árduas.

O homem escravizado foi vendido, contrabandeado, usado na agricultura, na produção do charque, na cozinha, no galpão. Foi afastado de sua terra, sua cultura, separado de sua gente. Transformou-se em escravo. Foi ensinado a obedecer, acreditar na superioridade do senhor. No entanto, incessantemente o escravo reagiu. É a resistência do homem à escravidão que lhe devolve sua humanidade. Como escravo é coisa, objeto de uso, de consumo. Pode ser vendido, herdado, hipotecado. É bem móvel. Quando resiste e retoma das mãos do senhor sua vida, reassume sua essência, é homem. E então, como homem é digno de castigo se é pego (Maestri, 1984, p.46).

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A historiografia tradicional justificava a utilização da escravidão africana no

Brasil, pela incapacidade do europeu ser aproveitado como mão-de-obra na

agricultura. As razões apontadas eram da inadequação aos trabalhos físicos nas

regiões tropicais e, principalmente, a inadaptação ao clima. O aproveitamento do

negro africano era justificado como o mais adequado para tais atividades (Maestri,

1984, p.18- 19).

Apesar de sua significativa contribuição o negro foi negligenciado durante

muito tempo da história rio-grandense, pois não possuía um “lugar em uma

historiografia europeizante, branca e conservadora. Ele não era igual e sim

considerado “outro”, que por não pertencer a cultura dominante e por ser visto como

uma mercadoria, durante séculos, não possuía uma identidade reconhecida. Não

tendo identidade, não pertencia a nenhum lugar e conseqüentemente a história

alguma.

2.1 Motivações que impulsionaram a vinda dos viajantes para a América no século XIX

No século XIX, sobretudo após a abertura dos portos em 1808, foi intensa no

Brasil a visitação de viajantes europeus de diversas nacionalidades, os quais

produziram registros minuciosos sobre a sociedade. Sobre isto Ilka Boaventura Leite

ressalta.

A partir de 1808, iniciou-se, portanto, a produção sistemática de obras sobre o Brasil, escritas por viajantes de várias procedências, engajadas ou não em missões científicas, e que se propunham a estudar o País e interpretá-lo para o resto do mundo (Leite, 1996, p.40).

Neste sentido os viajantes exploraram o Brasil principalmente no que se

refere as questões científicas e artísticas. Boris Kossoy (1994, p.17), no entanto

chama atenção para estas análises científicas e antropológicas, merecem ser

investigadas em sua retórica e interpretações diversas.

Na atualidade os depoimentos dos viajantes, vem sendo objeto de estudo por

especialistas de vários campos do conhecimento. A renovada valorização dos

relatos dos viajantes pela historiografia deve-se, principalmente, ao fato de seu

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entendimento enquanto representação do real passado e sua articulação aos

conceitos do imaginário simbólico.

Os registros deixados pelos viajantes auxiliam na compreensão do passado

através de uma perspectiva bastante enriquecedora. As descrições e informações

são constituídas de representações cuja utilização como fonte histórica requer

articulação de texto e contexto. Para atingir a historicidade das falas, dos discursos

produzidos em determinado contexto, é necessário ir além dos textos em si, é

necessário compreender a trama discursiva que estabelece os sentidos. O sujeito

passa a ser entendido como parte do processo de produção de sentidos. Os

discursos são formas de institucionalização dos sentidos, formas de organizar vozes

e silêncios, produzindo-os ou reduzindo-os.

Conforme ainda Boris Kossoy, (1994, p.18) o projeto dos viajantes europeus

do século XIX, consistia, portanto, em produzir aquilo a que eles chamavam de

“informação”, que tinha como características principais a preocupação com o método

científico, com a coleta de dados e a divulgação do conhecimento empírico.

De acordo com Míriam Moreira Leite, Maria Lúcia de Barros Mott e Bertha

Kaufmann Appenzeller (1993, p.19), o fato de os autores serem estrangeiros

propicia uma especificidade relevante à documentação produzida. Primeiramente a

percepção do visitante estranho está mais aguçada por suas experiências anteriores

do que a maioria dos habitantes. Por não estarem diretamente envolvidos ou até

desconhecerem a história do grupo visitante, conseguem perceber melhor a

contradições do sistema social que são pertinentes a quase todos os habitantes

integrados nele.

A literatura de viajem não está para ser trabalhada apenas como produto de

uma determinada época, mas, de acordo com Leite, Mott e Appenzeller (1993, p.

101), sua riqueza consiste no trânsito que ocorre entre a subjetividade científica e a

ficção, que transforma observação em escrita e leitura em viagem, ou vice-versa.

Os relatos dos viajantes estrangeiros que vieram para o Brasil, deixaram suas

impressões da descoberta de uma nova natureza e do estranhamento dos europeus

diante dos costumes dos homens que aqui habitavam. Esses relatos produziram as

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primeiras representações geográficas e sociais do Brasil para os europeus e

expressam o olhar do estrangeiro que descobriu, nomeou e catalogou o País.

A investigação histórica de uma determinada realidade, em determinado

momento, revela um conjunto de ilustrações recorrentes e quase padronizadas de

diferentes teorias. A compreensão de um fato passado, não deixa de ser meramente

uma interpretação atual de uma realidade já “vivida”, que se torna “sentida” através

da “visão” de cada cientista em diferentes épocas.

Uma das preocupações dominantes nas investigações de campo nas ciências sociais tem sido exatamente a descrição de situações globais, seja através da análise de um sistema social inclusivo (como em grande parte dos “estudos de comunidade”), seja na explanação descritiva de processos sociais, instituições ou grupos determinados (Cardoso, 1997, p. 26).

A história do sul do Brasil já foi relatada por diversos historiadores, viajantes,

economistas, sociólogos em diferentes épocas e sob diversos enfoques. Os

depoimentos de viajantes contribuem para uma melhor compreensão do passado.

Contudo deve-se ter cuidado, e não aceitar as descrições e informações como

sendo a única realidade.

Michel Foucault considera a documentação escrita por viajantes muito

importante. Não só para o pesquisador de hoje, mas para a época em que foi

escrita. “Podendo assim ser observada a situação militar, a etnicidade, os recursos

econômicos, os mercados e riquezas do país visitado” (Foucault, 2006, p.157).

É importante frisar que a literatura de viagem registra com muita propriedade,

a formação socioeconômica do Brasil. Sendo assim, cada etnia ocupará um lugar na

organização do estado nacional. Tratando a etnia negra como escravo atua como

um dos “motores” do trabalho.

Ressalta-se que ao fazer a leitura desses documentos deve-se ter em vista

que em cada relato de viajante baseou-se no filtro de sua própria cultura, sobre a

constituição da população brasileira. Nesse sentido os viajantes nos fornecem uma

visão preconceituosa da sua composição étnica.

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2.2 Quem eram os viajantes?

Os viajantes eram pessoas de classes sociais variadas, profissões e

formação intelectual diversificada, que descreveram diversos aspectos da sociedade

brasileira. Tratando-se de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, delimitação espacial

deste trabalho, muitas crônicas relatos, correspondências e diários foram produzidas

por viajantes europeus que percorreram o território sul brasileiro.

Sobre isto Ilka Boaventura Leite chama atenção o viajante europeu é a peça

fundamental na reconstrução e contextualização, ele é o informante e o seu diário o

campo de nossa pesquisa, motivo pelo qual consideramos importante conhecermos

o perfil de cada um. Referente a isto Leite destaca:

Através das biografias é possível identificar muitos dos pontos em comum existentes, pois revela um perfil que geneticamente era denominado “explorador” [...] Por outro lado o diário de viagem é a peça chave na constituição da identidade do autor como viajante. Identidade que se constrói da viagem ao texto (Leite, 1996, p. 26).

Frente a isto dentre os viajantes que percorreram os territórios do sul do Brasil

e que encontramos informações sobre populações negras nas áreas rurais e

urbanas apontamos os seguintes viajantes:

O Barão Georg Heinrih Von Langsdorff nasceu em Wollstein (Hesse) em

18.04.1774 e faleceu em Freiburg (Breisgau) em 29.06.1852. Graduou-se em

medicina pela Universidade de Gottingem. Em 20 de dezembro de 1803 chegou a

Santa Catarina onde permaneceu colecionando e estudando até fevereiro de 1804.

Publicou a obra “Bemmerkungen auf einer Reise um die Welt in den Jahren em 1803

bis 1807”, seus relatos sobre Santa Catarina iniciam-se na página 27 do primeiro

capítulo abrangendo até a página número 68 do terceiro capítulo. Este viajante

relata condições desumanas que eram impostas aos negros.

Orly Lisiansky, é um viajante russo capitão do navio “Neva”, nasceu em 1773

e faleceu em 1837. Sua Narração sobre Santa Catarina, quando aqui esteve junto a

Kruesntern (que comandava o “Nadesshda”) em 1803 é bastante curta, abrangendo

as páginas 28 a 41 da edição inglesa publicada em 1814. Descreve os costumes e

menciona os principais produtos da ilha de Santa Catarina, sua obra foi intitulada “A

Voyage Roud the Word in the Years 1803, 1805 e 1806”. Em seus relatos faz

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levantamentos sobre a quantia de cativos que estiveram trabalhando em Santa

Catarina no momento de sua passagem.

Louis-Charles-Adelaide Chamisso de Boncourt nasceu no castelo de Boncourt

em Champangne, França a 27 de janeiro de 1781 e faleceu em Berlim a 21 de

agosto de 1838. Ainda criança foi viver na Alemanha, tendo toda formação neste

país. Tornando-se um dos melhores literatos e filósofos de sua época, teve sua

passagem pela Ilha de Santa Catarina no ano de 1815. Tem descrição sobre a Ilha

de Santa Catarina iniciando na página 53 até a página 60. Publicou obra “Reise um

die Welt mit der Romanzoffischen Entdeckungs-Expedition in den Jahren 1815-1818

auf der Brigg”.

Nicolau Dreys viajante natural de Nancy nasceu em 21 de julho de 1781. Ex-

militar e funcionário público francês veio para o Brasil em 1817 acompanhado de sua

mulher e filha. De 1818 a 1827, percorreu o interior do Rio Grande do Sul, Santa

Catarina com destino a Buenos Aires, transferindo-se depois para a Vila de Iguape,

em São Paulo. A partir de 1837, passou a residir no Rio de Janeiro onde publicou,

em 1939 “Notícias Descritivas da Província de São Pedro do Sul” Trabalhou cerca

de quatro anos na fabricação de açúcar, possivelmente, quando residia em Iguape.

Na obra “Notícias Descritivas da Província de São Pedro do Sul” (1839),

relata a idéia de que os trabalhadores escravizados não tinham outro papel a não

ser trabalhar e ir a senzala. Como se o sistema conseguisse de fato deixar o escravo

imóvel, da senzala para o trabalho, ou do trabalho para senzala. Nicolau Dreys

descreve o negro com uma visão mais “romanceada”, cheia de adjetivos, afirmando

que todo trabalho com o gado era realizado tanto por escravos como pelos peões

assalariados e limitavam-se unicamente a épocas esporádicas de rodeios, sendo

encarados, mais como jogos e diversões do que como tarefas de trabalho.

Saint-Hilaire outro viajante que percorre no Rio Grande do Sul, bem como

outras províncias brasileiras entre os anos de 1820 e 1821, onde após escreve sua

obra “Viagem ao Rio Grande do Sul”. Auguste de Saint-Hilaire, nasceu em Orléans,

França, em 4 de outubro de 1779. Adquiriu as primeiras noções de morfologia

vegetal na obra de Goethe. Especializou-se em botânica e lecionou em Paris no

Jardin du Roi, mais tarde Museu de História Natural. Entre 1816 e 1822, Saint-Hilaire

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percorreu os atuais estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito

Santo, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (1820-1821).

Já o viajante francês Louis - Fréderic Arséne Isabelle (1807-1888) veio para a

América do Sul pelo gosto de viajar e pelas suas tendências naturalistas. Fundou

indústria têxtil de seda em Buenos Aires, contudo sua indústria não teve sucesso,

por consequência percorreu a província do Rio Grande do Sul entre os anos de 1833

e 1834, resultando em um livro de relatos dos mais variados temas, desde o modo

de vida dos gaúchos até as diversidades de planas encontradas. Teve trágica morte

por suicídio após retornar a França.

Alexander Baguet viajante belga percorre o Rio Grande do sul em 1845, após

publica o livro “Viagem ao Rio Grande do Sul” (1874), onde aborda um pouco da

cultura do negro, tais como a dança e o canto.

Joseph Hörmeyer publicou a obra “O Rio Grande do sul de 1850: descrição

da Província do Rio Grande do Sul no Brasil Meridional” (1986) viajante austríaco

que percorre a província no ano de 1850. Sobre o Rio Grande do Sul, discorre sobre

o panorama geográfico, o clima a economia e a população da Província. Hörmeyer

constata a existência de negros de ganho nas ruas da cidade convivendo com os

homens brancos aponta para a necessidade de se reconhecer uma sociedade em

processo de constituição.

Avé-Lallemant trata-se de um outro viajante que após passagem pelo Rio

Grande do Sul pública o livro “Viajem pala Província do Rio Grande do Sul” (1858).

Constata que as extensas paisagens naturais e reduzidas populações urbanas

compunham um cenário obviamente favorável para a criação extensiva de gado,

portanto com menor utilização do trabalho do negro, cujas conseqüências sociais lhe

parecem não ter sido tão nefastas no Rio Grande do Sul, em comparação com

outras províncias essencialmente agrícolas. Essa visão “idealizada” da escravidão

na Província fora feita anteriormente pelo viajante francês Auguste de Saint-Hilaire

quando de sua passagem pela província entre 1820 e 1821.

No início do século XIX, o viajante Saint-Hilaire após passagem pela província

de Santa Catarina escreve “Viagem a Curitiba a Curitiba e a Província de Santa

Catarina” (1978), descreve a província catarinense como lugar muito pobre, pouco

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povoado, com uma ocupação litorânea, com economia de subsistência, baseada na

agricultura, sendo pouco utilizada a mão-de-obra escrava para o trabalho.

Nas obras dos referidos viajantes percebe-se diversos aspectos comuns entre

si, o que faz com que seus escritos sejam tratados como um tipo específico de

produção literária, sendo ela, a literatura de viajem. Tinham o hábito de anotar em

seus diários os diversos acontecimentos e reflexões sobre o Brasil, seja pelo gosto

de registrar o cotidiano ou pelo simples fato de deixar fatos para as futuras

gerações.

A literatura deixada pelos viajantes europeus sobre o Brasil constitui como

fonte importante para o estudo do país. Visto que estes relatos têm sido

constantemente editados e sua utilização é bastante utilizada pela historiografia

brasileira.

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3 IMPRESSÕES DOS VIAJANTES EUROPEUS SOBRE OS NEGROS RURAIS SUL BRASILEIROS

Procuraremos nestes próximos itens abordar as questões referentes aos

negros em meios rurais sul brasileiros, primeiramente analisando o Estado de Santa

Catarina e posteriormente o Estado do Rio Grande do Sul, mais especificamente em

São Francisco do Sul, Desterro, Rio Grande e do Rio Jacuí.

3.1 Passagem pelo Estado de Santa Catarina

Em Santa Catarina os viajantes europeus tiveram passagem pelas regiões de

São Francisco do Sul e Desterro. Nestas localidades fazem menção ao negro em

meio a sociedade rural.

Inicialmente o viajante Georg Heinrih Von Langsdorff teve passagem pela Ilha

de Santa Catarina em dezembro de 1803. Segundo ele, os negros que atuam na

lavoura executam os trabalhos mais pesados. Destaca que são infelizes devido a

maioria dos trabalhos forçados são eles que executam (Langsdorff apud Haro, 1812,

p. 166).

Também um dos primeiros viajantes pesquisados que teve passagem pela

Ilha de Santa Catarina em 1803, o qual faz menção da utilização da mão-de-obra do

negro, é Orly Lisiansky. Em seus relatos inicialmente que foi o território povoado

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pelos desertores de povoados vizinhos. Contudo sua população tem

consideravelmente aumentada, com a vinda de famílias européias. Segundo

estimativa do governo a população soma, no início do século XIX soma

aproximadamente 10.142 almas, das quais 4.000 são negras (Lisiansky apud Haro,

1814, p.152).

De acordo com Ilka Boaventura Leite (1996, p. 39), o embranquecimento,

mais que estatístico, procedia-se movido pelos pressupostos ideológicos que

necessitavam negar a presença do negro, para construírem o vazio a ser ocupado

pelos imigrantes. De certa forma este racismo cordial contribui para uma negação do

preconceito racial.

Já o viajante Georg Heinrih Von Langsdorff, que percorre o espaço no mesmo

período observa que apesar de tantas desgraças que os negros sofriam já pelo fato

de serem escravos, alguns poderiam ter a “sorte” de ser escravo de um patrão que

não fosse tão severo. Sobre isto a seguinte passagem evidencia:

A riqueza dos moradores daqui é avaliada, em geral, pelo número de escravos que eles possuem. Estes escravos podem se considerar felizes se acontecem cair em mãos humanas, pois existem também aqueles que vão parar em mãos de violentos patões! Aí são desumanamente mal tratados e acontece frequentemente que dentro destas criaturas é despertada a ânsia de liberdade e, as escondidas, fogem de seus cruéis senhores, refugiando-se nas montanhas afastadas, preferindo alimentar-se da caça, de ervas, raízes e frutos, do que servir a um tirano (Langsdorff apud Haro, 1814, p. 166).

Langsdorff informa que as costas brasileiras de uma maneira geral são pouco

povoadas. O aumento dos escravos de serviço seria um benefício e

consideravelmente um lucro para a população e para o cultivo da região. Segundo

ele por esse motivo o governo devia com inteligência, sugerir o bom tratamento a

estas pessoas (Langsdorff apud Haro, 1814, p. 166).

Louis-Charles-Adelaide Chamisso de Boncourt em sua passagem por Santa

Catarina observa o intenso tráfico de negros escravos que ocorria na época para a

substituição do trabalho indígena. Sobre isto destaca:

O tráfico de escravos ainda florescia aqui. Só o governo de Santa Catarina necessitada, anualmente, de uma quantidade de cinco a sete navios negreiros, cada um com uma média de cem negros, eram usados em substituição aos que morriam cada ano nos serviços da lavoura [...] A

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imagem desses escravos nos engenhos, onde descascam o arroz nos pilões de madeira com pesados soquetes, num trabalho que obedece a cadência peculiar de um gemido, é dolorosa e deprimente. Tais trabalhos na Europa são prestados pelo vento, pela água e pelo vapor (Chamisso apud Haro, 1821, p. 235).

No início do século XIX, o viajante Saint-Hilaire, que também percorreu o

território da província de Santa Catarina, descreve-a como lugar muito pobre, pouco

povoado, com uma ocupação litorânea e com economia de subsistência baseada na

agricultura. O comércio desenvolvido estendia-se somente às províncias vizinhas

com o Rio de Janeiro e isto em pequena escala. Ao visitar São Francisco do Sul,

localizada ao norte da província, descreveu uma paisagem não muito diferente. Isto

é, um lugar de casas bem conservadas, ruas largas e com algumas calçadas, boa

água, boas casas de comércio, mas a uma agricultura era pouco desenvolvida.

Saint-Hilaire (1978) mais precisamente no que diz respeito a Ilha de São

Francisco, menciona informações sobre a população escrava:

[...] dos 1.057 escravos existentes na Ilha de São Francisco em 1840, 591 pertenciam ao sexo masculino, do quais 193 eram casados, Essa proporção parecerá, sem dúvida, bem significante; não bastante, estava longe de ser alcançada por qualquer outra paróquia da província. No período em questão havia um único escravo casado na Paróquia de Santa Catarina, e, no entanto os do sexo masculino somavam 1.090. Uma diferença tão grande é por demais honrosa aos habitantes de São Francisco (Saint-Hilaire, 1978, p. 147).

Em relação às outras províncias Silvio Coelho dos Santos (1977, p.65)

destaca que Santa Catarina contava com um pequeno contingente de escravos, o

mesmo Saint-Hilaire registrou uma população na razão de um escravo para cinco

livres, destacava como principal fator à pobreza dos catarinenses. Outra

característica da população cativa de Santa Catarina era o reduzido número de

africanos que desembarcava em seus portos, sendo assim definida como crioula.

Em decorrência de uma economia destinada a atender o mercado europeu,

conquequentemente não surgiu nenhum grande mercado de escravos. Em

decorrência disto a maior parte dos escravos que veio para Santa Catarina, já eram

nascidos no Brasil.

Em Desterro, segundo Joana Pedro et al (1988, p.23-24) era a pobreza do

senhor que limitava o número de escravos que ele poderia adquirir. Sendo assim, os

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que possuem poucos escravos não pode se dar ao luxo de estabelecer diferenças

de tratamento dado ao escravo do eito e ao escravo doméstico. Sobre isto Saint-

Hilaire destaca:

Em Desterro, o mesmo que o escravo que porventura trabalhasse na lavoura ou em alguma atividade urbana, auxiliava também nas atividades domésticas, ou, então era nelas substituído pela mulher e filhas do proprietário (Saint-Hilaire, 1978, p. 147).

Fernando Henrique Cardoso (1977, p. 149), afirma que como muitas vezes, o

escravo trabalhava lado a lado com o proprietário. Diante disto a tendência para que

as diferenças sociais se apresentassem bem demarcadas entre livres (brancos) e

não-livres (negros) era muito forte, Joana Pedro et al (1988, p. 24), afirma que seria

devido à falta de recursos para adquirir o número de escravos suficientes, foi que o

branco pobre viu-se obrigado a trabalhar juntamente com o escravo de que era

proprietário. Nestas condições, os escravos concorriam com seus proprietários ou

trabalhadores pobres na prática de eventuais serviços e tarefas de subsistência.

Auguste de Saint-Hilaire observa em sua passagem por Santa Catarina em

1820, que há uma escassez de negros no campo. Seu relato neste sentido informa:

[...] Como os negros são raros, sobretudo no campo, e a população branca é pobre e numerosissíma, esta não acha que seja desonra cultivar a terra com as próprias mãos, e são os brancos que no Desterro exercem todos os misteres. Numa parte da Província de Minas, onde a brancura da pele estabeleceu uma espécie de nobreza, e onde os homens de cor são os que trabalham, constituem uma classe popular. Em Santa Catarina esta mesma classe se compõem de brancos (Saint- Hilarie 1978, p. 165).

Fernando Henrique Cardoso (1977, p. 69) demonstra que o setor agrícola da

economia foi quantitativamente o que mais absorveu a mão-de-obra escrava na Ilha

de Santa Catarina. Entretanto, é preciso considerar, por um lado, que a plantação da

mandioca e da cana de açúcar foi feita por agricultores, que também se utilizavam

da mão-de-obra escrava negra. Por outro lado, informa que na Ilha mesmo o

agricultor pobre comprava escravos. Saint-Hilaire (1978, p.146-147) em seus relatos

chama atenção que os lavradores pobres poupavam para adquirir escravos que

trabalhassem na lavoura, deixando a cargo de suas mulheres todo o peso do serviço

doméstico.

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Quanto o número de escravos utilizados na lavoura Fernando Henrique

Cardoso (1977, p. 71) menciona que não se tem um número específico. Contudo a

partir das evidências indiretas pode-se verificar que meados de 1872 houve procura

de escravos para a agricultura.

Segundo Saint-Hilaire (1978, p.146-162), a proporção do negro em relação a

população branca em 1820, é de um negro para cinco brancos. Em 1840, de um

negro para quatro vírgula quarenta e sete brancos. Na população negra, o número

de homens superava o de mulheres por causa da necessidade de braços para a

lavoura. Entre os mulatos o número de mulheres seria ainda menor entre os negros.

Fernando Henrique Cardoso (1977, p. 78) também informa que no início do

povoamento da Ilha existiram negros, mas representando uma população

relativamente pequena. O que se explica devido a própria organização, bem como

pelo ritmo de desenvolvimento da economia da região. O viajante Saint-Hilaire,

(1978, p. 146) que percorre o território em 1820, reparou que o número de escravos

era muito pequeno.

Constatamos neste capítulo, mesmo com a visão “europeizanda” dos

viajantes que percorreram o sul do Brasil deteram-se brevemente na questão da

população negra, contudo, mesmo em poucas passagens nos fazem menção que

houve presença da mão-de-obra negra e esta com a devida importância para o

desenvolvimento da sociedade rural sul brasileira.

3.2 Passagem pelo Estado do Rio Grande do Sul

Neste item abordamos os negros no meio rural rio-grandense vistos por

alguns viajantes que percorreram as regiões de Rio Grande e do Rio Jacuí.

Antes de darmos continuidade cabe ressaltar que estamos tratando dos

negros como indivíduo pertencente a um grupo étnico no sentido proposto por

Roberto Cardoso de Oliveira. Sobre isto temos:

[...] A etnia se atualiza num grupo „adjetivando-o‟ ou, em outras palavras, definindo-o, atribuindo-lhe tal qual identidade (ao grupo e, por conseguinte, aos seu membros), ela o faz na medida em que se constitui como um

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conjunto de atributos ideativos e valorizativos, impregnados de um „nós‟ que, em sua forma típica, resplandece em autolatria, concebendo-lhes igualmente autógeno e senhor de seu destino (Oliveira, 1976, p. 101).

Destacamos inicialmente as impressões da passagem do viajante Nicolau

Dreys em descrição sobre a população da província de São Pedro do Sul, descreve:

Como em todas as mais partes das duas Américas, a população da província do Rio Grande de São Pedro do Sul se divide em duas secções distintas: a população livre, predominante pelo número e pela perfeição intelectual, e a população escrava, composta de Africanos proletários e trabalhadores, ou de seus descendentes na mesma condição social. A população livre admite ainda outra subdivisão: uma, dos indivíduos em que circula o sangue europeu, seja qual for o canto do velho hemisfério que os vira nascer a eles ou os seus pais; a outra, dos homens de quem a terra do novo mundo é a pátria primordial, isto é, dos indígenas (Dreys, 1961, p. 145).

Nicolau Dreys (1961, p. 109-122) discorda das más condições de existências

do cativo, apoiado no fato de ter residido em charqueadas e em estâncias e ter sido

proprietário de cativos. O referido viajante informa Nicolau Dreys propõe que jamais

vira no Rio Grande do Sul os escravos nem mais viciosos, nem mais maltratados

que nas outras partes da América. Afirma que o cativo tinha pouco que fazer nas

estâncias e que nas charqueadas, mesmo sendo o trabalho mais exigente, não era

pesado.

Dreys relata que os negros eram bem alimentados, bem vestidos e bem

tratados, sendo obrigados apenas a um serviço usual ao bom comportamento.

Compartindo as visões racistas e escravistas, defende que a escravidão era

necessária para que o negro não se entregasse às misérias e aos vícios. Defende

que o cativo se submetia sem problemas a escravidão na África, mas se rebelava

em todas as demais partes do mundo. Contraditoriamente, destaca que ser soldado

talvez fosse a única profissão para qual o negro seria naturalmente próprio. Em

linguagem semi-cifrada, refere-se às tentativas e perigos de revoltas servis (Dreys,

1961, p.129).

A presença da participação do negro no trabalho escravo evidencia-se nas

observações de Nicolau Dreys. Em suas narrativas sobre escravidão no Rio Grande

do Sul as referências são as melhores possíveis:

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Os negros do Rio Grande não estão numa posição excepcional senão porque pertencem às estâncias e às charqueadas; os negros domésticos são os mesmos em todas as partes: ora, nas estâncias, pouco tem que fazer o negro, exceto na ocasião rara dos rodeios; nas charqueadas, o trabalho é mais exigente, sem ser nem pesado nem excessivo [...] (Dreys, 1961, p. 128).

O referido viajante também menciona a utilização regular de negros nas

estâncias:

A estância é servida ordinariamente por capataz e por peões, debaixo da direção daquele, as vezes os peões são negros escravos... sua ocupação consiste em velar sobre os animais, conte-los nos limites da estância, reuni-los quando he mister (Dreys, 1961, p. 142).

Em relação ao negro escravo, Dreys identifica uma dualidade de tratamento:

os escravos das charqueadas são tratados com muito rigor e severidade pelos

patrões; já os escravos das estâncias recebem um tratamento mais brando, se

comparado com os dados sobre outras províncias do país. Em outra passagem, o

autor manifesta que não deve haver outro lugar no Brasil onde os negros sejam mais

felizes, pois há menor afastamento entre o senhor e o escravo, que come carne a

vontade, a exemplo do senhor, nunca anda a pé, galopa pelo campo, o que constitui

atividade mais prazerosa que fatigante e o faz sentir, em relação aos animais que o

cercam, uma superioridade que o consola da baixeza da condição e o eleva aos

seus próprios olhos.

Entretanto, apesar de seu caráter ideológico, a informação concedida por

Dreys não deixava dúvidas sobre a contribuição do indígena, do gaúcho e do

escravo negro à sociedade sulina, embora o francês, como era normal na época e

durante todo o Império, considerasse como rio-grandenses apenas os homens livres

da província.

Dreys apresenta em seus relatos que o negro era aquele que precisava ser

cuidado, o imaturo, aquele que precisava da escravidão para viver, pois o “vago

desejo de liberdade, de liberdade nominal, pois que, saindo do cativeiro dos

brancos, caem no cativeiro mais duro das misérias e dos vícios” (Dreys, 1961, p.

168).

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Já para o viajante Saint-Hilaire os negros, raça tão distante da branca, seriam,

entretanto superiores aos índios. Dizia que o seu juízo não é tão bem formado

quanto os brancos (Saint-Hilaire, 1974, p.164).

Para estes europeus, o mestiço incorporava as qualidades inferiores das

raças dos progenitores observa-se quando faz a seguinte indagação: “mas repito,

essas misturas farão a Capitania do Rio Grande perder a sua maior vantagem: a de

possuir uma população sem mescla” (Saint-Hilaire, 1974, p.109).

“Os negros são naturalmente pouco ativos; quando livres só trabalham o

suficiente para não morrerem de fome [...]”. Relacionando certamente as condições

de existência dos cativos pastoris com os trabalhadores das fazendas e minas,

propôs que não haveria lugar onde os escravos fossem mais felizes do que no Sul.

Para ele, os senhores trabalhariam tanto quanto os escravos manteriam-se próximos

deles e os tratariam com menos desprezo. O escravo comeria carne à vontade, não

andaria a pé e sua ocupação seria galopar pelos campos, coisa mais sadia que

fatigante (Saint-Hilaire, 1974, p. 80-47).

Na referência que segue evidencia-se o caráter bastante racista de Saint-

Hilaire no que diz respeito ao negro:

[...] em Viagem ao Rio Grande do Sul: Afirmei que nesta capitania os negros são tratados com bondade e que os brancos com eles se familiarizam mais que em outros pontos do país. Referia-me aos escravos das estâncias, que são em pequeno número, nas charqueadas a coisa muda de figura, porque sendo os negros em grande número e cheios de vícios, trazidos da Capital, torna-se necessário tratá-los com mais energia (Saint-Hilaire, 1999, p.73).

Conforme Giralda Seyferth, a menção à cor branca, à aparência européia, é

por si mesma significativa, pois as primeiras classificações raciais produzidas nos

meios científicos europeus tinham por base uma divisão geográfica e/ou a variação

da cor da pele. Podemos constatar que a noção hierárquica de civilização estava por

trás de certos desideratos biológicos, fazendo da cor branca um indicador de

superioridade, mesmo na ausência de um discurso explicitamente racista (Seyferth,

2002, p.119).

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Para Roberto Cardoso de Oliveira (1976, p. 86) distinguir a etnicidade como

uma construção de fenômenos de percepção ou cognitivos de um lado e, de outro, o

grupo étnico como uma construção de fenômenos de comportamento.

Porém, afirma Fernando Henrique Cardoso (1977), baseado em relatos de

viajantes que passaram pela região, em especial do naturalista Saint-Hilaire, que

haviam escravos negros nos trabalhos nas estâncias, segundo ele tanto nos

trabalhos campeiros como nos afazeres domésticos, e suas relações eram

praticamente as mesmas, vistas nos sistemas escravocrata de outras regiões

brasileiras:

Nas estâncias assim organizadas havia o problema da mão-de-obra. Os autores afirmam, em geral, que se utilizava mão-de-obra livre. Não creio, firmado na documentação coeva, que a utilização do escravo nas fazendas de criação tenha sido tão restrita quanto se supõe. Os depoimentos de Saint-Hilaire sobre a presença de negros na atividade criatória são constantes (Cardoso, 1977, p. 63).

Na produção de charque Saint-Hilaire nos coloca que “não possui um número

de escravos importados para sua exploração, mas sabe-se pelas estatísticas

demográficas que nas áreas das charqueadas a população escrava era

considerável. Cada charqueada ocupava em média 80 escravos” (Saint-Hilaire 1974,

p.27).

Saint-Hilaire (1974, p. 73) corrigiu, vivamente, a avaliação positiva sobre a

escravidão sulina ao conhecer as charqueadas, onde os cativos eram tratados com

rudeza, o que se deveria, entretanto, segundo ele, ao fato de os negros serem em

grande número e cheios de vícios.

As observações de Arséne Isabelle, em “Viagem ao Rio Grande do Sul

(1983)”, explicitam bem o preconceito, a crueldade, a violência com que os escravos

africanos foram tratados no Brasil. Este francês observou que a condição escrava

era determinante no tratamento dispensado aos cativos. Eles eram instrumentos de

trabalho e, logo, não possuidores de inteligência, essa uma característica humana.

Assim pode-se exemplificar o aspecto utilitarista do racionalismo moderno, também

conduz a uma visão do escravo como um ser não-igual. Em uma passagem Isabelle

escreveu:

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Aqui como em todas as antigas possessões espanholas e portuguesas, os negros e mulatos são operários, quer dizer homens laboriosos, trabalhadores, aqueles que têm necessidade de exercitar a sua inteligência, mas têm a desgraça de ser escravos e, sobretudo, de ser negro. Estes são necessariamente brutos, vis usurpadores do nome de homens, no entanto, esses brutos, asseguram a subsistência e todas as alegrias da vida aos seus preguiçosos senhores (Isabelle, 1983, p.68).

Sobre os escravos da província do Rio Grande, Isabelle faz poucos

comentários. Segundo ele, há negros trabalhadores que vivem entre os brancos,

diferente do que ocorre na Argentina e na Banda Oriental, no Brasil estes estão

condenados aos mandos e aos maus tratos de seus senhores que ainda praticam o

tráfico e segundo ele, os homens que se dizem civilizados estão longe de ser. A

rudez dos senhores com seus escravos deixa Arséne Isabelle intrigado, porque os

maus tratos e a indiferença são à base dessa relação. Relatando que os castigos

acompanhados de açoites passam a ser um espetáculo para os senhores e os não

escravos:

[...] o senhor e a senhora vem com grande alegria no coração, para ver como são os flagelos até verterem sangue [...] Feliz ainda o desgraçado negro, se seu senhor ou sua senhora não tomam eles mesmo, uma corda, relho, pau ou barra de ferro e não batem com furor brutal, no corpo do escravo, até que pedaços solto da pele deixem correr sangue sobre seu corpo inanimado. Porque geralmente se carrega o negro sem sentido para curar seus ferimentos; sabeis com que? Com sal e pimenta, sem dar-lhe mais cuidado do que o que se presta a um animal, atacados de feridas, e que se quer preservar dos vermes. [...] Um negro condenado a duzentos, quinhentas, mil, seis mil fustigadas de relho (Isabelle, 1983, p. 68-69).

Embora em várias passagens de Isabelle demonstre sua indignação diante

das relações de escravidão, destacando o modo violento e desumano como os

escravos são tratados, a descrição do escravo revela um entendimento racional de

inferioridade dos não-europeus. Neste sentido, destaca-se que “infelizmente, porém,

não passam de escravos e, sobretudo, de negros! São totalmente uns brutos, uns

vis usurpadores do nome de homens” (Isabelle, 1949, p. 282).

Um ponto importante sobre o qual se deve refletir baseados nos relatos de

Isabelle é o fato de quando se considera uma cultura como um sistema fechado,

sem dinamicidade, isento de transformações, é considerado que ela pode ser

perdida, conseqüentemente a diversidade cultural não existiria. Em relação a esta

discussão Manuela Carneiro da Cunha nos lembra o seguinte:

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A cultura original de um grupo étnico, na diáspora ou em situações de intenso contato, não se perde ou se funde simplesmente, mas adquire uma nova função essencial e que se acresce às outras, enquanto se torna cultura de contraste: este novo princípio que a subtende, a do contraste, determina vários processos (Cunha, 1986, p. 99).

Baguet em viagem pelo rio Jacuí, ao contrário do que observará Isabelle,

chamou à atenção do viajante os negros escravos ao invés do rio como uma

importante rota econômica. Baguet observa o trabalho dos cativos e opina sobre

suas manifestações culturais que só ocorrem em momentos de pausa do extenuante

trabalho.

Enquanto tomamos nossa refeição, acocorados sobre couros de boi, os negros nos distraem com um cato melancólico e monótono no idioma africano. Após o canto eles colocam-se em círculo; dois deles executam uma dança grotesca, acompanhada de contorções, cambalhotas e estalos da língua ao som da marimba, enquanto o resto do grupo bate o compasso com as mãos. Aos poucos, o movimento se torna mais animado, a dança mais rápida e logo todo o bando toma parte, emitindo gritos e vociferações selvagens: um verdadeiro sabá (Baguet, 1997, p.43-44).

Baseado nas descrições acima feitas pelo viajante Alexandre Baguet, leva-se

em consideração o que Frederik Barth diz a respeito de grupos étnicos, considera-os

como uma organização social, onde se encontram características de auto-atribuição

ou da atribuição por outros a uma categoria étnica.

Uma atribuição categórica é uma atribuição étnica quanto classifica uma pessoa em termos de sua identidade básica mais geral, presumivelmente determinada por sua origem e seu meio ambiente. Na medida em que os atores usam identidades étnicas para categorizar a si mesmos e outros, com objetivos de interação, eles formam grupos étnicos neste sentido organizacional (Barth, 1998, p. 193-194).

Segundo Barth (1998), é só encontrar uma pessoa de outra cultura, mesmo

sendo do próprio país, para que a fronteira étnica seja suscitada. Deste modo, deve-

se estudar as interações e seus resultados no confronto dinâmico de suas fronteiras

étnicas.

Já o viajante Hörmeyer em sua passagem em 1850 pelo Rio Grande do Sul,

descreve que o negro era bem tratado no que se refere a sua alimentação. Contudo,

se eles estariam felizes, não estariam buscando continuamente formas de resistirem

a seus senhores. Sobre isto Hörmeyer destaca:

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Os escravos recebem, três vezes por dia, comida quente, em geral feijão preto, carne fresca ou charque, farinha e, várias vezes, café, frutas de toda espécie, e são, em geral, bem vestidos. O serviço ordinário é, no interior, o de peões (pastores, carniceiros) e trabalhadores na roça, assim como de marinheiro nos rios e lagos (Hörmeyer, 1986, p. 78).

Percebe-se que Hörmeyer via como justa a condição empregada ao escravo,

e que os castigos não passavam simplesmente de formas para corrigi-los:

Também os castigos duros não são convenientes diante da obstinação dos negros, porque então eles se tornam, muitas vezes, incorrigíveis, sendo o dono obrigado a vendê-lo, rapidamente e com prejuízo, para que esta ovelha sarnosa não contamine apenas escravos que, ou por bancarrota ou divisão de herança, são levados a leilão ou oferecidos publicamente pelas razões acima mencionadas (Hörmeyer, 1986, p. 78).

Nos relatos destes viajantes há uma mescla de opiniões sobre a condição

escrava, contudo todos fazem menção a boa alimentação que os senhores

ofereciam a seus escravos. Tanto para Dreys, Saint-Hilaire e Hörmeyer a condição

empregada ao cativo era justa e esta muitas vezes feita para recriminar o escravo

como forma de o senhor obter “respeito” e, assim servindo de exemplo para que os

outros não se desvirtuem.

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4 IMPRESSÕES DOS VIAJANTES EUROPEUS SOBRE OS NEGROS URBANOS SUL BRASILEIROS

O negro urbano não foi menos importante que o negro rural para a formação

da economia sul brasileira, os negros das cidades também despertaram atenção

viajantes estrangeiros que percorreram o Brasil no século XIX.

Segundo Kátia M. de Queirós Mattoso (1982, p. 110), “a bem dizer, o Brasil

dos séculos XVII, XVIII e XIX é pouco urbanizado. Por volta de 1820, apenas 7 % da

população brasileira vive na cidade e esses núcleos urbanos são quase todos

voltados para o mar”.

Dentre as cidades mencionadas pelos viajantes que estamos trabalhando os

quais estiveram durante o século XIX no Sul do Brasil, apontamos Desterro, Rio

Grande, Porto Alegre, Rio Grande e São Leopoldo.

4.1 Passagem pelo Estado de Santa Catarina

Poucas informações são mencionadas pelos viajantes estrangeiros no que diz

respeito as negros em meios urbanos em Santa Catarina. Os relatos mencionam

negro doméstico, os negros que estavam postos a venda em meio as ruas em

condições desumanas. Em vista disso muitos dos negros acabavam fugindo partindo

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para uma vida que para eles, sem dúvida era melhor do que ficar em uma vida de

castigo, sem poderem ser considerados como um ser humano.

O viajante Georg Heinrih Von Langsdorff em seus relatos de 1803 demonstra

que não estava acostumado a ver tantos cativos a sua volta em passagem pela Ilha

de Santa Catarina. Relata ainda que estes cativos eram postos a venda, como se

fosse simplesmente mais um produto para o comércio. A este respeito escreve:

A quantia de escravos negros de ambos os sexos que se vêem aqui é estranha aos olhos desacostumados de um europeu qualquer. Despertou-me uma revolta especial quando vim pela primeira vez a Nossa Senhora do Desterro e vi grande número dessas criaturas abandonadas, nuas, deitadas frente as portas de ruas laterais e oferecias a venda. Apenas as regiões púbias estavam cobertas com um velho pano rasgado que após alguns dias eram substituídos por um grosseiro tecido azulado (Langsdorff apud Haro, 1814, p. 165).

Langsdorff também contribui narrando de como era utilizada a força do

escravo tal como a aquisição para a utilização de seu trabalho. Sobre estas

questões, destaca a respeito de como “essas pessoas fazem explorações, como se

fossem mercadorias e alcançam melhor preço, conforme forem velhos ou jovens,

fracos ou fortes, sãos ou doentios, de sexo feminino ou masculino” (Langsdorff apud

Haro, 1814, p. 166).

Os negros urbanos possuíam poucos privilégios de acordo Kátia Mattoso, os

quais ficam explicitados nas seguintes colocações.

Os privilégios de que gozam os escravos da cidade parecem ser os mesmos dos escravos domésticos. Falou-se muito que os senhores escolhiam para seu serviço pessoal os escravos próximos do modelo branco, os nascidos no Brasil, por vezes na própria família do proprietário, nela nascidos e educados, os criados, vale dizer, literalmente “criados” e moldados na casa grande. Quando se trata de vendê-los, os senhores não economizam elogios as suas qualidades e os periódicos os descrevem em seus anúncios como indivíduos estimáveis e capazes (Mattoso, 1982, p. 111).

Outro viajante que descreve a respeito do negro ser tratado como mercadoria

é Louis-Charles-Adelaide Chamisso de Boncourt que no ano 1815 esteve na Ilha.

Sua visão é bastante parecida com a do viajante Langsdorff.

O preço de um homem, na flor da idade, comportava entre 200 a 300 piastras. A mulher tinha menor valor. Parecia mais vantajoso e era preferível, consumir o mais rápido a força de cada criatura para substituí-lo

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logo por nova compra, do que te-la em casa por muito tempo (Chamisso apud Haro, 1821, p. 235).

Na passagem do viajante Chamisso por Santa Catarina percebe que os

escravos que estão nas casas dos senhores ou mesmo junto as famílias mais

modestas, tem melhor aspecto humano que os usados como unicamente como força

motora (Chamisso apud Haro, 1821, p. 235).

Saint-Hilairie é também um viajante que praticamente não faz menção da

utilização da mão-de-obra do negro em meio urbano em Santa Catarina. Em sua

obra “Viagem a Curitiba e a Província de Santa Catarina” (1978) contempla somente

alguns apontamentos mais propriamente sobre Desterro. Sobre isto destaca que “o

escravo que por ventura trabalhasse na lavoura ou em alguma atividade urbana,

auxiliava, também nas tarefas domésticas, ou então, era nelas substituído pela

mulher e filhas do proprietário” (Saint-Hilaire, 1978, p. 147).

Percebe-se, no entanto que o escravo urbano em Santa Catarina era utilizado

nos afazeres domésticos, nos serviços braçais, contudo mesmo com tão pouca

menção dos viajantes, autores como Fernando Henrique Cardoso nos coloca em

números a capital catarinense sempre obteve uma concentração maior de escravos.

Em 1810 a Freguesia do Ribeirão chegou a apresentar taxas percentuais superiores

às apresentadas na Capital.

[...] A maior parte dos escravos da Ilha de Santa Catarina concentrava-se na Freguesia da Capital, o que é facilmente compreensível quando temos presente a intensidade da exploração do braço escravo nos serviços domésticos. Apenas uma das freguesias apresentava uma taxa maior de escravos do que Desterro, a Freguesia de Nossa Senhora da Lapa do Ribeirão. Este fato se explica pela existência de uma armação, a da Lagoinha, nessa área, segundo dados de 1810, quando ainda havia a pesca da baleia [...] (Cardoso, 2000, p. 134-135).

Conforme João José Reis nas cidades desenvolveu-se outro tipo de trabalho.

Nas cidades desenvolveu-se um sistema peculiar de trabalho escravo ao ganho, abrangendo sobretudo os serviços de transporte de cargas e pessoas (em cadeiras de arruar), mas também o pequeno comércio ambulantes, nos ofícios manuais e, é claro, o serviço doméstico, um setor numeroso e ocupado principalmente por escravas (Reis, 1941, p. 244).

Segundo Walter Fernando Piazza (1975), o censo de 1872 registrou 3.360

escravos na Ilha de Santa Catarina. Esses escravos eram essenciais por

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executarem uma série de atividades nas zonas tanto rural quanto urbana, tais como:

carregar mercadorias, serviços domésticos, na agricultura, na pesca da baleia e na

produção de óleo, enfim, eles executavam todas as tarefas que os brancos achavam

subalternas e destinadas aos níveis inferiores da sociedade.

4.2 Passagem pelo Estado Rio Grande do Sul

Analisando os centros urbanos no Rio Grande do Sul se evidencia o contraste

de situações socioeconômicas, traduzidas pelas atividades e aparência das casas

comerciais, das moradias e das ruas. Segundo Saint-Hilaire presença de negros que

se dedicam a um comércio pouco significativo, contrasta com uma população de

homens brancos, fortes, bonitos e bem vestidos, que se dedica a um rico comércio

ou a funções administrativas. Isto releva uma “segregação espacial e social”, que é

posta à mostra em Rio Grande e em Porto Alegre.

Quando se trata de etnicidade deve-se ter em mente o que diz Roberto

Cardoso de Oliveira (1976, p. 87). Isto é, a “questão do lugar para considerar a

discrepância que envolve o comportamento diferencial das mesmas categorias

étnicas inseridas em contextos diversos, cada cidade apresenta naturalmente, um

contexto étnico demográfico diferente”.

Conforme Kátia Mattoso, a vida dos escravos nos centros urbanos era

diferente da vida no campo.

No Brasil, o enquadramento dos escravos urbanos não se aparece aos dos escravos do campo. A obediência não é praticada de maneira idêntica no campo, na cidade, na mina. As servidões de um escravo tropeiro não são as mesmas de um doméstico, um artesão, um lavrador (Mattoso, 1982, p. 107).

As observações de Arséne Isabelle, viajante europeu que teve passagem pelo

Rio Grande do Sul entre os anos de 1833 e 1834, explicita bem o preconceito, a

crueldade e a violência simbólica ou não com que os escravos africanos foram

tratados no Brasil. O viajante observou que a condição escrava era determinante no

tratamento dispensado aos cativos. Eles eram instrumentos de trabalho e, logo, não

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possuidores de inteligência, essa uma característica humana. Em uma passagem

Isabelle escreve:

Aqui como em todas as antigas possessões espanholas e portuguesas, os negros e mulatos são operários, quer dizer homens laboriosos, trabalhadores, aqueles que têm necessidade de exercitar a sua inteligência, mas têm a desgraça de ser escravos e, sobretudo, de ser negro. Estes são necessariamente brutos, vis usurpadores do nome de homens, no entanto, esses brutos, asseguram a subsistência e todas as alegrias da vida aos seus preguiçosos senhores (Isabelle, 1983, p.68).

Descrevendo sobre o tratamento dispensado pelos senhores de escravos aos

cativos na cidade de Porto Alegre, percebe-se o quão preconceituosa era sua visão

para com o negro. Estes indivíduos são comparados a animais, conforme a cena

relatada:

Cada dia, das sete às oito horas da manhã, pode-se assistir, em Porto Alegre, a um drama sangrento. Ponto de reunião – a praia, ao lado do Arsenal; de fronte de uma igreja, diante do instrumento de suplício de um divino legislador; vereis uma coluna erguida num maciço de alvenaria e ao pé uma massa informe, alguma coisa certamente pertencente ao reino animal, mas que não podeis classificar entre bichanos e bípedes [...] é um negro! [...] Um negro condenado a duzentas, quinhentas, mil, seis mil fustigadas de relho! Passai, retirai-vos dessa cena de desolação; o infortunado tem apenas membros mutilados, que mal se reconhecem, sob os farrapos ensangüentados de sua pele murcha (Isabelle, 1983, p. 69).

Sobre o trabalho dos cativos, Arséne Isabelle (1983, p.61) registra que os “Os

fardos, por pesados que sejam são transportados pelos negros para o pátio da

alfândega para serem vistoriados; dali, outros negros (porque a raça africana

desempenha no Brasil a profissão de cavalos e mulas) os transportam para o seu

respectivo destino”.

Percebe-se que Isabelle, era um viajante que não concordava com a condição

imposta aos cativos. Isto porque em suas falas que seguem, aparece explicitamente

sua aversão a crueldade que foi imposta ao negro.

Eu que vi negros livres, trabalhadores, fazendo viver os brancos, na categoria de homens, na república Argentina e Banda Oriental, peço me seja permitido achar sua sorte deplorável no Brasil e revelar a infâmia dos europeus que não têm vergonha de lavar a imoralidade a ponto de fazer ainda clandestinamente o comércio de carne humana (Isabelle, 1983, p. 61-62).

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No entender de Arséne Isabelle o fim da escravidão, era uma questão de

tempo, percebeu a insatisfação que pela transparecia na vivencia com os negros:

Admiram-se como os negros não se revoltam contra os brancos! Observa-se que os legisladores das colônias modernas empregam, para defender o tratamento dos negros, os mesmos sofismas que eles combatem, quando dos turcos querem legitimar o cativeiro dos brancos, mas todos esses sofismas cairão por serem absurdos [...] A aristocracia da pele cairá como todas as outras aristocracias! Demos tempo ao tempo! (Isabelle, 1983, p. 69).

Nos relatos acima do viajante Arséne Isabelle, podemos perceber uma noção

do quão importante é a convivência com outros grupos. No entender de Manoela

Carneiro e Cunha, é convivendo e mantendo relações constantes com outros grupos

que os negros possam se firmar ainda mais como grupo étnico, que escolham seus

traços para legitimar sua identidade e que para que seus membros tenham o

sentimento de pertença.

[...] a escolha dos tipos de traços culturais que irão garantir a distinção do grupo enquanto tal depende dos outros grupos em presença e da sociedade em que se acham inseridos, já que os sinais diacríticos devem se opor, por definição, a outros do mesmo tipo. (Cunha, 1986, p. 100).

Já a leitura que o viajante Joseph Hörmeyer faz do negro em sua passagem

na Província de São Pedro em 1850, é de extrema valorização da imigração

européia, especialmente a alemã, porque o foco privilegiado do seu interesse.

Percebe que o imigrante é posto em oposição aos negros e índios devido aos seus

atributos. O estrangeiro é definido como empreendedor, racional e habilidoso,

enquanto os índios e os negros são definidos pela sua pouca vontade de trabalhar,

pela sua inércia, sonolência, preguiça e displicência. Neste sentido destaca:

Hörmeyer faz alguns apontamentos no que diz respeito a rotina do escravo

em meio ao centro urbano.

Nas cidades, de artesãos ou carregadores. As escravas são empregadas, costumeiramente, como lavadeiras, vendedoras de frutas e em atividades semelhantes. Normalmente, o dono dá a seu escravo permissão para trabalhar na cidade por dinheiro; contudo, o mesmo deve entre entregar-lhe, cada tarde, uma meia pataca, (8 a 12 Groschoen de prata); quando, porém, volta a fazer refeições em casa, deve entregar, geralmente duas patacas (16 Groschoen de prata) (Hörmeyer, 1986, p. 78).

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Robert Avé-Lallemant (1980, p. 257), observa que nas cidades, as atividades

domésticas e também o artesanato, contavam com o aproveitamento regular da mão

-de -obra escrava negra. Sobre a utilização do escravo doméstico não se ateve

muito, mas é possível perceber que sul em nada diferiu do resto do Brasil. Assim

declara Avé-Lallemant em sua passagem pela Província de Rio Grande.

Entretanto, prosperam com felicidade a Província do Rio Grande e sua população. Pode estimar-se o número de habitantes em 300.000. Destes, menos de 200.000, sem acepção do cor, tem direitos de cidadãos livres; menos de 100.000 são escravos. Os restantes são estrangeiros, dos quais só alemães devem haver de 25 a 30 mil indivíduos. Nessa avaliação um tanto vaga do número de escravos, devo estimá-los antes em menos do que em mais. É precisamente isso um dos mais felizes fatores do desenvolvimento da província, que já se está realizando e se espera ainda mais, e é que o veneno da escravidão negra nela não penetra tão profundamente como no Brasil do centro e mesmo do norte. Esse pequeno número de escravos seja causa ou conseqüência das particularidades da vida da Província está exatamente ligado ao predomínio da criação de gado sobre a agricultura (Avé-Lallemant, 1980, p. 356).

No livro de Avé-Lallemant encontra-se inúmeras observações e comentários,

não só sobre aspectos botânicos da cidade Porto Alegre mas também sobre hábitos

e costumes, aspectos socioculturais, políticos e econômicos da época. Tais

observações quase sempre são complementadas por comparações aos costumes

europeus e por isto, marcadas por uma retórica eurocêntrica. É o que constatam

Leite, Mott e Appenzeller (1993, p.15) ao afirmarem que os viajantes observaram,

descreveram e classificaram o mundo social, refletindo, por comparação, com a

Europa a vida cotidiana do grupo visitado.

No discurso de Avé-Lallemant transparece a influência do conceito de raça na

leitura que faz da população brasileira. Em vista disto observamos:

Como em todas as cidades do império, a população brasileira não tem expressão nacional, não possui coloração determinada. Vêem-se contudo, certamente, muito menos negros, relativamente ao número de habitantes, do que no Rio de Janeiro. Ao contrário, parece apagar-se o elemento índio. Mas indubitavelmente a população do Porto Alegre tem mais aparência européia do que aparenta a primeira vista; e esses matizes raciais despertam mais atenção do entendido que a do leigo (Avé-Lallemant, 1980, p. 143).

Conforme João José Reis o negro foi importante e influenciou em diversas

partes da sociedade urbana sul brasileira.

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Tanto no campo como na cidade era grande o número de pequenos escravistas, donos de um, dois, três escravos, trabalhadores na pequena lavoura, nos serviços de rua ou na casa. Por todas estas características, os escravos marcaram em profundidade os costumes, o imaginário, a cultura e até, através de uma intensa miscigenação, o próprio perfil étnico-racial de nossa população (Reis, 1941, p. 244).

Robert Avé-Lallemant revela ainda suas idéias etnocêntricas quando chega à

colônia de São Leopoldo, comparando-a com sua pátria no norte. A vida e a

atividade à maneira alemã enchem-no de orgulho, afirma que seu coração dispara

ao se defrontar com uma genuína casa de colonos, onde “graciosas crianças louras”

brincam diante da porta e quando escuta o cumprimento.

Fernando Henrique Cardoso (1977, p.80) afirma que houve intensa utilização

da mão-de-obra escrava cativa na economia rio-grandense. O escravo negro tornou-

se peça essencial para a produção gaúcha, paralelamente, na economia urbana que

se formou como consequência da produção agrícola e criatória houve o

aproveitamento regular do trabalho escravo. O artesanato e os serviços econômicos

urbanos mantiveram-se, até o terceiro quartel do século dezenove, graças ao

emprego da mão-de-obra escrava.

O viajante Nicolau Dreys que teve no Rio Grande do Sul por volta de 1815,

possuía escravos e para ele a manutenção e a legitimação da escravidão eram

fundamentais, sendo que na cidade de Porto Alegre estabeleceu comércio entre os

anos de 1815 e 1817. No entender de Nicolau Dreys o escravo era um ser não-igual,

conforme evidencia no seguinte trecho:

Os negros trabalhadores dos estabelecimentos industriais do Rio Grande recebem abundância de mantimentos, estão bem vestidos conforme a exigência de estação, bem tratados nas suas doenças e é isso justamente o que quer o negro, em compensação, o senhor não lhe pede senão um serviço usual e bom comportamento e quando se desviam dessas obrigações, vem o castigo, que é também uma das precisões do negro. [...] seguiu-se a introdução, na opinião pública, de duas conseqüências errôneas a saber: que a população negra no Rio Grande era moralmente péssima, e que também era péssima a condição dos escravos naquela província [...] nunca vimos no Rio Grande os escravos nem mais viçosos, nem mais maltratados que nas outras partes da América (Dreys, 1961, p. 167).

Observa-se que europeus aparecem como um modelo de vida racional,

enquanto o negro, como desordenados. Percebe-se que nos relatos dos viajantes

sobre os estados sul brasileiros, tem função edificante de reafirmar a cultura

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européia. Entretanto, mesmo que os relatos contenham uma visão eurocêntrica, é

através dela que conseguimos mostrar que os negros estiveram sim presentes e que

também fizeram história.

Há necessidade de permanentemente, nos dimensionarmos para as inúmeras

contribuições do negro para a formação da história do país, e dos estados sul

brasileiros, de forma a preencher a lacuna historiográfica da participação do negro

enquanto sujeito atuante.

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5 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os relatos de viagem são fontes inesgotáveis de temas para trabalho. Por

estarem no Brasil a serviço da observação, estes viajantes nos legaram informações

interessantes e detalhadas da vida da população, dos costumes, dos hábitos, das

festas, dentre vários outros pontos. Deixaram também suas impressões, suas

críticas, que devem ser compreendidas dentro do contexto histórico em que estão

inseridos. Europeus em sua maioria levavam consigo a formação que tiveram em

seu país e o símbolo de civilidade e cultura deste. Ao se deparar com o

desconhecido, com o diferente se assustavam e muitas vezes faziam análises

rápidas e preconceituosas. Viajantes tais como Auguste de Saint-Hilaire, Nicolau

Dreys, Arséne Isabelle, Robert Avé-Lallemant, Joseph Hörmeyer, dentre vários

outros que foram citados no trabalho.

Nos capítulos desta pesquisa, passo-a-passo procuramos abordar os

objetivos, dos quais o principal era estudar a partir dos relatos de viajantes como

eram vistos os negros no sul do Brasil entre os anos de 1803 e 1887. Analisando as

percepções que tiveram em relação ao negro, procuramos identificar a partir dos

relatos demográficos no sul do Brasil, bem como sua relevância para a economia

local. A esse respeito contatamos que os negros tiveram muita importância na

economia local, participou no desenvolvimento das lavouras, das charqueadas, no

Estado do Rio Grande do Sul e da pesca no Estado de Santa Catarina, tais como,

em ambos os Estados foram escravos, sendo a sua mão de obra bastante

explorada.

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Procurou-se também demonstrar que os relatos de viajantes europeus

referente aos negros do sul do Brasil são de grande importância para o repensar da

história deste grupo étnico, visto que para Frederick Barth, “a melhor maneira de

utilizar o termo etnicidade é como um conceito de organização social, que permite

descrever as fronteiras e as relações dos grupos sociais em termos de contrastes

altamente seletivos, que são utilizados de forma emblemática para organizar as

identidades e as interações” (Barth, 1984, p.80).

Foi possível ainda observarmos que os negros eram vistos como parte

secundária da sociedade sul brasileira, embora para isto as poucas informações

deixadas pelos viajantes sobre o negro, se compararmos com outros aspectos

observados e narrados por eles. Isto, entretanto, não nos causa estranheza porque

como europeus, viam somente pelo filtro de sua cultura. Muitas vezes ironizando a

vida do escravo, os viajantes externizavam a visão de que os negros não mereciam

maior atenção em sua obra. Isto porque vários dos viajantes enxergavam o negro

como animais e não como seres humanos.

Viu-se também que para os viajantes, os imigrantes europeus eram mais

importantes que os negros no sul do Brasil, para eles o europeu era sinônimo de

força e inteligência. Contudo o que conta são as mais variadas etnias que compões

a sociedade, Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart dizem que a “etnia

corresponde a um quadro coletivo considerado específico das sociedades ou como

regras de um manual” (Poutignat apud Streiff-Fenart,1998, p. 83-84).

O que também podemos observar nos relatos dos viajantes contidos neste

estudo é que a escravidão no período assumiu caráter mais rural do que urbano,

onde a maioria dos escravos estavam ligados aos serviços agrícolas.

De acordo com a visão dos viajantes, o Brasil, como um todo, era motivo de

estranhamento. As diferentes regiões brasileiras eram vistas através do filtro de sua

própria cultura, eles escreveram crônicas sobre os aspectos vistos ou vividos,

bastante significativos para pensar o contexto do período. Esses relatos foram

muitas vezes desprezados pelos historiadores por não serem construídos

cientificamente, por não apresentarem provas documentais. Entretanto, nos últimos

anos, passou-se a valorizar estes depoimentos como testemunhos de época.

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Autores como Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart dizem que ao

levantar temas que dizem respeito a etnicidade não é uma tarefa fácil, pois vivemos

num processo de constantes mudanças, causadas pelas circunstâncias naturais e

pela interação social com outros grupos.

Estudar a etnicidade consiste, então, em inventariar o repertório das identidades disponíveis em uma situação plurétnica dada a descrever o campo de saliência dessas identidades nas diversas situações de contato. A análise situacional da etnicidade liga-se ao estudo da produção e da utilização das marcas, por meio das quais os membros das sociedades plurétnicas identificam-se e diferenciam-se, e ao estudo das escolhas e dos estragemas que acionam para safarem do jogo das relações étnicas (Poutignat apud Streiff-Fenart , 1998, p. 117).

Percebe-se claramente entre as diversas passagens dos viajantes pelo Rio

Grande do Sul e Santa Catarina, os que tiveram sua passagem pelo Rio Grande do

Sul fizeram mais menções do negro em centros urbanos em relação aos que

passaram por Santa Catarina. Contudo no meio rural são bastante mencionados

tanto em Santa Catarina quanto no Rio Grande do Sul.

Nos relatos dos viajantes pesquisados, percebe-se que de certa forma

buscavam justificar para negarem na Europa as notícias de maus tratos empregados

pelos senhores aos seus escravos, sobre isto muitas vezes a historiografia procura

retratar a benevolência e paciência dos senhores para com os negros que tanto

trabalho lhes dava. Na verdade, fundamentado no pensamento da época, acreditava

que os senhores faziam um favor em tirá-los de suas terras para trazê-los ao Brasil.

Percebemos também que nos registros dos viajantes, as produções são

carregadas de ambigüidade. Esta ambigüidade de posicionamentos, em relação ao

negro é decorrente das diferentes visões que os viajantes tiveram sobre os mesmos,

notando assim que muitas partes que dizem respeito as características específicas

dos grupos étnicos foram ignoradas. De um modo geral, é consenso os viajantes

caracterizarem os negros de modo depreciativo, como se fossem inferiores.

É importante ressaltar que a literatura de viagem registra, com muita

propriedade, que a formação social dos Estados sul brasileiros, está intimamente

ligada à economia e, sendo assim, cada etnia ocupará um lugar na organização

sócio-econômica. Deste modo, teremos os escravos, motores da economia,

considerados instrumentos de trabalho, não possuem ou produzem cultura.

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Fica claro que as fronteiras persistem apesar do fluxo de pessoas que as

atravessam as diferenças entre categorias étnicas não dependem da ausência de

mobilidade, contato e informação. Por outro lado, elas acarretam processos sociais

de exclusão e de incorporação, apesar das transformações na participação e na

pertença no decorrer de histórias de vida individuais.

Descobre-se que relações sociais estáveis, persistentes e muitas vezes de uma importância vital, são mantidas através dessas fronteiras e são freqüentemente baseadas precisamente nos estatutos étnicos dicotomizados. Em outras palavras, as distinções étnicas não dependem de uma ausência de interação social e aceitação, mas são, muito ao contrário, freqüentemente as próprias fundações sobre as quais são levantados os sistemas sociais englobantes (Poutignat apud Streiff-Fenart, 1998, p. 188).

Para o grupo étnico estudado, a cultura é uma parte relevante, mas não

determinante na definição da sua identidade étnica. Ou seja, os traços culturais

podem variar no tempo e no espaço, sem que isso afete a identidade do grupo.

Entendemos a cultura como algo "essencialmente dinâmico e perpetuamente

reelaborado e que, portanto, em vez de ser o pressuposto de um grupo étnico, é, de

certa maneira, produto dele” (Carneiro da Cunha, 1986, p.11). Embora as categorias

étnicas tomem em consideração as diferenças culturais, não podemos deduzir "uma

simples relação de um para um entre as unidades étnicas e as semelhanças e

diferenças culturais. As características que são levadas em consideração não são a

soma das diferenças objetivas, mas somente aquelas que os próprios atores

consideram significantes" (Poutignat apud Streiff-Fenart, 1998, p. 194).

Ao finalizarmos a pesquisa, temos em mente que muita coisa ainda não foi

dita a respeito do negro enquanto sujeito atuante, contudo a cada pesquisa que

surgir, veremos que as lacunas irão cada vez mais se fechar, podendo assim ver o

quão foi importante foi a presença do negro na formação das diversas partes da

sociedade.

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