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105 Cadeos de rr da UFF- unos da Pós-Graduao 2003, n.28, p. 105-1 15, 2003 Viajantes e tradutoras : o mito de La Ma/inche em Paletitas de Guayaba Carla de Figueiredo Po rtilho UMO O ato de viajar tem sido marcado, ao longo dos séculos, por questões de gênero, classe, raça e cultura. À medida que os relatos e diários de viagem tornaram-se co muns, em especial durante o século XIX, a ação de viajar foi legitimada pelo discurso dominante como essencialmente masculina, branca e européia. Com base no conceito de James Clif ford (1997), de que "viajar é traduzi r", este ensaio buscará discuti r como o romance Paletitas de Guayaba, da escritora chicana Erlinda Gonzáles-Be rry, faz uma cont ra-escritura dos relatos de viagem tradicionais, de origem anglo-saxônica, por meio da narrativa de viagem de u ma jovem chi cana ao México, em busca de suas or igens, e da releitura do mito de La Malinche, a intérprete e amante indígena do conquis tador He rnán Cortés. Que procuras? Tudo. Que desejas? Nada. Viajo sozinha com o meu coração. Não ando perdida, mas desencon t rada. Levo o meu rumo na minha mão. ( Cecília Meireles .Despedida, 1 942) Digo alô ao inimigo, encon r ro um abrigo no peiro do meu r raidor (Cazuza,. Faz parte do meu show, 1 988) O ato de viajar tem s ido marcado, ao longo dos séculos, por questões de gêne ro, classe, raça e cultura. À medida que os relatos e diár ios de viagem tornaram-se comuns, em especial durante o século XI X, a ação de viajar fo i legitimada pelo discurso dominante como essencialmente masculina, branca e européia. Conceituada por um ponto de vista pos it ivo como exploração, pesquisa, evasão e encontro transformador , uma viagem era algo que deveria ser feito por homens, e esses viajantes eram basicamente representantes da burguesia, ligados à literatura ou à ciência, e de origem ocidental (Clifford, 1997: 31). Para os homens, viajar era considerado heróico, educativo, científico, aventureiro e enobrecedor. Poucos são os registras históricos e antropológicos onde constam

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105 Cadernos de Lerras da UFF- Alunos da Pós-Graduaçio 2003, n.28, p. 1 05-1 15, 2003

Viajantes e tradutoras : o mito de La Ma/inche em Paletitas de Guayaba

Carla de Figueiredo Portilho

REsUMO O ato de viajar tem sido marcado, ao longo dos séculos, por questões de gênero, classe, raça e cultura. À medida que os relatos e diários de viagem tornaram-se comuns, em especial durante o século XIX, a ação de viajar foi legitimada pelo discurso dominante como essencialmente masculina, branca e européia. Com base no conceito de James Clifford ( 1 997), de que "viajar é traduzir", este ensaio buscará discutir como o romance Paletitas de Guayaba, da escritora chicana Erlinda Gonzáles-Berry, faz uma contra-escritura dos relatos de viagem tradicionais, de origem anglo-saxônica, por meio da narrativa de viagem de uma jovem chicana ao México, em busca de suas origens, e da releitura do mito de La Malinche, a intérprete e amante indígena do conquistador Hernán Cortés.

Que procuras? Tudo. Que desejas? Nada. Viajo sozinha com o meu coração.

Não ando perdida, mas desencontrada. Levo o meu rumo na minha mão.

( Cecília Meireles .Despedida, 1 942)

Digo alô ao inimigo, enconrro um abrigo no peiro do meu rraidor

(Cazuza, . Faz parte do meu show, 1 988)

O ato de viajar tem sido marcado, ao longo dos séculos, por questões de gênero,

classe, raça e cultura. À medida que os relatos e diários de viagem tornaram-se comuns, em especial durante o século XIX, a ação de viajar foi legitimada pelo

discurso dominante como essencialmente masculina, branca e européia. Conceituada por um ponto de vista positivo como exploração, pesquisa, evasão e encontro transformador, uma viagem era algo que deveria ser feito por homens, e esses viajantes eram basicame nte representantes da burguesia, ligados à literatura ou à ciência, e de origem ocidental (Clifford, 1 997: 3 1) . Para os homens, viajar era considerado heróico, educativo, científico, aventureiro e enobrecedor. Poucos são os registras históricos e antropológicos onde constam

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viajantes mulheres - e geralmente como acompanhantes, salvo raras exceções. Acredita-se, entretanto, que o número real de mulheres que voluntariamente empreenderam longas viagens não tenha sido registrado, uma vez que a atividade não era considerada adequada a uma "dama" - leia-se uma mulher branca de origem burguesa - pelos discursos e práticas dominantes.

Viajar i mplica colocar culturas diferentes em contato. O viajante, ao ser exposto a uma cultura distinta da sua, não a apreende de forma isenta, mas com base em seus pró­prios conceitos, nos cami nhos que já trilhou. O movimento e o i tinerário percorrido tornam-se assim fundamentais para o estudo de culturas, para a compreensão de que as culturas não são estanques, mas modificam-se constantemente pelo contato umas com as outras. Ainda segundo James Clifford, "viagem é um termo para tradução" . Desta forma, o viajante torna-se um tradutor (e i mplicitamente um traidor, ao menos segundo uma antiga frase italiana que diz Tradu ttore, traditore, livremente traduzida como "o tradutor é um traidor") que aprende sobre povos e h istórias diferentes dos seus própri os e traduz o que experimenta de uma cultura para outra. Os relatos e histórias de viagem, vistos sob essa ótica, não são documentos imparciais, já que trazem no seu âmago o olhar estrangeiro, mas constituem importantes meios de conexão entre culturas.

O termo viagem tem sido usado comumente em um contexto europeu, masculino, burguês, literário , científico, h eróico e recreativo. Tal uso se restringe à típica viagem burguesa, fei ta de forma voluntária, e marginaliza outros tipos de deslocamento, como aqueles feitos contra a vontade do viajante. No primeiro caso, p oderíamos usar o termo viaj ante praticamente como um sinônimo para turista, embora haja uma distinção sutil ­o olhar do turista é exotizante, ao passo que consideramos genuinamente viajante aquele que p rocura se integrar, i mergir na cultura com a qual entra em contato 1 • O segundo caso tem como exemplo extremo o tráfico de escravos empreendido durante a colonização das Américas - uma atividade que deslocava populações africanas inteiras das suas terras de origem - mas inclui também as migrações e imigrações feitas hoje em dia por motivos econômicos e p olíticos.

A noção de que o viajante é um tradutor que faz uma ligação entre duas culturas, mas não necessariamente um homem de origem burguesa européia viajando por sua própria vontade, encontra respaldo na h istória de Malinrzin, La Malincbe ou Dona Marina, per­sonagem da História do M éxico que se tornou uma figura mítica tanto para os mexicanos quanto para os chicanos2•

B em p ouco se conhece da verdadeira história de Malintzin. Não se sabe ao certo nem mesmo o seu verdadeiro nome. A figura da nobre asteca que supostamente traiu o seu povo ao tornar-se intérprete, amante e sobretudo aliada do conquistador espanhol Hernán Cortês na

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empreitada de tomar a capital asteca Tenochtitlán é ainda hoje uma personagem contro­versa. Nos registres históricos como, por exemplo, as cartas de Cortés ao Rei de Espanha ou os relatos de Berna! Díaz dei Castillo (Firch, s.d.) , consta a existência de uma certa Dona Marina, uma personagem de fundamental importância na conquista do território indíge­na mexicano; intérprete asteca de Cortés, ela recebeu este nome cristão ao ser batizada pelos espanhóis. Entre os seus compatriotas era chamada Malintzin , um n ome que tem duas possíveis o rigens. Uma vertente diz que este seria o nome que ela recebeu de sua família ao nascer e lhe atribui n ome e sobrenome: Malintzin Tenepal (Alarcón, 1 994: 1 1 0-

1 1 2) . Outra vertente defende a idéia de que não se sabe o seu n ome o riginal e explica que Malintzin seria o equivalente nahuátl (língua asteca) para o termo Dona Marina.

Nascida em uma família de nobres astecas, governantes da região de Paynala, Malintzin recebeu educação condizente com a sua posição social. Quando seu pai morreu, no entan­to, sua mãe casou-se novamente e teve um filho. Decidida a torná-lo seu único herdeiro e a evitar disputas pela herança e poder aos quais Malintzin teria direito como filha do primeiro casamento, sua mãe forjou sua morte e vendeu-a como escrava aos maias Xicalango que, por sua vez, a ofereceram à tribo Tlaxalteca, proveniente da região de Tabasco. Ao t o rnar-se uma escrava, M al i n tzi n t o r n o u-se tam b é m uma v i aj ante , a inda que involuntariamente, e deixou sua Paynala natal em direção a Tabasco. Por conta dos suces­sivos deslocamentos territoriais a que foi submetida em sua nova condição, ela, ainda muito jovem, teve contato com n ovas tribos e culturas, desenvolvendo assim sua capaci­dade lingüística para o aprendizado de novos idiomas. Ma!intzin aprendeu diversos diale­tos locais, que passou a dominar j untamente com o seu Nahuátl nativo e o chontal, língua maia usada na região do Yucatán, onde viviam os Tlaxaltecas (Firch, s.d.).

Quando Malintzin contava 14 anos , os con quistadores espanhóis chegaram a Tabasco, onde obtiveram sua primeira vitória significativa em terras mexicanas. Ela foi-lhes então oferecida como presente, i ntegrando um grupo de vinte moças, todas batizadas com no­mes cristãos e distribuídas entre os oficiais da confiança de H ernán Cortés. M alintzin tornou-se então Dona Marina e foi destinada a um dos oficiais, Alonzo Puertocarrero. Seus talentos lingüísticos foram logo percebidos e utilizados pelos conquistadores e quan­do Puertocarrero partiu para a Corte como enviado ao Rei Carlos V, Cortés tomou-a para si também como amante, além de tradutora e intérprete.

Ao apertarem na região maia, os conquistadores espanhóis haviam resgatado um padre, também espanhol, Jerónimo de Aguilar, que havia naufragado na costa de Cozumel e há anos era mantido como escravo pelos indígenas. Ele era capaz de se comunicar tanto em espanhol quanto na língua maia, o que o tornara o primeiro intérprete de Cortés.

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O próximo destin o da expedição espanhola era a região asteca governada por Montezuma, onde se falava N ahuátl, língua desconhecida para Aguilar. Cortês, conhece­dor da grande habilidade lingüística de D oíí.a Marina, que era capaz de falar e entender não apenas nahuátl como também outros dialetos, concedeu-lhe posição de destaque na con­quista. Ele não somente a tornou sua tradutora e intérprete oficial, mas também ouvia seus conselhos. O processo de tradução era a princípio bastante lento, uma vez que ela não dominava o espanhol. Cortês se comunicava com Aguilar em espanhol, este falava com Marina em Chontal e ela traduzia para o dialeto necessário na ocasião. Uma vez estabelecida a comunicação, dava-se o processo inverso: ela traduzia do dialeto local para o chon tal e Aguilar para o espanhol. Logo, no entanto, ela aprendeu a comunicar-se em espanhol e o processo tornou-se mais ágil. Ela tornou-se conhecida entre os soldados espanhóis como la lengua, a tradutora, que se postava ao lado de Cortês não apenas traduzindo o que era dito, mas também inserindo conselhos a ambas as partes, convencendo muitas tribos a se entregarem sem luta, buscando acordos diplomáticos e alianças sempre que possível (Firch, s/d).

D oíí.a Marina foi um fator-chave para o sucesso da expedição espanhola, segundo relatos de Díaz del Castillo e do próprio Cortês. Em frases como "Sem a ajuda de D oíí.a Marina nós não haveríamos entendido a língua da Nova Espanha e do México" e "Após Deus, nós devemos essa conquista da Nova Espanha a D oíí.a Marina"3 (Firch, s .d . ) , fica claro que a estratégia usada para destruir o império asteca dependia em grande parte da capacidade de Cortês de comunicar-se com os seus adversários e, por extensão, da capaci­dade de Malintzin , la lengua, de traduzir para os conquistadores.

Um exemplo da eficácia dessa estratégia foi a tomada da capital as teca, T enochtitlán, hoje Cidade do México. Ao aproximar-se da capital, Cortês enviou mensageiros ao impe­rador asteca, Montezuma, declarando que chegava em paz e desejava visitá-lo apenas para apresentar os cumprimentos do seu próprio monarca, o Rei de Espanha. Tal atitude cau­sou grande indecisão a M ontezuma, que recebeu os espanhóis na capital, influenciado não apenas pelas mensagens de paz, mas também pela crença de que os espanhóis seriam deu­ses que haviam prometido um dia voltar ao povo asteca pelo mar. O próprio Cortês se assemelhava fisicamente às descrições de Quetzalcóad, o grande deus asteca. A recepção oferecida aos supostos deuses abriu caminho para o aprisionamento de Montezuma, o ataque-surpresa e o subseqüente massacre de pessoas desarmadas no principal templo de Tenochtidán, fato que marcou o fim da primeira fase da conquista do Império Asteca (Firch, s/d).

Os espanhóis, aparentemente em desvantagem, pois lutavam em território desconhe­cido e em condições adversas, eram, entretanto, superiores em tática e tecnologia, o que lhes conferia supremacia militar geral. Contavam - além da valiosa aj uda de Do fia Marina,

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sem a qual a estratégia de tomada de Tenochtidán teria sido inviável - com o uso de cavalos (animais desconhecidos pelos astecas) e armas de fogo, contra as lanças de madeira dos guerreiros de Montezuma. Além disso, entre as tropas espanholas havia soldados con­taminados por doenças como a varíola, que rapidamente dizimaram parte da população nativa. P ode-se considerar que os espanhóis não teriam tido tantas chances de sucesso caso M ontezuma houvesse ordenado um ataque imediato às tropas estrangeiras que se aproxi­mavam de Tenochtitlán, fato que p ossivelmente teria oco rrido caso Cortés não pudesse confiar n os préstimos lingüísticos de Dofia Marina.

La Malinche passou à História do México como uma traidora. Aliando-se ao con­quistador e permitindo a comunicação entre espanhóis, maias e astecas, p oderíamos con­siderar que ela realmente facilitou a conquista do território indígena mexicano pelos espa­nhóis. Sua missão consistia em traduzir as palavras que eram ditas, mas ela também inseria conselhos e explicações que contribuíram para a transição de uma cultura indígena, prin­cipalmente asteca e maia, para uma cultura que mesclava características indígenas a carac­terísticas espanholas.

Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que ela não escolheu j untar-se a Cortés, mas foi-lhe oferecida como um presente, uma escrava, alguém que deveria servir-lhe e cuja vontade a p rincípio não seria reconhecida nem levada em consideração. Além disso, também é fundamental lembrar que era grande o interesse espanhol em subjugar os povos indígenas e dominar as terras mexicanas. Assim, caso a missão de Cortés não lograsse êxito, apesar da superioridade bélica de que dispunham e do apoio diplomático e lingüístico de Dofia Marina, a Espanha provavelmente enviaria sucessivas expedições conquistadoras ao México até alcançar seu obj etivo.

Além de sua crucial importância como intérprete e mediadora para a vitória espanho­la, La Malinche cumpriu um outro papel que também marcaria profundamente a história do p ovo mexicano - o de amante de Cortés. Os conquistadores espanhóis vieram para a América sem a companhia de suas esposas, p ois não era comum entre as mulheres da época empreender tal tipo de viagem aventureira. Esse fato muito contribuiu para a mis­cigenação que teve lugar em terras mexicanas. Ao tornar-se mãe de um filho , Martín, cuja paternidade foi reconhecida pelo conquistador, La Malinche tornou-se simbolicamente a mãe do povo mexicano mestizo, a fundadora de uma n ova raça, de uma nova nacionalida­de, não mais espanhola ou asteca, mas mexicana.

Ainda hoje , La Malinche é uma personagem histórica vista de forma paradoxal. Sua importância simbólica transcendeu sua existência histórica e ela tornou-se uma figura mítica para mexicanos e chicanos, os quais, no entanto , não compartilham de um mesmo ponto

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de vista. Os mexicanos, partidários da visão tradicional (que ganhou força durante o movimento de independência do México, no século XlX) , a consideram realmente uma traidora, aquela que entregou seu p ovo aos conquistadores, "uma metáfora cultural para tudo o que há de errado com o México" (Krauss, 1 997) . O próprio adjetivo malinchista guarda conotação pejorativa - é usado pata designar aquele que trai o seu povo, e hoje se refere principalmente aos mexicanos que têm uma estreita ligação com o estilo de vida anglo-americano.

A visão expressa por Octávio Paz ( 1 959)em seu ensaio "Los H ij os de La Malinche" é o ponto de partida para praticamente todas as revisões que foram feitas do mito de La Malinche a partir do M ovimento Chicano. A teórica e crítica chicana No r ma Alarcón ( 1994: 1 14) , em seu ensaio "Traddutora, traditora: a paradigmatic figure of chicana feminism", mostra que Paz foi o primeiro a subverter o mito tradicional de La Malinche e não considerá-la uma traidora. Malintzin seria simplesmente a mãe primitiva do povo mexicano, aquela que deu origem a uma nova raça - ainda que essa origem seja considerada "impura" , já que a mãe teria sido violentada pelo conquistador. Seguindo essa linha de raciocínio, Paz argumenta que as próprias origens mexicanas são baseadas na conquista, opressão e ilegitimidade. Desse modo, La Mal inche torna-se parte integrante do imaginário mexicano - romper com esse mito seria romper com o passado e negar as próprias origens.

Mitos e histórias heróicas são instrumentos comumente usados pelas culturas para criar modelos a serem seguidos, diferenciar comportamentos corretos dos incorretos, trans­mitir valores morais e identificar características consideradas desejáveis por um determi­nado grupo. Quando os mitos existentes não correspondem aos valores que se deseja transmitir, torna-se necessário então escolher um entre dois possíveis caminhos: criar um novo mito que atenda à demanda ou imbuir os modelos existentes de traços e caracterís­ticas às vezes radicalmente diferentes dos originais (Rebolledo, 1 995: 49).

Seguindo esse raciocínio , as escritoras chicanas - sobretudo a partir dos anos 80 -

começaram a revisitar mitos j á existentes, como o de La Malinche ou o de La Llorona, por exemplo , em busca de arquétipos que correspondessem à demanda por figuras femi­ninas positivas, ativas e enérgicas. Assim, a leitura feita pelas mulheres chicanas do mito de La Malinche vai além dos aspectos mais superficiais da história e subverte a idéia de conotação machista perpetuada pela tradicional interpretação mexicana.' De acordo com Rebolledo, La Malinche torna-se uma personagem a ser não apenas redimida, mas tam­bém transformada (Rebolledo, 1995: 64).

Ainda segundo a visão tradicional, traduzir para Cortés, facilitando o trabalho de conquista, e gerar um filho dele, dando início a uma nova raça, teriam inscrito o nome de Malintzin na H istória definitivamente como uma "tradutora, traidora" - aquela que tra-

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duz é também a que trai o seu povo, não apenas entregando-o nas mãos do conquistador para que seja escravizado, mas também gerando um filho que dará origem a um povo amaldiçoado, marcado pela traição. Norma Alarcón explica como os conceitos de tradu­tora e traidora se fundem na figura de La Mal inche:

Malinrzin suscita um fascínio misturado com asco, suspeita e tristeza. Como tradutora, ela é a mediadora entre culturas anragônicas e contextos históricos. Se presumirmos que a linguagem é sempre, de cerro modo, metafórica, enrão qualquer discurso, oral ou escrito, pode implicar traição quando se nora que ele vai além de repetir o que a comunidade percebe como conceitos, imagens ou narrativas " verdadeiros" e/ou "autênticos". O ato de traduzir, que freqüentemenre introduz conceitos e percepções diferenres, desloca o conhecimento local e pode até mesmo lhe ser violento por meio da linguagem. (Alarcón, 1994: 1 1 3)

No mesmo ensaio, Alarcón tece alguns comentários sobre um poema do romancista e poeta mexicano José Emilio Pacheco, intitulado Traduttore, traditore, que também ajudam a compreender melhor a questão:

Os tradutores, que usam a linguagem como agente mediador, têm a habilidade, conscienre ou inconsciente, de distorcer ou converter o evento, a emissão, o texto, a experiência "originais", tornando-os assim falsos, "impuros". ( ... ) Ao traduzir, converter, transformar uma coisa em outra, inrerprerar (todos significados sugeridos pelo dicionário) o "original", a conexão supostamenre clara entre palavras e objetos é rompida e corrompida. A corrupção que tem lugar por meio da mediação lingüística pode tornar o falante um traidor no pomo de vista dos outros - não simplesmente um traidor, mas um traidor da tradição representada no evento, emissão, texto ou experiência "originais". (Alarcón, 1 994: 1 1 6-1 17 )

Ainda na visão de Alarcón, Malinrzin é considerada uma traidora porque assume uma postura própria, independente do seu papel de mãe. Essa postura era vista como uma catástrofe, pois uma mulher da época só teria permissão para articular suas necessidades e desejos em nome de seus filhos, e não em seu próprio. Por falar em seu próprio nome, ela seria uma traidora também da função primordial da mulher - a maternidade. (Alarcón, 1 994: 1 1 3)

Durante o Movimento Chi cano, muitas mulheres foram rotuladas malinches ou ven­didas apenas por tomar parte ativa no Movimento, demonstrando que buscavam trans­formar seus papéis culturais, o que gerava um conflito com a obrigação social de desem­penhar um papel feminino tradicional. Seus maridos e os homens chicanos em geral pres­supunham que elas deveriam ficar em casa cuidando dos filhos, cabendo a eles participar de marchas e protestos. Na visão masculina, o povo chicano sofria opressão por igual; na visão feminina, entretanto, a mulher era oprimida não apenas pela sociedade anglo-ameri­cana, por ser chicana, mas também por seu povo, por ser mulher.

Tal situação contribuiu para que várias escritoras chicanas ficassem fascinadas pelo mito da mulher que transgrediu sua cultura e procurassem reler o mito, vingando La Malinche.

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O ato de escrever em si - o uso da linguagem, a produção de literatura - poderia implicar uma traição aos valores tradicionais, por envolver escolhas interpretativas e não apenas mera repetição. Por meio de sua revisão, as chicanas buscavam uma ruptura radical com a tradição, legitimando o seu discurso com base na reapropriação do mito da Malinche a partir dos escritores mexicanos e da tradição oral chicana. Assim, elas deram voz a Malinche, transformando-a em um sujeito autónomo (Alarcón, 1 994: 1 1 8) .

S ua habilidade de traduzir para Cortés é considerada de fundamental importância entre as chicanas, uma vez que elas compartilham desse ir e vir consciente entre duas línguas e duas culturas. Assim como La Malinche foi acusada de hispanizar a cultura indí­gena, a comunidade chicana carrega o peso da acusação de anglicizar a c ultura mexicana. Mudam as fro nteiras e culturas, permanecem as viajantes e tradutoras que se identificam com a figura da mediadora entre uma cultura dominante e uma cultura nativa que luta para resistir à dominação . La Malinche transitava entre a cultura espanhola que se impu­nha aos povos indígenas conquistados e a cultura nativa que buscava sobreviver, enquanto as chicanas transitam entre a cultura anglo-americana dominante e a cultura chicana, composta por elementos espanhóis, mexicanos e indígenas, que luta bravamente para manter sua voz.

Torna-se difícil para muitas chicanas compactuar com a visão que considera La Malinche culpada por todos os males que afligem o México, traidora do seu povo e da sua raça. Uma mulher que é vendida como escrava pela própria família e oferecida como presente aos conquistadores seria antes também uma vítima dos algozes que dizimaram o seu povo, ao invés de cúmplice da conquista. Apesar desse contexto, no entanto, as escritoras chicanas não vêem a figura de La Malinche como uma vítima passiva dos acontecimentos. O prin­cipal ponto de ruptura com Octávio Paz é exatamente o confronto entre a visão da mulher apresentada por ele - sexualmente passiva, violentada pelo conquistador - e a visão chicana, na qual ela é considerada uma mulher que exerceu o seu direito de escolha e optou pelo caminho da sobrevivência. Ao aliar-se a C ortés, traduzir para ele e possibilitar a negocia­ção entre os conquistadores e as tribos em lugar da matança indiscriminada, ela teria salvado milhares de vidas e evitado uma aniquilação ainda mais completa das tribos indígenas do México (Rebolledo, 1 995: 64-65).

A visão defe ndida por Rebolledo quanto à posição de La Malinche como uma mu­lher que fez escolhas encontra críticas no ensaio de Norma Alarcón já previamente menci­onado. Em relação a Adelaida R. dei Castillo, outra escritora chicana que defende esse poder de escolha, diz ela:

Na realidade, toda a noção de escolha, urna noção existencialista da filosofia anglo-européia do século XX, precisa ser problematizada a fim de se compreender os entraves com os quais vivem as mulheres de outras culturas, épocas e lugares. Ao tentar tornar Malintzin urna

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motivada "produtora de história", dei Castillo não está reconstruindo o próprio momento histórico de Malintzin tanto quanto a usando para ir de encontro ao discurso masculino contemporâneo e para projetar um sentido mais novo do "eu" feminino, um sujeito dotado de fala, com uma visão totalmente moderna de consciência histórica. (Alarcón, 1 994: 1 2 1 ) .

Alarcón mantém uma postura divergente tanto dos escritores mexicanos quanto das mencionadas escritoras chicanas. Para os escritores mexicanos, a questão da violência se­xual é de suma importância, pois marca a condi ção ilegítima do povo mexicano. É inte­ressante lembrar que a expressão hijo de la chingada é uma grande ofensa no México, uma referência clara a Malinche, a violentada. Já as escritoras chicanas nem mesmo mencionam esse tipo de violência em sua produção literária, mas valorizam um poder de escolha que Alarcón diz ser questionável. Em sua visão, ela poderia ter se aliado a Cortés até como uma forma de se proteger, de evitar sofrer violência. O u seja, ainda que ela tenha agido tenha agido por sua própria vontade, essa seria apenas a opção reservada aos que são escravizados: escolher, entre dois males, o menor.

Em seu livro Paletitas de Guayaba, Erlinda G onzáles-Berry se vale do mito de La Malinche para discutir as questões identitárias de uma outra Marina, cujo apelido é Mari, sua heroína /protagonista. Marina é uma jovem chicana que empreende uma viagem de trem à Cidade do México, impulsionada por vários fatores: a carta que abre o livro mostra que um dos seus objetivos ao partir é deixar para trás uma relação amorosa mal-sucedida; ao mesmo tempo, ela segue para o México em busca de suas origens, de suas raízes, da terra o nde se sentiu acolhida quando criança, já que, embora fosse do lado de lá da fronteira (ou seja , dos Estados Unidos) , havia morado com sua família na Cidade do México durante a infância.

Ao longo da viagem, Marina anota suas impressões sobre o que vivencia em um "caderninho", o que evoca a imagem tradicional dos antropólogos em trabalho de campo. Este caderno mais tarde será a base para o relato de sua experiência de viajante em busca de si mesma, juntamente com as conversas que entabula com Sergio (seu namorado/amante/ "Príncipe Encantado") , a carta de abertura, alguns diálogos reais ou imaginários e comen­tários a si mesma e ao leitor. Voltando ao início deste texto, vemos que Erlinda Gonzáles­Berry escolhe uma personagem que subverte a idéia tradicional do típico viajante europeu masculino e burguês. Marina não se encaixa em nenhum padrão: é mexicana para os ame­ricanos e americana para os mexicanos. Convive com termos pouco apreciativos como güera e pocha, que marcam sua condição de estrangeira, de mexicana dei o tro lado. Mes­mo entre os chicanos não é aceita de imediato como uma igual. Eles a rotulam manita ­manitos são os descendentes diretos dos espanhóis que se estabeleceram no N ovo M éxico na época da I n quisição e que tradicionalmente professam pureza racial, alegando não te­rem se misturado à população indígena nativa.

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114 PORTILHO, Carla de Figueiredo. Viajanres e cradurocas: o miro de La Malinche em . . .

O episódio de que tratarem os aqui (7 1 -77) narra um sonho de Marina n o qual ela se encontra com La M alinche/Dona Marina - e o nome da protagonista de Gonzáles-Berry não terá sido uma mera coincidência. Dona Marina conduz n ossa j ovem heroína chicana por um discurso histórico anterior à destruição da grande cidade de Tenochtidán. Ela prediz o fim de sua raça e aponta a fome de poder dos espanhóis e a fraqueza de Montezuma como fatores determinantes. Ela também prevê que o próprio império espanhol há de se desintegrar e o N ovo Mundo será a salvação (Rebolledo, 1 995 : 75 ) .

Na releitura de Gonzáles-Berry, Dona Marina deixa de ser uma figura silenciosa e, ao adquirir voz própria, oferece ela mesma as explicações para os seus a tos:

Resolvi aliar-me a ele para absorver esse poder que certamente será seu e assim alterar o destino de meu povo, que se encontra caminhando para a aniquilação. S irvo-me da força de minha voz e ofereço-a a Corrés, convertendo-me em sua língua e em sua informante. Sim, o elo necessário entre seu mundo e o nosso. Meu objetivo é ajudá-lo a alcançar seus imperiosos desígnios por meio da palavra e do compromisso. Vejo essa como a única forma de salvação da nossa raça ( . . . ) M as enfim, se minha colaboração com este diabo feiticeiro é necessária para assegurar que não morreremos rodos, eu estou disposta a vender a mim mesma. (Gonzáles-Berry, 199 1 : 77)4

Por esse p o n to de vista, a história de Cortés e La Malinche não foi obviamente uma história de amor, mas tamp ouco de violência e submissão. Teríamos sim uma história de sobrevivência, protagonizada por uma mulher que optou por aliar-se ao inimigo procu­rando salvar seu povo da aniquilação total. Ao escolher ajudar Cortés, ao invés de entregar o seu p ovo nas mãos dos conquistadores, ela p oderia estar, na realidade, evitando um massacre ainda mais sangrento.

Durante sua conversa com Mari, La Senora demonstra estar ciente das conseqüências que teria a sua conduta:

Como és bonita! ( . . . ) Eu tinha consciência de que o meu comportamento produziria uma raça bela e forre. Ver-te me dá prazer e compensa os insultos e castigos que sobre a minha pessoa lançará a História. Entretanto, devido às minhas ações, se dará uma nova raça mestiça em cujas veias fluirá a força do meu sangue, da minha vontade e da minha palavra feminina. Tu, Mari, és o futuro fruto do meu ventre, a flor da minha traição. (Gonzáles-Berry, 1 99 1 : 73)

Marina, uma filha da Malinche, encontra abrigo naquela que é considerada a traidora da sua raça. Ao p artir em b usca de um lar que julgava ser o México, e se dar conta de que é discriminada pelos mexicanos assim como pelos americanos, ela se descobre membro de uma terceira raça - uma raça de viajantes que mantém um pé em cada lado da fronteira, transitando e traduzindo entre duas culturas todo o tempo e se descobrindo não em falta, por não ser uma coisa nem outra, mas em excesso , por ser ambas.

Page 11: Viajantes e tradutoras : La Ma/inche Paletitas de Guayaba · apenas pelas mensagens de paz, mas também pela crença de que os espanhóis seriam deu ses que haviam prometido um dia

1 1 5 Cadernos de Lems da UFF - Alunos da Pós-Graduação 2003, n.28, p. 1 05- 1 1 5, 2003

N O TAS

1 A cena inicial do filme O céu que nos prorege ( The shelrering sky) , de Bernardo Berrolucci, é bastante esclarecedora a respeiro da distinção entre os termos "turista" e "viajante". Diz o personagem Porter Moresby que o turista pensa em voltar para casa no momento em que chega ao seu destino. Sua mulher Kit completa que o viajante pode simplesmente decidir náo voltar. (Pore chimes in, "A rourisr is someone who rhinks abour going home the momenr they arrive, T unner. " "Whereas a rraveler mighr no r come back ar ali" , Kir finishes) .

2 Chicanos sáo os cidadáos estadunidenses de origem mexicana ou mexicanos radicados nos Estados Unidos. O termo era uma forma pejorativa utilizada nos Estados Unidos pela sociedade branca até ser adorado pela comunidade mexicano-americana durante o Movimenro Chicana das décadas de 60 e 70. Hoje em dia o termo guarda uma conotaçáo política: denominam-se chicanos os mexicano-americanos engajados na luta por igualdade racial.

3 Os trechos eirados sáo traduçóes minhas, a menos quando especificamente mencionado. 4 Parte do trecho citado foi traduzida por Sonia Torres (Torres, 200 1 : 68) . O restante é traduçáo minha.

REFERtN CIAS B I B LI OGR.Á.FI CAS

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