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Vida de Fotógrafo 78 Fotografe Melhor n o 181 Achutti fotoetnografia e os caminhos da

Vida de Fotógrafo Achutti e os caminhos da fotoetnografia...xo para reciclagem na Vila Di-que, periferia de Porto Alegre. Na dissertação apresentada, cunhou o termo “fotoetno-grafia”,

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O fotógrafo e antropólogo gaúcho comemora 35 anos decarreira com livro, exposição e uma produtiva vida acadêmica

POR ÉRICO ELIAS

F otojornalista, antropólogo, escritor e artista. Múltiplas são asfacetas do gaúcho Luiz Eduardo Achutti, assim como os projetosdesenvolvidos ao longo de um percurso de três décadas e meia.

Antes de tudo, ele é fotógrafo e, como tal, não apenas produz fotografias,como reflete sobre elas.

Os 35 anos de carreira foram comemorados em Porto Alegre (RS)com exposição e lançamento de livro. São honrarias merecidas para umaventureiro que correu o mundo atrás de seus sonhos, sempre de câmerafotográfica em punho, e sem nunca deixar de retornar à terra natal, ondeajudou a despertar novas gerações para a fotografia.

Achutti tem uma trajetória acadêmica admirável. Ele fez mestrado

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Estrada vicinal nointerior da França,

em foto de 2000

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Vida de Fotógrafodele. São 232 páginas, que re-traçam o percurso imagéticodo fotógrafo e trazem um brin-de ao leitor: o lado escritor deAchutti. Ali estão reunidos tex-tos ficcionais, ensaios sobre afotografia, recordações de pas-sagens da vida do fotógrafo eas histórias por trás de algumasdas imagens mais marcantespara ele.

Fotógrafo de esquerdaNascido em 1959, Luiz

Eduardo Achutti teve os pri-meiros contatos com a foto-grafia por meio de seu avô, queera fotógrafo amador na cidadede Santa Maria, interior do Es-tado. Quando ia passar as fériasna casa dele, tinha a oportuni-dade de entrar em contato como equipamento fotográfico, olaboratório para revelação eampliação e, principalmente,com o acervo de fotos do avô,que tinha a fotografia comohobby desde a década de 1920.

Mesmo tendo entrado nocurso de Ciências Sociais, naUFRGS, onde se formou em1985, Achutti sabia que queriaseguir a carreira de fotojorna-lista. A maior inspiração vinhade Henri Cartier-Bresson. Foidurante a graduação que elecomeçou a atuar como fotó-grafo, no Coojornal, publica-ção de esquerda feita por umacooperativa de jornalistas in-dependentes em Porto Alegre.

Depois de finalizada a fa-culdade, partiu de vez para ofotojornalismo como profis-são, passando a trabalhar comofreelancerpara diversas publi-cações nacionais, como o

em Antropologia na Univer-sidade Federal do Rio Grandedo Sul (UFRGS), onde ingres-sou como professor de Foto-grafia a partir de 1995. Depois,doutorou-se na França, tam-bém em Antropologia, sendoum dos primeiros noambiente

acadêmico brasileiro a pro-porcionar um diálogo demaior intensidade entre a dis-ciplina e a fotografia.

O livro publicado comohomenagem nasceu como ca-tálogo de uma exposição e aca-bou ficando à altura da carreira

Barcos ancorados em PortoAlegre (RS), 1993 (à esq.);e uma foto de 2001 quefaz parte da pesquisa sobre osbastidores da biblioteca FrançoisMitterrand (na pág. ao lado)

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Vida de FotógrafoMulher descansa em frente à

pirâmide do Museu do Louvre,em Paris, cidade onde Achutti

viveu durante quatro anos

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Jornal do Brasil, a Folha de S.Paulo e a revista IstoÉ. Em1987, Achutti criou a própriaagência, a Photon, por meioda qual passou a administrarseu trabalho profissional.

Paralelo às pautas que co-bria, ele se dedicou a projetospessoais de documentação. Seugrande ideal durante a décadade 1980, alimentado pela for-mação de esquerda, era viajaraos países socialistas. Em 1986,ele conseguiu fazer a primeiraviagem para o projeto, paraCuba. Dois anos depois, ele foipara Nicarágua, onde haviauma expectativa de vitória daproposta socialista, que acabounão se realizando.

O projeto terminou com aviagem para a AlemanhaOriental, em julho de 1989.Na época em que esteve nopaís, o fotógrafo já sentia o cli-ma favorável à abertura polí-tica, que acabou ocorrendo

com a queda do muro de Ber-lim, em dezembro do mesmoano. “Acabou o socialismo reale, com ele, o meu projeto tam-bém”, relata Achutti, em tomde brincadeira.

De volta à academiaUma grande virada se da-

ria na vida de Achutti no iní-cio da década de 1990, quan-do ele decidiu retornar aoambiente acadêmico. Em1993, foi aceito no mestradoem Antropologia Social pelaUFRGS. No ano seguinte,passou no concurso para pro-fessor na cadeira de Fotogra-fia do Instituto de Artes damesma universidade.

No retorno à academia,Achutti pôde unir a formaçãode antropólogo com o conhe-cimento técnico e a atividadeprofissional de fotojornalista.Ele dedicou sua pesquisa demestrado às trabalhadoras de

um galpão de separação de li-xo para reciclagem na Vila Di-que, periferia de Porto Alegre.Na dissertação apresentada,cunhou o termo “fotoetno-grafia”, para definir uma fo-tografia informada pelo co-nhecimento antropológico.

A dissertação de mestradode Luiz Eduardo Achutti foipioneira no Brasil, ao dar ànarrativa fotográfica a mesma

Luiz Eduardo Achutti, que comemora 35 anos de carreira

Casinha noex-quilombo

do Curiaú, emMacapá (AP),em foto feita

em 1989

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importância dada ao texto.Como ele bem resumiu emum de seus artigos acadêmi-cos, “a possibilidade de uti-lização de imagem não im-plica o seu uso excludente emrelação ao texto. Ao contrá-rio: texto e imagem podemse articular de forma comple-mentar com seus aportes es-pecíficos. No limite do texto,a fotografia pode avançar ‘ilu-minando’ certas passagens e,no limite da fotografia, o tex-to cumpre um papel analíticoinsubstituível”.

O pioneirismo de Achuttino ambiente acadêmico bra-sileiro permitiu-lhe conquistarbolsa de doutorado para con-tinuar sua formação na Fran-ça, onde a antropologia visualtem maior espaço dentre os

pesquisadores. A pesquisa foidesenvolvida na UniversitéParis 7 – Denis Diderot.

“Como queria desenvol-ver a pesquisa de campo lá,o tema só poderia ser decidi-do quando eu chegasse. Opteipor documentar os bastidoresda Biblioteca François Mit-terrand, onde está guardadaa memória da cultura france-sa”, recorda Achutti, referin-do à nova sede da BibliotèqueNationale Française, inaugu-rada em 1996, que leva o no-me do ex-presidente francês.

O fotógrafo morou na ca-pital francesa de 1998 a2002, período no qual desen-volveu a pesquisa. Uma vezmais, apresentou como resul-tado um trabalho compostometade por fotos e metade

por textos. A pesquisa culmi-nou com uma exposição feitatambém nos bastidores da bi-blioteca, à qual apenas os fun-cionários (alguns deles ali re-tratados) tiveram acesso.

Pesquisas publicadasLuiz Eduardo Achutti con-

seguiu editar a dissertação demestrado e a tese de doutora-do no formato de livro, quesaíram pela Tomo Editorial(tomoeditorial.com.br). NaFrança, o fotógrafo publicouL’Homme sur la photo, Ma-nuel de photoethnographie.pela Téraèdre. O livro perma-nece em catálogo no site daeditora (teraedre.fr), que des-taca o autor como criador dotermo “fotoetnografia”.

Dois livros “puramente 4

Cena registradaem Florianópolis(SC), em 2009,explorando ografismo dosbanhistas e suas sombras

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fotográficos” de Achutti saí-ram recentemente, tendo co-mo tema artistas de grandeenvergadura: Iberê Camargoe Xico Stockinger. As obrasse inserem na longa tradiçãode diálogo entre fotógrafose artistas plásticos, caso daconhecida relação entre Bras-saï e Picasso.

O ensaio sobre Iberê Ca-margo foi realizado poucotempo antes da morte do ar-tista, em 1993. Depois de al-guns encontros no ateliê deIberê, o trabalho teve de serinterrompido porque ele fi-cou doente, vindo a morrerem 9 de agosto de 1994. Dezanos depois da morte de IberêCamargo, em 2004, Achutticonseguiu viabilizar, por meiode lei de incentivo fiscal, apublicação de um livro com

as imagens resultantes desseencontro.

Em 2006, foi a vez doolhar de Achutti travar diálogocom as ferramentas de traba-lho do escultor Xico Stockin-ger. O fotógrafo acompanhoutodo o processo de criação damonumental escultura Guer-reiro, feita em ferro fundido.As imagens foram reunidas nolivro A Matéria Encantada,lançado em 2008.

Os dois ensaios feitos comartistas plásticos estão sepa-rados por 13 anos e têm abor-dagens completamente distin-tas. O Iberê Camargo retra-tado em preto e branco é umartista introspectivo, que en-frenta sua debilidade física. OXico Stockinger registradoem cores é um forte e concen-trado escultor domando a pe-

sada matéria de seu trabalho. A diferença foi bem des-

crita por Juan Esteves, arti-culista de Fotografe, nas re-senhas que publicou no ex-tinto portal Fotosite, aindahoje disponíveis para consultaon-line. Os dois livros tive-ram apresentação assinadapelo poeta e crítico de arteFerreira Gullar.

Livro retrospectivoNa comemoração de 35

anos de fotografia, Luiz Eduar-do Achutti foi agraciado commais um livro, que faz parteda coleção Percurso do Artista,da Editora da UFRGS. O queera para ser o catálogo da ex-posição acabou virando umaobra autobiográfica, na qualAchutti expõe em fotos e tex-tos as passagens mais marcan- 4

Os diálogos como escultor XicoStockinger (à esq.) e opintor IberêCamargo (à dir.)renderam aAchutti doisbelos ensaiosfotográficos

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tes de sua trajetória criativa.A mostra dedicada ao fo-

tógrafo também foi especial.Teve curadoria de Boris Kos-soy, outro grande pesquisadore criador da fotografia brasi-leira. Foram selecionadas 75imagens, expostas em umasala do prédio da reitoria daUFRGS. A proposta agora éfazer a exposição circular poroutras cidades brasileiras.

Em plena atividade peda-gógica e criativa, Luiz Eduar-do Achutti vislumbra a am-pliação de seu campo de atua-ção no Brasil e do interessepela fotografia em diversasáreas da academia.

“É impressionante comoa fotografia tem encontradoseu espaço e como ela vemdeixando de ser mero aces-sório ou ilustração para o tex-to em diversos trabalhos queestão surgindo nos anos re-centes. Não falo somente daantropologia, mas tambémda psicologia social, da geo-grafia, da pedagogia e outrasdisciplinas correlatas. Sou fre-quentemente convidado parafalar em outros institutos daUFRGS e sempre que possovou e dou minha contribuiçãopara despertar o interesse so-bre a fotografia como impor-tante ferramenta de pesqui-sa”, analisa o mestre.

Carro fotografado nas ruas da capital cubana, em viagem que Achutti fez ao país em 1986

O livro Percurso do Artista,dedicado ao fotógrafo Achutti

Acima, detalhe do hospital Colônia de Itapuã, em Viamão (RS), antigo retiro de portadoresde hanseníase; abaixo, Praia Brava, em Florianópolis (SC), em imagem realizada em 2010

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