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VIDA E OBRA DE MATEUS SANSÃO MUTHEMBA (1906 - 1968) Fernando Dava Roberto Dove Mateus Muthemba livro muthemba final.indd 29 3/10/15 11:43 AM

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VIDA E OBRA DE MATEUS SANSÃO MUTHEMBA

(1906 - 1968)

Fernando DavaRoberto Dove

Mateus Muthemba

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Índice

Agradecimentos................................................................................... 31Introdução............................................................................................ 321. Infância e Juventude......................................................................... 342. A Formação e a Actividade Profissional.......................................... 373. A Constituição da Família e a Personalidadede Mateus Muthemba............................................................................454. Participação na Luta Clandestina..................................................... 565. Mateus Muthemba e as Principais Rotas para Dar-Es-Salaam..................................................................................... 716. Chegada a Tanzania e Feitos na FRELIMO..................................... 747. Morte de Mateus Sansão Muthemba................................................ 797.1. A Situação Política no Seio da FRELIMO................................... 79 7.2. Ataque à Sede da FRELIMO em Dar-Es-Salaam........................ 84 7.3. Formas de Valorização do Herói Mateus Sansão Muthemba............................................................................................ 888. Considerações Finais.........................................................................90

Bibliografia.................................................................................. 91Anexos......................................................................................... 92Anexo 1. Depoimentos de Familiares e Combatentes da Luta de Libertação Nacional........................................................ 92 Anexo 2. Lista de Entrevistados................................................ 100

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Os nossos agradecimentos vão para a família Muthemba pelo apoio in-condicional prestado na elaboração desta obra.

Especial agradecimento à S. Excia Armando Emílio Guebuza, Presidente da República de Moçambique, pelo facto de, entre inúmeras e impor-tantes tarefas, ter considerado esta como igualmente importante, conce-dendonos, deste modo, um espaço para entrevista sobre Mateus Sansão Muthemba.

Aos demais que se associaram a esta singela, mas nobre obra, as nossas cordiais saudações.

Agradecimentos

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Introdução

Em Moçambique, existe uma geração colectiva e individual que marca de forma especial a História do país. A presente publicação está inserida no âmbito da valorização desta geração, nascida da Luta de Libertação Nacional.

A valorização dos símbolos nacionais, como os heróis, constitui um exercício importante no processo de consolidação da identi-dade cultural e construção da moçambicanidade.

O pressuposto fundamental desta visão, é de que não existe nenhum povo sem história e sem cultura. Estas duas dimensões associadas entre si, são o farol de desenvolvimento de um povo, ou de uma nação. É pois, buscando as referências do passado que se situa no presente e se busca inspiração para os desafios para o futuro.

Moçambique, é um país cuja cultura resulta da miscigenação de comuni-dades da idade da pedra, da idade do ferro (bantu), e de povos oriundos, em tempos históricos mais recentes, de outros continentes como a Ásia, a Europa e de outros quadrantes do Mundo.

Contudo, a história da sua libertação, apesar de rebuscar e se alimentar dos seus traços culturais, é muito mais recente. Inspirada nas lutas de re-sistência contra a ocupação colonial, sobretudo nos finais do Século XIX e inícios do século XX, na década 50 ela foi iluminada pelas correntes independentistas, do pós II Guerra Mundial, particularmente nos países africanos. Na década 60, tornava-se mais clara a estratégia de erradicação do sistema colonial, com a unificação dos três movimentos então existen-tes, em torno da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), em 1962.

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O surgimento desta Frente estimulou a aderência de muitos moçambica-nos à causa da libertação nacional. Com efeito, assistiu-se a movimen-tações que saiam de todos os cantos deste país, tendo como ponto de concentração, a cidade tanzaniana de Dar-Es-Salaam, onde estava esta-belecida a Sede da FRELIMO.

A luta armada fez muitos mártires e deixou muitas famílias sem as pesso-as mais queridas. Era gente que desinteressadamente tudo fazia, apostan-do a sua própria vida, para que a independência de Moçambique se tra-duzisse numa realidade. Assim, sistematizar as suas realizações, os feitos mais marcantes é o compromisso desta geração. Porquanto, se aceitar-mos que este exercício é um diálogo entre o passado e presente, então, concordemos que a responsabilidade de passagem deste testemunho da História de Moçambique para as próximas gerações, seja feita de forma mais objectiva possível, a bem da harmonia do país.

Assim, a divulgação da história da vida e obra de Mateus Sansão Mu-themba, enquadrada nas celebrações da passagem de 40 anos após o seu desaparecimento físico, a 06 de Junho de 1968, constitui um dos momen-tos mais altos de reconhecimento e valorização do seu legado histórico.

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1. Infância e Juventude

Mateus Sansão Muthemba nasceu a 25 de Julho de 1906, em Chicum-bane, posto administrativo do mesmo nome, distrito de Xai-Xai (ex-João Belo), província de Gaza. É filho de Sansão Machumbane Muthemba e de Jael Muhlavasse Mahleku Makavi.

O Seu pai era professor na Escola da Missão Suíça de Chicumbane, daí o cognome de teacher Samussone. Antes do baptismo cristão, ostentava o nome de Ntanguene Machumbane Muthemba, enquanto a sua mãe se chamou Ndhambini Mahleku Makavi, também antes do baptismo cristão.

Jael é irmã do Reverendo e poeta Gabriel Makavi, um dos conceituados pastores da Missão Suíça e primeiro presidente moçambicano do Sínodo da Missão Suíça (1948-1963).

Mateus era o filho mais velho, seguido por Lutero, nascido em 1910, Abiatar (1913), Abner (1916), Palmira (1919), Beatriz (1922) e Eliab.

Hospital Rural de Chicumbane, onde nasceu Muthemba

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Abiatar, irmão de Mateus Muthemba

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Abner, irmão de Mateus Muthemba

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2. A formação e a actividade profissional

A Missão Suíça estabeleceu-se na região de Chicumbane em 1908. Logo após a sua instalação, abriu uma escola em que se leccionava até à 3ª classe. De igual modo, na mesma, podia frequentar-se o curso de saúde ou continuar os estudos em Lourenço Marques, actual cidade de Maputo.

Na Missão, existiam residências para os estudantes que viessem de longe para frequentar a escola, tanto para a formação em saúde ou para a activi-dade pastoral. Existia também uma oficina, na qual os alunos aprendiam várias profissões, dentre elas a mecânica, a serralharia e a agro-pecuária.

Mateus Muthemba começou a sua carreira estudantil na Missão de Chi-cumbane, onde fez a 1ª classe, tendo sido aluno de seu pai. Na mesma instituição, mais tarde, frequentaram o ensino primário, Milagre Mabote e Sebastião Marcos Mabote, dois primos, que se tornariam destacados combatentes da Luta de Libertação Nacional.

Após a conclusão da 1ª classe, Muthemba seguiu para Maputo, onde fez os níveis subsequentes, na companhia de outros jovens, dentre eles figu-ram Casimiro Matié, Natala Sumbane e Doroteia Chirindza. Estes jovens tinham sido enviados por Daniel André Clerc, então Director das escolas da Missão Suíça em Moçambique. É neste contexto que Mateus concluiu a 4ª classe, na Casa de Educação da Munhuana, actual Escola Primária Completa da Munhuana.

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Casa de Educação da Munhuana, cidade de Maputo

Em cumprimento do desejo de seu pai e dele próprio, e incentivado pelo Missionário suíço, Daniel André Clerck, em cuja casa Mateus viveu em Maputo, este iniciou a sua formação de professorado na escola da Missão Suíça em Ricatla. Ali formou-se, com mérito, como professor e evange-lista, em 1927.

Sabe-se que o centro de Ricatla esteve desde a sua fundação ligado a actividades religiosas e de formação profissional dos crentes da Missão Suíça. A sua instalação está associada ao estabelecimento de um grupo de missionários negros na região, vindos do Transvaal, por volta de 1880. O seu objectivo era de evangelizar as comunidades do litoral de Moçam-bique.

Havendo necessidade de fazer o acompanhamento das actividades que eram realizadas por aqueles missionários, chegaram a Moçambique mis-sionários, desta vez, suíços, por volta de 1887. Face à implantação da

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igreja Missão Suíça e à crescente actividade religiosa no seio das comu-nidades da região, estes missionários sentiram a necessidade de capacitar os activistas com conhecimentos teológicos básicos, para melhor exercí-cio do trabalho da fé cristã.

Assim, foi criado um colégio pastoral em Ricatla, como resultado da união dos missionários das diferentes missões europeias e americanas. Com este acto, os missionários pretendiam garantir a continuidade da obra cristã em território nacional.

Segundo o Reverendo Marcos Macamo1, o centro de Ricatla foi oficiali-zado em 1958. Tinha como vocação, por um lado, formar e capacitar os obreiros a fim de poderem transmitir adequadamente o evangelho e, por outro lado, tornar esta instituição num símbolo de libertação do homem africano. Neste sentido, a formação desempenhava um papel importante na libertação do homem africano no seu todo, a partir da sua espiritua-lidade; da aquisição de habilidades para a vida e do conhecimento do Universo.

A este respeito, Macamo afirma que, para além disso, o homem africano tinha a possibilidade de saber o que se passava em seu redor e do Mun-do. A formação naquele centro tinha como enfoque, disciplinas como a Análise Bíblica, a Hermenêutica (línguas mortas como o hebreu), a História do Antigo e Novo Testamentos e a Homelética (retórica e arte de pregar). Para além destas disciplinas, os formandos aprendiam outras actividades profissionais e vocacionais, como a carpintaria, a mecânica, a agro-pecuária, dentre outras.

Os elementos essenciais desta formação incidiam mais na missão reli-giosa e na responsabilidade social, quer individual, quer colectiva. Um elemento bastante importante que se mostra presente é a visão de liber-tação do homem para preservar a vida sã, ou seja, libertar-se de todos os males de que o homem pode enfermar no espírito, na alma e no corpo. 1 Entrevista de Maio de 2008.

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Pretendia-se com isto, fazer com que, ao sair da formação, o obreiro es-tivesse comprometido com o amor ao próximo, com a igreja e com a comunidade onde se encontrasse inserido.

O centro de Ricatla formava instrutores, aqueles que ensinavam a cate-quese e trabalhavam com grupos de jovens, designados por Mintlhawa. Formava, igualmente professores, evangelistas e, mais tarde, veio a for-mar pastores.

Neste percurso, Mateus foi aluno do conceituado Missionário Suíço Dr. Henri Alexandre Junod e condiscípulo de Marcelino Macome. Mateus Muthemba continuou a sua formação na Escola de Formação e Habilita-ção de Professores Indígenas “José Cabral” em Alvor, na Manhiça, tendo concluído também o curso bíblico, em 1929.

Igreja Missão Suíça de Chicumbane

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Sabe-se, no entanto, que a escola do Alvor foi criada com o objectivo, por um lado, de formar professores indígenas habilitados para a propa-gação da língua portuguesa, uso dos primeiros elementos de cálculo arit-mético e para a melhoria dos processos de cultivo das terras no seio das comunidades locais. Por outro lado, devia criar um núcleo de novos e dedicados auxiliares do governo colonial.

Saúte (2004:93) afirma que, embora a instrução ministrada no Alvor obe-decesse aos objectivos coloniais de limitação intencional dos conheci-mentos, esta intencionalidade foi insuficiente para travar a capacidade de reflexão dos formandos (indígenas). De acordo com esta autora, alguns professores formados naquela escola, José Cabral de Alvor, aproveitando as poucas oportunidades então disponíveis, melhoraram o seu nível de formação e de vida, com notório sacrifício pessoal, não obstante as bar-reiras impostas pela estrutura político-administrativa colonial. Após a conclusão da sua formação, em 1929, Mateus Muthemba regres-sou a Xai-Xai. Enquanto aguardava por uma vaga para o professorado, trabalhou como escriturário na empresa comercial “Manuel Mendes”. Logo que a vaga surgiu, a Missão Suíça colocou-o no Hospital e na Es-cola de Chicumbane, como contabilista e professor, respectivamente, ta-refas que as dividia pelos dois períodos do dia.

Para além desta escola, foi afecto noutras da Missão Suíça localizadas em diversos pontos, principalmente das províncias de Maputo e Gaza. Com efeito, trabalhou na Missão de Lhanguene, em Maputo, (1933) Nsongue-ne-Guijá (1938-1942), e em Mahele, Magude (1943-1948)2.

Na sua qualidade de professor, Mateus Muthemba manteve uma forte ligação com o professor Daniel André Clerk. Ele teve, entre os seus alu-nos, a Senhora Deolinda Guezimane, 1ª Secretária Geral da Organização da Mulher Moçambicana (OMM), que o caracterizou como professor muito rigoroso, mas íntegro e verdadeiro educador.

2 Família Muthemba.

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Estação meteorológica de Xai-Xai

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A casa da Missão de Lhanguene localizada no interior do cemitério, onde Mateus residiu em 1933

Nos finais da década de quarenta, Mateus decidiu mudar de profissão, tendo optado pela meteorologia. Para o feito, em 1948, foi submetido a uma prova de admissão com sucesso, em Xai-Xai, para frequentar o curso de radiotelegrafia, em Maputo.

Foi neste âmbito que Mateus Muthemba frequentou o curso de Ajudantes de Observadores dos Serviços Meteorológicos de Moçambique, no Ob-servatório Campos Rodrigues, designação do actual Instituto Nacional de Meteorologia.

Depois da sua formação, em finais de 1949, foi colocado em Xai-Xai nos serviços meteorológicos. Esta instituição funcionava no Bairro de Feni-celeni, próximo ao aeródromo local.

Mais tarde, Muthemba foi transferido de volta para Maputo, ex-Lourenço Marques, donde seguiu depois para Vila Pery, actual cidade de Chimoio. Nesta cidade, continuou a exercer as funções de radiotelegrafista.

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As temperaturas que se registavam naquela região do centro do país não favoreciam muito à saúde da sua esposa. Esta situação terá contri-buído para uma nova transferência de Mateus e sua família. Foi então que, em Abril de 1954, após um pequeno curso de reciclagem (sobre o Código de Morse) no Observatório Campos Rodrigues, em Maputo, Mateus Muthemba foi transferido para Xai-Xai, onde permaneceu até princípios de 1963.

Observatório Campos Rodrigues, actual Instituto Nacional de Meteorologia, Maputo

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3. A constituição da família e a personalidade de Mateus Muthemba

Na tradição dos grupos étnicos moçambicanos, os jovens são preparados para encarar vários desafios na vida adulta, ora através dos ritos de inicia-ção, ora através de ensinamentos práticos como a pastorícia, os trabalhos domésticos e o respeito pelos mais velhos. A educação religiosa, tanto das igrejas sincréticas como das cristãs, são outra forma de preparação dos jovens para a sua vida em sociedade ou para a sua reprodução social.

Mateus, jovem conhecedor destas práticas sócio-culturais da sua comuni-dade e educado num ambiente religioso, não poderia ser uma excepção. Neste contexto, decidiu formar a sua própria família, tendo-se casado em 1931, com Rebeca José Muthombene, em Chicumbane. A sua esposa era igualmente conhecida nos meandros familiares por Nwa Jossefa, o que literalmente significa filha de Jossefa. Culturalmente, insere alguns aspectos como a laudação e a valorização de noras.

Nwa Jossefa, tal como a sua sogra, Jael Makavi, era natural de Djelene, um pequeno povoado adjacente ao bairro de Feniceleni, cidade de Xai--Xai.

O casal Mateus e Rebeca teve doze filhos3 dos quais apenas seis permane-cem vivos , nomeadamente: Laura, Rufina, Mário, Judite, José e Helena.

3 Milagre (nascido em 1932); gémeos Sansão e Patrício, (1933); Frederico (1936); Laura (1938); Rufina (1943); Aniceto (1947); Mário (1949); gémeos José e Judite (1951); Helena (1955) e Evaristo (1957).

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Rebeca Muthombene, esposa de Mateus Muthemba

A personalidade de Mateus Muthemba deveu-se, em larga medida, à edu-cação do seu pai, Sansão Machumbane Muthemba. Como foi referido, este era professor, evangelista e nacionalista.

Sansão Machumbane Muthemba, como era apanágio da época, trabalhou nas minas da África do Sul. Foi neste país onde teve o primeiro contacto com a religião4, através da Campany Mission, e obteve a arte evangélica.

4 Matusse e Bucuane. ARPAC, 2003.

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Como professor, além de ter trabalhado em Chicumbane, exerceu esta função em Mabambuto, Malehice, em Gaza. Foi um professor e evan-gelista bastante concorrido pelas populações circunvizinhas, que o pre-feriam, preterindo a escola missionária da Igreja Católica Romana. Era bastante procurado devido às suas ricas metodologias de ensino.

Como nacionalista, Sansão M. Muthemba está ligado à história da im-prensa moçambicana e ao desenvolvimento da consciência nacional, no período dos irmãos Albasini (1909-1933), altura em que surgiram em Moçambique os primeiros jornais bilingues5. Muitos artigos por ele as-sinados tinham o pseudónimo Mariano Cossa. Sansão figurava entre os mais conhecidos escritores da página de “O Brado Africano”, editada em língua xichangana.

Filhos de Mateus Muthemba

5“Estes jornais, por serem bilingues abarcavam diferentes auditórios (de língua portuguesa e tsonga) e tiveram uma importância considerável no sentido de atrair a população local para a vida social e cultural activa, apoiando-se nuns poucos letrados e assimilados (...) e foram os leitores destes jonais da primeira decáda dos anos 1900 que desempenharam um papel muito importante e progressivo no desenvolvimento da consciência nacional” (Manhiça, Edmundo. (s/d). Ideias Políticas na Imprensa de Moçambique (1854-1933).

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Num desses artigos publicados no “O Brado Africano”, Sansão Muthemba encorajava a resis-tência contra a dominação e va-lorização da cultura africana e da escola, como um instrumen-to de afirmação dos moçambi-canos.

No contexto das políticas do Estado colonial, a relação en-tre este e as Igrejas protestan-tes tornou-se conflituosa, a um dado momento. Por exemplo, quando se pretendia erguer a igreja da Missão de Santa Rosa de Viterbo de Malehice, em Chibuto, junto à missão pro--testante, liderada por Sansão Muthemba, este opôs-se vee-mentemente contra esta ideia.

Padre Joaquim da Cruz Boavida. Fonte Matusse e Bucuane, (2003)

Matusse e Bucuane (2003:30) referem que a “razão da disputa residia no facto de cada uma das denominações concorrer para o mesmo grupo populacional e mesma área geográfica”.

Consequentemente, Sansão Muthemba foi depois preso por ordens dos padres coloniais e, em 1916, enviado para combater na I ª Guerra Mun-dial (1914 – 1918), no Norte de Moçambique. Regressado da guerra, em 1918, Samussone passou por Malehice, onde exibiu ao Padre Joaquim da

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Cruz Boavida, a “Cruz de Guerra”, condecoração de bravura, com que fora agraciado, como uma prova de homem destemido na luta contra os alemães. O perfil de educador, evangelista e espírito nacionalista de Sansão Ma-chumbane Muthemba reproduziu-se nas gerações seguintes da sua famí-lia, e em Mateus Muthemba, em particular. Foram estas qualidades que Mateus viria a usar para se opor ao sistema colonial.

À sua família, Mateus transmitiu o amor pelo trabalho, como factor im-prescindível para o sucesso na vida. Como forma de complemento dos seus rendimentos, dedicou-se igualmente à prática da agricultura, no vale do Rio Limpopo.

Mateus Muthemba começou a actividade agrícola em Languene. Com uma junta de bois, que ele e família, carinhosamente denominavam por “Valente e Makhandane”, produzia trigo e milho. Com efeito, em alguns grupos etnolinguísticos, como o changana e tswa, atribui-se nomes aos bois, podendo ser em invocação dos espíritos dos ancestrais ou em me-mória a um acontecimento marcante, ocorrido ao longo do tempo. Assim, os nomes dos bois de Mateus estavam associados à denúncia das atroci-dades da administração colonial.

Por exemplo, Makhandane era alcunha de um destemido administrador do distrito da Macia, muito conhecido pela prática do xibalo, trabalho forçado. É interessante esta forma inteligente do recurso à cultura para denunciar as injustiças que acontecem em certas dinâmicas societárias. Mais tarde, com a compra de um tractor de marca “Massey Fergusson”, Mateus adquiriu cerca de 40 hectares na baixa de Chicumbane, onde produzia milho, algodão, trigo e legumes. Numa outra zona de Xai-Xai, Inhamissa, produzia arroz e banana, em 2 hectares. Na zona de machon-gos, próximo do actual Hospital Provincial de Gaza, tinha um outro cam-po agrícola, no qual cultivava, como alternativa de produção, na época seca.

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Muthemba ensinou aos seus filhos e às outras pessoas que com ele vi-viam, a acordar cedo e a cuidar das culturas, vigiando pássaros ou mesmo a participar em várias actividades, como a lavra, a sementeira e a sacha. Enaltecendo os seus ensinamentos, passados quarenta anos após a sua morte, Mário, seu filho, assim se pronunciou:

- “ Como pai continua perto de nós, pois a sua educação está presente na nossa família. Continuamos cientes de que o sucesso na vida reside no trabalho. O outro ensinamento foi a amizade entre a família como forma de auto-valorização e preservação e ainda de juntos podermos vencer os desafios quotidianos6”.

Mateus organizava regularmente excursões para se visitar os seus verde-jantes campos agrícolas, convidando para tal os seus familiares e amigos. Era uma forma não só de convivência social, como também de mostrar a importância do trabalho agrícola na melhoria das condições de vida.

Mateus Muthemba não era somente esposo, pai, tio e irmão mais velho da sua família. Era também uma figura proeminente no seio das comuni-dades. Com estas, partilhava os seus conhecimentos, tanto os relativos ao professorado e à religião, quanto à meteorologia.

Professor prestigiado que era, Kokwane Mateu, ou seja vovó Mateus, como era simpática e carismaticamente tratado, não se cansava de ajudar as pessoas a vencer os obstáculos quotidianos colocados pelo sistema colonial. Anota-se que os moçambicanos que não fossem assimilados ti-nham uma série de barreiras na sua vida, mesmo que não estivessem na condição de analfabetos.

Mateus Sansão Muthemba tinha adquirido o estatuto de assimilado e, por conseguinte, estava ciente dos obstáculos que muitos dos seus compa-triotas tinham que vencer para conseguir viver condignamente.

6 Mário Muthemba, entrevista de 18/05/08.

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Por essa e outras razões, Muthemba sempre se predispôs a apadrinhar ou a ser tutor daqueles que assim o solicitavam, no preenchimento de docu-mentos para vários fins, como a celebração de casamentos, o acesso ao emprego, a obtenção de bilhete de identidade, a candidatura aos exames de admissão e guias para viajar de Xai-Xai para Maputo.

No seu trabalho incansável de apoio aos seus compatriotas, Mateus apre-sentava-se com clarividência dos factos e isso fê-lo entender de jurispru-dência. Era habilitado de conhecimentos suficientes para ajudar o seu povo a se defender de injustiças laborais, do racismo, entre outras arbi-trariedades perpetradas pelo sistema colonial português. Era um homem firme e decidido, o que levou a que fosse temido por alguns colonos, particularmente, os que residiam em Xai-Xai.

Como meteorologista, auxiliava as comunidades na identificação de boas épocas agrícolas ou de mau presságio. Geralmente, com a sua bicicleta, circulava junto das comunidades de Feniceleni, Languene e Chicumba-ne, para anunciar-lhes a proximidade das chuvas propícias para as se-menteiras ou mesmo de intempéries.

Este apoio prestado aos seus concidadãos fê-lo uma pessoa carismáti-ca. Mateus Muthemba era um agente mobilizador dos agricultores locais para contestarem contra a política agrícola discriminatória da adminis-tração colonial. Tal política não concedia incentivos nem benefícios aos agricultores negros, pejorativamente tratados por machambeiros.

Consequentemente, em 1964, aquando da inauguração da ponte sobre o rio Limpopo, em Xai-Xai, cerimónia presidida pelo Contra-Almirante Américo de Deus Rodrigues Tomáz, Chefe de Estado Português, Mateus Muthemba liderou um grupo de agricultores locais, que se fizeram pre-sentes ao local, tendo levado consigo charruas, juntas de bois, enxadas e outros instrumentos destinados ao trabalho agro-pecuário, como forma de protesto e exigência de políticas agrícolas igualitárias.

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Destacado por um círculo, Mateus Sansão Muthemba, apadrinhando um casamento

Mateus foi um religioso fervoroso e convicto. Entre outras actividades, ele dirigiu de 28 de Julho de 1942 até Agosto de 1943, os mintlawa, co-nhecidas por patrulhas de rapazes em Antioca, Magude. É de realçar que a introdução dos mintlawa, como mecanismo de educação e formação na igreja Missão Suíça, é entendida como alternativa informal mais efi-ciente, de educação da juventude face às restrições práticas e legislativas impostas pelas autoridades portuguesas em Moçambique àquelas igrejas.

Vários autores preocuparam-se em analisar o fundamento e o impacto dos mintlawa na instrução dos jovens. Matusse (2005: 25) refere que nas patrulhas a ênfase ia para a liderança, hierarquia, organização interna do grupo, cooperação, respeito mútuo e solidariedade entre os seus mem-bros.

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Aquele autor acrescenta que, para praticar estes princípios se privilegia-vam as actividades colectivas como debates, jogos, teatro, canções, dan-ça e campismo.

Estas e outras actividades colectivas similares exigiam a participação de todos os membros do grupo, o espírito de sacrifício e de ajuda mútua, o desenvolvimento e promoção de uma visão comum. Entre 1955 e 1962, Mateus foi Ancião e membro do Consistório Local na paróquia da Missão Suíça de Mazengane, Xai-Xai e do Consistório Geral que se reunia uma vez por mês, na paróquia principal de Chicumbane.

Paróquia de Mazengane

Vivendo em Xai-Xai, pregava mais vezes na paróquia de Mazengane, cujo responsável era o Evangelista Marcos Macamo. Mateus era prega-dor, visitante de famílias e, periodicamente, era escalado para pregar na Missão de Chicumbane.

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Mateus foi sempre um membro activo da igreja e pregava com grande fervor. Gostava muito dos hinos n°s 11 e 172 e cantava-os sempre com grande entusiasmo nas suas pregações.

Hino 11 – Demos Graças à Deus

Em Changana

1.A hi tlangelen Yehova, - A nga ye Xikwembu xeruHi xo xi vumbiki tilo, - Ni misava, ni hinkwaswu.

2.A ku na Xikwembu ximben, - Lexi nga xone hi ntshima,Lexi nga na ni vutomi, - Lexi nga hi hanyisaka.

3.Vito drakwe hi Yehova, - Leswaku “Lweya hanyaka”,A ngeke na masungulo, - Lewya ngeke na magumo.

4.Aku druma ha likhulu, - Ku drumisa ye Yehova;Ni matilo ma kombisa – Vukulu bra ntamu wakwe.

5.Na hine vhanu, hinkweru, - Hi nga swivumbiwa swakwe.A hi drumisen Yehova, - Hi huva, hi mu kulisa.

Em Portuguêes

1.Demos graças a Jeová, - Que é o nosso DeusEle criou o Céu, - A Terra e tudo.

2.Não existe outro Deus, - Verdadeiro,Que dá a vida, - Que nos possa salvar.

3.Seu nome é Deus, - O que significa “Todo Poderoso”,Não tem princípio, - Nem Fim.

4.O eco de tudo que na Terra existe, - Enaltece o nosso Deus;O Céu demonstra, - A Grandeza do Seu Poder.

5.Nós todos humanos, - Por ele criados.Enaltecemos a Deus, - Gritemos, Enalteçamos o seu Nome.

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Neste âmbito, manteve fortes ligações com os professores Marcos Maca-mo e Amone Muthemba, pai de seu primo Luís Amone Muthemba com quem esteve na Tanzania. Estabeleceu relações, igualmente, com Elias Gaide Manhique, Elisha Macunguele e com os pastores Ernesto Bembe-nene Zitha, que trabalhou na paróquia de Chicumbane de 1957 a 1963 , e Gabriel Makavi, seu tio, de quem bebeu bastante sabedoria e ensina-mentos da vida.

A acção mobilizadora e nacionalista de Muthemba fez-se sentir também no seio da comunidade religiosa. Ele buscava na Bíblia expressões que estimulavam a consciência nacionalista. Por essa razão, era adorado por muitos crentes.

Apesar da vigilância a que ele estava sujeito pela PIDE, não vacilava, arrastando multidões para a Igreja de Mazengane. Neste sentido, a igreja Missão Suíça desempenhou um grande papel ao tornar-se um espaço de promoção da liberdade dos moçambicanos, ao anuir a realização de acti-vidades políticas no seu seio.

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4. Participação na Luta Clandestina

Mateus Muthemba faz parte dos primeiros grupos de moçambicanos que se envolveram na luta clandestina, particularmente, na província de Gaza e na cidade de Maputo. Fazia parte de uma elite negra, constituída por funcionários públicos, assimilados e outros que tinham tido acesso a uma formação académica e que conseguiam ombrear com alguns colo-nos. Desta forma, revelavam uma elevada consciência patriótica e alguns seriam o suporte da Luta Armada de Libertação Nacional, sobretudo a clandestina.

Do grupo de amigos de Mateus e de seus irmãos, Abiatar e Abner, cons-tam nomes como Joaquim da Silveira, Augusto Lucas Mhula, Júlio Makavi, Carlos Mazivila, Marcos Macamo, Damásio Loforte, Franco, Galibo, Afonso Casalino Mazuze, Gil Mazuze, Afonso André, Nicolau Abílio Fernandes, Marcos Novele, António Ribeiro, Eusébio Tamele e Alberto Chissano. Este último, pai de Joaquim Alberto Chissano, Presi-dente da República de Moçambique, de 1986 a 2004.

Parte deste grupo, organizou, na praia Sepúlveda, actual praia de Xai--Xai, um jantar de confraternização com o Dr. Eduardo Mondlane, então funcionário das Nações Unidas, aquando da sua visita a Moçambique em 1961. O jantar contou com a participação de dignitários do regime colonial, entre administradores, chefes de posto e régulos. Estiveram igualmente presentes, crentes da Missão Suíça e vários dirigentes nacio-nalistas7.

Durante aquela cerimónia, fortemente vigiada pela Polícia Internacio-nal e de Defesa do Estado (PIDE), Eduardo Mondlane conseguiu trocar 7 Janeth Mondlane comenta a propósito que tal era a diplomacia e subtileza envolvida na prepara-ção da visita do Dr. Eduardo Mondlane, que a organização do banquete que lhes foi oferecido era co-liderada pelo próprio governador português de Gaza, Óscar Ruas, Mateus Sansão Muthemba e por João Mapangalane, régulo de Manjacaze e primo de Eduardo Mondlane. (Mondlane, J., 2001. O meu coração está nas mãos de um negro. 2ª edição, CEA, Maputo (pp. 202-3).

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ideias e lançar mensagens que encorajavam os participantes a se envolve-rem no combate contra o colonialismo português. Simulando saudações dirigidas individualmente em jeito de abraço, ia trocando informações sobre a situação política no país.

Recorrendo à língua changana, Mondlane quis informar-se junto de Ma-teus Muthemba, sobre a situação política em Gaza, nos seguintes termos:

- “Ma hanha lomu kaya kê?”, ou seja, Como se sentem cá na terra?

Em resposta Mateus Muthemba, retorquiu:- “Hi kona, kambe ha tukurha”. Estamos vivos, mas a sofrer.

Na mesma ocasião, exortou aos mais novos a se dedicarem aos estudos. Dirigindo-se a Rufina Muthemba, filha de Mateus, transmitiu a seguinte mensagem:

- “Estudem, estudem muito”.

Momento do jantar oferecido ao Dr. Eduardo Mondlane em Xai-Xai. Em primeiro plano, vê-se Mateus Sansão Muthemba, à direita, e seu amigo Damásio Loforte, à esquerda

Depois desta visita de Eduardo Chivambo Mondlane, a vida política to-maria outro rumo naquela região do país. Os moçambicanos tinham per-cebido profundamente a mensagem de libertação daquele que, em breve,

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seria o arquitecto da Unidade Nacional, com a formação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).

As autoridades coloniais locais desconfiavam do envolvimento de Mateus Sansão Muthemba em actividades consideradas subversivas. Por isso, a PIDE, mais tarde denominada Direcção Geral de Segurança (DGS), o considerou perigoso e assim começou a seguir os seus movimentos.

De facto, Mateus fazia passar mensagens de acontecimentos políticos relevantes. Por exemplo, segundo, Ernesto Mucache, quando se deu o massacre de Mueda, em 1960, foi Mateus quem lhe transmitiu esta infor-mação, tendo feito também para outros concidadãos da sua confiança8.

Consequentemente, retiraram da sua casa os aparelhos de transmissão e instalaram-nos na administração, em Xai-Xai, exactamente no gabine-te do administrador. Na residência de Mateus permaneceram apenas os barómetros e outros instrumentos de medição meteorológica. A partir de então, ele passaria a trabalhar naquele gabinete, com o propósito de se vigiar a sua actividade política.

Administraçao de Xai-Xai

8 Entrevista de 13/05/2008.

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Assim, Mateus Muthemba passou a fazer as transmissões na presença do aspirante ou do administrador. Doravante, tinha de deixar com eles o teor das mensagens expedidas, recebidas e/ou explicar o seu teor caso não fossem claras.

Não obstante esta forma de trabalhar a que Mateus estava sujeito, há relatos de acções de mobilização das comunidades para se revoltarem contra a colonização. Mateus Muthemba, usando a sua bicicleta, liderava um grupo que, à calada da noite, espalhava panfletos, ridicularizando a ordem política e administrativa colonial.

Um dos panfletos amplamente espalhados tinha a figura de António de Oliveira Salazar, líder do fascismo em Portugal. Neste panfleto Salazar aparecia a ser pontapeado por um indivíduo negro, facto interpretado como uma clara manifestação de afastamento dos fascistas deste país.

Enfurecidos com os desmandos dos colonos em Xai-Xai, Mateus Mu-themba, na companhia de um grande amigo seu, Augusto Lucas Mhu-la, telegrafista dos Correios, Telégrafos e Telefones (CTT), chegaram a enviar um telegrama para Salazar, queixando-se destas arbitrariedades. Questionado sobre esta ousadia, Abner Muthemba assim se referiu:

- “Augusto Mhula como telegrafista, conhecia muito bem a sua área de trabalho. Sabia que àquela hora da noite já não havia muito controle das frequências”.

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Augusto Lucas Mhula, Combatente na clandestinidade e amigo de Mateus Muthemba

Mas nós também estávamos revoltosos, já não sabíamos o que fa-zer, esperávamos alguma reacção de Salazar, o que nem chegou a acontecer9”.

As incursões de Mateus Muthemba estendiam-se até Chilembene. Nesta região de Gaza ele mantinha estreitas relações com Moisés Malengane Machel, pai do primeiro presidente de Moçambique Independente, Sa-mora Machel. A partir dali já se estabelecia uma rede de contacto com a sede da FRELIMO, em Dar-es-Salaam, através de vários emissários, dentre eles Maduna Xinana, também conhecido por Joel Guduane. 9 Entrevistado de 18/05/08. Maputo.

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Abel Casimiro Mathié recorda-se de ter acompanhado Mateus Muthem-ba a Chilembene por duas vezes. Na primeira vez, encontrou-se com Moisés Machel e, na segunda, com Maduna Xinana. Neste último encon-tro, recolheram panfletos para serem distribuídos em Xai-Xai. De facto, estes foram distribuídos, não só nesta urbe como em Chicumbane. Neste último local fizeram-no com a anuência do régulo António Bila, vulgar-mente conhecido por Mabuyawane.

Refira-se que os régulos exerceram papéis diferentes no decurso da luta clandestina. Enquanto uns se mantinham fiéis à administração colonial, vigiando e denunciando os militantes da FRELIMO, outros se associa-ram a este movimento, exercendo um papel dicotómico. Por um lado, faziam-se passar por servidores do sistema colonial quando, por outro lado, no fundo eram fiéis servidores da causa nacionalista.

O régulo Mabuyawane fazia parte destes últimos. Com efeito, esteve en-volvido na distribuição de panfletos trazidos por Mateus Muthemba de Chilembene. No entanto, no dia seguinte, como era sua obrigação, não reportou este acontecimento a tempo, ao administrador. Este tomou co-nhecimento através de um padre.

Quando se apresentou na administração para comunicar a notícia, o ad-ministrador “Cobra Mamba” disse que ele o fazia extemporaneamente. Reagindo ao administrador, afirmou que acabava de tomar conhecimento da ocorrência. Esta situação valeu-lhe uma grande repreensão de “Cobra Mamba”, assim conhecido pelas suas atrocidades contra os moçambica-nos10.

Na tentativa de controlar as actividades de Mateus Muthemba, as autori-dades coloniais transferiram-no de Xai-Xai para Maputo, em princípios de 1963. Aqui prestava serviços ora na Sede dos Serviços de Meteorolo-gia, ora na Rádio Naval, na Machava, ou ainda na torre de Controlo do Aeroporto de Maputo, como radiotelegrafista.

10 Abel Casimiro Mathié, entrevista de 13/05/2008.

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Residência de Mateus Muthemba, no Bairro de Chamanculo, na altura

da sua fuga para se juntar à FRELIMO

Em Maputo, Mateus e seus filhos Milagre, Judite e Rufina residiam no bairro do Chamanculo, numa casa arrendada. Porque a transferência foi tão súbita e, deste modo, não tendo dado tempo para a família se prepa-rar, o casal Mateus e Rebeca decidiu que esta última ficaria em Xai-Xai a cuidar das propriedades e de outros bens familiares, assim como de outros filhos em idade escolar.

Nessa altura, a luta clandestina era bastante intensa na Cidade de Mapu-to. Com efeito, destacavam-se como importantes pólos desta luta, entre outros, o Núcleo de Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM), o Centro Associativo dos Negros da Colónia de Moçambique e a Igreja Missão Suíça.

A actividade política do NESAM era feita de forma discreta. No entanto, esta organização era um viveiro do nacionalismo moçambicano, onde os jovens se envolviam na preparação da Luta Armada de Libertação Nacio-nal, usando, algumas vezes, o espaço da Associação dos Negros.

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Faziam parte do NESAM vários estudantes, alguns dos quais depois se juntaram a FRELIMO. Por sua vez, a Igreja da Missão Suíça, nos seus cultos, principalmente, nas Paróquias de Chamanculo e do Khovo, esti-mulava o espírito nacionalista, com base nas Escrituras e no Evangelho.

Paralelamente, na Tanzania, estavam em curso os preparativos para o início da luta à luz das decisões tomadas no 1° Congresso da FRELIMO, realizado de 23 a 28 de Setembro de 1962, entre as quais, a Luta Armada como um dos meios para a conquista da independência nacional. Por isso, eram enormes as necessidades em combatentes, o que levou à inten-sificação de acções de mobilização massiva e recrutamento.

Com efeito, foi no período entre 1962 e 1964 que muitos nacionalistas como Samora Machel, Tomás Nduda, Joaquim Munhepe, Paulo Samuel Kankhomba, José Macamo, dentre muitos, ingressaram nas fileiras da Frente de Libertação de Moçambique. Consequentemente, a PIDE inten-sificou as actividades de perseguição, tendo preso militantes, com vista a evitar que o eco da luta fosse do domínio das comunidades.

Visando a preparação da luta armada para o sul do país, a FRELIMO decidiu criar a IV região militar. Na sequência desta decisão foram envia-dos vários emissários, nomeadamente: Vicente Muiambo (o Misterioso), Maduna Xinana, Matias Mboa e Albino Maheche.

É neste contexto que Mateus Sansão Muthemba recebe, em sua casa, Vi-cente Muiambo, emissário da FRELIMO. Foi com Muiambo e António Merinho Ferrão, que Mateus se deslocava a vários pontos da província de Gaza, aos finais de semana, para a mobilização e o recrutamento de militantes. Para estas viagens, utilizavam o carro “Plymouth” do seu fa-lecido filho Sansão.

Mateus Sansão Muthemba, para além da escuta secreta das emissoras de rádio estrangeiras que reportavam o desenrolar da guerra no norte do país, mobilizou e organizou camaradas em núcleos. Estes núcleos eram normalmente compostos por três a seis pessoas e, neste último caso, in-cluindo uma mulher. Porém, os vários núcleos desconheciam-se uns aos outros por motivos de segurança.

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A título de exemplo, um dos núcleos de actividade clandestina era com-posto por Ernesto Mucache (um dos entrevistados), Milagre Muthemba (o filho mais velho de Mateus), Elias Muhlanga e Alberto Massango.

Ainda em 1964, vindo da Tanzania, chegou outro emissário da FRELI-MO, Maduna Xinana. Este também ficou alojado em casa de Mateus Sansão Muthemba durante cerca de três meses. Maduna Xinana perma-neceu naquela casa num quarto, incomunicável, saindo apenas nas noi-tes, recolhendo de madrugada.

Maduna Xinana, emissário da FRELIMO

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Esta permanência de Maduna deveu-se à confiança que Mateus Sansão Muthemba depositava em sua filha Rufina sobre questões políticas. As-sim, não hesitou em responsabilizá-la pela estadia daquele emissário no seio da família. Ela era também um dos elos de ligação entre aquele emis-sário e os militantes, principalmente na entrega de recados, de documen-tos secretos, incluindo os panfletos.

A respeito das prisões de 1964, Amós Mahanjane conta que elas incluí-ram a captura de um grupo de oito moçambicanos, nomeadamente: Mi-lagre Mazuze, Armando Guebuza, Ângelo Chichava, Josina Muthemba, Cristina Tembe, Mariana Isabel Saraiva, Simone Chivite, para além de si próprio.

Estes foram presos em Victoria Falls, no Zimbabwe, quando estavam a fugir para a Tanzania. Deportados para Moçambique, Mahanjane conta que Ângelo Chichava foi encarcerado durante 6 meses, por ser o líder do grupo, e os restantes permanecido 5 meses em reclusão.

A saída deste grupo coincidiu mais ou menos com a altura em que Ma-duna Xinana se encontrava escondido em casa de Mateus Muthemba. Assim, alguns nacionalistas passaram a ter pequenos encontros com ele, nesta casa.

Em 1964, Matias Mboa, até então chefe de material e de segurança na base Kongwa é indigitado para ocupar o cargo de representante da FRE-LIMO na Swazilandia. A sua tarefa específica era de mobilizar e recrutar moçambicanos para o desencadeamento da Luta Armada no Sul.

Matias Mboa trazia da Tanzania uma lista de pessoas a contactar em Mo-çambique. Dentre eles figuravam os nomes de Mateus Sansão Muthem-ba e seus irmãos Abiatar e Abner, José Craveirinha, Rogério Ndzawana, Armando Muiuane, Lemos e Aleluia. Todavia, este plano viria a não se concretizar, porque a PIDE deteve Matias Mboa e apreendeu as armas e demais material que ele trazia. Com ele foram também presos muitos militantes que integravam a sua rede.

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Com o objectivo de libertar os presos do grupo de Matias Mboa que se encontravam na Ilha da Xefina, em Maputo, ainda em 1964, desloca-se a Moçambique Albino Maheche, vindo da Swazilandia. Fazia parte da sua missão, igualmente, contactar Mateus Muthemba para mobilizá-lo a sair de Moçambique, uma vez que já era iminente a sua prisão.

O contacto com Mateus Muthemba foi facilitado por um colega seu nos serviços meteorológicos, Avelino Matsumane. O encontro estava mar-cado para a casa de José Mantangala, algures no bairro de Chamanculo. Esta reunião acabou por não se efectivar, porque o barco que antes deve-ria levar Albino Maheche à Xefina teve uma avaria. Consequentemente, quando Maheche conseguiu chegar ao local do encontro, Muthemba já tinha ido ao serviço.

Refira-se, no entanto, que a PIDE/DGS, sob pretexto das sucessivas de-tenções que vinha fazendo, começou a veicular informações segundo as quais tinha conseguido esmagar a rebelião no Sul. Para desmentir tais informações, os militantes prepararam uma grande campanha, agendada para a noite de 24 de Dezembro de 1964. Esta manifestação consistiria na colagem de panfletos anti-colonialistas nas três cidades do Sul, nomeada-mente, Maputo, Xai-Xai e Inhambane.

No âmbito das perseguições, Mateus Sansão Muthemba é alertado do facto de a PIDE já ter descoberto a existência de Maduna Xinana na sua casa, o qual seria preso passados poucos dias. Além deste, foram tam-bém presos em Dezembro de 1964, outros guerrilheiros vindos da Tan-zania, nomeadamente: Jossefate Machel, Lameque Mulhangula, Justino Mucale, André Cuna Manjoro.

Após a prisão de Matias Mboa e de Maduna Xinana, a PIDE/DGS come-çou a encetar planos com vista à prisão de outros nacionalistas, dentre os quais Mateus Muthemba, Rogério Ndzawane e Luís Bernardo Honwana. Ao se aperceber desta situação, Mateus Muthemba começa a preparar a

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sua fuga para se juntar à FRELIMO na Tanzania. De acordo com a famí-lia Muthemba, foi na sequência disso que Mateus Sansão Muthemba se despede do seu irmão Abner nos seguintes termos:

-“ Irmão, vou para a Tanzania. Se ficarmos todos aqui seremos presos. Se não te matarem, sairás da cadeia e cuidarás da família Muthemba”.

Assim, a 27 de Dezembro de 1964, Mateus regressou mais cedo à casa. Logo dirigiu-se ao seu quarto e recolheu todos os documentos de nature-za política em seu poder, contendo entre outros dados, nomes e endereços de pessoas de contacto na clandestinidade. Depois abriu uma cova no seu quintal, na qual viria a queimar toda documentação.

Na noite daquele dia, a PIDE invadiu a casa de Mateus Sansão Muthem-ba com o objectivo de prender Milagre, seu filho mais velho, e encontrar, possivelmente, panfletos idênticos aos que foram colados e espalhados na cidade. Não encontraram nem Milagre, nem quaisquer documentos.

Na presença dos elementos da PIDE, Mateus Sansão Muthemba chama a sua filha Rufina e, usando uma parábola, disse-lhe: “Vai aí à loja dizer que eu trouxe o feijão de Xai-Xai, se o quiserem posso lhes vender”. Mensagem não preparada, mas bem compreendida. De facto a Rufina foi a correr, não à loja, mas para onde seu irmão Milagre estava escondido e advertiu-o do perigo. Este já tinha sido advertido por um amigo seu com ligações com a PIDE sobre a sua iminente prisão.

A 28 de Dezembro de 1964, às sete horas da manhã, Mateus Sansão Mu-themba despede-se da sua filha nestes termos:

- “Fina, vou-me embora. Se a PIDE chegar para me prender diga que fui ao serviço, lá no Observatório Campos Rodrigues. Eles sabem onde é. Já me obrigaram a ir juntar-me à FRELIMO para

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acelerarmos a luta. Não quero ser apanhado e morto como uma galinha. Fique sempre perto da sua mãe. Ela já sabe de tudo. Fa-lei com ela, mas sei que vai sofrer muito, ela é doente. Tome conta dos seus irmãos mais novos e do César (seu neto, filho do Sansão, já falecido). Se eu chegar lá hei-de fazer de tudo para que a vossa mãe venha também”.

Rufina, filha de Mateus Muthemba, sua confidente e elo de ligação entre Maduna Xinana e outros militantes na clandestinidade

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Milagre Muthemba, filho primogénito de Mateus

No mesmo dia, mais tarde, Mateus Sansão Muthemba encontrou-se com o seu filho Milagre em casa de Sidónio Bila. No dia seguinte, ou seja, a 29 de Dezembro de 1964, enquanto Milagre partia para a Swazilandia para se juntar aos outros jovens que já lá estavam com destino à Tanza-nia, Mateus Sansão Muthemba deslocou-se a Xai-Xai.

Sabe-se, porém, que de Xai-Xai para Maputo, Muthemba teria viajado de carro com o seu parente, Samuel Muthemba. De acordo com Ernesto Mucache, Mateus desceu no Bairro do Jardim. Ali, estava um carro à

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sua espera, cujo motorista se supõe ter sido um indivíduo de nome Vali Momed. Deste local, teria partido, provavelmente, rumo à Swazilandia.

Segundo Mucache, Samuel Muthemba visitou a família de Mateus após tê-lo deixado no Jardim. Conta Samuel ter sido um dia muito turbulento para a esposa e os filhos de Mateus. No seu depoimento, a família Mu-themba relata o seguinte:

- “Ao amanhecer do dia 29 de Dezembro de 1964, a PIDE/DGS, através de uma equipa chefiada pelo verdugo Chico Feio, invadiu a residência de Mateus na tentativa de prendê-lo. Contudo, este já se ausentara. Revistaram toda a casa; cortaram os colchões; queimaram papéis que iam encontrando pela frente; batiam as paredes e o tecto da casa de madeira e zinco e cavaram os luga-res suspeitos do quintal, mas não encontraram nada11”.

11 Entrevista com a Família Muthemba.

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5. Mateus Muthemba e Principais Rotas para Dar-es-Salaam

A fuga para se juntar à FRELIMO, em geral, obedecia a determinadas rotas. Mateus Muthemba terá seguido a rota Maputo – Swazilandia – África do Sul – Botswana – Zâmbia – Dar-es-Salaam. Com efeito, para além desta, existiam outras cinco principais rotas, nomeadamente:

a) Maputo – Chókwe – Chicualacuala – Salisbúria – Lusaka – Dar-es--Salaam.b) Malawi – Dar-es-Salaam;c) Quelimane – Milange – Malawid) Niassa – Dar-es-Salaam;e) Cabo Delgado – Dar-es-Salaam.

A rota mais complicada era a que tinha a África do Sul como ponto de trânsito. O que tornava esta rota difícil era a forte colaboração entre as autoridades sul-africanas do Apartheid e a PIDE/DGS no sentido de im-pedir o uso deste território como local de trânsito.

Saídos de Moçambique, na Suazilândia, os militantes hospedavam-se no centro de refugiados designado por Ezulwini ou em Msunduza, numa pequena casa designada Rebeldia. Vivendo nessa casa ou no centro de refugiados, os moçambicanos empenhavam-se na procura de meios para o transporte, a fim de poderem atravessar o território sul-africano para o Botswana.

No Botswana, enquanto protectorado britânico, apresentava algumas di-ficuldades na travessia. No entanto, quando passou a ser dirigido pelo Presidente Seretse Khama, forneceu um apoio particularmente importan-te neste aspecto. Com efeito, na cidade de Francistown existia um cen-tro de refugiados, controlado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

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Estes serviços transportavam os moçambicanos naciona-listas em ca-miões para a representação moçambicana em Lusaka, onde, em certos momentos, se deparavam com dificuldades de travessia. A partir desta cidade, eram acolhidos e preparava-se a sua viagem para o destino, isto é, Dar-es-Salaam.

Mariano Matsinha, chefe da representação, teceu os seguintes comentá-rios:

- “Recebíamos muitos camaradas e as condições de alojamen-to não eram e nem podiam ser das melhores. Nós explicávamos que estavam em trânsito e tinham de continuar a consentir sacri-fícios. Alguns dormiam em esteiras, apinhados nos corredores, cozinha e salas de trabalho. A maior dificuldade era garantir a sua alimentação.12”

Mariano Matsinha, o segundo, ladeado a esquerda por Samora Machel, na altura Chefe do Departamento de Defesa

12 Entrevista de 06/05/08. Maputo.

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Numa primeira fase, a República do Malawi também colaborou na cria-ção de condições de trânsito para os guerrilheiros moçambicanos, através da rota Quelimane-Milange-Malawi e outras de uso deste país. Porém, houve um período em que fortificou as suas relações com Portugal, o que tornaria mais difícil o uso deste país como via de trânsito.

As rotas relativamente fáceis eram a do Niassa e Cabo Delgado. Jogavam a favor dos moçambicanos, além da proximidade geográfica, aspectos sócio-culturais comuns com a Tanzania, sobretudo o uso da mesma lín-gua, o que dificultava a PIDE/DGS na distinção dos cidadãos de um e de outro país.

As seis principais rotas de fuga para Dar-es-Salaam

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6. Chegada à Tanzania e Feitos na FRELIMO

Depois de deixar Maputo, em Dezembro de 1964, passado algum tem-po, soube-se que Mateus Muthemba estava já em Dar-es-Salaam. Deste modo, Mateus tinha conseguido dar um passo gigantesco na concretiza-ção do seu objectivo: juntar-se à FRELIMO para libertar a pátria e os seus concidadãos do jugo colonial. Os filhos e alguns familiares tomaram conhecimento da notícia da sua chegada à Tanzania, através da Rádio “A Voz da FRELIMO”. Desta esta-ção emissora, um dia, ouviram uma canção que Muthemba tanto gostava. Era a canção nº 172, constante do hinário utilizado pela Igreja Missão Suíça.

Hino 172 – Segure minha mão

Em Changana1.Tamela voko dranga – Ndri fambisi

1. Ndri kota ndri ta thlasa – Kaya tilwen!Ndra hluleka ku famba - A vuswanga

Tamela voko dranga – Hosi yanga

2.Loko u ndri rumela - Mahlomulo,Swidrilo ni makhombo, - Ndri rulise!Ndri pfune ku hanyela – Wene ntsena.

Tamela voko dranga, - Ndri tatiya!

3.Nambi ndri nga ku voni, - Wa ndri tiva,U ndri lwela masiku – Ndra swi tiva!

Tamela voko dranga, - Hosi Yesu,Ndri kota ndri ya tlhasa – Kole henhla.

Em Portuguêes1.Segure minha mão – Guia-me

1. Faça-me chegar – À Casa Celestial!Não consigo andar - Sozinho

Segure minha mão, –Senhor meu Deus.2.Quando me pões à prova - Com sofrimento,

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Desgraças e Morte, - Acalme-me!Ensine-me a viver, - Somente para Ti.

Segure minha mão, - Dê-me força!

3.Ainda que eu não te veja, - Tu me conheces,Defendes-me outras vezes – Bem o sei!Segure minha mão, - Senhor meu Jesus,

Faça-me chegar – À Casa Celestial.

Na Tanzania, Muthemba não foi submetido a treinos militares profundos, devido a factores que não se conhecem, provavelmente a sua idade teria pesado para tal. Na altura da sua fuga para se juntar à FRELIMO, Mateus Sansão Muthemba contava com 58 anos de idade. Porém, José Moiane, outro destacado combatente da luta de libertação, assegurou que Mateus Muthemba recebeu preparação político-militar em Kongwa, tendo sido formado como instrutor, na companhia de outros 40 guerrilheiros.

No entanto, convém referir que, visando dar maior dinâmica ao desen-volvimento da luta armada, se procedeu à reorganização do Departamen-to de Segurança, tendo este sido subdividido em dois, nomeadamente: o de Segurança, dirigido por Joaquim Chissano e o de Defesa, liderado por Samora Machel.

O Departamento de Defesa incluía secções, como Operações, chefiada por Alberto Chipande e, mais tarde por Sebastião Marcos Mabote; Re-crutamento e Formação, chefiada por Cândido Mondlane; Reconheci-mento, chefiada por Pedro Odallah; Saúde, por Francisco Langa e de Comunicações, por Joaquim Munhepe.

Em Dar-es-Salaam, entre outras actividades, foi assistente da Secção de Comunicações. No que se refere a esta área, no início da luta já tinham sido formados alguns quadros; uns na Argélia e outros na então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). No entanto, a FRELIMO debatia-se com a falta de equipamentos, como receptores e emissores e, sobretudo com a inexistência de um centro de comunicações.

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Quando Mateus Muthemba chegou a Dar-es-Salaam, devido à sua reco-nhecida experiência de radiotelegrafista, foi-lhe encarregue a missão de criar o Centro de Comunicações da FRELIMO. Assim, com a integração de combatentes formados, o Centro passou a funcionar junto à residên-cia do Presidente Eduardo Mondlane. Isto não aconteceu ao acaso, as Comunicações iriam funcionar como um dos pontos nevrálgicos de toda a luta armada. Nas palavras do Tenente General Joaquim Munhepe, “as comunicações são o ouvido do comandante. Nenhuma luta pode avançar sem as comunicações”.

Joaquim Munhepe, no Centro de Comunicações da FRELIMO, em Dar-es-Salaam

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Uma vez criado o Centro, a Direcção da FRELIMO decidiu estabelecer uma rede de Comunicações. Como consequência, surgiram outros cen-tros, como o de Mtwara, de Songueia e de Mbeia, todos em território tanzaniano, exactamente nos locais onde a FRELIMO tinha as suas re-presentações.

O Centro de Mtwara controlava as operações em Cabo Delgado, o de Songueia, as operações no Niassa, enquanto o de Mbeia, controlava Zam-bézia, Tete, Manica e Sofala. Com estes centros, cuja instalação contou com a mestria e sabedoria de Mateus Muthemba, a FRELIMO passou a dispor de melhor controlo das operações no âmbito do desenvolvimento da luta armada no interior de Moçambique.

O Centro de Comunicações criado por Muthemba foi, igualmente, um dos instrumentos valiosos na luta diplomática da FRELIMO. Com efeito, neste período, Portugal e seus aliados procuraram criar uma imagem ne-gativa no Mundo, propalando informações segundo as quais a FRELIMO não existia e que, consequentemente, não havia guerra em Moçambique. Aliás, tentaram passar esta imagem em relação a todas as suas ex-coló-nias que tinham optado pela via da luta armada para derrubar o colonia-lismo português, nomeadamente, Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau.

No Cento de Comunicações tinha sido instalado um serviço de informa-ção e de escuta das operações militares coloniais. Mateus Muthemba, exímio conhecedor das comunicações, tinha habilidade na gestão das frequências e assim fazia o uso dos Serviços de Informação Portuguesa das Forças Armadas (SIPFA). Deste modo, sabia como captar e decifrar os despachos secretos que Portugal fazia diariamente com todas as suas colónias, sobre o desenrolar da situação militar.

Os despachos tinham início às 20: 00 horas local. Assim, Muthemba, na companhia de três ou quatro operadores, tinham a missão de fazer a escuta e de descodificar o sistema Morse, dactilografando o conteúdo das

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mensagens, uma actividade que se prolongava até à madrugada. A infor-mação resultante deste exercício era entregue por Mateus Muthemba to-dos os dias ao Presidente Eduardo Mondlane, aliás com o qual coabitava a mesma residência.

Por sua vez, o Presidente da FRELIMO utilizava esta informação para o seu trabalho, nas reuniões em que participava, incluindo os encontros nas Nações Unidas, dentre outras circunstâncias em que ela fosse importan-te. Nas suas intervenções, o Presidente Mondlane prestava informação minuciosa sobre a guerra em Moçambique, referindo-se, por exemplo, ao número de soldados abatidos, os locais, a hora, as baixas em equipa-mentos, por aí em diante.

Com este tipo de intervenções, a FRELIMO conseguiu contrariar e des-truir a imagem negativa a ela associada, de que não havia guerra em Mo-çambique, passando assim a ser reconhecida internacionalmente como um movimento nacionalista de luta pela libertação do país, e não um grupo de terroristas ou “turras”, como era chamado pelos colonialistas portugueses. Por detrás deste sucesso, encontra-se a figura de Mateus Muthemba.

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7. Morte de Mateus Sansão Muthemba

7.1. A situação política no seio da FRELIMO

Para melhor compreensão das circunstâncias em que Mateus Muthem-ba morreu, é necessário revisitar a situação política vivida no seio da FRELIMO, anos antes daquele fatídico acontecimento. Neste processo, destacam-se, entre outros aspectos, por um lado, as dificuldades do exér-cito português em contrariar o avanço da luta armada no interior e, por outro lado, questões ideológicas. Estas últimas prendiam-se com as difi-culdades de definição clara da natureza do inimigo e ainda da dimensão geográfica e, sobretudo, etnoliguística do país a ser liberto.

Relativamente ao avanço da luta, refira-se que desde o seu início a 25 de Setembro de 1964, a FRELIMO ia libertando cada vez mais territórios, nas províncias de Cabo Delgado e Niassa. Eram estes espaços geográfi-cos que iam dando origem às zonas libertadas. De igual modo, a FRELI-MO ia também alargando a luta armada com a abertura de novas frentes. Neste âmbito, em Março de 1968, foi reaberta a frente de Tete, o que indiciava a extensão da luta para a região centro do país.

As sucessivas derrotas que as tropas portuguesas iam registando, leva-ram o Governo colonial a adoptar uma nova estratégia para aniquilar a FRELIMO. À semelhança do que fizera em relação aos grupos de luta clandestina, a PIDE conseguiu infiltrar-se no seio da Frente de Liberta-ção de Moçambique, fomentando o espírito de divisionismo, racismo, tribalismo, entre outras formas de separatismo, ou seja, procurando pôr em causa a ideologia de Unidade Nacional, fortemente defendida pelo Movimento.

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As manifestações de racismo foram descritas por Armando Guebuza, en-tão Inspector das Escolas da FRELIMO, apontando os seguintes episó-dios:

-“O Padre Gwendjere, apoiado por Uria Simango, dizia que o Instituto Moçambicano estava errado por ter professores bran-cos, aludindo-se a Hélder Martins, Fernando Ganhão, Jacin-to Veloso e outros. Relativamente à língua de ensino, o Padre Gwendjere defendia que devia ser o Inglês e não o Português, alegadamente porque tal facilitaria o ingresso dos estudantes ao ensino superior.

Por outro lado, Gwendjere não acreditava que médicos de raça branca pudessem tratar, condignamente, os combatentes de raça negra. A título de exemplo, questionava como é que Hélder Mar-tins podia curá-los, se os ferimentos teriam sido causados por soldados do exército colonial, aos quais, no sentido figurado, tra-tava por pais deste médico.

Visando contornar o tratamento médico por combatentes de raça branca, o Padre Gwendjere adoptou soluções mágicas. Intro-duziu a chamada pedra negra, com a qual se podia tratar todo tipo de doenças, dispensando os brancos. É interessante notar que esta medida chegou a convencer alguns combatentes, pois tinham uma certa crença nela”.

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Armando Emílio Guebuza, ex-Presidente da República de Moçambique

De igual modo, no seio do movimento existiam militantes que viam na FRELIMO uma fonte de emprego ou de subsistência e pouco estavam comprometidos com a causa da libertação do país. Associado a este facto, havia também pessoas ambiciosas e atentas às falhas de outros camara-das, sempre que possível, caluniando-os para ascenderem aos seus cargos de chefia.

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A agravar esta situação, no Governo tanzaniano havia dirigentes que, igualmente, não compreendiam o carácter multirracial da luta levada a cabo pela FRELIMO, incitando deste modo, atitudes separatistas. Uma das manifestações desta incompreensão seria a expulsão da Tanzania de moçambicanos de raça branca, como Hélder Martins, Fernando Ganhão, João Ferreira e Jacinto Veloso.

Na mesma senda, o Presidente Eduardo Mondlane chegou a ser alvo de pressão de certos combatentes da FRELIMO, no sentido de enviar de volta a sua esposa Janet Mondlane para os Estados Unidos da América e que só poderia trazê-la ao país assim que a guerra terminasse. O pretexto desta pressão residia no facto de ela ser de raça branca.

Segundo Mariano Matsinha, dando uma resposta didáctica, o Presidente Mondlane proferiu as seguintes palavras:

- “Nós condenamos o regime do Apartheid na África do Sul, por estar a segregar a população negra. No entanto, nós também queremos segregar os indivíduos de raça branca. Este tipo de atitude não é correcto e em nada ajuda na nossa luta”.

Com estes problemas todos, a Frente de Libertação de Moçambique pas-sava a enfrentar o inimigo, para além do campo militar, também no seu seio. Dentre alguns indivíduos que lideravam a ala contra-revolucionária figuravam o Padre Mateus Pinho Gwenjere e Lázaro Kavandame. Este último, em finais de 1968, acabaria por desertar das fileiras da FRELIMO e tornar-se num grande aliado dos portugueses.

No concernente à dimensão geográfica, sabe-se que o grupo liderado por Nkavandame não concordava com a ideologia nacionalista da Direcção

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da FRELIMO de libertar o país como um todo. Nkavadame defendia o separatismo da Frente, pelo que, a um dado momento, ele insistia na cessação da luta armada e, unilateralrmente, a proclamação da indepen-dência de Cabo Delgado.

Em relação às questões de divisão etnolinguística, a sessão do Comité Central da FRELIMO, que teve lugar em Outubro de 1966, já se tinha pronunciado sobre o perigo que este assunto representava para o progres-so da luta. Foi por essa razão que condenou com veemência as tendências de triba-lismo que certos militantes manifestavam na realização das suas tarefas.

Reafirmou que tais comportamentos eram contrários aos interesses do povo moçambicano e impediam o desenvolvimento vitorioso da luta po-pular de libertação nacional. Sublinhou que o combate ao tribalismo e regionalismo era tão importante como o combate contra o próprio colo-nialismo e salvaguarda da unidade nacional e da liberdade.

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7. 2. Ataque à Sede da FRELIMO em Dar-Es-Salaam

A 6 de Maio de 1968, um grupo de reaccionários dirigiu-se à sede do Movimento em Dar-Es-Salaam, e amotinou-se junto do edifício. Um dos aspectos graves foi o encerramento do escritório. Estas acções não ajuda-vam no funcionamento dos sectores ali instalados, o que afectaria sobre-maneira todo processo de desenvolvimento da luta armada.

Sob pressão do Presidente Eduardo Mondlane e do Comité de Libertação da Organização da Unidade Africana (OUA), as autoridades tanzanianas conseguiram reabrir os escritórios da FRELIMO. A reabertura atiçou ain-da mais a onda de descontentamento no seio daqueles que se opunham ao processo revolucionário em Moçambique.

Assim, a 9 de Maio do mesmo ano, os contestatários voltaram aos escri-tórios, apostados a protagonizar distúrbios e eliminar a Direcção da FRE-LIMO. Todavia, Eduardo Mondlane e Uria Simango, presidente e vice--presidente, respectivamente, não se encontravam lá naquele momento. Estavam presentes, entre outros dirigentes e combatentes, Joaquim Chis-sano, Armando Guebuza, Cornélio e Mateus Sansão Muthemba.

Mateus Muthemba caiu nas mãos dos reaccionários e foi agredido sel-vaticamente. Em consequência dos ferimentos contraídos, foi internado no Hospital de Muhimbili, em Dar-es-Salaam, onde veio a falecer a 6 de Junho de 1968.

Armando Emílio Guebuza, então Inspector das Escolas da FRELIMO, a respeito deste trágico acontecimento, recorda-se do seguinte:

- “ Estávamos de facto a trabalhar no nosso escritório em Dar--es-Salaam, quando de repente ouvimos assobios e barulho. De-pois descobrimos que estávamos bloqueados. Só havia uma porta de saída. Eles vinham com dentes de elefante (marfim), mocas, e

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outros objectos contundentes. Começaram a agredir as pessoas que estavam no interior. Eu estava com o Cornélio e o camarada Joaquim Chissano estava no gabinete do Presidente Mondlane, ausente na altura.

Mesmo assim tivemos que sair. Rapidamente dirigi-me ao ga-binete onde estava o camarada Chissano e conseguimos sair. Quando chegámos cá fora, encontrámos alguém estatelado e en-sanguentado. Era o camarada Muthemba13”.

Dr. Eduardo Mondlane, Presidente da FRELIMO, na cerimó-nia fúnebre de Mateus Muthemba, em 1968:

- “Muthemba fez muito pela luta de libertação de Moçam-bique. Sem ele, teria sido muito difícil organizar o programa de transmissões da FRELIMO, muito importante na luta pela independência. Muthemba fez muito para o estabelecimento das bases, através das quais a rede da FRELIMO operou no Sul de Moçambique.”

Fonte: Matusse, R. e Malique, J., 2008

13 Presidente da República de Moçambique, entrevista citada.

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Edifício-Sede da FRELIMO, em Dar-es- Salaam, onde foi agredido Mateus Muthemba

A notícia da sua morte chegou aos familiares em Maputo e Gaza, fun-damentalmente, de duas maneiras. Através da “Voz da FRELIMO” e do jornal Notícias.

A voz da FRELIMO era escutada por muitos moçambicanos, apesar do cinturão da PIDE junto de residências e de grupos de amigos. Os seus noticiários, as mensagens, as canções da luta revolucionária chegavam a algumas pessoas que individual ou colectivamente se organizavam para a escuta. Segundo Abner Muthemba, para estas escutas, uns escondiam-se

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nos quartos e outros tinham que se refugiar nas matas, com cobertores, entre outras formas de protecção.

José Muthemba conta que teve acesso à informação sobre a morte do seu pai, da seguinte forma:

- “ Eu escutava regularmente a Voz da FRELIMO. Um dia, o meu tio Guiane Ardêncio Makavi e seus companheiros estavam a escutar aquela estação emissora, quando de repente vi-os atrap-alhados, tendo de seguida, entrado em murmúrios. Aproximei-me deles e quis saber o que se passava. A resposta que obtive foi que não era um assunto para crianças e que devia afastar-me. No en-tanto, no meio deste pequeno diálogo acabei percebendo a essência da notícia, mas não quis acreditar14”.

Helena Muthemba afirma ter tomado conhecimento sobre esta morte, nas seguintes circunstâncias:

- “Um jornal Notícias, em 1968, na sua página de anún-cios, publicou num pequeno quadradinho que morrera um combatente e vinha o nome de meu pai. Foi assim que tomei conhecimento da sua morte.15”

Tratava-se de facto, do Jornal Notí-cias, diário da Manhã, que na sua edição nº 14030, de Sábado, dia 8 de Junho de 1968, publicou a informação contida no extracto ao lado:

14 Entrevista de 21/04/08. 15 Entrevista de 21/04/08.

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7.3. Formas de valorização do Herói Mateus Sansão Muthemba

Depósito dos seus restos mortais na cripta da capital moçambicana

O herói constitui uma figura de referência, porque as suas realizações servem de lições que inspiram as gerações vindouras. Assim, fazem parte das principais formas de sua valorização, a criação de monumentos, plac-as públicas, murais, condecorações diversas e fixação das suas biografias em suportes materiais, como livros, documentários, para a sua divulgação na sociedade, com particular destaque para as escolas, incluindo-as nos currícula de ensino. Os nomes dos heróis são atribuídos a infra-estruturas públicas, como ruas, avenidas, escolas, unidades sanitárias, entre outras.

À luz destes pressupostos de valorização dos heróis moçambicanos, em 1979, os restos mortais de Mateus Muthemba foram transladados para a Cripta da capital moçambicana. Este acto envolveu outros malogra-dos combatentes e des-tacados nacionalistas, como Eduardo Mondlane, Filipe Samuel Magaia, Paulo Samuel Kankhomba, Josina Machel e Fran-cisco Manyanga.

• Atribuição do seu nome a infraestruturas públicas

Para além dos seus restos mortais terem sido depositados na Praça dos Heróis Moçambicanos, em Maputo, como forma de imortalizar a vida e obra de Mateus Muthemba, o seu nome foi atribuído a infraestruturas sociais e públicas, em diferentes pontos do país.

Assim, na cidade do Maputo, o seu nome foi atribuído a uma avenida, situada no Bairro da Polana Cimento. Na cidade da Beira, Mateus Sansão Muthemba é o nome de uma das mais prestigiadas escolas.

A cerimónia de deposição das urnas contendo os seus restos mortais ocorreu no dia 3 de Fevereiro desse ano, dirigidas ao mais alto nível, pelo então Presidente da República, Samora Machel e na companhia de altos dignitários nacionais e internacionais. A esposa de Mateus, Rebeca Mu-thombene, filhos e familiares presenciaram, igualmente, este acto solene.

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Homenagem à esposa Rebeca Muthombene

Refira-se, no entanto que Rebeca viria a falecer a 17 de Agosto do mesmo ano, em Maputo, vítima de um ataque cardíaco, sete meses após a recep-ção dos restos mortais do seu marido. O seu funeral foi honrado pela par-ticipação de altos dignitários da FRELIMO e do Estado Moçambicano, o que se pode entender ter-se tratado de sua homenagem, e ainda do seu marido, Mateus Sansão Muthemba.

Momento do funeral de Rebeca Muthombene, esposa de Mateus Sansão Muthemba. Ao centro vêem-se Milagre Muthemba, Abiatar Muthemba (coroa de flores) e ex-companheiros de Mateus, entre os quais, Armando Guebuza e Marcelino dos Santos

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o desaparecimento físico de Mateus Muthemba, perdeu-se um pai e um educador. Desapareceu desta face do planeta um homem que se tinha empenhado em ensinar às suas comunidades as várias formas de luta para a melhoria das suas condições de vida.

A morte de Muthemba deixou muitos crentes da Igreja Missão Suíça sem o seu grande líder. Uma figura que se tinha comprometido com o desen-volvimento da moral e da religião, não como algo associado somente ao espírito, mas, sobretudo, à educação, em prol do desenvolvimento do seu povo.

A queda do mestre Muthemba significou um grande golpe no decurso da Luta Armada de Libertação Nacional, particularmente na organização e funcionamento do Sistema de Comunicações.

Com a morte de Mateus Sansão Muthemba, perdia-se um dos grandes obreiros da revolução moçambicana. No entanto erguia-se um herói, cujo exemplo iluminou os combatentes até ao derrube do colonialismo em território moçambicano.

O exemplo de Mateus Sansão Muthemba, de homem clarividente, cora-joso, decidido e comprometido com a libertação do seu povo, constitui um farol, nos desafios de desenvolvimento de Moçambique, nesta e nas próximas gerações.

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Bibliografia

BUTSELAAR, J. V. “Africanos, Missionários e Colonialistas; As Ori-gens da Igreja Presbiteriana de Moçambique (Missão Suíça), 1880-1896. Lausenne: Departament Missionnaire des Eglises Protestantes de la Suis-se Romande, 1987. IMPRENSA UNIVERSITÁRIA; “Armando Guebuza: Um Pouco de Si”. Fotobiografia. Maputo: Texto Editora, 2004.

JORNAL NOTÍCIAS, Pág. 11, Edição nº 14030, de 05/06/1968. Louren-ço Marques.

MANGHEZI, N. “O Meu Coração Está nas Mãos de um Negro: Uma História de vida de Janet Mondlane”. Maputo: Imprensa Universitária, 1999.

MATUSSE, R. e BUCUANE, J. “Igreja de Malehice: Construção e Im-pacto”, Jubileu 1953-2003. MAputo: ARPAC, 2003.

MATUSSE, R.. “Guebuza: paixão pela Terra”. Maputo: Macmillann, 2005.

MONDLANE, J. R. “O Eco da Tua Voz”. Cartas Editadas de Eduardo Mondlane, Vol. 1, 1920-1950. Maputo: Imprensa Universitária, 2007.

SAÚTE, A. R. “Escola de Habilitação de Professores Indígenas José Ca-bral”, Manhiça - Alvor: (1926-1974). Maputo: PROMEDIA, 2004.

10. Anexos:

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Anexo 1. Depoimentos de Familiares e de Combatentes da Luta de Libertação Nacional.

Vovó Vinoni Cuinica (Tia de Mateus e mãe de Cadmiel Muthemba e Levi Filiano Mu-themba):

-“ Mateus era uma pessoa com muito amor ao próximo e muito inteligente. Era muito calmo, pouco falador, mas muito ponderado. Um homem de grandes acções. Ele assimilou os seus primos Caldi-na e Cadmiel Muthemba para poderem fazer os exames na escola oficial”.

Laura, Mário, José, Judite e Helena (Filhos)

Mateus era muito dedicado à família. Preocupava-se muito com o bem estar da família, educação e instrução dos filhos e demais familiares. Tomava com muito gosto todas as ocupações que ti-nha, nomeadamente, a profissão de meteorologista; evangelista e cristão. Como homem da sociedade, estendia sem pensar os seus préstimos a todos os seus concidadãos necessitados. Mateus tinha um bom sentido de humor. Contava muitas piadas aos filhos e tam-bém gostava de ir aos bailes. Era muito religioso, mas não fanáti-co. Mesmo como meteorologista continuou a pregar o evangelho, enquanto membro activo da Paróquia de Mazengane, em Xai-Xai. Apesar das enormes ocupações, dava-se tempo para pegar no seu tractor e, diariamente, ia muito cedo às suas machambas de Lan-guene e Chicumbane, antes do trabalho.

Eulália Muthemba Gundana (Sobrinha)

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Ao debruçar-me sobre a figura do meu tio Mateus, inevitavelmente focarei o foro estritamente familiar, porque é na família onde a mi-nha socialização ocorreu e como é óbvio, a família Muthemba não fugiu à regra da tradição africana, em que esta é dirigida pelo mais velho.

Era hábito o tio Mateus reunir-se com os irmãos para traçar a con-duta que deveria nortear a família, desde a orientação e a educação dos filhos.

Tinha inserção na sociedade, participando e lutando pela recupe-ração da dignidade dos moçambicanos. Um exemplo: através dos régulos, informava-se sobre os anseios da população e conjuntamente com outros concidadãos atentos da época, manifestavam-nos ao senhor Óscar Ruas, um dos adminis-tradores coloniais de Gaza.

Uma das acções de vulto foi o envio de um telegrama a António de Oliveira Salazar em colaboração com o seu amissíssimo e compa-dre Augusto Lucas Mhula, que era operador rádio telegrafista dos Correios Telégrafos e Telefones, na então cidade de João Belo. Nes-ta mensagem Mateus manifestava a Salazar o repúdio à política social de Portugal nas colónias , particularmente em Moçambique.

O tio Mateus serviu-se dos seus profundos conhecimentos bíblicos para pregar nos cultos, nas paróquias de Chicumbane, Mazengane em Gaza e de Chamanculo em Maputo. Incentivava o sentimento patriótico e a consequente revolta activa que culminava na adesão à luta de libertação da Pátria.

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Cultivou o gosto pela posse, que passou pela aquisição de terrenos para a lavoura, no vale de Chicumbane, acção a que sugeriu aos seus irmãos e afins, na busca de independência financeira.

No concernente à educação, marcou-me sobremaneira como rapari-ga, através de ensinamentos, quando dizia: “Sempre que um rapaz dirigir-te a palavra, diz-me antes que seja tarde, porque o cloro-fórmio anestesiar-te-á”, referindo-se às acções que tais conversas produziriam. Na verdade segui o seu conselho e até hoje sigo.

O meu tio Mateus foi um exemplar e exímio unificador da família, sendo que, depois que desapareceu, nada voltou a ser como antes.

Sei que o meu avô Samussone Machumbane Muthemba, seu pai, antes de morrer, incumbiu-lhe a responsabilidade da educação dos seus irmãos mais novos, bem como cuidar da mãe, a minha avó Muhlavasi Makavi (Jael Makavi, nome atribuído aquando do seu baptismo ecuménico). Mateus cumpriu à risca as recomendações verbais manifestadas da última vontade de seu pai, o que lhe gran-jeou muito respeito nas comunidades de Chicumbane, Nhanstem-bene, Magude e Manhiça, que testemunhavam o facto.

Na esfera político-social foi incansável ao ensinar a buscar nas no-tícias o exemplo para Moçambique, os casos de Nkwame Nkrumah do Gana, de Patrice Lumumba do Congo, de Che Guevara da Amé-rica Latina e do Dr. Eduardo Mondlane de Moçambique e a FRE-LIMO de que ele foi exemplo, ao partir para a Tanzania deixando Judite Aurora, sua filha menor ao abandono, em busca de melhor sorte para os moçambicanos.

A sua comunicação e vontade de ver a sua pátria liberta da escravi-dão e da ocupação colonial, culminaram com o bárbaro assassinato de que foi vítima e sucumbiu sem vacilar nem temer, o que consti-tui um exemplo ímpar para a família Muthemba.

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Foi professor em Magude, Bela Vista, Matutuíne, Hlanguene, Chi-cumbane e Alvor, onde fez o curso de professorado. Assim, é ine-gável afirmar que Mateus moldou e formou a consciência Nacional não só em Maputo e Gaza, mas também noutras regiões do País, nomeadamente, na Província de Manica, na zona central do país, onde foi colocado em Vila Pery, actual Chimoio.

Esperança Muthemba (Sobrinha)Mateus falava sempre coisas sérias. Gostava muito de dar lições de vida por meio de parábolas e incentivava muito a fala de chan-gana em casa e traduzia para os filhos e sobri-nhos em português. Falava português com fluência. Gostava muito de ler e tinha muitos livros em português e em changana. Mateus gostava muito de co-mer papas de mbila e muhungo ao pequeno-almoço, antes de ir ao trabalho. Era muito trabalhador e muito amigo da esposa e filhos e da família alargada. Era muito afectivo. Fazia questão que em finais de semana os seus filhos fossem à casa dos tios Abiatar e Abner e os sobrinhos viessem à sua casa.

Rufina Muthemba (filha)Mateus Sansão Muthemba era um homen de amor, comunicável para com todos, e disponível para ajudar sempre que fosse necessá-rio a quem quer que fosse, nomeadamente:- Elaborar processos ao tribunal de queixas de vária ordem, incluin-do acções de racismo contra moçambicanos.- Requerimentos solicitando o B.I., admissão aos exames da tercei-ra classe elementar e quarta classe, admissão ao ensino secundário, concessão de casamentos, vistos para viajar à Lourenço Marques.

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- Intervinha na ajuda de procura de emprego em repartições ou em-presas e recebia de vez em quando jovens no seu escritório para se iniciarem no trabalho burocrático. Tal foi o caso de Félix Mass-ingue, do Feniceleni.- Muitas vezes, em casos de conflitos conjugais, a sua intervenção era solicitada por alguns casais para a sua reconci-liação.- A pedido de alguns pais, intervinha nas escolas, fazendo requeri-mento às autoridades coloniais para a admissão dum aluno que fora rejeitado porque as escolas oficiais não integravam pretos.- Intervinha solicitando, por vezes, justificação e libertação de pes-soas presas sem motivos justos.

Os colonialistas temiam o Muthemba porque era firme, decisivo ao defender uma causa justa, pois até evocava os números dos artigos penais se para isso fosse necessário.

Havia casos em que ele mesmo dizia que para este assunto dirigi-rei um requerimento à Sua Excelência o Ministro do Ultramar, por exemplo: quando, em Vila Pery, a Escola Primária D. Gonçalo Da Silveira se recusava a receber os seus filhos por serem pretos, di-zendo que deveriam ir à escola paroquial Católica.

(...) levou uma vida de sacrifícios em prol do bem-estar do seu povo.A sua casa acolhia todos os dias pessoas, quer da família ou conhe-cidas que de longe vinham à pé, debaixo do sol quente ou da chuva para fazer compras em Xai-Xai, consultas no hospital e/ou visitas a familiares doentes, detidos, etc.Em sua casa havia sempre um pouco de comida para quem chegas-se. As distâncias eram longas e não havia transporte. As pessoas tinham que descansar para depois retomarem a viagem.

Em todas as actividades da vida quotidiana ele fazia com que seus filhos participassem, sobretudo nas férias escolares. A trabalhar e

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ao lado da sua tão amada esposa, explicava aos seus filhos a impor-tância do trabalho, da produção no campo e tudo isso ia desaguar na política.

- “É preciso saber trabalhar, saber o quanto custa, é preciso saber alegrar-se pelo bom resultado dum bom trabalho. Assim podemos saber exigir e dar valor ao trabalho dos outros. Quando a Guerra chegar há-de haver muitas mortes e muita fome e os colonialistas vão fugir. É preciso coragem e nós encontramo-la no trabalho”. Dizia Mateus Muthemba, muitas vezes aos seus filhos.

António Simbine(Combatente da Luta de Libertação Nacional)Nos anos 1958 a 1960 ele, Milagre Mateus Muthemba e ou-tros jo-vens faziam parte da Juventude Cristã de Chamanculo, na paróquia de Chamanculo. Milagre era um guia destes jovens em vários as-suntos. Estabelecia a ligação entre a igreja e outras questões que despertassem o nacionalismo nestes jovens. Esta juventude cristã evoluiu e mais tarde integrou-se no então Núcleo dos Estudantes Africanos de Moçambique, NESAM.

Não lidou directamente com Mateus, pois o guia do seu grupo jo-vem era o filho daquele, Milagre Muthemba. Porém, sempre sentiu que Mateus era um elo de ligação obrigatória entre a Frente, na Tanzania e religiosos e nacionalistas, em Moçambique. Os manda-tários da FRELIMO vindos da Tanzania tinham-no sempre como referência principal (focal point) no seu trabalho clandestino. Sim-bine conta que saiu de Moçambique entre Março e Abril de 1965 via Namaacha. Cada um saía sozinho até Namaacha ou próximo de lá. Neste grupo também estava Aniceto Mateus Muthemba, Adolfo Bila que era o chefe da travessia, Hunguana e Rosária Tembe.

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Amós Mahanjane(Combatente da Luta de Libertação Nacional)

Em Janeiro de 1965, quando foge de Moçambique encontra Mateus Muthemba no centro de refugiados na Swazilandia, que tinha como presidente o sr. Nhaca e como secretário Ibraimo Manguço. Fazia também parte da direcção, o guerrilheiro Ibraim Papucho. Porque as condições do centro eram precárias, havendo indisciplina e anar-quia, um grupo decidiu criar um novo campo de refugiados a que denominaram de “Rebeldia” em Mussunduzi na Swazilandia.

O papel de Mateus Muthemba foi importante na criação e manuten-ção deste campo. Aqui debatiam-se temas diferentes sobre a políti-ca interna e externa, sobre o desenrolar das acções da FRELIMO, e outros assuntos. Para além disso, decorriam aulas onde os mais avançados tinham a tarefa de ensinar os outros. Dentre as matérias leccionadas, pode-se mencionar o inglês e o francês.

Dois episódios contados por Mahanjane revelam o carácter justi-ceiro de Mateus: Primeiro, o grupo apanhou dois informadores da PIDE/DGS que, fazendo-se passar por refugiados, queriam levar informação da vida do campo aos portugueses. A ideia do grupo era linchar os traidores, mas Mateus serenou o grupo e conseguiu que a acção não se concretizasse.

O segundo episódio deu-se quando o grupo queria tirar a arma de um elemento à força. Mateus disse “Minga yentxeni leswo vanan-ga. A nwana loko a tameli a ntuluntulo u fanela a ku mu baba a za a njikela a ntuluntulo a kuva u takota kumu khoma” (nao o violentem meus filhos, vamos persuadi-lo a entregar a arma e depois disso vamos neutralizá-lo).

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Ernesto Mucache(seu grande amigo e compadre)

Mateus não era egoísta. Gostava e preocupava-se em parti-lhar o conhecimento com os outros, com quem quer que fosse. Mucache guarda uma forte recordação de Mateus: Este mobi-lizou os seus conterrâneos para solicitar ao governo colonial a distribuição de terras aráveis para a agricultura. Com isto queria mostrar aos colonialistas que os negros também tinham capacidade de cultivar e produzir comida e algodão, contri-buindo assim para o desenvolvimento.

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Anexo 2. Lista de Entrevistados

Abel Casimiro Matié;Abner Sansão Muthemba;Albino Maheche;Amós Mahanjane;António Simbine;Armando Emílio Guebuza;Balbina Muthemba;Esperança Muthemba;Eulália Muthemba;Ernesto Sansão Mucache;Helena Muthemba;Ivete Chambal;Jimissane Mavoco Tivane;Joaquim João Munhepe;José Muthemba;José Moiane;Judite Muthemba;Juvenália Muthemba;Manuel José Gonçalves;Mariano de Araújo Matsinha;Mário Muthemba;Marcos Macamo;Matias Mboa;Oliveira Dimbane;Rosária Tembe;Rufina Muthemba;Vinoni Cuinica.

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