46
Família como Grupo? Política como agrupamento? O Sertão de Pernambuco no mundo sem solidez Jorge Mattar Villela 1 Universidade Federal de São Carlos RESUMO: Proponho neste artigo discorrer sobre um problema muito pon- tual: o modo como, num município do Sertão de Pernambuco, certos cole- tivos fazem e desfazem família, fazem e desfazem agrupamentos políticos. Tentei ainda inspecionar o modo como um determinado número extenso de pessoas é capaz de mobilizar certos conceitos, emoções, memórias e obje- tos para si mesmas e para os outros, visando fazer família e fazer política. PALAVRAS-CHAVE: política, eleições, família, nepotismo, Pernambuco, Sertão. I. Introdução Proponho neste artigo discorrer sobre um problema muito pontual: o modo como, num município do Sertão de Pernambuco, certos coleti- vos fazem e desfazem família, fazem e desfazem agrupamentos políti- cos. Tema pontual, com desdobramentos muito amplos, entre os quais encontra-se o do Nepotismo. Evocador também de múltiplas entradas teóricas que envolvem as discussões presentes numa literatura acerca da família e do parentesco, sobretudo aquela que se ocupou das relações 06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41 201

VILLELA, J.M - 52(1)

  • Upload
    jowfull

  • View
    232

  • Download
    0

Embed Size (px)

DESCRIPTION

VILLELA, J.M - 52(1)

Citation preview

  • Famlia como Grupo?

    Poltica como agrupamento?

    O Serto de Pernambuco no mundo sem solidez

    Jorge Mattar Villela1

    Universidade Federal de So Carlos

    RESUMO: Proponho neste artigo discorrer sobre um problema muito pon-tual: o modo como, num municpio do Serto de Pernambuco, certos cole-tivos fazem e desfazem famlia, fazem e desfazem agrupamentos polticos.Tentei ainda inspecionar o modo como um determinado nmero extensode pessoas capaz de mobilizar certos conceitos, emoes, memrias e obje-tos para si mesmas e para os outros, visando fazer famlia e fazer poltica.

    PALAVRAS-CHAVE: poltica, eleies, famlia, nepotismo, Pernambuco,Serto.

    I. Introduo

    Proponho neste artigo discorrer sobre um problema muito pontual: omodo como, num municpio do Serto de Pernambuco, certos coleti-vos fazem e desfazem famlia, fazem e desfazem agrupamentos polti-cos. Tema pontual, com desdobramentos muito amplos, entre os quaisencontra-se o do Nepotismo. Evocador tambm de mltiplas entradastericas que envolvem as discusses presentes numa literatura acerca dafamlia e do parentesco, sobretudo aquela que se ocupou das relaes

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41201

  • - 202 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    poltica-famlia. Pretendi expor a associao entre poltica eleitoral (con-seqentemente, as formaes de grupos partidrios no sentido amplodesta expresso) e a produo de famlia por meio do arsenal conceitualdisponvel para os interessados em ambos os processos. Tentei ainda ins-pecionar o modo como um determinado nmero extenso de pessoas capaz de mobilizar certos conceitos, emoes, memrias e objetos parasi mesmas e para os outros, visando fazer alguma coisa: fazer famlia efazer poltica.

    A esse respeito vale dizer que todas as discusses tericas e os dadosetnogrficos decorrentes no comportam uma inteno comparatista eno obedecem ao princpio das reas culturais. Eles visam antes evoca-es (Tyler apud Strathern, 1991, p. 7 ss.), ou seja, a capacidade de etno-grafias ressoarem umas nas outras a despeito das circunstncias geogr-ficas ou culturais em que se localizem ou que as envolva. Portanto,referncias a Fiji, a Creta, aos amerndios, aos africanos, no so compa-raes. Elas so, antes, meios de promover dilogos em zonas cegas, pro-vocar conversas (em lnguas desconhecidas) de dados etnogrficos ex-ticos uns aos outros, de modo a permitir que se olhe o problema dasrelaes familiares e das relaes polticas existentes entre ns desvincu-lados dos seus pressupostos universais, decorrentes de duzentos anos debiologia e de democracia representativa. Mas podem tambm decorrerde discusses em torno a problemas de abordagem terica (mas recor-rente ao etnogrfico) concernentes s relaes entre poltica e famlia;como o caso, por exemplo, de Bourdieu, de seus objetos empricosprivilegiados e dos que partilham da vasta inspirao de sua obra.

    Os dados exticos ao meu ambiente de pesquisa devem-se ainda auma outra questo, para alm da procura de ferramentas conceituaisdistantes: por que admitimos que, por exemplo, os Tenetehara fazemfamlia, que os Zumbagwa e os malaios de Langkawi formam parentespor fluxo de substncia e por contgio, mas consideramos que a nossa

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41202

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 203 -

    famlia biolgica e que deve ser para a poltica (para a democracia re-presentativa) um elemento moralmente impermevel e aparece-lhe nohorizonte como um poluente, por um lado, como um instrumentodiscursivo, por outro, para efetivar relaes provenientes de outras regi-es sociais? Mesmo quando sabemos que isso nunca acontece em partealguma. Mesmo quando desde h tempos se fala em metforas do pa-rentesco para o Estado-nao (como o fez Herzfeld, 1992, p. 28-34), equando essas metforas so levadas to a srio a ponto de milhares po-rem em risco as suas vidas em seus nomes, conforme lembrou Carsten(2004, p. 162). No fazemos famlia, considera-se. Apenas aproveita-mos retoricamente um objeto natural ou a usamos em ambientes nopertencentes a ela de direito, para ajudar os parentes. Por conseguinte,tanto numa quanto noutra situao, a famlia entre ns entendidacomo um dado, por certo biolgico (ainda que essa palavra assuma mes-mo entre ns uma boa variedade de sentidos), que em determinadassituaes conspurcada pelas prticas poluentes da poltica, da econo-mia, da violncia.

    Os dados de campo concernentes ao meu caso especfico de pesquisaso provenientes de duas modalidades de aquisio: uma delas decor-rente de permanncias minhas, intermitentes por certo, desde h dezanos numa regio que recobre trs municpios do que genericamenteconsiderado Serto de Pernambuco chamado por Marques (e.g. 2002) e adotado por mim (e.g. 2006) de Monte Verde, Monsanto eJordnia. Os dois primeiros situam-se propriamente na mesorregio doSerto e na microrregio do Vale do Paje, centro do estado. O terceirolocaliza-se na mesorregio do So Francisco, microrregio de Itaparica,centro-sul, portanto, do estado. Meus conhecimentos acerca destes lu-gares circunscrevem-se majoritariamente ao que tange ao urbano, em-bora uma diviso rural/urbano naquelas localidades seja delicada e sutil(tema que no abordarei aqui).

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41203

  • - 204 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    Os trs municpios, em que pese a pouca distncia que os separa,diferem muito entre si, para alm das dessemelhanas evidentes de di-menses, populaes, colgios eleitorais, produo econmica, clima,vegetao, arrecadao etc. Essas diferenas comentei-as em outros lu-gares (e.g. Villela, 2008). Para a diferena relevante neste artigo, sufi-ciente mencionar outra fonte de dados, mais especfica: trs visitas a cam-po, com durao de 40 dias cada, durante o que se chama localmentede poca da poltica. Por outras palavras, o perodo, certamente flutu-ante e de marcao imprecisa, durante o qual fala-se e vive-se intensa-mente o problema da escolha de candidatos para cargos eletivos. Nastrs visitas (2000, 2004, 2008), estive em campo nos trinta dias queantecederam e nos dez que sucederam as eleies municipais. Minhasdescries, portanto, recorrem a estes trs perodos, imersas numa expe-rincia de dez anos de campo que me permitiu isolar Jordnia como umcaso especial para discutir os problemas que aqui se colocam: a impossi-bilidade de se falar, relaxadamente, de nepotismo; a fabricao da fam-lia como atualizao de uma semi-existncia (virtualidade) familiar; aparticipao da poltica para a atualizao dos vnculos familiares semi-existentes (virtuais). Dentre todos os municpios, Jordnia dos quemais cola (ou ao menos o que o faz mais explicitamente, com mais sin-ceridade) a poltica partidria fabricao da famlia.2

    Perguntar-se- com justia se em meu campo de pesquisa a produ-o, a circulao e o consumo, o que se poderia chamar de economia,tambm no fazem famlia. Apenas os votos, os partidos, as eleies, oque poderia ser chamado de poltica ou as vinganas, os tribunais, asacusaes, ou o que poderia ser chamado de violncia, fazem famlia?Os arranjos concernentes s confrarias, s irmandades, s prefernciasdeste ou daquele credo, as diversas relaes de compadrio, ou o que secostuma chamar de religio, no fazem, enfim, famlia? Certamente,sim. Porm, este artigo pretende mostrar alguns modos de se fazer fa-

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41204

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 205 -

    mlia e poltica no serto de Pernambuco. No mais, no menos, doque isso.

    Finalmente, uma palavra de elucidao acerca do que chamo de oscolaboradores locais de pesquisa que me permitiram refletir parcialmen-te acerca deste problema. Quando me refiro livremente que as pessoas,as populaes, os coletivos do serto fazem ou pensam tal ou qualcoisa, talvez no seja indispensvel lembrar que no falo de todos oshabitantes do Vale do Paje, de Itaparica ou de quaisquer dos municpi-os isoladamente ou em conjunto; e tampouco de todos os momentosda vida de quem quer que seja. Refiro-me a certas pessoas que tm apoltica como foco (embora no sejam necessariamente polticos profis-sionais, e nem sequer ocupantes de cargos pblicos, de confiana oupor concurso), que padecem da sua ao e que agem sobre ela. Falo dosque, em alguns momentos (mais longos ou mais breves e so dessesmomentos que este texto trata), participam da poltica, sendo esta par-ticipao muito diversa (candidatura, trabalho partidrio ou eleitoral,cargo pblico, dependncia ou usufruto dos recursos pblicos, ajudarecebida por algum candidato, memria familiar que se prende de al-gum modo a um passado poltico etc.). Eles ou elas, normalmente, enos momentos de intervenincia, costumam ligar, sobretudo em Jord-nia, poltica e famlia, tornando-as indissociveis a tal ponto que se podefalar numa co-produo de uma na outra e vice-versa.

    I.1. Breve resumo do Argumento

    A poltica no Serto de Pernambuco aparece como um amlgama dediversos aspectos: memria, violncia, famlia, territrio. Este trabalhopretende mostrar que, a rigor, eles mais que interferem na poltica, sen-do, em certo nvel, um produto seu, assim como seus produtores.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41205

  • - 206 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    Nos municpios do serto de Pernambuco onde fao pesquisa de cam-po desde 1999, muito embora a famlia no seja um a priori, ela ,paradoxalmente, um dos elementos fundamentais para seus habitantes.Elemento fundamental, precisa ser fabricada, embora compreendida,simultaneamente, como elemento dado. So prticas discursivas que ela-boram cuidadosamente a tecitura de uma trama complicada e frgil,sujeita a rompimentos temporrios, aberta a costuras, alvo de perma-nente cuidado e de uma poltica atenta. Famlia3 deve ser alvo de ocu-pao e ateno de todos e de cada um que pretende fazer parte de umagrupamento deste tipo, para todo aquele que pretende fazer de seuagrupamento uma teia extensa e de cada fio uma regio de intensidade.Precisamente porque no existe, no Vale, famlia como dado. Por outraspalavras, embora os sertanejos como os norte-americanos consideremque os laos de famlia baseados no sangue no so extinguveis ou mo-dificveis (cf. Schneider, 1980, p. 24), sabido, ao mesmo tempo, queeles podem ser desfeitos.

    II. Os problemas

    Em cincias sociais, filosofia e histria parte-se no raro de um princ-pio, oculto em certos casos: existem universais como o Estado, talvez amatriz ou a fundao de toda idia de universal, e algumas derivaesde totalizao e unificao que se apresentam de modo variado, sempresob a forma de um centro de poder.4 Ademais, posicionamos o Estado(entendido a partir deste ponto neste trabalho como um rearranjo espe-cfico das relaes de foras) ou um centro de poder similar, ou aindaoutro universal, como a chave de inteligibilidade de todos os fenme-nos sob anlise.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41206

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 207 -

    No caso dos estudos acerca das relaes de poder, ao menos se leva-das a srio as anlises de Michel Foucault, o estabelecimento de um cen-tro, de um motor imvel ou de uma realidade transcendente como meioe fonte de compreenso dos fenmenos polticos, no que toca moder-nidade ocidental, remonta Idade Mdia e percorre os tempos at hoje,sob a forma de uma teoria jurdico-poltica que teria como protagonistaa figura do soberano e como ponto de partida a interdio, a lei. Assim,tanto na Europa quanto nas Amricas, toda a reflexo acerca da polti-ca, at pouco mais de trinta anos foi feita em torno da e submetida figura de um centro de poder poltico para onde confluam todas asobedincias e desde onde emanavam todos os poderes. Figura do sobe-rano, fantasma da centralidade, contraparte slida para a poltica do queo dado biolgico para a famlia. Teoria jurdico-poltica, por certo,mas igualmente filosfico/religiosa: teoria neoplatnica, plotiniana, dasrelaes de poder, cuja imagem formulada a de um centro desde ondeemana um poder que perde intensidade e eficcia na medida em queruma para suas franjas. Toda a interpretao do pensamento polticoresponsvel pela idia de isolamento, da ausncia de Estado e de Esta-do paralelo devedora deste ponto de vista que depende, decerto, dacriao de um ncleo slido, seja ele sob a forma de um lder, de umchefe, de um patro, de um coronel, de um senhor, de um aparelho, deum modelo estatal.

    Tudo se complica para os antroplogos, defronte que esto de for-maes cujo pensamento dispensa (ou no se elaborou sob) as mesmasmatrizes filosficas. Criaturas hbridas, forjados entre a episteme que nosformou e a fonte de nossa prpria seduo, os antroplogos escolhemoss vezes o conforto de casa, mesmo assumindo o risco de nos levantar-mos da poltrona e depois sairmos da varanda. Se, como j se mencio-nou (Palmeira & Goldman, 1992, p. 3) a antropologia social britnica

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41207

  • - 208 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    pde efetuar desde a dcada de 1940 um deslizamento em relao a esseponto de vista, ou seja, se foi capaz de conceber a existncia de sistemaspolticos na ausncia do Estado, curvando a perspectiva estatal aos da-dos provenientes da experincia de campo na frica, no muitas vezesaventurou-se a pensar o poder desde o exterior da perspectiva jurdico-poltica. Costumou-se tratar os fenmenos polticos das sociedades ex-ticas e o das prprias sociedades dos pesquisadores, tanto sob o pontode vista do Estado, quanto sob o ponto de vista da interdio. Mesmoquando deslindaram os mistrios de sociedades que podiam regular-se asi mesmas sem um Estado central, os antroplogos obrigaram-se a colo-car em seu lugar alguma outra coisa, um outro slido, capaz de cumpriras suas funes. Por muito tempo, as excees foram raras e honrosas.5

    Encarcerada no interior da perspectiva estatal, a teoria poltica brasi-leira recorreu, desde a Primeira Repblica, figura do coronel e, poste-riormente, desde h sessenta anos, ao conceito de coronelismo.6 Querdizer, uma variante local da noo de patronagem, da idia decentralidade do poder, de um centro slido emissor ou retransmissor demeios de poder. Esta formao poltica, a despeito das variaes de suadescrio e das tentativas de definio e sntese formuladas ao longo dasdcadas, teria sido capaz de conjurar em seu nome, em nome dos seuslaos de parentesco, do seu cl (a faceta do sangue correlativa solidezdo centro poltico), para lembrar Oliveira Vianna (1987), toda umamassa amorfa de seguidores e um conjunto ilimitado de recursos. Nateoria poltica brasileira, desde h vrias dcadas at hoje, a famlia, sobo nome de cl patriarcal, famlia patriarcal, nepotismo ou seja l o ape-lido que se lhe empreste quando se lhe quer atribuir capacidade criado-ra de poder poltico, esteve no centro das discusses.7 Ela foi tratadatanto como grade de inteligibilidade, quanto como agente exgeno, in-filtrado, ilegtimo, que se deve expulsar deste domnio.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41208

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 209 -

    Em outro lugar (Villela, 2005), discuti longamente o problema dafigura do coronel e da noo de coronelismo tomando como objetoemprico o serto de Pernambuco durante a Primeira Repblica e emnosso tempo. Claro que torna apenas vaga a silhueta de uma multidode agentes cuja fora e heterogeneidade uma conjugao visa interrom-per ou canalizar, a figura do coronel e a noo de coronelismo obstru-ram durante algum tempo anlises fecundas no campo da poltica noBrasil, assim como a famlia patriarcal bloqueou a compreenso daheterogeneidade e diversidade da formao das famlias brasileiras.Observou-se (Fortunato, 2000), a figura do coronel apenas uma ten-so, um efeito de superfcie, um dispositivo, uma construoimagtico-discursiva, um smbolo ou simulacro do poder (ibid.,pp. 5 e 9) que pode ter triunfado aqui e ali e ter sido desmanchado emoutros momentos, em outros lugares, em outros nveis da existncia.Tal simulacro foi considerado com freqncia em estado de promiscui-dade com a famlia.

    A menos no que toca a meu caso de pesquisa, o mundo da polticano nem mais e nem menos povoado de corpos slidos do que o doparentesco. H, se assim me posso expressar e para usar um conceito dafsica das partculas, foras-fortes que solidificam aqui e acol as forma-es sem solidez. Embora esta anlise seja extensvel a diversas regiesbrasileiras, para diversos nveis da poltica e para a etnografia da polticade outros pases, o que ser exposto a seguir so os modos como, emalguns municpios do serto de Pernambuco, sobretudo Jordnia, a fa-mlia objeto de fabricao, de solidificaes impermanentes, do mes-mo modo como o a poltica. Mais do que isso, que a poltica um doselementos atravs do qual se faz, desfaz-se e se mantm famlia.

    O tema e, at certo ponto, a abordagem deste artigo no so novos.8

    Por certo, desde h 25 anos a produo antropolgica acerca da famlia

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41209

  • - 210 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    no Brasil no apenas proliferou em nmero, mas ampliou-se em quali-dade e sofisticao de um modo que seria intil e injusto citar algumque outro exemplo e deixar tantos outros na excluso. No obstante, naconjuno do campo da famlia propriamente dita com o da poltica,especificamente da poltica eleitoral, ou seja, no campo da democraciarepresentativa, os trabalhos foram menos prolficos. Mas valer enfatizarque este texto, tema e abordagem no seriam possveis sem a inspiraode diversos trabalhos produzidos ao longo de aproximadamente 15 anosno mbito no NuAP.9

    A constituio da poltica envolta nos ideais da democracia represen-tativa nos acostumou a compreend-la como um conjunto de teorias ede prticas idealmente puras uma espcie de ideal que jamais se realizaem parte alguma, como diria Veyne (1984) da democracia grega des-garradas das coletividades em que estavam, ou esto, embebidas. Assim,sempre que nos deparamos com aspectos classificados como no pol-ticos (inclusive a Cincia, para lembrar as purificaes modernas queapenas fazem proliferar os hbridos que acabamos por escamotear ouignorar, para lembrar a j clebre tese de Latour, 2000) somos foradosa denunci-los como espcies de poluies ou a entend-las como cam-pos. Uma delas, a intromisso da famlia na poltica, recebe o nomecorriqueiro de nepotismo. Conforme j apontaram alguns cientistas so-ciais (e.g. Herzfeld, 1992; Kuper, 1982; Fabian, 1983; Carrier, 1995;Donzelot, 1986 e Nathan, 2001, muito recentemente, Jullian, 2008ae 2008b), desde pontos de vista bastante distintos e com objetivos mui-to diferentes cada um deles, o ocidente moderno tentou livrar-se daagncia das coletividades familiares em suas outras zonas de atividade,como, por exemplo, a poltica. Tentou, com xito, se aderirmos s tesesde Donzelot (ibid., p. 47 e passim), desenraizar a famlia de suas co-nexes coletivas, acompanhando a fabricao do indivduo moderno.Esforou-se, enfim, para reduzir sua ao poltica a um grau prximo de

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41210

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 211 -

    zero, assim como minimizar a ao poltica dos indivduos, agentes po-lticos intermitentes nas democracias modernas, circunscrevendo-a regio em que podia atuar a Razo, este grande soberano na Idade Mo-derna. Produziu uma ideologia segundo a qual supe-se mais liberdadena medida em que somos capazes de desatar os laos que nos ligam aosdemais (Nathan, 2001, p. 52).

    Se verdade que diversos antroplogos brasileiros, como Marques(2002), Heredia (1996), Palmeira (1992, 1996), Comerford (2003), porexemplo, assumiram a positividade da participao da famlia na polti-ca, o problema que pretendo tratar aqui o da condio de dado ou desujeito de contornos, qualidades e funes pr-definidas desse agente.

    II.1. A poltica, a famlia, os antroplogos

    No caso da poltica eleitoral, a famlia aparece, na generalidade dos es-tudos, como um campo subterrneo (nos dois sentidos da palavra: por-que escondido, em virtude da disjuno que o ocidente moderno criouentre os dois domnios; porque base e fundamento, na juno ilegti-ma de um divrcio institucionalmente exigido) que garante a formaode grupos polticos. Mesmo em autores contemporneos ou posterioress crticas de Schneider (1972, 1984) aos estudos parentesco, comoAbls (2001, 2002), a insero de muitos dos agentes polticos, mastambm a explicao de seu xito, na disputa por cargos eletivos dademocracia representativa dada pela famlia. Parece ter-lhe passadoao largo a reflexo acerca da consanginizao (bem sintetizada porCarsten, 2004, pp. 136-162). Abls quem sugere a noo de polti-co-herdeiro: num certo sentido (o outro apenas metafrico) o pol-tico que obtm sua legitimao como candidato junto ao eleitorado porser filho ou membro de uma famlia. A possibilidade de a poltica pro-

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41211

  • - 212 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    vocar herana tratada separadamente, como uma transmisso de outranatureza, no propriamente familiar. Nenhum trao de poltica comofabricante de parentesco. Ainda quando, como em Briquet (1997), cons-tata-se o aspecto em rede da famlia, retorna-se a ela como substrato.Mas sempre possvel que se considere tambm o pertencimento comoprodutor do grupo e no o grupo como gerador da pertena. Isso,Briquet e outros so capazes de observar. Mas em geral esta afirmaono levada a efeito na anlise, pois se considera tambm que os mem-bros de um mesmo grupo de parentesco devem partilhar as mesmas li-gaes partidrias (ibid., p. 46), assim como o partido entendido porBriquet como conglomerados de famlias aparentadas entre elas (ibid.,p. 44).

    Diferente dessa abordagem a de Herzfeld, ao falar das relaes en-tre parentesco e poltica em Creta. Segundo sua anlise (Herzfeld, 1985,pp. 92-105), a tradio e a agnao podem ou no ser acionadas politi-camente segundo a modulao dos argumentos polticos. Em Creta,existe uma potica da interao social em ato (ibid., p. 94) que permi-te que o passado, ou seja, o parentesco agntico, para este caso, funcio-ne como uma espcie de recurso escasso em disputa poltica de modoque o agnatismo seja o alvo constante da sobrecodificao poltica (ibid.,pp. 95 e 98). O parentesco dado contingencialmente, por meio derecursos retricos, que possibilitam a labilidade das relaes de famliaque, portanto, no so um dado: devem ser fabricadas ou podem serdesmanchadas. Tudo isso franqueado pelo ponto de vista segmentardo parentesco agntico que permite fazer famlia pela segmentao po-ltica (ibid., p. 103).

    Os antroplogos seguidores de Bourdieu consideraram a formaodos laos de parentesco decorrentes das exigncias polticas e econmi-cas. No custa lembrar que Bourdieu levou a efeito a tentativa de deses-sencializar as relaes familiares. A argumentao bourdiana (Bourdieu,

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41212

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 213 -

    1963; 1972) da lgica prtica versus a lgica estrutural no caso do cle-bre casamento rabe com a bint elamm, a prima paralela patrilateral,girava em torno das estratgias que permitiram ver em cada casamentodeste tipo um efeito de funes externas s estruturas do parentesco.Por outras palavras, seu interessa girava em torno fabricao das rela-es de parentesco e conseqente uso delas, mas tambm de seu uso eda fabricao decorrente. O parentesco, como se sabe, aparece em seustrabalhos como portador de um sentido prtico ou, ainda melhor, deum sentido do jogo. Retornarei a esse ponto do parentesco em Bourdieupara mostrar as diferenas da sua argumentao para aquela decorrentedo que meu trabalho de campo me forneceu. Pois, luz de meus dadosde pesquisa, o esforo de Bourdieu corre o risco de redundar numa com-preenso da famlia como quimera ou disfarce de outras relaes sociais,alm de sustentar uma posio instrumentalista do parentesco quetende a ignorar as qualidades emocionais com as quais as relaes deparentesco esto imbudas, para retomar o argumento de Carsten(2004, p. 24). Parece-me, e reconheo que minha elaborao aqui muito esquemtica, a substituio da famlia como essncia pela essen-cializao da prtica, da utilidade e do interesse.

    Com alguma freqncia esqueceu-se, contudo (embora esse no sejapropriamente o caso de Bourdieu), de mostrar como a poltica, entreoutros elementos, capaz de compor e de decompor a famlia. Esque-ceu-se, de forma contumaz, de mostrar que a famlia vetor de polticae produto da poltica. Persistiu em certos casos a idia insidiosa de umafamlia natural (em transformao, por certo, mas natural) cujos laosestariam dados partida, sem necessidade de fabricao e manuteno.Desde uma abordagem bastante mais ampla, Ingold diz, com sentidocritico: o sangue o material real que pulsa nas veias das pessoas e pen-sado como algo como o que flui de pais para filhos. Consanginidade,ao contrrio, uma abstrao ao menos no contexto da teoria do pa-

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41213

  • - 214 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    rentesco (Ingold, 2007, p. 111). Tratar-se-ia, seguindo Ingold, da in-sistncia na concepo que separa substncias reais, dadas, verdadeiras,de relaes simblicas, imaginrias, fabricadas. Insistncia em dividir omundo humano em mundo natural e mundo artificial, mundo naturale mundo cultural. Uma distino semelhante a que aparece nas defi-nies de famlia e household, correlativa ao sangue e contingidade,respectivamente (Yanagisako, 1979, p. 162). Parentesco real e parentescofictcio, como se sabe, uma diviso cmoda para um problema grave.Trata-se de imaginar um parentesco uno biolgico e real que represen-tado diferentemente pela diversidade das culturas; de pensar a metforae o idioma do parentesco. O problema coloca-se quando os intervenien-tes consideram isso que chamamos metforas e idiomas como realida-des vivas (cf. Carsten, 2004, p. 162).10

    III. O serto, a famlia, a poltica

    Pois os resultados de minhas pesquisas de campo me fazem pensar que,se a famlia no Vale do Paje um elemento central nos modos de ver,viver e avaliar o mundo e as aes de cada um, ela aparece como o resul-tado de uma montagem que tem diversos efeitos e outros tantos sinto-mas. Um mundo sem solidez na exigncia de foras-fortes que o solidi-fiquem. Em primeiro lugar, famlia para as pessoas entre as quais efetueimeu trabalho, plural e nunca uniforme. A polissemia do termo chegaa ser irritante para algum que, como eu, pretendia apreender-lhe o sen-tido nativo. Famlia o sobrenome. Portanto, cabe aos genealogistasidentificar as longas cadeias arborescentes que remontam ao sculoXVIII. As genealogias assim montadas fazem, no limite, que uma gordafatia da populao estabelea com um concidado algum grau de paren-tesco. Neste sentido, as relaes de parentesco podem se espraiar para

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41214

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 215 -

    todas as direes, j retomarei esse ponto. Famlia a linhagem, que per-mite recortar a partir de um tronco, quer dizer, um fundador situado halgumas poucas geraes acima, um agrupamento que se reconheacomo tal. Famlia a casa: o conjunto que rene os pais, a irmandade,ou seja, os sibblings e, no passado, alguns moradores, como mes pretase seus filhos.11 Cada um destes sentidos fruto da atividade dos mem-bros que reiteram a sua pertena cotidianamente ou assumem rupturasque desfazem o sentimento de pertena.

    Qualquer famlia aos pedaos. Pedaos atuais que aparecem comouma totalidade virtual nas reflexes ou nos escritos mnemnicos dosgenealogistas, os especialistas das rvores. Eles so os responsveis pelaexposio de uma realidade contnua e, vez por outra, pr-formal dafamlia. tudo parente ou tudo braiado so duas das frmulas quebem revelam estas condies. Elas so repetidas sempre que se pretendeconhecer o parentesco de algum que sabe genealogia. A rvore ge-nealgica, em sua realizao plena, tende a tornar-se um peiron queabarca o que as aes cotidianas tendem a individuar e distinguir. Evans-Pritchard disse da genealogia dos Sanusi uma frase que ressoa naetnografia do serto de Pernambuco: ela concebida como uma fam-lia gigantesca que descende de um ancestral comum de quem a tribogeralmente assume o nome (Evans-Pritchard, 1973, p. 55). Todos sonossos parentes (Franklin, 2001, p. 312 e passim, acerca de Haraway,1997). Anterior aos atos e s palavras vividas, a rvore em estado puro um percurso de nomes hierarquicamente indistintos. Ela no contminteresse poltico e nem econmico. Sua condio virtual neutraliza adiferenciao. No h cortes nem segmentos. Ela contnua e indistin-ta. No obedece aos cortes das alianas nem o dos sobrenomes. E, noentanto, a rvore genealgica no uma quimera. Porque ela a todomomento chamada para operar no cotidiano que a corta, recorta, seg-menta, liga suas pontas. Em uma palavra, a fazer o contnuo virtual da

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41215

  • - 216 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    rvore atualizar-se. A rvore, nesse ltimo sentido, no apenas o ins-trumento analtico usado pelos que estudam parentesco. Ela tambmum instrumento usado pelos atores que operam, e no meramente ob-servam, os sistemas de parentesco (Barnes, 1967, p. 103), no sendo,ao mesmo tempo, uma quimera, nem muito menos o objeto exclusiva-mente calculista dos indivduos. No , ainda, um agente essencializa-dor e purificador das relaes de parentesco til sua constituio comocampo da antropologia (Bouquet, 2001, p. 98).

    Aqui se pode retornar diferena entre o que o trabalho de campome apresentou e a forma como Bourdieu encara o peso da genealogia.No Vale, a genealogia no apenas o parentesco oficial e imutvel e quese distingue do uso e da vivncia do parentesco. Ela no tambm oplano artificialmente discursivo (dizer o parentesco) em funo das exi-gncias de um pesquisador vido em arrancar dados de nativos que nose interessaram em diz-la e muito menos em refletir sobre ela, em faz-la funcionar em proveito de determinadas situaes muito concretas ereais. Ela no , por conseguinte, como tambm pretendeu o bourdianoBensa (2003), um discurso de ocasio. E ela no , enfim, somente oefeito da fabricao do interesse. No Vale a rvore opera, funciona, arquivo, estoque filiativo12 de onde so retiradas as estratgias e as tti-cas que fabricam a famlia. A genealogia pesquisada, dita, escrita,publicada, digitalizada e disponibilizada para todos os que a quiseremconhecer.13 No Vale h mestres da verdade genealgica.

    Mas os genealogistas no so apenas estes, porque a famlia no Vale um fenmeno segmentar. Termo que roubo da teoria antropolgica, no aquela apenas encontrada em sistemas de parentesco unilineares. Tra-ta-se do modo como l se pensa a famlia e o parentesco para formarem-se precisamente grupos familiares. Muitos signos, materiais, derivadosda transmisso do patrimnio mvel e imvel, mas tambm discursivos,nos relatos acerca da constituio do parentesco (termos como tronco,

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41216

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 217 -

    linhagem etc.) explicitam esse modo de distribuir as pertenas no mun-do.14 Segmentar a famlia, segmentares os genealogistas. H especialis-tas em sua prpria linhagem. Pessoas que sabem destrinchar o seu paren-tesco. Quer dizer, recuperar no discurso, e por meio de uma certamnemotcnica, o seu parentesco. Puxar os fios da genealogia at chegara si mesmos e a seus prximos. Ou seja, saber como que sou parentedesta ou daquela pessoa. Destrinchar o processo discursivo que retirada genealogia o seu aspecto braiado, quer dizer, misturado, embaralha-do, indeterminado, indiferenciado. Pode-se fazer isso recuando no pas-sado geraes suficientes apenas para atingir o seu ancestral mais cle-bre, para retirar de sua histria pessoal, municipal, poltica, o quantumnecessrio para sua glorificao pessoal e de seus prximos. Segmenta-seo sobrenome por meio de uma determinada memria. Mas tambm, eno menos importante, por amor; por amor memria de um ou devrios ancestrais.

    A glorificao pode ser feita por meio da idia de sangue ou pela idiade territrio. Porque famlia, para as pessoas entre as quais fao pesqui-sa, costuma ser, segundo minha formulao, uma famlia-territrio. Umaface no pode ser compreendida sem o anverso que a complementa.Apenas uma e outra, juntas, valem como uma descrio do carter e dotipo de pessoa com a qual falamos. Algum de tal sobrenome e estesobrenome segmentado e simultaneamente complementado pelo ter-ritrio ao qual pertence. Por exemplo: um dos sobrenomes mais cle-bres nos municpios estudados em minha pesquisa Santana. Mas San-tana apenas um dentre vrios segmentos do contnuo arborescente.Ele capaz de se segmentar quase indefinidamente. Um dos modos desegmentao a ligao do sobrenome, filiao, portanto, ao territrio,como acontece no grupo a que sou mais prximo: os Santanas do Imbu-zeiro. Eles so braiados, quer dizer, misturados, ligados na rvore genea-lgica, aos Santanas de Jordnia. Isso de um certo ponto de vista, que

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41217

  • - 218 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    sempre segmentar, de um dado genealogista. Mas de outra perspectivaeles so os Santanas puros ou da gema, ou ainda um tronco dosSantanas (essa outra acepo da palavra tronco, de fundador geral de umdado sobrenome e no apenas o de uma linhagem) os que esto na raizmesmo da apario da famlia Santana. Mas sofrem um processo desegmentao se se acrescenta ao sobrenome o territrio. S a partir dameus colaboradores locais de pesquisa so capazes de tecer comentrios,fazer especulaes, reflexes, avaliaes e juzos acerca de uma pessoa oude um grupo de pessoas. E sofrer ainda um novo processo de segmen-tao se se acrescenta ao sobrenome e ao territrio o prenome de umalinhagem: Clemente. Clemente Santana, antigo chefe do Umbuzeirodeixou atrs de si uma linhagem, quer dizer, descentes que se localizamno mundo por meio desta ascendncia comum que j no apenasSantana, que no apenas Santana do Umbuzeiro. Que tudo isso jun-to, acrescentado do prenome sobrenomizado (um patronmico, portan-to): Clemente. Clemente , doravante, suficiente para resumir e simpli-ficar a acumulao de sobrenome e territrio.15

    a ligao, como s vezes se diz l, da fora atvica da filiao residncia que torna possvel reconhecer algum; que lhe confere, diga-mos, previsibilidade. Assim, por exemplo, um stio pode ser considera-do violento, subsumindo as pessoas que l vivem ou nasceram e que, porsua vez, so todas aparentadas. Elas so do mesmo sangue e da mesmaraa. Uma tal caracterstica, chamada localmente de fama para os casosem que o sangue confere atributos violentos aos membros de uma deter-minada raa, atribuda muitas vezes ancestralidade, mas no podeser dissociada do territrio. De modo que, se algum habitante deste s-tio hipottico insultado, sabe-se ou espera-se que se vingar. Isso por-que ele descendente de um coletivo agrupado pelo sangue e que habitaum dado territrio.16

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41218

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 219 -

    A ascendncia, portanto, um suporte de relaes, ela capaz deconstruir subjetividades: torna reconhecvel, previsvel, regular, desej-vel, condizente, o comportamento desta ou daquela pessoa. A ancestra-lidade, associada ao territrio, forma pessoas e indivduos. Torna aceit-veis e exigidas certas performances. Faz reputao. Algum semprefabricado como um composto daquilo que os olhos dos outros fazemdele. E os olhos dos outros o fazem segundo a sua genealogia e asegmentao que o cotidiano opera no contnuo da rvore. Uma seg-mentao que no exclusivamente, mas necessariamente, territorial.

    A rvore da genealogia, indistinto virtual, , por certo, o celeiro ou oestoque de parentesco onde a poltica vai buscar seus pedaos de famliae atualizar as suas alianas. Mas ela, dispensvel dizer, tambm no nenhum dado. Tem que ser fabricada pela memria oral ou escrita. decerto uma superfcie de inscrio, mas de forma alguma no sentidode um dado, de um a priori. Ela, como superfcie de inscrio, deve serantes de tudo fabricada. E esse processo o fruto da ratificao e dafixao do trabalho dos memorialistas, dos historiadores locais e dosembates de suas verses arborescentes da ancestralidade que se mistura histria poltica e municipal dos lugares.

    III.1. Fazer Poltica e Famlia

    Filiao, territrio e aliana: nessa fronteira trplice, apenas analtica eportanto no cotidiana, que se joga o jogo dos agrupamentos polticos efamiliares. Poderamos pensar, ento: se na famlia que a poltica sele-ciona seus quadros e forma seus partidos, seria tambm na famlia, comodado filiativo, que se produziria o dado colateral (em ambos os sentidosda palavra, tanto o da terminologia do parentesco quanto no de efeito,

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41219

  • - 220 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    de conseqncia) das alianas polticas.17 E, no entanto, no assim,parece-me, que as coisas se passam.

    Em poltica e em famlia, uma palavra, ou sua ausncia, podem blo-quear solidariedades, desmontar alianas, promover outras. Em polticae em famlia, no Vale, a expresso a lngua mata o corpo no usadaapenas no sentido diettico. A famlia, no mais nem menos do que apoltica, padece de impermanncia. Por exemplo, uma professora e seumarido, primos legtimos18 (chamemo-los Carlos e Mara), sempre vota-ram num partido em Jordnia: aquele com quem se afinavam do pontode vista do parentesco, embora ostentassem outro sobrenome e sua as-cendncia apenas tocasse vez por outra a histria os ancestrais dos atuaiscandidatos que escolhiam.

    Na verdade, e como sempre, as coisas so complicadas. Seu sobreno-me foi central na histria remota da poltica jordanense, mas passou asegundo plano e assim permaneceu ao longo de dcadas. H alguns anos,contudo, uma revitalizao poltica do sobrenome tem sido reivindica-da por algumas pessoas. Porque, vale sublinhar embora j evidente, emJordnia a poltica se faz pela via da famlia. Poderia deduzir-se a pr-existncia da famlia para que uma corrente, faco ou agrupamentopoltico qualquer se forme. Mas no assim que as coisas se passam.Vejamos, rapidamente, e como um parntese do caso de Carlos e Mara,como elas se do.

    Uma famlia que tenha pretenses polticas (concorrer a cargos ele-tivos) precisa, em primeiro lugar, se constituir, formar grupo, atualizar-se como sobrenome. Em contraposio, qualquer agrupamento polti-co precisa ao menos at minha ltima estadia de campo em 2008,embora houvesse para alguns intervenientes da poltica uma sensaode mudana cujos desdobramentos ainda no eram capazes de elaborarclaramente criar-se a si mesmo como famlia. Mesmo um pretendente poltica como atividade profissional precisa incluir-se num agrupamen-

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41220

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 221 -

    to familiar com tradio na poltica. Ou ento famlia capaz de cons-tituir-se em torno de um pretendente ou de formar com ele uma esp-cie de dupla captura, um funcionamento em que cada parte retire umnaco de vantagens do seu parceiro e agregue ao bolo uma poro espec-fica de ingredientes. Em ato, essas exigncias no so formuladas sobum discurso voluntrio. Muitas vezes elas no aparecem sequer proferi-das de modo unvoco, porque se compem de aes dispersas e a custounificveis o que no quer dizer que elas superem, no ao menos ne-cessariamente, a reflexo dos intervenientes. Vejamos, portanto, umexemplo evidente que acompanhei ao longo de alguns anos de uma talconstituio e vejamos de que expedientes este agrupamento, originriode um antigo distrito de Jordnia, lanou mo para, simultaneamente,alar-se na condio de sobrenome e na condio de pretendente polti-co. Chamemo-los Arnaldos.

    Os expedientes so diversos, mas os Arnaldos foram capazes de acio-nar apenas alguns que, aparentemente, foram suficientes: emergnciade um indivduo com chances reais de candidatura e eleio; constitui-o de uma genealogia, quer dizer, de um conhecimento acerca de umgrupo que, por vias deste mesmo conhecimento, recebia a sua indivi-duao.19 A constituio de uma genealogia exige, por certo, capacidadede pesquis-la, de escrev-la. Era preciso, portanto, que houvesse pessoasletradas na famlia. Entre os Arnaldos, elas comearam a aparecer nagerao que agora ao cabo da primeira dcada deste sculo entra na ter-ceira ou na quarta dcada de vida. Essas pessoas criaram um jornal anu-al da famlia que divulga novidades a respeito dos seus membros. Elaspublicam tambm as notcias acerca da festa que a famlia realiza todosos anos para celebrar-se a si mesma, parece-me (embora nunca tenhatido a oportunidade de estar em campo nestas ocasies). Ela produziupara si uma genealogia publicada num dos nmeros deste jornal e afixa-da por um de seus membros numa das paredes de seu local de trabalho.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41221

  • - 222 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    Mas em Jordnia a genealogia montada no apenas no escrito e nooral. montada tambm por imagens visuais. Em muitas das casas deum dos sobrenomes, os cantos da sala principal so dedicados exposi-o das fotos de ancestrais em cuja linhagem cada casal se inclui. Nestecaso que aqui tento descrever, um dos lados pertence esposa, umaSantana, cuja famlia tem uma longa tradio na poltica e cuja genea-logia foi solidificada pelos diversos livros publicados por memorialistaslocais desde h dcadas. No outro canto esto as fotos da famlia domarido. Fotos cuja existncia remonta a um passado muito mais recen-te, porque, enfim, a tentativa de fabricao da famlia e sua histria re-montam a uma origem mais humilde e de possibilidades menores depagar um fotgrafo na poca em que este expediente era necessrio paratirar retratos. Os Arnaldos precisam das fotos dispostas no canto dasala, em confronto com as outras, da esposa Santana. As raras reticn-cias desta ltima em relao ao esforo da famlia de quem parenteafim e que admira, fruto de uma convivncia que simultaneamenteavaliza os Arnaldos, pelos laos colaterais que ela mesma teceu pelo ca-samento com eles, a almejarem uma condio de famlia tradicional eque serve de modelo, ao menos, para a exposio das fotografias dosancestrais. Mas serve ainda como suporte propriamente poltico-parti-drio para o candidato Arnaldo postular seu almejado cargo.

    Esse desejo de genealogia deveu-se, entre outras razes, constataode que sob esse sobrenome se podia congregar uma quantidade signifi-cativa de pessoas e de grupos. Era preciso, ento, uma demonstrao doseu nmero elevado, mas tambm do afeto que fazia deles uma famliaunida, uma das qualidades mais reverenciadas quando se fala, no Valedo Paje, de famlia. Da a criao de um evento, uma festa que congre-gasse todos aqueles que, de alguma forma, entrassem na classe dos pa-rentes por sangue, por afinidade, por simpatia, por compadrio. Por-

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41222

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 223 -

    que o nmero e a unio so essenciais para formar uma famlia forte;mas tambm para a poltica, essa tcnica de montar colees de votos.

    Finalmente, marcao final e vista com irriso pelos membros dasfamlias cuja tradio fora montada h mais tempo, era preciso criar parao sobrenome um braso. O braso talvez seja entre todos o alvo preferi-do da derriso dos genealogistas consagrados, alguns deles com passa-gens pelos estudos da Histria, seja como estudantes universitrios, sejacomo estudantes diletantes. O braso o contrario do nmero e da fama:uma famlia grande ou pequena; forte ou fraca; frouxa ou valente; brava ou mansa. Assim se considera ali. quase um dadonatural. No h muito a se fazer a esse respeito. Sua fora reside no seunmero que, por sua vez, construdo por tantos outros critrios quepodem ser sintetizados pela unio. No outro extremo, sustentam alguns,o braso parece uma aberrao, uma inveno sem sentido e sem efic-cia, tanto quando aproveitado de um sobrenome que realmente temum braso, quanto quando inventado na hora, agregando ao acasodiversos elementos no interior de um conjunto. No primeiro caso, osbrasonados tentam, parece-me, atrair para si uma ascendncia nobre,por mais distante que ela lhes parea. No segundo, trata-se antes de umemblema cuja fora a do contorno e que funciona como um conjuntono interior do qual habitam todos os elementos da famlia; semelhan-te ao escudo que se inventa para uma equipe esportiva cosido em lugarconsiderado inadequado: a famlia; l onde no permitida (posto que um dado) nenhuma inveno. Em todos os dois casos, o braso assu-me para muitas pessoas do lugar o aspecto de uma falsificao.

    A construo do parentesco, o agrupamento, , assim, uma espciede conjurao de foras absolutamente heterogneas em torno de doisgrandes eixos: a poltica e a famlia, sob o aglutinador da memria, comoreforo da convivncia; essa curiosa memria do dia-a-dia, essa mem-ria-contrao dos coletivos humanos.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41223

  • - 224 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    Posto isso, voltemos ao caso de Carlos e Mara. A reivindicao polti-ca de sua famlia, por um lado, alimentada pela refaco do passado deliderana e, por outro, pela insatisfao destas pessoas pelo modo comovm sendo tratadas pelos agrupamentos polticos que disputam efetiva-mente os cargos eletivos do municpio e pelas feies que a longa dis-puta entre Santanas e Gouveias imprimiu na poltica do municpio.Ao contrrio do exemplo acima, o seu sobrenome precisa de constru-o, mas que esta ltima receba o sentido de re-construo, re-ativaode uma fora pr-existente ou adormecida. Quer dizer, mais uma vez, afamlia no propriamente uma base pr-existente para a reivindicaopoltica. Mas tampouco uma quimera ou um idioma que legitima for-as que se mascaram para lutar pelo poder. Talvez o nosso caso, por sesituar bem no centro deste problema, possa elucidar melhor e ao mes-mo tempo servir de exemplo.

    Tratava-se de um casal, portanto. Carlos genealogista, Mara pro-fessora (uma espcie de marcador que a credenciaria para a candidaturapoltica, segundo seu prprio entendimento do processo eleitoral). Paraambos, o tratamento que recebiam de seus aliados um dia resultouinsatisfatrio: a sorte que Carlos sabe genealogia. Porque toda vez quea gente ia falar com ele tinha que explicar cinco geraes pra trs. Ele,neste caso, era um dos chefes da famlia/partido em quem votava o nos-so casal. Este partido/famlia, expresso que cunhei aqui, mas que emJordnia recebe o nome de poltica (assim, a poltica dos Santana, umdos agrupamentos que disputa a liderana do municpio, se ope poltica dos Gouveia) o agrupamento que a famlia, no sentido desobrenome, do nosso casal acompanha nas eleies e em que os doisvotaram em vrios pleitos. E isso, claro, era justificado pela ancestra-lidade comum dos dois sobrenomes, o do casal e os polticos da famliaGouveia. Mas tambm por um hbito: as famlias dele e dela, agora nosentido de casas, sempre votaram nos Gouveias.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41224

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 225 -

    Um dia, porm, encontraram um dos lderes dos Santanas (Adal-berto, para ns), seus adversrios at ento. Para a sua surpresa, foramrecebidos com entusiasmo, chamados pelos nomes sem necessidade deaide-mmoire genealgico. Foram lembrados que seu av (Carlos e Mara,sendo primos, tinham os mesmos avs paternos) ajudou o av deAdalberto a construir o hospital municipal. Por meio deste dilogo, dascordialidades, da etiqueta, das atenes que circularam pelas bocas dosinterlocutores, foram ativadas, em torno desse pequeno fragmento dememria esquecido, solidariedades antigas, alguns casamentos entre asduas famlias foram lembrados. O parentesco foi ativado, a famlia foifabricada. Mas no apenas em torno de um mero idioma, porque o es-toque filiativo, a cadeia contnua e no individuada da rvore genea-lgica, garantia a veracidade das relaes e dos enunciados para a con-cepo local de famlia e de parentesco, alm de oferecer-se comosuperfcie de inscrio, simultaneamente considerada dado e fabricao.Mara, na seqncia, foi convidada e aceita como candidata a vereadorana coligao que elegeu este mesmo lder prefeito de Jordnia no man-dato 2004-2008.

    Nada disso, por outro lado, implica a ausncia de clculo poltico-eleitoral por parte de Adalberto. Havia sempre a conversa de que Maraera uma candidata laranja, ou seja, daquelas que inscrita e cuja candi-datura aceita para engordar os nmeros da legenda, com o objetivo deampliar as vagas abertas para um partido ou para uma coligao no totalde assentos na Cmara dos Vereadores, e criar mais uma candidaturafeminina, dado que a legislao prev um percentual mnimo de mu-lheres em cada partido ou coligao. Mas tampouco Mara deixara decalcular, ao aceitar a candidatura com o pensamento nas vantagens quepoderia tirar dela. No se trata de negar a existncia de clculos. Mas derejeitar a sua primazia e determinao, ao menos para o meu caso espe-cfico de pesquisa. E porque o clculo no serve para fabricar famlia.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41225

  • - 226 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    Ele no seria capaz de faz-lo, sem ser uma falsificao, no fosse a exis-tncia de um estoque de parentesco existente na rvore genealgica, naslongas cadeias indistintas de filiao.

    Porque a totalidade da rvore virtual baseia-se no parentescocogntico, por conseguinte, nas leis do Estado nacional. Donde, per-mitido garatujar nessa superfcie de inscrio uma infinidade de agru-pamentos. Os filhos so descendentes e portadores dos sobrenomes dospais e das mes. Cada casal, cada casa, os filhos de cada uma, associam-se aos agrupamentos polticos que mais lhe convierem segundo suasnecessidades, os seus destinos, sua convivncia, a cotidianidade que pro-duz contgio. bem verdade, conforme foi elaborado mais detidamen-te noutros lugares (Marques, 2002; Villela, 2004 e Villela & Marques,2006), as escolhas dos sobrenomes dos descendentes obedecem a v-rios quesitos, esto submetidas a uma diversidade importante de crit-rios. A rigor, sequer se pode falar de escolhas. Falar-se-, como Palmeira(1992) disse a respeito do modo como os eleitores oferecem seus votosnas eleies, de adeses. Porque, assim como entendo este termo, cadaagrupamento familiar, cada casa, cada linhagem, so arrastados para estee para aquele sobrenome ou para cada segmento seu, por um universointeiro de motivaes que so econmicas, afetivas, polticas, guerrei-ras,20 simultaneamente ou em diferido. A rigor, tambm, atualmente nomais se omite, como se fazia antes, alguns sobrenomes dos nomes dofilhos. Todos aparecem, embora nem todos sejam atualizados. Quer di-zer, nem todos valem como signos de pertena e muitas pessoas, embo-ra tenham sobrenomes nas certides de nascimento e de batismo, seassinam, apenas com um dos sobrenomes que compem os seus no-mes. Os prprios Mara e Carlos, numa conversa que tivemos em recen-te permanncia em campo, queixavam-se magoados dos sobrinhos queno assinam o sobrenome, que eles dois ostentam com orgulho histri-co, em proveito de um dos dois atualmente em voga no municpio de

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41226

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 227 -

    Jordnia. Alguns amigos que tiveram filhos ou netos recentemente fru-tos de casamentos de duas famlias diferentes, no sentido do sobreno-me, costumam discutir a qual delas pertencero os pequenos. Pude vera preocupao de avs, mas tambm de primos, com a permannciadestes novatos da vida familiar nas casas dos pais de um dos cnjuges:eu no deixava no, dizia uma prima lamentando-se no seio de suaimpotncia, uma vez que seria ingerncia palpitar nos negcios inter-nos de uma casa, a menina ficar tanto tempo na casa da av [materna,um outro sobrenome, de resto, antagonista do da av paterna]. Deixemesmo, pra ver o que acontece.... Num outro dos tantos dilogos quepude presenciar a esse respeito, um casal de jovens discutia, primeiroem tom de brincadeira, mas depois seriamente, e finalmente com algu-ma aspereza, se seu beb seria membro dos Ips ou de seria de Apareci-da, sendo que ambos os nomes diziam respeito a territrios. Um delesuma fazenda e o outro, uma vila. Ambos os nomes correspondiam apertenas familiares.

    IV. Algumas reflexes finais e um ltimo exemplo

    No Vale, portanto, tal como Irvine (1978) e Peters (1978) notaram en-tre os Wolof e para os bedunos, respectivamente, famlia tempo, ter-ritrio, poltica e histria. Em meu caso de pesquisa, todos os quatroaspectos so relevantes para a constituio de uma histria poltica mu-nicipal. um composto, um efeito, e no um a priori. , no custa re-petir, concebido como dado, mas vivido como fabricao. Mas, sempreconvm assinalar, ele s pode ser vivido como fabricao porque con-cebido como dado e no como uma falsificao, uma iluso, ideologia,um idioma, uma metfora. curioso notar como a multiplicao dashistrias municipais no serto corresponde intensificao e ampliao

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41227

  • - 228 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    dos conhecimentos genealgicos. Desde h alguns anos, como j foidito, possvel freqentar na internet um stio de genealogia pernam-bucana com instrumentos de busca que permitem ao usurio localizarcom apenas dois cliques os diversos graus de parentesco existentes entreduas pessoas. Portanto, o parentesco virtual tambm digital, on line.O que se pode fazer com ele, uma coisa que talvez se possa aprendercom o dilogo que o cineasta Jim Jarmusch criou para os atores AlfredMolina e Steven Coogan.21

    A poltica pode ser um acontecimento que enceta e que desfaz fa-mlia realimentando-se dessa fabricao para formar agrupamentos po-lticos. Assim como a violncia, nos municpios onde fao pesquisa, apoltica sempre foi constituinte de parentesco. No h propriamente pa-rentesco dado, o parentesco no se inscreve no sangue de uma vez parasempre, mas o sangue suporte cognitivo para as relaes serem costura-das, o que no desprezvel; ao contrario, fundamental. A histria dapoltica municipal capaz de efetuar os cortes, fazer as colagens, despre-gar outra vez o que estava pregado, desde as longas cadeias contnuas epr-formais da genealogia. A genealogia, por sua vez, traz inscrita em siessa possibilidade, uma vez que formada pela filiao cogntica, pelaaliana, pelo parentesco chamado ritual e pelo de contgio. Teia que seespraia em todas as direes, em tudo semelhante aos laos polticos,s ligaes dos bandos pela violncia, colagem mnemnica dos cladosde parentesco. o rizoma, sem contornos, anis quebrados e capazes deentrar uns nos outros, de fazer conexes por todos os lados, presente empleno corao da rvore (Deleuze & Guattari, 1980, pp. 13, 14 ss).22

    As inmeras ligaes decorrentes dos casamentos, da filiao indiferen-ciada, e das adeses a um ou outro sobrenome segundo as inclinaesdos cnjuges e de seus filhos, so as prprias condies de possibilidadepara os cortes, recortes e ligaes das pontas quebradas das linhas ge-

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41228

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 229 -

    nealgicas. Os grupos de parentesco no so, por conseguinte, gruposcorporados, ou seja, isolados a englobar a totalidade das pertenas deseus indivduos. So, antes, para aproveitar a formulao de Favret emseu trabalho no Magreb, feixes de relaes especficas e condicionais(Favret, 1968, p. 26).

    Entre meus colaboradores locais de pesquisa, o parentesco, a famlia,a genealogia precisam ser inscritas e reinscritas sobre alguma superfcie.Elas no existem em si mesmas. Melhor ainda, elas no tm funciona-mento autnomo. Porque so feitas de tinta que se apaga com o tempoe s se atualiza no cotidiano. Todos so capazes, se instados, de reconhe-cer e mudar de opinio acerca de quem e de quem no seu parente.Para que um indivduo ou uma coletividade seja capaz de aderir a estaidia, preciso que ela seja inserida no domnio do ordinrio, dos flu-xos de convivncia, da ao, dos enunciados, enfim. preciso que agenealogia, dita ou escrita, seja tornada um ato de palavra. Para usar aterminologia da teoria etnogrfica da linguagem de Malinowski (1978,v. 2, pp. 6-8), preciso que ela seja pragmtica, que ela faa coisas. E por isso que , de fato, necessrio falar, com Zonabend (1979; 2000),de guardies da genealogia. Todavia, estes no so apenas os especialis-tas que falam famlia, como ela diz acerca de seu objeto emprico nazona rural da Frana. So tambm os que agem famlia ou que fazem dafala uma ao e transpem a ao para a fala.

    A idia de intransitividade eleitoral, quer dizer, que lderes polticosde certas instncias (comunitrios, sindicalistas, tnicos) tm dificulda-de de transformar sua representatividade em votos, foi j suficientementetratada pelos antroplogos da poltica. Tambm se notou que a transfe-rncia de votos problemtica, mesmo quando se trata de pais para fi-lhos. Observou-se mesmo que as famlias rurais ou urbanas nem semprejustapem as suas relaes familiares s suas escolhas eleitorais. Mas es-

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41229

  • - 230 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    queceu-se com freqncia de enfrentar o problema seguinte: o da fabri-cao da famlia em termos polticos em geral e em termos especifica-mente poltico-eleitorais.23

    Esse ltimo enunciado implica em reconhecer que a construo dopassado, conforme lembrou Toren (1988, p. 696, 712 ss), arrasta consi-go a construo do presente, dada a alta mutabilidade da tradio, queno Vale sistema, conforme referiu Godi (1998), para outra circuns-crio territorial de pesquisa. Ou seja, agir segundo os modos do lugar,no havendo, portanto, distino entre tradio e histria processual.

    Pois as construes dos grupos e do passado so essenciais para a exis-tncia material e no material dos habitantes. Porque situar-se numafamlia contar com sua solidariedade, compartilhar suas virtudes, seuscrditos, mas tambm seus vcios e suas dvidas, seu prestgio essa cate-goria de que meus colaboradores locais lanam mo com tanta recor-rncia e que um dos componentes de o que cada indivduo , do queele capaz de obter, do que lhe possvel, ou ao que lhe desacon-selhvel, performar. E, no Vale, os olhos dos demais olham e ao mesmotempo produzem a imagem que cada um faz de si segundo as relaesde famlia de cada um. Relaes de famlia que, de acordo com o quevimos, no so fixas nem dadas. So fabricadas, por um lado, e alvo dedisputa e interpretao, por outro. Ainda mais prximo, embora maisdistante, do meu caso de pesquisa o que diz Toren (1996, p. 4; 1999,p. 266) acerca de Fiji: uma criana fijiana deve viver o parentesco comoo prprio meio de existncia. Esta criana (...) torna-se o que ela emrelaes recprocas entre parentes. Trata-se, para os fijianos de Toren,de um processo ontogentico que envolve a constituio do parentesco.Se me fosse necessria uma imagem distante e extica, diria que a fam-lia no Vale como a pessoa Melansia, mas tambm como a pessoaKerala, tomando-se as distines estabelecidas por Busby (1997, p. 264e 273). Ela um microcosmo de relaes que exige performances es-

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41230

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 231 -

    peciais para se atualizar e manter; mas tambm um todo interno pr-existente a qualquer relao.

    A disputa, a fabricao e a interpretao so foras capazes de com-por e decompor famlia e, por conseqncia, agrupamentos polticos.As pessoas, ao menos para alguns casos em Jordnia, so capazes de vi-rar Santana ou de virar os seus opositores polticos, segundo os pr-prios termos de uma jordanense cujos primos tiveram extirpados de seusnomes o sobrenome Santana por conta mesmo de disputas polticas.Neste caso, as mulheres receberam como sobrenome o nome da me eos homens, o do pai.

    Ainda a esse respeito vejamos apenas um caso, dentre todos que aetnografia e a documentao me mostraram ao longo de dez anos depesquisa. O ex-prefeito de Jordnia, Incio Santana, j em seu segundomandato, h poucos anos, deveria fazer seu sucessor. O candidato dafamlia prefeitura era prestigiado no municpio. Queria fazer seu de-putado federal, estadual, seu prprio vice. Incio tornou-se alvo de ata-ques de seus prprios aliados, de seus parentes e do eleitorado em geralque o acusavam de m gesto e corrupo a cu aberto. Agravaram-se astenses quando Incio insinuou a nomeao de um vice para a chapado candidato a prefeito, seu primo. E, dois anos aps, a aliana acaboude ruir quando aquele tentou inserir seu prprio candidato a deputadofederal em Jordnia. Pano rpido: o ex-prefeito foi excludo do processoeleitoral pelos atuais e pelos futuros parentes. Futuros, porque sua mu-lher se assina com o sobrenome do marido (Santana), que adquiriupor casamento, mas tambm com o sobrenome que herdou por filia-o (Gouveia). Caso muito comum, conforme j sublinhei, no Serto.Havia durante muitos anos aderido ao sobrenome do marido, o mesmoque disputava com xito a liderana em Jordnia j h algumas eleies.

    Situao e oposio colocam-no na geladeira. Durante um lapso dealgumas semanas, o prefeito no pertencia a uma poltica, assim como

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41231

  • - 232 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    no pertencia a uma famlia. Era uma espcie de semi-vivo. Jamais ti-nha visto uma tal cena: a poucos dias das eleies um prefeito peram-bulando sozinho e abandonado pelas ruas da cidade. No era convida-do para os palanques, nem da situao, nem da oposio. Passado umano, o prefeito est no espao exterior de seus antigos laos de parentescoe de suas alianas polticas anteriores. Agora parente dos parentes desua esposa, ligados que so aos opositores de seus antigos primos.Mesmo que no precise se assinar com este novo sobrenome.

    Os coletivos dos municpios circunscritos em minha pesquisa, massobretudo os de Jordnia, entendem-se constantemente como formaesde parentesco, como famlias, a despeito da amplitude que elas venhama ter, da polissemia deste termo, da condio precria e impermanentede existncia de tais agrupamentos. Mas as famlias comportam-se antescomo microgrupos de base familiar (Villela, 2005) que formam liga-es rizomticas (Deleuze & Guattari, 1980), no como facesexclusivistas. Uma tal abordagem oblitera, portanto, um certo vocabu-lrio nativo das cincias sociais acerca das relaes polticas no Brasil.

    Esse trabalho vale para o municpio de Jordnia, mas no ser difcilestender essa reflexo para outros lugares, guardando-se sempre as suasespecificidades. Sua reflexes no so exclusivas para lugares considera-dos distantes, para populaes consideradas mal informadas. Poderoservir para pases que so os fundadores da democracia representativa.Ao contrrio do que se supe geralmente, os que colaboram para a feiturade minhas pesquisas so brilhantes operadores deste regime poltico.Porque eles conhecem bem o seu funcionamento por conta de sua lon-ga convivncia com ele.

    Ao ser feita essa operao j no se falar de nepotismo a no ser comose fala, descuidadamente que o sol desceu atrs das nuvens. Ser poss-vel um ajuste na compreenso de certas prticas e de outras palavras,muito prximas de ns sem que nos dobremos aos sentidos hegemni-

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41232

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 233 -

    cos que nelas costumam ser colados pelos nossos atavismos nocionais.Mas, e esse dos mais frutuosos resultados da etnografia, ser possveldesfazer a solidez de certos objetos e mostrar as foras-fortes que fazemos slidos. possvel, por conseguinte, verificar que sem tal solidez tal-vez seja mais complicado procurar em sua essncia esses centros de po-der. Ser possvel reconhec-los como solidificaes ou tenses desolidificaes, do mesmo modo que as famlias no Serto de Pernam-buco so estabilizaes atualizadas de um conjunto heterogneo e difi-cilmente delimitvel de componentes.

    Notas

    1 Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social e Departamento de CinciasSociais da Universidade Federal de So Carlos. Esse artigo se inscreve no mbitodo projeto Memria: poltica, violncia e famlia, financiado pela Fapesp. Umaprimeira verso deste texto foi apresentada na I REA. Uma segunda, nas QuartasIndomveis, evento mensal do PPGAS/UFSCar. A todos os participantes agradeoas crticas e os comentrios. Agradeo as leituras e os comentrios feitos por AnaClaudia Marques, Karina Biondi, Luiz H. de Toledo, Piero Leirner e Uir Garcia.Os equvocos e imprecises so, no entanto, de minha responsabilidade. Agradeoainda a Otvio Velho, cuja leitura e sugestes deram mais equilbrio a este artigo.No tenho, contudo, a certeza de t-las seguido competentemente. Agradeo so-bretudo aos meus colaboradores locais de pesquisa, meus amigos e amigas sertane-jas, que me toleram h dez anos entre eles.

    2 Populao de ca. 27 mil habitantes (2007). Colgio eleitoral de ca. 20 mil eleitores(2008). rea: ca. 3,5 mil km2. A arrecadao excede em 1/3 seu os gastos pblicos(2006). A impreciso dos dados relaciona-se inveno dos nomes para os municpios.

    3 Todas as palavras em itlico so termos ou categorias nativas, salvo pelos casos depalavras em lngua estrangeira. As expresses entre aspas, exceto para os trechos decitaes de outros autores e aquelas em que explicitamente fao referncia mi-

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41233

  • - 234 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    nha terminologia (vide supra, I) so expresses usadas pelas pessoas entre as quaisfao pesquisa.

    4 A esse respeito ver Foucault (1975, 1976, 1977, 1981); Deleuze e Guattari (1980).Ver tambm o recente trabalho de Veyne (2008) que insiste na rejeio de Foucaultpelos universais, pela totalidade, pela transcendncia e pelo transcendental.

    5 tambm Foucault (1994, p. 184) quem aponta Clastres com a expectativa dequem espera ver em sua obra uma exceo regra do juralismo em antropologia.Para uma crtica interna da antropologia acerca do ponto de vista juralista, ver Leach(1971 , pp. 9-10) ou, mais modesta e recentemente, Saltman (1985).

    6 Para um primeiro exemplo da paternidade da figura do coronel como o signo lti-mo do arcasmo da poltica brasileira e como o seu mais grave problema, ver Torres(1982), constituindo uma crtica contempornea Primeira Repblica. A esse res-peito ver tambm Fortunato (2000). E tambm os clssicos Leal (1949) e Pereirade Queiroz (1976). Para uma sntese das abordagens do coronelismo, ver Carva-lho (1997) e tambm Avelino Filho (1994).

    7 Para uma sntese do problema, ver Corra (1994)8 H 63 anos Lvi-Strauss publicava um artigo cuja penltima pgina punha em

    questo precisamente o estatuto natural do parentesco humano, pois, dizia ele, umsistema de parentesco no consiste nos laos objetivos de filiao ou deconsanginidade dados entre indivduos [...] um sistema arbitrrio de represen-taes, no o desenvolvimento espontneo de uma situao de fato (Lvi-Strauss,1958, p. 61). Alm disso, desde h cerca de 20 anos novas formas de lidar com afamlia e com o parentesco tornaram-se comuns em antropologia e nas atividadesque a cercam de perto (e.g. Strathern, 1992; Haraway, 1997; Carsten, 2001 e2004).

    9 Ncleo de Antropologia da Poltica. Pronex coordenado por Moacir Palmeira queagregou inmeras pesquisas individuais, muitas delas publicadas na coleo An-tropologia da Poltica (Rio de Janeiro, Relume Dumar). Alguns dos ttulos apa-recero citados ao longo deste trabalho.

    10 Para uma exposio muito recente das controvrsias no interior dos estudos de pa-rentesco em torno do problema da psicologia evolutiva e do anti-evolucionismoneodarwinista, ver Parkin (2009). A esse respeito, mas com outros objetivos, verLatour (2005, p. 90 e passim). Em virtude da abundncia dos trabalhos que man-tiveram em mente as relaes dinmicas e recprocas entre poltica e famlia no

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41234

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 235 -

    Brasil (Caedo, 1998; Carvalho, 1966; o estudo clssico de Costa Pinto, 1943;Heredia, 1996; Marques, 2002a; 2003, 2006; Marques et al., 2007; Palmeira,1997; Lanna 1996) e dos limites que estabeleci para este texto, limitar-me-ei aexpor aqui como estas se expressam e funcionam no Vale do Paje. Entre elesh, por certo, uma enorme variao de abordagens e apenas o tema das pesquisasos aproxima.

    11 O sentido nativo que se empresta palavra casa em tudo acoplvel definio deLvi-Strauss (1979; tambm Carsten & Hugh-Jones, 1995). Ela , em certos ca-sos, o ltimo avatar da segmentao, uma unidade. Ela assemelha-se tambm noo de mnage, tal como a apresenta Sgalen (1980), mas que aparece ainda emBourdieu (1962). Ela une um princpio territorial a uma de descendncia, a umade aliana. Ela carrega um nome e mtodos prprios e visveis de separao dossegmentos superiores. Faz parte integrante de uma sociedade de descendnciaindiferenciada. Ela o ncleo das mais slidas ligaes de solidariedade, cuja trans-gresso negativamente valorizada. Pela casa a que pertence, um membro podeser distinguido de outras pessoas que lhes so aparentados. Ele recebe as suas ca-ractersticas emprestadas da casa. O problema da segmentao, ainda obscuro nestetexto, ser tratado a seguir. Para uma exposio panormica de outros contextoseuropeus, ver Augustins (1989).

    12 A noo de estoque filiativo tomada de emprstimo aqui a Deleuze e Guattari(1972, p. 171 ss). O sentido que imprimo aqui a ela muito semelhante ao dosautores: a filiao como contnuo no individuado que cortado, segmentado,codificado pelas relaes de aliana. Aliana aparece em Deleuze e Guattari (aomenos em 1972) como um princpio de individuao. Aqui, a noo de estoquefiliativo aproxima-se tambm da noo de filiao intensiva (ibid., p. 183), ouseja, uma espcie de contnuo pr-formal, de onde todas as alianas podem serretiradas e de onde os segmentos filiativos so extrados.

    13 O serto de Pernambuco tem a sua verso do Burkes Peerage and Gentry que sechama Genealogia Pernambucana (http://www.araujo.eti.br/araujo2.asp).

    14 Descries mais pormenorizadas e reflexes mais prolongadas acerca da segmen-taridade no serto de Pernambuco aparecem em Villela (2004, 2008) e Marques(2002a, 2003).

    15 Os processos de segmentao no param neste nvel. Eles acompanham as forma-es das casas nas escolhas da residncia ps-matrimonial e, portanto, esto pre-

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41235

  • - 236 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    sentes nos modos de sucesso do patrimnio imvel. No que toca ao patrimniomvel, os animais, a segmentao expressa pelos sinais recortados com tesouraou faca nas orelhas dos bodes e pelos ferros dos bovinos. Muito rapidamente, quan-to s orelhas dos bodes embora a variao local seja grande e haja quem, nummunicpio ou outro, tambm fizesse as assinaturas nas orelhas dos bovinos: nocaso da Imbuzeiro, a orelha direita reservada ao sinal da fazenda: cruz, que no exatamente uma cruz. A esquerda divida em duas metades. Na superior, recorta-se o sinal da casa do pai, digamos que fosse um coice de porta. A metade inferiorera reservada ao herdeiro que recebia sua parte da herana mvel na poca da pri-meira assinatura, quando dos filhotes ainda pequenos, o tempo propcio, seco,para evitar-se doenas nas feridas. Assim, cada filho herdava no apenas os ani-mais, mas tambm a assinatura indita que fora criada para ele e que dever passarpara as suas prprias casas e para as dos seus filhos, no futuro, quando tiverem deinventar sobre a combinao de nove diferentes sinais, uma assinatura indita paracada um deles. A esse respeito ver ainda Villela (2005), mas tambm, com direitoa desenhos dos sinais, embora com alguns nomes diferentes e com menor varieda-de de sinais existentes no Serto de Pernambuco, Barroso (1956, pp. 185-191).

    16 A esse respeito ver, tambm, Comerford (2003); Marques (2002a) e Villela (2005).17 Assim como famlia, tambm poltica, para as pessoas entre as quais fao pesquisa,

    como de resto entre ns, recebe muitos sentidos. Os mais empregados e os maisrelevantes mesmo para os tantos que a ignoram, a desprezam, a ridicularizam e arejeitam so os concernentes ao que eleitoral e, em menor grau e em menorextenso, ao que partidrio.

    18 Primos cujo pai ou a me so irmo. Distingue-se de primos carnais relao quesupe a irmandade entre pais e mes dos primos.

    19 Neste sentido o parentesco no Vale exibe um aspecto semelhante ao autopoiticoreferido por Gow (1997, p. 43), dispensvel dizer, certamente a um universoetnogrfico absolutamente diferente do meu.

    20 Guerreiras porque, conforme foi analisado e descrito em outros lugares, os agru-pamentos onde fao pesquisa constituem o que em antropologia se convencionouchamar, e uso a expresso apenas por economia de discurso, de feuding societies(Marques, 2003; Villela, 2005).

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41236

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 237 -

    21 Cousins? em Coffee and Cigarettes, de Jim Jarmusch (2003). Molina descobrepor pesquisas genealgicas, seu hobbie, que um primo distante de Coogan. MasCoogan rejeita a relao at que um acontecimento o faz desej-la. Mas este mes-mo acontecimento afasta Molina. Um mesmo acontecimento que produz e desfazuma mesma cadeia virtual da rvore genealgica. Essa relao virtual/atual da ge-nealogia poderia talvez ser pensada na mesma chave do que Tarde chama de teo-ria dos abortos no que toca oposio entre possvel e real, sendo este to realquanto aquele, embora no o esgote (Tarde, 2007, p. 199).

    22 Para uma abordagem antropolgica da rvore no ocidente como mtodo de expo-sio do parentesco (a rvore invertida que cresce pela copa) e suas relaes com aidia de progresso, ver Ingold (2007, p. 105 e passim).

    23 Esses temas podem ser vistos em Goldman (2006), Villela (2004b), Villela &Marques (2006). Sobre o ltimo aspecto Marques (2002a) j o havia sugeridoacerca do mesmo objeto emprico.

    Bibliografia

    ABELS, Marc2001 Un Ethnologue la Assemble, Paris, Odile Jacob.2002 Avoir Du Pouvoir Politique, in SEGALEN, Martine (org.), Jeux de Familles,

    Paris, CNRS.

    AUGUSTINS, Georges1989 Comment se Perptuer. Devenir des lignes et des destines des patrimonies dans les

    paysenneries europennes, Paris, Socit de Sociologie.

    AVELINO FILHO, George1994 Clientelismo e Poltica no Brasil. Revisitando velhos problemas, Novos Estu-

    dos Cebrap, vol. 38, mar.

    BARNES, J. A.1967 Genealogies, in EPSTEIN, A. L. (org.), The Craft of Social Anthropology, Lon-

    dres, Tavistock.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41237

  • - 238 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    BARROSO, Gustavo1956 Terra do Sol. Natureza e Costumes do Norte, Rio de Janeiro, So Jos.

    BENSA, Alban2003 LExclu de la Famille. La parente selon Pierre Bourdieu, Actes de la Recherche

    en Sciences Sociales, vol. 150.

    BOUQUET, Mary2001 Making Kinship, with an old reproductive technology, in FRANKLIN, S.;

    MCKINNON, S. (orgs.), Relative Values. Reconfiguring kinship studies,Durham, Duke University Press.

    BOURDIEU, Pierre1962 Celibat et Condition Paisanne, tudes Rurales, vol. 5-6.1963 La Socit Tradicionelle. Attitude lgard du temps et conduite conomique,

    Sociologie du Travail, vol. 1.1972 Esquisse dune Thorie de la Pratique, Genebra, Droz.

    BRIQUET, J.-L.1997 La Tradition en Mouvement. Clientlism et Politique en Corse, Paris, Belin.

    BUSBY, Cecilia1997 Permeable and Partible Persons: a comparative analysis of gender and body in

    south India and Melanesia, Journal of the Royal Anthropological Institute, vol. 3(n.s.).

    CAEDO, Letcia B.1998 La Production Gnalogique et les modes de transmission dun capital

    politique familial dans le Minas Gerais Brsilien, Genses, vol. 31.

    CARRIER, James G.1995 Maussian Occidentalism: Gift and Commodity Systems, in CARRIER, James

    G. (org.), Occidentalism: images of the West, Oxford, Clarenton Press.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41238

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 239 -

    CARSTEN, Janet2001 Substantivismo, Antisubstantivism, and Anti-Substantivism, in FRANKLIN,

    S.; MCKINNON, S. (orgs.), Relative Values. Reconfiguring kinship studies,Durham, Duke University Press.

    2004 After kinship, Cambridge, Cambridge University Press.

    CARSTEN, J. E.; HUGH-JONES, S.1995 About the House: Lvi-Strauss and beyond, Cambridge, Cambridge University

    Press.

    CARVALHO, Jos Murilo de1966 Barbacena: a famlia, a poltica e uma hiptese, Revista Brasileira de Estudos

    Polticos, vol. 20.1997 Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discusso conceitual, Dados,

    vol. 40(2).

    CLASTRES, Pierre2003 A Sociedade Contra o Estado. Pesquisas de antropologia poltica, So Paulo,

    Cosac Naify.

    COMERFORD, John2003 Como uma Famlia, Rio de Janeiro, Relume Dumar.

    CORRA, Mariza1994 Repensando a Famlia Patriarcal no Brasil, in ARANTES, Antonio A. et al.

    (orgs.), Colcha de Retalhos. Estudos sobre a famlia no Brasil, Campinas,Ed. Unicamp.

    COSTA PINTO, L. A.1943 Lutas de Famlias no Brasil (Era Colonial), Revista do Arquivo Municipal, vol.

    88.

    DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix1972 LAnti dipe. Capitalisme et Schizophrenie, Paris, Minuit.1980 Mille Plateaux. Capitalisme et schizophrnie 2, Paris, Minuit.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41239

  • - 240 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    DONZELOT, Jacques1986 A polcia das Famlias, Rio de Janeiro, Graal.

    EVANS-PRITCHARD, E. E.1973[1955] The Sanusi of Sirenaica, Oxford, Clarenton Press.1978[1940] Os Nuer, So Paulo, Perspectiva.

    FABIAN, Johannes1983 Time and the Other. How anthropology makes its object, Nova Iorque, Columbia

    University Press.

    FRANKLIN, Sarah2001 Biologization Revisited: kinship theory in the context of the new technolo-

    gies, in FRANKLIN, S.; MCKINNON, S. (orgs.), Relative Values. Reconfigu-ring kinship studies, Durham, Duke University Press.

    FAVRET, Jeanne1968 Relations de Dpendence et Manipulation de La Violence en Kabilie,

    LHomme, vol. 8(4).

    FORTUNATO, Maria L.2000 O Coronelismo e a Imagem do Coronel: de smbolo a simulacro do poder local. Tese

    (Doutorado), Departamento de Histria, IFCH-Unicamp.

    FOUCAULT, Michel1975 Suveiller et Punir. Naissance de la Prison, Paris, Gallimard.1976 Il Fault Dfendre la Socit. Cours au Collge de France, Paris, Gallimard.1994[1977] Loeil du Pouvoir, in DFERT, Daniel; EWALD, Franois (orgs.), Dits et

    crits III, Paris, Gallimard.1994[1981] Les Mailles du Pouvoir, in DFERT, Daniel; EWALD, Franois (orgs.), Dits

    et crits IV, Paris, Gallimard.

    GODI, Emilia P.1998 O Sistema do Lugar: histria, territrio e memria no serto, in NIEMAYER,

    Ana. M.; GODI, Emilia P de, Alm dos Territrios, Campinas, Mercado deLetras.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41240

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 241 -

    GOLDMAN, Marcio2006 Como Funciona a Democracia. Uma teoria etnogrfica da poltica, Rio de Janei-

    ro, Sete Letras.

    GOW, Peter1997 O Parentesco como Conscincia Humana: o caso dos Piro, Mana, vol. 3(2).

    HARAWAY, Donna1997 Modest_Witness@Second_Millennium.FemaleMan_Meets_OncoMouseTM, Nova

    Iorque, Routledge.

    HEREDIA, Beatriz1996 Poltica, Famlia, Comunidade, in PALMEIRA, Moacir; GOLDMAN,

    Marcio (orgs.), Antropologia, Voto e Representao Poltica, Rio de Janeiro, Con-tra Capa.

    HERZFELD, Michael1985 The Poetics of Manhood. Contest and Identity in a Cretan Mountain Village, Prin-

    ceton, Princeton University Press.1992 The Social Production of Indifference. Exploring the symbolic roots of Western

    Bureaucracy, Chicago, Chicago University Press.

    INGOLD, Tim2007 Lines. A Brief Theory, Londres, Routledge.

    IRVINE, Judith1978 When Genealogy is History? Wolof Genealogies in Comparative Perspective,

    American Ethnologist, vol. 5(4).

    JULLIAN, Franois2008a Universels, les Droits de lHomme?, Le Monde Diplomatique, fev.2008b De lUniversel, de lUniforme, du Commun et du Dialogue entre les Cultures, Pa-

    ris, Fayard.

    KUPER, Adam1988 The Invention of Primitive Society: transformations of an illusion, Nova Iorque,

    Routledge.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41241

  • - 242 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    LANNA, Marcos1996 A Dvida Divina. Troca e Patronagem no Nordeste Brasileiro, Campinas, Ed.

    Unicamp.

    LATOUR, Bruno2000[1991] Jamais fomos modernos, So Paulo, Ed. 34.2005 Reassembling the Social. An introduction to actor-network-theory, Nova Iorque,

    Oxford.

    LEACH, Edmond1971[1961] Pul Eliya. A village in Ceylon, Cambridge, University of Cambridge Press.

    LEAL, Vtor Nunes1997[1949] Coronelismo, Enxada e Voto. O municpio e o regime representativo no Brasil, Rio

    de Janeiro, Nova Fronteira.

    LVI-STRAUSS, Claude1958[1945] LAnalyse Structurale e Linguistique en Anthropologie, in Anthropologie

    structurale, Paris, Plon.1979 La Voie des Masques, Paris, Plon.

    LIENHARDT, Godfrey1958 The Western Dinka, in MIDLETON, J.; TAIT, D., Tribes Without Rulers.

    Studies in African Segmentary Systems, Londres, Routledge and Kegan.

    MALINOWSKI, Bronislaw1978[1935] Coral Gardens and their Magic, Nova Iorque, Dover.

    MARQUES, Ana Claudia2002 Intrigas e Questes. Vingana de Famlia e tramas sociais no Serto de Pernambuco,

    Rio de Janeiro, Relume Dumar.2003 Poltica e Questo de Famlia, Revista de Antropologia, vol. 45(2).2006 Sobre Lutas de Famlias e suas Tramas, in PALMEIRA, Moacir; BARREIRA,

    Cesar (orgs.), Poltica no Brasil: vises de antroplogos, Rio de Janeiro, RelumeDumar.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41242

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 243 -

    MARQUES, A. C.; COMERFORD, J.; CHAVES, C. A.2007 Traies, Intrigas, Fofocas, Vinganas: notas para uma abordagem etnogrfica

    do conflito, in MARQUES, Ana Claudia (org.), Conflitos, Polticas e RelaesPessoais, Campinas, Pontes.

    NATHAN, Tobie.2001 Nous ne Sommes pas Seules au Monde. Les enjeux de lethnopsychiatrie, Paris, Les

    Empcheurs de Penser en Rond.

    OLIVEIRA VIANNA, Francisco1987 Instituies Polticas Brasileiras, So Paulo, Edusp, 2 vol.

    PALMEIRA, Moacir1992 Voto: racionalidade ou significado?, Revista Brasileira de Cincias Sociais, n.

    20, ano 7.1996 Poltica, Faces e Voto, in PALMEIRA, Moacir; GOLDMAN, Marcio

    (orgs.), Antropologia, Voto e Representao Poltica, Rio de Janeiro, Contra Capa.1997 Poltica Ambgua, in BIRMAN, P.; NOVAES, R.; CRESPO, S. (orgs.), O

    Mal Brasileira, Rio de Janeiro, Ed. UERJ.

    PALMEIRA, M.; GOLDMAN, M.1992 Apresentao, in Antropologia, Voto e Representao Poltica, Rio de Janeiro,

    Contra Capa.

    PARKIN, Robert2009 What Shapiro and McKinnon are all about, and why kinship still needs

    anthropologists, Social Anthropology, vol. 17(2).

    PETERS, Emrys1978 Local History in two Arab Communities, Bulletin (British Society for Middle

    Eastern Studies), vol. 4(2).

    QUEIROZ, M. I. Pereira de1976 Mandonismo Local na Vida Poltica Brasileira e Outros Ensaios, So Paulo, Alfa

    mega.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41243

  • - 244 -

    JORGE MATTAR VILLELA. FAMLIA COMO GRUPO?...

    SALTMAN, Michael1985 The Law is an ass: an anthropological appraisal, in OVERING, Joanna

    (org.), Reason and Morality, Londres, Tavistock.

    SEGALEN, Martine1980 Mari et Femme dans La Socit Paysanne, Paris, Flammarion.

    SCHNEIDER, David1980[1968] American Kinship. A cultural account, Chicago, Chicago University Press.1984 A Critique of the Study of Kinship, University of Michigan Press.2007[1972] What Kinship is All About?, in PARKIN, R.; STONE, L. (orgs.), Kinship

    and Family. An anthropological reader, Oxford, Blackwell.

    STRATHERN, Marilyn1991 Partial Connections, Savage, Rowan & Littlefield.

    TARDE, Gabriel2007[1910] Os Possveis, in VARGAS, E. E. (org.), Monadologia e Sociologia, So Paulo,

    Cosac Naify.

    TOREN, Christina1988 Making the Present, Revealing the Past: the mutability and continuity of

    tradition as process, Man (N.S.), vol. 23(4).1996 Compassion for Another: constituting kinship as intentionality in Fiji, The

    Malinoski Memorial Lecture (mimeo).1999 Compassion for Another: constituting kinship as intentionality in Fiji, Journal

    of the Royal Anthropological Institute, vol. 5(2).

    TORRES, Alberto1982 O Problema Nacional Brasileiro: introduo a um programa de organizao naci-

    onal, Braslia, Universidade de Braslia.

    VERNANT, Jean-Pierre1989 LIndividu, la Mort, lAmour, Paris, Gallimard.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41244

  • REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SO PAULO, USP, 2009, V. 52 N 1.

    - 245 -

    VEYNE, Paul1984 Os Gregos Conheceram a Democracia?, Digenes, vol. 6.2008 Foucault. Sa vie, sa pense, Paris, Albin Michel.

    VILLELA, Jorge Mattar2005 O Povo em Armas. Violncia e Poltica no Serto de Pernambuco, Rio de Janeiro,

    Relume Dumar.2004 O Dinheiro e suas Diversas Faces nas Eleies Municipais em Pernambuco,

    Mana, vol. 11(1).2008 Poltica e Eleies no Serto de Pernambuco. O povo em armas, Campinas, Pontes.

    VILLELA, J. M.; MARQUES, A. C.2006 Municipal Elections: favor, vote and credit in the pernambucan Serto of

    Brazil, Latin Americanist, vol 49(2).

    YANAGISAKO, Silvia J.1979 Family and Household: the analysis of domestic groups, Annual Review of

    Anthropology, vol. 8.

    ZONABEND, Franois,1979 Jeux de Noms. Les noms de personne Minot, tudes Rurales, vol. 74.2000 Les Matres de Parent. Une femme de mmoire en Basse-Normandie,

    LHomme, vol. 154-155.

    ABSTRACT: I propose in this article to think about a very specific pro-blem: how, in a municipality in Pernambuco Backlands, certain collectivesmake and break family, make and break political groupings. I tried also toinspect how long a certain number of people can raise certain concepts,emotions, memories and objects to themselves and others, aiming to buildfamily and politics.

    KEY-WORDS: politics, elections, family, nepotism, Pernambuco, Serto.

    Recebido em novembro de 2008. Aceito em maio de 2009.

    06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41245

  • 06_RA_Art_Villela.pmd 24/03/2010, 16:41246