120
UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOA DEPARTAMENTO DE DIREITO VIOLÊNCIA CONJUGAL Charneca da Caparica 2013

VIOLÊNCIA CONJUGAL - repositorio.ual.ptrepositorio.ual.pt/bitstream/11144/394/1/Dissertação Violência... · Ao longo dos tempos, este crime tem vindo a merecer cada vez mais a

  • Upload
    builien

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • UNIVERSIDADE AUTNOMA DE LISBOA

    DEPARTAMENTO DE DIREITO

    VIOLNCIA CONJUGAL

    Charneca da Caparica 2013

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    2

    Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos...

    DUHU, art n 1

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    3

    saudade e memria dos meus (pais) avs:

    Francisco Santos

    e

    Maria Adelaide Avelar

    Antnio Martins Carronda

    e

    Isaura Carronda

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    4

    AGRADECIMENTOS

    A todos (sem distino ou ttulos) os que fazem funcionar a grande instituio que a UAL e

    Dra. Flvia Loureiro da Universidade do Minho, pela sua pacincia inesgotvel.

    Aos meus AVS, que j no esto comigo fisicamente por todo o amor que sem

    contrapartidas me ofereceram.

    Aos meus TIOS por continuarem a meu lado e acreditarem em mim.

    Aos meus filhos BRUNO e DANIELA por estarem ao meu lado e por durante todo o percurso

    da minha vida acadmica (sem um queixume) aceitarem a ausncia da me.

    Ao meu AMIGO (PJ) Amrico Joo que partiu muito cedo, por ter feito parte da minha vida.

    Um agradecimento especial com AMOR ao meu amigo Amrico Jos que, durante estes anos

    de estudo, enriqueceu o resultado final desta experincia, tirando milhares de cpias,

    impresses e adquirindo pelo pas vrios livros e manuais, necessrios para completar o curso,

    e no faltando tambm preciosos conselhos.

    Um agradecimento muito especial s minhas AMIGAS Susy Q, Lina e Carmo por todo o

    esteio e brincadeiras que nos piores momentos me fizeram rir e deram alento para no desistir.

    E por ltimo, o meu maior agradecimento minha amiga de sangue e

    inseparvel.............Helena Carronda. .

    Sim, a mim prpria, que com grandes obstculos, sacrifcios e sofrimento, segui o caminho

    traado, subindo todos os dias mais um degrau na sobrevivncia de quem vtima.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    5

    NUNCA desistam de nada por muito complicado e difcil que vos parea...Afinal...

    H SEMPRE UM AMANH...

    Pearl Buck

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    6

    Justificao e fundamentao terica

    Apesar de ser um tema bastante escolhido, a nossa escolha no poderia nunca ser

    outra. Realizamos este estudo para entender o enraizamento da violncia domstica nas nossas

    vidas, pois julgamos que deveria estar erradicada das nossas sociedades ditas desenvolvidas,

    inteligentes, democrticas e (supostamente) livres. Tambm escolhemos por ser um tema cada

    vez mais actual, bastante vasto, continuando a ser de difcil compreenso e discusso, assunto

    este onde ainda impera muita vergonha e crtica social. Mas principalmente porque

    fomos/somos vtima de violncia conjugal, e at chegar a este estudo desconhecamos os

    meios de ajuda disponveis e at alguns dos nossos direitos.

    De acordo com o relatrio da APAV referente a 2012, de um universo de 8945 vtimas

    directas de crime apoiadas pela APAV em 2012, 81% (N=7249) eram pessoas adultas at aos

    64 anos de idade. Sendo 85% pertencentes ao sexo feminino, contra 13% do sexo masculino,

    num universo de 7249 de pessoas adultas vtimas de crime.1

    Ao analisarmos estes dados existentes, constatamos que na maioria dos casos, o

    agressor do sexo masculino (marido, companheiro, ex-companheiro, namorado ou noivo).

    A violncia fsica com 83,3% dos casos, foi o tipo de violncia mais detectada, onde

    se destacam as tareias como os actos mais frequentemente denunciados. Segue-se a violncia

    psicolgica, com 14,2%, e a violncia sexual, com 1,6%, registando-se ainda uma

    percentagem de 0,9% com vrios tipos de violncia.

    Na quase totalidade dos casos os filhos assistiram agresso, foram 95,3% que

    assistiram, sendo que a grande parte destas mulheres j tinha um grande historial de violncia.

    O cime aparece como a causa mais identificada com 44%, seguindo-se o alcoolismo

    com 19,7%. As vtimas so mulheres, a maioria casadas com 59,1%, e com idades entre os 25

    e 34 anos com 28,5% e dos 35 aos 44 anos com 26%, em relao escolaridade, com nvel de

    instruo primrio com 44% e so sobretudo domsticas com 40,3%.2

    Partindo desta constatao, dividimos este trabalho em captulos:

    1 http://apav.pt/apav_v2/images/pdf/Estatisticas_APAV_Totais_Nacionais_2012.pdf [Consulta a 20 de

    Dezembro de 2012]

    2 http://www.apav.pt/pdf/Penelope_PT.pdf [Consulta a 20 de Dezembro de 2012]

    http://apav.pt/apav_v2/images/pdf/Estatisticas_APAV_Totais_Nacionais_2012.pdfhttp://www.apav.pt/pdf/Penelope_PT.pdf

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    7

    No primeiro, fazemos uma abordagem histrica da mulher na famlia e na sociedade,

    desde logo para compreender quando e como se foi libertando das amarras do poder dos

    homens. Achamos historicamente muito interessante a evoluo das sociedades desde os anos

    60/80 at aos dias actuais, desde o papel das instituies, aos meios de ajuda e ao apoio s

    vtimas. E levamos a cabo, na mesma linha, uma abordagem histrico-legislativa das vrias

    alteraes do Cdigo Penal em sede de violncia domstica, salientando quando foi o crime

    de violncia conjugal e relaes anlogas s dos cnjuges autonomizado no nosso Cdigo

    Penal.

    No segundo captulo debruamo-nos sobre a Constituio da Repblica Portuguesa

    enquanto lei fundamental delimitadora do Direito Penal. A tentamos descortinar quais as

    implicaes que podem derivar para a questo da violncia conjugal dos diferentes preceitos

    constitucionais.

    No terceiro, analisamos os vrios tipos de violncia existentes e as caractersticas

    gerais deste tipo de crime, enquanto no quarto captulo desenvolvemos a questo da

    visibilidade deste crime a nvel nacional e internacional e os meios de divulgao.

    O quinto captulo deste trabalho reflecte sobre os sujeitos, as medidas de coaco e

    tambm o papel das entidades policiais neste tipo de crime, assim como os princpios

    constitucionais que enformam a poltica criminal na sexta parte.

    Nos captulos stimo e oitavo, aprofunda-se um pouco sobre os meios de proteco

    das testemunhas e vtimas, apresentam-se algumas estatsticas e dois testemunhos reais.

    Terminamos este trabalho com uma breve concluso, um pouco mais conhecedores

    sobre este assunto e esperanosos que um dia este grave problema das nossas sociedades seja

    erradicado.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    8

    Objectivos

    Com este trabalho pretendemos obter uma viso mais ampla e aprofundada da matria

    referente a todos os tipos de violncia domstica, seja ela fsica ou psicolgica. Queremos

    perceber o comportamento do agressor e da sua vtima, saber que mecanismos sociais existem

    e de que maneira actuam perante as vrias situaes de agresso e como so as vtimas

    protegidas pelo Estado.

    Para este trabalho foram definidos alguns objectivos:

    1. Aprofundar conhecimentos sobre o tema:

    Saber a idade das vtimas, quem o agressor, o meio usado para agredir, quem

    assiste na maior parte s agresses, qual o tipo de relao existente entre vtima e

    agressor, as opes de apoio e ajuda para vtima, a tipologia e consequncias da

    agresso.

    2. Tentar ter um ponto de vista mais amplo, seja ele negativo ou positivo:

    O que esta a ser estudado e feito, os apoios, os meios se so suficientes ou no.

    3. Investigar os vrios comportamentos:

    Comportamentos da vtima e agressor perante a situao.

    4. Analisar legislao referente a esta situao:

    Analisar um pouco algumas alteraes feitas legislao nos ltimos anos e

    actualmente o que existe em sede de violncia conjugal no nosso pas.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    9

    LISTA DE ABREVIATURAS

    AGNU - Assembleia Geral das Naes Unidas

    APAV - Associao Portuguesa de Apoio Vtima

    AR - Assembleia da Repblica

    CC - Cdigo Civil

    CP - Cdigo Penal

    CPC - Cdigo do Processo Civil

    CPP - Cdigo do Processo Penal

    CRP - Constituio da Repblica Portuguesa

    MP - Ministrio Pblico

    OPC - rgo de Polcia Criminal

    STJ - Supremo Tribunal de Justia

    TC - Tribunal Constitucional

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    10

    RESUMO

    O tema que escolhemos a Violncia Conjugal porque um fenmeno cada vez mais

    visvel e comum nas nossas sociedades e tambm porque fomos vtima deste crime s mos

    do marido, sofrendo ainda pelas marcas deixadas no corpo e na mente e pelas suas ainda

    ameaas e perseguies.

    Por isso damos importncia violncia conjugal no feminino, mas sabendo todos ns

    que a violncia domstica existe no masculino tambm, sendo certo mais escondido por

    vergonha do homem em assumir que agredido pela mulher.

    Este tipo de violncia principalmente fsico, psquico e sexual mas existem mais

    formas. A agressividade, regra geral, aumenta gradualmente com o avanar da relao e

    muitas vezes no visvel para o exterior do meio conjugal, j que os agressores so

    carinhosos, dedicados famlia, educados, cidados trabalhadores e exemplares. Tendo a

    ajuda da mulher, pois esta esconde, por vergonha ou medo da rejeio social, do resto da

    famlia e amigos que vtima de violncia domstica.

    Este assunto ainda nas nossas sociedades um tema tabu, constrangedor e gerador de

    ampla discusso, tanto na doutrina como a nvel da jurisprudncia.

    Palavras-chave: Violncia domstica, Maus tratos, Mulher, Vtima, Cdigo Penal,

    Constituio da Repblica Portuguesa.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    11

    ABSTRACT

    My topic is conjugal violence. I have chosen it because it is an evermore visible and

    common phenomenon throughout society, and, also because we have been a victim of this

    crime at the hands of a husband. I still bear the physical and psychological marks of this and

    continue to be threatened and stalked.

    So give importance to marital violence perpetrated against women, although, we all

    know that men are also victims of domestic violence. In their case, it is clearly more hidden,

    since a sense of shame makes them loathe assuming that they get knocked about by their

    wives.

    This type of violence is mainly physical, psychological and sexual, although there are

    other kinds. As a rule, aggression in the relationship increases with time. Often, nothing is

    noticeable to those outside the relationship, because the aggressors are ostensibly affectionate,

    polite, devoted to their family, as well as being exemplary, hardworking citizens.

    The woman is complicit in this, since she conceals the fact that she is a victim of

    domestic violence from family and friends, through shame and fear.

    This matter is still in our societies a taboo, embarrassing and generating extensive

    discussion, both in doctrine and jurisprudence level.

    Key-words: Domestic violence, Ill-treatment, WOMAN, Victim, Penal Code, Constitution of

    The Portuguese Republic

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    12

    INTRODUO

    A violncia conjugal e os maus tratos no seio familiar sempre existiram ao longo dos

    tempos. Sendo um complexo problema social e susceptvel de vrias interpretaes

    normativas nos dias de hoje.

    A violncia domstica aquela que tem lugar no seio familiar, entre as quatro paredes

    da casa familiar, tambm existindo em casais homossexuais (entre dois homens, ou entre duas

    mulheres).

    um tema que tem assumido, por todo o mundo propores bastante elevadas e que

    s foi denunciado a partir dos movimentos feministas nos anos 60 e 70.

    um fenmeno composto por diversos factores sejam eles, sociais, culturais,

    ideolgicos, econmicos, psicolgicos, etc.

    Ao longo dos tempos, este crime tem vindo a merecer cada vez mais a nossa ateno,

    tanto no campo legislativo, como na aplicao do direito, e para isso contribuem os meios de

    comunicao, a publicidade, a maior consciencializao das pessoas em relao a este tipo de

    crime e as constantes alteraes legislativas.

    O conceito de violncia domstica tem evoludo bastante, de tal maneira que j se

    encontra tipificado no nosso Cdigo Penal, diferenciando assim, crime de maus tratos,

    violncia domstica e violao das regras de segurana. E dentro da violncia domstica,

    encontra-se o abandono e a negligncia de crianas e idosos e a violncia conjugal.

    Tal facto perfeitamente justificvel face ao aumento do crime de maus tratos e

    violncia domstica, os quais tem vindo a atingir dimenses cada vez maiores, sendo os bens

    tutelados os que assumem na nossa sociedade uma maior relevncia no mbito da tutela

    penal, sendo crimes contra as pessoas e no mbito da tutela constitucional, no que diz respeito

    ao direito a integridade fsica e ao direito a vida, assumindo ambos uma necessidade

    obrigatria de respeito pela dignidade da pessoa humana como ncleo essencial da Repblica

    Portuguesa.3

    2 J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 7 Edio (3 Reimpresso), Almedina

    2003, pg. 225.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    13

    Esta violncia nem sempre exercida pelo mais forte fisicamente e economicamente

    dentro da famlia, sendo frequentes as razes puramente psicolgicas (Sndroma de

    Estocolmo) e que impedem a vtima de se defender.

    A vtima regra geral tem pouco auto estima, sente-se culpada da agresso e sente

    vergonha pela situao, muitas das vezes so dependentes, material e emocionalmente do

    agressor, sendo este o motivo de se sentirem prisioneiras da relao.

    Existem vrias formas de violncia domstica, no apenas a fsica, as tareias, os

    murros, os pontaps, etc. A violncia domstica no se caracteriza apenas por aquilo que

    visvel e que est tipificado no CP ou noutra qualquer legislao, como vero mais frente.

    A violncia domstica contra a mulher muito superior violncia contra o homem,

    podemos constatar este facto pelos dados existentes e facultados pelas vrias instituies.

    Sendo o espao domstico, o local onde se pratica mais violncia com 43%, seguindo-se o

    espao pblico com 34% e o local de trabalho com 16%, alm de 7% referente a espaos mais

    residuais. Quando a agresso ocorre no espao domstico, o agressor normalmente o marido

    ou companheiro da vtima, tendo a grande maioria dos agressores idades compreendidas entre

    os 25 e os 44 anos.4

    Pelo relatrio da APAV referente a 2012 de um universo de 8945 vtimas directas de

    crime apoiadas pela APAV em 2012, 81% (N=7249) eram pessoas adultas at aos 64 anos de

    idade. Sendo 85% no feminino, contra 13% no masculino, num universo de 7249 de pessoas

    adultas vtimas de crime. 5

    Em 2002, a APAV declarou que foram denunciados mais de 18 mil casos de violncia

    domstica e que mais de 17 mil (93%) foram contra mulheres mas que destes 18 mil apenas

    foram apresentadas 6 mil queixas, o que mostra claramente que a larga maioria das vtimas

    continua a preferir no apresentar queixa.

    J no ano de 2005 pelos dados da Direco Geral de Sade foram 1 milho de pessoas

    afectadas pela violncia domstica s em Portugal, e 39 mulheres mortas.

    O homem macho, tem que ser forte e por isso esconde mais a agresso, tem

    vergonha. Ao analisarmos os dados constatamos que o agressor do sexo masculino

    4 http://www.apav.pt/pdf/Penelope_PT.pdf [Consulta a 13 de Setembro de 2012]

    5 http://apav.pt/apav_v2/images/pdf/Estatisticas_APAV_Totais_Nacionais_2012.pdf [Consulta a 20 de

    Dezembro de 2012]

    http://www.apav.pt/pdf/Penelope_PT.pdfhttp://apav.pt/apav_v2/images/pdf/Estatisticas_APAV_Totais_Nacionais_2012.pdf

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    14

    (companheiro, ex-companheiro, namorado ou noivo), porque nos crimes onde a mulher a

    agressora, ressalta-se a circunstncia de ter acumulado muita dor, muitas humilhaes, de ser

    o resultado de muitas agresses por parte do homem contra a mulher, passando esta de vtima

    a agressora, e claro, tambm existem as agressoras violentas no feminino.6

    Ao entrarmos no terceiro milnio (ano de 2000), a GNR e a PSP registaram em

    Portugal cerca de 12 000 ocorrncias de violncia domstica, das quais cerca de 84% foram

    sobre vtimas do sexo feminino, ou seja uma mdia de 27 mulheres por dia7. Mas sabe-se que

    s uma pequena parte das violncias sobre mulheres objecto de participao s autoridades.

    A probabilidade de qualquer mulher vir a ser vtima de violncia por parte de algum

    homem no mnima. Todas as mulheres correm esse risco, com maior ou menor

    probabilidade.

    Existem cinco formas mais frequentes de violncia contra as mulheres: domstica,

    sexual, prostituio, trfico e infanticdio. Na sua maioria os agressores so os prprios

    companheiros e termina muitas vezes na morte da mulher.

    Na cultura de muitos povos, a mulher continua a ser considerada inferior em relao

    ao homem, ao qual todas as violncias so desculpadas. Em Portugal continua a haver muitos

    crimes passionais, o cime a principal causa.

    Nas palavras de Yakin Erturk,8 porta-voz especial das Naes Unidas, sobre a

    violncia contra as mulheres, causas e suas consequncias, este fenmeno est enraizado no

    sistema patriarcal no centro do qual reside o interesse de um grupo social em manter e

    controlar categorias socialmente aceitveis de procriao da espcie.

    O silncio das vtimas um dos maiores obstculos ao combate a este tipo de

    criminalidade, os agressores fazem represlias e ameaas, caso as agresses sejam

    denunciadas, por vergonha e desconhecimento das entidades que prestam auxilio nestes casos,

    a mulher prefere calar-se.

    6 Elza Pais, in Homicidio conjugal. Pg. 198.

    7 http://www.rcc.gov.pt/Directorio/Entidades/ac/Paginas/Secretaria-Geral-do-Minist%C3%A9rio-daAdminist ra

    % C3%A7%C3%A3o-Interna-(SGMAI)---.aspx [Consulta a 13 de Setembro de 2012]

    8 http://www.unric.org/pt/mulheres/20109 [Consulta a 13 de Setembro de 2012]

    http://www.rcc.gov.pt/Directorio/Entidades/ac/Paginas/Secretaria-Geral-do-Minist%C3%A9rio-daAdminist%20ra%20%25%20%20C3%A7%C3%A3o-Interna-(SGMAI)---.aspxhttp://www.rcc.gov.pt/Directorio/Entidades/ac/Paginas/Secretaria-Geral-do-Minist%C3%A9rio-daAdminist%20ra%20%25%20%20C3%A7%C3%A3o-Interna-(SGMAI)---.aspxhttp://www.unric.org/pt/mulheres/20109

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    15

    A violncia conjugal inclui-se e faz parte de um conjunto de maus-tratos associados ao

    conceito de violncia domstica.9 Mostrando as vrias estatsticas e estudos que predomina a

    violncia contra a mulher. E ao analisarmos bem este assunto chegamos concluso de que

    no se pode falar de violncia domstica sem discutir os papis de gnero,10

    e se eles tm ou

    no tm impacto neste tipo de violncia.

    Este tipo de crime encontra-se no cdigo penal, na parte especial, dos crimes contra as

    pessoas, parte esta que trata da tipificao dos actos considerados ilcitos penalmente e que

    so passveis de pena. Para cada acto ilcito, tipificado no cdigo penal, corresponde uma

    pena que pode ser de multa ou de privao de liberdade, ou seja, pena de priso.

    A violncia contra as mulheres um crime contra os direitos humanos. Os direitos

    humanos so mais do que um conjunto de leis e obrigaes, j que incorporam a ideia

    fundamental de todos, sem excepo, temos direito aos mesmos direitos. A violncia contra as

    mulheres revela uma brecha profunda nesses direitos, a capacidade de governos, autoridades

    locais, religiosas, mundo empresarial e lderes comunitrios para a pr em prtica e a fazer

    cumprir, e ainda a vontade sentida pelos simples indivduos para a experimentarem na sua

    vida quotidiana.11

    As pessoas que esto de fora ou que nunca passaram por uma situao destas podem

    criticar e no compreender as mulheres que se mantm anos a fio numa relao doentia e

    dolorosa mas todos devemos lembrar que no assim to linear e simples, estas relaes

    como todas as outras so complexas.

    Podem ser muitas as razes que levam uma mulher a manter uma relao abusiva e

    dolorosa, como o no ter meios para se sustentar a si e aos filhos, pode ter vergonha e estar

    afastada da famlia ou pode simplesmente estar demasiado aterrorizada e confusa para

    9 Art 152, n 1, al. a) do CP.

    10 Teresa Pizarro Beleza, in Anjos e Monstros A construo das relaes de gnero no Direito Penal. Revista

    Ex aequo, n 10/2004: O sistema legal gera hierarquias entre as pessoas criando ou reforando categorias, uma

    das quais o gnero. O Direito Penal tem um papel central nesta matria, mas tem de ser considerado em

    conjunto com outras reas do direito. A categoria mulheres no fixa nem linear. Pode mudar segundo o

    estatuto sexual e social. Alguma jurisprudncia recente ainda perpetua a inferioridade tradicional do papel das

    mulheres na esfera privada. A interveno do Estado na famlia sempre foi forte mas selectiva e geradora de

    poder.

    11 Amnistia Internacional Portugal. Relatrio da Campanha Acabar com a Violncia Sobre as Mulheres.

    Mulheres (IN)VISVEIS. Relatrio elaborado por Filipa Alvim.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    16

    abandonar tudo. Devemos ter em ateno antes de fazer qualquer crtica que um recomear

    de novo para estas mulheres, sozinhas e muitas com filhos pequenos, o ter coragem para

    alm de virar costas a tudo, ouvir e sentir a crtica de todos os que conheciam o casal, pois o

    homem era um excelente marido e pai.

    Estas mulheres vtimas de violncia conjugal no precisam de compaixo, no

    precisam que, quem esteja de fora da situao tenha pena delas, precisam sim, de apoio e

    ajuda e para isso, existem as vrias instituies, as foras policiais e at nmeros telefnicos12

    para onde podem ligar pedindo informaes sobre os meios existentes, os seus direitos e um

    pouco de apoio, sendo que se podem amparar no anonimato destas chamadas.

    12

    Exemplo: A Linha Nacional de Emergncia Social (LNES 144), que funciona 24 horas por dia, recebeu no

    ltimo ano 18 438 pedidos de apoio em todo o pas, quase metade dos quais relacionados com violncia

    domstica, quer fsica quer psicolgica. Criada em Setembro de 2001 pelo Instituto de Segurana Social (ISS), a

    linha gratuita 144 recebeu novo flego em Novembro de 2008 com a assinatura de um protocolo com a Cruz

    Vermelha, que assim passou a disponibilizar as suas equipas nos 18 distritos de Portugal para responder de

    imediato s emergncias solicitadas pelo pblico. As chamadas efectuadas para o 144 sero atendidas por

    psiclogos, juristas e assistentes sociais que depois accionaro as equipas distritais. Os 18 438 pedidos de apoio

    registaram-se entre Novembro de 2008 e Novembro de 2009, segundo o ISS. Fonte: Alexandre Ribeiro de

    Almeida (LUSA). Em http://serviosocial.blogspot.pt/2009/11/linha-144.html. [Consulta a 13 de Julho de 2012]

    http://serviosocial.blogspot.pt/2009/11/linha-144.html

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    17

    CAPTULO I - EVOLUO HISTRICA/LEGISLATIVA

    1.1. Abordagem histrica famlia/mulher

    Historicamente, a dependncia e subjugao da mulher ao homem dentro da famlia na

    civilizao ocidental j vem do Velho Testamento em que Deus criou a mulher duma costela

    do homem, Ento o Senhor Deus fez o homem cair em profundo sono e, enquanto este

    dormia, tirou-lhe uma das costelas, fechando o lugar com carne. E da costela que o Senhor

    Deus tomou do homem, formou uma mulher: e trouxe-a a Ado. E disse ento ao homem:

    Esta, sim, osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela ser chamada mulher, porque do

    homem foi tirada.13

    O conceito de famlia foi alvo durante sculos e ao longo da histria da humanidade de

    diferentes alteraes e apreciaes, devido s vrias alteraes econmicas, socioculturais e

    religiosas. Famlia um termo derivado do latim famulus, que significa escravo

    domstico, termo este que foi criado na Roma Antiga pelo aparecimento de um novo grupo

    social entre as tribos latinas, ao serem introduzidas na agricultura e escravido.

    No direito romano, a famlia era formada pelo pater famlias14

    que tem origem no

    patriarcado hebreu e todos os que estavam sujeitos sua ptria potetas, ou seja, todos os que

    viviam debaixo das ordens de um chefe, incluindo a mulher. Na famlia romana os valores

    cultivados levaram valorizao da mulher que, apesar de obedecer ao pater marido, era vista

    como um alicerce fundamental e o seu trabalho domstico como uma virtude.

    Esta civilizao dava grande valor ao casamento e famlia como uma das instituies

    centrais da vida social e nela baseava as trs virtudes romanas: a gravitas, que era o sentido da

    responsabilidade; a pietas, que significava a obedincia autoridade; e a simplicitas, que

    impedia os romanos de agirem com emoo, mantendo, assim, sempre a razo.

    Durante sculos e at ao Novo Testamento, o homem foi o responsvel pelo sustento

    da famlia e do lar, assim como lhe cabia a educao e orientao de todos os que lhe estavam

    subordinados.

    13

    Gnesis 2:21-23 14

    Filipe de Arede Nunes, in Estado Novo, casamento e cdigo civil: Chama-se paterfamilias o que tem o

    domnio na casa e assim chamado ainda que no tenha filho, pois o termo no apenas de relao pessoal, mas

    de posio de direitos. Pg. 61

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    18

    J na Idade Mdia (a Idade Mdia o perodo da histria da Europa compreendida

    entre os sculos V e XV, e o perodo intermdio da diviso da histria ocidental em trs

    partes: a Antiguidade, a Idade Mdia e a Idade Moderna.),15 as pessoas comearam a estar

    ligadas por um vnculo matrimonial, formando novas famlias a partir daqui, tendo os

    descendentes duas famlias, as paternas e as maternas, estando a mulher sempre na

    dependncia do homem.16 Era uma sociedade patriarcal17 em que a mulher passava da

    autoridade do pai para a autoridade do marido atravs do casamento que tinha carcter

    institucional e se realizava mesmo contra a vontade da mulher. O casamento era um negcio e

    tinha que ser rentvel para ambas as famlias.18

    15 Manuela Santos Silva, As Mulheres Crists nas Cidades da Idade Mdia, in A Mulher na Histria. Actas

    dos Colquios sobre a temtica da mulher (1999/2000): Na documentao que os historiadores normalmente

    utilizam para reconstituirem o quotidiano da Idade Mdia, as mulheres so as grandes ausentes ou, pelo menos,

    minoritrias. A vida da mulher comum desenrola-se sobretudo na esfera do privado expondo-se (desejavelmente)

    pouco no plano pblico. Por elas respondem os seus tutores os pais, os maridos, at os filhos quando

    atingem a maioridade. Muito poucas rompem, por isso, o muro que as protege, defende e inibe. Pg. 143.

    16 Antnio M. Balco Vicente. A Mulher na Ruralidade Medieval, in A Mulher na Histria. Actas dos

    Colquios sobre a temtica da mulher (1999/2000): Sempre na dependncia do seu homem, ela quem num

    ritual quase mgico amassa, leveda e coze o po, smbolo da fartura da casa; num ritual idntico ao que utiliza

    para a coalha do leite para que o queijo possa surgir sobre a tbua assente nos cavaletes que improvisam a mesa.

    a mulher com as suas frmulas mgicas e bnos secretas quem garante a sacralidade das funes domsticas,

    Da estar sempre atenta aos seus dias impuros, durante os quais o interdito se impe para que se cumpram as

    prescries da Escritura. Pelas suas mos passa o linho. ela quem o espadela. As suas mos faro girar a roca e

    o fuso; do seu tear sair o bragal necessrio s urgncias da famlia e satisfao das exigncias do senhor. Ter

    de lavar e remendar a roupa, de descascar o rude cnhamo, de colaborar na pastorcia do gado,

    geralmente entregue s crianas que a documentao oculta. Pg.131.

    17 Jos Augusto M. Ramos. A Mulher na Biblia, in A Mulher na Histria. Actas dos Colquios sobre a

    temtica da mulher (1999/2000). Pg. 33 e 42.

    18 Antnio M. Balco Vicente. A Mulher na Ruralidade Medieval, in A Mulher na Histria. Actas dos

    Colquios sobre a temtica da mulher (1999/2000). Nos Sculos IX e X, os casamentos so encarados como

    um negcio entre famlias, sendo geralmente realizados sem o consentimento da noiva ou mesmo contra a sua

    vontade expressa. No admira, por isso, que o rapto constitusse, ento, uma instituio bastante vulgar. Se por

    um lado permitia solucionar a questo do dote, resolvia, por outro, as contradies entre os interesses materiais

    da famlia e os anseios da arrebatao juvenil. Pg. 133.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    19

    Sendo uma sociedade profundamente catlica, a igreja tinha um grande peso nas

    famlias, era impensvel para a mulher vtima de violncia, separar-se de seu marido, pois a

    igreja condenava e ainda condena nos dias de hoje o divrcio. 19

    Assim como nas Ordenaes Afonsinas20

    , que consagravam ao marido o direito de

    castigar ou matar a mulher21

    , ou seja, o chamado poder de correco que vigorou at ao

    sculo XX. Apesar de ser um Cdigo relativamente grande, estava muito longe de constituir

    um sistema completo e justo, especialmente a parte do direito privado. Em todas as

    Ordenaes do Reino, Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, o Livro V era dedicado ao Direito

    Penal.

    Com a Revoluo Francesa surgiram os casamentos laicos no Ocidente e com a

    Revoluo Industrial movimentos migratrios para as grandes cidades. Estes movimentos

    demogrficos originaram o estreitamento dos laos familiares. As mulheres procuram

    trabalho saindo de casa, deixando de ter apenas a casa e a educao dos filhos, como

    objectivo de vida. Por outro lado, os idosos passam a ser entregues a instituies de

    assistncia.

    A implementao da repblica em 1910 cria um sentimento predominantemente anti-

    religioso e anticlerical. A Lei sobre a separao da Igreja do Estado, de 20 de Abril de 1910,

    atravs da qual o Estado deixa de reconhecer a religio catlica como religio oficial do pas

    19

    Ibidem. Pg. 135 a 137.

    20 As Ordenaes Afonsinas ou Cdigo Afonsino tiveram o seu incio no reinado de D. Afonso II e eram uma

    coleco de leis destinadas a regular a vida domstica dos sbitos do Reino de Portugal a partir de 1446. So as

    primeiras codificaes de leis que surgiram na Europa, iniciaram-se no sculo XII e o seu trmino ocorreu no

    sculo XV. Tiveram como fonte a legislao costumeira e feudal e eram compostas por cinco livros. O primeiro

    sobre regimento de magistrados e juzes (administrao e justia), o segundo da jurisdio de pessoas, dos

    direitos reais e bens da Igreja (relao entre Estado e Igreja, dos bens e privilgios da igreja, dos direitos rgios e

    sua cobrana, da jurisdio dos donatrios, das prerrogativas da nobreza e legislao especial para judeus e

    mouros), o terceiro tratava basicamente do processo civil, o quarto versava o direito civil (regras para contratos,

    testamentos, tutelas, formas de distribuio e aforamento de terras, etc.) e, por ltimo, o quinto livro debruava-

    se sobre o processo criminal e do direito (os crimes e as suas respectivas penas).

    21 Ordenaes Afonsinas, Livro V, ttulo XVIII: Do que matou sua mulher polla achar em adultrio. Previa que

    fosse degredado o marido ultrajado que encontra a sua mulher em flagrante delito de pecado com um nobre e o

    mata. Se o adltero fosse um vilo ou homem de pequena qualidade, o assassino seria somente aoitado, mas

    se o marido trado fosse fidalgo ou tivesse o ttulo de cavaleiro, poderia matar os amantes sem ser punido pela

    justia.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    20

    no vem ajudar a situao das mulheres, o que fez mudar tambm a dimenso do conceito de

    famlia e com este a consagrao do divrcio e do casamento civil obrigatrio, implantando-

    se em Portugal um tipo de famlia burguesa, de base secular22

    ou laica.23

    Entre Outubro de

    1910 e Abril de 1911, o governo provisrio aboliu todas as referncias religio catlica na

    vida pblica, o que incluiu o ensino da doutrina crist nas escolas primrias.

    No nos podemos esquecer que a seguir implementao da repblica veio a primeira

    guerra mundial24

    e, com ela, uma grande crise econmica, o que originou uma enorme

    instabilidade poltica e governos sucessivos (entre 1910 e 1926 existiram 45 governos e

    diversas ditaduras),25

    instabilidade esta que se transmitiu ao povo.26

    A repblica alterou um pouco a sociedade mas no mudou muito a viso desta em

    relao ao fenmeno da violncia domstica e muito menos em relao violncia entre

    cnjuges, apenas contribuiu bastante para uma maior dignidade e respeito pelo estatuto da

    mulher.

    O Estado Novo tambm no mudou a mentalidade da sociedade, pois a CRP de 33

    consagrava a igualdade27

    dos cidados perante a lei, mas no inclua as mulheres, atendendo

    22

    Filipe de Arede Nunes. Estado Novo, casamento e Cdigo Civil. Pgs. 63 e 64.

    23 Jorge Bacelar Gouveia. Direito, Religio e Sociedade no Estado Constitucional: Nos Estados laicistas,

    embora se proclame a separao entre Estado e o fenmeno religioso, na prtica dificulta-se ou impede-se a

    realizao do casamento catlico normalmente indirectamente pelo cumprimento de certos formalismos como

    acontece quando se exige a prvia celebrao do casamento civil. Pg. 214 e 215.

    24 De 1914 e 1918.

    25 Filipe de Arede Nunes. Estado Novo, Casamento e Cdigo Civil: a situao poltica em Portugal era de

    uma enorme instabilidade, na qual os governos se sucediam em catadupa s dezenas tendo alguns, inclusive, no

    durado mais do que apenas alguns meses. Em 1910, ano da instaurao da repblica, at 1926 sucederam-se 45

    governos e diversas ditaduras, com particular relevncia para a de Sidnio Pais. Pg. 41 e ss.

    26 Jorge Duarte Pinheiro. O direito da famlia contemporneo: Aps a 2 Guerra Mundial, uma reaco at certo

    ponto compreensvel aos horrores do conflito, surgio um movimento amplo de algum cepticismo perante o

    Estado, a autoridade e a sociedade que deu corpo a anlise que determinam os limites do direito na

    regulamentao da famlia. Pg. 42.

    27 Como exemplo, nesta poca as mulheres podiam votar mas s se tivessem um curso superior, especial ou

    secundrio, apesar deste direito ter sido expressamente reconhecido em 1931 com o decreto n 19.894, mas com

    condies mais restritivas para as mulheres. Assim como para os analfabetos, que podiam votar se pagassem

    impostos superiores a 100$00.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    21

    sua categoria dentro da famlia,28

    diferenas resultantes da sua natureza e do bem da

    famlia.29

    Embora formalmente a CRP de 33 estabelecesse um compromisso entre um estado

    autoritrio e um estado democrtico, como se sabe foi uma ditadura que se ergueu.

    Os pilares da sociedade eram ancorados na trilogia salazarista: Deus, Ptria e

    Famlia,30

    sendo esta ltima uma instituio poltica primria. O Estado Novo tentou atravs

    da recristianizao da famlia por termo possibilidade de dissoluo do vnculo matrimonial

    atravs do divrcio e quase o conseguiu pelo sistema concordatrio existente, pois a maioria

    dos casamentos em Portugal era celebrado catolicamente.

    A sociedade era baseada e ancorada em valores religiosos, sendo Salazar um homem

    do seminrio, aparentemente celibatrio e eremita,31

    que matinha uma relao estreita com a

    Igreja.32

    destes e de outros valores ideolgicos que veremos a seguir, que Salazar lana

    28

    Textos de Helena Neves e Maria Calado, in O Estado Novo e as Mulheres. O gnero como investimento

    ideolgico e de mobilizao. Pg. 23.

    29 Art 5 da CRP de 1933. Em 1971 foi feita alterao a este artigo, conservando a expresso Salva quanto

    mulher as diferenas resultantes da sua natureza mas omitindo a expresso bem da familia.

    30 Sara Marques Pereira, Maria Guardiola e as Organizaes Feministas do Estado Novo (1895-1987), in A

    Mulher na Histria. Actas dos Colquios sobre a temtica da mulher (1999/2000). No se entendendo com um

    regime fascista (so vrias as situaes em que os seus dirigentes e o prprio Salazar se dissociam do fascismo

    italiano ou principalmente do nazismo alemo) o regime seguiu nesta matria os muitos dos seus passos no

    modelo das organizaes juvenis, criando, primeiro a Aco Escolar de Vanguarda (1934), organizao

    estudantil paramilitar de vida efmera (1934-1936), onde dominavam o radicalismo dos camisas-azuis de Rolo

    Preto (nacional-sindicalismo), para depois o substituir pela Mocidade Portuguesa. A criao da Mocidade

    Portuguesa, de seu nome completo, Organizao Nacional Mocidade Portuguesa, foi da iniciativa, do ministro

    Carneiro Pacheco (Base XI) frente do recente Ministrio de Educao Nacional. O projecto visava, tal como as

    outras bases a que referia a Lei de 19 de Abril de 1936, proceder endoutrinao sistemtica dos valores do

    Estado Novo Deus, Ptria e Famlia, fazendo essa tarefa na Escola e na Famlia. Era esse o espao e a tarefa

    reservada Mocidade Portuguesa. No entanto, as raparigas ficariam de fora deste projecto. Um ano depois

    Carneiro Pacheco enquadraria de igual maneira as raparigas portuguesas. Surgiria assim a Obra das Mes para a

    Educao Nacional (Decreto-Lei n 26 893 de 15de Agosto de 1936), a que logo depois se associaria a Mocidade

    Portuguesa Feminina (Decreto-Lei n 28 262 de 8 de Dezembro de 1937). Pg. 278.

    31 Textos de Helena Neves e Maria Calado, in O Estado Novo e as Mulheres. O gnero como investimento

    ideolgico e de mobilizao: O chefe aparece puro, evanglico, celibatrio por amor causa, Nao,

    intocvel, monge, imagem que resulta da umbilical relao entre Estado e Igreja (). Pg. 10.

    32 Filipe Ribeiro de Menezes. Bibliografia de Salazar: Antnio de Oliveira Salazar frequentou o Seminrio de

    Viseu durante 8 anos, de 1900 a 1908. J em adulto e em Coimbra, fez parte do Centro Catlico Portugus

    (CCP), fundado em 1917 em resposta ao segundo apelo Episcopado portugus, o primeiro foi feito em 1913, no

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    22

    mo para tentar combater as ameaas mais urgentes da sociedade, tais como a

    industrializao, o comunismo, o republicanismo e mesmo o feminismo.33

    Para educar a sociedade sua imagem, Salazar tinha algumas formas de passar os seus

    ideais. A formao ideolgica e doutrinal feminina concretizou-se atravs dos organismos de

    Estado, tais como a Obra das Mes pela Educao Nacional (OMEN),34

    a Mocidade

    Portuguesa Feminina (MPF) e o Movimento Nacional Feminino (MNF)35

    que actuavam nas

    organizaes basilares da sociedade.

    A mulher nasce e educada para os trabalhos domsticos e para educar os filhos no

    seio da sua famlia.36

    Desta forma, o facto de a mulher querer trabalhar fora de casa era como

    um descuido e uma diviso da famlia, necessria perante as suas tarefas naturais, o ser me e

    sentido de ser criado um partido poltico capaz de defender os interesses da igreja graas a um envolvimento

    positivo com o regime da altura. Pg. 48.

    33 Em http://pt.wikipedia.org/wiki/Feminismo_em_Portugal_(1933-70). [Consulta a 18 de Outubro de 2012].

    34 Sara Marques Pereira, Maria Guardiola e as Organizaes Feministas do Estado Novo (1895-1987), in A Mulher na

    Histria. Actas dos Colquios sobre a temtica da mulher (1999/2000): Tal como vinha no projecto, a OMEN

    visava auxiliar na educao integral da Mulher, principal esteio da Famlia clula e base da ordem social.

    A Educao da Mulher voltava assim a ter um valor instrumental. Era educada em prol da Famlia e do Estado,

    no por si, nem para si, mas para os outros. A sua educao pressupunha, desta forma, a colaborao entre a

    Escola e Famlia A OMEN (1936-1974). Pg. 279.

    35 Idem. A Obra das Mes propriamente e a Mocidade Portuguesa Feminina ambas orientadas com o mesmo

    esprito e convergindo para o mesmo fim, embora em referncia a pocas diferentes da vida da nao. A

    Primeira encara o presente fazendo a reeducao da mulher; a segunda visa o futuro, educando as raparigas, as

    futuras mes de Portugal. A Obra das Mes estava organizada em quatro subseces: aco social; aco

    maternal, famlias numerosas e cantinas escolares. Quanto MPF ela era fundamentalmente uma obra de

    educao, mas de educao moderna apesar das aspiraes que legitimamente vinham agitando as raparigas,

    de trabalhar fora de casa ou permanecer solteiras os valores que deveriam orientar dessa educao moderna

    estavam virados para o seu papel de me e esposa, pois era atravs deles que a mulher atingia toda a sua

    grandeza e elevao social. Preparar para a vida o grande ideal de Educao da Mocidade Portuguesa

    Feminina. A preparao para a vida do lar exige, para ser uma verdade, que, com a aprendizagem e aquisio dos

    conhecimentos necessrios, se cultivem tambm qualidades e virtudes, que espiritualizem o ambiente familiar

    amor de Famlia, esprito de sacrifcio, culto do dever, dedicao, optimismo, coragem na adversidade, esprito

    de previdncia etc, toda uma escola de virtudes, que se projectam na vida social a elevam e dignificam. Pg.

    283 e 284.

    36 Filipe Ribeiro de Menezes, in Salazar: Ser uma boa dona de casa, poupar, remendar, consertar, administrar os

    recursos familiares: tudo somado, esta era a suprema misso da mulher. Pg. 65.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Feminismo_em_Portugal_(1933-70)

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    23

    esposa.37

    A este respeito Salazar lana um slogan que se intitula A mulher para o lar,

    inserido na filosofia Deus, Ptria e Famlia.38

    Slogan este que apenas tem a finalidade de

    afastar a mulher da emancipao39

    para que esta continue unicamente a dedicar-se ao homem,

    aos filhos e ao lar, de maneira que cumpra com a sua misso de dar luz filhos dignos da

    ptria e educ-los tambm para a ptria: Educar dar a Deus bons cristos, sociedade

    cidados teis, famlia filhos ternos e pais exemplares.40

    No regime corporativista de Salazar a sociedade conjugal era um domnio inviolvel,

    sendo o homem o chefe da famlia a mulher devia-lhe obedincia. Por famlia se entendia as

    pessoas ligadas pelo casamento, parentesco, afinidade e a adopo.41

    O Estado Novo tentava fazer o impossvel para impedir a independncia por parte das

    mulheres na sociedade e dentro das prprias famlias. Apesar de ser em nmero reduzido, o

    emprego feminino predominava no sector industrial. Em 1933, o regime ditatorial de Salazar

    impediu o acesso das mulheres carreira diplomtica, magistratura judicial, chefia na

    administrao local, aos postos de trabalho no Ministrio das Obras Pblicas e Comunicaes.

    Para alm da restrio a algumas profisses, as mulheres estavam tambm limitadas no

    exerccio de outras. As professoras primrias tinham de pedir autorizao ao MEN 42

    para se

    casarem, outras estavam proibidas de contrair matrimnio, como as telefonistas da Anglo-

    37

    Textos de Helena Neves e Maria Calado, in O Estado Novo e as Mulheres. O gnero como investimento

    ideolgico e de mobilizao: O Deputado Pacheco do Amorim afirma veemente, na sesso da Assembleia

    Nacional a 31 de Maro de 1928 que O dever de diferenciar a educao do homem e da mulher o mais cedo que

    se possa. As raparigas devem ser educadas por professores e segundo programas adequados, os rapazes por

    professores que os faam homens Pg. 31.

    38 Idem. () Mas as mulheres so teoricamente menos desiguais. Duquesas, mes de famlia, proletrias,

    burguesas, a todas o mesmo destino a mulher me, o mesmo domnio a mulher casa, a mesma misso a

    mulher ptria. () A mulher para o lar, Deus Ptria, Familia, () A triologia nazi do feminismo, Cozinha,

    Filhos Igreja (). Pg. 11.

    39 Filipe Ribeiro de Menezes, in Salazra: A educao feminina, como seria de prever, era extremamente

    tradicional. Uma srie de organizaes tentava garantir o apoio das mulheres ao regime, preparando-as para o

    seu papel de esteio da famlia e base da sociedade. Pg. 184.

    40 Textos de Helena Neves e Maria Calado, in O Estado Novo e as Mulheres. O gnero como investimento

    ideolgico e de mobilizao. Pg. 12.

    41 Noo jurdica de famlia na ratio do art 1576 do CC de 1966. Em 1967 com a entrada em vigor do CC, a

    famlia chefiada pelo marido a quem compete decidir em relao vida conjugal e dos filhos.

    42 Ministrio da Educao Nacional. Decreto-Lei 27 279 de 24 de Novembro de 1936.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    24

    Portuguese Telephone, as profissionais do Ministrio dos Negcios Estrangeiros,43

    as

    hospedeiras de ar da TAP e as enfermeiras44

    dos Hospitais Civis. Nestes casos, ao trarem as

    normas impostas, seja ao casarem, seja ao serem mes solteiras, eram obrigadas a deixar o

    emprego.45

    No era s em Portugal que se assistia a um incentivo natalidade, era tambm na

    Europa. Na Alemanha as mulheres que no eram consideradas etnicamente puras que

    engravidassem, eram obrigadas a abortar e esterilizadas.46

    Em Itlia inicia-se o casamento

    colectivo que ir inspirar, nos anos 40, as Noivas de Santo Antnio em Portugal, bem como

    outras polticas que incentivam o casamento e a natalidade.

    Foi nos finais dos anos 50 e incio dos anos 60 que teve incio uma grande revoluo

    comportamental das sociedades, surgem os movimentos feministas47

    e os movimentos civis

    em favor dos negros e homossexuais.

    43

    Decreto-Lei n 29 970 de 13 de Outubro de 1939, situao revogada em 1940, por fora de uma campanha

    lanada pela Liga Portuguesa de Profilaxia Social.

    44 Decreto-Lei n 31 913 de 12 de Maro de 1942, que se mantm at 1962.

    45 Textos de Helena Neves e Maria Calado, in O Estado Novo e as Mulheres. O gnero como investimento

    ideolgico e de mibilizao: () por lei, educao, usos e costumes patriarcais masculinos, machos, que o

    facismo exacerba com duplo sentido ideolgico: como justificao de todas as discriminaes sexistas, por parte

    dos poderes econmicos, politicos e como neutralizadora das frustraes de todos os seua poderes, a maioria dos

    homens. Na casa portuguesa de Salazar e Caetano no h igualdade reinam o poder maternal e o poder

    marital (reafirmado no CC de 1966). Muitas vezes violentamente. As mulheres obedecem ainda e calam. Mas

    entre o silncio cresce o sussurro o protesto, medida que se somam os anos de guerra Pg. 103

    46 Idem. O nmero de mulheres particularmente jovens que engravidavam antes da esterilizao, foi de tal

    modo elevado, que o governo considerou o seu acto como gravidezes de protesto. O que fundamentar entre

    uma complexidade de outros factores, a legislao obrigando ao aborto, por razes eugnicas, em 1939, ano que

    abre tambm para as prticas de eutansia e do extermnio em massa, no territrio por excelncia do holocausto:

    os campos de concentrao. Pg. 13.

    47 Feminismo um movimento social, filosfico e poltico que tem como meta direitos equnimes (iguais) e uma

    vivncia humana liberta de padres opressores baseados em normas de gnero. Envolve diversos movimentos,

    teorias e filosofias advogando igualdade para homens e mulheres, defendem os direitos das mulheres e os seus

    interesses. A teoria feminista surgiu destes movimentos femininos, e manifesta-se em diversas disciplinas como

    a geografia feminista, a histria feminista e a crtica literria feminista. O feminismo alterou principalmente as

    perspectivas predominantes em diversas reas da sociedade ocidental, que vo da cultura ao direito. A histria do

    feminismo pode ser dividida em trs "ondas". A primeira teria ocorrido no sculo XIX e incio do sculo XX, a

    segunda nas dcadas de 1960 e 1970, e a terceira iria da dcada de 1990 at actualidade. A primeira onda foi

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    25

    O Papa Joo XXIII abre o Conclio Vaticano II e revoluciona a Igreja Catlica.48

    Surgem movimentos hippies, com protestos contra a Guerra Fria, a Guerra no Vietname e o

    bastante extensa e rompeu com os padres histricos das sociedades. Aborda uma grande actividade feminista

    desenvolvida no Reino Unido e nos Estados Unidos. Foi o momento em que o movimento se consolidou em

    torno da luta pela igualdade de direitos. Organizaram-se e protestaram contra as diferenas contratuais, a

    diferena na capacidade de conquistar propriedades e contra os casamentos arranjados que ignoravam os direitos

    de escolha e os sentimentos das mulheres. Ganhou destaque quando passaram a contestar mais activamente o

    poder poltico, as mulheres at ento, eram proibidas de votar. As campanhas pelos direitos sexuais, econmicos

    e reprodutivos continuaram at terem resultados visveis. Somente no correr do sculo XX que os resultados

    foram aparecendo gradualmente. Apesar de todas as campanhas, o voto s foi permitido s mulheres a partir de

    1918, no Reino Unido mas ainda com algumas limitaes s tinham tal direito as mulheres com mais de 30 anos.

    J nos Estados Unidos as manifestaes das mulheres ligava-se a outros factores histricos como o fim da

    escravido no pas, s depois lutam pelos seus direitos. O direito de voto s aparece em 1919.

    A segunda compreende o perodo entre 1960 a 1980, e foi uma continuao da primeira com as mulheres a

    reivindicando direitos iguais com o fim da discriminao e a completa igualdade entre os sexos. Criticaram a

    ideia que a mulher apenas tinha satisfao na educao dos filhos e a tratar do lar, reivindicaram o direito de

    trabalhar fora de casa, a sustentarem-se a elas prprias e a terem as mesmas capacidades que o homem.

    A terceira onda tem incio na dcada de 1990 e como uma continuao da anterior, a redefinio das

    estratgias anteriores que apresentavam algumas falhas e novas ideias quanto ao papel da sexualidade das

    mulheres.

    48 Papa Joo XXIII, nascido ngelo Giuseppe Roncali, nasceu em Itlia no fim do sculo XIX, foi como Papa

    um grande reformista da Igreja Catlica, no obstante o seu curto pontificado (1958-1963). Foi designado

    cardeal-patriarca de Veneza em 1953 e aclamado Papa a 28 de Outubro de 1958. Foi com grande inquietao e

    espanto de muitos catlicos tradicionalistas, que a igreja viu a 25 de Janeiro de 1959 o anuncio na baslica de So

    Paulo (Roma) o seu propsito de convocar um Conclio com o intuito de modernizar a Igreja Catlica e de a

    abrir ao mundo dos fiis e a todos os cidados de boa vontade. A sua bondade, a capacidade de dilogo e de

    conciliao, foram elementos que moldaram o seu esprito e dos fiis, e o fizeram ser conhecido como o Papa

    da Bondade. Foi sargento do corpo mdico e capelo militar de soldados feridos em 1915 quando a Itlia entrou

    na 1 Guerra Mundial e no exerccio das suas funes diplomticas durante a 2 Guerra Mundial (1939 a 1945),

    salvou muitos judeus da carnificina Nazi. Foi-lhe diagnosticado um cancro inopervel em Setembro de 1962 mas

    isso no fez com que Joo XXIII se afastasse da direco do Conclio Vaticano II que s terminou em 1965.

    atravs deste conclio que a Igreja se renova e se abre mais ao mundo moderno mas o Papa Joo XXIII j no

    assistiu a algumas das mais significativas mudanas da Igreja, como sendo uma grande reforma litrgica (reviso

    e simplificao da Missa de rito romano), uma nova perspectiva sobre a liberdade religiosa, o apostolado dos

    leigos e a dignidade dos fiis, a natureza e constituio da Igreja, a colegialidade dos Bispos e a relao entre

    a Revelao Divina e a Tradio; novos rumos para o ecumenismo e a pastoral catlica. Morreu a 3 de Junho de

    1963.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    26

    racionalismo. Este movimento tambm foi conhecido como movimento de contracultura.

    Ocorre tambm a Revoluo Cubana na Amrica Latina que leva Fidel Castro ao poder e tem

    incio a descolonizao da frica e do Caribe, com a independncia das antigas colnias.

    A dcada de 60 representou o incio de grandes projectos culturais e ideolgicos.

    Podemos dividir esta poca em dois momentos: o primeiro como anos de inocncia, muito

    entusiasmo nas manifestaes socioculturais e um certo idealismo na poltica; o segundo

    momento de irreverncia, drogas, revoluo sexual, perda de inocncia e grandes protestos

    juvenis contra a ameaa de endurecimento dos governos (estes anos definiram a dcada de

    70).

    Quando as mulheres passaram a reclamar tratamento e direitos iguais, maior

    visibilidade foi dada violncia domstica, sendo hoje a irradicao da violncia contra as

    mulheres uma das principais metas na luta para eliminar esse tipo de violncia nos

    movimentos feministas. O primeiro abrigo para mulheres violentadas foi fundado por Erin

    Pizzey no ano de 1939, nas proximidades de Londres, Inglaterra. Nos anos 60, Erin Pizzey fez

    algumas crticas s linhas do movimento feminista, afirmando que a violncia domstica nada

    tinha a ver com o patriarcado, mas sim com a vulnerabilidade das vtimas, independentemente

    do sexo. Afirma tambm que a violncia domstica recproca, pois as mulheres so to

    capazes de ser violentas como os homens.

    Com a revoluo de 1974 em Portugal houve algumas alteraes legislativas no campo

    do direito da famlia e com a Constituio da Repblica de 1976 e o Cdigo Civil de 1977

    que se estabelece finalmente o direito de igualdade e respeito entre cnjuges.49

    Mas, em nossa

    opinio, a principal alterao foi a possibilidade de pr termo ao casamento desde que se

    verificasse violao de algum dever conjugal,50

    pois o casamento baseado em amor,

    respeito, ajuda e assistncia entre cnjuges e no em violncia e agressividade, assim como

    qualquer relao consangunea ou anlogas ao casamento.

    Nos dias de hoje no fcil definir com preciso o conceito jurdico de famlia, pois

    existem vrias posies, uns defendem que famlia se define pelo conjunto de pessoas unidas

    por laos afectivos,51

    outros que se deve basear na opinio do homem mdio,52

    ou que famlia

    49 Art 1671 (Igualdade dos cnjuges) e 1672 (Deveres dos Cnjuges) do CC.

    50 Art 1779 (Violao culposa dos deveres conjugais) do CC.

    51 A famlia um ncleo de convivncia, unido por laos afectivos, que costumam compartilhar o mesmo tecto.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    27

    todo um grupo que tenha funes equiparadas a uma famlia ideal,53

    ou todas as pessoas que

    se vejam a si prprios como membros de uma famlia.54

    Na nossa sociedade, designa-se por famlia o conjunto de pessoas que possuem ou no

    grau de parentesco entre si e vivem na mesma casa, formando um lar. Uma famlia tradicional

    normalmente formada pelo pai e me, unidos por matrimnio ou unio de facto, por um ou

    mais filhos, e a restante famlia ligada por laos sanguneos, compondo desta maneira uma

    famlia nuclear ou elementar.

    Existem dois dias por ano que simbolizam a conquista das mulheres pela igualdade,

    tanto a nvel econmico, como sociais, culturais e polticos.

    O Dia Internacional da Mulher celebrado a 8 de Maro. De entre outros eventos

    histricos relevantes, h a lembrana do marcante incndio em 1911 na fbrica da Triangle

    Shirtwaist, em Nova Iorque, onde 140 mulheres perderam a vida. E o dia 25 de Novembro,

    Dia Internacional de Combate Violncia contra a Mulher, decidido no Primeiro Encontro

    Feminista Latino-americano e do Caribe em 1981, sendo tambm oficialmente adoptado pela

    ONU em 1999. A data marca o brutal assassinato das revolucionrias Irms Mirabal a mando

    do ento ditador da Repblica Dominicana, Rafael Trujillo, em 25 de Novembro de 1961.

    1.2. Evoluo legislativa do Cdigo Penal de 1982, 1995 e 1998

    Foi no Cdigo Penal de 198255

    que pela primeira vez se autonomizou e se deu relativa

    importncia ao crime de maus tratos entre cnjuges, alargando o seu mbito de aplicao no

    seu n 3 do art. 153.

    Relembremos a letra do art. 153 do Cdigo Penal de 1982:

    52

    Este homem mdio, portanto, representa uma abstraco criada pelo Direito, para que sirva de parmetro

    quanto realizao/concretizao ou no do dever objectivo de cuidado e quanto ocorrncia ou no da culpa

    imputvel.

    53 Filipe de Arede Nunes, Estado Novo, Casamento e Cdigo Civil. Pgs. 65 e 66.

    54 Idem. Pg. 66.

    55 Aprovado pelo decreto-lei n. 400/82, de 23 de Setembro, e revogado pela 7 verso, dada pelo decreto-lei n

    48/95, de 15 de Maro.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    28

    ARTIGO 153.

    (Maus tratos ou sobrecarga de menores

    e de subordinados ou entre cnjuges)

    1 O pai, me ou tutor de menor de 16 anos ou todo aquele que o tenha a seu

    cuidado ou sua guarda ou a quem caiba a responsabilidade da sua direco ou

    educao ser punido com priso de 6 meses a 3 anos e multa at 100 dias quando,

    devido a malvadez ou egosmo:

    a) Lhe infligir maus tratos fsicos, o tratar cruelmente ou no lhe prestar

    os cuidados ou assistncia sade que os deveres decorrentes das

    suas funes lhe impem: ou

    b) O empregar em actividades perigosas, proibidas ou desumanas, ou

    sobrecarregar, fsica ou intelectualmente, com trabalhos excessivos

    ou inadequados de forma a ofender a sua sade, ou o seu

    desenvolvimento intelectual, ou a exp-lo a grave perigo.

    2 Da mesma forma ser punido quem tiver como seu subordinado, por relao de

    trabalho, mulher grvida, pessoa fraca de sade ou menor, se se verificarem os

    restantes pressupostos do n. 1.

    3 Da mesma forma ser ainda punido quem infligir ao seu cnjuge o tratamento

    descrito na alnea a) do n. 1 deste artigo.

    Tanto na redaco final do Cdigo Penal como no anteprojecto, este artigo exigia, para

    que a conduta fosse punvel, que o agente actuasse com malvadez e egosmo e que os actos

    praticados fossem dolosos. Uma parte da doutrina e da jurisprudncia consideram esta

    exigncia como dolo especfico,56

    ao contrrio de Teresa Beleza que considera dolo especfico

    uma expresso um pouco infeliz.57

    56

    Para Germano Marques da Silva, in Direito Penal Portugus. Teoria do crime: Dolo especifico relativamente

    a certos crimes, aos elementos essenciais e gerias do dolo acresa a exigncia de um determinado fim subjectivo

    do agente. No propriamente dolo com um fim que acresce ao dolo genrico, mas elemento subjectivo

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    29

    Assim parece-nos que esta exigncia queria continuar a diferenciar as condutas

    punveis no mbito da criminalizao das que estivessem no razovel poder de correco,

    continuando a manter a vida familiar de cada um na esfera privada, pois o preenchimento

    material da conduta tinha por base a malvadez e egosmo, no bastando os requisitos da

    alnea a), lhe infligir maus tratos fsicos, o tratar cruelmente ou no lhe prestar os cuidados

    ou assistncia sade que os deveres decorrentes das suas funes lhe impem. Era, assim,

    imprescindvel para a incriminao do cnjuge que fosse o acto praticado com malvadez e

    egosmo.

    Daqui resulta que a violncia conjugal passou a ter a sua prpria autonomia, mas

    continuando a existir algumas lacunas nesta redaco inicial, como a no contemplao das

    relaes anlogas ao casamento, assim como a de ex-cnjuges.

    Na Reforma Penal de 1995, pelo Dec. Lei 48/95 de 15 de Maro foram efectuadas

    algumas alteraes de extrema importncia, pois veio prever, conjuntamente com os maus

    tratos fsicos, os maus tratos invisveis, ou seja, os maus tratos psicolgicos, aqueles que no

    so visveis no corpo da vtima. Veio prever as humilhaes, os insultos, os vexames, etc.,

    que constituem formas de violncia psquicas mais graves que muitas ofensas corporais

    simples.

    Esta abrangncia de comportamento no que respeita aos maus tratos psquicos,

    encontra plena justificao na medida em que as marcas fsicas curam e passam com o

    decurso do tempo mas as marcas invisveis (aparentemente) podem durar uma vida inteira,

    condicionando a pessoa e remetendo-a para um profundo e constante sofrimento.

    especfico de determinados crimes que exigem para alm da conscincia e vontade da prtica dos elementos

    objectivos do crime ainda uma determinada inteno ou propsito do agente. Pg. 107.

    57 Teresa Beleza, in Maus tratos conjugais: art 153, n 3 do Cdigo Penal: corrente, mas talvez incorrecto ou

    pelo menos infeliz, o uso da expresso dolo especfico neste contexto ou em outros referentes a aspectos

    subjectivos, de vria ordem, dos tipos legais de crime. A expresso dolo especfico, correntemente utilizada

    para referir determinadas direces de vontade que certos tipos exigem, infeliz porque a palavra a dolo

    significa, em geral, conhecimento e vontade de fazer ou alcanar algo descrito no tipo objectivo como

    comportamento ou resultado, essenciais consumao do crime. Pelo contrrio, nas situaes em que como

    exemplo no art 146 o Cdigo Penal exige que o agente tenha uma determinada inteno que vai alm do

    comportamento objectivamente tipificado, a no concretizao de tal objectivo da vontade no impede a

    consumao do crime. Pode, contudo, o seu activo afastamento originar uma iseno da pena (art 24). Pgs. 25

    e 26.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    30

    Do mesmo modo, o preceito tambm passou a fazer referncia s relaes anlogas s

    dos cnjuges no seu n 2.

    Esta reforma veio tambm prever e abranger outras vtimas de maus tratos como os

    idosos e os doentes, deixando de se restringir a funo tuteladora da norma s vtimas que se

    encontrem numa relao de subordinao familiar, educativa ou laboral com o agente,

    eliminando-se tambm a expresso de malvadez ou egosmo, na altura elementos

    necessrios para que a conduta estivesse integrada no tipo. O procedimento criminal contra o

    cnjuge ou equiparado passou a depender de queixa,58

    tendo tambm sido agravadas

    substancialmente as penas.59

    Vejamos a letra do artigo 152 do Cdigo Penal:

    Artigo 152

    Maus tratos e infraco de regras de segurana

    1 - Quem, tendo ao seu cuidado, sua guarda, sob a responsabilidade da sua

    direco ou educao, ou a trabalhar ao seu servio, pessoa menor ou

    particularmente indefesa, em razo de idade, deficincia, doena ou gravidez, e:

    a) Lhe infligir maus tratos fsicos ou psquicos ou a tratar cruelmente;

    b) A empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas; ou

    c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos;

    punido com pena de priso de 1 a 5 anos, se o facto no for punvel pelo artigo

    144.

    2 - A mesma pena aplicvel a quem infligir ao cnjuge, ou a quem com ele

    conviver em condies anlogas s dos cnjuges, maus tratos fsicos ou psquicos.

    58

    Cf. Art 152, n 2 do CP de 1995 e art 153, n 3 da redaco do antigo CP de 1982.

    59 Passando de 6 meses a 3 anos para 1 a 5 anos de priso.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    31

    3 - A mesma pena tambm aplicvel a quem infligir a progenitor de descendente

    comum em 1. grau maus tratos fsicos ou psquicos.

    4 - A mesma pena aplicvel a quem, no observando disposies legais ou

    regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou perigo de grave ofensa

    para o corpo ou a sade.

    5 - Se dos factos previstos nos nmeros anteriores resultar:

    a) Ofensa integridade fsica grave, o agente punido com pena de priso

    de 2 a 8 anos;

    b) A morte, o agente punido com pena de priso de 3 a 10 anos.

    6 - Nos casos de maus tratos previstos nos n.os 2 e 3 do presente artigo, ao arguido

    pode ser aplicada a pena acessria de proibio de contacto com a vtima, incluindo

    a de afastamento da residncia desta, pelo perodo mximo de dois anos.

    J na Reviso Penal de 1998 (Lei 65/98 de 2 de Setembro), o crime continua a ter

    natureza semipblico, mas tornando o procedimento criminal contra cnjuges ou relaes

    anlogas independente de queixa se o interesse da vtima o impuser, reservando-lhe, porm, o

    direito de oposio prossecuo do procedimento criminal antes de ser deduzida a acusao

    pelo Ministrio Publico.

    Desta maneira, veio o legislador procurar evitar que a maior parte dos ilcitos

    relativos violncia conjugal ficasse impune, face s renitncias e constrangimentos iniciais

    da vtima, mas, no obstante esta situao, a lei deixou para a pessoa maltratada a deciso

    sobre a continuao do processo.

    Ao atribuir ao MP legitimidade para oficiosamente iniciar o processo sem a queixa,

    caso o interesse da vtima o imponha, o legislador mostra-nos a importncia e a evoluo

    deste tipo de ilcito.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    32

    1.3. A Reviso Penal de 2000, (Lei 07/2000 de 27 de Maio) e a

    Reviso Penal de 2007, (Lei 59/2007 de 04 de Setembro)

    Na Reviso Penal de 2000:

    Artigo 152.o

    [. . .]

    1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    2A mesma pena aplicvel a quem infligir ao cnjuge, ou a quem com ele

    conviver em condies anlogas s dos cnjuges, maus tratos fsicos ou psquicos.

    3A mesma pena tambm aplicvel a quem infligir a progenitor de descendente

    comum em 1.o grau maus tratos fsicos ou psquicos.

    4A mesma pena aplicvel a quem, no observando disposies legais ou

    regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou perigo de grave ofensa

    para o corpo ou a sade.

    5(Anterior n.o 4.)

    6Nos casos de maus tratos previstos nos 2 e 3 do presente artigo, ao arguido pode

    ser aplicada a pena acessria de proibio de contacto com a vtima, incluindo a de

    afastamento da residncia desta, pelo perodo mximo de dois anos.

    Nesta reviso ao Cdigo Penal as principais alteraes e inovaes foram as seguintes:

    Atribui-se natureza pblica60

    a este tipo de crime, pondo fim ao expediente anteriormente

    introduzidos, que permitia vtima pr termo ao processo ainda que este se tivesse iniciado

    sem a sua queixa.

    Passou a tutela tambm a abranger os progenitores de descendente comum, extrapolando

    o mbito da proteco penal para fora da casa de famlia e do agregado familiar.

    60

    Sendo anteriormente um crime semipblico conduzia a que na maior parte das vezes o agressor sasse

    impune, a vtima desistia da queixa por ser coagida pelo agressor, o que transmitia para sociedade a ideia de que

    era um problema inserido na esfera privada dos cnjuges.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    33

    Para colmatar as deficincias do anterior regime, nomeadamente no que respeita

    oposio da vtima ao andamento do processo, prev-se agora no enquadramento e redaco

    do instituto da suspenso provisria do processo, previsto nos artigos 281 e 282 do CPP, a

    possibilidade de, em processos desta natureza entre cnjuges ou entre quem conviva em

    condies anlogas se decidir pela suspenso do processo, podendo ser requerida tambm

    pela prpria vtima.

    Previu-se tambm a possibilidade de ao agressor ser aplicada pena acessria de

    proibio de contactos com a vtima, incluindo a de afastamento da residncia61

    desta, pelo

    perodo mximo de dois anos.

    Reservou-se, assim, vtima um relevante papel de impulso na promoo de medida

    de diverso, que em face das circunstncias, dever acautelar o seu interesse e satisfazer

    suficientemente as expectativas da sociedade. Em todo o caso, o MP mantm a prerrogativa

    de oficiosamente propor ele prprio a suspenso provisria do processo.

    Este instituto de suspenso provisria do processo a pedido da vtima, esta na ratio do

    art 281, n 6 do CPP, Em processos por crimes de violncia domstica no agravado pelo

    resultado, o Ministrios Pblico, mediante requerimento livre e esclarecido da vtima,

    determina a suspenso provisria do processo, com a concordncia do juiz de instruo e do

    arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alneas b)62

    e c)63

    do n 164

    . e

    representa no nosso ordenamento jurdico o princpio da oportunidade, apesar de predominar

    o princpio da legalidade derivado de princpios constitucionais.65

    61

    Esta pena acessria resultou da iniciativa do grupo parlamentar do PCP atravs do projecto lei n 58/VIII em

    que estipulava que nos crimes de maus tratos previstos no art 152, n 2 e 3 do CP, se no houver coabitao

    entre a vtima e o arguido a este ser aplicada a pena acessria de afastamento da residncia da vtima pelo

    perodo de 2 anos, como refere o art 18 do projecto. Foi aprovado por unanimidade a 13 de Janeiro de 2000,

    mas saindo com pequenas alteraes ao original.

    62 Ausncia de condenao anterior por crime da mesma natureza.

    63 Ausncia de aplicao anterior de suspenso provisria de processo por crime da mesma natureza.

    64 Se o crime for punvel com pena de priso no superior a cinco anos () sempre que se verifiquem os

    seguintes pressupostos: Concordncia do arguido e assistente; ausncia de condenao pela mesma natureza;

    ausncia de aplicao anterior de suspenso provisria de processo pelo mesmo crime; no haver lugar a medida

    de segurana de internamento; ausncia de um grau de culpa elevado; e ser de prever que o cumprimento das

    injunes e regras de conduta responda suficientemente s exigncias de preveno que no caso se faam sentir.

    65 Cfr art 219 (MP - Funes e estatuto) da CRP.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    34

    A Reviso Penal de 2007, veio tipificar em conceitos distintos a violncia domstica

    (art 152 do CP), os maus tratos (art 152 - A do CP) e a violao de regras de segurana (art

    152 - B do CP).

    Artigo 152.

    Violncia domstica

    1 - Quem, de modo reiterado ou no, infligir maus tratos fsicos ou psquicos,

    incluindo castigos corporais, privaes da liberdade e ofensas sexuais:

    a) Ao cnjuge ou ex-cnjuge;

    b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou

    tenha mantido uma relao anloga dos cnjuges, ainda que sem

    coabitao;

    c) A progenitor de descendente comum em 1. grau; ou

    d) A pessoa particularmente indefesa, em razo de idade, deficincia, doena,

    gravidez ou dependncia econmica, que com ele coabite;

    punido com pena de priso de um a cinco anos, se pena mais grave lhe no couber

    por fora de outra disposio legal.

    2 - No caso previsto no nmero anterior, se o agente praticar o facto contra menor,

    na presena de menor, no domiclio comum ou no domiclio da vtima punido com

    pena de priso de dois a cinco anos.

    3 - Se dos factos previstos no n. 1 resultar:

    a) Ofensa integridade fsica grave, o agente punido com pena de priso

    de dois a oito anos;

    b) A morte, o agente punido com pena de priso de trs a dez anos.

    4 - Nos casos previstos nos nmeros anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as

    penas acessrias de proibio de contacto com a vtima e de proibio de uso e porte

    de armas, pelo perodo de seis meses a cinco anos, e de obrigao de frequncia de

    programas especficos de preveno da violncia domstica.

    5 - A pena acessria de proibio de contacto com a vtima pode incluir o

    afastamento da residncia ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode

    ser fiscalizado por meios tcnicos de controlo distncia.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    35

    6 - Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta

    gravidade do facto e a sua conexo com a funo exercida pelo agente, ser inibido

    do exerccio do poder paternal, da tutela ou da curatela por um perodo de um a dez

    anos.

    ----------- / -----------

    Artigo 152.-A

    Maus tratos

    1 - Quem, tendo ao seu cuidado, sua guarda, sob a responsabilidade da sua

    direco ou educao ou a trabalhar ao seu servio, pessoa menor ou

    particularmente indefesa, em razo de idade, deficincia, doena ou gravidez, e:

    a) Lhe infligir, de modo reiterado ou no, maus tratos fsicos ou psquicos,

    incluindo castigos corporais, privaes da liberdade e ofensas sexuais, ou a

    tratar cruelmente;

    b) A empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas; ou

    c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos;

    punido com pena de priso de um a cinco anos, se pena mais grave lhe no couber

    por fora de outra disposio legal.

    2 - Se dos factos previstos no nmero anterior resultar:

    a) Ofensa integridade fsica grave, o agente punido com pena de priso

    de dois a oito anos;

    b) A morte, o agente punido com pena de priso de trs a dez anos.

    ----------- / -----------

    Artigo 152.-B

    Violao de regras de segurana

    1 - Quem, no observando disposies legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador

    a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a sade, punido

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    36

    com pena de priso de um a cinco anos, se pena mais grave lhe no couber por fora

    de outra disposio legal.

    2 - Se o perigo previsto no nmero anterior for criado por negligncia o agente

    punido com pena de priso at trs anos.

    3 - Se dos factos previstos nos nmeros anteriores resultar ofensa integridade fsica

    grave o agente punido:

    a) Com pena de priso de dois a oito anos no caso do n. 1;

    b) Com pena de priso de um a cinco anos no caso do n. 2.

    4 - Se dos factos previstos nos n.os 1 e 2 resultar a morte o agente punido:

    a) Com pena de priso de trs a dez anos no caso do n. 1;

    b) Com pena de priso de dois a oito anos no caso do n. 2

    ampliado o mbito subjectivo do crime de violncia domstica nas situaes em que

    a mesma envolva ex-cnjuges e pessoas de outro ou do mesmo sexo que mantenham ou

    tenham mantido uma relao anloga s dos cnjuges.

    So acrescentadas tambm outras formas de violncia domstica, como os castigos

    corporais, as privaes de liberdade e ofensas sexuais.

    O agravamento dos limites mximos das penas de priso abstractamente aplicveis

    permite que o crime de maus tratos faa parte do conceito de criminalidade violenta"66

    Esta

    noo de criminalidade violenta, dada na alnea j) do art 1 do CPP, veio possibilitar a

    aplicao de medidas de coaco de priso preventiva a agentes do crime de violncia

    domstica, plasmado no art 152 do CP.

    Tal facto perfeitamente justificvel face ao aumento dos crimes de maus tratos e

    violncia domstica, os quais tem vindo a atingir dimenses cada vez maiores, sendo os bens

    a tutelados pertencentes ao grupo daqueles que assumem na nossa sociedade uma maior

    relevncia, quer no mbito do penal, pois que estamos perante crimes contra as pessoas, quer

    no mbito constitucional, no que diz respeito ao direito integridade fsica e ao direito vida,

    66

    O legislador incluiu este crime no naipe dos crimes que integram o conceito de criminalidade violenta do art

    1 al. f) do CPP.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    37

    assumindo ambos uma necessidade obrigatria de respeito pela dignidade da pessoa humana

    como ncleo essencial da Repblica Portuguesa.67

    Daqui resulta a admisso da priso preventiva, como estipula o art 202, n 1, al. b)

    do CPP, embora com todas as limitaes resultantes do art 257 (deteno fora do flagrante

    delito) do mesmo diploma, em que a deteno s deve ser efectuada em caso de estrita

    necessidade.68

    Assim como foram agravados os limites mnimos da pena sempre que a violncia seja

    praticada contra menor ou na presena deste, no domiclio comum ou no domiclio da vtima.

    Foram acrescentadas e agravadas penas acessrias de proibio de porte e uso de

    armas, obrigao de frequncia de programas especficos de preveno da violncia

    domstica, proibio de contacto com a vtima, podendo incluir-se o afastamento da

    residncia ou local de trabalho desta e com a possibilidade de fiscalizao por meios tcnicos

    de controlo distancia e ainda inibio do exerccio poder paternal, da tutela ou da curatela.

    Pode o MP oficiosamente ou atravs de requerimento livre e esclarecido da vtima e

    com a concordncia do arguido e juiz de instruo, determinar a suspenso provisoria do

    processo desde que no resulte agravao pelo resultado e no haja antecedentes criminais

    relativos ao mesmo crime,69

    independentemente da pena que lhe caiba.

    No crime de maus tratos, podendo este ser cometido por pessoas colectivas

    (instituies de acolhimento ou de assistncia), quer em seu nome, quer por pessoa que nela

    trabalhe, aumenta o mbito da responsabilizao com as decorrncias da lei70

    mas no se

    excluindo a responsabilizao individual nos termos gerais.71

    44 J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 7 Edio (3 Reimpresso),

    Almedina 2003. Pg. 225.

    68 Manuel Lopes Maia Gonalves, in Cdigo de Processo Penal, anotado: por isso estabelece-se que, fora de

    flagrante delito, s tem lugar quando houver razes para crer que o visado se no apresentaria espontaneamente

    para a realizao do acto processual. Este princpio vale tambm para a deteno em flagrante delito (art 385),

    hiptese em que o arguido que no for imediatamente apresentado ao juiz s continuar detido se houver razes

    para crer que no comparecer espontaneamente perante autoridade judiciria, e isto sem prejuzo de ser

    libertado, de qualquer forma, no prazo mximo de 48 horas, por fora do artigo 28, n 1 da CRP. Pg. 614.

    69 Cfr Art 281 (Suspenso provisria do processo), n 6 do CPP

    70 Cdigo Penal. Capitulo VI. Pessoas colectivas. Art 90 A e ss

    71 Cfr. Art 11 (Responsabilidade das pessoas singulares e colectivas) do CP

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    38

    Neste contexto, todos estes crimes visam uma forma especifica para tutelar o bem

    jurdico que a integridade fsica do ser humano, violando todos eles os deveres de garante a

    que o agente esta obrigado perante a vtima. A nossa casa/habitao devia e deve ser o lugar

    mais seguro do mundo e arredores, assim como os nossos familiares que devem ser os

    nossos melhores amigos e companheiros. E por estes factos que estes crimes consagram

    uma maior especificidade s condutas do agente, agravando a punio.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    39

    CAPTULO II - ENQUADRAMENTO JURDICO PORTUGUS

    2.1. A CRP como Lei delimitadora do Direito Penal

    Como diz Jos de Sousa e Brito o direito penal funde-se na Constituio no sentido

    de que as normas que o constituem, ou so elas prprias normas formalmente constitucionais,

    ou so autorizadas ou delegadas por outras normas constitucionais. A Constituio no

    contm normas penais completas, isto , normas que para aces ou omisses nelas previstas

    estatuem penas, medidas de segurana ou outras medidas jurdico-penais. Mas contm

    disposies de direito penal, que determinam em parte o contedo de normas penais. So

    disposies desta espcie as que probem certas penas e medidas de segurana.72

    Portanto, encontramos na nossa Constituio um conjunto de princpios que enformam

    o direito penal e estes princpios reflectem a proteco do regime dos direitos, liberdades e

    garantias que vinculam tanto as entidades privadas como as pblicas.73

    As Entidades pblicas sero aqueles que cabem na noo de o Estado em sentido

    estrito, abrangendo o poder legislativo, a quem est vedado a emisso de normas

    incompatveis com direitos fundamentais sob pena de inconstitucionalidade, o poder judicial,

    que tem por obrigao decidir e aplicar normas em conformidade com os Direitos, Liberdades

    e Garantias, e o poder administrativo, a quem cabe respeitar e dar satisfao aos direitos

    fundamentais.74

    O direito penal conformado pela Constituio na medida em que funciona como uma

    espcie de norma fundamental autorizadora do direito ordinrio, assumindo um papel

    hierarquicamente superior,75

    sendo tambm a justificao de um Estado de Direito.76

    72

    Jos de Sousa e Brito, in Textos de direito penal. Tomo II. AAFDL. Pg. 1.

    73 Art 18 (Fora jurdica), n 1 e art 165 (Reserva relativa de competncia legislativa), n 1, al c).

    74 J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP anotada, Coimbra Editora, 2007. Pg. 383.

    75 Maria Fernanda Palma Direito Constitucional Penal. Lisboa: Edies Almedina, 2006. Pg.16.

    76 A definio de Estado de Direito Democrtico encontra-se no art 2 da CRP: A Republica Portuguesa um

    Estado de direito democrtico, baseado na soberania popular, no pluralismo de expresso e organizao poltica

    democrticas, no respeito e na garantia de efectivao dos direito e liberdades fundamentais e na separao e

    interdependncia de poderes, visando a realizao da democracia, econmica, social e cultural e o

    aprofundamento da democracia participativa.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    40

    No na Constituio que se estatuem as penas ou medidas de segurana para os

    crimes, mas na Constituio que existem preceitos que determinam de forma bem expressa

    o contedo e limite das normas penais,77

    assim como tambm princpios de orientao,

    interpretao e aplicao das normas penais,78

    como o princpio da culpa.79

    Este princpio tem

    assento constitucional, decorrendo da dignidade da pessoa humana, art 1, e do direito

    liberdade, art 27, n 1, o princpio da necessidade ou mxima restrio das penas e medidas

    de segurana, art 18, ns 2 e 3, o princpio da humanidade das penas, art 30, n 1 e o

    princpio da igualdade, art 13,80

    o princpio da legalidade,81

    ( a partir deste princpio que se

    define os limites estritos da interveno do direito penal) e o princpio da jurisdicionalidade,

    arts 27, n 2; 23, n 4; 30, n 2.

    Atravs da CRP definem-se os direitos, liberdades e garantias e por este meio que se

    estabelece um quadro de valores fundamentais na nossa ordem jurdica, sendo estes a base da

    poltica criminal, subordinando o legislador ordinrio a estes valores.

    77

    So exemplos, entre outros, o art. 24 nr2 da CRP que probe a pena de morte; o art. 25 n 2 da CRP que

    probe a tortura, tratos e penas cruis degradantes ou desumanas; o art. 30 nr1 CRP que probe as penas

    perptuas ou de durao ilimitada ou indefinida.

    78 Art. 18, n 2 e 3 da CRP que consagra o princpio da subsidiariedade do Direito Penal; os arts. 13 e 18 n1

    que consagram o princpio da igualdade.

    79 Jos de Sousa e Brito, in A lei penal na Constituio: O princpio da culpa significa que a pena se funda na

    culpa do agente pela sua aco ou omisso, isto , em um juzo de reprovao do agente por no ter agido em

    conformidade com o dever jurdico, embora tivesse podido conhec-lo, motivar-se por ele e realiz-lo (Jos de

    Sousa e Brito, A lei penal na Constituio, in Estudos sobre a Constituio, 2 vol., Lisboa, 1978, pgs. 199-

    200). Implica tal princpio que no h pena sem culpa, excluindo-se a responsabilidade penal objectiva, nem

    medida da pena que exceda a da culpa. Pgs. 199 e 200.

    80 Princpio estruturante de um estado de direito democrtico e social dado que:

    a) Impe a igualdade na aplicao do direito, fundamentalmente assegurada pela tendencial universalidade da lei

    e pela proibio de diferenciao de cidado com base em condies meramente subjectivas (igualdade de

    Estado de direito liberal);

    b) Garante a igualdade de participao na vida poltica da colectividade e de acesso aos cargos pblicos e

    funes politicas (Igualdade de Estado de Direito Democrtico);

    c) Exige a eliminao das desigualdades de facto para se assegurar uma igualdade material no plano econmico,

    social e cultural (Igualdade de Estado de Direito Social)

    81 Art 29 (Aplicao da lei criminal) da CRP. Estabelece limites ao poder do Estado punitivo para assegurar a

    proteco de Direitos, Liberdades e Garantias.

  • VIOLNCIA CONJUGAL 2013

    41

    Os direitos fundamentais so universais e permanentes, so direitos de igualdade,

    gerais e no privilgios de alguns, so atribudos a todos os homens/mulheres por serem

    humanos e, nessa medida, independentes quanto sua existncia de condies temporais ou

    de situao. A fundamentalidade dos direitos fundamentais do ponto de vista material

    corresponde sua importncia para a salvaguarda da dignidade humana num certo tempo e

    lugar e tem a sua expresso mxima na constitucionalizao dos direitos fundamentais, o que

    lhe confere um ascendente e uma primazia, quando confrontados com outros direitos.

    Podemos concluir, afirmando que o direito penal est subordinado Constituio,

    porque os bens jurdicos so definidos exclusivamente pela CRP82

    e esta que condiciona a

    lei nos seus limites mnimos e mximos.

    2.2. Em Portugal crime a violncia conjugal?

    Na tutela jurisdicional penal de modo assaz um pouco amplo se protegem as condutas

    ofensivas dos direitos pessoais, principalmente nos crimes contra as pessoas como sejam os

    crimes contra a reser