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– 1 - Journal of Human Growth and Development 2015; 25(3): 377-376 ORIGINAL RESEARCH INTRODUÇÃO Na segunda década do século XXI, a violên- cia obstétrica ganhou visibilidade, sendo tema de numerosos estudos, mostras artísticas, 1,2 documentários, 3–5 ação no judiciário, 6 investigação parlamentar, 7 atuações de diversas instâncias do Ministério Público, 8–12 assim como de um novo con- junto de intervenções de saúde pública. Sua rele- vância e legitimidade como problema de saúde pública foi corroborada pela recente declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS) intitulada “Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde”, 13 e a criação da Iniciativa Hospital Amigo da Mãe e da Criança. 14 Estas ações inovadoras são voltadas para visibilizar, prevenir e remediar esta forma de violência nas práticas de saúde, nos âm- bitos público e privado e na formação de recursos humanos, bem como para incentivar os governos e as instituições para pesquisas e intervenções. Como tema inovador e recente no campo, ainda encontra-se cercado de imprecisões. Neces- DOI: http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.106080 sita-se, assim, de um mapeamento provisório de suas origens, magnitude, definições, tipologia, im- pactos sobre a saúde materna, e propostas de pre- venção e superação, de forma a melhor fazer justi- ça à sua importância em termos de Saúde Pública. Nesta revisão crítico-narrativa, abordam-se diversas fontes sobre o tema, como a literatura acadêmica, produções dos movimentos sociais, documentos de políticas públicas e do judiciário, do Brasil e do exterior, com o intuito de evidenciar diferentes dimensões da violência na assistência ao parto, algumas de suas origens, consequências e propostas para superação. O objetivo é introduzir o leitor no debate de forma a auxiliá-lo na busca sobre aspectos específicos que podem ser aborda- dos como temas de pesquisa e intervenção. Breve histórico: origens do tema violência obstétrica Violência obstétrica no mundo Apesar de ser considerado um tema “recen- te” ou um “novo” campo de estudo,o sofrimento VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA COMO QUESTÃO PARA A SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL: ORIGENS, DEFINIÇÕES, TIPOLOGIA, IMPACTOS SOBRE A SAÚDE MATERNA, E PROPOSTAS PARA SUA PREVENÇÃO ABUSE AND DISRESPECT IN CHILDBIRTH CARE AS A PUBLIC HEALTH ISSUE IN BRAZIL: ORIGINS, DEFINITIONS, IMPACTS ON MATERNAL HEALTH, AND PROPOSALS FOR ITS PREVENTION Simone Grilo Diniz 1 , Heloisa de Oliveira Salgado 1 , Halana Faria de Aguiar Andrezzo 1 , Paula Galdino Cardin de Carvalho 1 , Priscila Cavalcanti Albuquerque Carvalho 1 , Cláudia de Azevedo Aguiar 1 , Denise Yoshie Niy 1 Resumo A violência obstétrica, descrita por diferentes termos, cada vez mais é utilizada no ativismo social, em pesquisas acadêmicas e na formulação de políticas públicas, sendo recentemente reconhecida como questão de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde. Como tema inovador, requer um mapeamento de suas origens, definições, tipologia, impactos na saúde materna e propostas de prevenção e superação.Apresentamos esta revisão crítico-narrativasobre o tema, abarcandoliteratura acadêmica, produções dos movimentos sociais e documentos institucionais, do Brasil e exterior. Após breve recuperação histórica do tema,mapeiam-se as definições e as tipologias de violência identificadas. Discute-se a complexa causalidade destas formas de violência, incluindo o papel da formação dos profissionais e da organização dos serviços de saúde e as implicações na morbimortalidade materna. Finaliza-se com intervenções em Saúde Pública que têm sido utilizadas ou propostas para prevenir e mitigar a violência obstétrica, e uma agenda de pesquisa de inovação nesta área. Palavras-chave: humanização do nascimento, abuso e desrespeito, violência contra a mulher, gênero e saúde, direitos humanos, direitos dos pacientes, segurança do paciente. 1 Departamento de Saúde Materno-Infantil. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Corresponding author: Simone Grilo Diniz. E-mail: [email protected] Suggested citation: Diniz SG, Salgado HO, Andrezzo HFA, Carvalho PGC, Carvalho PCA, Aguiar CA, Niy DY. Abuse and disrespect in childbirth care as a public health issue in Brazil: origins, definitions, impacts on maternal health, and proposals for its prevention. Journal of Human Growth and Development. 25(3): 377-384. Doi: http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.106080 Manuscript submitted Manuscript submitted Oct 22 2014, accepted for publication Dec 19 2014.

VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA COMO QUESTÃO PARA A …pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v25n3/pt_19.pdf · A violência obstétrica, descrita por diferentes termos, cada vez mais é utilizada

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Journal of Human Growth and Development, 2015; 25(3): 377-376Abuse and disrespect in childbirth care as a public health issue in brazil: origins, definitions, impacts on maternal health, and proposals...Journal of Human Growth and Development2015; 25(3): 377-376 ORIGINAL RESEARCH

INTRODUÇÃO

Na segunda década do século XXI, a violên-cia obstétrica ganhou visibilidade, sendo tema denumerosos estudos, mostras artísticas,1,2

documentários,3–5 ação no judiciário,6investigaçãoparlamentar,7atuações de diversas instâncias doMinistério Público,8–12 assim como de um novo con-junto de intervenções de saúde pública. Sua rele-vância e legitimidade como problema de saúdepública foi corroborada pela recente declaração daOrganização Mundial da Saúde (OMS) intitulada“Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito emaus-tratos durante o parto em instituições desaúde”,13 e a criação da Iniciativa Hospital Amigoda Mãe e da Criança.14 Estas ações inovadoras sãovoltadas para visibilizar, prevenir e remediar estaforma de violência nas práticas de saúde, nos âm-bitos público e privado e na formação de recursoshumanos, bem como para incentivar os governos eas instituições para pesquisas e intervenções.

Como tema inovador e recente no campo,ainda encontra-se cercado de imprecisões. Neces-

DOI: http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.106080

sita-se, assim, de um mapeamento provisório desuas origens, magnitude, definições, tipologia, im-pactos sobre a saúde materna, e propostas de pre-venção e superação, de forma a melhor fazer justi-ça à sua importância em termos de Saúde Pública.

Nesta revisão crítico-narrativa, abordam-sediversas fontes sobre o tema, como a literaturaacadêmica, produções dos movimentos sociais,documentos de políticas públicas e do judiciário,do Brasil e do exterior, com o intuito de evidenciardiferentes dimensões da violência na assistência aoparto, algumas de suas origens, consequências epropostas para superação. O objetivo é introduziro leitor no debate de forma a auxiliá-lo na buscasobre aspectos específicos que podem ser aborda-dos como temas de pesquisa e intervenção.

Breve histórico: origens do tema violênciaobstétrica

Violência obstétrica no mundoApesar de ser considerado um tema “recen-

te” ou um “novo” campo de estudo,o sofrimento

VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA COMO QUESTÃO PARA A SAÚDE PÚBLICA NOBRASIL: ORIGENS, DEFINIÇÕES, TIPOLOGIA, IMPACTOS SOBRE A

SAÚDE MATERNA, E PROPOSTAS PARA SUA PREVENÇÃO

ABUSE AND DISRESPECT IN CHILDBIRTH CARE AS A PUBLIC HEALTHISSUE IN BRAZIL: ORIGINS, DEFINITIONS, IMPACTS ON MATERNAL

HEALTH, AND PROPOSALS FOR ITS PREVENTION

Simone Grilo Diniz1, Heloisa de Oliveira Salgado1, Halana Faria de Aguiar Andrezzo1,Paula Galdino Cardin de Carvalho1, Priscila Cavalcanti Albuquerque Carvalho1 ,

Cláudia de Azevedo Aguiar1, Denise Yoshie Niy1

Resumo

A violência obstétrica, descrita por diferentes termos, cada vez mais é utilizada no ativismo social,em pesquisas acadêmicas e na formulação de políticas públicas, sendo recentemente reconhecidacomo questão de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde. Como tema inovador, requerum mapeamento de suas origens, definições, tipologia, impactos na saúde materna e propostas deprevenção e superação.Apresentamos esta revisão crítico-narrativasobre o tema, abarcandoliteraturaacadêmica, produções dos movimentos sociais e documentos institucionais, do Brasil e exterior.Após breve recuperação histórica do tema,mapeiam-se as definições e as tipologias de violênciaidentificadas. Discute-se a complexa causalidade destas formas de violência, incluindo o papel daformação dos profissionais e da organização dos serviços de saúde e as implicações namorbimortalidade materna. Finaliza-se com intervenções em Saúde Pública que têm sido utilizadasou propostas para prevenir e mitigar a violência obstétrica, e uma agenda de pesquisa de inovaçãonesta área.

Palavras-chave: humanização do nascimento, abuso e desrespeito, violência contra a mulher,gênero e saúde, direitos humanos, direitos dos pacientes, segurança do paciente.

1 Departamento de Saúde Materno-Infantil. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.Corresponding author: Simone Grilo Diniz. E-mail: [email protected]

Suggested citation: Diniz SG, Salgado HO, Andrezzo HFA, Carvalho PGC, Carvalho PCA, Aguiar CA, Niy DY. Abuse and disrespect inchildbirth care as a public health issue in Brazil: origins, definitions, impacts on maternal health, and proposals for its prevention. Journalof Human Growth and Development. 25(3): 377-384. Doi: http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.106080Manuscript submitted Manuscript submitted Oct 22 2014, accepted for publication Dec 19 2014.

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das mulheres com a assistência ao parto é regis-trada em diferentes momentos históricos, ainda quesob denominações diversas, encontrando respos-tas em distintos contextos, e frequentemente ten-do um impacto importante na mudança das práti-cas de cuidado no ciclo gravídico-puerperal.

Por exemplo, no final da década de 1950,narrativas de violência no parto romperam a bar-reira do silêncio nos EUA, quando a Ladies HomeJournal, uma revista para donas de casa, publicoua matéria “Crueldade nas Maternidades”. O textodescrevia como tortura o tratamento recebido pe-las parturientes, submetidas ao sono crepuscular(twilight sleep, uma combinação de morfina eescopolamina), que produzia sedação profunda, nãoraramente acompanhada de agitação psicomotorae eventuais alucinações. Os profissionais coloca-vam algemas e amarras nos pés e mãos das paci-entes para que elas não caíssem do leito e comfrequência as mulheres no pós-parto tinham he-matomas pelo corpo e lesões nos pulsos.A matériarelata ainda as lesões decorrentes dos fórceps usa-dos de rotina nos primeiros partos, em mulheresdesacordadas. Ela teve grande repercussão, comuma inundação de cartas à revista e a outros mei-os, com depoimentos semelhantes, motivando im-portantes mudanças nas rotinas de assistência e acriação da Sociedade Americana de Psico-profilaxiaem Obstetrícia.15

No Reino Unido, houve um movimento em1958, quando foi criada uma Sociedade para Pre-venção da Crueldade contra as Grávidas.16 A cartaque convoca a fundação dessa sociedade, publicadaoriginalmente no jornal Guardian, afirma:

Nos hospitais, as mulheres têm que enfren-tar a solidão, a falta de simpatia, a falta deprivacidade, a falta de consideração, a comi-da ruim, o reduzido horário da visita, a in-sensibilidade, a ignorância, a privação desono, a impossibilidade de descansar, a faltade acesso ao bebê, rotinas estupidamenterígidas, grosseria [...] as maternidades sãomuitas vezes lugares infelizes, com as me-mórias de experiências infelizes. (1960 apudBeech e Willington, p. 2)16

Teóricas feministas como Adrienne Rich17 ela-boraram sua revolta com a experiência vivida pe-las mulheres de alta renda e educação na décadade 1950: “Parimos em hospitais [...] negligente-mente drogadas e amarradas contra nossa vonta-de, [...] nossos filhos retirados de nós até que ou-tros especialistas nos digam quando podemosabraçar nosso recém-nascido” (p. 269). As ediçõesdo clássico Ourbodies, Ourselves,18,19 assim comooutros livros feministas das décadas de 1960 a1980, reforçaram estas críticas com extensas nar-rativas, contribuindo para a sensibilização e inspi-ração de gerações de profissionais e ativistas nocampo, denunciando a irracionalidade das práticas.

Em 1998, o Centro Latino-americano dos Di-reitos da Mulher20 publicou o relatório Silencio yComplicidad: Violencia contra la Mujer en losServicios Públicos de Salud no Peru, com extensadocumentação das violações dos direitos humanos

da mulher durante o parto, que se aplica a todo ocontinente.

Violência obstétrica no BrasilNo Brasil, o tema já vinha sendo abordado

em trabalhos feministas, na academia e fora dela.O pioneiro Espelho de Vênus, do Grupo Ceres21

(1981), na década de 1980, fazia uma etnografiada experiência feminina, descrevendo explicitamen-te o parto institucionalizado como uma vivência vi-olenta. Esse grupo de pesquisadoras ativistas pu-blicou depoimentos demonstrando que:

Não é apenas na relação sexual que a violên-cia aparece marcando a trajetória existen-cial da mulher. Também na relação médico-paciente, ainda uma vez o desconhecimentode sua fisiologia é acionado para explicar ossentimentos de desamparo e desalento comque a mulher assiste seu corpo ser manipu-lado quando recorre à medicina nos momen-tos mais significativos da sua vida: acontracepção, o parto, o aborto. (p. 349)21

A pesquisa-ação coordenada pela Prefeitu-ra de São Paulo, chamada “Violência – Um Olharsobre a Cidade”,22 mostrava que o atendimentoaos partos era descrito como violento e usuáriasrelatavam que muitas vezes funcionários tinhamposturas agressivas e intimidadoras, frequente-mente humilhavam as pacientes e não respeita-vam sua dor.

A violência obstétrica já era tema tambémdas políticas de saúde ao final da década de 1980:o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher(PAISM), por exemplo, reconhecia o tratamentoimpessoal e muitas vezes agressivo da atenção àsaúde das mulheres. Porém, ainda que o tema es-tivesse na pauta feminista e mesmo na de políticaspúblicas, foi relativamente negligenciado, diante daresistência dos profissionais e de outras questõesurgentes na agenda dos movimentos, e do proble-ma da falta de acesso das mulheres pobres a servi-ços essenciais. Mesmo assim, a violência obstétri-ca esteve presente em iniciativas como ascapacitações para o atendimento a mulheres víti-mas de violência, como nos cursos promovidos apartir de 1993 pelo Coletivo Feminista Sexualidadee Saúde e pelo Departamento de Medicina Preven-tiva da USP. A partir deste projeto, foi publicadoum pequeno manual sobre o tema.23

Já neste século, numerosos estudos no paísdocumentam como são frequentes as atitudesdiscriminatórias e desumanas na assistência aoparto, nos setores privado e público.24–29 O interes-se acadêmico se ampliou e a produção dos últimosanos inclui pesquisas sobre a formação dos profis-sionais e, mais recentemente, dados de basepopulacional, como a pesquisa de Venturi e cola-boradores.24 Este último trabalho, a segunda roda-da da pesquisa nacional “Mulheres brasileiras egênero nos espaços público e privado”, contribuiude forma inédita para a visibilidade do tema da vi-olência obstétrica, despertando surpreendente in-teresse da grande mídia. Segundo o estudo, cerca

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de um quarto das mulheres que haviam passadopelo parto relatou alguma forma de violência naassistência, o que também foi referido por cerca dametade daquelas que passaram por um aborto.

São evidências mais do que eloquentes quan-to à magnitude e importância do tema na saúdematerna e na saúde pública brasileira.

Definições e termos acerca da violênciaobstétrica

No Brasil, como em outros países da Améri-ca Latina, o termo “violência obstétrica” é utilizadopara descrever as diversas formas de violência ocor-ridas na assistência à gravidez, ao parto, ao pós-parto e ao abortamento. Outros descritores tam-bém são usados para o mesmo fenômeno, como:violência de gênero no parto e aborto, violência noparto, abuso obstétrico, violência institucional degênero no parto e aborto,30 desrespeito e abuso,31

crueldade no parto,15 assistência desumana/desumanizada, violações dos Direitos Humanos dasmulheres no parto,20,32,33 abusos, desrespeito emaus-tratos durante o parto,13 entre outros.

Em 1993, a Rede pela Humanização do Partoe do Nascimento (ReHuNa) em sua carta de funda-ção, parte do reconhecimento das “circunstânciasda violência e constrangimento em que se dá a as-sistência”.32 No entanto, a organizaçãodeliberadamente decidiu não falar abertamentesobre violência, favorecendo termos como“humanização do parto”, “a promoção dos direitos

humanos das mulheres”, temendo uma reação hostildos profissionais sob a acusação de violência.32

Um conjunto de definições de violênciaobstétrica tem sido proposto, sendo a daVenezuela,34a pioneira em tipificar esta forma deviolência:

Entende-se por violência obstétrica a apro-priação do corpo e dos processos reprodutivosdas mulheres por profissional de saúde quese expresse por meio de relaçõesdesumanizadoras, de abuso de medicalizaçãoe de patologização dos processos naturais,resultando em perda de autonomia e capaci-dade de decidir livremente sobre seu corpo esexualidade, impactando negativamente naqualidade de vida das mulheres.35 (p. 30).

Nos últimos anos, diversos autores propuse-ram tipificações e classificações sobre a violênciaobstétrica, inclusive a OMS,13 mais recentemente.Entre diversas tipificações da violência obstétrica,a síntese de Bowser e Hill31sobre as formas de abu-so e desrespeito tem se mostrado bastanteexplicativa, enumerando as principais categoriasverificáveis nas instituições de saúde.

Tesser et al.,36 em 2015, sintetizaram as ca-tegorias de desrespeito associando-as aos direitoscorrespondentes, com base em um ponto de vistajurídico e social, e com exemplos concretos da rea-lidade brasileira, conforme o Quadro.

Categorias dedesrespeito e abuso

Abuso físico

Imposição de interven-ções não consentidas;intervenções aceitascom base em informa-ções parciais ou distorci-das

Cuidado não confiden-cial ou não privativo

Cuidado indigno e abu-so verbal

Discriminação baseadaem certos atributos

Abandono, negligênciaou recusa de assistência

Detenção nos serviços

Direitoscorrespondentes

Direito a estar livre de danose maus tratos

Direito à informação, aoconsentimento informado e àrecusa; direito a ter escolhase preferências respeitadas,incluindo a escolha de acom-panhantes durante o aten-dimento

Direito à confidencialidade eprivacidade

Direito à dignidade e ao res-peito

Direito à igualdade, à não dis-criminação e à equidade daatenção

Direito ao cuidado à saúde emtempo oportuno e ao mais altonível possível de saúde

Direito à liberdade e à auto-nomia

Exemplos de situações de violênciaobstétrica

Procedimentos sem justificativa clínica e intervenções “didáticas”, comotoques vaginais dolorosos e repetitivos, cesáreas e episiotomias desne-cessárias, imobilização física em posições dolorosas, prática da episiotomiae outras intervenções sem anestesia, sob a crença de que a paciente “jáestá sentindo dor mesmo”

Realização da episiotomia em mulheres que verbalmente ou por escritonão autorizaram essa intervenção; desrespeito ou desconsideração doplano de parto; indução à cesárea por motivos duvidosos, tais comosuperestimação dos riscos para o bebê (circular de cordão, “pós-datismo”na 40asemana, etc.) ou para a mãe (cesárea para “prevenir danos sexu-ais”, etc.); não informação dos danos potenciais de longo prazo para osnascidos por cesariana (aumento de doenças crônicas, entre outros)

Maternidades que mantêm enfermarias de trabalho de parto coletivas,muitas vezes sem um biombo separando os leitos, e que ainda alegamfalta de privacidade para justificar o desrespeito ao direito a acompa-nhante

Formas de comunicação desrespeitosas com as mulheres, subestimandoe ridicularizando sua dor, desmoralizando seus pedidos de ajuda; humi-lhações de caráter sexual, do tipo “quando você fez você achou bom,agora está aí chorando”

Tratamento diferencial com base em atributos considerados positivos(casada, com gravidez planejada, adulta, branca, mais escolarizada, declasse média, saudável, etc.), depreciando as que têm atributos consi-derados negativos (pobre, não escolarizada, mais jovem, negra) e asque questionam ordens médicas

Abandono, negligência ou recusa de assistência às mulheres que sãopercebidas como muito queixosas, “descompensadas” ou demandantes,e nos casos de aborto incompleto, demora proposital no atendimento aessas mulheres, com riscos importantes a sua segurança física

Pacientes podem ficar retidas até que saldem as dívidas com os servi-ços; no Brasil e em outros países, surgem relatos de detenções policiaisde parturientes

Fonte: Adaptado de Tesser et al36(2015).

Quadro: Categorias de desrespeito e abuso, direitos correspondentes e exemplos de situações de violên-cia obstétrica

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Causas da violência obstétrica: o papel da for-mação dos profissionais de saúde e da orga-nização dos serviços

A formação dos profissionais de saúde, emespecial dos médicos, tem papel estruturante nodesenho atual da assistência e na resistência àmudança. Enquanto as melhores evidências sãoatualizadas e divulgadas rapidamente em publica-ções eletrônicas, disponíveis via Internet, a maio-ria dos cursos de medicina tem sua bibliografiabaseada em livros desatualizados,37 com raras ori-entações aos estudantes sobre como buscar, avali-ar e revisar os estudos disponíveis a respeito deum determinado tema. Isso significa que osformandos têm limitado seu conhecimento sobre aprática baseada em evidência, muitas vezes tra-tando as melhores práticas, baseadas em evidên-cias, como questões “de opinião”, “de filosofia”, enão como o padrão-ouro da assistência.

Hotimsky37 afirma que a prática médica é,muitas vezes, apreendida de forma descolada doseu balizamento ético e com a priorização de com-petências em detrimento de valores como ocuidado.Descreve situações em que mulheres sãoobjetificadas em prol do treinamento de internos,como em casos em que há negociação entre estu-dante e residente para a realização de umaepisiotomia para fins de treino sem o consentimentoda paciente. Tal compreensão está tão arraigadanos serviços que, ao comentar a prática dos resi-dentes, uma profissional entrevistada no trabalhode Diniz32declara: “Eles têm que aprender, as mu-lheres são o material didático deles” (p.102).

Estes estudos mostram que as mulheres sãoescolhidas para o treinamento de procedimentoscomo episiotomia, fórceps ou até mesmo cesaria-nas conforme o ordenamento hierárquico do valorsocial das pacientes”32,36 evidenciando a existênciade uma hierarquia sexual, de modo que quanto maiora vulnerabilidade da mulher, mais rude e humilhan-te tende a ser o tratamento oferecido a ela.38 Assim,mulheres pobres, negras, adolescentes, sem pré-natal ou sem acompanhante, prostitutas, usuáriasde drogas, vivendo em situação de rua ouencarceramento estão mais sujeitas a negligência eomissão de socorro. A banalização da violência con-tra as usuárias relaciona-se com estereótipos degênero presentes na formação dos profissionais desaúde e na organização dos serviços. As frequentesviolações dos direitos humanos e reprodutivos dasmulheres são, desse modo, incorporadas como par-te de rotinas e sequer causam estranhamento.32

Segundo Rego et al., (2008) no ensino médi-co, os doentes tendem a ser desumanizados, anu-lados em sua identidade e transformados em umnúmero da ficha hospitalar, em um caso a ser estu-dado, diagnosticado e tratado.39Estudos sobre oensino das profissões de saúde mostram que essacrítica, no entanto, não se restringe à obstetrícia,nem mesmo apenas à medicina, aplicando-se, emvariadas intensidades, a outras profissões de saú-de. O conjunto da educação dos profissionais temsido alvo de críticas pela dificuldade de prepará-loscom formação humanista. Assim, a relação deixade ser entre humanos e passa a ser uma relaçãosujeito-objeto, do médico com a doença.39

Implicações da violência obstétrica para amorbidade e mortalidade maternas

A mortalidade materna constitui um impor-tante problema social e de saúde pública e refletediretamente a qualidade assistencial. De acordo coma OMS/UNICEF,40

A mortalidade materna representa um indi-cador do status da mulher, seu acesso à as-sistência à saúde e a adequação do sistemade assistência à saúde em responder às suasnecessidades. É preciso, portanto, ter infor-mações sobre níveis e tendências da morta-lidade materna, não somente pelo que elaestima sobre os riscos na gravidez e no par-to mas também pelo que significa sobre asaúde, em geral, da mulher e, por extensão,seu status social e econômico. (p. 481)

A violência obstétrica tem implicações sobrea morbimortalidade materna das seguintes formas:

(1) No risco adicional associado aos eventosadversos do manejo agressivo do parto vaginal.Existem danos associados ao uso inapropriado eexcessivo (muitas vezes também não informado enão consentido) de intervenções invasivas e poten-cialmente danosas no parto vaginal, como o recur-so não regulado de ocitocina para indução ou ace-leração do parto, manobra de kristeller, fórceps,episiotomia, entre outras. Estas intervenções temocorrência muito acima da justificável por indica-ções clínicas, como amplamente documentado emestudos nacionais;4142

(2) No parto manejado agressivamente comoconstrangimento à cesárea, aumentando a suaocorrência e riscos decorrentes. A violência noparto vaginal funciona como forma de constrangi-mento ou coerção à cesárea,43 quando as opçõesdisponíveis às mulheres se resumem a esta cirur-gia ou a um parto vaginal manejado agressiva-mente,44 não raramente com a negativa de qual-quer forma de anestesia. Como dizem osmovimentos sociais, “chega de parto violento paravender cesárea”.45 Conforme César Victora,46 23%das mortes maternas no Brasil podem ser atribu-ídas apenas ao aumento nas taxas de cesárea ocor-rido desde o ano 2000;

(3) Na negligência em atender mulheres queexpressam seu sofrimento (com choro, gritos, ge-midos) ou que pedem ajuda de modo insistente.Existe uma cultura disseminada nos serviços deque a mulher que chora ou grita recebe pior assis-tência, sobretudo aquelas consideradas “descom-pensadas” ou malcomportadas, ou,ou ainda aque-las que expressam qualquer desagrado com aassistência, ou insistem em ser atendidas com ur-gência.4 A demora em responder a estas deman-das é associada a riscos aumentados demorbi-mor-talidade materna;47

(4) Na hostilidade contra profissionais e mu-lheres considerados dissidentes do modelohegemônico de assistência. Nos casos de transfe-rência de uma casa de parto ou de um parto domi-ciliar, os abusos verbais e as demoras no atendi-mento tendem a ser maiores. Estes casos sãoexemplo do que tem sido chamado de “hostilidade

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interprofissional” em estudos realizados em outrospaíses,48e constitui uma ameaça importante à se-gurança das pacientes;

(5) Na hostilidade, negligência e retardo doatendimento às mulheres em situação deabortamento: quando as equipes identificam ousupõem que o aborto tenha sido provocado, mui-tas vezes negam atendimento ou demoram arealizá-lo. A indisponibilidade de serviços que rea-lizam aborto nas situações em que é previsto porlei também tem grande impacto na morbi-mortali-dade materna, pois pode levar muitas mulheres àprática de aborto inseguro;24

(6) No impedimento à presença de um acom-panhante: A maioria das mortes maternas ocorredurante o parto e no pós-parto (Kassebaum et al.49

(2014) e, paradoxalmente, a mulher encontra-sedentro de uma instituição de saúde na quase tota-lidade dos casos.A negativa da presença de acom-panhantes é uma ameaça à segurança das mulhe-res, pois eles poderiam sinalizar de forma enfáticaaos profissionais que o estado clínico da pacientese deteriorou.47Ainda que possa ser a diferençaentre a vida e a morte e seja assegurado por lei,esse direito muitas vezes não é respeitado.

Síntese conclusiva: como identificar, prevenire mitigar a violência obstétrica?

Com base no que foi exposto, apresentam-se a seguir propostas de superação deste quadro.

- Intervenções na formação dos recursos hu-manos durante a graduação e a especiali-zação e na formação continuada

1.Incluir os direitos das mulheres e os direi-tos sexuais e reprodutivos nas disciplinas de gra-duação em saúde (medicina, enfermagem, obste-trícia, psicologia, entre outros), desde aquelesprevistos no código de ética médica, como a auto-nomia e a escolha informada, até os direitos recen-tes assegurados pelo SUS, como o direito a acom-panhantes na internação. Os direitos dosprofissionais e das pacientes, suas violações e comopreveni-las devem ser contemplados nas provas deresidência e no ensino de pós-graduação, nas vári-as formas de especialização.50

2. Investir na formação de obstetrizes e en-fermeiras obstetras, ou seja, em especialistas emparto fisiológico.51 Não é razoável esperar que a as-sistência ao parto deixe de ser eminentemente mé-dico-cirúrgica, se mais de 90% dos nascimentos noBrasil são assistidos por um médico com formaçãoem cirurgia. Esse profissional deve ser valorizadopor sua capacidade de fazer diagnósticos e prescri-ções médicas ou cirúrgicas nos casos que deles ne-cessitam (a minoria), de modo que a maioria doscasos seja conduzida por profissionais treinadas paraa atenção ao parto fisiológico52. A experiência docurso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências eHumanidades da USP pode ser um excelente pontode partida para a replicação em todo o país53.

3. Ensinar a assistência fisiológica e modifi-car as rotinas e as ambiências de ensino, com ên-fase em Centros de Parto Normal-escola. Rever oconteúdo curricular de todas as profissões de saú-de para que o ensino prático não seja, como hoje,

baseado na exposição dos alunos a intervençõessem base em evidências científicas de sua segu-rança e efetividade (por exemplo, mulheres compartos liberalmente acelerados com ocitocina, emposição de litotomia, com o uso desregulado deepisiotomia e fórceps, muito frequentemente semacompanhantes), e na ausência de reflexão críticasobre as intervenções, em sala de aula. Promovero ensino da neuroendocrinologia do parto, do seudesenrolar fisiológico e sua facilitação, e da a pro-moção do conforto materno, o que exige igualmenteuma mudança da ambiência da assistência, combi-nada com o ensino teórico e prático, assim como oensino de evidências em saúde.54

- Intervenções voltadas a informar e a forta-lecer a autonomia de usuárias e famílias

1. Fornecer informações sobre assistência aoparto para as usuárias como rotina do pré-natal,de modo que o conteúdo possa ser explorado comcalma nos meses em que a gravidez se desenvol-ve. As atividades educativas devem fazer parte darotina de pré-natal e não devem ser tratadas comoalgo secundário, mas sim essencial para a promo-ção da saúde. O uso de planos de parto deve serestimulado como recurso educativo, conforme pro-posto por Tesser et al.36

2. Garantir o direito a acompanhantes: to-das as mulheres devem ser informadas, no decor-rer do pré-natal, sobre o seu direito a acompanhan-tes durante toda a internação para o parto, daadmissão até a alta, passando pelo trabalho departo, parto e recuperação cirúrgica e/ouanestésica, bem como nos casos de aborto e deoutras complicações, como gestação ectópica egestação molar. Essa informação deve ser fornecidacom antecedência e clareza suficientes para que amulher e a família possam fazer os arranjos neces-sários para garantir a escolha e a participação doacompanhante.55

- Visibilização e responsabilização1. Visibilizar o problema e responsabilizar ato-

res: várias instituições, como o Ministério Público,têm assumido a responsabilidade de enfrentar acultura de desconhecimento dos direitos das mu-lheres nos serviços, compilando denúncias e con-vocando os responsáveis pelos serviços e pelo en-sino para um diálogo sobre as mudançasnecessárias. Tais iniciativas, provocadas por movi-mentos de mulheres, foram decisivas para promo-ver um clima de reconhecimento dos direitos, atéentão inédito na sociedade brasileira, repercutindoem políticas públicas, como na ação contra a Agên-cia Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobreregulação das taxas de cesárea a partir de 2015.6,56

2. Fomentar pesquisas e o desenvolvimentode indicadores de violência obstétrica: nos últimosanos, pesquisas primárias e revisões desses estu-dos têm mostrado a relevância, a urgência e aslacunas no conhecimento de tema tão emergente.Um dos desafios atuais consiste em desenvolverindicadores para o estudo da incidência da violên-cia obstétrica, assim como recursos para amensuração do efeito de intervenções para a suaprevenção. Estas medidas devem incluir o

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monitoramento da mudança das práticas, das roti-nas e ambiências.14

3. Divulgar a Central de Atendimento à Mu-lher – Disque 180 e capacitá-la para receber de-núncias de violência obstétrica: casos de violaçãodos direitos das mulheres na assistência ao pré-natal, parto, pós-parto e abortamento devem serencaminhados também à ouvidoria do serviço e doSUS, e mesmo ao Ministério Público.

4. Incluir a assistência ao abortamento e oacesso a aborto seguro na pauta de prioridades: oenfoque materno-infantil das atuais políticas volta-das para a saúde das mulheres invisibiliza a preca-riedade e violência da assistência nas situações deabortamento e também as dificuldades de acessoà interrupção da gravidez, mesmo nas situaçõesem que ela está prevista por lei. A falta de serviçosque funcionem efetivamente e o uso de técnicasagressivas como a curetagem – que deveria sersubstituída pela aspiração manual intrauterina(Amiu) – constituem situações graves de violênciaobstétrica amplamente disseminadas pelo país eque necessitam de intervenção imediata.57

5. Implementar o Fórum Perinatal, comregulação e controle social: essa estratégia temcomo um de seus objetivos promover o diálogoentre os atores envolvidos na assistência perinatal,incluindo os gestores do SUS e do setor suplemen-tar, os profissionais diretamente ligados à assis-

tência, usuárias e grupos organizados, representa-ções do controle social, aparelho formador, univer-sidade, pesquisadores, Ministérios Públicos,Defensorias Públicas, conselhos profissionais, en-tre outros. A criação do Fórum Perinatal é uma vi-tória, diante da grande resistência ao diálogo e àmudança, e sua implementação e seu fortalecimen-to como arena de debate e de estabelecimento depactos têm se mostrado muito potentes na produ-ção de mudanças.58

De acordo com o que foi exposto, verifica-seque a violência obstétrica constitui um problemade saúde pública complexo e multifatorial, de cres-cente importância e potencial explicativo, e de gran-de repercussão sobre a saúde de mães e nascidos.A prevenção e a superação desta forma de violên-cia demanda o engajamento de todos os envolvi-dos com a assistência, por exigir a necessária co-ragem para a incorporação de abordagensinovadoras, tanto quanto à melhores evidências desegurança dos pacientes, quanto da promoção dosseus direitos nas ações de saúde.

Declaração de responsabilidadesHouve participação efetiva de todas as auto-

ras relacionadas no trabalho. A versão final domanuscrito foi aprovada por todas as autoras. Nãohá qualquer conflito de interesse das autoras emrelação a este manuscrito.

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Abstract

Disrespect and abuse (in Brazil called obstetric violence), described by different terms, is increasinglyused in social activism, in academic research and public policy formulation, and was recently recognizedas a public health issue by the World Health Organization. As an innovative theme, it requires amapping its origins, definitions, typology, impacts on maternal health and proposals for its preventingand remedy. We present a critical-narrative review about this issue, including academic literature,productions of social movements and institutional documents, in Brazil and internationally. After ashort historical overview, we map the definitions and types of violence. The complex causation ofthese forms of violence is discussed, including the role of professional training, the organization ofhealth services, and the implications for maternal morbidity and mortality. Finally we presentinterventions in public health that have been used or proposed to prevent and mitigate obstetricviolence, and an agenda for innovation and research in this area.

Keywords: humanized birth, abuse and disrespect, violence against women, gender and health,human rights, patients rights, patient safety.