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2021 Rogério Sanches Cunha Ronaldo Batista Pinto VIOLÊNCIA DOMÉSTICA LEI MARIA DA PENHA – 11.340/2006 Comentada artigo por artigo revista ampliada atualizada 10 a edição

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

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Rogério Sanches Cunha

Ronaldo Batista Pinto

VIOLÊNCIA DOMÉSTICALei Maria da Penha – 11.340/2006

Comentada artigo por artigo

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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – Rogério Sanches Cunha • Ronaldo Batista PintoArt. 18

Capítulo II

Das medidas protetivas de urgência

Seção I

Disposições gerais

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:I – conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II – determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para o ajuiza-mento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente; [1] (Redação dada pela Lei nº 13.894, de 2019)

III – comunicar ao Ministério Público para que adote as provi-dências cabíveis;

IV – determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor. [2] (Incluído pela Lei nº 13.880, de 2019)

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser con-cedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público [3] ou a pedido da ofendida.

§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser pronta-mente comunicado [4].

§ 2º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público [5-6-7-8].

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2. COMENTÁRIOS À LEI 11.340/2006 – ARTIGO POR ARTIGO Art. 19

[1] ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

A Lei 13.894/19 passa a estabelecer uma espécie de assistência ju-rídica que possibilite à vítima de violência doméstica e familiar adotar imediatamente as providências para se separar, dissolver ou anular o vínculo matrimonial ou dissolver a união estável. A intenção de pos-sibilitar que a assistência seja imediata se extrai da simples leitura do art. 18, II, que anuncia o dever de o juiz determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso, in-clusive para o ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente.

A Lei 13.894/19 também altera a disciplina do atendimento pela autoridade policial, que passa a ser obrigada a informar a vítima acerca dos direitos de assistência judiciária para o eventual ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável (art. 11, inc. V, da Lei 11.340/06).

O propósito do legislador não é outro senão evitar que a vítima seja obrigada a adotar providências adicionais para romper o vínculo pessoal com o agressor. Com o novo procedimento, a própria comunicação da violência, além de garantir as medidas protetivas necessárias para res-guardar a integridade física e psicológica da vítima, pode dar ensejo às primeiras providências para a separação do casal, evitando que a mulher que sofreu a violência tenha que fazê-lo em procedimento apartado.

Sobre o direito de opção quanto ao juízo competente para processar a ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável, ver nossos comentários ao art. 14-A.

[2] APREENSÃO IMEDIATA DE ARMA DE FOGO SOB A POSSE DO AGRESSOR

Em seu art. 12, a Lei 11.340/06 disciplina as medidas que a autoridade policial deve adotar em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. São medidas preliminares que possibilitam à autoridade reunir elementos que possam demonstrar os indícios de crime e que justifiquem a tomada de outras providências, como a concessão de medidas protetivas de urgência.

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Uma dessas medidas é a identificação do agressor e a juntada de folha de antecedentes criminais que indiquem a existência de mandado de prisão e o registro de outras ocorrências policiais contra ele. Pois no ensejo dessas pesquisas, a Lei 13.880/19 inseriu no art. 12 o inciso VII-A, que impõe à autoridade policial a obrigação de verificar se há em nome do agressor registro de posse ou porte de arma de fogo, e, em caso positivo, juntar aos autos essa informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte.

Desta forma, uma vez praticada uma infração penal que se insira no conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher, além das medidas de praxe para viabilizar a investigação a autoridade policial deve pesquisar a existência de registro de arma de fogo em nome do agressor e, uma vez identificado o registro, a mesma autoridade deve notificar a Polícia Federal, que, nos termos do art. 5º, § 1º, da Lei 10.826/03 é o órgão competente para a expedição tanto do registro da arma quanto da autorização para o porte.

Uma vez juntada a informação a respeito do registro da arma e adotadas as demais medidas cabíveis na forma do art. 12, os autos são remetidos ao juiz, que, conforme dispõe o novo inciso IV do art. 18 – também inserido pela Lei 13.880/19 – deve determinar a apreensão imediata de arma de fogo que estiver sob a posse do agressor. Não é, portanto, a autoridade policial a legitimada para determinar a apreen-são; a ela cabe apenas adotar as providências iniciais para apurar se existe o registro.

Note-se que a medida não é exatamente uma novidade, mas sim uma forma de conferir maior efetividade a algo já presente na reda-ção original da Lei 11.340/06. Isto porque o art. 22, que dispõe sobre as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, traz já no inciso I a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com co-municação ao órgão competente. O que a Lei 13.880/19 permite é que, no mesmo expediente em que a ofendida requer a medida protetiva, o juiz determine simultaneamente a apreensão da arma.

Pressupõe-se que as restrições aqui mencionadas se refiram a uma arma regular, ou seja, devidamente registrada e com autorização para porte, se for o caso. Isto porque se a arma for ilegal a situação do agressor se agrava e sua conduta, a partir daí, passa a configurar

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um dos delitos tipificados nos arts. 12, 14 ou 16 da Lei 10.826/03. E mais, nesses casos, a arma apreendida deverá ser destruída, conforme dispõe o art. 25,  caput, do Estatuto do Desarmamento.

[3] INICIATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

` V. art. 12, item 4.

[4] URGÊNCIA NA CONCESSÃO DAS MEDIDAS

As medidas consideradas de urgência, tratadas neste capítulo, po-dem ser concedidas de ofício ou mediante provocação do Ministério Público ou da ofendida, prescindindo, inclusive, do acompanhamento de advogado.

É o que se infere da análise deste dispositivo juntamente com o art. 27 da lei. Com efeito, o art. 27 torna obrigatória a assistência de advogado (aqui incluído, por óbvio, o defensor público, nos termos do art. 28), mas faz uma ressalva, exatamente, quanto ao art. 19.

Vale dizer, dada à urgência da situação, a exigir, como tal, a adoção de medidas imediatas de proteção à vítima, pode ela mesma se dirigir à presença do magistrado, postulando por seus direitos. Parece salutar que, uma vez passada a situação de urgência, se torne à regra geral do art. 27, nomeando-se advogado para acompanhamento da mulher vitimada.

[5] TRANSITORIEDADE DAS MEDIDAS

O legislador permite que as medidas sejam aplicadas isoladamente (apenas uma dentre as previstas em lei), ou de forma cumulativa, o que geralmente ocorre. Forte no brocardo do rebus sic stantibus, alte-rando-se a situação de fato, pode o juiz, a qualquer tempo, conceder novas medidas ou alterar aquelas que, de início, haviam sido adotadas.

[6] POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÃO DO PEDIDO NO CÍVEL

Conforme o teor da Conclusão 5, do Congresso que versou o tema “Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) – Um Ano de Vigência. Avanços e retrocessos, sob o ponto de vista prático, na opinião dos operadores do Direito”, realizado no dia 12 de dezembro de 2007, pelas Corregedoria

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Geral da Justiça e Presidência do TJSP, “é possível a reapreciação, pelo juízo cível, de pedido de medida protetiva anteriormente negado pelo juízo criminal”.

[7] POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDA PROTETIVA PELA AUTORIDADE POLICIAL E POLICIAIS

` V. art. 12-C.

[8] A COMPETÊNCIA PARA O AJUIZAMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS E O JUIZ DAS GARANTIAS LEI 13964/19 (LEI ANTICRIME)

` V. comentários no artigo 14, item 8

JURISPRUDÊNCIA

• Acordo no âmbito cível não prejudica prosseguimento da ação penal

“Embargos de declaração com efeitos infringentes em habeas corpus. Omissão inexistente. Ação cautelar de medidas protetivas. Acordo entre ofensor e ofen-dida. Não obsta prosseguimento ação penal. Coação ilegal não caracterizada. Embargos improcedentes. O acordo celebrado entre ofensor e ofendida no âmbito da ação cautelar de medidas protetivas, não obsta o prosseguimento da ação penal, na apuração do crime de lesão corporal de violência domés-tica e familiar contra a mulher, por ser a ação pública incondicionada, por essa razão, o prosseguimento da mesma não configura coação ilegal. E se a questão foi discutida e julgada, não há que se falar em omissão a ser suprida por meio de embargos de declaração” (TJMT, EDcl com efeitos infringentes em HC 757.39/2007, rel. Juvenal Pereira da Silva).

• Não caducidade das medidas protetivasConforme o teor da Conclusão 1, do Congresso que versou o tema “Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) – Um ano de vigência. Avanços e retro-cessos, sob o ponto de vista prático, na opinião dos operadores do Direito”, realizado no dia 12 de dezembro de 2007, pela Corregedoria Geral da Justiça e Presidência do TJSP (texto integral no anexo): “Não caducam em 30 (trinta) dias as medidas protetivas de urgência, aplicadas pelo juízo criminal, mesmo que não seja ajuizada ação na esfera cível que a assegure”.

• Competência para execução das medidas protetivas

Nesse sentido, a Conclusão 2, do Congresso que versou o tema “Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) – Um ano de vigência. Avanços e retrocessos, sob o ponto de vista prático, na opinião dos operadores do Direito”, realizado no dia 12 de dezembro de 2007, pela Corregedoria Geral da Justiça e Presidência do TJSP (texto integral no anexo): “São da competência do juízo criminal as medidas protetivas de natureza satisfativa”.

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2. COMENTÁRIOS À LEI 11.340/2006 – ARTIGO POR ARTIGO Art. 20

• Possibilidade de renovação no cível de pedido de medida protetiva negado pelo juízo criminal

Conforme o teor da Conclusão 5, do Congresso que versou o tema “Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) – Um Ano de Vigência. Avanços e retro-cessos, sob o ponto de vista prático, na opinião dos operadores do Direito”, realizado no dia 12 de dezembro de 2.007, pelas Corregedoria Geral da Justiça e Presidência do TJSP (texto integral no anexo): “É possível a reapreciação, pelo juízo cível, de pedido de medida protetiva anteriormente negado pelo juízo criminal”.

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial [1-3].

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem [4-6].

` V. comentários ao art. 42 da lei.

[1] PRISÃO PREVENTIVA

O inciso III do artigo 313 do CPP, incluído pela Lei 12.403/11, autoriza a decretação da prisão preventiva ao agressor, “se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, ado-lescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”.

Diz o art. 20 em comento que o juiz pode decretar a prisão preventiva de ofício, pouco importando a fase da persecução penal (inquérito policial ou instrução criminal).

Contudo, o CPP tem sido objeto de repetidas alterações, todas com a nítida missão de condicionar a atuação do magistrado à prévia provocação das partes ou da autoridade policial. Vejamos.

No ano de 2011, a Lei 12.403 deu nova redação ao art. 311 do CPP, advertindo que “Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício,

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se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”. Durante o curso do inquérito policial, portanto, não mais se admitia que o juiz, ex officio, decretasse a medida extrema, dependendo de provocação da autoridade policial (mediante representação) ou do Ministério Público (por meio de requerimento).

No ano de 2019, a Lei 13.964 altera novamente o art. 311 do CPP, proibindo o juiz agir de ofício em qualquer fase da persecução penal: “Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da au-toridade policial”.

Sendo assim, cremos que essa limitação introduzida no Código de Processo Penal tem incidência na Lei Maria da Penha, especificamente na primeira parte do art. 20, que concede ao juiz a possibilidade de decretação da prisão preventiva de ofício, em qualquer fase da perse-cução. Não há mais, assim, essa possibilidade, em posicionamento que, de resto, revela-se mais atento ao princípio acusatório, a evitar que o juiz adote medidas de cunho persecutório. Afinal, como lembra Aury Lopes Júnior, “são logicamente incompatíveis as funções de investigar e ao mesmo tempo garantir o respeito aos direitos do imputado. São atividades que não podem ficar nas mãos de uma mesma pessoa, sob pena de comprometer a eficácia das garantias individuais do sujeito passivo e a própria credibilidade da administração de justiça. (...) Em definitivo, não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigador eficiente e, ao mesmo tempo, em um guardião zeloso da segurança individual. É inegável que ‘o bom inquisidor mata o bom juiz ou, ao contrário, o bom juiz desterra o inquisidor’” (Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 74).

Haverá, decerto, quem invoque o princípio da especialidade como argumento para a manutenção do dispositivo em análise, a despeito da limitação introduzida pelas Leis 12.403/11 e 13.964/19. Por esse prin-cípio, a norma mais específica é aplicada em detrimento da norma de caráter geral. Ou, em outras palavras, surgindo um aparente conflito de normas, exatamente por ser específica, deve prevalecer a lex specialis,

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sobre a lei geral, que abrange um todo. Nesse sentido, destacamos o Enunciado 51 do FONAVID:

“O art. 20 da LMP não foi revogado tacitamente pelas modificações do CPP, ante o princípio da especialidade”.

Ocorre que o art. 20 da Lei Maria da Penha não contém (ou, no ano de sua vigência, não continha) nada de especial em relação ao Código de Processo Penal. Tratava-se, antes, de mera transcrição, quase que completa, do art. 311 do CPP, cuja redação, no ano de criação da Lei Maria da Penha, era a seguinte: “Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decreta-da pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial”. Ora, se a intenção do legislador foi repetir na Lei 11.340/06 a arquitetura geral prevista no CPP, alterada a redação do art. 311 do Código, tem--se, por consequência lógica, que essa mudança deva incidir também sobre o dispositivo em análise, para se concluir que não mais é dada ao juiz, a possibilidade de decretação, de ofício, da prisão preventiva do agressor. A reforçar esse entendimento, lembremos do disposto no art. 13 da lei em estudo, a determinar que “ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil (...)”.

JURISPRUDÊNCIA

• Prisão preventiva à luz da Lei 12.403, de 4 de maio de 2011

“Nos termos do inc. IV do art. 313 do CPP, com a redação dada pela Lei 11.340/2006, a prisão preventiva do acusado poderá ser decretada “se o cri-me envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”. Evidenciado que o paciente, mesmo após cientificado das medidas protetivas de urgência impostas, ainda assim voltou a ameaçar a vítima, demonstrada está a imprescindibilidade da sua custódia cautelar, especialmente a bem da garantia da ordem pública, dada a necessidade de resguardar-se a integrida-de física e psíquica da ofendida, fazendo cessar a reiteração delitiva, que no caso não é mera presunção, mas risco concreto, e também para assegurar o cumprimento das medidas protetivas de urgência deferidas. Custódia cautelar. Incidência da Lei 12.403/2011. Impossibilidade. Descumprimento das medidas pro-tetivas. Inviável a aplicação do referido benefício, tendo em vista se tratar de

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crime contra a mulher e, ainda, o contínuo descumprimento pelo denunciado das medidas protetivas de distanciamento e incomunicabilidade impostas pelo juízo singular, observando-se a nova redação do art. 313 do Código de Processo Penal, dada pela Lei 12.403/2011” (STJ, HC 230940/MG, j. 08.05.2012, rel. Min. Jorge Mussi, DJe 14.05.2012).

“A Lei 11.340/2006 introduziu, na sistemática processual penal relativa às prisões cautelares, mais uma hipótese autorizadora de prisão preventiva, ao estabelecer, no art. 313, IV, do CPP, a possibilidade desta segregação cautelar para garantir a eficácia das medidas protetivas de urgência. Na espécie, diante da notícia de que o ora Paciente, mesmo após cientificado, na delegacia, do inquérito instaurado para apurar a ocorrência de violência doméstica, fez novas amea-ças de morte contra a vítima e causou-lhe lesões corporais, acertada, pois, a decretação de sua custódia preventiva” (STJ, HC 165075/DF, j. 22.03.2011, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 06.03.2012).

[2] CONSTITUCIONALIDADE

Como salientado acima, a lei em estudo inovou no sentido de admitir a prisão preventiva para outra hipótese além daquelas relacio-nadas no art. 313 do CPP.

Assim, por exemplo, perpetrado um delito de lesão corporal leve contra a mulher, nos moldes expostos pelo estatuto em exame, pode seu autor ter decretada a prisão preventiva, embora esse crime seja apenado com pena de detenção (art. 44 da Lei). De forma que, essa espécie de prisão provisória, que na redação anterior do art. 313 do CPP, praticamente não existia para os crimes apenados com detenção (a menos que fosse o réu vadio ou pairasse dúvida quanto à sua iden-tidade, hipóteses raríssimas de se verificarem ou se, antes, tivesse sido condenado pela prática de crime doloso), ganhou novo fôlego a partir da Lei Maria da Penha.

Essa iniciativa do legislador foi recebida com aplausos pela ainda incipiente doutrina que, à época, se estabeleceu sobre o tema. Nesse sentido as palavras de Eduardo Luiz Santos Cabette: “O dispositivo é providencial, constituindo-se em um utilíssimo instrumento para tornar efetivas as medidas de proteção preconizadas pela novel legislação. Não houvesse essa modificação, a maioria dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher ficaria privada do instrumento coercivo da prisão preventiva por ausência de sustentação nos motivos elencados

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no art. 312, CPP, tradicionalmente e nos casos de cabimento arrolados no art. 313, CPP”.110

Arremata o autor que “a utilidade dessa inovação é cristalina. Basta, para exemplificar, destacar a inocuidade da medida protetiva de urgência de proibição ao agressor de aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando um limite mínimo de distância entre estes e o agressor (art. 22, III, a, da Lei 11.340/2006). Tal deter-minação judicial desprovida de um instrumento coercitivo rigoroso não passaria de formalidade estéril a desacreditar a própria Justiça”.111

Compartilhamos desse entusiasmo, mas, no entanto, recomendamos cautela na abordagem do tema.

Primeiro, porque não basta, para a decretação da medida de ex-ceção, que o crime tenha sido perpetrado contra a mulher, no âmbito doméstico ou familiar. É preciso que, além disso, estejam presentes, também, os pressupostos e fundamentos justificadores da prisão pre-ventiva, elencados no art. 312 do CPP, de início, se exigirá a presença de prova da existência do crime e indício de sua autoria, a configurar o fumus boni iuris.

Além disso, a fim de completar o binômio clássico que inspira toda e qualquer medida cautelar, é de rigor a demonstração do periculum in mora (ou periculum in libertatis), “previsto nas quatro hipóteses auto-rizadoras da prisão constantes da parte inicial do mencionado artigo, ou seja, prisão para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal”, na lição de Antonio Scarance Fernandes.112

Insistimos, a nova possibilidade que se inaugura para a decretação da prisão preventiva não pode ser interpretada de forma isolada, impon-do, ao revés, que se atente ao preenchimento dos requisitos gerais de toda e qualquer prisão dessa espécie, mencionados no art. 312 do CPP.

Outro dado nos parece fundamental. O art. 42 da lei, que am-pliou a redação do art. 313 do CPP, permitiu a prisão preventiva “para

110. Anotações críticas sobre a lei de violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: [http://jus.com.br/revista/texto/8822/anotacoes-criticas-sobre-a-lei-de-violencia-domestica-e-familiar-contra--a-mulher]. Acesso em: 27.07.2012.

111. Direito processual civil brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. vol. 1, p. 208.112. Processo penal constitucional. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2005. p. 315-316.

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garantir a execução das medidas protetivas de urgência”. Tais medidas protetivas estão previstas nos arts. 18 usque 24 da lei. Ocorre que várias dessas medidas possuem, inequivocamente, caráter civil. Ora, decretar a prisão preventiva do agressor, como forma de garantir a execução de uma medida protetiva de urgência, de índole civil, parece provimento que incorrerá na inevitável pecha de inconstitucionalidade.

Com efeito, se a medida protetiva é de caráter civil, a decretação da prisão preventiva, em um primeiro momento, violará o disposto nos arts. 312 e 313 do CPP, que tratam, por óbvio, da prática de crimes. E, pior, afrontará princípio constitucional esculpido no art. 5.º, LXVII, que autoriza a prisão civil apenas para as hipóteses de dívida de alimentos ou depositário infiel. Tais hipóteses, como é cediço, compõem um rol taxativo que, por importarem em restrição da liberdade, não admitem ampliação. De forma que, ao se imaginar possível a decretação da prisão preventiva para assegurar o cumpri-mento de uma medida de urgência de índole civil, se estaria criando uma nova hipótese de prisão civil, por iniciativa que é vedada ao legislador infraconstitucional.

Para tanto, tomemos o exemplo de Eduardo Luiz Santos Cabette, ao sugerir a decretação da prisão preventiva contra àquele que não respeitar o limite de aproximação da vítima fixado pelo juiz. Caso esse desrespeito venha acompanhado da prática de algum crime (por exemplo, tentativa de feminicídio, incêndio, ameaça etc.), ainda se pode cogitar da decretação da preventiva. Agora, quando analisado individualmente, isto é, quando seja apenas essa a conduta imputada ao agente, parece que a medida de exceção é indevida, sob pena de configurar verdadeira inconstitucionalidade.

Daí concluirmos ser cabível a prisão preventiva quando presentes os requisitos expostos nos arts. 312 e 313 do CPP, dentre eles (princi-palmente), quando a conduta do agente configurar, além de descum-primento de uma medida protetiva, a prática também de um crime. Afora isso, parece inconstitucional a medida.

Insistimos: a prisão preventiva somente é cabível, nos termos do art. 42 da lei, para garantir a execução das medidas protetivas. Pressupõe assim, necessariamente, que medidas protetivas à vítima já tenham sido deferidas e, posteriormente, descumpridas pelo agressor. Em nossa experiência prática, inúmeras vezes recebemos expedientes

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em que o Delegado de Polícia, face a uma agressão, representa pela decretação da prisão preventiva do agente. Em muitos casos, não há qualquer expediente anterior e não se pediu a imposição de qualquer medida de proteção, sendo aquela a primeira notícia que se tem dos fatos. Em uma hipótese dessa, eventual adoção da medida excepcional se reveste de inegável ilegalidade, se não estiverem presentes os requi-sitos que permitem a preventiva em outras hipóteses. Há, portanto, por assim dizer, uma ordem cronológica a ser seguida: primeiro são impostas medidas de proteção e, segundo, caso descumpridas, se de-creta a prisão preventiva. Sua decretação, de plano, sem se observar a primeira cautela, fere o próprio texto legal, como se vê da leitura do art. 42.

Concordarmos, outrossim, com a impressão da Promotora de Justiça de Goiás, Fabiana Lemes Zamalloa do Prado, para quem “a decretação da prisão preventiva como forma de assegurar a eficácia da execução das medidas protetivas de urgência, para ser legítima, deverá, portanto, ser adequada e necessária à consecução do fim co-limado e proporcional ao resultado obtido com a restrição. Se outras providências menos gravosas forem igualmente aptas a assegurar a execução das medidas protetivas de urgência determinadas para a proteção dos direitos fundamentais da mulher vítima da violência doméstica e familiar, a restrição à liberdade do indiciado/acusado será ilegítima e, portanto, inconstitucional. Com base nessas consi-derações, é possível concluir que a prisão preventiva somente poderá ser decretada naquelas situações em que nenhuma outra providência menos gravosa prevista na Lei 11.340/2006 for apta e suficiente para tornar efetivas as medidas de proteção determinadas no curso do inquérito policial ou do processo penal, com menor restrição aos direitos e garantias fundamentais do indiciado/acusado”.113

A par da prisão preventiva, o descumprimento da medida protetiva configura o crime do art. 24-A, delito incluído na Lei 11.340/06 pela Lei 13.641/18. No crime de feminicídio, o descumprimento de deter-minadas medidas protetivas (art. 22, I, II e III) servirá como causa de aumento de pena no delito doloso contra a vida da mulher.

113. A prisão preventiva na Lei Maria da Penha. Disponível em: [www.direitopenalvirtual.com.br/artigos/a--prisao-preventiva-na-lei-maria-da-penha]. Acesso em: 27.07.2012.

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JURISPRUDÊNCIA

• Cabimento da prisão preventiva

“1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça considera idônea a decreta-ção da prisão preventiva fundada no descumprimento de medidas protetivas de urgência, de acordo com o previsto no art. 313, inciso III, do Código de Processo Penal, bem como que, "em casos de violência doméstica, a palavra da vítima tem especial relevância, haja vista que em muitos casos ocorrem em situações de clandestinidade" (AgRg no RHC n. 97.294/MG, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 9/10/2018, DJe 29/10/2018). 2. No caso, foi ressaltado que o Recorrente, mesmo cientificado das medidas protetivas de urgência impostas, insistiu em "perseguir, humilhar e ameaçar a vitima". 3. Demonstrada pelas instâncias ordinárias, com expressa menção à situação concreta, a presença dos pressupostos da prisão preventiva, não se mostra suficiente a aplicação de quaisquer das medidas cautelares alternativas à prisão, elencadas na nova redação do art. 319 do Código de Processo Penal, dada pela Lei n. 12.403/2011. 4. Recurso ordinário desprovido. (RHC n. 117.304/SP, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 28/10/2019) Com essas considerações, não tendo, por ora, como configurado constrangimento ilegal passível de ser afastado mediante o deferimento da liminar ora pretendida, com manifesto caráter satisfativo, indefiro-a. Solicitem-se informações ao Juízo processante, inclusive, sobre a existência de eventual ação penal em curso contra o pa-ciente. (STJ - HC: 550722 DF 2019/0367463-7, Rel. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJ 10/12/2019).

“Evidenciado que o paciente, mesmo após cientificado da ordem judicial que o proibia de aproximar-se de sua ex-companheira e com ela manter qualquer tipo de contato, retornou à sua residência, onde ingressou violentamente, danificou bem lá existente e proferiu ameaças de morte contra a ofendida, resta clara a imprescindibilidade da custódia para acautelar a ordem pública e social. A necessidade de proteger a integridade física e psíquica da vítima e de cessar a reiteração delitiva, que no caso não é mera presunção, mas risco concreto, são indicativas do periculum libertatis exigido para a constrição processual” (STJ, HC 308.510-PR, j. 19.03.2015, rel. Jorge Mussi, DJe 16.04.2015).

“É legal o decreto de prisão preventiva que, partindo da singularidade do caso concreto, assevera a necessidade de acautelamento da integridade, sobretudo física, das vítimas, as quais, ao que consta dos autos, correm risco de sofrerem novas ofensas físicas, em se considerando o histórico do Paciente. A despeito de os crimes pelos quais responde o Paciente serem punidos com detenção, o próprio ordenamento jurídico – art. 313, IV, do CPP, com a redação dada pela Lei 11.340/2006 – prevê a possibilidade de decretação de prisão preventiva nessas hipóteses, em circunstâncias especiais, com vistas a garantir a execu-ção de medidas protetivas de urgência” (STJ, HC 132379/BA, j. 26.05.2009, rel. Laurita Vaz, DJe 15.06.2009).

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“A prisão cautelar, assim entendida aquela que antecede a condenação transitada em julgado, só pode ser imposta se evidenciada a necessidade da rigorosa providência. 2. Na hipótese, a decisão que decretou a custódia do paciente se justifica não apenas pelo descumprimento da medida protetiva anterior-mente imposta, mas também porque baseada na possibilidade concreta de ofensa física à vítima. Diante da presença dos requisitos do art. 312 do CPP e, em especial, da necessidade de assegurar a aplicação das medidas protetivas elencadas pela Lei Maria da Penha, a prisão cautelar do agressor é medida que se impõe” (STJ, HC 109674/MT, j. 06.11.2008, rel. Og Fernandes, DJe 24.11.2008).

“A Lei 11.340/2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, introduziu, na sistemática processual penal relativa às prisões cautelares, mais uma hipótese autorizadora da prisão preventiva, ao estabelecer, no art. 313, IV, do CPP, a possibilidade desta segregação cautelar para garantir a eficácia das medidas protetivas de urgência. IV – Na espécie, diante da notícia de que o paciente, mesmo após cientificado da medida protetiva imposta, consistente na determinação de não se aproximar da víti-ma, bem como de seus familiares, continuou a rondar a residência daquela, causando-lhe temor, acertada a decretação da prisão preventiva do acusado. De fato, está devidamente fundamentada a segregação cautelar do paciente não somente na garantia da instrução criminal, mas também na garantia da ordem pública, ante a necessidade de preservação da integridade física e psicológica da vítima, bem como de sua família. De outro lado, consignado tanto em primeiro, quanto em segundo grau, o descumprimento da medida protetiva pelo paciente, a averiguação de tal circunstância revela-se inviável na via estreita do writ, haja vista que, no caso, reclama o acurado exame do conjunto fático-probatório dos autos. Outrossim, condições pessoais favoráveis como primariedade, bons antecedentes e residência fixa no distrito da culpa, não têm o condão de, por si só, garantirem a revogação da prisão preventiva, se há nos autos, elementos hábeis a recomendar a manutenção da custódia cautelar (Precedentes). Ordem denegada” (STJ, HC 123804/MG, j. 17.03.2009, rel. Min. Felix Fischer, DJe 27.04.2009).

“In casu, verifica-se da espécie que o paciente praticou, em tese, os delitos de lesão corporal, restando caracterizada a violência doméstica prevista na Lei 11.340/2006 e o delito de ameaça, a justificar a manutenção da prisão, como forma de se assegurar a ordem pública (f. 29-30). A propósito: ‘Demonstrando o magistrado de forma efetiva as circunstâncias concretas ensejadoras dos requisitos da custódia cautelar, consistentes na intranquilidade do meio social causada pelo delito e na periculosidade do réu, resta devidamente justificado e motivado o decreto prisional fundado na garantia da ordem pública’. Neste particular, ao prestar informações, o impetrado informou que, ‘o paciente, além de não cumprir as medidas protetivas que lhe foram impostas, vem ameaçando a vítima, sua ex-esposa, tendo declarado que vai matá-la e, posteriormente, suicidar-se’ (f. 29-30). Logo, a repercussão social e a periculosidade do pa-ciente, facilmente verificadas na espécie, provocam protestos e consternação,

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denotando, assim, a necessidade de sua custódia cautelar, para resguardar a ordem pública. Noutro giro, não vislumbro constrangimento ilegal algum na espécie, mostrando-se motivada a decisão que indeferiu pedido de revogação da custódia cautelar, esclarecendo o impetrado, o seguinte, in verbis: ‘Conforme o apurado, o representado vem ameaçando a vítima, sua ex-esposa, de morte, caso a mesma insista no processo de separação do casal. O referido, além de não cumprir com medidas protetivas que lhe foram impostas, declarou que vai matar a vítima e suicidar-se em seguida. Destarte, subsistem os motivos para a manutenção da medida segregatória, qual seja, para garantia da execução das medidas protetivas e para garantia da ordem pública (...) (fl. 11-12). De resto, deve-se considerar que o Juiz do processo tem melhores condições de aferir a real necessidade de decretação da custódia cautelar, uma vez que, situando-se próximo dos fatos e das pessoas envolvidas, é capaz de melhor concluir a respeito de sua conveniência. ‘Em matéria de conveniência de decretação da prisão preventiva, deve ser considerado o denominado princípio da confiança nos Juízes próximos dos fatos e das pessoas envolvidas no episódio” (JTACRESP 46/86-87). Afinal, a alegação de que o paciente é primário, possuindo residência e trabalho lícito, não possibilita por si só, a revogação da prisão preventiva. Assim, não vislumbrando coação ilegal alguma na espécie, denego a ordem’” (TJMG, HC 1.0000.07.457784-2, rel. Pedro Vergara, DO 28.07.2007).

“De fato, é imperioso ressaltar que a prática de violência doméstica contra a mulher vem sendo coibida com a recente edição da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, na qual se prevê expressamente a possibilidade de decretação da custódia preventiva do agressor, em qualquer fase do inquérito ou da instrução criminal, nos termos do art. 20 da mencionada Lei. Não é só. Nos termos do parágrafo único, do art. 20 da referida Lei 11.340/2006, o juiz poderá revogar a prisão, caso não subsistam os motivos que ensejaram o re-colhimento do agressor ao cárcere, ou novamente decretá-la, se sobrevierem razões para tal. Percebe-se, então, que a lei concedeu certa discricionariedade ao juiz para decidir sobre a necessidade da segregação cautelar do indivíduo que pratica violência contra a mulher, valendo-se de relações domésticas ou familiares. Foi exatamente o que ocorreu nestes autos, pois, verificando a MM. Juíza a peculiaridade do caso – diante da personalidade violenta do réu, bem como o risco que a soltura representa para a integridade física das vítimas –, a necessidade de acautelamento provisório do paciente, para prevenir a prá-tica de novos delitos, acolhendo parecer do Ministério Público, corretamente indeferiu o pleito de liberdade provisória do requerente. Não se olvide de que, no presente caso, o réu se encontra denunciado pela prática, em tese, do delito previsto no art. 129, § 9.º, do CPB, e do crime previsto no art. 129,§ 1.º, II, do CP, este último apenado com reclusão (f. 57-58). É certo também que eventuais circunstâncias de ser o réu primário e possuir residência fixa são insuficientes para a concessão da ordem impetrada. Outrossim, estando ameaçada a própria tranquilidade pública, presentes os requisitos da prisão preventiva, isto é, prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria,

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também justifica a manutenção da prisão cautelar, a fim de impedir que o paciente volte a praticar crimes” (TJMG, HC 1.0000.07.465000-3, rel. Ediwal José de Morais, DO 16.01.2008).

“Necessário observar-se que a Lei 11.340/2006 tem caráter estritamente cautelar para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, revestindo-se de características específicas que possibilitam a ação judicial imediata, visando à proteção da vítima. Neste norte, apesar de poder extrair-se da fotocópia do processado que instruiu o presente writ que a decisão combatida alicer-çou-se nas declarações da vítima, estou que, pela peculiaridade dos fatos geradores da decretação da segregação cautelar, pelo bem jurídico tutelado no diploma legal em questão, bem como pelos antecedentes do paciente, deve ser observado o princípio da valorização do juiz natural, aquele que está mais próximo do fato e de seus protagonistas. Lado outro, não obstante nosso ordenamento jurídico já contar com diploma legal específico, tenho que a existência dos requisitos da prisão preventiva insculpidos no art. 312 do CPP deve preceder a segregação cautelar. Em casos como o dos autos, tenho que presente a necessidade da privação da liberdade em razão da garantia da ordem pública, uma vez que restou patente que o paciente afronta a autoridade constituída no regramento social, sendo que a base da ordem pública também se apoia nas garantias individuais, no direito de viver em sociedade e não ser importunado ou tolhido do convívio pacífi-co, direitos estes que foram ameaçados pelo paciente em detrimento da vítima, circunstância que afasta o constrangimento sem causa” (TJMG, HC 1.0000.07.461458-7, rel. Fernando Starling, DO 16.10.2007).

“Habeas corpus. Lei Maria da Penha. Perturbação da tranquilidade. Prisão preventiva. Autor do fato que comparece embriagado à audiência e continua ameaçando a vítima. Coação ilegal inexistente. Ordem denegada. Unânime. A situação fática apresentada na audiência exigia a pronta efetividade da atividade jurisdicional à vítima a perdurar até os dias de hoje, uma vez ponderado que o descaso do paciente com a autoridade judiciária demonstra que certamente não respeitará a integridade física, psicológica e emocional da vítima, ainda mais diante da notícia de que o autor do fato continua a fazer investidas contra a ex-mulher, mesmo após instaurado o inquérito policial. Bem é de se ver, portanto, o acerto da decisão ora atacada, porquanto nitidamente presentes os requisitos elencados no art. 312 do CPP” (TJDFT, HC 267.192, rel. Lecir Manoel da Cruz, DJ 11.04.2007, p. 117).

“Habeas corpus. Violência doméstica contra mulher. Ameaça. Imposição de me-didas protetivas em favor da vítima. Descumprimento pelo réu. Nova ameaça. Prisão preventiva decretada. Liberdade provisória indeferida. Garantia da or-dem pública e conveniência instrução criminal. Necessidade de manutenção da segregação para assegurar a integridade física e moral da vítima. Evita a prática de novos atos criminosos. Inexistência de constrangimento ilegal. Or-dem denegada. Quando as medidas protetivas deferidas em favor da mulher

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vítima de violência doméstica se mostram ineficazes, necessária a imposição de providência mais rígida que garanta a incolumidade física e psíquica da violentada, ainda que a prisão cautelar esteja com o prazo legal excedido, pois os rigores temporais devem ser mitigados em face da peculiaridade da causa, prestigiando o princípio da razoabilidade. No caso em tela, importa preservar a vítima de qualquer injunção ou interferência do paciente, uma vez que ligados por laços de família, sendo o acusado seu ex-companheiro, fácil é seu acesso a ela, possibilitando lhe impor temor que venha a prejudicar a elucidação dos fatos em exame ou até mesmo a ocorrência de novas práticas criminosas. Presentes os requisitos exigidos no art. 312 do CPP, bem como na Lei 11.340/2006, não há que se falar em ausência de justa causa para prisão preventiva” (TJMT, HC 80.595, rel. Rondon Bassil Dower Filho).

• Prisão preventiva – Cabível desde que medidas de proteção te-nham sido impostas

“A prisão preventiva tem por escopo atender aos pressupostos elencados nos arts. 311 e 312 do Código de Processo Penal; nesse sentido, a prisão preventi-va se justifica para garantia da ordem pública, da instrução criminal e para a aplicação da lei penal, desde que presentes indícios de autoria e materialidade. O decreto de prisão preventiva no caso do paciente gira em torno da neces-sidade de impedir novos episódios de violência e ameaça à vítima. Em sede de decisão liminar, consignou-se que inexistia no decisum que determinou a prisão preventiva fixação de medida protetiva que pudesse ser descumprida pelo paciente, não se justificando, por consequência, a manutenção da cons-trição cautelar na linha do regulado no inc. IV do art. 313 do CPP. No quadro então configurado, considerado o escopo da Lei 11.340/2006, a manutenção da prisão preventiva somente se justificaria quando fixadas medidas protetivas de urgência e elas se revelassem insuficientes para assegurar os direitos da ofendida ou se o agressor tivesse descumprido medidas protetivas impostas pelo Juiz da causa. Verificando-se que o Juiz da causa sequer cogitou da aplicação de medidas de proteção antes de decretar a prisão preventiva do paciente, não pode prevalecer o encarceramento. A decretação da prisão preventiva, nos termos do art. 313 do CPP, só está autorizada nos crimes dolosos punidos com reclusão e nos crimes dolosos punidos com detenção, neste último caso quando apurado que o indiciado é vadio, quando houver dúvida sobre sua identidade, e não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la, quando o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, com sentença transitada em julgado, ou ainda, se o crime envolver doméstica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. O crime de ameaça previsto no art. 147 e o crime de lesão corporal do art. 129, ambos do CP, que deram causa a prisão do paciente, se tratam de crimes punidos com detenção. De acordo com disposto no art. 313 do CPP, como já explicitado, a prisão preventiva é permitida nos crimes punidos com detenção. Na situação

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de crime praticado com violência à mulher, o mesmo art. 313 do Código de Processo Penal exige que a prisão preventiva esteja precedida da fixação de medidas de proteção. Assim, uma vez considerado que o paciente é acusado da prática de crime em tese punido com detenção e mediante violência à mulher, pode-se afirmar que o decreto de prisão preventiva não contempla os elementos mínimos necessários para respaldar a custódia cautelar” (TJPR, HC 0461138-9, j. 24.01.2008, rel. Francisco Cardozo Oliveira).

[3] REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA

Aqui nova cautela se recomenda. Nos crimes que dependem de representação da vítima (ex: ameaça, art. 147 do CP), não pode ser de-cretada a prisão preventiva sem que exista nos autos a prévia condição de procedibilidade. Não faz sentido que se decrete a prisão preventiva (pouco importando se de ofício ou mediante requerimento do Minis-tério Público ou representação da autoridade policial), se a ofendida, de plano, manifesta sua intenção de não representar contra seu ofensor.

JURISPRUDÊNCIA

• Excepcionalidade da prisão preventiva

“Deve-se ponderar também que a Lei 11.340/2006 contém regras mistas de direito penal e de direito de família; mesmo nesse diploma legal avulta o caráter subsidiário do direito penal, ou seja, sempre que o conflito conjugal puder ter solução normativa compatível com as regras do direito de família não se deve utilizar do aparato repressor do direito penal. Os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade também devem balizar a necessidade do uso da prisão cautelar, principalmente, no caso de leis de conteúdo híbrido – como é a Lei Maria da Penha – para a construção da melhor solução para o caso concreto. Considerado que prisão preventiva é medida gravíssima e de caráter excepcional, a manutenção da prisão do paciente pode se revelar medida demasiado gravosa para a solução do conflito materializado entre ele e a vítima. Evidencia-se desse modo que a regra do inc. IV do art. 313 do Código de Processo Penal, para além de compatibilizar-se com a sistemática da prisão preventiva no sistema processual penal, deve ser aplicada observando-se os princípios de subsidiariedade e de proporcionalidade, de modo se revelar útil para a proteção da vítima, quando cabível a prisão, ou de propiciar meios para que o conflito entre cônjuges ou companheiros possa ser equacionado pelas regras e princípios inerentes ao direito de família. Além desse aspecto, em observância ao princípio constitucional de presunção de inocência (inc. LVII do art. 5.º), a prisão preventiva nas hipóteses de descumprimento de medidas de proteção não pode deixar de considerar em relação ao descumprimento

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propriamente dito e a necessidade de proteção da vítima a materialização concreta de situação cautelanda a partir das hipóteses legais de garantia da ordem pública, da instrução do processo criminal e de aplicação da lei penal; ou seja, a manutenção da prisão preventiva, nessas situações deve considerar a circunstância da necessidade de manutenção do encarceramento nas situa-ções em que de modo efetivo e concreto o descumprimento de medidas de proteção possa representar risco para a garantia da ordem pública, a instrução do processo criminal e para a aplicação da lei penal; deve se ter em conta que a manutenção da prisão preventiva nesses casos está restrita ao casos de medidas protetivas de urgência de tal modo que quando não houver situação de urgência ou cessada a urgência não se justifica o encarceramento preven-tivo. Assim, uma vez demonstrado que o paciente é primário (fls. 68, 69, 70 e 71) tem residência fixa (fl. 83) e ocupação lícita (fl. 32), deve-se reconhecer o direito dele ao benefício da liberdade provisória, nos termos do art. 310 do CPP, sem prejuízo de o Juiz da causa redesignar audiência para readequação das medidas protetivas fixadas” (TJPR, HC 0454394-6, j. 20.12.2007, rel. Francisco Cardozo Oliveira).

“Processual penal e constitucional. Delitos de menor potencial ofensivo e violência doméstica contra a mulher. Lesão corporal. Prisão preventiva para a garantia da ordem pública. Necessidade de proteção da mulher. Lei 11.340/2006. Efetividade à disposição constitucional do art. 226, § 8.º, da CF/1988. Acusado preso cautelarmente há mais de quatro meses. Equilíbrio entre direito da vítima, da coletividade e do acusado. Máxima efetividade dos direitos fundamentais. Aplicação proporcional de cada um dos inte-resses. Impossibilidade de o microssistema de proteção estabelecido pela nova lei aniquilar garantias constitucionais do acusado. Impossibilidade de a custódia cautelar impor regime mais gravoso do que aquele a ser fixado em eventual condenação. Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida. A Lei 11.340/2006 estabeleceu um microssistema de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica, conferindo efetividade à dis-posição constitucional inserta no art. 226, § 8.º, da CF/1988, e adequando o ordenamento nacional aos tratados internacionais de proteção à mulher. Necessidade de convivência entre o direito de proteção das vítimas, direito da coletividade a um ambiente seguro e direito do acusado às garantias processuais constitucionais. Havendo colisão entre direitos fundamentais, necessária a atribuição da máxima efetividade a cada um deles, aplican-do-os proporcionalmente a fim de evitar o simples afastamento de um direito em detrimento da proteção de outro. Impossibilidade de a proteção social contra condutas antijurídicas aniquilar por completo as garantias processuais penais do acusado. Inadequada a custódia cautelar que im-põe ao acusado regime mais gravoso do que aquele a ser cumprido em decorrência de eventual condenação” (TJMT, HC 4796/07, j. 28.02.2007, rel. Omar Rodrigues de Almeida).

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[4] REBUS SIC STANTIBUS

O juiz pode, a requerimento ou de ofício, revogar a prisão preven-tiva, por ele mesmo decretada, desde que surja fato novo que não mais justifique sua manutenção (art. 20, parágrafo único). Não se estabelece, assim, uma situação irrevogável, mas antes, uma apreciação da causa no estado em que se encontra (rebus sic stantibus). Nada impede, ainda, que, revogada a medida, surjam posteriormente motivos que autorizem nova decretação, estando autorizado o juiz a decidir nesse sentido. Essa última decisão pode ser desafiada por meio de habeas corpus.

Esse dispositivo reforça a ideia de transitoriedade, que é inerente à prisão preventiva. Com efeito, enquanto a prisão em flagrante se apoia na certeza visual do crime, a prisão preventiva se satisfaz com meros indícios suficientes de autoria, na dicção do art. 312 do CPP. Daí seu caráter de exceção, cujo cabimento é, por isso mesmo, reservado para hipóteses taxativamente elencadas em lei, a permitir, ademais, a revisão a todo tempo, seja para sua revogação, quando já decretada, seja para decretá-la novamente.

Dois exemplos se prestam a esclarecer a aplicação deste dispositivo. Suponha-se que, decretada a prisão preventiva, se apure, ainda que de forma provisória e precária, no curso do processo (ou mesmo durante o inquérito policial), mas antes de proferida a sentença, não ter sido ele o autor do delito. Terá, nesse caso, desaparecido o indício suficiente de autoria, ao qual se refere o art. 312 do CPP, a justificar a revogação da prisão preventiva então decretada. De outra parte, negada a prisão preventiva, porque ausente tal indício, a autoridade policial, a partir de novas investigações encetadas, traz ao juiz elementos probatórios até então inexistentes, que reforçam a demonstração da autoria do crime. A partir desse novo quadro que se apresenta, pode o juiz decretar a prisão preventiva que, antes, negara. Noutro exemplo, imagine-se que a vítima tenha se reconciliado com seu ofensor e peça sua libertação (conduta que tem se verificado comumente no cotidiano prático), ainda que em um crime de lesões corporais, que não mais admite a retratação, posto que de ação penal pública, tendo, no entanto, cessado o perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado114. Não fará sentido, nesse caso,

114. Art.312: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado

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a manutenção da segregação cautelar. É nisso que consiste a natureza da cláusula rebus sic stantibus da decisão do juiz.

[5] PRAZO OBRIGATÓRIO PARA REVISÃO DA NECESSIDADE DA MEDIDA

Considerando “a preocupação da magistratura com as situações de prisão provisória com excesso de prazo ou a manutenção da priva-ção da liberdade após o cumprimento da sua finalidade”, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 66/2009, onde determi-na que, estando o réu preso provisoriamente há mais de três meses, com o processo ou inquéritos parados, cumpre ao juiz (ou ao relator tratando-se de recurso), investigar as razões da demora, indicando, ainda, as providências adotadas, a serem, posteriormente, comunica-das à Corregedoria Geral de Justiça ou à Presidência do Tribunal (no caso do relator). A propósito, como observam Alberto Silva Franco e Maurício Zanoide, sendo o juiz “obrigado a declinar os motivos da demora sempre que concluir a instrução fora do prazo, com maior razão deverá fundamentar a necessidade da prisão cautelar, se o arco de tempo processual, a que alude Chiavario, previsto para um deter-minado procedimento, estiver consumido” (Código de Processo Penal e sua Interpretação Judicial, 2ª ed., vol. 1, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 279) (grifo original).

A Lei 13.964/19, acrescentando ao art. 316 do CPP novel parágrafo, seguiu o espírito da referida Resolução. Diz que o órgão emissor da decisão deverá revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 dias, mediante decisão fundamentada, sob pena de o constrangimento, até então legal, se tornar ilegal.

Para o STJ, a obrigação de revisar de ofício a necessidade da prisão preventiva a cada 90 dias é imposta apenas ao juiz ou ao tribunal que decretou a medida. Seria desarrazoado, ou mesmo inexequível, estender essa tarefa a todos os órgãos judiciários competentes para o exame do processo em grau de recurso (STJ, HC 589.544/SC, j. 25/06/2020). Em complemento, decidiu o STF que a inobservância do prazo no-nagesinmal do art. 316 do CPP não implica automática revogação da

pelo estado de liberdade do imputado”. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019), disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm

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