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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
VIOLÊNCIA E GÊNERO NAS RELAÇÕES AFETIVAS ENTRE
ADOLESCENTES EM CONTEXTO ESCOLAR RURAL E URBANO NO
INTERIOR DA REGIÃO SUL DO BRASIL
Nathalia Amaral Pereira de Souza1
Marlene Neves Strey2
Resumo: A violência nas relações afetivas é uma realidade que atinge muitas/os adolescentes. Em
alguns países pesquisas e ações são feitas para prevenir que esse tipo de violência aconteça.
Entretanto, no Brasil, a escassez de estratégias gera a necessidade de investigações. As violências
verbal, física, sexual e moral aparecem em elevada frequência nas narrativas de adolescentes. A
perspectiva feminista de gênero problematiza entendimentos preconcebidos pela sociedade que
dificultam a percepção e a identificação da violência de gênero nos relacionamentos. Este projeto
tem como objetivo investigar a violência de gênero nas relações afetivas na adolescência e modo
como as questões de gênero são apresentadas nas narrativas de adolescentes em duas escolas em
contexto rural e urbano no interior da região sul do Brasil. É um estudo qualitativo e exploratório.
Foram realizados seis grupos-focais com adolescentes entre 14 e 17 anos. Os dados foram
analisados pela Análise de Conteúdo Temática. Conclusões preliminares apontam que as violências
estão presentes nas relações afetivas de algumas/ns das/os participantes do estudo. A amizade e a
família possuem impacto na percepção do que é relacionamento afetivo para as/os participantes.
Além disso, há narrativas que demonstram uma divisão significativa do que sejam relacionamentos
considerados “normais”. Essa associação está diretamente relacionada ao modo como as questões
de gênero e a orientação sexual são expressas na adolescência.
Palavras-chave: Violência de gênero. Adolescentes. Relações afetivas. Contexto escolar. Rural e
urbano.
Introdução
A categoria “gênero”, a partir da segunda metade do século XX, é central na ação política e
na teoria feminista. A partir de 1970, o termo gênero é entendido como uma construção histórica e
social das relações desiguais entre homens e mulheres e é um elemento fundamental de análise da
sociedade. A desigualdade entre os gêneros fez com que a teoria feminista se ocupasse da
construção de entendimentos sobre a opressão das mulheres, da noção de gênero, de patriarcado, de
política sexual e da reflexão sexo-gênero. Entendemos que é necessário falar de feminismos no
plural, tendo em vista a pluralidade de movimentos e a diversidade de enfoques e de leituras que
existem sobre temas como heteronormatividade, emancipação, igualdade, equidade, violência de
gênero, entre outros (MAYORGA et al, 2013).
1 Psicóloga CRP 07/24299, mestranda em Psicologia com ênfase em Psicologia Social no Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da PUCRS e integrante do grupo de pesquisa Relações de gênero da mesma instituição, Porto
Alegre/Brasil. 2 Psicóloga CRP 07/0985, professora titular no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS e coordenadora
do grupo de pesquisa Relações de gênero da mesma instituição, Porto Alegre/Brasil.
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Outra categoria que faz intersecção com o conceito de gênero é a violência de gênero que,
de forma mais intensa, atinge mulheres, crianças e adolescentes de ambos os gêneros. Neste artigo
nos centramos na violência de gênero que ocorre nas relações afetivas entre adolescentes. Embora
muitos estudos abordem a violência de gênero, o Brasil está carente de estratégias que previnam a
violência nos relacionamentos afetivos na adolescência. São diversos os tipos de relações que
moças e rapazes vivenciam e a escola e a família possuem participação importante na reflexão sobre
violência e relações afetivas (CAMPOS, SILVA, 2014).
O estudo investigará a violência de gênero nas relações afetivas na adolescência e o modo
como as questões de gênero são apresentadas nas narrativas de adolescentes de duas escolas
municipais em contexto rural e urbano no interior do Rio Grande do Sul. Apresentaremos aqui um
recorte da dissertação de mestrado da primeira autora, os trechos dos grupos focais apresentados
não representam todo o conteúdo encontrado sobre violência de gênero com as/os participantes da
pesquisa.
(Re)pensando o contexto escolar
Entendemos as escolas como espaços plurais, diversos e que não possuem características
universais e imutáveis (HARAWAY, 1995) para descrevê-las. Sabemos que as escolas, ou pelo
menos a maioria delas, são preenchidas por assuntos, informações e dúvidas que podem aparecer de
forma rápida, intensa e até inesperada. Os pontos de vistas de diferentes temas passam pelos
corredores, nas redes sociais, na internet dos aparelhos celulares e chegam nas salas de aulas pelas
alunas/os, pelas/os professoras/es e/ou profissionais das escolas. Não podemos desconsiderar que
temas como as relações de gênero e a sexualidade surgem de diversas maneiras, algumas são
imprevisíveis e podem gerar inseguranças nas professoras/es e funcionárias/os das escolas. As salas
de aulas têm sido invadidas pelas temáticas de gênero, de sexualidade, de violências, do machismo
e do preconceito. Isso tem estimulado a desacomodação de partes das escolas, fazendo com que
professoras/es procurem capacitações em como abordar esses temas (SEFFNER, 2011).
Por mais que haja o interesse em renovar as discussões nas salas de aulas, alguns entraves
estão presentes nas escolas. A partir de um entendimento prévio de que é um dos locais de
normalização e de padronização, alguns obstáculos são impostos às escolas por instituições como
religião, família, poder judiciário, partidos políticos que querem apresentar o modo “adequado” de
informar sobre a sexualidade, gênero e preconceito na escola. Esses posicionamentos colaboram
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para a desorganização e colocam as/os professoras/es em situações contraditórias (SEFFNER,
2011).
No Brasil, atualmente, o projeto de Lei nº 867 Programa Escola sem Partido de 2015
pretende a neutralidade política, ideológica e religiosa na educação nacional. Dentre os princípios,
não poderá haver em sala de aula nenhum tipo de prática que possa doutrinar politicamente e
ideologicamente atividades e/ou conteúdos que não estejam de acordo com as ideias religiosas e/ou
morais de pais/mães/responsáveis das/os alunas/os. Além disso, pais/mães/responsáveis deverão no
ato da matrícula autorizar para que as escolas com vínculos religiosos e com valores morais possam
apresentar seus princípios aos estudantes. Da mesma forma, o projeto pretende tipificar como crime
qualquer prática que impeça a neutralidade das/os professoras/es dentro de sala de aula. Com a
aprovação da Lei essas práticas serão consideradas assédio ideológico e haverá detenção de 3 meses
a 1 ano e multa para quem realizá-las. As/os favoráveis ao movimento da escola sem partido
mantêm websites com informações, documentos e depoimentos a respeito da importância de
defender esse tipo de projeto.
Para Silva (2013), desde a infância, as crianças constroem suas identidades de gênero de
maneira desigual. A escola é um dos espaços nos quais as crianças experienciam momentos
coletivos e são educadas. O autor acredita que desde cedo as crianças passam por experiências de
desigualdade e de violência de gênero. Como forma de prevenção desses acontecimentos, Silva
(2013) sugere a reflexão da função da educação, juntamente, com as/os professoras/es. É a partir
desse movimento que será possível incluir a didática crítica, igualitária, emancipatória e não
discriminatória entre os gêneros nas escolas (SILVA, 2013). Da mesma forma, deve-se ter a
discussão da aceitação da pluralidade e de como a diferença se mantém e se conserva no ponto de
vista do poder. As discussões da riqueza do diverso e do plural devem fazer parte das reflexões
sobre a diversidade sexual e de gênero dentro das escolas (SEFFNER, 2013).
Violência de gênero nas relações afetivas entre adolescentes
No Brasil inexistem estratégias consolidadas para a prevenção das violências nos
relacionamentos afetivos entre adolescentes. O tema não é visto com destaque pelos estudos na
adolescência de modo geral. Dessa forma, tratar da violência de gênero nas relações afetivas e das
relações de gênero entre adolescentes pode auxiliar no modo como a sociedade percebe esse
fenômeno. Políticas públicas, programas, ações e materiais pedagógicos podem ajudar no combate à
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desigualdade e à violência de gênero em todas relações afetivas na adolescência. Além de
problematizações, atitudes devem ser articuladas com a família e a escola para que os discursos
permanentes que reforçam as diferenças entre homens e mulheres sejam desnaturalizados
(CAMPOS, SILVA, 2014).
Entendemos gênero como uma categoria analítica e relacional a partir das relações de poder
entre homens, entre mulheres e entre homens e mulheres (incluindo pessoas trans e intersexo
(SCOTT, 1995). A violência de gênero engloba diversos tipos de violências, importante destacar
que ela não ocorre apenas em adultos ou em jovens, assim como não é especificamente de relações
heterossexuais. Para ser considerada como violência de gênero é necessário englobar diversos
aspectos preconcebidos como comportamentos de gênero na sociedade e nas relações afetivas
(SALDANHA, 2013).
Murta, Santos, Martins, e Oliveira (2013) destacam que a escassez do Brasil em relação às
políticas que tratem da violência de gênero nos relacionamentos afetivos entre adolescentes deve
gerar articulações no Brasil. Tendo em vista essa realidade, é interessante citar Portugal, que desde
2007 criminaliza as violências no namoro. Há 12 anos são realizados estudos como meio de
prevenção a todas as formas de violências. Em pesquisa realizada com 2.500 adolescentes de idades
entre 12 e 18 anos, concluiu-se que mais de 22% das/os participantes não percebem
comportamentos de controle e de agressão como práticas de violência. Além de Portugal, outros
países como Estados Unidos, Canadá, Espanha e México realizam pesquisas e ações avançadas para
a prevenção da violência no namoro entre adolescentes (NASCIMENTO, CORDEIRO, 2011).
Nos estudos que as autoras Schleiniger e Strey (2015) realizaram com adolescentes, alguns
temas tiveram destaque, tais como a violência banalizada como um fenômeno cultural; o casamento
da violência com o ideal romântico; a violência de gênero nas relações afetivo-sexuais das/os
adolescentes; e a ocorrência da combinação festas, álcool e violência. A banalização da violência é
percebida nos discursos das/os adolescentes não apenas no tocante aos relacionamentos afetivos,
mas também nas amizades, na família, na escola, nas festas, na vizinhança e também nas relações
afetivas e sexuais (CASTRO, 2009; SCHLEINIGER; STREY, 2015), tendo-se em vista que tudo
deve ser suportado para alcançar o amor, que é sacrifício.
Além disso, o ciúme é o maior responsável pelas brigas que ocorrem nos relacionamentos
afetivos. A traição é vista como algo muito sério nos namoros, podendo colocar fim ao
relacionamento, visto que a quebra de confiança é algo grave (NASCIMENTO, CORDEIRO,
2011). O alto índice do uso de álcool também é um fator agravante para a perpetração da violência.
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A combinação de festas, uso de álcool e prática de violência propicia ambientes com diversos tipos
de violências (psicológica, física, patrimonial, sexual e simbólica). Esse modelo explicativo
demonstra uma perspectiva macrossocial e crítica que não vê o humano separado do social, do
cultural e da história (SCHLEINIGER; STREY, 2015).
Método
A presente pesquisa define-se por ser de base qualitativa e do tipo exploratória (MINAYO,
2011; MARCONI, LAKATOS, 2009). A cidade onde o estudo foi realizado está localizada a 67 km
da capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Possui 25.793 habitantes (IBGE, 2015), distribuídos
em uma área de 818.799 km² (IBGE, 2016). Conta com 7 escolas de ensino médio, 21 escolas de
ensino fundamental e 17 pré-escolas. Não há escolas particulares. Esta pesquisa foi realizada em
duas escolas municipais da cidade. Selecionamos uma que se encontra em contexto rural e outra em
contexto mais urbano e central da cidade. A distância de uma escola para a outra é de,
aproximadamente, 25km.
Nesta pesquisa, adolescência é compreedida no período entre 12 e 18 anos, segundo o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei n. 8.069/1990). Foram convidados para o estudo
adolescentes entre 14 e 17 anos e que estavam devidamente matriculadas/os no 1º e 2º ano do
Ensino Médio das escolas pesquisadas. Foram realizados três grupos focais mistos de rapazes e de
moças nas duas escolas participantes. Durante a coleta dos dados, a pesquisadora que acompanhou
os grupos realizou um diário de campo.
O presente estudo respeitou as normativas da Resolução 466/12 (Conselho Nacional de
Saúde), a qual prevê os cuidados a serem tomados com seres humanos em pesquisas científicas.
Foram utilizados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (para pais/mães/responsáveis) e
os Termos de Assentimento para as/os adolescentes menores de idade. Os procedimentos desta
pesquisa foram aplicados após a aprovação do Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul – PUCRS, CAAE 60884316.2.0000.5336.
Em nossa análise, buscamos explorar o conjunto de significados e de sentidos atribuídos
ao fenômeno estudado. Isso foi possível por meio da análise de conteúdo do tipo temática
(BARDIN, 1979) das falas provenientes dos grupos focais. Foram considerados nesta pesquisa
os conteúdos manifestos nas transcrições dos grupos focais, bem como os conteúdos latentes
como silêncio, sinais, posturas e sorrisos. Ou seja, a comunicação não verbal foi importante
para a análise.
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No decorrer do artigo não faremos distinção das narrativas das/os adolescentes pelas escolas
em que estudam. Não é nosso objetivo neste artigo comparar a escola rural da escola urbana. No
artigo discutiremos a interseccionalidade da categoria violência de gênero com os
relacionamentos afetivos que as/os adolescentes consideram importantes na adolescência . A
seguir, apresentaremos os resultados e as discussões dos dados.
Resultados e Discussão
O assunto “violência(s)” não costuma ser um assunto simples, leve e espontâneo. Por ser um
tema que envolve discursos que, geralmente, carregam marcas emocionais e/ou físicas, histórias de
vidas são contadas (SALDANHA, 2013). Tanto para quem trabalha, estuda, vivencia ou para quem,
de alguma forma, já passou por alguma experiência que envolveu violência essa é uma realidade
frequente. O mesmo ocorre ao falar dessa temática com adolescentes. Cautela, respeito e cuidado
são necessários para prevenção de possíveis desconfortos. Neste artigo apresentaremos um recorte
da investigação realizada em grupos focais com adolescentes de duas escolas no interior do Rio
Grande do Sul. Os trechos citados representam uma parte dos dados obtidos sobre a temática da
violência de gênero nos relacionamentos afetivos. Vale ressaltar que as/os participantes estavam à
vontade para dialogar sobre as relações afetivas que consideravam importantes na adolescência, as
pesquisadoras não induziram as respostas com nenhum tipo de relacionamento pré-estabelecido.
Em um dos grupos utilizamos a pergunta “O que você considera violência?” com o
objetivo de introduzir o tema com as/os participantes. O grupo já se conhecia e o quebra-gelo inicial
já havia sido realizado. Porém, a resposta que sobressaiu após a pergunta foi o silêncio. Um silêncio
que durou aproximadamente 2 minutos e que despertou respostas não-verbais jamais esperadas para
o início do encontro. Inquietação, curiosidade e insegurança foram os sentimentos que
transpareceram aqueles olhares atentos e tímidos. Ali nós confirmamos que falar de violência é falar
de histórias, de tristezas, de vidas e de perdas. Após aqueles 2 minutos, um rapaz rompeu o silêncio
ao responder que achava que violência era “Quando alguém bate em alguém, pode ser verbal
também, ofensas” (T, rapaz de 16 anos). O comentário deu abertura para que outras duas
adolescentes comentassem que sentem dificuldade em falar sobre violência, por ser um assunto
delicado.
Para auxiliar na discussão, reportagens da internet, de jornais e de revistas e vídeos da
ferramenta virtual YouTube (“Acorda, Raimundo. Acorda!” e “O sonho impossível?”) auxiliaram
na discussão sobre violência de gênero e relações de gênero nos relacionamentos afetivos
vivenciados na adolescência. Em um dos encontros, uma das adolescentes apresentou o ambiente de
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trabalho como uma importante fonte de relações afetivas na adolescência. Ao contar de seu trabalho
para o grande grupo, a moça lamentou se sentir prejudicada na divisão das atribuições de atividades
entre ela e o colega que possui a mesma idade e mesmo cargo. Enquanto a mesma realiza as
atividades destinadas a ela, o rapaz permanece sentado e, por muitas vezes, sem fazer nada no
horário do serviço. Ela não acha justo que ele possua determinados privilégios de escolha, enquanto
ela deve fazer todo o trabalho.
Quando ele entrou, ele era para ser monitor de uma aluna, né. Só que ele não deu certo. Ele
não quis. Ele quis sair, mas simplesmente mudaram ele para biblioteca. Simplesmente ele
não faz nada enquanto eu... o que me irrita muito. É que nem na creche quando a gente foi
[...] Ele passava o dia inteiro sentado num banco enquanto eu estava dentro da sala
ajudando. E ele não fazia nada (B, moça de 16 anos).
A partir do momento em que a adolescente se sente discriminada no ambiente de trabalho
por ser mulher, a violência de gênero é evidenciada. Para as autoras Llamas e García (2017) a
violência de gênero é uma consequência de situações discriminatórias, desiguais e subordinadas que
podem surgir a partir de situações sociais. No trabalho, a adolescente percebe que a forma com que
é tratada é desfavorável, diferente e injusta, causando sofrimentos e dúvidas em relação ao seu
futuro no trabalho. Conforme Scott (1995, p. 86) “o gênero é uma forma primária de dar significado
às relações de poder”. Pensar as relações de gênero e a desigualdade no ambiente de trabalho
fizeram com que um rapaz e uma moça refletissem a desvantagem salarial das mulheres em
comparação aos homens. “Ela ganhando menos também. Ela é desvalorizada (T, rapaz de 16 anos).
Ela trabalha bem mais e ganha bem menos (V, moça de 15 anos)”.
A partir da desigualdade no ambiente de trabalho outros tipos de violências são apresentados
pelas adolescentes nos grupos. Em relação à violência de gênero, a intersecção entre beleza e
ciúmes foram questões debatidas nos grupos, por perceberem que os conceitos não estão deslocados
um do outro.
Não sei se é certo o que eu vou dizer, mas o homem quando tem um ciúmes muito
obsessivo pela mulher é porque ela é muito bonita. É uma mulher que todos olham e
querem. É, então ele acaba sendo inseguro. Sendo inseguro no namoro, no casamento, no
caso e... aí vem violência... (G, moça de 16 anos).
O culto ao corpo perfeito, ao magro e ao belo é cotidianamente exposto pela mídia de
diversas formas. Por meio de revistas, de novelas, de concursos de beleza, da imprensa, de músicas,
da moda, de manequins e de linguagens a contemporaneidade cultua uma vigilância dos corpos.
Essas ferramentas são usadas como estratégias de exercício de poder, que provocam entendimentos
do que significa a beleza. As mulheres são vítimas desse fenômeno que as coloca em uma situação
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de ideal, de padronização e de normalização de aparências (ALVES, BARROS, SCHROEDER,
2013). Essa compreensão de uniformização dos corpos prejudica a ideia de diversidade e da
pluralidade que é inerente às mulheres. Ainda hoje, em pleno século XXI, nos deparamos com
situações de objetificação, de machismo, de opressão e de violências direcionadas às mulheres.
Entendemos que essa realidade é estabelecida a partir das relações de poder que geram a
desigualdade entre os gêneros (SCOTT, 1995). Além disso, a idealização do amor romântico facilita
que diversos tipos de violências de gênero causadas por ciúmes, traição e/ou coibição sejam
invisibilizados nos relacionamentos afetivos como no ficar, no namoro e no casamento. Ademais,
não só dificulta a percepção das violências, como também, impossibilita a saída da situação violenta
(CASTRO, 2009; SCHLEINIGER; STREY, 2015).
Outro local citado pelas/os adolescentes com alta perpetuação de violência de gênero é a
festa. Elas/es consideram as festas como ambientes onde traições, ciúmes e violências são
frequentemente perpetuados tanto por moças quanto por rapazes (SCHLEINIGER; STREY, 2015).
As/os participantes do estudo concordam que as festas são locais onde as moças são mais agressivas
com suas/es parceiras/es, como é apresentado na fala de uma das adolescentes: “Uma mulher
tocando bebida no rosto do namorado... Isso já vi 2, 3 vezes (G, moça de 16 anos). Entretanto, a
maioria das/os adolescentes acreditam que a violência de gênero é praticada em predomínio pelos
rapazes. A ideia de que moças solteiras/desacompanhadas em festas estão mais predispostas a sofrer
violências, as deixam vulneráveis e inseguras a ir em festas. A ideia de que a facilidade em
violentar os corpos das mulheres dificulta a sensação de proteção, principalmente, das moças que
não estão acompanhadas. Escolhemos um trecho dos grupos onde esse assunto é apresentado por
uma das adolescentes.
Tipo em festa, tu mal conhece a pessoa, tu bebe e as vezes te droga. Tu transa com a pessoa
e eu acho horrível isso [...] Às vezes te dão bebida e fazem o que quer. Eu trabalhava lá
antes e tinha sempre muita camisinha, que as pessoas usavam lá mesmo. Era horrível. Eu
fiquei com medo de ir (B, moça de 16 anos).
Enquanto algumas adolescentes queixavam-se da insegurança nas festas, a questão do
desrespeito também foi evidenciada. Nos chamou atenção um trecho da narrativa de algumas
meninas em relação aos comentários que os rapazes fazem do comportamento sexual de algumas
meninas: “Os guris falam ah, eu comi aquela guria” (B, moça de 16 anos), “Que nojo” (R, moça de
16 anos), “Como se ela fosse um objeto” (V, moça de 15 anos). No grupo em que houve esse
diálogo um dos meninos reclamou, dizendo que ele estava escutando “Tem eu aqui!” (L, rapaz de
16 anos). Uma das moças respondeu ao comentário dele: “É que vocês não se pronunciam, a gente
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tá falando. Vocês podem falar também. A gente não tá falando especificamente de ti. A gente não tá
falando o L, o T. A gente tá falando dos homens” (B, moça de 16 anos).
Percebemos que alguns comentários dos rapazes, nas duas escolas, eram direcionados em
“defender”, que os homens não eram os únicos a realizar violências. Eles queriam demonstrar em
seus comentários que as mulheres, mesmo que menos, também praticam violências contra suas/seus
parceiras/os, como podemos confirmar no trecho a seguir: “No caso ali, agressão e coisa, a maioria
que se parte, é dos homens. Mulher é meio difícil, mas tem vários casos de mulher que matou
marido, né” (T, rapaz de 16 anos).
Outro assunto que foi apresentado pelas/os adolescentes nesta pesquisa foi a relação da
violência com a diversidade sexual e dos relacionamentos afetivos na adolescência em diversos
momentos. Apesar de sabermos a importância do assunto, o espaço que nos é dado aqui limita nossa
discussão mais aprofundada. Embora algumas/ns adolescentes tenham comentado sobre o alto
índice de homicídios que a população LGBT sofre em nosso país, outras/os apresentaram narrativas
que confirmaram o preconceito com casais homoafetivos. Além disso, algumas narrativas dividiram
as relações entre “normais” e “anormais” a partir da orientação sexual. Nesse sentido, entendemos a
conexão que o tema tem com o regime da heteronormatividade (SEFFNER, 2013) que está presente
nas escolas, nas mídias, nas famílias e na sociedade em geral.
Considerações finais
Consideramos importante que as/os adolescentes tenham oportunidades em expressar o que
consideram relacionamentos afetivos na adolescência e onde a violência de gênero se apresenta
nessas relações. Ninguém melhor do que elas/es para falar sobre o tema, como no caso do ambiente
de trabalho que não estava sendo esperado pelas pesquisadoras como um ambiente gerador de laços
afetivos e/ou de sofrimentos e violência de gênero na adolescência.
Entendemos que a dificuldade em falar sobre a violência gerou desconforto e ansiedade em
algumas/ns adolescentes no decorrer dos grupos. Por esse motivo, o silêncio foi um dos dados mais
valorizados no estudo. Além disso, a forma como as violências são apresentadas nas festas incluem
moças e rapazes como perpetuadoras/es de violências em geral. Porém, são os rapazes/homens os
principais praticantes de violência de gênero, que colocam as moças/mulheres em situações de
insegurança, de limitação e de medo pelo simples fato de serem mulheres. Da mesma forma,
narrativas que promovem o preconceito à diversidade sexual e de gênero foram manifestadas por
algumas/ns participantes do estudo. O que nos faz refletir sobre a importância da discussão não só
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sobre a aceitação, como o respeito e o entendimento de como a diferença se mantém em meio à
dominação da heteronormtividade, do preconceito, da violência e das relações de poder em nossa
sociedade.
As escolas, as famílias e as amizades são tidas como bases de confiança e de comunicação
para as/os adolescentes. Quando a família possui entraves no diálogo sobre esses temas, é para as
amizades que as/os adolescentes recorrem a esclarecer dúvidas e a solicitar informações. As escolas
são entendidas como espaços onde a crítica e o respeito devem estar presentes em assuntos
relacionados às relações de gênero, preconceito, diversidade sexual e violências.
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Violence and gender in adolescent’s dating relationships in rural and urban high school in a
small town in the south region of Brazil
Astract: Violence in dating relationships is a reality for many teenagers. In a number of countries,
researches and actions are made to prevent that kind of violence from happening. Yet, in Brazil, the
lack of strategies generates a necessity to investigate this matter. In Brazil, verbal, physical, sexual
and moral violences appears with high frequency in the narratives of teenagers. The feminist
perspective in gender questions societies preconceived understandings that hamper the perception
and identification of gender violence within affective relationships. This project aims to investigate
the violence of gender in dating relationships in adolescence; and how those matters are present in
adolescent’s narratives in two schools in a small town in the south region of Brazil. It consists in a
qualitative and exploratory study. Focal groups were set up with adolescent with ages between 14
and 17 years old. The data collected was analyzed through Content Analysis. Preliminary
conclusions show that violence is present in the relationships of a number of participants.
Friendship and family have an impact on the perception of what is dating relationship for the
participants. Moreover, there are narratives that demonstrate a diversion about what is considered a
“normal” relationship. That association is related to the way gender and sexual orientation is
expressed during adolescence.
Keywords: Gender violence. Adolescents. Dating relationship. High school. Rural and urban