If you can't read please download the document
Upload
ngokien
View
224
Download
4
Embed Size (px)
Citation preview
Virgnia Maria Ferreira Resende
Anlise protemica de venenos de Apis mellifera
baseada em espectrometria de massas:
abordagem quantitativa label-free e identificao de fosforilao
Tese apresentada Faculdade de Medicina da
Universidade de So Paulo para obteno do
ttulo de Doutor em Cincias
rea de Concentrao: Alergia e Imunopatologia
Orientador: Prof. Dr. Mario Sergio Palma
So Paulo 2013
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Preparada pela Biblioteca da
Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo
reproduo autorizada pelo autor
Resende, Virgnia Maria Ferreira
Anlise protemica de venenos de Apis mellifera baseada em espectrometria de massas : abordagem quantitativa label-free e identificao de fosforilao / Virginia Maria Ferreira Resende. -- So Paulo, 2013.
Tese (doutorado)--Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo. Programa de Alergia e Imunopatologia.
Orientador: Mario Sergio Palma.
Descritores: 1.Abelhas 2.Venenos de abelha 3.Proteoma 4.Melitina 5.Espectrometria de massas
Este trabalho foi realizado no Laboratrio de Espectrometria de
Massas do Instituto Max Planck de Biologia Celular Molecular e
Gentica, localizado em Dresden, Alemanha; no Laboratrio de
Imunologia do Instituto do Corao, localizado em So Paulo, Brasil;
e, no Laboratrio de Biologia Estrutural e Zooqumica, em Rio Claro,
Brasil. Contou com o apoio financeiro do Instituto de Investigao em
Imunologia (iii-INCT), Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientfico e Tecnolgico (CNPq) e Servio de Intercmbio
Acadmico Alemo (DAAD).
Aos meus pais, que me trouxeram vida, que me
ensinaram que estudar importante, que me
deram o melhor estudo e, principalmente, me
educaram baseando-se na escola da vida.
Aos meus irmos, Gabi, Juninho e Fran, que
estiveram sempre ao meu lado, respeitando
minhas escolhas, torcendo pelo meu sucesso e me
ajudando a escrever minha histria de vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus, aquele em quem eu mais confio, em quem eu busco fora para
enfrentar as dificuldades, em quem eu encontro segurana para fazer as minhas escolhas
e aquele que eu acredito ter feito o plano de vida certo para mim.
Agradeo aos meus pais, por terem feito o seu melhor em meu favor sempre, mesmo
quando no parecia ser. Por terem me proporcionado uma criao baseada no amor, na
unio, na honestidade, na justia e na verdade. Por estarem sempre ao meu lado em
todos os momentos, principalmente os ruins, me ajudando a erguer a minha cabea e
seguir em diante confiante e esperanosa. Acima de tudo, por terem dedicado um amor
incondicional.
Agradeo aos meus irmos, que por terem personalidades to diferentes, me ensinaram
a respeitar o prximo, assim como o diferente, e fizeram parte do meu crescimento
como um ser humano que pratica o bem. Por serem amigos, companheiros e fiis em
todos os momentos. Por compartilharem minha felicidade e dividirem o sofrimento. Por
tornarem a minha vida mais cheia e completa. Em especial, a Gabi, que com toda sua
lucidez, me ajudou a enxergar solues em momentos em que tudo parecia estar
perdido.
Agradeo pequena Beatriz, que chegou no momento mais turbulento do curso de
doutorado, e me deu muita alegria e esperana.
Agradeo a toda a minha grande famlia, que sempre torce pelo meu sucesso.
Agradeo av Margarida por todo o carinho que ela sempre tem para dar, por
representar uma vitoriosa em quem eu me espelho, por me mostrar que no preciso
muito para ter alegria de viver.
Agradeo av Geralda, que de onde quer que ela esteja agora, est sempre me olhando
com aqueles olhos cheios de afeto e ternura. Ela me ensinou a ser bondosa sem ser tola,
me ensinou a ser paciente e acima de tudo me ensinou a lutar e nunca desistir de algo
quando eu realmente desejo.
Agradeo tia Vnia, que desde pequenina me fez ter prazer pela leitura e pela escrita,
me ajudou a desenvolver a criatividade, me motivou a amar, respeitar e cuidar da
natureza. Agradeo a ela por ter ajudado no desenvolvimento do meu esprito de
cientista, na construo das minhas ideologias e por ter dado bastante incentivo para
trilhar o caminho da educao e acreditar que possvel fazer um mundo melhor.
Agradeo tia Vanira, que foi muito mais do que uma tia, muitas e muitas vezes me
cuidando como uma filha. Agradeo a ela por muitos ensinamentos, entre todos,
principalmente, o de ser generosa e ajudar o prximo sempre que possvel.
Agradeo a todos os meus amigos, por terem proporcionado momentos de alegria e por
terem se prestado a me ouvir nos momentos em que senti necessidade. Em especial s
minhas amigas Adriana e Jacqueline, com quem eu divido de forma mais ntima
momentos e acontecimentos particulares, que me fizeram companhia em momentos de
solido, querem me ver feliz.
Agradeo aos amigos que fiz na Alemanha, Camila, Raffael, Vinicius, Laura e
Marcelo, por terem sido to companheiros em um momento em que eu estava sozinha,
por terem me ajudado a comear uma nova e completamente diferente vida, por terem
me mostrado que pessoas boas no so raridade nesse mundo ainda.
Agradeo a minha amiga e parceira de laboratrio Keity, por toda a orientao dada ao
longo do desenvolvimento da minha tese, por ter contribudo para o meu crescimento
profissional, por ter sido um ombro amigo em momentos de desnimo e por ter dado
fora para continuar.
Agradeo ao amigo e colega de laboratrio Carlo, por todo o auxlio dado para realizar
experimentos, por toda a discusso cientfica desencadeada nos momentos do cafezinho
e por ser companhia de bandejo quase todos os dias durante meu perodo no Incor.
Agradeo a todo o pessoal do Laboratrio de Imunologia do Incor (FMUSP), por
qualquer ajuda que tenham dado durante o perodo em que estive l realizando parte do
doutorado e por terem proporcionado frutferas discusses durante as reunies de ps-
graduandos.
Agradeo ao Servio de Alergia e Imunologia.
Agradeo ao Dr. Fabio Castro, por toda a ateno despendida, por todos os esforos
gastos em meu favor e por torcer sempre pelo meu sucesso.
Agradeo ao Prof. Dr. Jorge Kalil, por todo o tempo dedicado a me ouvir, me
aconselhar, me mostrar direes. Por ter sido interessado e preocupado com o bom
andamento do projeto. Por ter escrito uma carta de recomendao quando me candidatei
e uma bolsa de estudos para realizar parte da pesquisa na Alemanha. Por ter sido pessoa
importante na soluo de entraves.
Agradeo a todo o pessoal do Laboratrio de Biologia Estrutural e Zooqumica, por
todo o auxlio dado durante o tempo em que estive l.
Agradeo ao meu orientador Prof. Mario Palma, por ter me dado a chance de iniciar
minha carreira cientfica em seu laboratrio, atravs do desenvolvimento de projeto de
pesquisa como aluna de iniciao cientfica, acreditando no meu potencial. Por ter
permanecido meu orientador se credenciando a outra instituio, quando ingressei no
doutorado direto. Por ter sido paciente em momentos de imaturidade e por ter acreditado
que eu era capaz.
Agradeo ao meu grande amigo e companheiro Andrej, por ter me recebido de braos
abertos quando cheguei no laboratrio do instituto de pesquisa na Alemanha. Por ter
sido to solcito em todos os momentos em que pedi ajuda no trabalho. Por ter se
disponibilizado de imediato a me ajudar com os experimentos, anlises, problemas com
computadores e a escrita. Por ter sido fundamental no desenvolvimento de habilidades
diferenciadas. Por ter compartilhado minhas aflies e frustraes relacionadas vida
na Alemanha. Por ter me dado fora quando eu quis desistir e jogar tudo para o alto. Por
ter dado risadas comigo quando eu estava alegre e por ter chorado e enxugado minhas
lgrimas quando eu estava triste. Por ter mudado o meu jeito de encarar a vida e os
problemas. Por me mostrar um jeito mais leve de viver a vida. Por ter mudado de pas e
sua prpria vida para estar ao meu lado.
Agradeo a todo o pessoal do Instituto Max Planck de Biologia Celular Molecular e
Gentica (Dresden, Alemanha) por abrirem as portas de seus laboratrios e estarem
prontos a colaborar. Por terem contribudo de forma significativa para o meu
crescimento profissional. Em especial Carolyn do Escritrio Internacional, pela
prontido em resolver todos os assuntos relacionados regularizao da minha situao
como estrangeira.
Agradeo a todo o pessoal do laboratrio de espectrometria de massas do Instituto Max
Planck, por todo o suporte fornecido durante o desenvolvimento do doutorado
sanduiche e pelas discusses cientficas geradas nas reunies semanais de grupo.
Especialmente, Andrea Knust e Anna Shevchenko, por terem auxiliado no
treinamento tcnico e meu desenvolvimento cientfico. E, secretria Janine, por sua
eficincia e rapidez no desenrolamento de entraves burocrticos e por se mostrar sempre
disposta.
Agradeo ao Dr. Andrej Shevchenko, por ter me permitido apresentar um pedido de
colaborao, por ter acreditado no sucesso da colaborao, por ter me recebido em seu
laboratrio fornecendo todo e qualquer suporte necessrio para o bom desenvolvimento
do trabalho. Por ter me ensinado tantas coisas novas em to curto perodo de tempo, que
eu levaria anos para aprender no Brasil.
Agradeo s agncias financiadoras, Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico
e Tecnolgico (CNPq), Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD) e ao
Instituto Nacional de Cincia e Tecnologia (iii-INCT).
Agradeo a todos que no esto nomeados aqui, mas que de alguma forma me ajudaram
durante essa jornada.
Por fim, agradeo especialmente a todas as abelhas que foram sacrificadas em prol do
conhecimento e desenvolvimento da cincia.
Nem tudo fcil
difcil fazer algum feliz, assim como fcil fazer triste.
difcil dizer eu te amo, assim como fcil no dizer nada
difcil valorizar um amor, assim como fcil perd-lo para sempre.
difcil agradecer pelo dia de hoje, assim como fcil viver mais um dia.
difcil enxergar o que a vida traz de bom, assim como fcil fechar os olhos e atravessar
a rua.
difcil se convencer de que se feliz, assim como fcil achar que sempre falta algo.
difcil fazer algum sorrir, assim como fcil fazer chorar.
difcil colocar-se no lugar de algum, assim como fcil olhar para o prprio umbigo.
Se voc errou, pea desculpas...
difcil pedir perdo? Mas quem disse que fcil ser perdoado?
Se algum errou com voc, perdoa-o...
difcil perdoar? Mas quem disse que fcil se arrepender?
Se voc sente algo, diga...
difcil se abrir? Mas quem disse que fcil encontrar algum que queira escutar?
Se algum reclama de voc, oua...
difcil ouvir certas coisas? Mas quem disse que fcil ouvir voc?
Se algum te ama, ame-o...
difcil entregar-se? Mas quem disse que fcil ser feliz?
Nem tudo fcil na vida...Mas, com certeza, nada impossvel.
Precisamos acreditar, ter f e lutar para que no apenas sonhemos,
Mas tambm tornemos todos esses desejos, realidade
Ceclia Meireles
Esta dissertao ou tese est de acordo com as seguintes normas, em vigor no momento
desta publicao:
Referncias: adaptado de International Committee of Medical Journals Editors
(Vancouver).
Universidade de So Paulo. Faculdade de Medicina. Diviso de Biblioteca e
Documentao. Guia de apresentao de dissertaes, teses e monografias. Elaborado
por Anneliese Carneiro da Cunha, Maria Julia de A. L. Freddi, Maria F. Crestana,
Marinalva de Souza Arago, Suely Campos Cardoso, Valria Vilhena. 3a ed. So Paulo:
Diviso de Biblioteca e Documentao; 2011.
Abreviaturas dos ttulos dos peridicos de acordo com List of Journals Indexed in Index
Medicus.
SUMRIO
LISTA DE SIGLAS
LISTA DE SMBOLOS
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE TABELAS
RESUMO
SUMMARY
INTRODUO........................................................................................... 1
1. Apis mellifera africanizada.............................................................. 4
1.1Histria....................................................................................... 4
1.2 Histria natural dos acidentes.................................................... 6
1.3 Composio dos venenos de abelhas do gnero Apis e seus
mecanismos de ao...................................................................... 8
1.4 Aspectos clnicos e tratamentos de ferroadas de abelhas........ 11
2. Protemica baseada em espectrometria de massas....................... 14
2.1 Anlise protemica de venenos de abelhas.............................. 14
2.2 Espectrometria de massas........................................................ 16
2.2.1 Preparao de amostra previamente anlise por
espectrometria de massa............................................... 16
2.2.2 Cromatografia lquida acoplada ao espectrmetro de
massas........................................................................... 19
2.2.3 Espectrometria de massas de peptdeos........................ 23
2.2.4 Espectrmetro de massas Orbitrap................................. 23
2.2.5 Aquisio dependente de dados..................................... 25
2.2.6 Fragmentao de peptdeos............................................ 27
2.2.7 Identificao do peptdeo a partir do espectro de
fragmentao................................................................. 28
3. Protemica quantitativa.................................................................... 30
3.1 Tcnicas quantitativas para espectrometria de massas............ 30
3.2 Quantificao livre de marcao (Label-free quantification)...... 38
3.3 Quantificao label-free de venenos de abelhas....................... 42
3.4 SuperHirn................................................................................... 43
3.5 Procedimentos estatsticos........................................................ 47
3.5.1 False Discovery Rate da identificao de peptdeos 47
3.5.2 Normalizao dos dados 49
3.5.3 Avaliao das diferenas quantitativas a nvel de
protena 52
4. Modificaes Ps-Traducionais....................................................... 54
4.1 Fosfoprotemica....................................................................... 56
4.1.1 Fosforilao 56
4.1.2 Tcnicas analticas aplicadas fosfoprotemica 58
OBJETIVOS............................................................................................... 65
MTODOS......................................................................... 67
1. Coleta da Amostra.......................................................................... 67
2. Preparao da Amostra.................................................................. 67
3. Anlise LC-MS/MS.......................................................................... 68
4. Processamento dos dados............................................................. 69
5. Anlise quantitativa label-free......................................................... 70
6. Sntese do fosfopeptdeo e controle de qualidade.......................... 71
7. Ensaios Biolgicos.......................................................................... 72
7.1Atividade hemoltica................................................................... 72
7.2 Atividade de desgranulao de mastcitos.............................. 73
7.3 Efeito citoltico/citotxico........................................................... 74
7.4 Atividade quimiotctica............................................................. 74
RESULTADOS E DISCUSSO................................................................. 78
1. Perfil protemico dos venenos de abelhas..................................... 78
1.1 Identificao de protenas baseada na abordagem Shotgun
LC-MS/MS................................................................................. 78
2. Diferenas quantitativas a nvel protico entre os venenos ........... 94
3. Identificao de fosforilaes em toxinas dos venenos.................. 102
4. Relao entre fosforilao e a atividade biolgica da toxina.......... 119
4.1 Controle de qualidade da sntese de melitina fosforilada......... 120
4.2 Efeito da fosforilao identificada em melitina nas suas
atividades biolgicas................................................................. 125
4.2.1 Atividade hemoltica......................................................... 125
4.2.2 Atividade de desgranulao de mastcitos 128
4.2.3 Efeito citotxico/citoltico em mastcitos 130
4.2.4 Atividade Quimiotctica 131
CONCLUSO............................................................................................ 137
ANEXOS................................................................................................... 140
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................... 188
LISTA DE SIGLAS
Ingls Portugus
AHBV Africanized Honeybee Venom Veneno de Abelha Africanizada
ANOVA Analysis of Variance Anlise de Varincia
AQUA Absolute Quantification Quantificao Absoluta
BCA Bicinchoninic Acid Assay cido Bicinconnico
C13 Carbon-13 Carbono 13
CEIS Study Center of Social Insects Centro de Estudos de Insetos Sociais
CID Collision Induced Dissociation Coliso Induzida por Dissociao
CIP Alkaline Phosphatase Calf Intestinal Fosfatase Alcalina Intestinal Bovina
Da Dalton Dalton
DDA Data dependent acquisition Aquisio Dependente de Dados
DTT Dithithreitol
ECD Electron capture dissociation Dissociao por Captura de Eltrons
ESI Electrospray Ionizaton Ionizao por Eletrospray
EST Expressed Sequence Tag Marcador de Sequncia Expressa
ETD Electron Transfer Dissociation Dissociao por Transferncia de Eltrons
FDR Fallse Discovery Rate Taxa de Descoberta Falsa
FT-ICR Fourier Transform Ion Cyclotron
resonance
Ressonncia Ciclotrnica de ons com
Transformada de Fourier
FWHM Full Width at Half Maximum
HBV Honeybee Venom Veneno de Abelha
HC Clinics Hospital Hospital das Clnicas
HCD Higher-Energy Collision Dissociation Dissociao Induzida por Alta Energia de
Coliso
HILIC Hydrophilic Interaction Liquid
Chromatography
Cromatografia Lquida de Interao
Hidroflica
HPLC High Performance Liquid
Chromatography
Cromatografia Lquida de Alto Desemprenho
iTRAQ Isobaric tag for relative and absolute
quantification
Marcador Isobrico para Quantificao
Relativa e Absoluta
IAA Iodoacetamide Iodoacetamida
IBRC Bioscience Institute of Rio Claro Instituto de Biocincias de Rio Claro
ICAT Isotope-coded affinity tags Marcador de Afinidade Enriquecido
Isotopicamente
IMAC Immobilized Metal Affinity
Chromatography
Cromatografia de Afinidade por ons
Metlicos Imobilizados
INCOR Heart Institute Insituto do Corao
IUIS International Union of Immunological
Societies
Unio Internacional da Sociedade de
Imunologia
LC Liquid Chromatography Cromatografia Lquida
LDH Dehidrogenase Lactate Lactato Desidrogenase
LTQ-FT Linear Trap Quadrupole Fourier
Transform
Quadrupolo Armadilha de ons Linear com
Transformada de Fourier
MALDI Matrix-Associated Laser
Desorption/Ionization
ionization
Ionizao a Laser Assitida por Matriz
MCD Mast Cell Degranulating Peptdeo Desgranulador de Mastcitos
MOAC Metal Oxide Affinity Chromatography Cromatografia de Afinidade por xidos
Imobilizados
MS Mass Spectrometry Espectrometria de Massas
MS1 Precursor Ion Scan Espectro de Massas do on Precursor
MS2 Fragment Ion Scan Espectro de Massas do on Fragmento
N15 Nitrogen-15 Nitrognio 15
PLA2 Phospholipase A2 Fosfolipase A2
PTMs Post-Translational Modification Modificaes Ps-Traducionais
QCAT Concatenated Quantitative Peptides Peptdeos quantitativos concatenados
Quad Quadrupole Quadrupolo
SAX Strong Anion Exchange Troca aninica
SDS-
PAGE
Sodium Dodecyl Sulfate-
Polyacrylamide Gel Electrophoresis
Dodecilsulfato sdico-Gel de Acrilamida
para Eletroforese
SILAC StableIisotope Labeling by Amino
Acids in Cell Culture
Anlise da razo de istopos estveis em
aminocidos em cultura de clulas
SINAN - Sistema de Informao de Agravos de
Notificao
SVS - Secretaria de Vigilncia em Sade
TiO2 Titanium dioxide Dixido de titnio
TOF Time of Flight Tempo de Vo
UNESP State University of So Paulo Universidade Estadual Paulista
XIC Extracted-Ion Chromatogram Cromatograma de on extrado
XML Extensible Markup Language Linguagem de marcao
LISTA DE SMBOLOS
Ingls Portugus
% Percent Porcento
Delta Delta
C Celsius degree Graus Celsius
g Micrograms Microgramas
L Microliters Microlitros
m Micrometers Micrmetros
Angstrons ngstrons
CaCl2 Calcium chloride Cloreto de clcio
Cm Centimeters Centmetros
h Hours Horas
H3PO4 Phosphoric Acid cido Fosfrico
L Liters Litros
M Molar Molar
m/z Mass/Charge Massa/Carga
mM Milimolar Milimolar
mm Milimeters Milmetros
ms Miliseconds Milisegundos
nm Nanometers Nanmetros
PO3- Fosfato Phosphate
ppm Parts per million Partes por milho
Ser Serine Serina
Thr Threonine Treonina
Tyr Tyrosine Tirosina
U Unit Unidades
V Volume Volume
Lamda Lamda
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Desenho esquemtico da troca de vlvulas do cromatgrafo
lquido............................................................................ 22
Figura 2 Esquema do Orbitrap...... 24
Figura 3 Viso de um corte transversal do analisador de massas
Orbitrap..................................................................................... 24
Figura 4 Aquisio dependente de dados.............. 27
Figura 5 Padro de fragmentao do peptdeo.. 28
Figura 6 Quantificao baseada em peptdeos marcados com
istopos estveis...................................................................... 32
Figura 7 Componentes dos marcadores isobricos usados em iTRAQ. 33
Figura 8 Esquema de quantificao por iTRAQ..................................... 34
Figura 9 Esquema da anlise protemica quantitativa baseada em
marcao versus sem marcao...... 37
Figura 10 Distribuio isotpica caracterstica de um peptdeo em MS1.. 39
Figura 11 Extracted-ion cromatogram de um peptdeo vindo de duas
aquisies individuais......... 40
Figura 12 Comparao do teste t e ANOVA para obter a significncia
estatstica.............................................................................. 52
Figura 13 Esquema representativo da regulao da fosforilao de uma
protena..................................................................................... 56
Figura 14 Esquema das diferentes estratgias aplicadas para a
facilitao das anlises de fosforilao........... 58
Figura 15 SDS-PAGE das trs amostras de veneno. 78
Figura 16 Gradiente curto de separao de peptdeosdos trs venenos
de abelha.................................................................................. 80
Figura 17 Gradiente longo de separao de peptdeos dos trs
venenos de abelha................................................................... 81
Figura 18 Efeito da extenso do gradiente de separao na cobertura
da amostra................................................................................ 83
Figura 19 Diagrama de Venn dos perfis proteicos dos venenos
investigados em gradiente de separao cromatogrfica de
2h.............................................................................................. 86
Figura 20 Diagrama de Venn dos perfis proteicos dos venenos
investigados em gradiente de separao cromatogrfica de
6h.............................................................................................. 87
Figura 21 Fluxograma da anlise protemica quantitativa dos venenos
de abelha.................................................................................. 97
Figura 22 Toxinas quantitativamente diferenciais nos venenos da
abelha africanizada e A.m.carnica............................................ 100
Figura 23 Toxinas quantitativamente diferenciais nos venenos da
abelha africanizada e A.m. ligustica......................................... 101
Figura 24 Identificao de fosfopeptdeos em todas amostras de
veneno 105
Figura 25 XIC dos peptdeos de melitina candidatos a fosfopeptdeos.... 116
Figura 26 Espectro MS/MS do peptdeo trptico derivado de melitina,
fosforilado em serina....... 117
Figura 27 spectro MS/MS do peptdeo trptico derivado de melitina,
fosforilado em treonina............................................................. 118
Figura 28 Espectro MS/MS do peptdeo trptico derivado de icarapina,
fosforilado em serina................................................................ 120
Figura 29 Espectro MS/MS do fosfopeptdeo trptico derivado de
melitina sinttica aps digesto com trispina........................... 123
Figura 30 Espectro MS1 de melitina sinttica no tratada com
fosfatase........................................................................ 125
Figura 31 Espectro MS1 obtido para melitina sinttica aps tratamento
com fosfatase alcalina....................................................... 126
Figura 32 Efeito de melitina no modificada e melitina fosforilada na
atividade hemoltica em eritrcitos humanos.. 129
Figura 33 Efeito de melitina no modificada e fosforilada na liberao
da enzima -hexosaminidase de mastcitos...... 131
Figura 34 Efeito citotxico de melitina no modificada e fosforilada em
mastcitos................................................................................. 133
Figura 35 Efeito de melitina no modificada e fosforilada na migrao
de clulas polimorfo nucleares.......... 134
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Dados epidemiolgicos de acidentes com abelhas no
Brasil....................................................................................... 7
Tabela 2 Dados epidemiolgicos de acidentes com abelhas no
Estado de So Paulo.............................................................. 7
Tabela 3 Parmetros usados em SuperHirn.......................................... 70
Tabela 4 Parmetros usados em DanteR.............................................. 70
Tabela 5 Lista de protenas identificadas nos venenos das abelhas
europeias e africanizada......................................................... 89
Tabela 6 Protenas quantitativamente diferenciais nos venenos da
abelha africanizada e A.m.carnica.......................................... 99
Tabela 7 Protenas quantitativamente diferenciais nos venenos da
abelha africanizada e A.m.ligustica......................................... 101
Tabela 8 Fosfopeptdeos identificados no veneno da abelha
africanizada............................................................................. 105
Tabela 9 Fosfopeptdeos identificados no veneno de A.m.carnica........ 108
Tabela 10 Fosfopeptdeos identificados no veneno de A. m. ligustica.... 109
Tabela 11 Fosfopeptdeos identificadas em duas protenas dos
venenos das abelhas africanizada e europeias ..................... 112
Tabela 12 Sequncias do peptdeo derivado de melitina........................ 114
RESUMO
Resende VMF. Anlise protemica de venenos de Apis mellifera baseada em
espectrometria de massas: abordagem quantitativa e identificao de
fosforilao em toxinas [tese]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade
de So Paulo, 2013.
H muito tempo os venenos de abelhas se tornaram objeto de interesse de
muitos cientistas, principalmente os venenos daquelas linhagens do gnero
Apis, chamadas abelhas europeias e as conhecidas abelhas africanizadas. O
foco no desenvolvimento de terapias eficazes que pudessem prevenir ou frear
as reaes desencadeadas pelas toxinas dos venenos desses insetos foi o
principal estimulador do surgimento dessa grande rea da pesquisa, uma vez
que esses animais causam um grande nmero de acidentes em animais e
seres humanos e os acidentes podem desencadear graves consequncias,
inclusive bito. Sendo assim, desenvolvemos o presente trabalho baseado na
caracterizao da composio proteica dos venenos de abelhas europeias e
africanizadas, na anlise quantitativa diferencial entre os venenos e, na
investigao de fosforilaes e a possvel relao das mesmas com as funes
biolgicas. Reunindo todos os elementos que estavam ao nosso alcance para
compor o melhor conjunto de etapas para a realizao do estudo protemico
de venenos de abelhas, ns atingimos todos os objetivos propostos. Utilizando
uma abordagem baseada em espectrometria de massas, consistindo de
anlise shotgun seguida de LC-MS/MS realizada em um dos mais modernos
espectrmetros de massas, ns fomos capazes de obter resultados
extremamente confiveis e interessantes. Comparando-se o efeito da extenso
do gradiente de separao na cromatografia lquida, ns fomos capazes de
atingir uma maior cobertura da amostra, uma vez que identificamos um maior
nmero de protenas aps a utilizao do gradiente mais longo. A identificao
de fosforilaes foi favorecida pela combinao de fragmentao por Coliso
Induzida por Dissociao e medidas de massa de alta acurcia realizadas no
instrumento LTQ-Orbitrap-Velos. Enquanto apenas 29 protenas foram
identificadas aps 120 minutos de separao cromatogrfica, um total de 51
protenas foram identificadas aplicando-se gradiente mais longo. Dentre as 51
protenas totais, 42 so comuns aos venenos das trs abelhas. A comparao
em pares mostrou que os venenos das abelhas europeias compartilham 44
protenas e os venenos das abelhas africanizadas compartilham 43 protenas
tanto com o veneno de A. m. carnica quanto com o de A. m. ligustica. Alm
disso, ns revelamos que existem diferenas quantitativas entre algumas das
protenas dos venenos, sendo muitas dessas protenas diferenciais toxinas
com funes conhecidamente relevantes. A investigao de fosforilao
mostrou que duas toxinas apresentam-se na forma fosforilada: melitina e
icarapina. Melitina considerada a principal toxina de venenos de abelhas,
sendo bem conhecida por sua ao altamente txica e alergenicidade. Este
peptdeo foi identificado com fosforilao ocorrendo no stio Ser18 em todas as
amostras de venenos, enquanto somente no veneno da abelha africanizada foi
tambm identificado com stio de fosforilao no resduo de Thr10. Icarapina,
tambm j descrita como um alrgeno do veneno, apresentou stio de
fosforilao no resduo Ser205. Por fim, ns demonstramos o efeito da
fosforilao presente em melitina (Ser18) realizando ensaios de atividade
biolgica do peptdeo fosforilado e nativo, como: hemlise, lise celular e
desgranulao de mastcitos e atividade quimiotctica. Foi observado que a
toxicidade do peptdeo fosforilado reduzida em comparao ao do peptdeo
nativo. Sendo assim, ns podemos concluir que a combinao de metodologias
eficientes e a utilizao de moderna instrumentao nos levou a resultados
surpreendentes, os quais se somam a todo o conhecimento j existente acerca
de venenos de abelhas.
Descritores: veneno de abelha; proteoma; LC-MS/MS, fosforilao; melitina
SUMMARY
Resende VMF. Mass Spectrometry-based proteomic analysis of honeybee
venoms: label-free quantification and phosphorylation identification [thesis].So
Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo, 2013.
Honeybee venom toxins disturb the activity of critical cellular processes,
triggering immunological, physiological, and neurological responses within
victims. Studies on venom toxins have provided invaluable knowledge towards
elucidating the molecular and functional details of their biological targets, yet
there has been no report of a full proteome/phosphoproteome profile of
honeybee venom. In this study, we focused on Apis mellifera honeybee venom
characterization, including proteins identification, label-free quantitative analysis
and phosphorylation identification. Making use of a MS-based proteomic
approach, consisting on in-solution digestion followed by LC-MS/MS analysis,
we were able to compare the effect of the liquid chromatography gradient length
on the sample coverage, consequently, to identify a higher number of proteins
using longer separation gradient of the tryptic peptides. Favorable identification
of phosphorylations was achieved by the application of a long separation
gradient combined with CID fragmentation and high accuracy mass
measurement using an LTQ Orbitrap Velos. Here we report on the comparative
shotgun proteomics study of the venoms of two Apis mellifera subspecies, A. m.
carnica and A. m. ligustica, and the hybrid known as Africanized honey bee
(AHB). We identified 51 proteins in total, with 42 of them being common among
the three venoms, including many previously unidentified entries. Performing
label-free quantification, we observed that few proteins were found with different
relative amounts. Additionally, we revealed the phosphorylation of two proteins
in all the samples, with two of them being HBV toxins/allergens: melittin and
icarapin. Icarapin was identified as phosphorylated at 205Ser. Melittin was
identified as phosphorylated at the 18Ser and 10Thr positions in all venoms, as
well. Given these novel findings, we then chose to compare the toxicity of the
phosphorylated/unphosphorylated forms of the major venom toxin, melittin,
considering the most prominent phosphorylation event, the phosphorylated
18Ser position. We showed that the toxicity is in fact decreased when the
peptide is phosphorylated. Based on a combination of efficient methodology
and state-of-the-art instrumentation, delineated by our Shotgun-NanoESI-Long
Gradient-LTQ Orbitrap Velos analysis, we achieved proteomic coverage far
surpassing any previous report. Together, these discoveries pave the way for
future phosphovenomic studies.
Descriptors: honeybee venom; label-free quantification, LC-MS/MS,
phosphorylation, melittin
1
INTRODUO
2
INTRODUO
A investigao de sistemas vivos ao nvel protico tem contribudo para
importantes descobertas a respeito de diversos processos biolgicos. A
identificao e quantificao de protenas expressas em clulas, fluidos
celulares, tecidos ou at mesmo organismos inteiros tornaram-se o maior
desafio aps a era genmica. Protemica baseada em espectrometria de
massas modificou fundamentalmente o modo como os sistemas biolgicos so
interrogados, devido a sua habilidade de analisar milhares de protenas,
incluindo suas modificaes ps-traducionais (PTMs). H cerca de cinco anos,
a maioria dos estudos protemicos apenas enumerava as protenas
constitutivas de um sistema biolgico. Contudo, o desenvolvimento da
espectrometria de massas foi responsvel pela mudana desses estudos,
sendo que anlises quantitativas e de PTMs compem a maioria dos estudos
protemicos executados atualmente. O conjunto de etapas de trabalho de um
estudo protemico, dividido em preparao da amostra, separao das
protenas e peptdeos, anlise por espectrometria de massas (MS) e, anlise
dos dados, permite aos cientistas reunirem elementos especficos que se
encaixam melhor na tarefa tida em mos. Do mesmo modo, neste trabalho ns
reunimos os elementos que estavam ao nosso alcance para compor o melhor
conjunto de etapas que executassem a tarefa de analisar o contedo protico
dos venenos de trs subespcies de Apis mellifera, buscando no somente a
elaborao de uma lista de protenas, mas tambm a anlise quantitativa
3
comparativa, assim como a anlise de modificaes ps-tradicionais destas
protenas.
Os venenos de abelhas do gnero Apis, principalmente daquelas
linhagens europeias e africanizadas, despertam um grande interesse em
cientistas em virtude do grande nmero de acidentes causados por esses
animais e de suas consequncias. Isso fez surgir uma grande rea de
pesquisa, com escopo no desenvolvimento de terapias eficazes que possam
conter ou prevenir as reaes desencadeadas pelas toxinas dos venenos
desses insetos. Alm disso, outro interesse intimamente relacionado ao
primeiro entender o mecanismo pelo qual esses venenos agem de forma to
precisa para desempenhar eficientemente sua funo de proteger as colnias
de abelhas contra possveis predadores e agressores. intrigante a forma pela
qual o curso da evoluo atribuiu tamanha funcionalidade a essas toxinas
constituintes dos venenos, as quais so peptdeos, protenas ou compostos de
baixa massa molecular. A enorme riqueza em compostos biologicamente ativos
desperta uma grande curiosidade porque so molculas capazes de
desencadear graves reaes fisiopatolgicas, uma vez introduzidas em um
animal ou ser humano, podendo lev-los a bito. Sendo assim, desenvolvemos
o presente trabalho baseado na caracterizao da composio protica dos
venenos de abelhas europeias e africanizadas, na anlise quantitativa
diferencial entre os venenos e, na investigao de modificaes ps-
traducionais e a possvel relao das mesmas com as funes biolgicas.
4
1. Apis mellifera africanizada
1.1 Histria
A abelha africanizada, chamada popularmente killer bee, resultou de um
cruzamento experimental entre abelhas africanas (Apis mellifera scutellata) e
espcimes de abelhas europeias (Apis mellifera mellifera, Apis mellifera
ligustica, Apis mellifera carnica e Apis mellifera iberica). Em 1956, abelhas
africanas foram transportadas da frica (Tanznia) para o Brasil com o intuito
de aumentar a produo de mel. As abelhas africanas produziram menores
quantidades de mel que as abelhas europeias, porm toleraram melhor o clima
quente. Diante dessa constatao, foi considerada a tentativa de fazer o
cruzamento das abelhas africanas com as europeias criadas no Brasil naquela
poca, no intuito de que os descendentes desses cruzamentos pudessem se
adaptar bem ao clima tropical da Amrica do Sul e produzir quantidades
maiores de mel. Em 1957, 26 colnias da abelha africana escaparam
acidentalmente do apirio do laboratrio de apicultura em Rio Claro, So
Paulo.(1) O cruzamento inter-espcies bem difundido com populaes locais
das abelhas europeias anteriormente introduzidas no local foi muito bem
sucedido e resultou na predominncia de descendentes agressivos, os quais
adquiriram fortemente os traos genticos da abelha africana. Inicialmente,
pensou-se que a hibridizao poderia ocorrer, mas ao longo do tempo
5
observou-se que as caractersticas das abelhas africanizadas substituram as
das europeias. (2)
Aps o estabelecimento das abelhas africanizadas no Brasil, elas
iniciaram um processo migratrio graas a dois fatores: primeiro, a habilidade
de voar longas distncias e segundo, devido ao comportamento incomum de
enxamear. O enxameamento das abelhas africanizadas ocorre a uma taxa
mais acelerada que a das demais abelhas; enquanto as ltimas enxameiam de
2 a 3 vezes por ano, as africanizadas enxameiam de 6 a 12 vezes por ano,
estabelecendo novas colnias muito rapidamente.(3, 4) As abelhas
africanizadas espalharam-se atravs da Amrica Latina avaando, em mdia,
entre 250 e 300 Km por ano, at que em 1985 atingiram o Mxico e em 1990
chegaram ao Texas, Estados Unidos. A taxa de migrao atravs dos Estados
Unidos foi ligeiramente reduzida, mas ainda assim as abelhas alastraram-se
pelo Arizona e Novo Mxico em 1993 e pela Califrnia por volta de 1994.(5)
Atualmente elas j so encontradas em Arizona, Nevada, Oklahoma e
provavelmente se tornaro endmicas no Sul, incluindo Louisiana, Mississipi,
Alabama, Florida e partes da Georgia.(6) Em todos os lugares onde as abelhas
africanizadas estabeleceram-se, elas tornaram-se um grave problema de
sade pblica e para a agricultura, devido a sua agressividade. Embora os
apicultores enfrentem dificuldades de manejo, as abelhas africanizadas no
podem ser aniquiladas porque so extremamente relevantes para a polinizao
e consequentemente para a produo agrcola. Por isso, a medida inicialmente
tomada foi o aprendizado da convivncia com as abelhas, todavia com a
6
adoo de iniciativas para reduzir e evitar os potenciais prejuzos causados
pelas mesmas sempre que possvel.
1.2 Histria natural dos acidentes
Desde o estabelecimento das abelhas africanizadas em quase toda a
Amrica, um crescente nmero de acidentes tem sido relatado. Pelo menos
350 mortes causadas pelas abelhas africanizadas foram relatadas na Amrica
Latina nos primeiros 28 anos aps a introduo das mesmas. Porm, h
indicaes de que o npumero real seria um total de 700 a 1000 mortes.(7) Na
Venezuela, 70 mortes foram relatadas entre 1978 e 1981, e no Mxico, entre
cerca de 300 ataques ocorridos entre 1986 e 1992, 49 resultaram em morte.(8)
No Hospital Vital Brasil, So Paulo, Brasil, uma mdia de 3 acidentes por ano
ocorriam antes de 1957, sendo que aps esse ano o nmero cresceu para 100,
dentre os quais bitos foram registrados.(5) Desde o primeiro ataque fatal
ocorrido no Texas em 1993, outros acidentes seguidos de morte tm sido
relatados nos Estados Unidos.(9) Dados mais recentes coletados pelo Sistema
de Informao de Agravos de Notificao (Sinan-Net) do Ministrio da Sade
mostram a incidncia de acidentes e bitos causados por acidentes com
abelhas no Brasil (Tabela 1) e no Estado de So Paulo (Tabela 2).
7
Tabela 1 Dados epidemiolgicos de acidentes com
abelhas no Brasil.
Ano Nmero de casos bitos
2007 5344 19
2008 5725 11
2009 6761 31
2010 7381 28
2011 8338 28
Fonte: Ministrio da Sade/SVS - Sinan Net *Dados de 2011 atualizados em 07/02/2012, dados parciais.
Tabela 2 Dados epidemiolgicos de acidentes com abelhas no Estado de So Paulo.
Ano Nmero de casos bitos
2007 1381 1
2008 1527 1
2009 1558 3
2010 1853 4
2011 1745 5
Fonte: Ministrio da Sade/SVS - Sinan Net *Dados de 2011 atualizados em 07/02/2012, dados parciais.
O grande nmero de acidentes reflexo direto do comportamento da
abelha africanizada, que parece ser geneticamente modulado.(10) Vrios
componentes chamados ferormnios foram isolados e relacionados
caracterstica da agressividade.(11) Embora os acidentes com abelhas
europeias tambm sejam preocupantes, as abelhas africanizadas tm
provocado acidentes mais srios porque so mais agressivas que aquelas. As
abelhas africanizadas podem seguir as vtimas por at quatrocentos
8
metros,(12) alm de usualmente atacarem em massa. Alm da agressividade,
outro motivo que tambm justifica esse comportamento de ataque em massa
deve-se ao fato de que as abelhas respondem a estmulos qumicos volteis
liberados pelas glndulas de veneno de outras abelhas no momento da
ferroada.(13, 14) As ferroadas so perigosas para aqueles indivduos que
apresentam risco de anafilaxia, a qual desencadeada por hipersensibilidade
mediada por IgE. Os efeitos so tambm extremamente danosos quando o
indivduo sofre um ataque em massa, durante o qual a vtima pode receber
centenas ou at milhares de ferroadas. Neste caso, uma reao txica
desencadeada, podendo levar o indivduo a bito.
1.3 Composio dos venenos de abelhas do gnero Apis e seus
mecanismos de ao
A investigao de venenos de abelhas tem sido realizada h bastante
tempo, agregando diversas informaes acerca do conhecimento a respeito de
venenos. No mesmo sentido, recentes estudos tm progredido de forma
significativa na identificao e caracterizao de componentes de venenos de
abelhas, principalmente aqueles de baixa abundncia. Atualmente j se sabe
que entre todos os componentes conhecidos, doze deles so caracterizados
como alrgenos, os quais podem ser encontrados na lista de alrgenos do
Sub-Comit de Nomenclatura de Alrgenos da Unio Internacional da
Sociedade de Imunologia (IUIS).(15) Entre os alrgenos esto as toxinas mais
conhecidas do veneno, melitina e fosfolipase A2 (PLA2). Alm de
9
desencadearem resposta alrgica nas vtimas, tais componentes tambm
apresentam efeito txico, especialmente o peptdeo melitina, por representar
cerca de 50% do peso seco do veneno, de acordo com Habermann et al.(16)
Melitina um peptdeo anfiflico, com 26 resduos de aminocidos, conhecido
por exercer efeito perturbador em membranas celulares, sendo assim
hemoltico e antibitico.(17) Ademais, a melitina induz alteraes estruturais de
membranas, como formao de poros e vesculas.(18-20) As alteraes
morfolgicas de membranas causadas pela melitina acarretam em secreo de
hormnios, agregao de protenas de membrana e alterao do potencial de
membrana. Todos esses efeitos fazem da melitina um importante modificador
de funes celulares.(21, 22)
Alm de todos os efeitos apresentados pela melitina, esse peptdeo
tambm foi descrito como ativador de PLA2,(21, 22) que considerada outra
protena txica muito importante identificada no veneno de abelhas europeias.
Alm da funo alergnica, essa protena de 134 resduos de aminocidos
ainda responsvel por catalizar a hidrlise de glicerofosfolipdeos e j foi
descrita em diversas fontes, tais como venenos de insetos e rpteis, suco
pancretico, fluido sinovial, desempenhando diferentes funes.(23) Alm da
melitina, o veneno de abelhas contm muitos outros peptdeos, tais como
apamina e peptdeo desgranulador de mastcitos (MCD Mast Cell
Degranulating). Em contraste melitina, a apamina possui um modo de ao
altamente especfico; possui apenas 18 resduos de aminocidos, com
aproximadamente 2 KDa de peso molecular, sendo o menor peptdeo
neurotxico conhecido. A apamina no ltica, mas exerce influncia sobre as
10
membranas ps-sinpticas do sistema nervoso central e perifrico.(24) O
peptdeo MCD, por sua vez, constitudo de 22 resduos de aminocidos,
diferindo da melitina por apresentar duas pontes dissulfdicas, assemelhando-
se estruturalmente apamina. Segundo Dotimas & Hider et al,(25) o peptdeo
MCD capaz de desgranular mastcitos, mesmo quando presente em baixas
concentraes.
A descoberta de novos componentes de venenos de abelhas tem sido
contnua, em razo do desenvolvimento de instrumentos e estratgias
analticos. Apesar disso, no est disponvel ainda na literatura o estudo do
perfil protico do veneno da abelha africanizada, a qual predominante no
Brasil e acarreta graves problemas de sade pblica em razo dos acidentes
que ela causa frequentemente, como discutido na seo anterior.
Adicionalmente ao estudo do comportamento dessas abelhas, o qual
relevante na proposio de mtodos de preveno de acidentes, merece
destaque a investigao do comportamento bioqumico das toxinas
responsveis por causar tantos danos. Estudar a composio qumica do
veneno, o que inclui caracterizar funcionalmente os seus componentes e
entender a relao entre o modo de ao das toxinas no organismo da vtima e
os sintomas apresentados aps a ferroada, pr-requisito extremamente
necessrio para o estabelecimento de tratamentos eficientes que promovam o
bem-estar da vtima. Os sintomas ps-ferroada e tratamentos j disponveis
so tpicos abordados na seo seguinte.
11
1.4 Aspectos clnicos e tratamentos de ferroadas de abelhas
As reaes aos venenos desses himenpteros apresentam um amplo
espectro de manifestaes clnicas que variam desde pequenas reaes locais
at reaes generalizadas fatais. As manifestaes clnicas resultantes do
contato entre abelhas e humanos que despertam o maior interesse so as
alrgicas e as txicas. As reaes alrgicas, as quais esto ligadas
hipersensibilidade do indivduo, podem ser desencadeadas por uma nica
ferroada. Estudos retrospectivos tm sugerido que a prevalncia de reaes
alrgicas a ferroadas de Hymenoptera em populaes no-atpicas de cerca
de 0,4% a 3,3%.(26) As reaes alrgicas geralmente so tratadas com anti-
histamnicos, corticosterides, broncodilatadores e vasodilatadores.(27) No
entanto, a vtima pode sofrer um choque anafiltico, que poder lev-la
morte. Embora reaes adversas possam ocorrer ao longo do tratamento, a
imunoterapia especfica tem se mostrado muito eficiente, com eficcia variando
entre 90 e 100%.(28)
Ferroadas causadas por um grande nmero de abelhas causam
intoxicao independente da hipersensibilidade. Admite-se que a quantidade
de veneno seco por abelha varie entre 0,2 e 0,5 mg e que uma abelha
africanizada seja capaz de injetar cerca de 94 g de veneno em menos de um
minuto e, no caso de um acidente grave, com mais de 100 ferroadas, os nveis
de veneno na circulao sangunea podem chegar at 3,8 g/mL.(29) As
reaes txicas incluem hipotenso, sudorese, nuseas, hipotermia e
taquicardia. Os danos provocados por toxicidade sistmica se manifestam
12
apenas algumas horas aps o ataque, com a maioria das mortes ocorrendo 22
horas depois do acidente.(5) O tratamento mais indicado para as reaes
txicas a utilizao de um antiveneno especfico e, apesar do alto ndice de
notificaes de acidentes envolvendo ferroadas de abelhas, no est
disponvel ainda o soro antiveneno especfico de abelhas. O desenvolvimento
de um antiveneno vem sendo tentado em vrios pases do mundo para o
tratamento das vtimas de ataques em massa por abelhas africanizadas.
Alguns trabalhos j foram realizados na tentativa de produzir um soro
antiveneno de abelhas, entretanto, pouco eficientes em termos de
neutralizao. Schumacher et al testaram anticorpos produzidos em coelhos
imunizados com o veneno total, ou apenas com a melitina, e estes foram
ineficientes na neutralizao do veneno total.(30) Jones et al produziram um
antiveneno F(ab) em ovelhas, o qual mostrou apenas o efeito positivo da
neutralizao da atividade fosfolipsica, sendo a produo de anticorpos
especficos para a melitina. Alm disso, os ensaios clnicos no seguiram
adiante para comprovar sua eficcia.(31)
Frente necessidade deste soro, uma iniciativa foi tomada para a
produo deste produto no Brasil. A partir de uma colaborao entre o Instituto
Butantan, o CEIS/IBRC-UNESP e o HC/INCOR iniciou-se o projeto Anticorpos
monoclonais e policlonais como ferramentas imunoteraputicas: produo em
larga escala e uso clnico, que apresenta um sub-projeto intitulado: Produo
de Soro Antiveneno de Abelhas Melferas. Dentro desse sub-projeto foi
produzido um soro hiperimune em eqinos, antiveneno de abelhas, uma vez
que o cavalo o animal utilizado no Brasil para a produo de soros
13
antiofdicos, em funo do seu manejo, boa resposta imunolgica, excelente
volume de plasma, longevidade e, principalmente, por ser um animal no qual
ainda no foi identificada a presena de prons. O esquema de imunizao
consistiu em utilizar doses sub-letais em que os fenmenos fisiopatolgicos do
veneno no fossem observados. Cada ciclo de imunizao consistiu de uma
imunizao com adjuvante e trs imunizaes, em presena de adjuvante ou
no.(32)
O antiveneno produzido contra o veneno de A. mellifera africanizada
serviu de instrumento de estudo de Santos, K. S. Pela primeira vez, neste
trabalho foi demonstrada a soroneutralizao das principais aes txicas do
veneno total da abelha africanizada,(32) o que teve grande importncia do
ponto de vista social, tecnolgico e cientfico para o pas. Diante da eficcia do
soro antiveneno, foi dado incio produo em larga escala para que os testes
clnicos pudessem ser feitos. Apesar dos resultados positivos quanto
soroneutralizao in-vitro, podemos considerar que o sucesso ser completo
somente quando for realizada a avaliao da eficcia do soro in vivo, a qual
ocorre em ensaios clnicos que devem ser desenvolvidos por uma equipe
mdica capaz de atender a vtima em caso de qualquer complicao. Alm de
ensaios clnicos que antecedem a liberao do uso do antiveneno, esse
produto pode ser alvo de outras investigaes, tais como a avaliao da
neutralizao da ao txica de venenos de subespcies de Apis mellifera pelo
soro antiveneno especificamente produzido para a abelha africanizada. Caso
fosse demonstrada a neutralizao desses venenos pelo soro produzido no
14
Brasil, nosso pas poderia tornar-se um exportador do produto para diversas
regies do mundo onde acidentes com abelhas so frequentes.
2.Protemica baseada em espectrometria de massas
2.1 Anlise protemica de venenos de abelha
Veneno de abelha tem sido utilizado h algum tempo em diversos estudos
cientficos por vrias razes, entre elas: o interesse em conhecer melhor a
composio bioqumica e, consequentemente, o mecanismo de ao das
toxinas; a investigao de molculas com potencial para utilizao teraputica;
o interesse em encontrar tratamentos mais eficazes e especficos para
acidentes que desencadeiem reaes alrgicas txicas.
Algo j se sabe a respeito da composio dos venenos de abelhas como
foi mencionado anteriormente na seo 1.3 deste trabalho. Entretanto, o
proteoma de venenos animais, assim como qualquer outro proteoma em foco
de investigao, tem sido facilitado cada vez mais devido ao surgimento de
novos mtodos analticos e instrumentos altamente tecnolgicos, com
princpios especficos voltados para anlises de interesse. Atualmente a
abordagem protemica est fortemente aliada espectrometria de massas
(MS), a qual consiste em uma estratgia analtica altamente especfica e
sensvel.
15
O primeiro proteoma de veneno de abelha utilizando espectrometria de
massas foi realizado por Peiren et al em 2005,(33) o qual combinou a
eletroforese bidimensional e anlise por espectrometria de massas em um
equipamento do tipo MALDI-TOF/TOF. Este estudo identificou nove protenas
do veneno de abelhas europeias, sendo que seis dessas protenas haviam sido
descritas anteriormente,(34, 35) enquanto trs foram identificadas pela primeira
vez. Desde ento, outros estudos focaram na identificao de novos
componentes, principalmente molculas pouco abundantes e, tambm, na
caracterizao estrutural e funcional das mesmas. Atualmente, doze protenas
do veneno de Apis mellifera so conhecidamente alergnicas, as quais
pertencem lista de alrgenos do Sub-Comit de Nomenclatura de Alrgenos
da Unio Internacional da Sociedade de Imunologia.(15)
Embora muitas pesquisas tenham contribudo para a caracterizao do
contedo de venenos de abelha, ainda no h nenhum trabalho cientfico
disponvel na literatura que tenha relatado o estudo do perfil protico do veneno
da abelha africanizada. Levando-se em conta a importncia dessa subespcie
de Apis mellifera, principalmente no Brasil e nas Amricas, considerada a maior
causadora de acidentes e prejuzos sade pblica, este trabalho visou
caracterizao do perfil protico do veneno da abelha africanizada, alm da
comparao entre os venenos da abelha africanizada e de duas abelhas
europeias (Apis mellifera ligustica e Apis mellifera carnica) atravs de uma
anlise quantitativa dos mesmos, a qual est mostrada adiante. Com o foco em
identificar amplamente as protenas do veneno, considerando provveis novos
componentes, e caracterizar propriedades fsico-qumicas desses, uma
16
abordagem protemica baseada em espectrometria de massas foi aplicada,
fazendo uso da mais moderna tecnologia disponvel atualmente.
2.2 Espectrometria de massas
2.2.1 Preparao de amostra previamente anlise por
espectrometria de massa
GeLC-MS/MS
A convencional anlise de protenas baseada em espectrometria de
massas envolve digesto de extratos de protenas em peptdeos passveis de
anlise MS. Quando analisadas amostras biolgicas altamente complexas, as
quais podem conter de centenas a milhares de protenas, o procedimento de
pr-fracionamento pode ajudar significantivamente a aumentar a profundidade
da anlise quando a mesma realizada atravs de espectrometria de massas.
Isto devido ao fato de que a complexidade da amostra minimizada atravs
de vrias aquisies LC-MS/MS. A estratgia frequentemente aplicada,
conhecida como GeLC-MS/MS, consiste na separao de protenas em gel de
poliacrilamida (SDS-PAGE) seguida de digesto das protenas aprisionadas no
gel com tripsina, extrao dos peptdeos e anlise dos mesmos atravs de LC-
MS/MS.(36) importante ressaltar que existe uma troca entre a extenso do
fracionamento desejado e a durao do experimento. Quanto mais fragmentos
17
so obtidos, menor nmero de protenas estar contido em cada um deles, e
menor a complexidade da anlise, permitindo maior sensibilidade e uma
anlise LC-MS/MS mais detalhada. Entretanto, cada pedao de gel analisado
em aquisies independentes, acarretando em tempo de uso de mquina
maior para analisar todos os fragmentos. Um dos benefcios do uso de SDS-
PAGE o tratamento imparcial de protenas hidrofbicas, as quais so
perdidas na eletroforese bidimensional. Alm disso, fornece um passo de
limpeza, significando que diferentes reagentes qumicos podem ser utilizados
previamente no passo de preparao da amostra, no apresentando efeitos
adversos na coluna de separao por fase reversa ou no poder de ionizao
dos peptdeos.(37)
Anlise Shotgun
Em que pese a estratgia GeLC-MS/MS apresentar vantagens, como
discutido anteriormente, a recuperao de um grande nmero de peptdeos
originados da protelise dificultada uma vez que eles podem ficar presos na
matriz do gel, podendo resultar em uma pobre cobertura de sequncia.(38) Isto
crucial quando se deseja uma ampla caracterizao da amostra e quando h
procura de modificaes ps-traducionais, em que a cobertura da sequncia
extremamente necessria. Shotgun o termo denominado para o mtodo de
anlise de uma mistura protica complexa sem uma separao prvia. Para
amostras contendo nenhum detergente e de baixa a mdia complexidade,
18
digesto em soluo pode ser a melhor escolha devido elevada cobertura da
amostra.(39) Esse mtodo foi escolhido no presente trabalho por dois principais
motivos: primeiramente, porque o objetivo do trabalho foi abranger o maior
nmero possvel de identificaes de protenas, conferindo uma completa
caracterizao do perfil protico dos venenos de abelhas; segundo, porque
outro objetivo foi buscar modificaes ps-traducionais, as quais no foram
identificadas em toxinas de venenos de abelhas at o presente momento.
Recentemente, com os avanos tecnolgicos, esse tipo de abordagem
tem substitudo gradualmente a separao de protenas em gel. A mistura de
protenas submetida digesto proteoltica em soluo, a qual diretamente
injetada no cromatgrafo lquido acoplado ao espectrmetro de massas, onde
ocorre uma separao dos peptdeos por fase reversa. Em seguida, os
peptdeos so ionizados e sujeitos a sequenciamento MS/MS. Esse mtodo
recente tem sido facilitado pelo desenvolvimento de espectrmetros de massas
capazes de adquirir milhares de espectros MS/MS ao longo de uma nica
anlise LC-MS/MS; alm de que muitas ferramentas tm sido desenvolvidas
para ajudar na validao da identificao dos peptdeos e protenas.(40) A
confidncia na identificao dos peptdeos pde ser aumentada graas s
medidas de massa de altssima acurcia permitidas pelos atuais instrumentos,
tais como FT-ICR (Fourier transform ion cyclotron resonance).(41) Instrumentos
FT-ICR fornecem a maior acurcia na medida de massas, porm seu uso
restringido quando usado acoplado a tcnicas de separao e aplicado a
experimentos de larga escala. Alguns dos desafios eram o longo tempo na
aquisio de dados MS/MS, assim como a alta variabilidade na produo de
19
ons atravs da separao cromatogrfica. Estas dificuldades foram
minimizadas com o desenvolvimento de um instrumento hbrido, LTQ FT, o
qual apresenta um sistema ion-trap linear acoplado ao Orbitrap, que, por sua
vez, permite a utilizao do algoritmo transformada de Fourier, combinando
medidas de alta acurcia com um desempenho de alta velocidade na aquisio
de MS/MS.(42)
A anlise shotgun de venenos de abelhas no foi realizada at os dias de
hoje, porque a amostra sempre foi considerada complexa levando-se em conta
a indisponibilidade de instrumentos para tal finalidade. Entretanto, a
disponibilidade do Orbitrap Velos para a execuo das anlises deste trabalho
favoreceu a escolha do mtodo e a obteno de resultados de alta qualidade e
extremamente confiveis. Orbitrap Velos considerado atualmente um dos
instrumentos mais sofisticados na rea de espectrometria de massas, que est
demonstrado adiante.
2.2.2 Cromatografia Lquida acoplada ao espectrmetro de massas
Apesar de a cromatografia lquida (LC) ser uma tecnologia que est
disponvel h muitas dcadas, dois principais avanos mudaram sua
aplicabilidade na protemica. O primeiro foi a introduo do electrospray
(ESI).(43) O princpio desta tecnologia consiste na formao de um spray, o
qual deixa o cromatrogrfo na fase lquida e entra no espectrmetro de massas
na fase gasosa, graas combinao de um nebulizador e uma voltagem
20
aplicada ao fim do capilar por onde atravessam os peptdeos. Deste modo, a
carga eltrica de pequenas gotas do solvente supera a tenso superficial das
gotas levando a consecutivas exploses coulombicas das mesmas em
gotculas cada vez menores, liberando os analitos em fase gasosa como
espcies carregadas. Esta tecnologia permitiu que uma grande variedade de
molculas fosse transferida para a fase gasosa sem fragmentao, incluindo
molculas extremamente grandes, tais como protenas. O segundo principal
avano veio com a miniaturizao do emissor ESI, o qual permitiu fluxos muito
menores no LC assim como as quantidades de amostras, conferindo notvel
aumento na sensibilidade.(44, 45) Esta verso do ESI tornou-se mais tarde
conhecida como nano-ESI e permanece atualmente como a base para anlise
protemica LC-MS.
Seguramente, o tipo de experimento de protemica mais popular
realizado pela abordagem chamada bottom-up, atravs da qual, inicialmente,
uma amostra protica enzimaticamente digerida em peptdeos com o uso de
uma protease, comumente a tripsina.(46) Deste modo, a complexidade da
amostra aumentada sendo que cada protena gera mltiplos peptdeos.
Apesar disso, uma abordagem favorvel uma vez que reduz a unidade
analtica de protena a peptdeo, o qual mais passvel introduo fase
gasosa, apresenta relao massa/carga (m/z) melhor adequada s habilidades
dos espectrmetros de massas, tem distribuio isotpica mais simplificada,
levando a um bom espetro de fragmentao. Este, por sua vez, pode levar
identificao da protena com maior facilidade, alm de que a massa molecular
de alta acurcia um indicador de identidade mais confivel. Entretanto, o
21
aumento da complexidade introduzida por essa abordagem requer outro nvel
de separao, independente de um fracionamento a nvel protico previamente
aplicado, antes que uma anlise aprofundada possa ser realizada pelo
espectrmetro de massas. Por essa razo, peptdeos so tipicamente
separados por cromatografia de fase reversa.
A cromatografia lquida de alto desempenho de fase reversa (RP-HPLC),
ao contrrio da fase normal, definida pelo uso de eluente hidroflico
combinado fase estacionria hidrofbica. Normalmente, cadeias longas de
grupos metilnicos (C18) ligados a esferas de slica so os materiais utilizados
para o empacotamento da coluna (fase estacionria), enquanto gua ou
acetonitrila geralmente so os solventes utilizados (fase mvel). RP-HPLC
separa peptdeos individuais de amostras complexas de acordo com a
hidrofobicidade. A extenso da separao pode ser influenciada por muitos
fatores, como a dimenso e a temperatura da coluna, o material de
empacotamento da coluna, o tamanho da partcula do material, a composio
do solvente, o fluxo do solvente, entre outros. As propriedades de
hidrofobicidade do solvente so tambm ajustadas durante cada corrida
variando-se o gradiente, o qual se refere ao aumento da concentrao de um
solvente versus o outro durante o curso de aquisio.(47)
Frequentemente, alm da coluna principal, sistemas LC tambm fazem
uso de pr-colunas. Neste caso, o analito inicialmente retido na pr-coluna
por alguns minutos para desalinizao e limpeza antes do carregamento na
coluna principal. Fisicamente, esse fenmeno ocorre devido troca de
vlvulas, as quais redirecionam o fluxo do solvente de um injetor de amostra
22
atravs da pr-coluna at o descarte no primeiro caso (vlvulas 1-2), e do
nano-fluxo de solvente da pr-coluna at a coluna principal no segundo caso
(vlvulas 10-1), como mostrado na figura 1. Este passo resulta no aumento do
tempo de vida da coluna principal de separao e aumenta o desempenho em
termos de sensibilidade, devido reduo de contaminantes residentes da
coluna e, em termos de resoluo, sendo que o acmulo de contaminantes e
tambm analitos normais na coluna pode alterar suas propriedades fsicas.
Figura 1 Desenho esquemtico da troca de vlvulas do cromatgrafo lquido. O motor da vlvula troca entre a conexo dos canais 1-2 e 10-1. As conexes vermelhas representam os canais das vlvulas. As conexes amarelas representam a tubulao plstica dos capilares. Nano-fluxo o principal gradiente de separao, o qual conecta diretamente o electrospray e a sada do MS quando a vlvula se encontra na posio 1-2. O fluxo de carregamento o alto fluxo da fase mvel que bombeia os analitos do injetor de amostra para o interior da pr-coluna quando a vlvula est na posio 1-2. Quando a vlvula troca para 10-1, o fluxo de carregamento segue em direo ao descarte, enquanto o nano-fluxo segue atravs da pr-coluna e da coluna principal em direo ao MS.
23
2.2.3 Espectrometria de massas de peptdeos
Os ons em fase gasosa que chegam diretamente da fonte electrospray
acoplada ao cromatrgrafo lquido so introduzidos no interior do espetrmetro
de massas, o qual, essencialmente, mede o nmero de ons da razo massa-
carga (m/z) de um analito, dentro de uma certa resoluo, a qual a mesma
para todos os valores de m/z dentro de um limite funcional do instrumento
utilizado. Este trabalho, assim como uma grande poro dos modernos estudos
protemicos, foi realizado usando um espectrmetro de massas Orbitrap
(Thermo Fisher Scientific). Os princpios operacionais desta mquina, assim
como a sua influncia na anlise de peptdeos, esto discutidos nas sees
seguintes.
2.2.4 Espectrmetro de massas Orbitrap
O instrumento chamado Orbitrap na verdade um hbrido de dois
analisadores de massas. Os ons introduzidos a partir da fonte ESI, j em fase
gasosa, so afunilados dentro do equipamento e conduzidos at um ion trap
linear, que, por sua vez, transporta os ons atravs do c-trap. Deste, os ons
passam para o real analisador de massas orbitrap, como mostrado pelo
diagrama esquemtico do instrumento apresentado na figura 2, obtida de Olsen
et al.(42)
24
Figura 2 Esquema do Orbitrap. Pacotes de ons introduzidos atravs da fonte ESI so armazenados pelo ion trap e enviados ao orbitrap para escaneamento dos precursores em alta resoluo. Enquanto isso, novos pacotes de ons so novamente armazenados pelo ion trap, fragmentados em modo de aquisio dependente de dados baseado no escaneamento do on precursor e medido por escaneamento MS/MS. Figura obtida de Olsen et al.(42)
Figura 3 Viso de um corte transversal do analisador de massas Orbitrap. a) eletrodo central. b) eletrodo externo. c) anel de cermica separando o eletrodo externo em duas sees. ons so reperesentados pela trajetria vermelha onde eles giram ao redor do eletrodo central devido a fora eletrosttica atrativa e a fora centrfuga inicial. Figura obtida de Scigelova e Makarov.(48)
25
A figura 3, obtida de Scigelova e Makarov,(48) representa o esquema do
analisador de massas orbitrap. A energia inicial com a qual os ons so
introduzidos no orbitrap gera uma fora centrfuga que balanceada pela fora
eletrosttica atraindo os ons para o eletrodo central fazendo-os girar em
trajetria espiral. O movimento axial dos ons ao longo do eletrodo central
dependente da sua razo massa-carga e as oscilaes observadas entre as
duas laterais do orbitrap, as quais so separadas entre si por um anel de
cermica, so detectadas e Fourier tranformadas, resultando em medida de
m/z acurada.
2.2.5 Aquisio dependente de dados
Existem muitos modos operacionais disponveis, porm o mais comum
aplicado protemica o uso do ion trap para fragmentao induzida por
coliso dissociada (CID Collision Induced Dissociation) e medida de vrios
MS/MS (MS a nvel 2) de baixa resoluo, enquanto a medida de alta
resoluo de apenas um on precursor simultaneamente realizado dentro do
orbitrap. Os scans MS/MS so adquiridos usando-se a chamada aquisio
dependente de dados (DDA Data-Dependent Acquisition), pela qual x ons
precursores mais intensos, vindos do scan de on precursor prvio, so
isolados, fragmentados e seus fragmentos medidos no ion trap. Um precursor
determinado baseado em sua distribuio isotpica, a qual permite a
determinao do estado de carga do on. Tipicamente, apenas ons
26
duplamente carregados ou carregados com mais cargas so escolhidos para
fragmentao. Este processo apresentado na figura 4, onde os ons
precursores dos quatro peptdeos mais intensos so fragmentados. Uma vez
fragmentados, valores de m/z so colocados em uma lista de excluso
dinmica (dynamic exclusion list) por certo perodo de tempo para que eles no
sejam analisados novamente e para que permita a fragmentao de ons
precursores de baixa abundncia no ciclo sucessivo de DDA.
A aquisio simultnea de ambos MS e MS/MS oferecem uma
significante vantagem na velocidade, sendo que mais scans de ambos os
nveis podem ser adquiridos durante o gradiente LC. Mais scans MS/MS
naturalmente resultaro em mais peptdeos identificados e mais scans MS
resultaro em mais sensibilidade, consequentemente, mais perfis peptdicos
quantitativos confiveis. Outra vantagem relevante do sistema Orbitrap sua
incrvel alta resoluo m/z, a qual extremamente importante quando gera
informao quantitativa para muitos peptdeos que podem estar
simultaneamente presentes em um dado tempo durante o gradiente LC.
27
Figura 4 Aquisio dependente de dados. Neste esquema, os dois ons precursores mais intensos de dois peptdeos (destacados nos crculos azul e verde) do scan MS1 so visualizados como dois espectros de fragmentao MS/MS, enquanto as caixas em forma de seta representam a seleo dos quatro ons precursores mais intensos a serem fragmentados.
2.2.6 Fragmentao de peptdeos
Quando um on de um peptdeo isolado e fragmentado, os fragmentos
resultantes do scan MS/MS so usados como base para a identificao deste
peptdeo. Existem diversas tcnicas de fragmentao de peptdeos que podem
ser utilizadas na moderna espectrometria de massas, tais como collision
induced dissociation (CID), higher-energy collision dissociation (HCD) e,
electron transfer dissociation (ETD), para citar algumas, cada uma delas
produzindo diferentes fragmentos. Alm disso, a sequncia primria e o estado
de carga do peptdeo podem influenciar os tipos de fragmentos gerados. A
28
figura 5 mostra os principais modos pelos quais um peptdeo pode ser
fragmentado.(49) A tcnica mais comumente usada para fragmentar cadeias
polipeptdicas, especialmente em conjunto com instrumentos Orbitrap, CID, a
qual foi utilizada neste trabalho. Atravs de CID, os peptdeos geralmente so
fragmentados em ons das sries -a, -b e -y, os quais podem adicionalmente
perder amnia ou gua.(50)
Figura 5 Padro de fragmentao do peptdeo. Durante experimentos MS/MS, peptdeos podem ser fragmentados em diferentes partes para produzir diferentes sries de ons. Figura obtida de pgina da internet Matrix Science.(49)
2.2.7 Identificao do peptdeo a partir do espectro de fragmentao
A identificao de peptdeos um passo de processamento de dados
fundamental exigida pela protemica baseada em espectrometria de
massas.(51) Existem muitas estratgias para interpretao de espectros
MS/MS e a assinatura de sequncias para ons precursores de peptdeos. A
primeira delas conhecida como interpretao denovo, pela qual no se faz
29
uso de nenhuma informao, a no ser aquela vinda do espectro MS/MS.
Neste caso, o algoritmo combina a distncia entre picos com a massa dos
aminocidos em uma tentativa de reconstruir a srie de ons. A partir disso,
toda ou parte da sequncia pode ser obtida dependendo da qualidade do
espectro inicial. A segunda abordagem, referida como a comparao de dados
com os espectros do banco de dados, envolve a confrontao de espectros
MS/MS experimentais com aqueles espectros experimentais anteriormente
coletados e anotados e depositados em um banco de dados. Por fim, a outra
estratgia refere-se confrontao de sequncias de bancos de dados, que
muito similar abordagem anterior. Porm, ao invs de usar espectros
coletados anteriormente, o algoritmo se baseia no conhecimento do padro de
fragmentao peptdica e simula espectros baseados em bancos de dados com
as sequncias das protenas.
A estratgia utilizada neste trabalho, cujo uso o mais comum, a ltima
citada, de confrontao de sequncias com o banco de dados. Para isso
existem diversos programas disponves, os quais desempenham essa etapa do
processamento: Mascot (Matrix Science, London, UK); Protein Pilot (AB
Sciex,Foster city, California), Sequest,(52) OMSSA,(53) e Andromeda,(54) para
citar alguns. Cada um difere na considerao dos detalhes da clivagem
enzimtica da protena, fragmentao do peptdeo, tcnica de fragmentao
(CID, HCD, etc) e escores estatsticos, porm todos eles compartilham a
mesma estratgia. Essencialmente, o algoritmo realiza a digesto enzimtica
da protena in silico para gerar todos os possveis peptdeos de todas as
protenas fornecidas pelo banco de dados e, baseado nos padres de
30
fragmentao mais conhecidos, ele gera um espectro de fragmentao terico
para cada peptdeo contendo todos os possveis fragmentos. Dado que a
massa do precursor experimental reconhece a massa terica do peptdeo
dentro de certa tolerncia, o algoritmo procede ao reconhecimento dos picos
experimentais a partir da comparao com os fragmentos peptdicos tericos e,
por fim, gera um escore para avaliar o nmero e a qualidade de confrontaes
reconhecidas.
3. Protemica quantitativa
3.1 Tcnicas Quantitativas para Espectrometria de Massas
De acordo com Pandey e Mann et al(55), a protemica definida como o
estudo em larga escala de protenas, significando que muitas protenas so
analisadas simultaneamente. Um estudo de proteoma pode envolver no
apenas a anlise de protenas em larga escala, mas tambm anlise de
modificaes ps-traducionais e estudo de interaes protena-protena.
Porm, o recente foco da protemica tem sido a anlise quantitativa de
protenas comparando-se diferentes grupos ou estados de sistemas biolgicos.
Por exemplo, um estudo pode focar na anlise quantitativa de um organismo
do tipo selvagem comparado ao mutante, a fim de determinar mudanas a nvel
protico que podem ocorrer como resultado da mutao. Isto poderia ento
31
gerar informao para a elucidao de funes de protenas que mudam dentro
de um sistema biolgico.
At recentemente, a protemica era sinnimo de gel de eletroforese
bidimensional,(55) que permitiu a separao de centenas de protenas e a
diferenciao quantitativa atravs da anlise de spots. Entretanto, era bastante
trabalhosa a identificao de spots no gel e sua quantificao, devido a
problemas intrnsecos s tcnicas disponveis. Os avanos na instrumentao
de espectrometria de massas, combinados com a recente disponibilidade de
genomas sequenciados e a descoberta de tcnicas de ionizao mais suaves,
tais como MALDI(56, 57) e ESI(58), culminaram em uma nova gerao de
pesquisa protemica. Usando a espectrometria de massas, agora possvel
identificar e quantificar milhares de protenas dentro de um nico experimento.
A espectrometria de massas oferece uma grande variedade de tcnicas
de quantificao de protenas, sendo quase todas aplicveis com base na
quantificao de peptdeos provenientes de digesto com tripsina.(59, 60) Para
quantificar peptdeos, sequncias homlogas marcadas com istopos estveis
so usadas como padro interno em tcnicas como Stable isotope labeling by
amino acids in cell culture (SILAC)(61)e Super-SILAC(62), Isobaric tag for
relative and absolute quantification (iTRAQ)(63), Isotope-coded affinity tags
(ICAT)(64) e Absolute quantification (AQUA)(65), nas quais os sinais dos
peptdeos so diretamente comparados dentro de uma mesma aquisio LC-
MS/MS. O efeito resultante mostrado na figura 6, onde o padro isotpico de
um peptdeo identificado como STGPTAATGSNR visto duas vezes dentro do
mesmo espectro MS1, obtido de Gevaert et al(66). Uma das duas amostras
32
comparadas foi marcada com arginina pesada. Este espectro mostra o sinal
isotpico do peptdeo, o qual apresenta a massa deslocada de 3 Da entre o
sinal vindo da primeira amostra e o sinal vindo da segunda, a qual a amostra
marcada com o istopo estvel. Dado que as intensidades dos sinais dos dois
peptdeos so as mesmas, a razo quantitativa resultante deveria ser
grosseiramente um, indicando que no h diferena entre ambos.
Figura 6 Quantificao baseada em peptdeos marcados com istopos estveis. O eixo y indica a intensidade normalizada. O espectro foi obtido de Gevaert et al.(66)
Para esclarecer o princpio de quantificao baseada em marcao
isobrica da amostra com istopos estveis, uma das estratgias citadas acima
est mostrada adiante. A tcnica iTRAQ, primeiramente relatada por Ross et al,
(63) envolve a modificao de peptdeos usando reagentes de marcao
qumica. A tcnica baseada na ligao covalente de marcadores com
diferentes pesos moleculares poro N-terminal e grupos amina de cadeias
33
laterais de peptdeos, os quais so provenientes de digesto protica. A figura
7 ilustra a estrutura qumica do marcador com os componentes que podem
variar, possibilitando seu uso como quatro diferentes marcadores. Os
componentes da molcula so o grupo reativo, o qual se liga cadeia peptdica
covalentemente; o grupo descritor, o qual pode ter os tomos de C e N
substitudos pelos istopos C13 e N15; e o grupo de balano, o qual pode ter os
tomos de C e O substitudos pelos istopos C13 e O18. As massas dos grupos
descritor e de balano variam individualmente, de 114 a 117 Da e de 31 a 28
Da, respectivamente, porm totalizam a massa final de 145. A constncia da
massa caracteriza tal marcao, alm de isotpica, isobrica.
Figura 7 Componentes dos marcadores isobricos usados em iTRAQ. A molcula
completa consiste de um grupo descritor, um grupo de balano e um grupo reativo, o qual se liga cadeia peptdica. A massa total do marcador mantida constante, caracterizando-o como marcador isobrico, atravs do uso dos tomos istopos C13, N15 e O18. O grupo descritor varia em m/z de 114,1 a 117,1 enquanto o grupo de balano varia a massa de 31 a 28 Da, fazendo com que a massa das quatro combinaes permanea constante (145,1Da).
34
Alm da coeluio dos peptdeos, a principal vantagem do iTRAQ a
mistura de vrias amostras, as quais podem ser marcadas prvia e juntamente
com diferentes marcadores, como mostrado na figura 8, a qual foi adaptada da
pgina de internet de Broad Institute.(67)
Figura 8 Esquema de quantificao por iTRAQ. Amostras so
enzimaticamente digeridas, marcadas com reagentes iTRAQ e combinadas anteriormente s anlises LC-MS/MS. A quantificao dos peptdeos resulta da comparao das intensidades dos ons descritores (vistos como os picos coloridos no espectro MS/MS) enquanto a identificao dos peptdeos resulta das sries de ons das cadeias de peptdeos fragmentos (vistos como picos pretos no espectro MS/MS).
35
A anlise de todas as amostras ao mesmo tempo, em uma mesma
aquisio LC-MS/MS, poupa horas de uso de mquina. Apesar dessa grande
vantagem, o mtodo tambm apresenta desvantagens, como a variabilidade na
extenso da reao qumica, a qual pode criar vieses na quantificao, assim
como a incompatibilidade dos marcadores com outros reagentes qumicos
usados na preparao da amostra.(68)
As estratgias de marcao isotpica tm sido tradicionalmente
escolhidas porque so menos afetadas por fatores comuns ao LC-MS, como
variao do tempo de reteno, supresso inica, estabilidade do spray, entre
outras. Com AQUA ou QCAT ainda possvel estimar a quantidade absoluta
de protenas, uma vez que as quantidades molares de peptdeos sintticos
(AQUA) e as quantidades de protena recombinante (Concatenated quantitative
peptides - QCAT) so conhecidas.
Embora essas tcnicas estejam razoavelmente bem estabelecidas,
existem diversas razes que as tornam no muito valorosas. Em geral, todas
essas razes confrontam a relao custo-benefcio e a flexibilidade do
experimento. Por isso, a abordagem da quantificao livre de marcao tem se
tornado cada vez mais popular e aplicvel a diferentes tipos de anlises e
experimentos. No caso deste trabalho, tanto pelas vantagens que a tcnica
oferece, quanto pelo fato de que o proteoma em estudo trata-se de um fluido e
no clula ou tecido, a quantificao livre de marcao foi a tcnica escolhida.
A abordagem de quantificao livre de marcao baseada em Extracted
Ion Chromatogram (XIC), possibilitada pelo recente avano de algoritmos e
melhoria na instrumentao da espectrometria de massas, substituiu
36
trabalhosas e custosas etapas bioqumicas por procedimentos de
bioinformtica.(69-71) Nesta abordagem, cada amostra medida em
aquisies LC-MS/MS independentes e as intensidades de cada distribuio
isotpica caracterstica de um peptdeo so integradas ao longo do tempo de
eluio cromatogrfica e consideradas como features quantitativos. Os
features, aqui chamados fatores, so alinhados entre diferentes aquisies a
partir do uso das massas acuradas considerando-se o possvel deslocamento
de massa. O resultado um mapa mestre com todos os fatores referentes s
intensidades reportadas ao longo de um nmero terico ilimitado de aquisies.
A abundncia desses fatores comparados entre corridas cromatogrficas
revela diferenas relativas entre quantidades de peptdeos. As sequncias de
peptdeos obtidos do espectro MS/MS vindos do banco de dados so cruzadas
com o mapa mestre.
Misturas de protenas de qualquer origem so diretamente analisadas de
modo tecnicamente idntico, o que torna o mtodo atrativo para quantificar o
proteoma de tecidos individuais ou organismos inteiros.(72, 73) Programas tais
como SuperHirn,(74) OpenMS(75), MaxQuant(76), Progenesis LC-MS
(Nonlinear Dynamics, Newcastle, UK) e Elucidator (Rosetta Biosoftware,
Cambridge, MA), entre outros, so capazes de executar as etapas essenciais
de processamento de dados. A figura 9, obtida e modificada de Zhu et al,(77)
destaca as diferenas gerais entre as abordagens de quantificao livre de
marcao e baseada em marcao. A figura 9 (a) mostra o fluxo de trabalho
geral quando usado istopos marcados e 9 (b) mostra o fluxo de trabalho
quando usada a abordagem livre de marcao.
37
Figura 9 Esquema da anlise protemica quantitativa baseada em marcao versus sem marcao. (a) Fluxo de trabalho quando usada a abordagem baseada em marcao com istopos estveis. (b) Fluxo de trabalho quando usada a ab