ViRGíNiA MARiA FERREiRA RESENDE Análise proteômica de

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  • Virgnia Maria Ferreira Resende

    Anlise protemica de venenos de Apis mellifera

    baseada em espectrometria de massas:

    abordagem quantitativa label-free e identificao de fosforilao

    Tese apresentada Faculdade de Medicina da

    Universidade de So Paulo para obteno do

    ttulo de Doutor em Cincias

    rea de Concentrao: Alergia e Imunopatologia

    Orientador: Prof. Dr. Mario Sergio Palma

    So Paulo 2013

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Preparada pela Biblioteca da

    Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

    reproduo autorizada pelo autor

    Resende, Virgnia Maria Ferreira

    Anlise protemica de venenos de Apis mellifera baseada em espectrometria de massas : abordagem quantitativa label-free e identificao de fosforilao / Virginia Maria Ferreira Resende. -- So Paulo, 2013.

    Tese (doutorado)--Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo. Programa de Alergia e Imunopatologia.

    Orientador: Mario Sergio Palma.

    Descritores: 1.Abelhas 2.Venenos de abelha 3.Proteoma 4.Melitina 5.Espectrometria de massas

  • Este trabalho foi realizado no Laboratrio de Espectrometria de

    Massas do Instituto Max Planck de Biologia Celular Molecular e

    Gentica, localizado em Dresden, Alemanha; no Laboratrio de

    Imunologia do Instituto do Corao, localizado em So Paulo, Brasil;

    e, no Laboratrio de Biologia Estrutural e Zooqumica, em Rio Claro,

    Brasil. Contou com o apoio financeiro do Instituto de Investigao em

    Imunologia (iii-INCT), Conselho Nacional de Desenvolvimento

    Cientfico e Tecnolgico (CNPq) e Servio de Intercmbio

    Acadmico Alemo (DAAD).

  • Aos meus pais, que me trouxeram vida, que me

    ensinaram que estudar importante, que me

    deram o melhor estudo e, principalmente, me

    educaram baseando-se na escola da vida.

    Aos meus irmos, Gabi, Juninho e Fran, que

    estiveram sempre ao meu lado, respeitando

    minhas escolhas, torcendo pelo meu sucesso e me

    ajudando a escrever minha histria de vida.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus, aquele em quem eu mais confio, em quem eu busco fora para

    enfrentar as dificuldades, em quem eu encontro segurana para fazer as minhas escolhas

    e aquele que eu acredito ter feito o plano de vida certo para mim.

    Agradeo aos meus pais, por terem feito o seu melhor em meu favor sempre, mesmo

    quando no parecia ser. Por terem me proporcionado uma criao baseada no amor, na

    unio, na honestidade, na justia e na verdade. Por estarem sempre ao meu lado em

    todos os momentos, principalmente os ruins, me ajudando a erguer a minha cabea e

    seguir em diante confiante e esperanosa. Acima de tudo, por terem dedicado um amor

    incondicional.

    Agradeo aos meus irmos, que por terem personalidades to diferentes, me ensinaram

    a respeitar o prximo, assim como o diferente, e fizeram parte do meu crescimento

    como um ser humano que pratica o bem. Por serem amigos, companheiros e fiis em

    todos os momentos. Por compartilharem minha felicidade e dividirem o sofrimento. Por

    tornarem a minha vida mais cheia e completa. Em especial, a Gabi, que com toda sua

    lucidez, me ajudou a enxergar solues em momentos em que tudo parecia estar

    perdido.

    Agradeo pequena Beatriz, que chegou no momento mais turbulento do curso de

    doutorado, e me deu muita alegria e esperana.

  • Agradeo a toda a minha grande famlia, que sempre torce pelo meu sucesso.

    Agradeo av Margarida por todo o carinho que ela sempre tem para dar, por

    representar uma vitoriosa em quem eu me espelho, por me mostrar que no preciso

    muito para ter alegria de viver.

    Agradeo av Geralda, que de onde quer que ela esteja agora, est sempre me olhando

    com aqueles olhos cheios de afeto e ternura. Ela me ensinou a ser bondosa sem ser tola,

    me ensinou a ser paciente e acima de tudo me ensinou a lutar e nunca desistir de algo

    quando eu realmente desejo.

    Agradeo tia Vnia, que desde pequenina me fez ter prazer pela leitura e pela escrita,

    me ajudou a desenvolver a criatividade, me motivou a amar, respeitar e cuidar da

    natureza. Agradeo a ela por ter ajudado no desenvolvimento do meu esprito de

    cientista, na construo das minhas ideologias e por ter dado bastante incentivo para

    trilhar o caminho da educao e acreditar que possvel fazer um mundo melhor.

    Agradeo tia Vanira, que foi muito mais do que uma tia, muitas e muitas vezes me

    cuidando como uma filha. Agradeo a ela por muitos ensinamentos, entre todos,

    principalmente, o de ser generosa e ajudar o prximo sempre que possvel.

    Agradeo a todos os meus amigos, por terem proporcionado momentos de alegria e por

    terem se prestado a me ouvir nos momentos em que senti necessidade. Em especial s

    minhas amigas Adriana e Jacqueline, com quem eu divido de forma mais ntima

  • momentos e acontecimentos particulares, que me fizeram companhia em momentos de

    solido, querem me ver feliz.

    Agradeo aos amigos que fiz na Alemanha, Camila, Raffael, Vinicius, Laura e

    Marcelo, por terem sido to companheiros em um momento em que eu estava sozinha,

    por terem me ajudado a comear uma nova e completamente diferente vida, por terem

    me mostrado que pessoas boas no so raridade nesse mundo ainda.

    Agradeo a minha amiga e parceira de laboratrio Keity, por toda a orientao dada ao

    longo do desenvolvimento da minha tese, por ter contribudo para o meu crescimento

    profissional, por ter sido um ombro amigo em momentos de desnimo e por ter dado

    fora para continuar.

    Agradeo ao amigo e colega de laboratrio Carlo, por todo o auxlio dado para realizar

    experimentos, por toda a discusso cientfica desencadeada nos momentos do cafezinho

    e por ser companhia de bandejo quase todos os dias durante meu perodo no Incor.

    Agradeo a todo o pessoal do Laboratrio de Imunologia do Incor (FMUSP), por

    qualquer ajuda que tenham dado durante o perodo em que estive l realizando parte do

    doutorado e por terem proporcionado frutferas discusses durante as reunies de ps-

    graduandos.

    Agradeo ao Servio de Alergia e Imunologia.

  • Agradeo ao Dr. Fabio Castro, por toda a ateno despendida, por todos os esforos

    gastos em meu favor e por torcer sempre pelo meu sucesso.

    Agradeo ao Prof. Dr. Jorge Kalil, por todo o tempo dedicado a me ouvir, me

    aconselhar, me mostrar direes. Por ter sido interessado e preocupado com o bom

    andamento do projeto. Por ter escrito uma carta de recomendao quando me candidatei

    e uma bolsa de estudos para realizar parte da pesquisa na Alemanha. Por ter sido pessoa

    importante na soluo de entraves.

    Agradeo a todo o pessoal do Laboratrio de Biologia Estrutural e Zooqumica, por

    todo o auxlio dado durante o tempo em que estive l.

    Agradeo ao meu orientador Prof. Mario Palma, por ter me dado a chance de iniciar

    minha carreira cientfica em seu laboratrio, atravs do desenvolvimento de projeto de

    pesquisa como aluna de iniciao cientfica, acreditando no meu potencial. Por ter

    permanecido meu orientador se credenciando a outra instituio, quando ingressei no

    doutorado direto. Por ter sido paciente em momentos de imaturidade e por ter acreditado

    que eu era capaz.

    Agradeo ao meu grande amigo e companheiro Andrej, por ter me recebido de braos

    abertos quando cheguei no laboratrio do instituto de pesquisa na Alemanha. Por ter

    sido to solcito em todos os momentos em que pedi ajuda no trabalho. Por ter se

    disponibilizado de imediato a me ajudar com os experimentos, anlises, problemas com

    computadores e a escrita. Por ter sido fundamental no desenvolvimento de habilidades

  • diferenciadas. Por ter compartilhado minhas aflies e frustraes relacionadas vida

    na Alemanha. Por ter me dado fora quando eu quis desistir e jogar tudo para o alto. Por

    ter dado risadas comigo quando eu estava alegre e por ter chorado e enxugado minhas

    lgrimas quando eu estava triste. Por ter mudado o meu jeito de encarar a vida e os

    problemas. Por me mostrar um jeito mais leve de viver a vida. Por ter mudado de pas e

    sua prpria vida para estar ao meu lado.

    Agradeo a todo o pessoal do Instituto Max Planck de Biologia Celular Molecular e

    Gentica (Dresden, Alemanha) por abrirem as portas de seus laboratrios e estarem

    prontos a colaborar. Por terem contribudo de forma significativa para o meu

    crescimento profissional. Em especial Carolyn do Escritrio Internacional, pela

    prontido em resolver todos os assuntos relacionados regularizao da minha situao

    como estrangeira.

    Agradeo a todo o pessoal do laboratrio de espectrometria de massas do Instituto Max

    Planck, por todo o suporte fornecido durante o desenvolvimento do doutorado

    sanduiche e pelas discusses cientficas geradas nas reunies semanais de grupo.

    Especialmente, Andrea Knust e Anna Shevchenko, por terem auxiliado no

    treinamento tcnico e meu desenvolvimento cientfico. E, secretria Janine, por sua

    eficincia e rapidez no desenrolamento de entraves burocrticos e por se mostrar sempre

    disposta.

    Agradeo ao Dr. Andrej Shevchenko, por ter me permitido apresentar um pedido de

    colaborao, por ter acreditado no sucesso da colaborao, por ter me recebido em seu

  • laboratrio fornecendo todo e qualquer suporte necessrio para o bom desenvolvimento

    do trabalho. Por ter me ensinado tantas coisas novas em to curto perodo de tempo, que

    eu levaria anos para aprender no Brasil.

    Agradeo s agncias financiadoras, Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico

    e Tecnolgico (CNPq), Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD) e ao

    Instituto Nacional de Cincia e Tecnologia (iii-INCT).

    Agradeo a todos que no esto nomeados aqui, mas que de alguma forma me ajudaram

    durante essa jornada.

    Por fim, agradeo especialmente a todas as abelhas que foram sacrificadas em prol do

    conhecimento e desenvolvimento da cincia.

  • Nem tudo fcil

    difcil fazer algum feliz, assim como fcil fazer triste.

    difcil dizer eu te amo, assim como fcil no dizer nada

    difcil valorizar um amor, assim como fcil perd-lo para sempre.

    difcil agradecer pelo dia de hoje, assim como fcil viver mais um dia.

    difcil enxergar o que a vida traz de bom, assim como fcil fechar os olhos e atravessar

    a rua.

    difcil se convencer de que se feliz, assim como fcil achar que sempre falta algo.

    difcil fazer algum sorrir, assim como fcil fazer chorar.

    difcil colocar-se no lugar de algum, assim como fcil olhar para o prprio umbigo.

    Se voc errou, pea desculpas...

    difcil pedir perdo? Mas quem disse que fcil ser perdoado?

    Se algum errou com voc, perdoa-o...

    difcil perdoar? Mas quem disse que fcil se arrepender?

    Se voc sente algo, diga...

    difcil se abrir? Mas quem disse que fcil encontrar algum que queira escutar?

    Se algum reclama de voc, oua...

    difcil ouvir certas coisas? Mas quem disse que fcil ouvir voc?

    Se algum te ama, ame-o...

    difcil entregar-se? Mas quem disse que fcil ser feliz?

    Nem tudo fcil na vida...Mas, com certeza, nada impossvel.

    Precisamos acreditar, ter f e lutar para que no apenas sonhemos,

    Mas tambm tornemos todos esses desejos, realidade

    Ceclia Meireles

  • Esta dissertao ou tese est de acordo com as seguintes normas, em vigor no momento

    desta publicao:

    Referncias: adaptado de International Committee of Medical Journals Editors

    (Vancouver).

    Universidade de So Paulo. Faculdade de Medicina. Diviso de Biblioteca e

    Documentao. Guia de apresentao de dissertaes, teses e monografias. Elaborado

    por Anneliese Carneiro da Cunha, Maria Julia de A. L. Freddi, Maria F. Crestana,

    Marinalva de Souza Arago, Suely Campos Cardoso, Valria Vilhena. 3a ed. So Paulo:

    Diviso de Biblioteca e Documentao; 2011.

    Abreviaturas dos ttulos dos peridicos de acordo com List of Journals Indexed in Index

    Medicus.

  • SUMRIO

    LISTA DE SIGLAS

    LISTA DE SMBOLOS

    LISTA DE FIGURAS

    LISTA DE TABELAS

    RESUMO

    SUMMARY

    INTRODUO........................................................................................... 1

    1. Apis mellifera africanizada.............................................................. 4

    1.1Histria....................................................................................... 4

    1.2 Histria natural dos acidentes.................................................... 6

    1.3 Composio dos venenos de abelhas do gnero Apis e seus

    mecanismos de ao...................................................................... 8

    1.4 Aspectos clnicos e tratamentos de ferroadas de abelhas........ 11

    2. Protemica baseada em espectrometria de massas....................... 14

    2.1 Anlise protemica de venenos de abelhas.............................. 14

    2.2 Espectrometria de massas........................................................ 16

    2.2.1 Preparao de amostra previamente anlise por

    espectrometria de massa............................................... 16

    2.2.2 Cromatografia lquida acoplada ao espectrmetro de

    massas........................................................................... 19

    2.2.3 Espectrometria de massas de peptdeos........................ 23

    2.2.4 Espectrmetro de massas Orbitrap................................. 23

    2.2.5 Aquisio dependente de dados..................................... 25

    2.2.6 Fragmentao de peptdeos............................................ 27

    2.2.7 Identificao do peptdeo a partir do espectro de

    fragmentao................................................................. 28

    3. Protemica quantitativa.................................................................... 30

  • 3.1 Tcnicas quantitativas para espectrometria de massas............ 30

    3.2 Quantificao livre de marcao (Label-free quantification)...... 38

    3.3 Quantificao label-free de venenos de abelhas....................... 42

    3.4 SuperHirn................................................................................... 43

    3.5 Procedimentos estatsticos........................................................ 47

    3.5.1 False Discovery Rate da identificao de peptdeos 47

    3.5.2 Normalizao dos dados 49

    3.5.3 Avaliao das diferenas quantitativas a nvel de

    protena 52

    4. Modificaes Ps-Traducionais....................................................... 54

    4.1 Fosfoprotemica....................................................................... 56

    4.1.1 Fosforilao 56

    4.1.2 Tcnicas analticas aplicadas fosfoprotemica 58

    OBJETIVOS............................................................................................... 65

    MTODOS......................................................................... 67

    1. Coleta da Amostra.......................................................................... 67

    2. Preparao da Amostra.................................................................. 67

    3. Anlise LC-MS/MS.......................................................................... 68

    4. Processamento dos dados............................................................. 69

    5. Anlise quantitativa label-free......................................................... 70

    6. Sntese do fosfopeptdeo e controle de qualidade.......................... 71

    7. Ensaios Biolgicos.......................................................................... 72

    7.1Atividade hemoltica................................................................... 72

    7.2 Atividade de desgranulao de mastcitos.............................. 73

    7.3 Efeito citoltico/citotxico........................................................... 74

    7.4 Atividade quimiotctica............................................................. 74

    RESULTADOS E DISCUSSO................................................................. 78

    1. Perfil protemico dos venenos de abelhas..................................... 78

    1.1 Identificao de protenas baseada na abordagem Shotgun

    LC-MS/MS................................................................................. 78

    2. Diferenas quantitativas a nvel protico entre os venenos ........... 94

  • 3. Identificao de fosforilaes em toxinas dos venenos.................. 102

    4. Relao entre fosforilao e a atividade biolgica da toxina.......... 119

    4.1 Controle de qualidade da sntese de melitina fosforilada......... 120

    4.2 Efeito da fosforilao identificada em melitina nas suas

    atividades biolgicas................................................................. 125

    4.2.1 Atividade hemoltica......................................................... 125

    4.2.2 Atividade de desgranulao de mastcitos 128

    4.2.3 Efeito citotxico/citoltico em mastcitos 130

    4.2.4 Atividade Quimiotctica 131

    CONCLUSO............................................................................................ 137

    ANEXOS................................................................................................... 140

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................... 188

  • LISTA DE SIGLAS

    Ingls Portugus

    AHBV Africanized Honeybee Venom Veneno de Abelha Africanizada

    ANOVA Analysis of Variance Anlise de Varincia

    AQUA Absolute Quantification Quantificao Absoluta

    BCA Bicinchoninic Acid Assay cido Bicinconnico

    C13 Carbon-13 Carbono 13

    CEIS Study Center of Social Insects Centro de Estudos de Insetos Sociais

    CID Collision Induced Dissociation Coliso Induzida por Dissociao

    CIP Alkaline Phosphatase Calf Intestinal Fosfatase Alcalina Intestinal Bovina

    Da Dalton Dalton

    DDA Data dependent acquisition Aquisio Dependente de Dados

    DTT Dithithreitol

    ECD Electron capture dissociation Dissociao por Captura de Eltrons

    ESI Electrospray Ionizaton Ionizao por Eletrospray

    EST Expressed Sequence Tag Marcador de Sequncia Expressa

    ETD Electron Transfer Dissociation Dissociao por Transferncia de Eltrons

    FDR Fallse Discovery Rate Taxa de Descoberta Falsa

    FT-ICR Fourier Transform Ion Cyclotron

    resonance

    Ressonncia Ciclotrnica de ons com

    Transformada de Fourier

    FWHM Full Width at Half Maximum

    HBV Honeybee Venom Veneno de Abelha

    HC Clinics Hospital Hospital das Clnicas

    HCD Higher-Energy Collision Dissociation Dissociao Induzida por Alta Energia de

    Coliso

    HILIC Hydrophilic Interaction Liquid

    Chromatography

    Cromatografia Lquida de Interao

    Hidroflica

    HPLC High Performance Liquid

    Chromatography

    Cromatografia Lquida de Alto Desemprenho

    iTRAQ Isobaric tag for relative and absolute

    quantification

    Marcador Isobrico para Quantificao

    Relativa e Absoluta

    IAA Iodoacetamide Iodoacetamida

    IBRC Bioscience Institute of Rio Claro Instituto de Biocincias de Rio Claro

  • ICAT Isotope-coded affinity tags Marcador de Afinidade Enriquecido

    Isotopicamente

    IMAC Immobilized Metal Affinity

    Chromatography

    Cromatografia de Afinidade por ons

    Metlicos Imobilizados

    INCOR Heart Institute Insituto do Corao

    IUIS International Union of Immunological

    Societies

    Unio Internacional da Sociedade de

    Imunologia

    LC Liquid Chromatography Cromatografia Lquida

    LDH Dehidrogenase Lactate Lactato Desidrogenase

    LTQ-FT Linear Trap Quadrupole Fourier

    Transform

    Quadrupolo Armadilha de ons Linear com

    Transformada de Fourier

    MALDI Matrix-Associated Laser

    Desorption/Ionization

    ionization

    Ionizao a Laser Assitida por Matriz

    MCD Mast Cell Degranulating Peptdeo Desgranulador de Mastcitos

    MOAC Metal Oxide Affinity Chromatography Cromatografia de Afinidade por xidos

    Imobilizados

    MS Mass Spectrometry Espectrometria de Massas

    MS1 Precursor Ion Scan Espectro de Massas do on Precursor

    MS2 Fragment Ion Scan Espectro de Massas do on Fragmento

    N15 Nitrogen-15 Nitrognio 15

    PLA2 Phospholipase A2 Fosfolipase A2

    PTMs Post-Translational Modification Modificaes Ps-Traducionais

    QCAT Concatenated Quantitative Peptides Peptdeos quantitativos concatenados

    Quad Quadrupole Quadrupolo

    SAX Strong Anion Exchange Troca aninica

    SDS-

    PAGE

    Sodium Dodecyl Sulfate-

    Polyacrylamide Gel Electrophoresis

    Dodecilsulfato sdico-Gel de Acrilamida

    para Eletroforese

    SILAC StableIisotope Labeling by Amino

    Acids in Cell Culture

    Anlise da razo de istopos estveis em

    aminocidos em cultura de clulas

    SINAN - Sistema de Informao de Agravos de

    Notificao

    SVS - Secretaria de Vigilncia em Sade

    TiO2 Titanium dioxide Dixido de titnio

    TOF Time of Flight Tempo de Vo

    UNESP State University of So Paulo Universidade Estadual Paulista

    XIC Extracted-Ion Chromatogram Cromatograma de on extrado

    XML Extensible Markup Language Linguagem de marcao

  • LISTA DE SMBOLOS

    Ingls Portugus

    % Percent Porcento

    Delta Delta

    C Celsius degree Graus Celsius

    g Micrograms Microgramas

    L Microliters Microlitros

    m Micrometers Micrmetros

    Angstrons ngstrons

    CaCl2 Calcium chloride Cloreto de clcio

    Cm Centimeters Centmetros

    h Hours Horas

    H3PO4 Phosphoric Acid cido Fosfrico

    L Liters Litros

    M Molar Molar

    m/z Mass/Charge Massa/Carga

    mM Milimolar Milimolar

    mm Milimeters Milmetros

    ms Miliseconds Milisegundos

    nm Nanometers Nanmetros

    PO3- Fosfato Phosphate

    ppm Parts per million Partes por milho

    Ser Serine Serina

    Thr Threonine Treonina

    Tyr Tyrosine Tirosina

    U Unit Unidades

    V Volume Volume

    Lamda Lamda

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Desenho esquemtico da troca de vlvulas do cromatgrafo

    lquido............................................................................ 22

    Figura 2 Esquema do Orbitrap...... 24

    Figura 3 Viso de um corte transversal do analisador de massas

    Orbitrap..................................................................................... 24

    Figura 4 Aquisio dependente de dados.............. 27

    Figura 5 Padro de fragmentao do peptdeo.. 28

    Figura 6 Quantificao baseada em peptdeos marcados com

    istopos estveis...................................................................... 32

    Figura 7 Componentes dos marcadores isobricos usados em iTRAQ. 33

    Figura 8 Esquema de quantificao por iTRAQ..................................... 34

    Figura 9 Esquema da anlise protemica quantitativa baseada em

    marcao versus sem marcao...... 37

    Figura 10 Distribuio isotpica caracterstica de um peptdeo em MS1.. 39

    Figura 11 Extracted-ion cromatogram de um peptdeo vindo de duas

    aquisies individuais......... 40

    Figura 12 Comparao do teste t e ANOVA para obter a significncia

    estatstica.............................................................................. 52

    Figura 13 Esquema representativo da regulao da fosforilao de uma

    protena..................................................................................... 56

    Figura 14 Esquema das diferentes estratgias aplicadas para a

    facilitao das anlises de fosforilao........... 58

    Figura 15 SDS-PAGE das trs amostras de veneno. 78

    Figura 16 Gradiente curto de separao de peptdeosdos trs venenos

    de abelha.................................................................................. 80

    Figura 17 Gradiente longo de separao de peptdeos dos trs

    venenos de abelha................................................................... 81

  • Figura 18 Efeito da extenso do gradiente de separao na cobertura

    da amostra................................................................................ 83

    Figura 19 Diagrama de Venn dos perfis proteicos dos venenos

    investigados em gradiente de separao cromatogrfica de

    2h.............................................................................................. 86

    Figura 20 Diagrama de Venn dos perfis proteicos dos venenos

    investigados em gradiente de separao cromatogrfica de

    6h.............................................................................................. 87

    Figura 21 Fluxograma da anlise protemica quantitativa dos venenos

    de abelha.................................................................................. 97

    Figura 22 Toxinas quantitativamente diferenciais nos venenos da

    abelha africanizada e A.m.carnica............................................ 100

    Figura 23 Toxinas quantitativamente diferenciais nos venenos da

    abelha africanizada e A.m. ligustica......................................... 101

    Figura 24 Identificao de fosfopeptdeos em todas amostras de

    veneno 105

    Figura 25 XIC dos peptdeos de melitina candidatos a fosfopeptdeos.... 116

    Figura 26 Espectro MS/MS do peptdeo trptico derivado de melitina,

    fosforilado em serina....... 117

    Figura 27 spectro MS/MS do peptdeo trptico derivado de melitina,

    fosforilado em treonina............................................................. 118

    Figura 28 Espectro MS/MS do peptdeo trptico derivado de icarapina,

    fosforilado em serina................................................................ 120

    Figura 29 Espectro MS/MS do fosfopeptdeo trptico derivado de

    melitina sinttica aps digesto com trispina........................... 123

    Figura 30 Espectro MS1 de melitina sinttica no tratada com

    fosfatase........................................................................ 125

    Figura 31 Espectro MS1 obtido para melitina sinttica aps tratamento

    com fosfatase alcalina....................................................... 126

    Figura 32 Efeito de melitina no modificada e melitina fosforilada na

    atividade hemoltica em eritrcitos humanos.. 129

  • Figura 33 Efeito de melitina no modificada e fosforilada na liberao

    da enzima -hexosaminidase de mastcitos...... 131

    Figura 34 Efeito citotxico de melitina no modificada e fosforilada em

    mastcitos................................................................................. 133

    Figura 35 Efeito de melitina no modificada e fosforilada na migrao

    de clulas polimorfo nucleares.......... 134

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Dados epidemiolgicos de acidentes com abelhas no

    Brasil....................................................................................... 7

    Tabela 2 Dados epidemiolgicos de acidentes com abelhas no

    Estado de So Paulo.............................................................. 7

    Tabela 3 Parmetros usados em SuperHirn.......................................... 70

    Tabela 4 Parmetros usados em DanteR.............................................. 70

    Tabela 5 Lista de protenas identificadas nos venenos das abelhas

    europeias e africanizada......................................................... 89

    Tabela 6 Protenas quantitativamente diferenciais nos venenos da

    abelha africanizada e A.m.carnica.......................................... 99

    Tabela 7 Protenas quantitativamente diferenciais nos venenos da

    abelha africanizada e A.m.ligustica......................................... 101

    Tabela 8 Fosfopeptdeos identificados no veneno da abelha

    africanizada............................................................................. 105

    Tabela 9 Fosfopeptdeos identificados no veneno de A.m.carnica........ 108

    Tabela 10 Fosfopeptdeos identificados no veneno de A. m. ligustica.... 109

    Tabela 11 Fosfopeptdeos identificadas em duas protenas dos

    venenos das abelhas africanizada e europeias ..................... 112

    Tabela 12 Sequncias do peptdeo derivado de melitina........................ 114

  • RESUMO

    Resende VMF. Anlise protemica de venenos de Apis mellifera baseada em

    espectrometria de massas: abordagem quantitativa e identificao de

    fosforilao em toxinas [tese]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade

    de So Paulo, 2013.

    H muito tempo os venenos de abelhas se tornaram objeto de interesse de

    muitos cientistas, principalmente os venenos daquelas linhagens do gnero

    Apis, chamadas abelhas europeias e as conhecidas abelhas africanizadas. O

    foco no desenvolvimento de terapias eficazes que pudessem prevenir ou frear

    as reaes desencadeadas pelas toxinas dos venenos desses insetos foi o

    principal estimulador do surgimento dessa grande rea da pesquisa, uma vez

    que esses animais causam um grande nmero de acidentes em animais e

    seres humanos e os acidentes podem desencadear graves consequncias,

    inclusive bito. Sendo assim, desenvolvemos o presente trabalho baseado na

    caracterizao da composio proteica dos venenos de abelhas europeias e

    africanizadas, na anlise quantitativa diferencial entre os venenos e, na

    investigao de fosforilaes e a possvel relao das mesmas com as funes

    biolgicas. Reunindo todos os elementos que estavam ao nosso alcance para

    compor o melhor conjunto de etapas para a realizao do estudo protemico

    de venenos de abelhas, ns atingimos todos os objetivos propostos. Utilizando

    uma abordagem baseada em espectrometria de massas, consistindo de

  • anlise shotgun seguida de LC-MS/MS realizada em um dos mais modernos

    espectrmetros de massas, ns fomos capazes de obter resultados

    extremamente confiveis e interessantes. Comparando-se o efeito da extenso

    do gradiente de separao na cromatografia lquida, ns fomos capazes de

    atingir uma maior cobertura da amostra, uma vez que identificamos um maior

    nmero de protenas aps a utilizao do gradiente mais longo. A identificao

    de fosforilaes foi favorecida pela combinao de fragmentao por Coliso

    Induzida por Dissociao e medidas de massa de alta acurcia realizadas no

    instrumento LTQ-Orbitrap-Velos. Enquanto apenas 29 protenas foram

    identificadas aps 120 minutos de separao cromatogrfica, um total de 51

    protenas foram identificadas aplicando-se gradiente mais longo. Dentre as 51

    protenas totais, 42 so comuns aos venenos das trs abelhas. A comparao

    em pares mostrou que os venenos das abelhas europeias compartilham 44

    protenas e os venenos das abelhas africanizadas compartilham 43 protenas

    tanto com o veneno de A. m. carnica quanto com o de A. m. ligustica. Alm

    disso, ns revelamos que existem diferenas quantitativas entre algumas das

    protenas dos venenos, sendo muitas dessas protenas diferenciais toxinas

    com funes conhecidamente relevantes. A investigao de fosforilao

    mostrou que duas toxinas apresentam-se na forma fosforilada: melitina e

    icarapina. Melitina considerada a principal toxina de venenos de abelhas,

    sendo bem conhecida por sua ao altamente txica e alergenicidade. Este

    peptdeo foi identificado com fosforilao ocorrendo no stio Ser18 em todas as

    amostras de venenos, enquanto somente no veneno da abelha africanizada foi

    tambm identificado com stio de fosforilao no resduo de Thr10. Icarapina,

  • tambm j descrita como um alrgeno do veneno, apresentou stio de

    fosforilao no resduo Ser205. Por fim, ns demonstramos o efeito da

    fosforilao presente em melitina (Ser18) realizando ensaios de atividade

    biolgica do peptdeo fosforilado e nativo, como: hemlise, lise celular e

    desgranulao de mastcitos e atividade quimiotctica. Foi observado que a

    toxicidade do peptdeo fosforilado reduzida em comparao ao do peptdeo

    nativo. Sendo assim, ns podemos concluir que a combinao de metodologias

    eficientes e a utilizao de moderna instrumentao nos levou a resultados

    surpreendentes, os quais se somam a todo o conhecimento j existente acerca

    de venenos de abelhas.

    Descritores: veneno de abelha; proteoma; LC-MS/MS, fosforilao; melitina

  • SUMMARY

    Resende VMF. Mass Spectrometry-based proteomic analysis of honeybee

    venoms: label-free quantification and phosphorylation identification [thesis].So

    Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo, 2013.

    Honeybee venom toxins disturb the activity of critical cellular processes,

    triggering immunological, physiological, and neurological responses within

    victims. Studies on venom toxins have provided invaluable knowledge towards

    elucidating the molecular and functional details of their biological targets, yet

    there has been no report of a full proteome/phosphoproteome profile of

    honeybee venom. In this study, we focused on Apis mellifera honeybee venom

    characterization, including proteins identification, label-free quantitative analysis

    and phosphorylation identification. Making use of a MS-based proteomic

    approach, consisting on in-solution digestion followed by LC-MS/MS analysis,

    we were able to compare the effect of the liquid chromatography gradient length

    on the sample coverage, consequently, to identify a higher number of proteins

    using longer separation gradient of the tryptic peptides. Favorable identification

    of phosphorylations was achieved by the application of a long separation

    gradient combined with CID fragmentation and high accuracy mass

    measurement using an LTQ Orbitrap Velos. Here we report on the comparative

    shotgun proteomics study of the venoms of two Apis mellifera subspecies, A. m.

    carnica and A. m. ligustica, and the hybrid known as Africanized honey bee

  • (AHB). We identified 51 proteins in total, with 42 of them being common among

    the three venoms, including many previously unidentified entries. Performing

    label-free quantification, we observed that few proteins were found with different

    relative amounts. Additionally, we revealed the phosphorylation of two proteins

    in all the samples, with two of them being HBV toxins/allergens: melittin and

    icarapin. Icarapin was identified as phosphorylated at 205Ser. Melittin was

    identified as phosphorylated at the 18Ser and 10Thr positions in all venoms, as

    well. Given these novel findings, we then chose to compare the toxicity of the

    phosphorylated/unphosphorylated forms of the major venom toxin, melittin,

    considering the most prominent phosphorylation event, the phosphorylated

    18Ser position. We showed that the toxicity is in fact decreased when the

    peptide is phosphorylated. Based on a combination of efficient methodology

    and state-of-the-art instrumentation, delineated by our Shotgun-NanoESI-Long

    Gradient-LTQ Orbitrap Velos analysis, we achieved proteomic coverage far

    surpassing any previous report. Together, these discoveries pave the way for

    future phosphovenomic studies.

    Descriptors: honeybee venom; label-free quantification, LC-MS/MS,

    phosphorylation, melittin

  • 1

    INTRODUO

  • 2

    INTRODUO

    A investigao de sistemas vivos ao nvel protico tem contribudo para

    importantes descobertas a respeito de diversos processos biolgicos. A

    identificao e quantificao de protenas expressas em clulas, fluidos

    celulares, tecidos ou at mesmo organismos inteiros tornaram-se o maior

    desafio aps a era genmica. Protemica baseada em espectrometria de

    massas modificou fundamentalmente o modo como os sistemas biolgicos so

    interrogados, devido a sua habilidade de analisar milhares de protenas,

    incluindo suas modificaes ps-traducionais (PTMs). H cerca de cinco anos,

    a maioria dos estudos protemicos apenas enumerava as protenas

    constitutivas de um sistema biolgico. Contudo, o desenvolvimento da

    espectrometria de massas foi responsvel pela mudana desses estudos,

    sendo que anlises quantitativas e de PTMs compem a maioria dos estudos

    protemicos executados atualmente. O conjunto de etapas de trabalho de um

    estudo protemico, dividido em preparao da amostra, separao das

    protenas e peptdeos, anlise por espectrometria de massas (MS) e, anlise

    dos dados, permite aos cientistas reunirem elementos especficos que se

    encaixam melhor na tarefa tida em mos. Do mesmo modo, neste trabalho ns

    reunimos os elementos que estavam ao nosso alcance para compor o melhor

    conjunto de etapas que executassem a tarefa de analisar o contedo protico

    dos venenos de trs subespcies de Apis mellifera, buscando no somente a

    elaborao de uma lista de protenas, mas tambm a anlise quantitativa

  • 3

    comparativa, assim como a anlise de modificaes ps-tradicionais destas

    protenas.

    Os venenos de abelhas do gnero Apis, principalmente daquelas

    linhagens europeias e africanizadas, despertam um grande interesse em

    cientistas em virtude do grande nmero de acidentes causados por esses

    animais e de suas consequncias. Isso fez surgir uma grande rea de

    pesquisa, com escopo no desenvolvimento de terapias eficazes que possam

    conter ou prevenir as reaes desencadeadas pelas toxinas dos venenos

    desses insetos. Alm disso, outro interesse intimamente relacionado ao

    primeiro entender o mecanismo pelo qual esses venenos agem de forma to

    precisa para desempenhar eficientemente sua funo de proteger as colnias

    de abelhas contra possveis predadores e agressores. intrigante a forma pela

    qual o curso da evoluo atribuiu tamanha funcionalidade a essas toxinas

    constituintes dos venenos, as quais so peptdeos, protenas ou compostos de

    baixa massa molecular. A enorme riqueza em compostos biologicamente ativos

    desperta uma grande curiosidade porque so molculas capazes de

    desencadear graves reaes fisiopatolgicas, uma vez introduzidas em um

    animal ou ser humano, podendo lev-los a bito. Sendo assim, desenvolvemos

    o presente trabalho baseado na caracterizao da composio protica dos

    venenos de abelhas europeias e africanizadas, na anlise quantitativa

    diferencial entre os venenos e, na investigao de modificaes ps-

    traducionais e a possvel relao das mesmas com as funes biolgicas.

  • 4

    1. Apis mellifera africanizada

    1.1 Histria

    A abelha africanizada, chamada popularmente killer bee, resultou de um

    cruzamento experimental entre abelhas africanas (Apis mellifera scutellata) e

    espcimes de abelhas europeias (Apis mellifera mellifera, Apis mellifera

    ligustica, Apis mellifera carnica e Apis mellifera iberica). Em 1956, abelhas

    africanas foram transportadas da frica (Tanznia) para o Brasil com o intuito

    de aumentar a produo de mel. As abelhas africanas produziram menores

    quantidades de mel que as abelhas europeias, porm toleraram melhor o clima

    quente. Diante dessa constatao, foi considerada a tentativa de fazer o

    cruzamento das abelhas africanas com as europeias criadas no Brasil naquela

    poca, no intuito de que os descendentes desses cruzamentos pudessem se

    adaptar bem ao clima tropical da Amrica do Sul e produzir quantidades

    maiores de mel. Em 1957, 26 colnias da abelha africana escaparam

    acidentalmente do apirio do laboratrio de apicultura em Rio Claro, So

    Paulo.(1) O cruzamento inter-espcies bem difundido com populaes locais

    das abelhas europeias anteriormente introduzidas no local foi muito bem

    sucedido e resultou na predominncia de descendentes agressivos, os quais

    adquiriram fortemente os traos genticos da abelha africana. Inicialmente,

    pensou-se que a hibridizao poderia ocorrer, mas ao longo do tempo

  • 5

    observou-se que as caractersticas das abelhas africanizadas substituram as

    das europeias. (2)

    Aps o estabelecimento das abelhas africanizadas no Brasil, elas

    iniciaram um processo migratrio graas a dois fatores: primeiro, a habilidade

    de voar longas distncias e segundo, devido ao comportamento incomum de

    enxamear. O enxameamento das abelhas africanizadas ocorre a uma taxa

    mais acelerada que a das demais abelhas; enquanto as ltimas enxameiam de

    2 a 3 vezes por ano, as africanizadas enxameiam de 6 a 12 vezes por ano,

    estabelecendo novas colnias muito rapidamente.(3, 4) As abelhas

    africanizadas espalharam-se atravs da Amrica Latina avaando, em mdia,

    entre 250 e 300 Km por ano, at que em 1985 atingiram o Mxico e em 1990

    chegaram ao Texas, Estados Unidos. A taxa de migrao atravs dos Estados

    Unidos foi ligeiramente reduzida, mas ainda assim as abelhas alastraram-se

    pelo Arizona e Novo Mxico em 1993 e pela Califrnia por volta de 1994.(5)

    Atualmente elas j so encontradas em Arizona, Nevada, Oklahoma e

    provavelmente se tornaro endmicas no Sul, incluindo Louisiana, Mississipi,

    Alabama, Florida e partes da Georgia.(6) Em todos os lugares onde as abelhas

    africanizadas estabeleceram-se, elas tornaram-se um grave problema de

    sade pblica e para a agricultura, devido a sua agressividade. Embora os

    apicultores enfrentem dificuldades de manejo, as abelhas africanizadas no

    podem ser aniquiladas porque so extremamente relevantes para a polinizao

    e consequentemente para a produo agrcola. Por isso, a medida inicialmente

    tomada foi o aprendizado da convivncia com as abelhas, todavia com a

  • 6

    adoo de iniciativas para reduzir e evitar os potenciais prejuzos causados

    pelas mesmas sempre que possvel.

    1.2 Histria natural dos acidentes

    Desde o estabelecimento das abelhas africanizadas em quase toda a

    Amrica, um crescente nmero de acidentes tem sido relatado. Pelo menos

    350 mortes causadas pelas abelhas africanizadas foram relatadas na Amrica

    Latina nos primeiros 28 anos aps a introduo das mesmas. Porm, h

    indicaes de que o npumero real seria um total de 700 a 1000 mortes.(7) Na

    Venezuela, 70 mortes foram relatadas entre 1978 e 1981, e no Mxico, entre

    cerca de 300 ataques ocorridos entre 1986 e 1992, 49 resultaram em morte.(8)

    No Hospital Vital Brasil, So Paulo, Brasil, uma mdia de 3 acidentes por ano

    ocorriam antes de 1957, sendo que aps esse ano o nmero cresceu para 100,

    dentre os quais bitos foram registrados.(5) Desde o primeiro ataque fatal

    ocorrido no Texas em 1993, outros acidentes seguidos de morte tm sido

    relatados nos Estados Unidos.(9) Dados mais recentes coletados pelo Sistema

    de Informao de Agravos de Notificao (Sinan-Net) do Ministrio da Sade

    mostram a incidncia de acidentes e bitos causados por acidentes com

    abelhas no Brasil (Tabela 1) e no Estado de So Paulo (Tabela 2).

  • 7

    Tabela 1 Dados epidemiolgicos de acidentes com

    abelhas no Brasil.

    Ano Nmero de casos bitos

    2007 5344 19

    2008 5725 11

    2009 6761 31

    2010 7381 28

    2011 8338 28

    Fonte: Ministrio da Sade/SVS - Sinan Net *Dados de 2011 atualizados em 07/02/2012, dados parciais.

    Tabela 2 Dados epidemiolgicos de acidentes com abelhas no Estado de So Paulo.

    Ano Nmero de casos bitos

    2007 1381 1

    2008 1527 1

    2009 1558 3

    2010 1853 4

    2011 1745 5

    Fonte: Ministrio da Sade/SVS - Sinan Net *Dados de 2011 atualizados em 07/02/2012, dados parciais.

    O grande nmero de acidentes reflexo direto do comportamento da

    abelha africanizada, que parece ser geneticamente modulado.(10) Vrios

    componentes chamados ferormnios foram isolados e relacionados

    caracterstica da agressividade.(11) Embora os acidentes com abelhas

    europeias tambm sejam preocupantes, as abelhas africanizadas tm

    provocado acidentes mais srios porque so mais agressivas que aquelas. As

    abelhas africanizadas podem seguir as vtimas por at quatrocentos

  • 8

    metros,(12) alm de usualmente atacarem em massa. Alm da agressividade,

    outro motivo que tambm justifica esse comportamento de ataque em massa

    deve-se ao fato de que as abelhas respondem a estmulos qumicos volteis

    liberados pelas glndulas de veneno de outras abelhas no momento da

    ferroada.(13, 14) As ferroadas so perigosas para aqueles indivduos que

    apresentam risco de anafilaxia, a qual desencadeada por hipersensibilidade

    mediada por IgE. Os efeitos so tambm extremamente danosos quando o

    indivduo sofre um ataque em massa, durante o qual a vtima pode receber

    centenas ou at milhares de ferroadas. Neste caso, uma reao txica

    desencadeada, podendo levar o indivduo a bito.

    1.3 Composio dos venenos de abelhas do gnero Apis e seus

    mecanismos de ao

    A investigao de venenos de abelhas tem sido realizada h bastante

    tempo, agregando diversas informaes acerca do conhecimento a respeito de

    venenos. No mesmo sentido, recentes estudos tm progredido de forma

    significativa na identificao e caracterizao de componentes de venenos de

    abelhas, principalmente aqueles de baixa abundncia. Atualmente j se sabe

    que entre todos os componentes conhecidos, doze deles so caracterizados

    como alrgenos, os quais podem ser encontrados na lista de alrgenos do

    Sub-Comit de Nomenclatura de Alrgenos da Unio Internacional da

    Sociedade de Imunologia (IUIS).(15) Entre os alrgenos esto as toxinas mais

    conhecidas do veneno, melitina e fosfolipase A2 (PLA2). Alm de

  • 9

    desencadearem resposta alrgica nas vtimas, tais componentes tambm

    apresentam efeito txico, especialmente o peptdeo melitina, por representar

    cerca de 50% do peso seco do veneno, de acordo com Habermann et al.(16)

    Melitina um peptdeo anfiflico, com 26 resduos de aminocidos, conhecido

    por exercer efeito perturbador em membranas celulares, sendo assim

    hemoltico e antibitico.(17) Ademais, a melitina induz alteraes estruturais de

    membranas, como formao de poros e vesculas.(18-20) As alteraes

    morfolgicas de membranas causadas pela melitina acarretam em secreo de

    hormnios, agregao de protenas de membrana e alterao do potencial de

    membrana. Todos esses efeitos fazem da melitina um importante modificador

    de funes celulares.(21, 22)

    Alm de todos os efeitos apresentados pela melitina, esse peptdeo

    tambm foi descrito como ativador de PLA2,(21, 22) que considerada outra

    protena txica muito importante identificada no veneno de abelhas europeias.

    Alm da funo alergnica, essa protena de 134 resduos de aminocidos

    ainda responsvel por catalizar a hidrlise de glicerofosfolipdeos e j foi

    descrita em diversas fontes, tais como venenos de insetos e rpteis, suco

    pancretico, fluido sinovial, desempenhando diferentes funes.(23) Alm da

    melitina, o veneno de abelhas contm muitos outros peptdeos, tais como

    apamina e peptdeo desgranulador de mastcitos (MCD Mast Cell

    Degranulating). Em contraste melitina, a apamina possui um modo de ao

    altamente especfico; possui apenas 18 resduos de aminocidos, com

    aproximadamente 2 KDa de peso molecular, sendo o menor peptdeo

    neurotxico conhecido. A apamina no ltica, mas exerce influncia sobre as

  • 10

    membranas ps-sinpticas do sistema nervoso central e perifrico.(24) O

    peptdeo MCD, por sua vez, constitudo de 22 resduos de aminocidos,

    diferindo da melitina por apresentar duas pontes dissulfdicas, assemelhando-

    se estruturalmente apamina. Segundo Dotimas & Hider et al,(25) o peptdeo

    MCD capaz de desgranular mastcitos, mesmo quando presente em baixas

    concentraes.

    A descoberta de novos componentes de venenos de abelhas tem sido

    contnua, em razo do desenvolvimento de instrumentos e estratgias

    analticos. Apesar disso, no est disponvel ainda na literatura o estudo do

    perfil protico do veneno da abelha africanizada, a qual predominante no

    Brasil e acarreta graves problemas de sade pblica em razo dos acidentes

    que ela causa frequentemente, como discutido na seo anterior.

    Adicionalmente ao estudo do comportamento dessas abelhas, o qual

    relevante na proposio de mtodos de preveno de acidentes, merece

    destaque a investigao do comportamento bioqumico das toxinas

    responsveis por causar tantos danos. Estudar a composio qumica do

    veneno, o que inclui caracterizar funcionalmente os seus componentes e

    entender a relao entre o modo de ao das toxinas no organismo da vtima e

    os sintomas apresentados aps a ferroada, pr-requisito extremamente

    necessrio para o estabelecimento de tratamentos eficientes que promovam o

    bem-estar da vtima. Os sintomas ps-ferroada e tratamentos j disponveis

    so tpicos abordados na seo seguinte.

  • 11

    1.4 Aspectos clnicos e tratamentos de ferroadas de abelhas

    As reaes aos venenos desses himenpteros apresentam um amplo

    espectro de manifestaes clnicas que variam desde pequenas reaes locais

    at reaes generalizadas fatais. As manifestaes clnicas resultantes do

    contato entre abelhas e humanos que despertam o maior interesse so as

    alrgicas e as txicas. As reaes alrgicas, as quais esto ligadas

    hipersensibilidade do indivduo, podem ser desencadeadas por uma nica

    ferroada. Estudos retrospectivos tm sugerido que a prevalncia de reaes

    alrgicas a ferroadas de Hymenoptera em populaes no-atpicas de cerca

    de 0,4% a 3,3%.(26) As reaes alrgicas geralmente so tratadas com anti-

    histamnicos, corticosterides, broncodilatadores e vasodilatadores.(27) No

    entanto, a vtima pode sofrer um choque anafiltico, que poder lev-la

    morte. Embora reaes adversas possam ocorrer ao longo do tratamento, a

    imunoterapia especfica tem se mostrado muito eficiente, com eficcia variando

    entre 90 e 100%.(28)

    Ferroadas causadas por um grande nmero de abelhas causam

    intoxicao independente da hipersensibilidade. Admite-se que a quantidade

    de veneno seco por abelha varie entre 0,2 e 0,5 mg e que uma abelha

    africanizada seja capaz de injetar cerca de 94 g de veneno em menos de um

    minuto e, no caso de um acidente grave, com mais de 100 ferroadas, os nveis

    de veneno na circulao sangunea podem chegar at 3,8 g/mL.(29) As

    reaes txicas incluem hipotenso, sudorese, nuseas, hipotermia e

    taquicardia. Os danos provocados por toxicidade sistmica se manifestam

  • 12

    apenas algumas horas aps o ataque, com a maioria das mortes ocorrendo 22

    horas depois do acidente.(5) O tratamento mais indicado para as reaes

    txicas a utilizao de um antiveneno especfico e, apesar do alto ndice de

    notificaes de acidentes envolvendo ferroadas de abelhas, no est

    disponvel ainda o soro antiveneno especfico de abelhas. O desenvolvimento

    de um antiveneno vem sendo tentado em vrios pases do mundo para o

    tratamento das vtimas de ataques em massa por abelhas africanizadas.

    Alguns trabalhos j foram realizados na tentativa de produzir um soro

    antiveneno de abelhas, entretanto, pouco eficientes em termos de

    neutralizao. Schumacher et al testaram anticorpos produzidos em coelhos

    imunizados com o veneno total, ou apenas com a melitina, e estes foram

    ineficientes na neutralizao do veneno total.(30) Jones et al produziram um

    antiveneno F(ab) em ovelhas, o qual mostrou apenas o efeito positivo da

    neutralizao da atividade fosfolipsica, sendo a produo de anticorpos

    especficos para a melitina. Alm disso, os ensaios clnicos no seguiram

    adiante para comprovar sua eficcia.(31)

    Frente necessidade deste soro, uma iniciativa foi tomada para a

    produo deste produto no Brasil. A partir de uma colaborao entre o Instituto

    Butantan, o CEIS/IBRC-UNESP e o HC/INCOR iniciou-se o projeto Anticorpos

    monoclonais e policlonais como ferramentas imunoteraputicas: produo em

    larga escala e uso clnico, que apresenta um sub-projeto intitulado: Produo

    de Soro Antiveneno de Abelhas Melferas. Dentro desse sub-projeto foi

    produzido um soro hiperimune em eqinos, antiveneno de abelhas, uma vez

    que o cavalo o animal utilizado no Brasil para a produo de soros

  • 13

    antiofdicos, em funo do seu manejo, boa resposta imunolgica, excelente

    volume de plasma, longevidade e, principalmente, por ser um animal no qual

    ainda no foi identificada a presena de prons. O esquema de imunizao

    consistiu em utilizar doses sub-letais em que os fenmenos fisiopatolgicos do

    veneno no fossem observados. Cada ciclo de imunizao consistiu de uma

    imunizao com adjuvante e trs imunizaes, em presena de adjuvante ou

    no.(32)

    O antiveneno produzido contra o veneno de A. mellifera africanizada

    serviu de instrumento de estudo de Santos, K. S. Pela primeira vez, neste

    trabalho foi demonstrada a soroneutralizao das principais aes txicas do

    veneno total da abelha africanizada,(32) o que teve grande importncia do

    ponto de vista social, tecnolgico e cientfico para o pas. Diante da eficcia do

    soro antiveneno, foi dado incio produo em larga escala para que os testes

    clnicos pudessem ser feitos. Apesar dos resultados positivos quanto

    soroneutralizao in-vitro, podemos considerar que o sucesso ser completo

    somente quando for realizada a avaliao da eficcia do soro in vivo, a qual

    ocorre em ensaios clnicos que devem ser desenvolvidos por uma equipe

    mdica capaz de atender a vtima em caso de qualquer complicao. Alm de

    ensaios clnicos que antecedem a liberao do uso do antiveneno, esse

    produto pode ser alvo de outras investigaes, tais como a avaliao da

    neutralizao da ao txica de venenos de subespcies de Apis mellifera pelo

    soro antiveneno especificamente produzido para a abelha africanizada. Caso

    fosse demonstrada a neutralizao desses venenos pelo soro produzido no

  • 14

    Brasil, nosso pas poderia tornar-se um exportador do produto para diversas

    regies do mundo onde acidentes com abelhas so frequentes.

    2.Protemica baseada em espectrometria de massas

    2.1 Anlise protemica de venenos de abelha

    Veneno de abelha tem sido utilizado h algum tempo em diversos estudos

    cientficos por vrias razes, entre elas: o interesse em conhecer melhor a

    composio bioqumica e, consequentemente, o mecanismo de ao das

    toxinas; a investigao de molculas com potencial para utilizao teraputica;

    o interesse em encontrar tratamentos mais eficazes e especficos para

    acidentes que desencadeiem reaes alrgicas txicas.

    Algo j se sabe a respeito da composio dos venenos de abelhas como

    foi mencionado anteriormente na seo 1.3 deste trabalho. Entretanto, o

    proteoma de venenos animais, assim como qualquer outro proteoma em foco

    de investigao, tem sido facilitado cada vez mais devido ao surgimento de

    novos mtodos analticos e instrumentos altamente tecnolgicos, com

    princpios especficos voltados para anlises de interesse. Atualmente a

    abordagem protemica est fortemente aliada espectrometria de massas

    (MS), a qual consiste em uma estratgia analtica altamente especfica e

    sensvel.

  • 15

    O primeiro proteoma de veneno de abelha utilizando espectrometria de

    massas foi realizado por Peiren et al em 2005,(33) o qual combinou a

    eletroforese bidimensional e anlise por espectrometria de massas em um

    equipamento do tipo MALDI-TOF/TOF. Este estudo identificou nove protenas

    do veneno de abelhas europeias, sendo que seis dessas protenas haviam sido

    descritas anteriormente,(34, 35) enquanto trs foram identificadas pela primeira

    vez. Desde ento, outros estudos focaram na identificao de novos

    componentes, principalmente molculas pouco abundantes e, tambm, na

    caracterizao estrutural e funcional das mesmas. Atualmente, doze protenas

    do veneno de Apis mellifera so conhecidamente alergnicas, as quais

    pertencem lista de alrgenos do Sub-Comit de Nomenclatura de Alrgenos

    da Unio Internacional da Sociedade de Imunologia.(15)

    Embora muitas pesquisas tenham contribudo para a caracterizao do

    contedo de venenos de abelha, ainda no h nenhum trabalho cientfico

    disponvel na literatura que tenha relatado o estudo do perfil protico do veneno

    da abelha africanizada. Levando-se em conta a importncia dessa subespcie

    de Apis mellifera, principalmente no Brasil e nas Amricas, considerada a maior

    causadora de acidentes e prejuzos sade pblica, este trabalho visou

    caracterizao do perfil protico do veneno da abelha africanizada, alm da

    comparao entre os venenos da abelha africanizada e de duas abelhas

    europeias (Apis mellifera ligustica e Apis mellifera carnica) atravs de uma

    anlise quantitativa dos mesmos, a qual est mostrada adiante. Com o foco em

    identificar amplamente as protenas do veneno, considerando provveis novos

    componentes, e caracterizar propriedades fsico-qumicas desses, uma

  • 16

    abordagem protemica baseada em espectrometria de massas foi aplicada,

    fazendo uso da mais moderna tecnologia disponvel atualmente.

    2.2 Espectrometria de massas

    2.2.1 Preparao de amostra previamente anlise por

    espectrometria de massa

    GeLC-MS/MS

    A convencional anlise de protenas baseada em espectrometria de

    massas envolve digesto de extratos de protenas em peptdeos passveis de

    anlise MS. Quando analisadas amostras biolgicas altamente complexas, as

    quais podem conter de centenas a milhares de protenas, o procedimento de

    pr-fracionamento pode ajudar significantivamente a aumentar a profundidade

    da anlise quando a mesma realizada atravs de espectrometria de massas.

    Isto devido ao fato de que a complexidade da amostra minimizada atravs

    de vrias aquisies LC-MS/MS. A estratgia frequentemente aplicada,

    conhecida como GeLC-MS/MS, consiste na separao de protenas em gel de

    poliacrilamida (SDS-PAGE) seguida de digesto das protenas aprisionadas no

    gel com tripsina, extrao dos peptdeos e anlise dos mesmos atravs de LC-

    MS/MS.(36) importante ressaltar que existe uma troca entre a extenso do

    fracionamento desejado e a durao do experimento. Quanto mais fragmentos

  • 17

    so obtidos, menor nmero de protenas estar contido em cada um deles, e

    menor a complexidade da anlise, permitindo maior sensibilidade e uma

    anlise LC-MS/MS mais detalhada. Entretanto, cada pedao de gel analisado

    em aquisies independentes, acarretando em tempo de uso de mquina

    maior para analisar todos os fragmentos. Um dos benefcios do uso de SDS-

    PAGE o tratamento imparcial de protenas hidrofbicas, as quais so

    perdidas na eletroforese bidimensional. Alm disso, fornece um passo de

    limpeza, significando que diferentes reagentes qumicos podem ser utilizados

    previamente no passo de preparao da amostra, no apresentando efeitos

    adversos na coluna de separao por fase reversa ou no poder de ionizao

    dos peptdeos.(37)

    Anlise Shotgun

    Em que pese a estratgia GeLC-MS/MS apresentar vantagens, como

    discutido anteriormente, a recuperao de um grande nmero de peptdeos

    originados da protelise dificultada uma vez que eles podem ficar presos na

    matriz do gel, podendo resultar em uma pobre cobertura de sequncia.(38) Isto

    crucial quando se deseja uma ampla caracterizao da amostra e quando h

    procura de modificaes ps-traducionais, em que a cobertura da sequncia

    extremamente necessria. Shotgun o termo denominado para o mtodo de

    anlise de uma mistura protica complexa sem uma separao prvia. Para

    amostras contendo nenhum detergente e de baixa a mdia complexidade,

  • 18

    digesto em soluo pode ser a melhor escolha devido elevada cobertura da

    amostra.(39) Esse mtodo foi escolhido no presente trabalho por dois principais

    motivos: primeiramente, porque o objetivo do trabalho foi abranger o maior

    nmero possvel de identificaes de protenas, conferindo uma completa

    caracterizao do perfil protico dos venenos de abelhas; segundo, porque

    outro objetivo foi buscar modificaes ps-traducionais, as quais no foram

    identificadas em toxinas de venenos de abelhas at o presente momento.

    Recentemente, com os avanos tecnolgicos, esse tipo de abordagem

    tem substitudo gradualmente a separao de protenas em gel. A mistura de

    protenas submetida digesto proteoltica em soluo, a qual diretamente

    injetada no cromatgrafo lquido acoplado ao espectrmetro de massas, onde

    ocorre uma separao dos peptdeos por fase reversa. Em seguida, os

    peptdeos so ionizados e sujeitos a sequenciamento MS/MS. Esse mtodo

    recente tem sido facilitado pelo desenvolvimento de espectrmetros de massas

    capazes de adquirir milhares de espectros MS/MS ao longo de uma nica

    anlise LC-MS/MS; alm de que muitas ferramentas tm sido desenvolvidas

    para ajudar na validao da identificao dos peptdeos e protenas.(40) A

    confidncia na identificao dos peptdeos pde ser aumentada graas s

    medidas de massa de altssima acurcia permitidas pelos atuais instrumentos,

    tais como FT-ICR (Fourier transform ion cyclotron resonance).(41) Instrumentos

    FT-ICR fornecem a maior acurcia na medida de massas, porm seu uso

    restringido quando usado acoplado a tcnicas de separao e aplicado a

    experimentos de larga escala. Alguns dos desafios eram o longo tempo na

    aquisio de dados MS/MS, assim como a alta variabilidade na produo de

  • 19

    ons atravs da separao cromatogrfica. Estas dificuldades foram

    minimizadas com o desenvolvimento de um instrumento hbrido, LTQ FT, o

    qual apresenta um sistema ion-trap linear acoplado ao Orbitrap, que, por sua

    vez, permite a utilizao do algoritmo transformada de Fourier, combinando

    medidas de alta acurcia com um desempenho de alta velocidade na aquisio

    de MS/MS.(42)

    A anlise shotgun de venenos de abelhas no foi realizada at os dias de

    hoje, porque a amostra sempre foi considerada complexa levando-se em conta

    a indisponibilidade de instrumentos para tal finalidade. Entretanto, a

    disponibilidade do Orbitrap Velos para a execuo das anlises deste trabalho

    favoreceu a escolha do mtodo e a obteno de resultados de alta qualidade e

    extremamente confiveis. Orbitrap Velos considerado atualmente um dos

    instrumentos mais sofisticados na rea de espectrometria de massas, que est

    demonstrado adiante.

    2.2.2 Cromatografia Lquida acoplada ao espectrmetro de massas

    Apesar de a cromatografia lquida (LC) ser uma tecnologia que est

    disponvel h muitas dcadas, dois principais avanos mudaram sua

    aplicabilidade na protemica. O primeiro foi a introduo do electrospray

    (ESI).(43) O princpio desta tecnologia consiste na formao de um spray, o

    qual deixa o cromatrogrfo na fase lquida e entra no espectrmetro de massas

    na fase gasosa, graas combinao de um nebulizador e uma voltagem

  • 20

    aplicada ao fim do capilar por onde atravessam os peptdeos. Deste modo, a

    carga eltrica de pequenas gotas do solvente supera a tenso superficial das

    gotas levando a consecutivas exploses coulombicas das mesmas em

    gotculas cada vez menores, liberando os analitos em fase gasosa como

    espcies carregadas. Esta tecnologia permitiu que uma grande variedade de

    molculas fosse transferida para a fase gasosa sem fragmentao, incluindo

    molculas extremamente grandes, tais como protenas. O segundo principal

    avano veio com a miniaturizao do emissor ESI, o qual permitiu fluxos muito

    menores no LC assim como as quantidades de amostras, conferindo notvel

    aumento na sensibilidade.(44, 45) Esta verso do ESI tornou-se mais tarde

    conhecida como nano-ESI e permanece atualmente como a base para anlise

    protemica LC-MS.

    Seguramente, o tipo de experimento de protemica mais popular

    realizado pela abordagem chamada bottom-up, atravs da qual, inicialmente,

    uma amostra protica enzimaticamente digerida em peptdeos com o uso de

    uma protease, comumente a tripsina.(46) Deste modo, a complexidade da

    amostra aumentada sendo que cada protena gera mltiplos peptdeos.

    Apesar disso, uma abordagem favorvel uma vez que reduz a unidade

    analtica de protena a peptdeo, o qual mais passvel introduo fase

    gasosa, apresenta relao massa/carga (m/z) melhor adequada s habilidades

    dos espectrmetros de massas, tem distribuio isotpica mais simplificada,

    levando a um bom espetro de fragmentao. Este, por sua vez, pode levar

    identificao da protena com maior facilidade, alm de que a massa molecular

    de alta acurcia um indicador de identidade mais confivel. Entretanto, o

  • 21

    aumento da complexidade introduzida por essa abordagem requer outro nvel

    de separao, independente de um fracionamento a nvel protico previamente

    aplicado, antes que uma anlise aprofundada possa ser realizada pelo

    espectrmetro de massas. Por essa razo, peptdeos so tipicamente

    separados por cromatografia de fase reversa.

    A cromatografia lquida de alto desempenho de fase reversa (RP-HPLC),

    ao contrrio da fase normal, definida pelo uso de eluente hidroflico

    combinado fase estacionria hidrofbica. Normalmente, cadeias longas de

    grupos metilnicos (C18) ligados a esferas de slica so os materiais utilizados

    para o empacotamento da coluna (fase estacionria), enquanto gua ou

    acetonitrila geralmente so os solventes utilizados (fase mvel). RP-HPLC

    separa peptdeos individuais de amostras complexas de acordo com a

    hidrofobicidade. A extenso da separao pode ser influenciada por muitos

    fatores, como a dimenso e a temperatura da coluna, o material de

    empacotamento da coluna, o tamanho da partcula do material, a composio

    do solvente, o fluxo do solvente, entre outros. As propriedades de

    hidrofobicidade do solvente so tambm ajustadas durante cada corrida

    variando-se o gradiente, o qual se refere ao aumento da concentrao de um

    solvente versus o outro durante o curso de aquisio.(47)

    Frequentemente, alm da coluna principal, sistemas LC tambm fazem

    uso de pr-colunas. Neste caso, o analito inicialmente retido na pr-coluna

    por alguns minutos para desalinizao e limpeza antes do carregamento na

    coluna principal. Fisicamente, esse fenmeno ocorre devido troca de

    vlvulas, as quais redirecionam o fluxo do solvente de um injetor de amostra

  • 22

    atravs da pr-coluna at o descarte no primeiro caso (vlvulas 1-2), e do

    nano-fluxo de solvente da pr-coluna at a coluna principal no segundo caso

    (vlvulas 10-1), como mostrado na figura 1. Este passo resulta no aumento do

    tempo de vida da coluna principal de separao e aumenta o desempenho em

    termos de sensibilidade, devido reduo de contaminantes residentes da

    coluna e, em termos de resoluo, sendo que o acmulo de contaminantes e

    tambm analitos normais na coluna pode alterar suas propriedades fsicas.

    Figura 1 Desenho esquemtico da troca de vlvulas do cromatgrafo lquido. O motor da vlvula troca entre a conexo dos canais 1-2 e 10-1. As conexes vermelhas representam os canais das vlvulas. As conexes amarelas representam a tubulao plstica dos capilares. Nano-fluxo o principal gradiente de separao, o qual conecta diretamente o electrospray e a sada do MS quando a vlvula se encontra na posio 1-2. O fluxo de carregamento o alto fluxo da fase mvel que bombeia os analitos do injetor de amostra para o interior da pr-coluna quando a vlvula est na posio 1-2. Quando a vlvula troca para 10-1, o fluxo de carregamento segue em direo ao descarte, enquanto o nano-fluxo segue atravs da pr-coluna e da coluna principal em direo ao MS.

  • 23

    2.2.3 Espectrometria de massas de peptdeos

    Os ons em fase gasosa que chegam diretamente da fonte electrospray

    acoplada ao cromatrgrafo lquido so introduzidos no interior do espetrmetro

    de massas, o qual, essencialmente, mede o nmero de ons da razo massa-

    carga (m/z) de um analito, dentro de uma certa resoluo, a qual a mesma

    para todos os valores de m/z dentro de um limite funcional do instrumento

    utilizado. Este trabalho, assim como uma grande poro dos modernos estudos

    protemicos, foi realizado usando um espectrmetro de massas Orbitrap

    (Thermo Fisher Scientific). Os princpios operacionais desta mquina, assim

    como a sua influncia na anlise de peptdeos, esto discutidos nas sees

    seguintes.

    2.2.4 Espectrmetro de massas Orbitrap

    O instrumento chamado Orbitrap na verdade um hbrido de dois

    analisadores de massas. Os ons introduzidos a partir da fonte ESI, j em fase

    gasosa, so afunilados dentro do equipamento e conduzidos at um ion trap

    linear, que, por sua vez, transporta os ons atravs do c-trap. Deste, os ons

    passam para o real analisador de massas orbitrap, como mostrado pelo

    diagrama esquemtico do instrumento apresentado na figura 2, obtida de Olsen

    et al.(42)

  • 24

    Figura 2 Esquema do Orbitrap. Pacotes de ons introduzidos atravs da fonte ESI so armazenados pelo ion trap e enviados ao orbitrap para escaneamento dos precursores em alta resoluo. Enquanto isso, novos pacotes de ons so novamente armazenados pelo ion trap, fragmentados em modo de aquisio dependente de dados baseado no escaneamento do on precursor e medido por escaneamento MS/MS. Figura obtida de Olsen et al.(42)

    Figura 3 Viso de um corte transversal do analisador de massas Orbitrap. a) eletrodo central. b) eletrodo externo. c) anel de cermica separando o eletrodo externo em duas sees. ons so reperesentados pela trajetria vermelha onde eles giram ao redor do eletrodo central devido a fora eletrosttica atrativa e a fora centrfuga inicial. Figura obtida de Scigelova e Makarov.(48)

  • 25

    A figura 3, obtida de Scigelova e Makarov,(48) representa o esquema do

    analisador de massas orbitrap. A energia inicial com a qual os ons so

    introduzidos no orbitrap gera uma fora centrfuga que balanceada pela fora

    eletrosttica atraindo os ons para o eletrodo central fazendo-os girar em

    trajetria espiral. O movimento axial dos ons ao longo do eletrodo central

    dependente da sua razo massa-carga e as oscilaes observadas entre as

    duas laterais do orbitrap, as quais so separadas entre si por um anel de

    cermica, so detectadas e Fourier tranformadas, resultando em medida de

    m/z acurada.

    2.2.5 Aquisio dependente de dados

    Existem muitos modos operacionais disponveis, porm o mais comum

    aplicado protemica o uso do ion trap para fragmentao induzida por

    coliso dissociada (CID Collision Induced Dissociation) e medida de vrios

    MS/MS (MS a nvel 2) de baixa resoluo, enquanto a medida de alta

    resoluo de apenas um on precursor simultaneamente realizado dentro do

    orbitrap. Os scans MS/MS so adquiridos usando-se a chamada aquisio

    dependente de dados (DDA Data-Dependent Acquisition), pela qual x ons

    precursores mais intensos, vindos do scan de on precursor prvio, so

    isolados, fragmentados e seus fragmentos medidos no ion trap. Um precursor

    determinado baseado em sua distribuio isotpica, a qual permite a

    determinao do estado de carga do on. Tipicamente, apenas ons

  • 26

    duplamente carregados ou carregados com mais cargas so escolhidos para

    fragmentao. Este processo apresentado na figura 4, onde os ons

    precursores dos quatro peptdeos mais intensos so fragmentados. Uma vez

    fragmentados, valores de m/z so colocados em uma lista de excluso

    dinmica (dynamic exclusion list) por certo perodo de tempo para que eles no

    sejam analisados novamente e para que permita a fragmentao de ons

    precursores de baixa abundncia no ciclo sucessivo de DDA.

    A aquisio simultnea de ambos MS e MS/MS oferecem uma

    significante vantagem na velocidade, sendo que mais scans de ambos os

    nveis podem ser adquiridos durante o gradiente LC. Mais scans MS/MS

    naturalmente resultaro em mais peptdeos identificados e mais scans MS

    resultaro em mais sensibilidade, consequentemente, mais perfis peptdicos

    quantitativos confiveis. Outra vantagem relevante do sistema Orbitrap sua

    incrvel alta resoluo m/z, a qual extremamente importante quando gera

    informao quantitativa para muitos peptdeos que podem estar

    simultaneamente presentes em um dado tempo durante o gradiente LC.

  • 27

    Figura 4 Aquisio dependente de dados. Neste esquema, os dois ons precursores mais intensos de dois peptdeos (destacados nos crculos azul e verde) do scan MS1 so visualizados como dois espectros de fragmentao MS/MS, enquanto as caixas em forma de seta representam a seleo dos quatro ons precursores mais intensos a serem fragmentados.

    2.2.6 Fragmentao de peptdeos

    Quando um on de um peptdeo isolado e fragmentado, os fragmentos

    resultantes do scan MS/MS so usados como base para a identificao deste

    peptdeo. Existem diversas tcnicas de fragmentao de peptdeos que podem

    ser utilizadas na moderna espectrometria de massas, tais como collision

    induced dissociation (CID), higher-energy collision dissociation (HCD) e,

    electron transfer dissociation (ETD), para citar algumas, cada uma delas

    produzindo diferentes fragmentos. Alm disso, a sequncia primria e o estado

    de carga do peptdeo podem influenciar os tipos de fragmentos gerados. A

  • 28

    figura 5 mostra os principais modos pelos quais um peptdeo pode ser

    fragmentado.(49) A tcnica mais comumente usada para fragmentar cadeias

    polipeptdicas, especialmente em conjunto com instrumentos Orbitrap, CID, a

    qual foi utilizada neste trabalho. Atravs de CID, os peptdeos geralmente so

    fragmentados em ons das sries -a, -b e -y, os quais podem adicionalmente

    perder amnia ou gua.(50)

    Figura 5 Padro de fragmentao do peptdeo. Durante experimentos MS/MS, peptdeos podem ser fragmentados em diferentes partes para produzir diferentes sries de ons. Figura obtida de pgina da internet Matrix Science.(49)

    2.2.7 Identificao do peptdeo a partir do espectro de fragmentao

    A identificao de peptdeos um passo de processamento de dados

    fundamental exigida pela protemica baseada em espectrometria de

    massas.(51) Existem muitas estratgias para interpretao de espectros

    MS/MS e a assinatura de sequncias para ons precursores de peptdeos. A

    primeira delas conhecida como interpretao denovo, pela qual no se faz

  • 29

    uso de nenhuma informao, a no ser aquela vinda do espectro MS/MS.

    Neste caso, o algoritmo combina a distncia entre picos com a massa dos

    aminocidos em uma tentativa de reconstruir a srie de ons. A partir disso,

    toda ou parte da sequncia pode ser obtida dependendo da qualidade do

    espectro inicial. A segunda abordagem, referida como a comparao de dados

    com os espectros do banco de dados, envolve a confrontao de espectros

    MS/MS experimentais com aqueles espectros experimentais anteriormente

    coletados e anotados e depositados em um banco de dados. Por fim, a outra

    estratgia refere-se confrontao de sequncias de bancos de dados, que

    muito similar abordagem anterior. Porm, ao invs de usar espectros

    coletados anteriormente, o algoritmo se baseia no conhecimento do padro de

    fragmentao peptdica e simula espectros baseados em bancos de dados com

    as sequncias das protenas.

    A estratgia utilizada neste trabalho, cujo uso o mais comum, a ltima

    citada, de confrontao de sequncias com o banco de dados. Para isso

    existem diversos programas disponves, os quais desempenham essa etapa do

    processamento: Mascot (Matrix Science, London, UK); Protein Pilot (AB

    Sciex,Foster city, California), Sequest,(52) OMSSA,(53) e Andromeda,(54) para

    citar alguns. Cada um difere na considerao dos detalhes da clivagem

    enzimtica da protena, fragmentao do peptdeo, tcnica de fragmentao

    (CID, HCD, etc) e escores estatsticos, porm todos eles compartilham a

    mesma estratgia. Essencialmente, o algoritmo realiza a digesto enzimtica

    da protena in silico para gerar todos os possveis peptdeos de todas as

    protenas fornecidas pelo banco de dados e, baseado nos padres de

  • 30

    fragmentao mais conhecidos, ele gera um espectro de fragmentao terico

    para cada peptdeo contendo todos os possveis fragmentos. Dado que a

    massa do precursor experimental reconhece a massa terica do peptdeo

    dentro de certa tolerncia, o algoritmo procede ao reconhecimento dos picos

    experimentais a partir da comparao com os fragmentos peptdicos tericos e,

    por fim, gera um escore para avaliar o nmero e a qualidade de confrontaes

    reconhecidas.

    3. Protemica quantitativa

    3.1 Tcnicas Quantitativas para Espectrometria de Massas

    De acordo com Pandey e Mann et al(55), a protemica definida como o

    estudo em larga escala de protenas, significando que muitas protenas so

    analisadas simultaneamente. Um estudo de proteoma pode envolver no

    apenas a anlise de protenas em larga escala, mas tambm anlise de

    modificaes ps-traducionais e estudo de interaes protena-protena.

    Porm, o recente foco da protemica tem sido a anlise quantitativa de

    protenas comparando-se diferentes grupos ou estados de sistemas biolgicos.

    Por exemplo, um estudo pode focar na anlise quantitativa de um organismo

    do tipo selvagem comparado ao mutante, a fim de determinar mudanas a nvel

    protico que podem ocorrer como resultado da mutao. Isto poderia ento

  • 31

    gerar informao para a elucidao de funes de protenas que mudam dentro

    de um sistema biolgico.

    At recentemente, a protemica era sinnimo de gel de eletroforese

    bidimensional,(55) que permitiu a separao de centenas de protenas e a

    diferenciao quantitativa atravs da anlise de spots. Entretanto, era bastante

    trabalhosa a identificao de spots no gel e sua quantificao, devido a

    problemas intrnsecos s tcnicas disponveis. Os avanos na instrumentao

    de espectrometria de massas, combinados com a recente disponibilidade de

    genomas sequenciados e a descoberta de tcnicas de ionizao mais suaves,

    tais como MALDI(56, 57) e ESI(58), culminaram em uma nova gerao de

    pesquisa protemica. Usando a espectrometria de massas, agora possvel

    identificar e quantificar milhares de protenas dentro de um nico experimento.

    A espectrometria de massas oferece uma grande variedade de tcnicas

    de quantificao de protenas, sendo quase todas aplicveis com base na

    quantificao de peptdeos provenientes de digesto com tripsina.(59, 60) Para

    quantificar peptdeos, sequncias homlogas marcadas com istopos estveis

    so usadas como padro interno em tcnicas como Stable isotope labeling by

    amino acids in cell culture (SILAC)(61)e Super-SILAC(62), Isobaric tag for

    relative and absolute quantification (iTRAQ)(63), Isotope-coded affinity tags

    (ICAT)(64) e Absolute quantification (AQUA)(65), nas quais os sinais dos

    peptdeos so diretamente comparados dentro de uma mesma aquisio LC-

    MS/MS. O efeito resultante mostrado na figura 6, onde o padro isotpico de

    um peptdeo identificado como STGPTAATGSNR visto duas vezes dentro do

    mesmo espectro MS1, obtido de Gevaert et al(66). Uma das duas amostras

  • 32

    comparadas foi marcada com arginina pesada. Este espectro mostra o sinal

    isotpico do peptdeo, o qual apresenta a massa deslocada de 3 Da entre o

    sinal vindo da primeira amostra e o sinal vindo da segunda, a qual a amostra

    marcada com o istopo estvel. Dado que as intensidades dos sinais dos dois

    peptdeos so as mesmas, a razo quantitativa resultante deveria ser

    grosseiramente um, indicando que no h diferena entre ambos.

    Figura 6 Quantificao baseada em peptdeos marcados com istopos estveis. O eixo y indica a intensidade normalizada. O espectro foi obtido de Gevaert et al.(66)

    Para esclarecer o princpio de quantificao baseada em marcao

    isobrica da amostra com istopos estveis, uma das estratgias citadas acima

    est mostrada adiante. A tcnica iTRAQ, primeiramente relatada por Ross et al,

    (63) envolve a modificao de peptdeos usando reagentes de marcao

    qumica. A tcnica baseada na ligao covalente de marcadores com

    diferentes pesos moleculares poro N-terminal e grupos amina de cadeias

  • 33

    laterais de peptdeos, os quais so provenientes de digesto protica. A figura

    7 ilustra a estrutura qumica do marcador com os componentes que podem

    variar, possibilitando seu uso como quatro diferentes marcadores. Os

    componentes da molcula so o grupo reativo, o qual se liga cadeia peptdica

    covalentemente; o grupo descritor, o qual pode ter os tomos de C e N

    substitudos pelos istopos C13 e N15; e o grupo de balano, o qual pode ter os

    tomos de C e O substitudos pelos istopos C13 e O18. As massas dos grupos

    descritor e de balano variam individualmente, de 114 a 117 Da e de 31 a 28

    Da, respectivamente, porm totalizam a massa final de 145. A constncia da

    massa caracteriza tal marcao, alm de isotpica, isobrica.

    Figura 7 Componentes dos marcadores isobricos usados em iTRAQ. A molcula

    completa consiste de um grupo descritor, um grupo de balano e um grupo reativo, o qual se liga cadeia peptdica. A massa total do marcador mantida constante, caracterizando-o como marcador isobrico, atravs do uso dos tomos istopos C13, N15 e O18. O grupo descritor varia em m/z de 114,1 a 117,1 enquanto o grupo de balano varia a massa de 31 a 28 Da, fazendo com que a massa das quatro combinaes permanea constante (145,1Da).

  • 34

    Alm da coeluio dos peptdeos, a principal vantagem do iTRAQ a

    mistura de vrias amostras, as quais podem ser marcadas prvia e juntamente

    com diferentes marcadores, como mostrado na figura 8, a qual foi adaptada da

    pgina de internet de Broad Institute.(67)

    Figura 8 Esquema de quantificao por iTRAQ. Amostras so

    enzimaticamente digeridas, marcadas com reagentes iTRAQ e combinadas anteriormente s anlises LC-MS/MS. A quantificao dos peptdeos resulta da comparao das intensidades dos ons descritores (vistos como os picos coloridos no espectro MS/MS) enquanto a identificao dos peptdeos resulta das sries de ons das cadeias de peptdeos fragmentos (vistos como picos pretos no espectro MS/MS).

  • 35

    A anlise de todas as amostras ao mesmo tempo, em uma mesma

    aquisio LC-MS/MS, poupa horas de uso de mquina. Apesar dessa grande

    vantagem, o mtodo tambm apresenta desvantagens, como a variabilidade na

    extenso da reao qumica, a qual pode criar vieses na quantificao, assim

    como a incompatibilidade dos marcadores com outros reagentes qumicos

    usados na preparao da amostra.(68)

    As estratgias de marcao isotpica tm sido tradicionalmente

    escolhidas porque so menos afetadas por fatores comuns ao LC-MS, como

    variao do tempo de reteno, supresso inica, estabilidade do spray, entre

    outras. Com AQUA ou QCAT ainda possvel estimar a quantidade absoluta

    de protenas, uma vez que as quantidades molares de peptdeos sintticos

    (AQUA) e as quantidades de protena recombinante (Concatenated quantitative

    peptides - QCAT) so conhecidas.

    Embora essas tcnicas estejam razoavelmente bem estabelecidas,

    existem diversas razes que as tornam no muito valorosas. Em geral, todas

    essas razes confrontam a relao custo-benefcio e a flexibilidade do

    experimento. Por isso, a abordagem da quantificao livre de marcao tem se

    tornado cada vez mais popular e aplicvel a diferentes tipos de anlises e

    experimentos. No caso deste trabalho, tanto pelas vantagens que a tcnica

    oferece, quanto pelo fato de que o proteoma em estudo trata-se de um fluido e

    no clula ou tecido, a quantificao livre de marcao foi a tcnica escolhida.

    A abordagem de quantificao livre de marcao baseada em Extracted

    Ion Chromatogram (XIC), possibilitada pelo recente avano de algoritmos e

    melhoria na instrumentao da espectrometria de massas, substituiu

  • 36

    trabalhosas e custosas etapas bioqumicas por procedimentos de

    bioinformtica.(69-71) Nesta abordagem, cada amostra medida em

    aquisies LC-MS/MS independentes e as intensidades de cada distribuio

    isotpica caracterstica de um peptdeo so integradas ao longo do tempo de

    eluio cromatogrfica e consideradas como features quantitativos. Os

    features, aqui chamados fatores, so alinhados entre diferentes aquisies a

    partir do uso das massas acuradas considerando-se o possvel deslocamento

    de massa. O resultado um mapa mestre com todos os fatores referentes s

    intensidades reportadas ao longo de um nmero terico ilimitado de aquisies.

    A abundncia desses fatores comparados entre corridas cromatogrficas

    revela diferenas relativas entre quantidades de peptdeos. As sequncias de

    peptdeos obtidos do espectro MS/MS vindos do banco de dados so cruzadas

    com o mapa mestre.

    Misturas de protenas de qualquer origem so diretamente analisadas de

    modo tecnicamente idntico, o que torna o mtodo atrativo para quantificar o

    proteoma de tecidos individuais ou organismos inteiros.(72, 73) Programas tais

    como SuperHirn,(74) OpenMS(75), MaxQuant(76), Progenesis LC-MS

    (Nonlinear Dynamics, Newcastle, UK) e Elucidator (Rosetta Biosoftware,

    Cambridge, MA), entre outros, so capazes de executar as etapas essenciais

    de processamento de dados. A figura 9, obtida e modificada de Zhu et al,(77)

    destaca as diferenas gerais entre as abordagens de quantificao livre de

    marcao e baseada em marcao. A figura 9 (a) mostra o fluxo de trabalho

    geral quando usado istopos marcados e 9 (b) mostra o fluxo de trabalho

    quando usada a abordagem livre de marcao.

  • 37

    Figura 9 Esquema da anlise protemica quantitativa baseada em marcao versus sem marcao. (a) Fluxo de trabalho quando usada a abordagem baseada em marcao com istopos estveis. (b) Fluxo de trabalho quando usada a ab