3
5/9/2010 9 SALVADOR DOMINGO 8 SALVADOR DOMINGO 5/9/2010 ABRE ASPAS VIRGÍNIA SABACK CONSULTORA DE MODA «Inspiração é coisa para amador » Texto PEDRO FERNANDES [email protected] Fotos MARCO AURÉLIO MARTINS [email protected] No mês em que Salvador sedia o I Seminário Nacional de Moda (de 16 a 18/9) e as semanas dos shoppings Iguatemi (de 15/9 a 1º/10) e Barra (21 a 26/9), fica clara nossa vontade de discutir o assunto. O que falta é traduzir esse desejo em uma siste- matização e fortalecimento da indústria local. É dessa for- ma que pensa Virgínia Saback, coordenadora do curso de graduação tecnológica em design de moda da Univer- sidade Salvador (Unifacs), que completa em 2010 uma década de existência. Virgínia, que atua na área há 27 anos, partiu da prática para a teoria ao deixar para trás a fábrica de roupas Ursa Maior e resolver estudar moda em Milão, em 1990. “Sentia que faltava algo para desenvolver o nosso trabalho, queria experimentar outras coisas, saber de onde vinha aquilo”, explica. Hoje, além dos compromissos acadêmicos, entre eles a Co- missão Científica do Colóquio Nacional de Moda, da qual é membro, Virgínia presta consultoria para grandes empresas na- cionais de vestuário na área de plane- jamento estratégico. Há uma dificuldade das pessoas em entender moda como um conceito maior que o do vestuário? As pessoas associam em primeiro lugar à roupa. Mas a mo- da é um fenômeno que traduz valores históricos, sociais, ambientais. A roupa passa a ser um produto da moda. A gente fala modas. Modos e modas. Se não, a gente não falava “estar na moda”, como em “está na moda comer isso ou aquilo”. Se a palavra moda se aplica a tantos eventos, dá para perceber o quanto ela é poderosa. Então, ela não pode ser associada apenas ao vestuário, que sofre influências de várias áreas, de eventos acontecidos no entorno dele. A gente entende que, como os estudos de moda no País são recentes, a gente ainda está caminhando e construindo um novo discurso de pensar moda nos aspectos psicológicos, sociais, culturais. Hoje, temos diversos profissionais de di- versas disciplinas, até médicos, pesquisando essa área. O século 20 conheceu diversas revoluções comportamentais. Em nossos dias, essas mudanças se dão num nível mais restrito, dentro de pequenos grupos. Como isso se expressa na moda? Há um tempo, você tinha grupos maiores, hoje você tem

Virgínia Saback: "Inspiração é coisa para amador"

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Entrevista com Virgínia Saback, consultora de moda e coordenadora do curso de moda da Unifacs, publicada na Revista Muito

Citation preview

Page 1: Virgínia Saback: "Inspiração é coisa para amador"

5/9/2010 9SALVADOR DOMINGO8 SALVADOR DOMINGO 5/9/2010

ABRE ASPAS VIRGÍNIA SABACK CONSULTORA DE MODA

«Inspiraçãoé coisa paraamador»Texto PEDRO FERNANDES [email protected] MARCO AURÉLIO MARTINS [email protected]

No mês em que Salvador sedia o I Seminário Nacional de Moda

(de 16 a 18/9) e as semanas dos shoppings Iguatemi (de 15/9 a

1º/10) e Barra (21 a 26/9), fica clara nossa vontade de discutir

o assunto. O que falta é traduzir esse desejo em uma siste-

matização e fortalecimento da indústria local. É dessa for-

ma que pensa Virgínia Saback, coordenadora do curso de

graduação tecnológica em design de moda da Univer-

sidade Salvador (Unifacs), que completa em 2010

uma década de existência. Virgínia, que atua na área

há 27 anos, partiu da prática para a teoria ao deixar

para trás a fábrica de roupas Ursa Maior e resolver

estudar moda em Milão, em 1990. “Sentia que

faltava algo para desenvolver o nosso trabalho,

queria experimentar outras coisas, saber de

onde vinha aquilo”, explica. Hoje, além dos

compromissos acadêmicos, entre eles a Co-

missão Científica do Colóquio Nacional de

Moda, da qual é membro, Virgínia presta

consultoria para grandes empresas na-

cionais de vestuário na área de plane-

jamento estratégico.

Há uma dificuldade das pessoas em entender moda como um

conceito maior que o do vestuário?

As pessoas associam em primeiro lugar à roupa. Mas a mo-

da é um fenômeno que traduz valores históricos, sociais,

ambientais. A roupa passa a ser um produto da moda. A

gente fala modas. Modos e modas. Se não, a gente não

falava “estar na moda”, como em “está na moda comer isso

ou aquilo”. Se a palavra moda se aplica a tantos eventos, dá

para perceber o quanto ela é poderosa. Então, ela não pode

ser associada apenas ao vestuário, que sofre influências de

várias áreas, de eventos acontecidos no entorno dele. A

gente entende que, como os estudos de moda no País são

recentes, a gente ainda está caminhando e construindo um

novo discurso de pensar moda nos aspectos psicológicos,

sociais, culturais. Hoje, temos diversos profissionais de di-

versas disciplinas, até médicos, pesquisando essa área.

O século 20 conheceu diversas revoluções comportamentais.

Em nossos dias, essas mudanças se dão num nível mais restrito,

dentro de pequenos grupos. Como isso se expressa na moda?

Há um tempo, você tinha grupos maiores, hoje você tem

Page 2: Virgínia Saback: "Inspiração é coisa para amador"

5/9/2010 11SALVADOR DOMINGO10 SALVADOR DOMINGO 5/9/2010

grupos menores com fragmenta-

ções ideológicas e comportamen-

tais. Se você pega o movimento

punk,porexemplo,vaiperceberque

dentro dele há quem pense como

punk, mas não adota a estética, e

aqueles que adotam a estética, mas

não a ideologia. E cada dia surgem

novos grupos. As pessoas começam

a se vestir como personagens. As

meninas se vestem como princesas

do século 19 e saem às ruas. Mas ho-

je acho que a nova forma de pensar

virá da juventude que vem aí, dos

meninos que têm 10 anos. Eles

já nasceram tecnologicamente

incluídos. São crianças que têm ou-

tra consciência, bem diferente do

século passado. Eles vão represen-

tar um novo tipo de consumo, e as

empresas do século 21 não vão

mais poder ter um comportamento

irresponsável. Elas vão ter de mudar

sua estrutura, embora não possam

fazer esse ajuste da noite para o dia.

Empresas que trabalham com pro-

dutos que agridem a natureza nos

aspectos ecológicos e sociais não

vão sobreviver.

A revolução comportamental pela qual

vamos passar então seria essa?

Não tenho a pretensão de dizer isso

de modo científico, mas, pela minha

pouca experiência, percebo que

sim. Já tem empresas preocupadas

nesse sentido. Hoje os bancos come-

çam a mudar o discurso e, em vez de

vender dinheiro, querem comprar

boas ideias. É o processo inverso. É

um consumo espiritual, emocional.

Acho que as grandes empresas já es-

tão conectadas com isso. Urgente-

mente a indústria do vestuário pre-

cisa se adequar. A gente não pode

mais mentir. As empresas têm de ter

a ficha limpa dos políticos.

Dá para desvincular moda como vestuá-

rio de consumo desenfreado?

O que percebo é que as pessoas es-

tão consumindo com mais consciên-

cia. Produtos mais caros, que são

mais duráveis, estão sendo mais

vendidos que há um tempo. As pes-

soas estão buscando esses bens me-

nos descartáveis, porque o não-des-

carte é a lei do século 21.

Em que contexto o curso da Unifacs sur-

giu e o que mudou no mercado de moda

na Bahia depois desses quase dez anos?

Quando o curso foi montado, era al-

go inédito em Salvador e veio da ex-

periência mercadológica das coor-

denações. Não é que o mercado mu-

dou. Acho que os industriais, todos

eles vêm de um histórico não siste-

matizado pela teoria, vinham de for-

ma empírica, e com sucesso, porque

tinhaavercomasdemandasdaépo-

ca, só que o mundo mudou e as exi-

gências dos consumidores passam a

ser extremas, por conta do acesso às

informações. Hoje você aperta um

botão e vai para o mundo. Essa in-

dústria oriunda dos anos 1980,

1990 não estava preparada e houve

uma retenção. A cidade tem uma

abertura muito grande em relação

ao varejo, com muitos shoppings,

que são muito bem-vindos, mas é

preciso fomentar o lado da indús-

tria. Como universidade, nossa in-

tenção é colaborar com o crescimen-

to do Estado e a abertura de novas

indústrias.Estamosformandomeni-

nospreparadosparaenfrentaressas

exigências do século 21.

Moda é mais criação ou mais negócio?

Não acreditamos em design sem ne-

gócio e em negócio sem design. Ob-

viamente as duas áreas estão liga-

das. Para o design, tem que ter o pla-

nejamento de marketing. Para o re-

sultado final ser bem elaborado, ele

tem que estar ambientado em diver-

sas áreas. O gênio criativo é coisa do

século passado. Os designers hoje

precisam estar munidos de informa-

ção não só em sua área. Procuramos

orientar nossos alunos para ter uma

visão mais multidisciplinar e menos

pessoal. Eles precisam pensar com a

cabeça do consumidor.

Qual o nosso ponto fraco?

Não há criação sem um negócio ao

lado. A criação em nosso Estado res-

pira em todas as áreas, mas acredito

que elas precisam de uma orienta-

ção. O design autoral, por exemplo,

é mais difícil de comunicar para o pú-

blico, porque é muito para ele mes-

mo. Tem que conceber, pesquisar,

entender o que o público quer, para

depois sentar e desenhar o produto.

Ainda falta essa visão estratégica

por parte dos designers, mas acho

que estamos no caminho, que esta-

mos num momento de transição.

Falta mão-de-obra qualificada, costurei-

ras para as fábricas?

É uma profissão que está pratica-

mente em extinção. Há muitos pos-

tos de trabalho abertos no Estado,

embora elas estejam ganhando um

pouco mais. Mas é preciso trabalhar

numa esfera mais humanística, por-

que ninguém faz nada só. Acho que

os empresários precisam acolher

as costureiras e deixar claro que elas

fazem parte do processo, que elas

não são apenas uma peça na cadeia

produtiva.

Você acharia estranho que os criadores

baianos investissem no que se chama de

moda inverno? E no que diz respeito à

moda verão, os cariocas estão à frente.

Que nicho sobra para a Bahia competir?

Éóbvioqueháqueserespeitarosas-

pectos locais, climáticos, regionais,

as interferênciasdoartesanato.Mas

não acredito numa moda local. A

moda é universalizada. As escolhas

desses produtos é que são adequa-

das aos seus desejos, seus jeitos e

trejeitos. Vejo que os baianos esco-

lhem produtos que têm a ver com

seus aspectos culturais. Mas a gente

tem marcas que podem vender em

qualquer lugar do mundo.

Que novos criadores baianos você

destacaria?

Tem o Yuri Sarmento, que é muito

bom, a Úrsula Félix, a Luciana Ga-

leão. Sem desmerecer ninguém,

acho que eles estão associando o

vestuário a um negócio. Eles estão

complanejamento, fazendoumatri-

lha de empresário. O gênio criativo,

para se fixar, precisa se torna viável

para o mercado.

«O que percebo é que as pessoas estãoconsumindo com mais consciência.Produtos mais caros, mais duráveis, estãosendo mais vendidos que há um tempo»

Page 3: Virgínia Saback: "Inspiração é coisa para amador"

5/9/2010 13SALVADOR DOMINGO12 SALVADOR DOMINGO 5/9/2010

Como você vê o reconhecimento da mo-

da como área da cultura pelo Ministério

da Cultura?

Acho maravilhoso. É muito impor-

tanteparaosetor.Sesoubermosuti-

lizar isso,seráumaalavancaenorme

para a indústria do nosso Estado. A

gentesócrescena indústria, comno-

vos postos de trabalho.

O setor vem se gerindo sem necessitar de

políticas públicas. Elas são necessárias?

Os grandes empresários precisam

de apoio para continuar. Mas o cres-

cimento não depende apenas do

mega, mas também dos pequenos

artesãos, dos pequenos empresá-

rios, que vão colaborar de forma in-

cisiva para a cadeia produtiva.

Você acha que para o mercado baiano é

importantequehajaumasemanademo-

daforteouémais interessanteexibirnos-

soprodutoemsemanasdemodamais fa-

mosas, como São Paulo Fashion Week?

Acho que se expor em outras feiras

mais famosas é interessante por

conta do apoio e do apelo das outras

marcas que são conhecidas, dessa

competição colaborativa, que é o

que se pratica hoje. Entretanto, é

muito importante que a gente faça

aqui. Mas não pode ser um evento

passional, tem que pensar no cres-

cimento do Estado. Acho de muito

bom grado o Iguatemi, o Barra e o

Paralela fazerem. Mas não pode

pensar apenas em si. É preciso pen-

sar de forma macro. Se não fortifi-

carmos a indústria, não vai para lu-

gar nenhum.

Salvador recebe cada vez mais marcas fa-

mosas. Somos uma cidade bastante po-

bre. Isso tem condição de se sustentar?

São muitas marcas internacionais

que estão chegando, e não sei com

que dinheiro as pessoas estão com-

prando. Não sei que pesquisa de

mercado foi essa. Eu fico um pouco

chateada que a gente está sendo

passivo. Cadê a gente que não está

fazendo alguma coisa. As pessoas

acham que para abrir um negócio de

confecção é preciso muito dinheiro.

A gente precisa de uma nova boa

ideia. Basta. Inspiração, como diz

César Romero, é coisa para amador.

Ela tem que ser sistêmica. E isso não

vem do nada, vem da cultura, do

nosso acervo. Ainda há diversos ni-

chosdomercadovirgensaseremex-

plorados.Masaspessoassóquerem

trabalhar na esfera do glamour.

Nem sempre o nome no jornal sig-

nifica sucesso. «

«A gente precisa de uma nova boa ideia.Há diversos nichos do mercado a seremexplorados. Mas as pessoas só queremtrabalhar na esfera do glamour»

SATÉLITE APARADOS DA SERRA RIO GRANDE DO SUL

Turismo surpreendenteno Rio Grande do Sul

Texto PAULO TADEU [email protected]

ELISA STECCA / DIVULGAÇÃO

DESTAQUENo restauranteCasarão, provetruta comamêndoas,queijo frito,polenta assadae suco de uvabranca. Fica naRua Padre JoãoFrancisco Ritter,969, Cambarádo Sul (RS)

Paulo Tadeu édono da MatrixEditora

QuandoagenteouvequeoBrasilnãoexploradireitoseupotencial

turístico,nãoestásereferindoapenasàfaltadeinfraestrutura,mas

à falta de conhecimento sobre lugares maravilhosos. Aparados da

Serraéumdeles,comumadaspaisagensmaisdeslumbrantesque

a natureza pode proporcionar, no interior do Rio Grande do Sul,

esperando acontecer para o turismo mundial. O nome vem da pla-

nície perfeita, reta, com vegetação uniforme, como se tivesse sido

aparada. E, no meio dela, uma sucessão de cânions de tirar o fô-

lego, alguns com até mil metros de profundidade. Para ter uma

ideia do desconhecimento, até pouco mais de dez anos, nem a

população local sabia que aquilo podia ser fonte de renda. Nem

nome de cânion tinha. Era o chamado “pe-

rau”. Se alguém falar para você que visitou

um perau, você vai ficar perdido. Se disser

que viu um cânion, a coisa muda. A partir

de Cambará do Sul, você pode conhecer os

diversos cânions, como os dois mais im-

pressionantes, o Fortaleza e o Itaimbezi-

nho. Cambará ainda tem clima de cidade

pequena e agradáveis surpresas, como a

pizzaria em frente à igreja, com decoração

de discos de vinil. Na Estalagem da Colina

está a melhor opção de hospedagem e,

nospasseios,atéasexplicaçõesgeológicas

dos guias tornam-se interessantes. Apara-

dos é uma aula do quanto nós temos que

descobrir sobre o nosso País. « »M

AN

DE

SUA

DIC

AD

EU

MLU

GA

RN

OM

UN

DO

PAR

AR

EVIS

TAM

UIT

O@

GR

UPO

ATA

RD

E.CO

M.B

R