Virtude e Sujeito Moral Na Filosofia Moral de Macintyre

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  • 7/24/2019 Virtude e Sujeito Moral Na Filosofia Moral de Macintyre

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    VIRTUDE E SUJEITO MORAL NA FILOSOFIA MORAL DE

    ALASDAIR MACINTYRE1

    Virtue and mora l sub je c t in la sda i r MacIntyr e s mora l ph i lo sophy

    Isabel Cristina Rocha Hiplito Gonalves2

    Resumo: Este trabalho apresenta como os conceitos de virtude e sujeito moral se encontramcaracterizados na tica das virtudes de Alasdair MacIntyre. Alasdair MacIntyre prope a tica dasvirtudes como forma de devolver a inteligibilidade pratica e teoria moral contempornea, por meioda reapropriao de conceitos como virtude, tradio, telos e comunidade. Apresentamos,especificamente, como o autor elabora o conceito geral de virtude e como apresenta o sujeito moraltendo em vista a tica das virtudes.

    Palavras-chave: Virtude, Sujeito moral, Alasdair MacIntyre.

    Abstract:This paper shows how the concepts of virtue and moral subjects are featured in the virtue

    ethics of Alasdair MacIntyre. Alasdair MacIntyre proposes to virtue ethics as a way to return theintelligibility of contemporary moral theory and practice, through the reappropriation of conceptssuch as virtue, tradition, and community telos. Here, specifically, how the author develops the generalconcept of virtue and morality as it presents the subject with a view to virtue ethics.

    Keywords: Virtue, Moral subject, Alasdair MacIntyre.

    A filosofia moral contempornea tem retomado o interesse pelo tema dasvirtudes3 na consecuo de uma tica que garanta o sentido do todo da vida humana efornea inteligibilidade ao agir moral. sabido que a tica das virtudes foi lograda,enquanto tradio moral, no pensamento filosfico clssico, em especial no pensamento de

    Aristteles que o seu representante paradigmtico, e permaneceu dando o tom dafilosofia moral at o perodo medieval, sendo, contudo, a partir da modernidade deixadaem segundo plano pela filosofia moral.

    1 Texto apresentado em comunicao oral na III Jornada de pesquisa do Mestrado em tica eEpistemologia da UFPI.2Mestranda em tica e Epistemologia pela Universidade Federal do Piau.3Em seu artigo de apresentao do livro tica das virtudes(2011), intitulado Sobre tica e virtudes, JooHobbus alerta que o tema da virtude esteve presente em muitos autores, inclusive autores modernos,

    sem, no entanto, existir a formulao de uma tica das virtudes. Assim, ele aponta que existe adistino entre o que seja uma teoria geral das virtudes do que seja uma tica das virtudes.

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    Os filsofos morais modernos e iluministas rejeitaram alguns elementos presentesno esquema moral da filosofia clssica e a tica da virtude foi deixada de lado. A noo detelos, de vida humana unitria, de bem comum, e de virtudes deixaram de compor o escopoda reflexo moral a partir da modernidade. ticas centradas na noo de dever e de bem-estar passaram a compor o pensamento moral moderno e iluminista. A tica kantiana eutilitarista so os exemplos centrais dessas ticas que ao se contraporem tica clssica, quefaz perguntas do tipo que tipo de pessoa deve me tornar? e como devemos viver?,passam a perguntar quais regras devemos seguir? ou como devemos agir?. Estas ticas

    vislumbraram o estabelecimento de princpios racionais universais passveis de sercompreendidos e aceitos por qualquer agente racional. A primeira considerando aracionalidade da moralidade na possibilidade de elaborao de uma lei imparcial e universal,a segunda, por sua vez, assenta a moralidade e a ao correta na produo do maior bempossvel, da maior utilidade.

    O marco da reao a essas tradies morais se encontra na publicao do artigoModern Moral Philosophy de G. E. M. Anscombe, em 1958. Neste, ela faz uma crtica afilosofia moral moderna e as noes de dever e obrigao, afirmando que as ticas

    deontolgicas que buscam fundar a moralidade nas noes de deve e obrigao moral,certo ou errado o fazem a partir de uma concepo que no sobrevive mais namodernidade, a concepo de um legislador divino. Ainda, Anscombe faz um chamado filosofia moral mergulhar na tica das virtudes, buscando em Aristteles a fonte destaformulao, mas no sem que antes uma filosofia da psicologia seja elaborada.

    A preocupao em resgatar elementos da tica clssica, em especial de Aristtelese sua concepo das virtudes, presente no artigo de Anscombe influenciou um movimentodentro da filosofia moral contempornea de resgate da tica das virtudes. Foram muitos osautores, e sob muitas perspectivas4, que passaram a repensar uma tica das virtudes comoproposta na filosofia moral contempornea e para a moralidade do nosso tempo. Dentre osautores que apresentam uma proposta de tica das virtudes destacamos o filsofo escocs,

    Alasdair MacIntyre, que assume a inspirao aristotlico-tomista na formulao de sua ticadas virtudes, estruturando a racionalidade e moralidade a partir do conceito de tradio.Alasdair MacIntyre empreende em sua Filosofia moral um projeto de reviso

    histrica e crtica da tradio de pensamento moral ocidental. Este denuncia o naufrgio datica moderna e prope como alternativa uma reapropriao da tradio aristotlico-tomista e a retomada da virtude numa perspectiva teleolgica de carter social, resgatandoo conceito de tradio como pesquisa racional, e pensando o homem a partir doreconhecimento de sua condio animal e de sua vulnerabilidade e dependncia.

    A discusso destes pontos centrais e a construo de uma tica das virtudes sorealizadas por Alasdair MacIntyre no conjunto de sua obra por meio de um dilogo com atradio de pensamento da filosofia clssica at o Iluminismo e pela reviso de seusprprios posicionamentos num movimento de reflexo e crtica da literatura filosfica e da

    realidade social. Esse projeto filosfico de MacIntyre est condensado, principalmente, natrilogia After Virtue: a study in Moral Theory(1981); Whose Justice? Which Rationality?(1988) eThree Rival Versions of Moral Enquiry: Encyclopedia, Genealogy and Tradition (1990); e na obraDependent Rational Animals: why human beings need the virtues(1999).5

    4As muitas ticas das virtudes que se desenvolvem na filosofia contempornea assumem perspectivasdiferentes, sendo que boa parte so de inspirao aristotlica, mas nem todas. Alguns autorescontemporneos encontram inspirao para formulao de uma tica das virtudes em Plato, emToms de Aquino, e outros.5 As obras de MacIntyre possuem traduo para o portugus, com os ttulos: Depois da virtude: um

    estudo em teoria moral (2001); Justia de quem? Qual racionalidade? (2008). Estas verses traduzidas seroutilizadas em nosso trabalho.

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    MacIntyre ao longo de suas obras em especial em Depois da virtude apresentaum diagnstico contundente acerca da moralidade e do debate moral contemporneo,afirmando que estes se encontram em desordem e desacordo, respectivamente, sendomarcados pela ausncia de um posicionamento racional que d conta da situao em que seencontram.

    Este realiza uma crtica filosofia moral moderna, apontando que o pensamentomoderno concorre em erros fundamentais6, no sendo possvel uma reconduo damodernidade e da filosofia moral a partir de seus prprios parmetros. Assim, uma filosofiamoral que possa resolver a crise moral da modernidade garantindo racionalidade moralidade e a tica deve estar assentada em uma tradio distinta da moderna filosofialiberal. Nesta perspectiva, MacIntyre sustenta a sistematizao da racionalidade pressupostapela tradio aristotlico-tomista e a tica das virtudes, como forma de devolver a coerncia teoria e prtica morais do nosso tempo.

    Na estruturao de uma tica das virtudes MacIntyre se engaja na tarefa deresgatar a histria das concepes de virtude, e assim busca em cada estgio da tradioclssica que tem Aristteles como seu principal representante os elementos

    fundamentais em sua composio que lhes fornecem fundamentao e garanteminteligibilidade: o vnculo entre virtude e estrutura social (sociedades heroicas); o conflitocomo centro da vida humana e esta vista como uma unidade narrativa (poetas e teatrlogosde Atenas); o esquema teleolgico das virtudes, o vnculo com aplis, o conceito de prtica,o carter do raciocnio prtico e a superioridade da virtude sobre as regras (Aristteles); e,por ltimo, o componente histrico da vida humana, vista como um todo (perodomedieval).

    Buscando identificar o conceito nuclear de virtude e delimitar umafundamentao que o torne inteligvel, MacIntyre afirma que este s pode sercompreendido se pelo menos trs estgios forem identificados e entendidos em seuscontextos conceituais, que ele assim caracteriza:

    o primeiro estgio requer uma interpretao contextualizadora doque chamarei de prtica, o segundo, uma explicao do que jcaracterizei como ordem narrativa de uma vida humana singular e,o terceiro, uma explicao muito mais completa do que a queelaborei at agora do que constitui uma tradio moral. Cadaestgio posterior pressupe o anterior, mas no o contrrio. Cadaestgio anterior modificado e reinterpretado luz de cada estgioposterior, mas tambm oferece um constituinte essencial de cadaestgio posterior7

    De acordo com MacIntyre a noo de prtica essencial identificao de umconceito central de virtude, uma vez que so as prticas que proporcionam o campo para o

    exerccio das virtudes, sendo essas entendidas como atividades socialmente reconhecidas

    6 Segundo MacIntyre a filosofia moral moderna: ignora a relao de dependncia entre raciocniossobre moralidade e justia e as prticas dos grupos sociais e das tradies; estabelece um divrcioentre fatos e valores, delimitando os primeiros como possuindo carter objetivo, podendo serjulgados como verdadeiros ou falsos e, por sua vez, compreendendo os segundos como tendo cartersubjetivo, estando, assim, carente de avaliao racional; fragmenta e dissolve o sujeito moral emdiferentes papis; e estabelece uma ciso entre a vida pblica e a vida privada, por meio da oposioentre o bem dos indivduos e o bem poltico de uma comunidade.7 MacINTYRE, Alasdair. Depois da virtude: um estudo em teoria moral. Traduo de Jussara

    Simes. Reviso tcnica de Helder Buenos Aires de Carvalho. Bauru, So Paulo: EDUSC, 2001. p.314-315.

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    essas questes que constitui a unidade da vida moral tanto para umindivduo como para a comunidade.13

    Neste aspecto, que o vnculo com a plisse estreita e se impe como condiode realizao e busca do sujeito no interior de uma vida como uma unidade de umanarrativa. Essa vida se traduz em busca que sempre orientada por um telos, por umaconcepo de bem que permite a ordenao de variados bens e fornece substrato s

    virtudes. Essa busca pelo bem e o exerccio das virtudes define a vida boa para o homem, eesta somente se realiza em comunidade. Neste sentido, MacIntyre diz que

    chegamos, ento, a uma concluso provisria sobre a vida boa parao homem: a vida virtuosa para o homem aquela vida passada naprocura da vida boa para o homem, e as virtudes necessrias para aprocura so as que nos capacitam a entender o que mais e mais avida boa para o homem. 14

    A definio de vida boa para o homem uma vida humana como um todo,orientada para um fim exige a delimitao do terceiro elemento constitutivo do complexoconceito de virtude o de tradio, de comunidade histrica.

    A busca do bem e o exerccio das virtudes no se efetivam pelos sujeitos comoindivduos isolados, uma vez que cada sujeito carrega uma identidade social e histrica que so coincidentes , estando a histria da vida de cada um inserida na histria dacomunidade: sou filho ou filha de algum; sou um cidado desta ou daquela cidade,membro desta ou daquela associao ou profisso; perteno a tal cl, tal tribo, tal nao.15

    A definio do eu se d pela herana de um passado que entrelaa presente efuturo, porque pertencente a uma tradio. Tradio que implica uma argumentaosobre os bens cuja procura d a essa tradio seu prprio sentido e finalidade16, e umahistria de conflitos, uma arena de debates na qual a racionalidade tem lugar.

    So as tradies que fornecem as prticas e a vida humana como um todo ocontexto histrico necessrio a sua existncia e desenvolvimento, assim comointeligibilidade:

    a histria de uma prtica na nossa poca est, em geral ecaracteristicamente, inserida na histria mais longa e ampla datradio, e por meio da qual a prtica se torna inteligvel e chega,assim, forma atual que nos foi transmitida; a histria da vida de cadaum de ns est inserida, geral e caracteristicamente, e se tornainteligvel, nos termos das histrias mais amplas e mais longas deinmeras tradies.17

    O exerccio das virtudes que possibilita o desenvolvimento e o fortalecimentodas tradies, assim como a ausncia das virtudes podem possibilitara desintegrao e odesaparecimento das tradies. Portanto, diz MacIntyre, o sentido e finalidade das virtudesesto no sustento das relaes que possibilitam o alcancem de bens internos s prticas,assim como no sustento da procura do bem por um indivduo durante uma vida inteira eassim como no sustento das tradies, que so o contexto social para as prticas e as vidas.

    13 CARVALHO, Helder Buenos Aires de. Tradio e racionalidade na filosofia de AlasdairMacIntyre. Unimarco Editora: So Paulo 1999. p.119.14MacINTYRE, 2001, p. 369.15MacINTYRE, 2001, p. 371-372.16

    MacINTYRE, 2001, p. 372-373.17MacINTYRE, 2001, p. 374

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    O exerccio das virtudes habilita seus possuidores a buscarem seu prprio bem e obem da tradio a que pertencem, uma vez que neste contexto, a melhor realizao de umatarefa ou ao faz-lo do melhor modo tanto para o sujeito que a realiza enquantoindivduo, como enquanto pai, filho, cidado, membro de uma comunidade ou profisso.

    Assim, o sujeito moral realiza sempre uma tarefa que uma tarefa poltica, poissempre a ser realizada em comunidade, integrando o processo de reflexo e deliberaoacerca do bem comum, como seu bem e como o bem da comunidade. O ponto de partidamoral de cada sujeito so os dbitos, patrimnios, expectativas, orgulhos e obrigaesherdados do passado de sua nao, de sua cidade, de sua famlia. Esta herana, que seuponto de partida, o que garante sua particularidade moral, e a partir desta particularidadeque a busca pelo bem, pelo universal pode se iniciar.

    O homem , segundo MacIntyre, em suas aes e prticas um animal contador dehistrias, e torna-se tal no decorrer de sua histria. A resposta a pergunta o que devo fazer?s pode ser respondida mediante a resposta pergunta de que histrias fao parte?. Ascrianas aprendem como o mundo que as cercam, as pessoas, personagens, papis,funes sociais, virtudes e vcios, ouvindo relatos, ouvindo as histrias sobre o mundo a

    que pertencem. Por meio dessas histrias essas crianas podem ser educadas para asvirtudes. MacIntyre vai apontar que

    ingressamos na sociedade humana com um ou mais papis a nsatribudos papis para os quais fomos recrutados e temos deaprender o que so para poder entender como os outros reagem ans e como nossas reaes e eles podero ser interpretadas.18

    O eu s pode ser caracterizado e explicado tendo em vista a vivncia de umahistria que vai do nascimento morte do sujeito, e que ganha significado peculiar no seudesenvolver enquanto narrativa inteligvel, que se direciona a um telos. E ser um sujeito deuma histria narrvel ser responsvel pelas aes e experincias vividas e contadas,

    poder ser chamado a dar explicao sobre sua vida. E essa explicao alm de fornecidapode ser pedida a outros aos quais as histrias se entrelaam de algum modo. Desse modo,os conceitos de narrativa, inteligibilidade e responsabilidade esto pressupostos entre si epressupem o de identidade pessoal, assim como o conceito de identidade pessoal ospressupem.

    Assim, para MacIntyre a unidade de uma vida humana a unidade de uma buscanarrativa19. Enquanto buscas narrativas as vidas humanas podem obter xito ou fracassar,e o critrio para essa caracterizao se constitui na prpria busca, na prpria narrativa, estrelacionado ao telos, ao que se busca encontrar, ao bem. Contudo, este bem no estpreviamente dado, caracterizado de modo absoluto, mas concebido no decorrer da busca,da jornada, no caminhar. A busca sempre uma educao quanto ao carter do que se

    procura e de autoconhecimento.20

    Para MacIntyre, a busca pelo bem e o exerccio das virtudes no uma tarefa ouprtica individual. A vivncia de uma vida boa pelo sujeito est ligada a uma identidadesocial particular. o sujeito moral, nesta perspectiva, s pode ser caracterizado tendo em

    vista a caracterizao da tradio a que pertence, uma vez que sua identidade particular,assim como as virtudes que exercer, estar ligada a identidade da comunidade a quepertence e s virtudes que a comunidade partilhar e valorizar, como aquelas essenciais aoexerccio da ao boa, e necessrias ao empreendimento de busca pelo bem, que traduz a

    vida boa. Dessa forma, a ao moral, a melhor ao s tem sentido mediante o contexto da

    18MacINTYRE, 2001, p. 363.19

    MacINTYRE, 2001, p. 367.20MacINTYRE, 2001, p. 368.

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    boa vida buscada por sujeito moral que se constitui como virtuoso enquanto aquele queexerce as virtudes ao conduzir sua vida, enquanto uma narrativa de busca pelo bem.

    O sujeito moral deve encerrar em si mesmo a virtude e a racionalidade prtica.Tornar-se um raciocinador prtico independente implica, na perspectiva de MacIntyre,desenvolver a capacidade de avaliar, modificar ou excluir seus prprios juzos prticos eperguntar a si mesmo sobre se as razes para agir so realmente boas razes; desenvolver acapacidade para imaginar futuros alternativos possveis, de modo que possa escolherracionalmente entre eles; e adquirir a capacidade de distanciar-se dos seus desejos paraperguntar-se racionalmente sobre o que necessrio para buscar o bem e assim ou orientarou reeducar seus desejos para alcanar o bem. O desenvolvimento destas capacidades porparte de um sujeito depende de maneira essencial da contribuio dos outros, e as relaesde cuidado que envolvem dar e receber reciprocamente perduram por toda a vida dosindivduos.

    importante que o ser humano possa entender sua identidade animal atravs dotempo desde sua concepo at a morte, e entender a necessidade do cuidado de outraspessoas nas diferentes etapas da vida, e saber que medida que recebeu e recebe cuidados

    durante toda a vida, ser em algum momento chamado a prestar esses cuidados, e mesmocuidando dos outros precisar ser cuidado por outros tambm.

    Na obra Dependent rational animals, MacIntyre reconhece a impossibilidade de sepensar uma tica independente de uma biologia21, uma vez que o no reconhecimento dacondio animal do ser humano e suas implicaes impedem o reconhecimento de outrosaspectos relevantes sobre o papel das virtudes na vida do ser humano.

    Uma explicao satisfatria dos bens, das normas e das virtudes que definem avida moral s ser possvel mediante uma explicao acerca do desenvolvimento do serhumano constitudo biologicamente como tal e de uma vida moral possvel de acordo comesse desenvolvimento, que deve ser tomado em comparao com outros animaisinteligentes e que exige o reconhecimento tambm de um certo grau de dependncia e

    incapacidade do ser humano. Assim, afirma MacIntyre:as virtudes que ns precisamos, se vamos desenvolver de nossacondio animal inicial at aquela de agentes racionaisindependentes, e as virtudes que ns necessitamos, se vamosconfrontar e responder vulnerabilidade e deficincia, tanto em nsmesmos como nos outros, pertencem a um e mesmo conjunto devirtudes, as virtudes peculiares aos animais racionais dependentes,cuja dependncia, racionalidade e animalidade tm de serentendidas em relao umas com as outras.22

    MacIntyre afirma que o ser humano tem uma identidade animal, que identidadecorporal e isso no pode ser ignorado, uma vez que as relaes entre os seres humanos soem parte definidas a partir dessa identidade animal e os diversos males que podem afligir o

    21 Em Depois da virtude, MacIntyre oferece uma explicao do lugar que ocupam as virtudes, nosentido aristotlico, tendo em vista as prticas sociais, a vida dos indivduos e comunidades,estabelecendo uma independncia em relao ao que ele chamou de biologia metafsica deAristteles. Esta posio foi revisada e corrigida por MacIntyre no decorrer de suas obras posteriores,especialmente em Dependent Rational Animals(1999).22 MacINTYRE, Alasdair. Dependet rational animals: why human beings need the virtues.Chicago, Illinois: Open Court Publishing Company, 1999. (The Paul Carus Lectures Series, 20). p.5.

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    ser humano dizem respeito aqueles que alteram esta identidade ou resultam emincapacidades.

    De acordo com MacIntyre para que uma explicao satisfatria sobre a condiohumana seja realizada necessrio o reconhecimento da vulnerabilidade e dependnciacomo parte desta condio. Os seres humanos so vulnerveis a uma diversidade deaflies e enfermidades e o enfrentamento destas condies depende somente em parte decada um em si mesmo, uma vez que o frequente que todo indivduo dependa dos demaispara sua sobrevivncia e seu florescimento. Esta dependncia em relao aos outros parareceber proteo e sustento mais evidente durante a infncia e a velhice, mas entre estasduas etapas pode haver perodos, mais ou menos longos, em que o ser humano venha apadecer de alguma enfermidade, leso, ou incapacidade, chegando, em alguns casos, aadquirir uma incapacidade para o resto da vida.

    Assim, diz MacIntyre, para compreendermos os fenmenos da deficincia edependncia temos que afirmar a animalidade humana, compreendendo o fato de que ocorpo humano um corpo animal e que a identidade humana corporal, e mais alm, deque o ser humano no tem um corpo, mas seu corpo. Assim, o desenvolvimento e o

    florescimento humano esto relacionados espcie de animal que o ser humano e no auma superao desta condio. Neste sentido, Carvalho afirma que

    MacIntyre, ao conectar vulnerabilidade, dependncia e autonomiaracional numa mesma equao, contextualizando-as no mbito daanimalidade do ser humano, realiza mais uma vez a percepo dasvirtudes com um trao comunitrio e cooperativo, no as reduzindoa qualidades de carter individual ou traos meramente emocionais.Ao enfatizar que somos dependentes de outros humanos nosomente para nossa sobrevivncia, mas tambm para que possamosflorescer como seres humanos autnomos e racionais, MacIntyrenos faz lembrar que s nos tornamos agentes reflexivos prticos

    independentes, atravs da participao num conjunto de relaescom outras pessoas que regra geral, so capazes de nos dar o queprecisamos. medida que crescemos, passamos a dar mais do querecebemos, mas quando chegarmos a velhos, iniciamos umprocesso em que precisamos receber mais do que damos.23

    A perspectiva que MacIntyre apresenta s possvel tendo em vista uma tica dasvirtudes, uma vez que somente mediante exerccio das virtudes uma comunidade calcadaem relaes de dar e receber na justa medida pode ser vislumbrada e efetivada. MacIntyreafirma que as virtudes so indispensveis para o florescimento humano, pois, sem as

    virtudes morais e intelectuais no seria possvel o desenvolvimento do exerccio doraciocnio prtico; no seria possvel cuidar e educar os outros de modo a exercitarem sua

    capacidade de raciocnio prtico; e no seria possvel proteger os outros e a ns mesmos danegligencia, falta de compaixo, estupidez, cobia e malcia.

    Referncias

    CARVALHO, Helder Buenos Aires de. A propsito do comunitarismo. Sntese-NovaFase, n. 25, 83, p. 563-578, 1998.

    23

    CARVALHO, Helder Buenos Aires de. tica das virtudes em Alasdair MacIntyre. In: HOBUSS,Joo (org). tica das virtudes. Florianpolis, SC: Editora UFSC, 2011. p. 210-211.

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    ______. Tradio e racionalidade na filosofia de Alasdair MacIntyre. UnimarcoEditora: So Paulo, 1999.

    ______. A contemporaneidade de Aristteles na filosofia moral de Alasdair MacIntyre.Sntese. Revista de Filosofia, Belo Horizonte, v.28, n. 90, p. 37-66, 2001.

    _______. Comunidade Moral e Poltica na tica das virtudes de Alasdair MacIntyre.Ethic@ Revista Internacional de Filosofia. Florianpolis. n 4, v. 6, n 4, p. 17-30,2007.

    ______. Alasdair MacIntyre e o retorno s tradies morais de pesquisa racional. In:OLIVEIRA, Manfredo A. (ORG). Correntes fundamentais da tica contempornea. 3.ed. Petrpolis, RJ: Vozes 2008.

    _______. tica das virtudes em Alasdair MacIntyre. In: HOBUSS, Joo (org). tica dasvirtudes. Florianpolis, SC: Editora ufsc, 2011.

    HOBUSS, Joo. Sobre tica e virtudes. In: HOBUSS, Joo (org). tica das virtudes.Florianpolis, SC: Editora ufsc, 2011.

    MACINTYRE, Alasdair. Dependet rational animals: why human beings need thevirtues. Chicago, Illinois: Open Court Publishing Company, 1999. (The Paul CarusLectures Series, 20)

    ______. Depois da virtude: um estudo em teoria moral.Traduo de Jussara Simes.Bauru, So Paulo: EDUSC, 2001.

    ______. Justia de Quem? Qual racionalidade? Traduo de Marcelo Pimenta

    Marques. 3. ed. So Paulo: Edies Loyola, 2008.

    ________________________________________________________________Texto recebido em: 30/04/2012

    Aceito para publicao em: 03/05/2012