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Mudar de vida Trocaram carreiras na banca e na publicidade para seguirem convicções religiosas ou terem mais tempo para si. Tomaram decisões antes que alguém o fizesse por eles. APRENDA COMO SE FAZ Começa por ser um sonhar acordado que se insinua à medida que os dias avançam, um atrás do outro, sem cor nem sentido. Aos poucos, a paciência dilui-se e abre caminho à revolta, tornando cada vez mais inúteis os esforços para segurar as pontas. Atingido este nível, o refrão da canção de António Variações sintetiza tudo: Se tu não vives satisfeito/ estás sempre a tempo de mudar/ não deves viver contrafeito/ muda de vida, se há vida em ti a latejar. Quando o matemático americano Richard Bandler inventou, juntamente com o linguista John Grinder, um modelo de treino mental - Programação Neuro-Linguística (PNL) - não podia prever que um adepto seu elevaria o modelo à escala planetária. Com a obra Mude a Sua Vida em Sete Dias (Lua de Papel, !14), o milionário britânico Paul McKenna, 45 anos, está a dar que falar entre as estrelas do desporto e do showbiz. Actualmente a viver em Los Angeles, nos Estados Unidos, este filho mais velho de um construtor civil e de uma professora de Economia era conhecido por detestar a escola, ser bastante persuasivo e ter uma determinação invulgar. Aos 12 anos, aventurou-se nas lides de DJ e vingou no meio radiofónico. Aos 20, dizia que ia ser rico até aos trinta. E foi, com um senão: "Tinha sucesso mas não era feliz, só desejava ser outra pessoa.. Após uma incursão nos trilhos da hipnose e da PNL, fez furor com o programa televisivo The Hypnotic World of Paul McKenna. Vieram, então, os seminários, os livros, os fãs (Ellen Denegeres, David Bowie, David Beckham, entre outros), as entrevistas e as demonstrações das técnicas, ao vivo, que proliferam no YouTube. Em Portugal, o seu livro saltou directamente para o top das vendas, já vai em três edições e vendeu cerca de 23 mil exemplares. Escritor motivacional com fama mundial, Paul é um defensor do lema "tome decisões, porque se não o fizer alguém o fará por si". No seu entender, mudar de vida implica focar-se nos valores pessoais e reprogramar o mind-set, ou seja, os padrões de linguagem que usamos mentalmente, quando falamos com os nossos botões. E para que não restem dúvidas de que o aviso foi feito, especifica: "O que você for daqui a uns anos é o resultado do que está a fazer agora; isto é claro para a maioria e, se não é, passa a ser, quando se concentram nisso." Não se trata de pensamento mágico, antes de visão e acção focada. E usar com critério, aqui-e-agora, o poder das palavras - pensadas e ditas - como um hábito de higiene íntima. Conscientemente ou de forma instintiva, há quem ouse sair da caixa e, em sede própria, assuma o papel de realizador e reescreva, por completo, o guião do seu filme. "A única chave que existe está na fechadura", diz Cláudia, enquanto bate a porta e se prepara para atravessar o terreno que liga a sua casa ao monte de turismo rural, no concelho de Odemira. Mas há outros motivos que fazem a ex-psicóloga Cláudia Coimbra, 38 anos, orgulhar-se de ter deixado Lisboa, aos 27 anos, escolhendo o Alentejo para residência. "Não há dia sem um raio de sol, os miúdos andam por aí à vontade, vivo descansada." A sua história é feita de coincidências. Imagine-se um cenário de filme, literalmente - foi ali perto que decorreu a rodagem de A Casa dos Espíritos, baseado na obra de Isabel Allende, que conta a vida de Estebán Trueba, numa terra chamada Tresmarias. Foi a paixão por um suíço com um apelido parecido, Balthasar Trueb, dez anos mais velho, que a fez mudar de vida: viram-se quatro vezes e juntaram-se. "Quando estamos apaixonados, fazemos coisas assim." Instalaram-se em Vila Nova de Milfontes: ela começou por trabalhar numa pizzaria, ele empregou-se numa imobiliária. Seguiram-se dois golpes de sorte: encontraram um terreno no Parque Natural do Sudoeste Alentejano com autorização para construir e conseguiram vender a casa de Milfontes. Montaram um restaurante, num monte. "Estava sempre cheio." Muitas vezes, era preciso arranjar cama para visitantes de

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Mudar de vida

Trocaram carreiras na banca e na publicidade para seguirem convicções religiosas ou terem mais tempo para si. Tomaram decisões antes que alguém o fizesse por eles. APRENDA COMO SE FAZ

Começa por ser um sonhar acordado que se insinua à medida que os dias avançam, um atrás do outro, sem cor nem sentido. Aos poucos, a paciência dilui-se e abre caminho à revolta, tornando cada vez mais inúteis os esforços para segurar as pontas. Atingido este nível, o refrão da canção de António Variações sintetiza tudo: Se tu não vives satisfeito/ estás sempre a tempo de mudar/ não deves viver contrafeito/ muda de vida, se há vida em ti a latejar.

Quando o matemático americano Richard Bandler inventou, juntamente com o linguista John Grinder, um modelo de treino mental - Programação Neuro-Linguística (PNL) - não podia prever que um adepto seu elevaria o modelo à escala planetária. Com a obra Mude a Sua Vida em Sete Dias (Lua de Papel, !14), o milionário britânico Paul McKenna, 45 anos, está a dar que falar entre as estrelas do desporto e do showbiz. Actualmente a viver em Los Angeles, nos Estados Unidos, este filho mais velho de um construtor civil e de uma professora de Economia era conhecido por detestar a escola, ser bastante persuasivo e ter uma determinação invulgar. Aos 12 anos, aventurou-se nas lides de DJ e vingou no meio radiofónico. Aos 20, dizia que ia ser rico até aos trinta. E foi, com um senão: "Tinha sucesso mas não era feliz, só desejava ser outra pessoa.. Após uma incursão nos trilhos da hipnose e da PNL, fez furor com o programa televisivo The Hypnotic World of Paul McKenna. Vieram, então, os seminários, os livros, os fãs (Ellen Denegeres, David Bowie, David Beckham, entre outros), as entrevistas e as demonstrações das técnicas, ao vivo, que proliferam no YouTube. Em Portugal, o seu livro saltou directamente para o top das vendas, já vai em três edições e vendeu cerca de 23 mil exemplares.

Escritor motivacional com fama mundial, Paul é um defensor do lema "tome decisões, porque se não o fizer alguém o fará por si". No seu entender, mudar de vida implica focar-se nos valores pessoais e reprogramar o mind-set, ou seja, os padrões de linguagem que usamos mentalmente, quando falamos com os nossos botões. E para que não restem dúvidas de que o aviso foi feito, especifica: "O que você for daqui a uns anos é o resultado do que está a fazer agora; isto é claro para a maioria e, se não é, passa a ser, quando se concentram nisso."

Não se trata de pensamento mágico, antes de visão e acção focada. E usar com critério, aqui-e-agora, o poder das palavras - pensadas e ditas - como um hábito de higiene íntima. Conscientemente ou de forma instintiva, há quem ouse sair da caixa e, em sede própria, assuma o papel de realizador e reescreva, por completo, o guião do seu filme.

"A única chave que existe está na fechadura", diz Cláudia, enquanto bate a porta e se prepara para atravessar o terreno que liga a sua casa ao monte de turismo rural, no concelho de Odemira. Mas há outros motivos que fazem a ex-psicóloga Cláudia Coimbra, 38 anos, orgulhar-se de ter deixado Lisboa, aos 27 anos, escolhendo o Alentejo para residência. "Não há dia sem um raio de sol, os miúdos andam por aí à vontade, vivo descansada." A sua história é feita de coincidências. Imagine-se um cenário de filme, literalmente - foi ali perto que decorreu a rodagem de A Casa dos Espíritos, baseado na obra de Isabel Allende, que conta a vida de Estebán Trueba, numa terra chamada Tresmarias. Foi a paixão por um suíço com um apelido parecido, Balthasar Trueb, dez anos mais velho, que a fez mudar de vida: viram-se quatro vezes e juntaram-se. "Quando estamos apaixonados, fazemos coisas assim."

Instalaram-se em Vila Nova de Milfontes: ela começou por trabalhar numa pizzaria, ele empregou-se numa imobiliária. Seguiram-se dois golpes de sorte: encontraram um terreno no Parque Natural do Sudoeste Alentejano com autorização para construir e conseguiram vender a casa de Milfontes. Montaram um restaurante, num monte. "Estava sempre cheio." Muitas vezes, era preciso arranjar cama para visitantes de

última hora e resolveram transformar o espaço - onde há burros e uma avestruz - em turismo rural. Chamaram-lhe, claro, Três Marias. "Estamos atentos à natureza e vivemos de forma mais instintiva", descreve Cláudia. No fim do Verão, apanham pinhas; com as primeiras chuvas, vêm os cogumelos, as bolotas. Ao colo, segura a pequena Laura, 5 meses; os outros dois filhos, David, 8 anos, e Lucas, 6, hão-de chegar das aulas. "A escola não é fantástica, mas o resto compensa. O que podíamos querer mais?"

Mais vale tarde

Aceitar como oportunidades as dádivas do caminho - um amor, o nascimento de um filho - é um risco e uma manifestação de fé. Faz uma semana que Margarida Piló, 34 anos, licenciada em Psicologia, defendeu a tese de mestrado Maternidade em círculos - Grupos de apoio à maternidade consciente. Com o nascimento do seu filho mais velho e após dez anos a trabalhar em ensino especial e como monitora de informática, Margarida abraçou nova causa: a maternidade vivida em pleno. "Mudei completamente, descobri um mundo novo." Fez a formação de doulas (presta informação e apoio durante a gravidez, parto e pós-parto), é voluntária da linha SOS Amamentação e acompanha o crescimento dos três filhos, com 3, 5 e 7 anos.

"Angustiava-me pensar que estava a perder os primeiros passos deles, as primeiras palavras", revela a lisboeta, membro do movimento pela humanização do parto, HumPar.

Ainda chegou a trabalhar "contrariada", a tempo parcial, mas quando foi novamente mãe fez contas com o marido, advogado, e decidiu ficar em casa. Não se arrepende de nada e fez uma descoberta: "Ter um patrão é coisa que já não me cabe na cabeça."

Na cabeça de um precário, a narrativa é outra. A mãe chama-lhe "o meu doutor ao quadrado". Não está a ser rigorosa, mas anda lá perto: faltam cinco meses para o filho terminar a sua segunda licenciatura, oito anos depois de ter completado a primeira, em Comunicação Social e Cultural. Quando Fernando Pedrosa, 32 anos, sair da Universidade Lusíada, em Julho, com o novo canudo, deverá ter emprego como radiologista clínico. O projecto de carreira na área cultural está morto e enterrado.

O primeiro passo de Fernando em direcção à medicina aconteceu em 1994, ao candidatar-se ao curso de Humanidades da Universidade Católica de Lisboa - porque foi esse curso a levá-lo ao desemprego crónico, em 2001. Ainda chegou a fazer um estágio no Mosteiro dos Jerónimos, mas, desde aí, apenas acumulou trabalhos temporários não especializados - técnico numa fábrica de cerveja, steward no Euro 2004, estafeta em Inglaterra - e especializou-se em enviar currículos (mais de seiscentos). Quatro anos de vida em stand by, com o diploma a ganhar pó, foram suficientes para o licenciado desejar mudar de rumo.

Hoje, finalista do curso de radiologia e já com o estágio feito, sente-se feliz por se ter virado para a Saúde. "Aprendi mais nos primeiros três dias de estágio do que nos anos todos, no curso de Comunicação." O futuro radiologista ("seja para aqui seja para a Madeira ou para Espanha, vou para onde for preciso") garante que não trocaria a nova carreira por uma de adido cultural. A reviravolta aconteceu depois de muito tempo perdido. Mas há quem passe uma vida inteira sem descobrir a sua vocação. Fernando, que agora fala de radiografias e ressonâncias magnéticas com um brilhozinho nos olhos, encontrou-a aos 32 anos. Vendo bem as coisas, não foi tão tarde.

Sem o saber, fez exactamente o que se ensina nos cursos de desenvolvimento pessoal. "A mudança está na capacidade de expressar-se e envolver-se numa experiência que não se conhece - mesmo se no passado foi negativa - sem medo de sofrer ou de ficar sem segurança". Esses medos são tipicamente portugueses, acrescenta.

Contagem decrescente

Reza a sabedoria popular que "não muda quem quer, muda quem pode". Mas tudo é relativo e depende da perspectiva. Depois de um ano a fazer poupanças, Rita Desterro, 29 anos, disse adeus a um ritmo de trabalho alucinante na área da publicidade e organização de eventos para dedicar-se à prática e ensino do

ioga. A garagem de sua casa, uma vivenda numa zona calma do Estoril, foi adaptada para esse fim: os tons suaves e o cheiro a incenso convidam a desacelerar, a ouvir o som do silêncio, a prestar atenção aos movimentos da respiração.

"Trabalhava, no mínimo, doze horas por dia e até gostava muito do que fazia, mas não tinha tempo para nada." Praticante há sete anos, Rita passou dois meses em Mysore, no Sul da Índia, a aprender filosofia e técnicas de Ashtanga e optou por especializar-se em ioga para grávidas e bebés. "Ganhei uma nova consciência do corpo, a necessidade de dormir bem, comer a horas. Senti um apelo para estar mais comigo e com os outros", confessa. A mudança obrigou a reajustes no orçamento familiar. Organizada nas despesas, faz listas para tudo e há um ano que não compra uma peça de roupa. Mesmo assim, sente-se feliz com a sua decisão, que contou com o apoio do marido.

Ao contrário do que possa parecer, a decisão de mudar de paradigma em nome da realização pessoal pode afigurar-se mais complexa no caso de quem tem uma carreira confortável e sem preocupações de sobrevivência e segurança. "É no meio da vida que se repensa a forma de viver no tempo que ainda se tem", afirma Isabel Freire de Andrade, 42 anos, psicóloga e coach de directores de grandes empresas. À semelhança do que sucede na economia, há um ponto a partir do qual o modelo vigente entra em falência e é preciso reinventá-lo. Nos programas a que se submetem (ao longo de seis meses, em média), os seus clientes procuram "um propósito, porque o dinheiro e o poder já não bastam". Os anseios mais comuns resumem-se a "ter mais tempo livre, menos ansiedade e mais qualidade no relacionamento com os outros".

Mariana Saraiva, 35 anos, actual coordenadora do Banco de Bens Doados, iniciou a sua aventura no mundo do voluntariado após um episódio que não vai esquecer. Estava em casa a ver televisão com o filho mais velho, de 5 anos, e voltou a ouvir: "Mãe, o que é que tu fazes?" Ela respondeu que fazia anúncios como os da TV. "Fizeste este?", inquiriu Nuno. "Não." Novo round: "E este?" "Também não", voltou a dizer. A certa altura, a antiga gestora de contas publicitárias percebeu que não era aquilo que queria para a sua vida, até porque mal via os filhos. Hoje vai buscá-los à escola, conhece os amigos deles e todos os dias tem um "momento para brincar" com eles.

Saltos quânticos

Quando o desconforto é superior à segurança e ao socialmente correcto, a aposta consiste em mergulhar de cabeça, não na areia, mas em águas profundas. Financeiramente autónomo desde os 20 anos, Miguel Sottomayor, 35, era um bancário bem remunerado, que gostava do que fazia, em Vila do Conde. Não vivia só para o trabalho e até era bem sucedido nos amores. O que o levou, aos 30 anos e em plena ascensão profissional, a deixar tudo, para ser padre? A resposta está em Deus, e no seu "chamamento", afirma o seminarista. Recuemos cinco anos, a Fevereiro de 2004, quando sentia uma insatisfação sem nome. "Faltava alguma coisa e a ideia de ser padre era incompatível com a intenção de constituir família e ter filhos." Nada melhor que um retiro, pensou, para pôr as ideias em ordem. Rumou, então, sozinho, a Angola. "Quis distanciar-me e perceber o que Deus exigia de mim." Não demorou muito. Durante um passeio a pé, encontrou um homem que lhe perguntou o que andava ali a fazer. Durante mais de três horas, Miguel contou-lhe a vida toda, as dúvidas, a razão da viagem. No final, o desconhecido levantou-se, pôs-lhe a mão no ombro e disse: "No dia em que o Miguel perguntar a Deus o que Ele quer de si, em vez de pedir o que o Miguel quer Dele, tudo ficará mais claro." O ex-financeiro descobriu mais tarde que tinha falado com um padre. Hoje, prestes a terminar o terceiro ano de teologia no seminário internacional Giovanni Paolo II, em Roma, garante que, apesar das dúvidas e incertezas, se sente mais feliz e livre, graças a uma fé inabalável: "Deus tem-me dado cem vezes mais que o necessário."

Vistos de fora, desvios de trajectória como este parecem insólitos e até incoerentes. Mas nunca é bem assim. Para o psicólogo social José Palma-Oliveira, 50 anos, "em 90% dos casos, a mudança já tinha sido pensada, cimentada com pequenos passos e, por isso, o desfecho surge como natural e consistente". E o professor universitário evoca os estudos de psicologia do testemunho, os quais sugerem que as pessoas tendem a reescrever a sua história à luz da vivência actual, pelo que raramente a mudança se lhes afigura

repentina ou revolucionária.

Ir a jogo

"Isto não é maneira de viver." Aos 24 anos, Gonçalo Pereira já estava ciente de que ia entrar numa corrida inglória, feita de "mais do mesmo". Aos 42, a única coisa que mantém desse tempo é o surf, apesar de ter deixado de competir. Hoje, dedica-se a organizar retiros e cursos de meditação e adeptos não faltam. Além disso, está a dar os primeiros passos numa empresa criada por si para fazer face às solicitações de empresas.

A inflexão na promissora carreira de designer gráfico deu-se num momento que, para muitos, seria o melhor: antes dos 35 anos, sem problemas financeiros, rodeado de arte e de amigos bem posicionados. "Isto não é maneira de viver." A estrutura de valores sem sentido, a incessante inquietação. Um dia, encontrou o que tanto procurava... a meditar. "Reinventei a minha vida e não tive medo de arriscar, de fazer downscalling, porque este contentamento vale a pena." Retirou-se praticamente do design, desfez-se dos seus pertences e entregou-se à vida monástica do budismo; primeiro no Reino Unido, depois no Nepal, Brimânia, Sri Lanka e Índia. Chegou a traduzir para o Dalai Lama, aquando da sua vinda a Portugal. E quando a filha fez 2 anos [hoje tem 7], ele e a mulher - que trocou o ensino do design pelo do ioga - voltaram a terras lusas, à prática meditativa, aos amigos, ao mar.

Gonçalo admite que a tendência para funcionar em "piloto automático" é grande e que a insatisfação e a dor, sobretudo nos relacionamentos, são os grandes propulsores da mudança de atitude. "A forma como reagimos a tudo é da nossa responsabilidade." Quando se resiste ao processo ou não se tem dele consciência para ir fazendo ajustes, "cria-se um tal caos que a mudança, aparentemente vinda de fora, acaba por acontecer na mesma." Até porque, remata, "onde quer que se vá, levamo-nos sempre a nós mesmos".

Mais cedo ou mais tarde, fugir da encruzilhada deixa de ser possível. O investigador social britânico Andrew Oswald estudou os factores de bem-estar ao longo da vida, em 80 países, e concluiu que, na chamada "crise da meia-idade", se atinge o ponto mais baixo da curva da felicidade (em forma de U). O período mais difícil surge por volta dos 44 anos (as mulheres sentem-no logo aos 40, a eles "bate" mais tarde, à entrada nos cinquenta).

O sociólogo Moisés Espírito Santo, 70 anos, defende que o facto de cada um poder, individual e voluntariamente, mudar a sua vida, a sua personalidade, zelar pela saúde e tentar o êxito é um produto da modernidade. Até à década de 80 do século passado, lembra o especialista em etnologia das religiões, as pessoas eram vistas em função da sua origem e do meio e determinadas por ele. Hoje, valoriza-se a transformação pessoal, assente "na fé em que se consegue mudar". Porém, tal implica que, desde a infância, sejam estimuladas "a aprendizagem da disciplina, do esforço pessoal e a liberdade de pensamento". Requisitos que, sublinha, os nossos modelos de educação familiar e escolar não fomentam.

Tendo isto em mente, tranquilizam as palavras de Paul McKenna: "Não tem que assumir a responsabilidade pelas cartas que lhe foram distribuídas, mas está nas suas mãos a forma de as jogar."