Visbilidade e Invisibilidade guarani mbya

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    Dos cantos para o mundo.

    Invisibilidade, figuraes da cultura

    e o se fazer ouvir nos corais guarani

    Valria Macedo

    Universidade Federal de So Paulo

    RESUMO: Entre os Guarani, um extenso repertrio de cantos figura entreos conhecimentos que acompanham o fluxo de pessoas em uma rede de al-deias que se adensa no Sul e Sudeste no Brasil. A partir de meados da dcadade 1990, parte desse repertrio passou tambm a circular pelas cidades, emapresentaes de corais infantis aos jurua (no-indgenas) e produo de

    CDs. Este texto se volta para essa conjuntura, que corresponde a umainflexo na estratgia de invisibilidade cultural historicamente predomi-nante entre os Guarani nessa regio, caracterizada pela ocupao no-ind-gena mais densa e antiga do pas. Para alm desse contexto, o artigo destacaaspectos da produo, circulao e significao dos cantos como meio decomunicao e transformao junto aos Guarani.

    PALAVRAS-CHAVE: Corais guarani, cantos guarani, projetos indgenas,cultura.

    Introduo (ontologias, saberes e agncia)

    No incio do sculo passado, Curt Nimuendaju tomou contato comagrupamentos guarani dispersos na regio Sul e Sudeste do Brasil. Asadversidades que enfrentavam, em razo de epidemias e conflitos

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    fundirios com no-indgenas, fizeram com que Nimuendaju se enga-jasse junto ao recm-inaugurado SPI (Servio de Proteo aos ndios eTrabalhadores Rurais, rgo indigenista oficial que precedeu a Funai),na criao de uma Reserva para reuni-los e sedentariz-los. A Reservado Ararib, no oeste do Estado de So Paulo, foi inaugurada no mesmoano de criao do SPI, em 1910. Mas Nimuendaju comenta (1987[1914]) a imensa dificuldade de convencer os Guarani a se estabelece-rem ali. Os que foram para o Ararib o fizeram a contragosto, e muitossaram em pouco tempo. Foi nessa Reserva que Nimuendaju ouviu deum Guarani Nhandva uma narrativa, posteriormente comentada porSchaden (1974 [1954]), que sintetizo a seguir.

    Um jovem Nhandva caminhou at o Rio de Janeiro e ali se tornoumarinheiro. Em sua primeira viagem a bordo de um grande navio, atripulao era composta por italianos. No mar, atravessaram uma suces-so de guas, passando das azuis s vermelhas, e destas para guas pretas.Foi ento que o mar devorou o navio, fazendo com que sassem nooutro lado. Ali avistaram uma ilha e foram ao seu encontro, mas, medida que avanavam, a ilha ia recuando diante do navio, de modoque no podiam alcan-la. Ento o Guarani se lembrou de um cantoque aprendera em sua aldeia e, depois de cantar por algum tempo, a ilhafinalmente ficou parada, podendo o navio aproximar-se e nela aportar.O Guarani desembarcou, mas logo que algum dos italianos lhe quisesseseguir, a ilha tornava a recuar. S o Guarani pde ir para o interior dailha, onde se ouvia o canto dos pssaros e, do meio da mata, os cantosde outros Guarani e passos de danas ao som do takua pu1(basto de

    ritmo feminino). O Guarani entrou na floresta e no voltou mais. J ositalianos desistiram de tentar chegar ilha e foram embora. O Guaranileva uma vida boa na ilha, no meio de sua gente, e no lhe falta nada,nem precisar morrer (Schaden, 1974: 167).

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    Esta ilha de uma vida boa e sem fim pode ser reconhecida como umaverso deyvy mar ey, a terra que no perece, cuja traduo mais co-nhecida na lngua portuguesa Terra sem Mal, j que ali nada nem nin-gum se corrompe, estraga, acaba. Para alcan-la preciso atravessar asguas (para ovai) e, nesta narrativa, ser devorado por elas, adquirindouma perspectiva outra. Mas para isso, ainda nesta verso, no basta umaembarcao, e sim um canto, que apenas os Guarani tm conhecimen-to. Para os italianos, que ignoravam o canto, a ilha era apenas um hori-zonte inatingvel.

    Cerca de um sculo depois de Nimuendaju ter escutado essa narrati-va, em 2005, foi como os italianos que me senti na primeira noite emque passei em uma aldeia guarani. Participei de um Encontro de Me-dicina Tradicional de aldeias guarani do Sul e Sudeste, promovido peloVigi-SUS (programa da Funasa) e sediado na Terra Indgena (TI) Ri-beiro Silveira, prximo praia de Boraceia, no litoral paulista. 2Eu eoutrosjurua (como os Guarani se referem aos no-indgenas, cuja tra-duo literal boca com cabelo) no fomos autorizados a entrar naopy (comumente traduzida como casa de reza3) para participar das ses-ses noturnas. Ali se dariam curas e cantos xamnicos de interlocuocom Nhanderu e Nhandexy kury(literalmente Nossos pais e Nossasmes4), habitantes imortais de outros domnios do cosmos. Ns,jurua,sentamo-nos ento afastados, vendo adiante a opyiluminada por den-tro, ao p de um morro da Serra do Mar. Naquela escurido, tudo quepodamos era ouvir aqueles cantos que pareciam querer ultrapassar olimite da voz, da humanidade. A proximidade fsica e descontinuidade

    ontolgica entre Guarani ejuruaali estava materializada nas paredes deadobe da opy, bem como nos cantos como um canal intermundos,conectando os Guarani a Nhanderu e Nhandexy kury, numa soluo decontinuidade entre os que moram to distantes.

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    De acordo com o que pude aprender com os Guarani nos anos se-guintes a esta ocasio, entre 2006 e 2009, quando realizei minha pes-quisa de doutorado na TI Ribeiro Silveira, o eixo orientador de taiscontinuidades e descontinuidades diz respeito ao nhee. Traduzido porCadogan (1959) como alma-palavra, nheecorresponde lngua oulinguagem e constitui o princpio agentivo que singulariza as diferentesmodalidades de sujeito que povoam o mundo, com suas respectivas ca-pacidades de entendimento e ao, donde se desdobram diferentesafeces (capacidades de afetar e ser afetado). A singularidade denhandvae aqueles que somos ns, autodenominao de todos ossubgrupos Guarani est na provenincia de seu nheeem domnios docosmos onde nada perece ou tem fim, as moradas de Nhanderu eNhandexy kury,5os quais so tambm respectivamente chamados nheeru etee nhee xy ete (verdadeiros/sublimes pais e mes do nhee). A ma-triz comum do nhee codificada pelo compartilhamento de uma ln-gua e modulada por nomes enviados aos Guarani desses vrios domni-os, portanto associados a diferentes Nhanderue Nhandexy.6

    Entendo que esse o ponto nerval para se pensar o efeito de polticasnos conhecimentos tradicionais tema deste dossi entre os Guaranina regio em foco. O conhecimento indissocivel do nhee, respons-vel pelos modos de expresso e entendimento dos sujeitos. Nessa chave,as diferenas entre as gentes no so de ordem histrica e sim ontolgica,implicando afeces e uma cosmopoltica em que osjuruaoperam comoum horizonte de alteridade de modo mais incisivo do que em outraspopulaes que vivem menos prximas dos brancos. Os tekoa, como os

    Guarani chamam suas aldeias, via de regra so cercados de cidades, fa-zendas, estradas e parques. A despeito de sua disperso territorial, portais aldeias sempre circulam pessoas, cantos, sementes, artefatos e maisuma infinidade de coisas e conhecimentos.7Em meio a estes, o texto sevolta para os cantos, mas antes amplia o foco para destacar, de modo

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    bastante preliminar, trs aspectos implicados nas polticas de valoriza-o cultural que me parecem desafiantes em seu equacionamento juntoaos Guarani, bem como a outros amerndios: autoria, objetivao eveiculao.

    Em vez da distino atribuda autoria na produo de um conheci-mento, prevalecem entre os Guarani distines conferidas a sujeitos peloreconhecimento de sua capacidade de acesso a saberes e, consequente-mente, de agncia. Os saberes de maior relevncia so aqueles transmi-tidos por Nhanderue Nhandexy kury, geralmente em sonho, duranteos cantos, enquanto se fuma opetyngua(cachimbo) ou em outras oca-sies dejapyxaka(escuta e concentrao). Tais saberes so inacessveisaosjuruae outros sujeitos que no compartilham o nhee dos Guarani.Por sua vez, entre os Guarani, algumas pessoas tm maior acesso a essesconhecimentos, os quais podem ter diferentes regimes de transmisso,alguns sendo mais restritos e especializados do que outros.

    A despeito da nfase na transmisso ou circulao, e menos na cria-o, a recepo de um conhecimento implica agncia do sujeito, comoa preparao do corpo (por restries alimentares e outras prticas) eum saber ouvir-traduzir-agir. Por exemplo, a maioria dos nomes envia-dos dos nhee ru etee nhee xy eteaos Guarani que nascem transmitida aum tami literalmente av, um dos modos como se referem aosxams, geralmente flexionado na 1 pessoa do singular,xerami, mesmoque a relao no espelhe esse grau de parentesco , a quem cabecomunic-lo aos parentes da criana. Contudo, o tamipode ouvir onome errado, e esse um dos motivos aos quais se atribuem a sade

    precria de alguns, cujo nheeno se identifica com o nome e se sentedesconfortvel no corpo daquela pessoa, no se acostuma (ndovyai, nofica feliz) e quer partir do corpo e desta terra. preciso ento recorrer aoutro tamipara que oua corretamente o nome, de modo a fortalecer/alegrar (condies indissociveis) o nhee. As pessoas so fortemente

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    conectadas ao tamique lhes comunicou o nome, de modo que, porocasio da morte desse tami, seu gue princpio agentivo que fica naterra, enquanto o nhee porvolta ao domnio celeste de onde veio pode fazer-lhes mal, a ponto de precisarem ser rebatizadas.

    No que concerne objetivao, recorro a um exemplo que presen-ciei no mencionado Encontro de Medicina Tradicional na TI RibeiroSilveira. Alguns tamiressalvaram na ocasio a dificuldade de inventariaros mo kaaguy (remdios da mata) e ensinar aos Agentes Indgenas deSade e outros mais jovens seus usos, j que sua eficcia implica saberrez-los. Esse conhecimento-capacidade (ou saberes-poderes, na ex-presso de Pissolato, 2007) no acessvel a todos e no se pode trans-miti-lo em vdeos, cartilhas e oficinas. Tais saberes implicam regimes desubjetivao, de modo que invivel objetiv-los de acordo comparmetros epistemolgicos dosjurua8 a agentividade da planta noest circunscrita a ela, mas sim na relao com ela, no saber rez-la.O mesmo se pode dizer sobre a produo de material didtico ou outraspublicaes que apresentam narrativas mticas e/ou descries donhandereko, que como costumam traduzir cultura (literalmente nos-sa vida ou nosso modo de viver). A converso para a lngua portu-guesa e mesmo as snteses empreendidas no material escrito em guaraniresultam no mais das vezes simplistas e folclorizantes, no espelhando omodo como tais conhecimentos so transmitidos ou vivenciados emcontextos enunciativos tradicionais.

    Vrios tami,na ocasio desse Encontro, tambm fizeram ressalvas confeco de materiais impressos ou registro de imagens que pudessem

    dar aosjuruaacesso a conhecimentos que s deveriam ser acessveis aosGuarani. Tais saberes no podem e no devem ser divulgados de formaindiscriminada aos brancos nem a todos os Guarani, na medida em queconferem autoridade e exigem um preparo que muitos no tm. Associ-ada a essa questo da veiculao novamente est a da subjetivao, de

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    que resulta qualquer conhecimento. Como ser desenvolvido adiante,osjuruatm outro nhee, de modo que difcil, quando no invivel,compartilhar com eles conhecimentos que implicam conexo comNhanderu. J ouvi de vrios Guarani que os brancos dificilmente enten-dem suas histrias e conhecimentos a no ser sob a forma de lendas,historinhas de criana. A veiculao aosjuruade conhecimentos tradi-cionais pode ainda ser prejudicial pelas afeces implicadas, j queNhanderue Nhandexy kuryse enfraquecem e se afastam diante de suapresena, deixando os Guarani mais suscetveis a agentes agressores,como tambm ser abordado posteriormente.

    Tais apontamentos certamente no do conta dos desafios postos naimensa quantidade e diversidade de polticas e iniciativas voltadas spopulaes guarani, mas correspondem a ponderaes que pude ouvirde meus interlocutores durante o trabalho de campo. Particularmenteneste artigo, a inteno centrar foco nos cantos para pensar essas ques-tes. Para isso, o texto conta com trs sees, alm desta introduo.

    Aspectos dos cantos no universo da opy so tema da seo seguinte(Mborai tarova, cantos para o alto), especificamente no que concernea relaes de identidade e alteridade pautadas pelo nhee. Em seguida, abordado o repertrio dos corais (Mborai oka regua, cantos para fora).

    J a ltima seo (Nhamonhandu,nos fazermos ouvir) se volta para aconjuntura de formao e multiplicao desses corais em produtos eeventos culturais.

    Mborai tarova, cantos para o alto

    Na rede de tekoa em que vivem e transitam os Guarani Mbya eNhandva no Sul e Sudeste,9 possvel reconhecer as opycomo pontosde adensamento, na medida em que estas operam como centros

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    difusores e catalisadores de relaes em diferentes planos. na opyondese efetiva de modo incisivo a experincia coletiva de interlocuo comNhanderu eNhandexy kuryem curas xamnicas (-moatax, literalmen-te soprar fumaa, precedido de -pixy, esfregar as mos nas partes docorpo afetadas), batismos (nhemongarai ou ykarai)10, cantos (mborai),danas (jeroky), uso do cachimbo (petyngua) e modalidades discursivas(como as palavras primordiais, avyu rapyta cf. Cadogan, 1959).

    As opyconstituem tambm zonas de convergncia intra e intertekoa, sejapela participao das pessoas nos rituais, por vezes vindas de outras al-deias (para tratamentos xamnicos ou batismos), seja pela comunicaoque se pode estabelecer, por meio dos mborai, entre diferentes opy(Macedo, 2012).

    Cada opy costuma estar associada a um casal de tami e -jaryi(av),sendo frequentada pelos que esto prximos no parentesco ou na resi-dncia, bem como por aqueles em busca de servios xamnicos (sobre-tudo tratamentos e batismos). No h espao aqui para discorrer sobreprticas e significados associados ao universo da opy,11de modo que res-trinjo o foco a identificaes e alteridades engendradas por meio doscantos e danas, que posteriormente sero relevantes para pensar o efei-to das polticas na veiculao de outras modalidades de canto por meiodos corais.

    Ijaguyje, atingir plenitude ou perfeio, corresponde aquisio daperspectiva de Nhanderue Nhandexy kurye o vetor que orienta asprticas na opy. No por acaso, a saudao entre aqueles que se renemna opyse faz comumente pelas expresses aguyjevete! eporete!, respecti-

    vamente perfeio/plenitude verdadeira/sublime e beleza/bondadeverdadeira/sublime. Conseguir aguyjeimplica a produo de um corpoleve, destitudo de sua poro carnal, terrena, para que o nheevolte aNhanderu tet (a morada de Nhanderu) apenas com os ossos, sem passarpela morte e a separao de um corpo perecvel. As prticas na opy

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    incluem assim cantos, danas e o uso dopetyngua exausto,12que ope-ram como mquinas de leveza.

    No que diz respeito ao canto, o oporaiva (aquele que canta, querecebeu um canto de Nhanderuem sonho e pode liderar um mborai naopy)13e os coros feminino e masculino que o acompanham chamadosrespectivamente dexondriaexondro14 devem atingir zonas agudasda voz (sendo o coro feminino uma oitava acima do oporaiva), numcrescente de exaltao por meio de frases meldicas compostas porvocalizaes como hehehe, heche heha!. Pelo volume da voz, seu timbre eo esforo despendido no canto, os mboraina opyso tambm chamadostarova, que pode ser traduzido como falar mais alto (cf. Ruiz, 2008).

    J nas danas que acompanham o canto, tanto a movimentao dooporaivacomo dos acompanhantes ocorrem mais em intensidade do quepor deslocamentos no espao. O passo dosxondro caracterizado pelaalternncia na marcao do ritmo com o p direito e o esquerdo, en-quanto o passo dasxondriase faz movimentando um dos ps ligeira-mente para frente e de volta ao lugar, alternando com o outro p o mes-mo movimento em menor intensidade, como um contratempo.

    Conforme o canto vai ganhando fora e preenchendo a opy, essespassos dos acompanhantes so acelerados e podem ser convertidos empulos. O mesmo pode ocorrer com o corpo do oporaiva,que intensificaos passos e pode se encaminhar para o centro da opy, quando se consti-tui o nhanhembojeare, em que osxondroexondria formam um crcu-lo (ou dois crculos concntricos de homens e mulheres) em que todospulam de mos dadas e giram, tendo o oporaivano centro. Quanto mais

    forte o mborai, mais tempo dura. O oporaivapode sofrer um esvazia-mento do corpo, devido ao trnsito de seu nhee, e ter que ser amparadopor algum. O mesmo pode ocorrer com os que esto danando emvolta. Por vezes pessoas ficam desacordadas, mas continuam pulandoamparadas por outras at desfalecerem completamente.

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    Assim, tanto no canto quanto na dana os vetores se dirigem para oalto. No volume da voz, no timbre agudo e nos movimentos do corpo.Por sua vez, no que diz respeito aos instrumentos musicais, sua posiotambm marcada pela verticalidade. O oporaiva comumente usa ombaraka, que corresponde a um violo pentacrdico usado em posiovertical e com funo rtmica (em que as cordas s so movimentadasna regio central, junto ao peito do cantador). Os xondrousam ombaraka mir, chocalho (cujo nome e funo rtmica indicam homo-logia com o mbaraka, sendo que h oporaivaque usam o chocalho emvez do violo), e parte dasxondriausam o takua pu, basto de ritmofeito do tronco (bambu) de uma espcie de taquara.

    A exaltao crescente da voz, dos instrumentos e do corpo visa con-verter a matria em puro movimento. Dizem os Guarani que o corpoadquire hendy, radincia, nos cantos e danas coletivos na opy (cf.Montardo, 2009). Com exceo do nhanhembojeare, todos cantam edanam de costas para os presentes, voltados para a parede da opyidealmente construda no sentido do sol nascente (morada de NhanderuNhamandu), onde fica o amba, traduzido pelos Guarani por altar porser onde ficam depositados os instrumentos musicais e demais objetosde conexo com Nhanderu e Nhandexy kury.15Se o oporaivase virarpor alguns momentos para os demais presentes, estar de olhos fecha-dos, j que o sentido em jogo a audio. Em contrapartida, pode-seter vises durante o canto de coisas que esto acontecendo longe dali ouque ainda vo acontecer, ao que os Guarani designam com a mesmaexpresso com que se referem ao sonho, exarau(ver dormindo), oca-

    sies em que o nheeviaja sem o corpo.Nas danas e cantos tambm participam Nhee kury, modo generali-zado de se referir aos habitantes de Nhanderu tet, que so filhos/exten-ses de Nhanderue Nhandexy kury, cujo princpio vital o mesmo dosnheeenviados aos corpos dos Guarani que nascem, mas desprovidos de

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    um corpo carnal e perecvel (mar). O amba16da opyconstitui um canalintermundos e ali fica o apyka recipiente com formato de canoa ondese coloca gua com seiva da entrecasca do cedro nos nhemongarai, osbatismos , por onde Nhee kuryvm yvy rupa, a superfcie desta ter-ra, para cantar e danar com os Guarani.17Em maior nmero quantomais forte o mborai, os Nhee kuryso invisveis,jaexa ey vae (aquelesque no vemos). O que se v, portanto, no o que est ali, e os queesto ali no precisam ser vistos.

    Entre os Guarani, a invisibilidade converge com a leveza, o despojar-se da carne por meio da dana, do canto e do tabaco (pety). Como trans-formao do que poderamos chamar de mquina de vinganatupinamb (cf. Carneiro da Cunha & Viveiros de Castro, 1985), emque individuaes de coletivos se do pelo compartilhamento da carnedo inimigo, a mquina de canto e dana guarani engendra coletivoscompostos por aqueles que compartilham o nhee. Mas enquanto aquelaimplica a incorporao do outro via canibalismo, esta remete suaexcorporao pelo canto e dana. Ambas, contudo, implicam altera-o e alteridade imanente ao sujeito18 no caso guarani, impressa nacarne do prprio corpo, com seu peso e perecibilidade, que aps a mor-te toma a forma do princpio agressor gue (Macedo, 2012).

    Pelas danas e cantos, o ideal ir se despindo da poro perecvel docorpo, de modo que ele fique to leve que possa ir com Nhee kury paraas moradas dos imortais,yvy mar ey, a terra de nunca acabar, comodefiniu um Guarani a Schaden (1974: 171). Dizem os Guarani que al-guns tamiantigos conseguiram esse feito, por vezes acompanhados de

    todos os que danavam e cantavam e da prpria opy. Mas hoje isso invivel e uma das razes o peso do corpo em razo da comida dosjurua, que passou a ser a alimentao cotidiana na maioria das aldeias.Assim, atualmente podemos dizer que o objetivo central da vida na opyno ijaguyjee sim mbovyaembaraete, produzir alegria e fortalecimen-

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    to, respectivamente, para viver em yvyvai (terra ruim, corruptvel,como chamam esta terra), e num corpo suscetvel a adversidades.

    Nesse sentido, Pissolato (2007) destaca a maior nfase entre os Mbyacontemporneos na busca de durao da pessoa nesta terra, a despeitoda corrupo que a caracteriza, em detrimento da busca por uma vidaextraterrena, ou da Terra sem Mal, como destacado na literatura clssicasobre esse povo. Contudo, entre os Guarani a busca de leveza est con-ciliada com a busca de fortalecimento e alegria. De sorte que ijaguyjecontinua sendo um horizonte, mesmo que inalcanvel ou nem mesmoplenamente desejvel, cuja direo fundamental para a vida na terra esua durao. A leveza implica o despojar-se no apenas da carne, mastambm das doenas e afetos que a atravessam.

    Durante as sesses de cura, cantos e danas, a porta e eventuais jane-las da opydevem permanecer fechadas, impedindo assim a entrada deagentes patognicos. Estes so mltiplos com destaque para a mencio-nada poro agentiva que fica na terra com a morte do sujeito, gue,mas tm em comum serem prprios desta terra, yvy vai, em contrastecom a origem e o destino do nheedos Guarani. Assim, a abertura dessecanal intermundos na opydeve ser conciliada com o fechamento desta aoutros canais de agenciamento daqueles que esto confinados em yvyvai. Mesmo nas sesses de cura, em que h interao com agentes pato-gnicos desta terra os gueou -ja, donos extra-humanos de diferentesdomnios , o sentido sempre de excorpor-los, extraindo-os do cor-po do sujeito e da opy. Para tanto, o objeto em que se corporificam (pe-drinhas, torres de terra, insetos ou objetos invisveis) devem ser revesti-

    dos com tabaco e queimados no fogo de cho (que fica no extremooposto do ambada opy, espao predominantemente feminino) ou naprpria brasa dopetynguapelo tamiou seu auxiliar (no raro sua esposa).

    Tambm osjuruaidealmente no devem participar da vida na opy,sob pena de Nhee kuryse ausentarem ou se enfraquecerem, facilitando

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    agenciamentos patognicos de gue. Entre os Guarani com quem tivecontato, predomina a hiptese de que o nheedos brancos seja confina-do nesta terra ou em patamares prximos a ela, no tendo acesso aNhanderu tet. No por acaso, alm dejurua, outro nome com que osbrancos so designados yvypo, que pode ser traduzido como aquelesque foram feitos ou pertencem terra19. Entretanto, os lugares em quevivem os Guarani, seus tekoa, so em sua maioria prximos ou cont-guos ajurua tet, as cidades e lugares dos brancos. Como mencionado,os Guarani Mbya e Nhandva encontram-se na regio de ocupao no-indgena mais densa e antiga do pas, alm da Argentina e Paraguai.

    A maioria das aldeias est s margens de rodovias e prximas a centrosurbanos, onde os Guarani vendem seu artesanato e por vezes espcimesda Mata Atlntica.

    A despeito dessa proximidade, em boa parte dos tekoa, em particularos de maioria Mbya, raro e controverso o casamento com no-indge-nas, assim como o trabalho institucionalizado ou sistemtico fora da al-deia. Mesmo na venda de seus produtos os Guarani costumam ser depoucas palavras, na maioria dos casos preferindo reduzir ao mnimo ainterlocuo com osjurua. certo que tal ordem de relaes est longede ser unvoca ou fixa, havendo vnculos interpessoais de amizade e cum-plicidade com brancos. Mas em contextos cotidianos ou nos discursosna opycostuma haver uma reiterada nfase nosjuruacomo outra gente,com outra alma-palavra, outro corpo-afeto. A comidajurua(apesarde saborosa e desejvel) deixa o corpo pesado, coisas e costumesjuruaatraem anh20(princpio agressor que h quem diga ser seu dono, -ja) e

    o casamento comjuruapode incorrer na fuga do nhee ou no no-enviode um nome (isto , um nhee) por um Nhanderuou Nhandexy.Mesmo que idealmente estejam ausentes das opye dos tekoa, osjurua

    esto sempre nas proximidades, e se fazem presentes em muitas narrati-vas e exegeses entre os Guarani. Tais enunciados, contudo, no se desti-

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    nam aos brancos e via de regra so pronunciados em guarani. Numaorientao inversa da etnicidade em que a codificao das diferenase sua enunciao ao outro constitui o idioma de um dado contexto deinterao21, at h algum tempo vinha predominando entre os Guara-ni uma estratgia de invisibilidade cultural. Ou seja, no havia inves-timento de formular a diferena de modo a conferir-lhe inteligibilidadepara o outro, e sim a inteno de eclips-la para o outro, enunciando-anhande py, entre ns (ou em ns), que como os Guarani chamamsua prpria lngua (Macedo, 2012).

    Isso no significa que as relaes no sejam tambm pautadas pormarcadores tnicos. Os Guarani j se sabem ndios pelos brancos hmuito, condio historicamente associada a privaes, violncia e ver-gonha. Na perspectiva dos Guarani, contudo, sua diferena no deordem histrica e sim ontolgica, como j comentado, de modo que os

    juruaos desprezam porque no podem e no devem ver o que os singu-larizam, e que remete s suas conexes com NhanderueNhandexy kury.Tal opacidade ainda conciliada com uma grande plasticidade em rela-o ao que visvel no mundo dos jurua, como roupas e outras coisasque adquirem nas cidades ou junto aos brancos que visitam as aldeias.No por acaso, povo invisvel foi o modo como Viveiros de Castro(1987) se referiu aos Guarani na apresentao obra clssica de Nimuen-daju, em razo da dificuldade entre seus estudiosos de enquadr-los emmodelos sociolgicos. Ao menos at a dcada de 80, os Guarani foramobjeto de diversas abordagens na chave terica da aculturao. Por suavez, entre aqueles que os veem em rodovias e centros urbanos vendendo

    artesanato ou plantas, no raro so associados aculturao, nomadismoe mendicncia.Ocorre que o processo de reconhecimento oficial de um conjunto

    de terras no litoral e planalto paulista na dcada de 1980 e, sobretudo, aConstituio Federal de 1988 com as polticas que dela se desdobra-

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    ram promoveram tensionamentos nessa estratgia de invisibilidadecultural. A enunciao da cultura veio se consolidando como princi-pal meio de reconhecimento de direitos e acesso a recursos de toda or-dem junto aosjurua e suas instituies. Assim, se antes ser ndio namaioria dos contextos era mote de adversidades e privaes, no ser con-siderado to ndio (sobretudo em comparao aos amaznicos) aosolhos dosjuruapassou a ser um problema maior.

    Nessa conjuntura, o desafio vem sendo equacionar o fechamento daopy aos jurua, condio de seu fortalecimento (-mbaraete), com aenunciao da cultura, no sentido atribudo ao termo por Carneiro daCunha (2009b), como um metadiscurso da o uso das aspas sobresua singularidade, em que a formulao da alteridade no necessaria-mente constitui um discurso sobre o outro para si, mas pode constituirum discurso sobre si para o outro. O que implica reflexividade e suscitaum investimento em conferir inteligibilidade ao enunciado ou em cau-sar efeito por meio dele, mesmo que significados no sejam comparti-lhados pelos interlocutores, isto , que os signos em jogo sejam inter-pretados luz de diferentes nexos ou matrizes de produo de sentido22.Uma das respostas a esse desafio foi a multiplicao de corais, cujo re-pertrio de cantos tem circulao menos restrita do que os cantos-reza(mborai tarova), sendo estes protagonizados por adultos e aqueles emsua maioria por crianas (kyrgue) e jovens (kunumgue).

    Mborai oka regua, cantos para fora

    H um extenso repertrio de cantos entoado em situaes cotidianas,nos cuidados com as crianas, trabalhos, caminhadas e momentos emque as pessoas se renem para tomar kaa(erva-mate), fumarpetyngua,conversar e tocar instrumentos musicais, como o mbaraka(violo, mas

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    no usado na posio vertical, como no canto-reza), mbaraka mir(cho-calho), gua pu(tambor) e rave (rabeca tricrdica). Tais cantos, dizemmeus interlocutores guarani, so transmitidos em sonho ou momentosexcepcionais de viglia por Nhanderu, assim como os cantos-rezas,mborai tarova. Mas, enquanto nos cantos-rezas apenas aquele que so-nhou pode liderar o canto como oporaiva (cuja capacidade conferida aalguns por Nhanderu), nessa outra modalidade de mborai todos quecompartilham o nheepodem cantar, em qualquer idade ou contexto.Estes so chamados de kyrgue mborai, canto das crianas, oumboraioka regua, cantos do terreiro (fora da opy).

    Nos mborai tarovavocalizaes predominam, precedidas ou interca-ladas por evocaes a Nhanderue Nhandexy kury. J os kyrgue mboraiso providos de letra, que se destacam na identificao de uma cano.Como observou Stein, uma mesma melodia pode receber diferentes le-tras, por vezes associadas a diferentes aldeias, e cada verso considera-da uma msica diferente (2009: 199). De todo modo, h uma proemi-nente reiterao temtica nesse repertrio de cantos, que se verificamesmo em relao queles registrados por Schaden nos anos 1940, comoobservou Coelho (2004). Tambm Stein (2009) comenta que vrios dosregistros que fez em campo convergem com o repertrio de cantos infan-tis registrado por Cadogan (1959). Um dos temas mais recorrentes atravessia do oceano para se chegar morada dos imortais. Por exemplo:

    Orema / rojeoi agu / yy guaxu rovai / roaxa mavy / yvyju mir/ roexa mavy /

    rovya agu / rovya agu.

    [Vamos para o outro lado da grande gua. Enquanto atravessamos para apequena/sublime terra dourada23, a vemos e nos alegramos.]

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    Ou ento a caminhadas guiadas por Nhanderu(ou oreru24, nossospais, podendo ser os mais velhos ou os imortais) rumo a essa moradadivina ou a um lugar melhor emyvyvai. Por exemplo:

    Oreru tenonde / emombeui / ma rupi pa roikoi agu.

    [Nosso pai frente, mostre-nos o lugar aonde iremos viver.]

    Ou ento:

    Nhanderuvixa tenonde / guai tove katu taimbaraete / taipya guaxu

    nhandereraa / tape mirrupi.

    [Nosso lder frente, tenha fora e coragem para nos levar pelo caminho

    pequeno/divino/sublime.]

    Se compararmos com os mborai tarova, o canto-reza associado dan-a na opycomo produo de um corpo leve, nesses kyrgue mborai ascaminhadas e a travessia do oceano tambm remetem ao movimentocomo agente de transformao, no s em intensidade (canto e dana)mas tambm em extenso (canto e andana), tendo como horizonteconvergenteyvyju mir, a terra dourada dos imortais, ou lugares melho-res para viver emyvy vai.

    Alm das caminhadas e travessias, tambm muito frequente nesserepertrio a metarreferncia ao canto e a dana como momentos deencontro e celebrao com Nhanderu eNhandexy kury, produzindoalegria (-vya) e fortalecimento (-mbaraete), tanto entre aqueles que es-

    to na terra como entre Nhanderu e Nhandexy kury, que se expressampor meio dos raios de sol (NhanderuNhamandu ou Kuaray), troves(NhanderuTup) e relmpagos (NhanderuVera). Por exemplo, nessecntico registrado por Schaden (1974: 158, que reproduzo em suagrafia):

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    Eguedjy, Tup-ray / djadjapo pieta por / djadjapo pieta, overa.

    [Desce, filho do Trovo, vamos fazer uma festa bonita, vamos fazer uma

    festa, est relampejando.]

    E outro exemplo:

    Nhamandu ouare / nhamae reve / nhamonhedui / mboraii / mboraii /

    jajerojyi / jajerojyi / Tup retre / nhamae ma ramo / overa Vera / joguerovya

    / joguerovya.

    [Nhamandu (Sol) surge no cu, ns olhamos em sua direo. Fazemos com

    que oua nossos cantos, nossos cantos. Danamos, danamos. Da morada

    de Tup (Trovo) vemos as luzes dos Vera (Relmpago). Eles se alegram,

    eles se alegram.]

    A exemplo deste, uma expresso recorrente nos mborai nhamonhan-du, que meus interlocutores traduzem por nos fazermos ouvir, em re-ferncia a Nhanderue Nhandexy, que so fonte dos cantos e a quem elescomumente se dirigem. Ao final de cada mborai, comum que todosexclamemporete,aguyjevete!, como fazem na opy, remetendo buscada condio plena, bela, sublime, ou sua aproximao. Assim, tais can-tos tm no horizonte ijaguyje, o devir divino, e, num horizonte maisprximo, a alegria e o fortalecimento para viver nesta terra, a despeitode suas adversidades. preciso ouvir e se fazer ouvir pelos Nhanderu eNhandexy,receber cantos deles e cantar para eles, que so tambm fontee destino de seu nhee, com os quais a conexo precisa ser mantida du-

    rante a passagem por esta terra. Aqui outro exemplo da centralidade donhamonhandu:

    Kyrguei peju katu / nhamonhendu mborai / jajerojy, jajerojy / nhanderu,

    nhandexy ete / oexa agu / jajerojy / nhanhemboei.

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    [Venham crianas, faamos com que ouam nossos cantos, dancemos, dan-

    cemos para que nosso pai e nossa me verdadeiros/sublimes nos vejam,

    dancemos, vamos cultuar/rezar/aprender.]

    No que diz respeito aos instrumentos que podem acompanhar essescantos, as melodias se desenvolvem em um mesmo ambiente harmni-co, resultante da afinao especfica do violo (Coelho, 2004). Este adquirido junto aos jurua,mas deve ganhar sua prpria linguagem/agentividade, cujo processo um Guarani disse a Montardo ser como ode uma criana que aprende a falar (2009: 164). O mbya Timteo VeraPopygua diz que antes da chegada dos portugueses os Guarani j fabri-cavam um violo feito de casca de tatu, em que cada uma das cordasest associada a um Nhanderu: Tup, Kuaray (ou Nhamandu), Karai,

    Jakaira e Tup Mir(ou NhanderuMir).Como as pessoas ao encontro dos parentes ou de novas possibilida-

    des de parentesco, os cantos viajam e se transformam pelos tekoa. Hportanto um repertrio extenso de cantos conhecido na maior parte dasaldeias no Sul e Sudeste. Alguns deles so associados a um tekoa, a umapessoa ou a um grupo de parentes, mas de boa parte dos cantos no selocaliza a origem, sendo alegado que existem desdeymaguare, o tempoantigo.

    Uma viagem desses cantos foi testemunhada por Schaden, por oca-sio da chegada de um agrupamento guarani mbya vindo do Rio Gran-de do Sul (e antes do Paraguai) em 1946 na aldeia do Itariri, no litoralsul paulista, junto aos Guarani Nhandva. Diz o autor que os Nhandeva

    os consideravam meio variados pela mania que tinham de querer atra-vessar o mar (1974: 169). H muito vivendo naquela regio, osNhandva alegavam ao autor que s mesmo depois da morte se chegavaao paraso. De todo modo, nesse perodo de convivncia os Nhandvano Itariri aprenderam vrios cantos com os Mbya que versavam sobre a

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    Ore oroopota para ovai / oro u u takuar-por.

    [Ns queremos atravessar o mar, para l encontrar a taquara bela/sublime.]

    Djaterei katu era, txeryvy / para ovai /djaa djirodjy / djaa yvy ree.

    [Vamos juntos, meu irmo mais velho, atravessar o mar, vamos danar,

    vamos embora da terra.]

    Txeret mombyry / ndavyai / Avaka por repoti ndautseire / djurua mbotavyve

    yvyguare.

    [Meu lugar muito longe; no estou feliz aqui. No quero comer estrume

    de boi bonito. Osjuruaquerem nos tornar poucos, ns que somos os mais

    antigos na terra.]

    Tais cantos, cujos temas so recorrentes nos mborai, como vimos,enunciam o desejo de partir desta terra reiterando a homologia jcomentada entre danar e atravessar o mar ou caminhar, ou desloca-mentos em intensidade e em extenso e o antagonismo dosjurua,quequerem fazer dos Guarani poucos e cuja designao alternativa que re-cebem nas falas na opy, alm do mencionado yvypo (confinados/per-tencentes a esta terra), hetavae kury, aqueles que so muitos.

    Quase meio sculo aps a viagem desses cantos Serra do Mar, umoutro registro narra a viagem de um canto para alm-mar, no chegan-do porm ilha dourada dos Guarani e sim pennsula de onde parti-ram osjurua.

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    Nhamonhendu, nos fazermos ouvir

    O mbya Timteo Vera Popygua, cacique da aldeia Tenonde Por, nacapital paulista, conta que em 1992, quando ainda no era cacique esim um jovem lder, foi convidado a participar, em Portugal, das co-memoraes dos 500 anos de chegada dos europeus na Amrica. Quan-do subiu ao palco para falar, ele no sabia bem o que dizer e ento selembrou de um canto que ouvia de seu av. Ele o entoou e arrebatouuma imensa plateia.25Alguns anos depois, em 1996, Timteo partici-pou da organizao de um evento chamado Intertribol, reunindo timesde futebol de diversas comunidades indgenas no ginsio do Ibirapuera,em So Paulo, e coordenado pelo Programa Comunidade Solidria,ento do Governo Federal. Estavam pensando o que fazer na aberturado evento, quando ele se lembrou desse canto e o grande efeito que teve

    junto aos europeus. Ento resolveu que ele seria entoado na aberturado encontro.26

    Segundo Timteo, essa deciso foi bastante controversa e encontroumuitas ressalvas principalmente entre os mais velhos, que diziam queno se deveria mostrar os cantos aosjurua, pois vinham de Nhanderu.Diferentemente dos brancos, os Guarani no devem cantar s por can-tar, aos menos os cantos nhande py(em ns, na lngua guarani). Oscantos enviados por Nhanderuimplicam uma interlocuo intermun-dos, do contrrio a voz sai fraquinha e pode abrir um canal para agen-tes patognicos, como me explicou um tamino Silveira. Pela mesmarazo que os Guarani no podem cantar s por cantar, outros tipos de

    gente no podem cantar como os Guarani cantam. Tal singularidadeest inscrita no corpo, pelo nhee, de forma que muitos dizem que s osGuarani tm a afinao necessria para cantar de seu modo e para tocaradequadamente os instrumentos. Segundo Timteo, os jurua jamais

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    conseguem porque no sua altura de voz. Essa afinao iluminadaatravs de Nhanderu.

    A deciso de formar o coral para uma apresentao pblica foi deencontro histrica postura de invisibilidade cultural por parte dosGuarani, em que a vida nas aldeias e na opydeve ser mantida fora dosolhares e ouvidos dos jurua. Mas Timteo argumentou que estava nahora deles mostrarem que os Guarani no so apenas uma lenda dopassado, nem aculturados, apontando que os Guarani so sculo

    XXI (aqui uso as expresses dele). E Timteo conta que quandonhanerami kury(Nossos avs, ou mais velhos) ouviram aquele can-to ficaram muito impressionados, acharam bonito e se lembraram dessee de outros kyrgue mborai que ouviam quando criana. Ento muitosresolveram formar grupos de corais de crianas e jovens em suas aldeias.27

    Desde ento, a partir de meados da dcada de 90, os corais se multi-plicaram nas regies Sul e Sudeste, resultando na gravao de CDs eapresentaes recorrentes em diversos locais para os brancos. No mes-mo sentido da fala de Timteo, durante a gravao do primeiro CD quereuniu um conjunto de corais do Sudeste, ande reko arandu, uma ou-tra liderana, Luis Karai, ento na aldeia Sapukuai (Angra dos Reis/RJ),comentou que estava na hora de mostrarem o segredo, que era a forados cantos guarani, e que isso abriria a cabea de muita gente.28Mos-trar o segredoimplicava enunciar uma singularidade que at ento vi-nham preferindo ocultar, em parte pela inverso de vetores suscitadapela Constituio de 1988, quando se ampliou o aparato legal e vieramse multiplicando projetos e polticas de promoo e proteo das cha-

    madas culturas indgenas, tanto por segmentos do Estado como da socie-dade civil. possvel associar o canto em coral a influncias de misses jesuticas

    que remontam ao perodo colonial, mas meus interlocutores Guaraninas aldeias da capital paulista e na TI Ribeiro Silveira reconhecem o

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    Intertribol como um marco a partir do qual esses corais se fortalecerame multiplicaram. Os corais tambm passaram a ter uma presena maisincisiva no cotidiano das aldeias, dentro e fora das opy. Na maioria doscasos, os corais esto vinculados a um tamiou uma liderana polticaque tenha vnculos com um tami ou -jaryie sua opy, onde costumamacontecer os ensaios. Nas viagens para servios xamnicos (tratamentose batismos), alguns tamilevam seu coral, cujas crianas e jovens tam-bm participam dos mborai tarova (cantos-rezas), assim como seus fa-miliares adultos. Tambm comum que um grupo de crianas e jovens(por vezes incluindo os adultos) cante kyrgue mborai (o repertrio doscorais) nas opyantes do canto-reza, ou entre um canto-reza e outro. Al-guns Mbya me disseram que antigamente no se cantava kyrgue mboraina opy, mas hoje a maioria reconhece a importncia do canto das crian-as para fortalecer a todos na opy. Isso porque o nheeainda no estmuito pegado no corpo delas, mas tampouco os espritos dessa terra.

    Assim, como me foi explicado, o corpo da criana mais puro, por issotraz fortalecimento, Nhee kuryse aproximam. Ademais, Stein levantaa hiptese de que a voz mais aguda das crianas ressoa na regio supe-rior do crnio, como se fosse sair para o alto, favorecendo a conexocom Nhanderue Nhandexy(2009: 283).

    Alm da opye em ocasies cotidianas, os corais tambm costumamse apresentar para alunos ou turistas que visitam as aldeias, assim comofazem apresentaes em escolas, locais pblicos e instituies de diver-sas ordens. Os mais velhos do grupo algumas vezes jovens recm-casa-dos tocam os instrumentos e as crianas costumam cantar em unsso-

    no, podendo haver eventuais divises do coro masculino e feminino.Por vezes recebem cach pelos cantos, outras vezes os contratantes pa-gam transporte e alimentao, e os Guarani recebem pela venda de arte-sanato e CDs, comumente empreendida por familiares dos membrosdo coral. Tambm costumam apresentarxondro jeroky, danas e desafi-

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    os de destreza, cuja msica no acompanhada de canto. Tais danastambm fazem parte da vida cotidiana nas aldeias, tanto na opycomono terreiro em frente a ela, oka. Asxondro jerokytinham como objetivopreparar o corpo para ter leveza e agilidade a ponto de se fazer invisvelna mata. J nas apresentaes aosjurua, pode-se dizer que o objetivo se fazer visvel nas cidades. De modo que os corais passaram a ser o car-ro-chefe, ao lado do artesanato (h muito comercializado), no ingressodos Guarani no mundo dos eventos e produtos culturais na conjunturaque se seguiu Constituio de 1988.

    Tal estratgia de mostrar o segredo, retomando as expresses deTimteo e de Luis Karai, com a inteno de dar visibilidade cultura,intensificou e promoveu deslocamentos no movimento iniciado nosanos 80 na regio Sudeste, sobretudo voltado para reivindicaesfundirias. Nesse perodo anterior Constituio de 1988 e homolo-gao de um conjunto de Terras na Serra do Mar e planalto paulista,efetivada em 1987, apoiadores jurua dos Guarani como as ONGsCentro de Trabalho Indigenista, Comisso Pr-ndio, missionrios vin-culados Igreja Catlica, jornalistas, entre outros fizeram um grandeinvestimento de conferir contornos e dar projeo cultura guarani,sendo os produtores de enunciados sobre os Guarani na mdia e em pro-cessos judiciais. Naquela conjuntura, passou a ser explicitada a existn-cia de um complexo fortemente articulado de aldeias em um territriodescontnuo, entremeado pela ocupao no-indgena. Para explicar ainstabilidade populacional dessas aldeias e a formao de novas aldeias,incluindo migraes da regio Sul ou de outros pases para a Serra do

    Mar, apontou-se a intensa mobilidade que caracteriza a organizao so-cial guarani, sobretudo nas aldeias de maioria mbya, vinculada a moti-vaes cosmolgicas em que foi destacada a busca da Terra sem Mal,situada alm-mar, estimulando a ida at a beira do oceano, yvy apy, aextremidade da terra (Ladeira & Azanha, 1988; Ladeira, 2007[1992]).29

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    J nos anos 90, a atuao dos apoiadores no-indgenas passou a di-vidir cada vez mais espao com uma nova gerao de lideranas guaranique havia acompanhado os mais velhos em reunies e articulaes pol-ticas na dcada de 1980. Esses jovens passaram a tomar a frente nainterlocuo com os brancos em muitos contextos, elaborando e veicu-lando discursos no mbito das demandas fundirias, das polticas pbli-cas e de eventos culturais que foram se ampliando nas dcadas seguin-tes. Assim, os ltimos anos vieram sendo marcados por um movimentoconcomitante de intensificao de pautas polticas, adensamento cres-cente da articulao interaldeias (no parentesco, na poltica, noxamanismo, em atividades produtivas e de lazer, como campeonatos defutebol e forrs) e produo cultural voltada aos brancos. A convergn-cia dessas frentes de atuao se expressa na converso dos lderes de al-guns desses primeiros corais em jovens caciques, em substituio aostamique ocupavam esse posto. Hoje eles figuram entre as principaislideranas na enunciao da cultura e em reivindicaes junto aosjurua(Macedo, 2012).

    Em 1998 foi realizada a gravao do primeiro CD no Estado de SoPaulo, como parte do projeto Memria Viva Guarani, ande rekoarandu, com a mesma equipe organizadora do Intertribol. Participaramcorais das aldeias Tenonde Por (So Paulo/SP), Sapukai (Angra dosReis/RJ), R. Silveira (Boraceia/SP) e Jaexa Por (Ubatuba/SP). A grava-o foi feita nesta ltima aldeia, onde se montou um estdio dentro daopy. A TV USP editou um documentrio sobre o processo de gravaodo CD e as primeiras apresentaes. Timteo assim se pronuncia nesse

    documentrio, durante a gravao: Est na hora da gente mostrar nos-so segredo, que nosso canto, assim como os juruamostram o cantodeles. Vamos torcer para que a gravao do CD nos fortalea. Timteofalou na lngua portuguesa, mas me parece significativo que ele tenhausado a expresso nos fortalea, j que -mbaraete, que os Guarani tra-

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    duzem como fora ou fortalecimento espiritual, um dos objetivos dosmborai na opy. Como dito, a presena dosjuruaenfraquece os cantos,afastando Nhee kury, mas a aposta de Timteo era de que os corais for-taleceriam os Guarani em relao aosjurua, justamente por denotar suadiferena em relao a eles. Assim como os italianos na narrativa do in-cio do texto, que s podiam vislumbrar a ilha mas no alcan-la, osbrancos podem ouvir os cantos mas no conseguem ento-los.

    O CD ande reko aranduMemria viva guarani30foi lanado em1999, s vsperas do marco dos 500 anos de chegada dos europeus aoBrasil. No encarte, h um depoimento de Timteo com o seguinte tre-cho: O ndio tambm sculo XXI. [...] Ns temos nos preocupadono em resgatar, mas em preservar a nossa cultura. Que a gente tem emantm. Mesmo sofrendo muita presso.. Sua fala vai de encontro ideia de resgate cultural, recorrente em iniciativas voltadas aos Guaranie associada ao conceito de aculturao, com o qual os Guarani convi-vem desde pelo menos o surgimento do SPI. Se antesjurua kuryque-riam que deixassem de ser o que eram para se integrarem civilizao,hoje a apologia do resgate demanda aos Guarani que voltem a ser oque nunca foram. Assim, invertem-se os sentidos, mas a orientao amesma, pressupondo noes substantivadas e folclorizantes de cultura.Timteo, em contrapartida, recusa uma identidade indgena exclusiva-mente vinculada ao passado: O ndio tambm sculo XXI. O depo-imento ainda destaca temas que vm pautando as relaes entre osGuarani e osjurua no contexto contemporneo, como a preservao danatureza, a harmonia entre povos e o elogio da diversidade cultural.

    Para alm do sucesso junto aosjurua, h que se destacar a repercus-so que tiveram os primeiros CDs de corais guarani em outras popula-es indgenas. Particularmente no Parque Indgena do Xingu (PIX),uma comisso guarani (liderada por Adolfo Vera Mirim, ento lder deum coral e cacique recm-nomeado da TI Ribeiro Silveira) visitou di-

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    versas aldeias e distribuiu o CD ande reko arandu, causando grandeefeito. Por exemplo, Mello comenta o impacto do CD dado aos Wauja:

    ficaram muito impressionados, passando horas do dia ouvindo-o, apesar

    de alguns afirmarem que os Guarani no so ndios de verdade, ndios

    como eles, os xinguanos. Um dia antes de voltar para a aldeia, propuse-

    ram-me que produzisse junto com eles um CD de msicas Wauja nos

    mesmos moldes daquele dos Guarani. (Mello, 2003: 13)

    Algo semelhante ocorreu entre os Yudja, tambm habitantes do PIX,que em 2008 propuseram um intercmbio cultural na TI R. Silveira,que tive oportunidade de acompanhar, no mbito de um projeto patro-cinado pelo Ministrio da Cultura. Queriam aprender sobre processosde produo de CDs e trocar experincias com os Guarani nesse senti-do (cf. Macedo, 2010).

    O projeto ande reko arandudesdobrou-se na criao do InstitutoTeko Arandu, sob direo de Adolfo Vera Mirim e assessoria de Maur-cio Fonseca, no-indgena do Programa Comunidade Solidria que es-teve na coordenao do Intertribol e do CD, passando ento a atuar

    junto aos Guarani pelo Cepam (rgo estadual de apoio a prefeituras) eposteriormente pelo Conselho Indgena do Estado de So Paulo. O Ins-tituto Teko Arandu foi responsvel pela produo do segundo CD, queincluiu a participao de dez aldeias nos estados de So Paulo e Rio de

    Janeiro, reunindo cerca de 300 crianas e jovens.Os coordenadores de ambos CDs e eventos associados eram Adolfo

    Vera Mirim, Timteo Vera Popygua e Marcos Tup, alm de Fonsecacomo assessor. Os trs mbya eram os lderes dos corais das aldeiasSilveira, Tenonde Por e Jaexa Por, respectivamente. E esse foi tambmo perodo que passaram a se firmar como lideranas polticas em suasaldeias e em demandas que incluam uma rede de aldeias no Sudeste.

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    No perodo de gravao do primeiro CD, em 1998, Marcos Tup haviarecentemente assumido o posto de cacique na aldeia Jaexa Por, em subs-tituio a seu pai Altino. Pouco depois, mudou-se para o Krukutu, nacapital paulista, e no incio da dcada de 2000 tornou-se cacique ali.

    Adolfo torna-se cacique no Silveira em 1995. E Timteo contou-me terse tornado cacique na Tendonde Por em 2003.

    Como comentado, todos substituram tamino posto de cacique eestiveram frente no movimento de maior abertura aosjuruaem proje-tos e na veiculao de aspectos do nhandereko, nosso modo de viver.Mas, se os tamino so aqueles que tomam a frente na enunciao dacultura para os brancos, so eles os principais portadores desse conhe-cimento a ser traduzido pelas lideranas mais jovens. De modo que aatuao ou a referncia a nhanerami kury, nossos avs ou nossossbios mais velhos, tem grande relevncia em diversos contextos, sen-do convidados ou protagonizando encontros ou publicaes de temascomo medicina, culinria, educao, entre outros, sempre segui-dos da rubrica tradicional. No mbito das aldeias ou em encontrospolticos interaldeias, dificilmente as decises dos caciques contrariamou desconsideram orientaes, ressalvas ou pressgios dos tami. Assim,se a bela linguagem (nhee por) confere aos homens a perspectiva di-vina, uma outra discursividade precisa ser manejada na perspectivainstitucional do Estado e da sociedade civil. De modo que, se o xam um tradutor de mundos (Carneiro da Cunha, 1998), os caciques e lide-ranas polticas, de modo distinto, tambm precisam ser (Macedo,2012).

    No encarte do segundo CD, Fonseca destaca que ele resulta de umamplo movimento cultural intensificado a partir da gravao do CDande reko aranduMemria viva guarani. Esse movimento motivou arevitalizao dos corais infantis, a composio de novos cnticos e a re-cuperao de modalidades que estavam sendo esquecidas, como os

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    acalantos e os temas de flauta feminina. Chamado ande arandupygua,31o segundo CD foi lanado em 2004 e seu encarte procura des-tacar a dimenso cosmolgica dos cantos e outros aspectos culturais. Porexemplo, registra que os cantos provm do leste (sol nascente), moradade Nhamandu; do oeste (sol poente), morada de Tup; do sul, moradade Jakaira; e do norte, morada de Jekupe.

    Os mborai tarova, no entanto, no foram includos nesses CDs. Emum filme gravado em 2009, h uma declarao de Timteo de que oscantos-rezas jamais faro parte das apresentaes aos brancos. Essa umapostura amplamente difundida entre os Guarani. Contudo, na TI R.Silveira foi produzido um CD em 2008 Mensageiros, performadopor um nico coral e patrocinado pelo Programa de Ao Cultural, daSecretaria de Cultura do Estado de So Paulo que conta com a grava-o de alguns tarova. Quando perguntei ao mbya produtor do CD seessa deciso tinha gerado desconforto entre os outros Guarani, ele disseque no porque o prprio tamiautorizou a gravao, e ele tem autori-dade para isso. Outro morador do Silveira disse que os pajs (como cha-mam em portugus os tami) sabem quando podem ou no podem fa-zer algo, de modo que se o tamideixou gravar, porque Nhanderunotinha se oposto. Mas essa mesma pessoa disse que o tamificou assusta-do porque na primeira gravao dos tarovao equipamento no regis-trou nada, sendo preciso refazer o trabalho.

    Alm do que deve ou no ser veiculado nos CDs, outro aspecto quevem gerando bastante controvrsia a demanda crescente, atendida emdiferentes graus a depender do contexto e do tami, dos brancos assisti-

    rem aos cantos-rezas e receberem nomes guarani. Alguns programas deTV tambm registraram esses rituais, como o Fantstico, da TV Globo,que fez um registro em uma opyno Silveira. Contudo, nos casos em quepude acompanhar, no raro se criam estratgias e clivagens na perfor-mance dos rituais quando se trata de mostr-las aos brancos. No que diz

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    respeito atribuio de nomes guarani aosjurua, tanto no Silveira comono tekoaPyau (no Jaragu, em So Paulo/SP), os procedimentos de no-meao que presenciei foram separados no ritual e simplificados para osbrancos. Estes no falam a lngua guarani e seu nheeno provm dosdomnios de Nhanderue Nhandexy kury,de modo que o batismo comnomes guarani tem junto a eles outro significado. Seja como for, duran-te os cantos-rezas, curas e batismos, a presena de juruanos rituais daopy sempre mote potencial de controvrsia, no raro sendo atribudo aela algo que tenha dado errado, como a fraqueza no canto-reza, oadoecimento de algum e adversidades de diversas ordens.

    Para alm da opy, as doenas, mbaeaxy(o que sofrimento, dor),com frequncia so diagnosticadas pelos tamicomo associadas proxi-midade excessiva dos brancos e suas coisas, gerando insatisfao e afas-tamento do nheedo corpo. Particularmente no que chamam de doen-a espiritual (que em guarani tem o mesmo nome, mbaeaxy), o sujeito tomado de uma forte melancolia, ou fria, perdendo o discernimen-to de quem ou do que est sua volta.32Um professor mbya, porexemplo, acometido de uma forte doena espiritual, em que mal con-seguia se levantar da cama, foi fazer tratamento na aldeia do Jaragu(Pyau) e o tamidisse que o trabalho na escola e nas reunies polticasde educao fizeram com que ele fosse se afastando tanto de Nhanderuque no tinha mais fumaa de tabaco alguma no corpo, por isso ficoususcetvel a mbaeaxy. Mas nem sempre a aproximao excessiva com osbrancos e suas coisas/conhecimentos, ou a abertura a eles para as coisas/conhecimentos guarani tem implicaes negativas. No parece haver

    uma interdio a priorido que se deve ou no fazer ou mostrar; ou, seh, ela pode ser revertida de acordo com as circunstncias. As afeces aque cada um est sujeito dependem da configurao relacional em jogo,em que as posies no so fixas e os agentes so mltiplos. Seja comofor, a poltica com osjurua,cada vez mais protagonizada pelas jovens

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    lideranas, parte de uma cosmopoltica em que os tamiesto na linhade frente.

    Na atual conjuntura, em que osjuruae suas coisas, msicas e conhe-cimentos esto cada vez mais prximos e acessveis, inegvel que aopacidade dos Guarani em relao ao que os conecta a Nhanderutemsido crescentemente flexibilizada. A presena dos jurua, como partici-pantes e no raro provedores de rituais, por vezes mote de controvr-sia e outras vezes no, havendo aqueles que inclusive fumampetyngua,danam e cantam com os Guarani. Em relao ao casamento comjurua,este ainda um tema bastante conflituoso entre os Mbya, mas, mesmona chave mtica pode ser flexibilizado. Emymaguare, no tempo antigo,houve um sujeito, Jekupe, que desposou uma mulher branca, mas amboscantaram e danaram com tanto afinco que conseguiram aguyje, sendodivinizados e escapando ao dilvio que destruiu a Primeira Terra.33

    Tais dinmicas envolvendo o que deve ou no ser feito ou mostradopodem ser acompanhadas por meio da distino elaborada por Carnei-ro da Cunha (2005, 2009b) entre vetores de xamanizao e coletivizaoem processos de enunciao da cultura. Enquanto coletivizao dizrespeito ao reconhecimento de um ns, no raro conciliada com mar-cadores tnicos, xamanizao remete a processos diferenciantes, em quea produo e a circulao de conhecimentos implicam distines, espe-cializaes e restries tanto inter como intratnicas. Em relaoaos mborai tarova, vem predominando o vetor de xamanizao, em queno so todos que podem liderar o canto frente do amba (implicandoa posio de oporaiva,aquele que canta), e menos ainda os que podem

    extrair objetos patognicos dos corpos com a fumaa do petynguaoutrazer de volta nhee aos corpos por meio dos cantos (implicando a posi-o de opitaivae, aquele que fuma). O mundo da opy cercado dedistines e restries, ou de segredo, de modo a evitar afeces porparte dos jurua, de ipaje ou mbovyky (agresso xamnica) de outros

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    Guarani ou de espritos agressores em geral. Como comentado, o idio-ma das doenas possui extrema relevncia nas relaes entre sujeitos ena produo de significados, cujas redes vm se adensando e tensionandocom o aumento da presena dosjurua, suas instituies, coisas e conhe-cimentos prximo s aldeias e, cada vez mais, dentro delas.

    A novidade dos corais foi mostrar o segredo, em que os cantos seapresentam como emblema da cultura guarani numa chave coletivi-zante, por meio dos kyrgue mborai, de circulao menos restrita do queos mborai tarova. Mas os corais tambm vm atualizando dispositivosdiferenciantes, j que todos podem cantar, mas nem todos sonham no-vos cnticos, ou podem liderar um coral (o que est associado sua po-sio em um coletivo), ou mesmo constituir uma rede de contatos com

    jurua, resultando em apresentaes e ou confeco de CDs, ambos ge-radores de recursos (monetrios e simblicos) e implicados em umacosmopoltica que enreda os brancos, Nhanderu kurye Guarani kury.

    Como dizem muitos Guarani, a presena dejurua na opydificultaou mesmo impede nhamonhendu mborai, o nos fazermos ouvir porNhanderueNhandexypor meio dos cantos. Com eles mais difcil atin-gir o estado de concentrao ou escuta (japyxaka) e o calor e radinciaque vincula os corpos durante a dana. Como comentado anteriormen-te, Nhee kurypreferem no vir de Nhanderu tet opyquando l estoosjuruaou os gue, os espritos de mortos confinados na terra. J namodalidade de canto dos corais, durante apresentaes ou por meio dosCDs, as falas de lideranas acima citadas no deixam dvida quanto aoinvestimento recente de se fazer ouvir, perceber (e respeitar) pelos bran-

    cos tambm por meio dos cantos. certo que se trata de distintos con-textos enunciativos. Nesse sentido, Stein aponta que nas apresentaespara osjuruaos parentes e as divindades ficam em segundo plano nocampo comunicacional (2009: 262). Mas h que se ponderar que a be-

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    leza e a fora do canto para os Guarani so indissociveis da capacidadesingular (e divina, ou se quisermos, xamnica) conferida pelo nhee.Mesmo fora da opye voltado aos brancos, o canto pode se efetivar comoponto articular entre duas interseces: conectando aqueles que com-partilham o nhee Guarani e Nhanderu kury e aqueles que compar-tilham a condio de vivente nesta terra perecvel e num corpo perecvel Guarani ejurua.

    Certa vez, aps uma apresentao do coral, um tamiusou a expres-so -nhemboetepara comentar o sucesso que fizeram junto ao pblico. Eme traduziu onhemboetecomo dar respeito, mas segundo sua explica-o se tratava de impor respeito, referindo-se ao modo como causaramefeito pela beleza do canto. Por sua vez, em outros contextos, quandocontam histrias sobrejepota, a captura do nhee de um sujeito por umdono extra-humano, dizem que o esprito dono do animal onhemboete,imps respeito e ento a pessoa ojepota, passando a ver o animal comoafim e os parentes como presa. Impor respeito, nesse sentido, pode serento impor uma perspectiva. E a cultura, no curso de projetos e even-tos, tem sido percebida por muitos Guarani como um modo novo edesafiante de continuar vivendo conectado e diferenciado dos jurua.Pode ser uma forma de impor uma perspectiva, ou uma forma de sersujeitado perspectiva do outro. Ou, ainda, um modo de experimentarambas posies.

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    Notas

    1 A maioria das palavras na lngua guarani oxtona e com pronncia aberta dasvogais e e o, de modo que s acentuarei as paroxtonas.

    2 Estive no encontro a convite de Adriana Calabi, a quem agradeo muito por essaoportunidade e pela leitura de uma verso anterior deste artigo.

    3

    As opygeralmente correspondem a uma construo retangular com estrutura emmadeira, parede de adobe e telhado de folha de palmito, taquara ou outra palmei-ra. As extremidades da opyidealmente acompanham o sentido do trajeto do sol.

    4 Nhande: nosso; ru: pai;xy: me; kury: coletivizador.5 Meus interlocutores identificam esses domnios num eixo vertical, dispostos em

    regies indicadas como mais prximas ou distantes da superfcie da terra, assimcomo no nascente, poente, norte, sul e centro do cu. Mas para chegar a esses do-mnios preciso atravessar o mar, que se estabelece como uma dobra entre mun-dos, convergindo os eixos vertical e horizontal.

    6 O demiurgo aquele que engendrou a si mesmo e fez os demais Nhanderu eNhandexy NhanderuPapa Tenonde, ou simplemente NhanderuEte. Comfrequncia os Guarani mencionam Nhanderuno singular sem acrescentar comple-

    mento, em referncia a esse demiurgo ou mesmo ao conjunto de Nhanderu,demodo a eclipsar sua multiplicidade para osjuruamonotestas. NhanderueNhandexyformam casais com a mesma designao complementar, como Tup, Nhamandu(ou Kuaray), Karai, Jakaira e Vera. Aqueles que foram humanos e adquiriram imor-talidade se despindo da poro carnal do corpo ainda em vida, so chamadosNhanderu Mir (pequeno, mas tambm sublime). Os Nhanderue Nhandexyvivem em diferentes moradas (tet) com seus irmos e irms especficos, que tam-bm so nhee ru etee nhee xy ete(incluindo nomes femininos como Takua, Jera,Jaxuka etc., e nomes masculinos como Jeguaka, Jejoko, Jekupe etc.). O primeironome de um Guarani (que podem ter nomes compostos) geralmente correspondeao seu nhee ru ete(para os homens) ou sua nhee xy ete(para mulheres). Para mais

    informaes sobre os nomes Guarani Mbya ver, p. ex., Cadogan, 1959; Ladeira,2007; Macedo, 2010.7 A mobilidade guarani um dos temas mais debatidos na literatura sobre essa po-

    pulao, tendo recentemente recebido formulao primorosa na ideia de multilo-calidade, desenvolvida por Elizabeth Pissolato (2007) em trabalho junto aos Mbya.

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    A autora prope a no reificao da socialidade mbya em unidades sociolgicasfixas, caracterizando-a pelo movimentode indivduos e grupos em diferentes confi-guraes, em que se articulam as perspectivas local e supralocal. Esta ltima se cons-titui pela disperso dos parentes, em que casamentos e rompimentos so uma engre-nagem fundamental, alm de mudanas de aldeia por outras motivaes. J o planolocal, formado por corresidentes, desestabilizado por remeter sempre a uma pos-sibilidade entre outras de vivncia do parentesco, posta no plano supralocal. Dessemodo, configuraes de parentesco ganham visibilidade nas aldeias e para almdelas, a depender do assunto e das circunstncias em que se enunciam coletivos.

    8 Como contrasta Viveiros de Castro, em nosso jogo epistemolgico o que no foiobjetivado permanece irreal. A forma do Outro a coisa. J no xamanismoamerndio, conhecer tomar o ponto de vista daquilo (daquele) que deve ser co-nhecido. O conhecimento xamnico visa um algo que um algum. A forma doOutro a pessoa (2002b: 358).

    9 De acordo com a publicao Guarani Ret 2008 (http://www.campanhaguarani.org.br/pub/publicacoes/caderno_guarani_port1.pdf),a populao guarani soma-va prximo de cem mil pessoas distribudas em cerca de 500 comunidades no Bra-sil, Paraguai, Argentina e Bolvia. No Brasil, aproximadamente 10.500 Guarani

    Mbya e Nhandva vivem nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina,Paran, So Paulo, Rio de Janeiro e Esprito Santo (dado obtido junto Funasa em2010), onde esto dispersos em cerca de 150 localidades (dado obtido junto aoCTI em 2010). H ainda indivduos e famlias Guarani Mbya em outros estados eregies, como no sul do Par, no Maranho e no Tocantins. No Mato Grosso doSul (MS) h prximo de 45 mil Kaiova e Nhandva (os ltimos correspondendo acerca de um tero, assim como so minoria no Sul e Sudeste, apesar da imprecisodos dados que possam diferenci-los dos Mbya). No entanto, ao menos entre oshabitantes da TI R. Silveira, no h o reconhecimento de relaes de parentescoprximo ou visitas que conectem os Nhandva no Sudeste a essas famlias no MS.

    10 Alm dos rituais para tomar conhecimento dos nomes (hery) dos que nasceram,

    que indicam a provenincia do nhee, os Guarani na regio em foco na pesquisatambm traduzem como batismo rituais devotados a certos cultivos ou produ-tos, como avaxi etei(espcie de milho), kaa(erva mate) e ei(mel). A particulari-dade desses itens que so ddivas de Nhanderu,e o ritual de trazer amostras paraa opy, rezar e soltar fumaa dopetynguasobre eles efetiva sua provenincia divina,

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    ou sua condio de produtos que no so desta terra, sendo os mais propcios parao consumo entre os Guarani. Tais batismos de produtos tambm so ocasies pri-vilegiadas para ouvir e comunicar os nomes de crianas que nasceram.

    11 Para uma abordagem mais detalhada dos mboraina opy, cf. Macedo (2011).12 Em ocasies em que no h sesso de cura e esto presentes apenas os membros

    mais prximos da famlia do tami e da-jaryi, o ritual pode durar cerca de umahora. Mas quando a opyest cheia, costuma durar muitas horas, e nos nhemongaraigeralmente s termina com o nascer do sol.

    13 Um Mbya me contou que antes existiam tamique faziam curas com fumaa esuco/sopro, mas que no eram oporaiva.Hoje em dia este me parece um casobastante raro, j que quase todo tami oporaiva. No entanto, nem todo oporaiva um tami e realiza curas, ou seja, nem todos que lideram cantos na opy soopitaivae, aquele que fuma, como chamam os que retiram agentes patognicosdos corpos com sopro de tabaco. Para maior desenvolvimento dessa questo, cf.Macedo (2012).

    14 Xondro uma palavra derivada de soldado, concernente queles que executa-vam tarefas nas quais os tamino devem se engajar, como a caa, aplicar sanesviolentas, enviar mensagens ou acompanhar pessoas em viagens, e por proteger o

    agrupamento contra ataques de brancos, outros indgenas ou animais selvagensnas aldeias ou nos caminhos. Hoje em dia se reconhecem outras modalidades dexondro, havendo aqueles que acompanham os oporaivanos mborai, os que ficamna porta da opygarantindo que ela permanea fechada durante os mboraie porvezes as lideranas polticas que assessoram os tami,sobretudo na interlocuocom os jurua.Xondro tambm um tipo de msica no cantada, ao som darabeca, violo, chocalho e tambor; e a dana que pode acompanhar essa msica,que constitui o treinamento dosxondropara adquirirem rapidez e leveza em seusmovimentos (Macedo, 2012).

    15 O apyka(recipiente em forma de canoa), oguapya (banco usado para curas, tam-bm chamado apyka), a kuruxu(madeira cruzada), a indumentria do tami como

    ojeguaka(cocar) e mboy (colares) e por vezes outros objetos ou amostras de cul-tivos considerados ddivas de Nhanderue Nhandexy, como o avaxietei (milho).16 A construo de uma opy idealmente motivada pela identificao de um amba,

    um lugar privilegiado para a conexo e o trnsito de nhee entreyvy e yva,a terra e

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    o cu. Um relmpago na mata pode indicar a existncia de umamba, sendo prop-cio para a construo de uma opy, ou esta indicao por ser feita em sonho.

    17 Como dito, tambm recebe o nome de apykao banco onde se senta o doente nassesses de cura, quando seu nheepode ser trazido de volta ao corpo aps a expul-so do agente patognico, de modo que o tamipode ir busc-lo por meio docanto em algum domnio de Nhanderue Nhandexy kury. Ainda h que se desta-car que a chegada do nheeao corpo de uma pessoa que nasceu tambm expressacomoguemimbo apyka, tomar assento, assim como ser concebido nhemboapyka,ser dado assento (Cadogan, 1959: 42). Nessa mesma chave, o corpo d assento palavra (e com ela capacidade de entendimento e expresso), ao nhee(id., ibid.:101). H portanto uma homologia entre canoa, banco e corpo como suportes donheee, ao mesmo tempo, como potenciais meios de transporte do nhee.

    18 Para um maior desenvolvimento de modelos comparativos incluindo os Guaranie os Tupinamb, cf. Viveiros de Castro (1986 e 2002a) e Sztutman (2005).

    19 Yvy: terra;po: mo ou gente de... (um lugar ou domnio).20 Gallois (1988) e Viveiros de Castro (1986) so exemplos de autores que aborda-

    ram a figura de anhentre populaes tupi-guarani. Como ambos apontam, nose trata de um ente singular e sim de um efeito-esprito. Este, no entanto, pode

    ser personificado a depender do contexto enunciativo. Entre os Guarani, h diver-sas narrativas em que os juruaso tomados como criao de anh; ou em queanh caracterizado como irmo e antagonista do demiurgo NhanderuPapaTenonde; e outras ainda, estas registradas por Cadogan (1959), em que os anhconstituam um povo antigo com caractersticas grotescas e jocosas.

    21 No sentido conferido por Carneiro da Cunha (2009a), de uma linguagem dasdiferenas, em que elementos culturais so selecionados e combinados de modo aestabelecer contraste com outros grupos. A autora estendeu a lgica dos sistemastotmicos, tal como analisada por Lvi-Strauss, para entender os sistemasmultitnicos. Assim como o totemismo se vale de diferenas na srie natural(animais ou plantas como totens) para pensar o social, o sistema multinico se

    vale da srie cultural para codificar as diferenas entre os grupos e estabelecercampos de fora.22 Conjunturas no mbito de polticas e projetos, bem como discursividades a elas

    associadas, tm merecido grande investimento na antropologia, em que a cultu-ra vai perdendo o estatuto de categoria analtica para ser abordada como objeto

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    de tradues sempre locais. Em sentido prximo ao de Carneiro da Cunha, este o mote de Marshall Sahlins (1997a, 1997b) ao enfatizar a cultura como signoque circula em redes discursivas que podem ter escala mundial, mas cujos signifi-cados que mobiliza so necessariamente informados por referenciais cosmolgicosparticulares, de modo que o local sempre mais abrangente ou englobante dosuposto global. No que diz respeito etnologia contempornea, muitos traba-lhos tm se voltado para perspectivas ou tradues amerndias no mbito de pol-ticas, projetos, eventos e outras iniciativas sob a rubrica da cultura (ou a ela asso-ciada, como natureza ou ecologia). No h aqui espao para resenhar essabibliografia que inclui trabalhos como Albert & Ramos (2001), Andrello (2006),Barcelos Neto (2004), Coelho de Souza (2005), Cohn (2008), Gallois (1989,2005), Gordon (2001, 2006), Kelly (2005), Mello (2003), Turner (1991), Vivei-ros de Castro (2000, 2002a, 2002b), entre muitos outros , mas ela lana luz squestes enfrentadas neste artigo.

    23 Segundo a traduo corrente, ete= verdadeiro; mir= pequeno;por= belo/bom.Mas tais classificadores, a depender do enunciado, tambm remetem ao que pr-prio de Nhanderu,sublime, divino. Neste casoyvyju mir outro modo como sereferem terra dos imortais (para um maior desenvolvimento do tema relativo a

    esses classificadores, cf. Macedo, 2012).24 Nhandecorresponde ao ns inclusivo e oreao ns exclusivo de um grupo em

    relao aos demais interlocutores.25 Registrei seu depoimento, que foi publicado em Vera Popygua, 2006: 32-33: Em

    1992, teve convite de Portugal e eu fui representar os Guarani nos 500 anos deresistncia. E l em Portugal eles estavam comemorando os 500 anos de descobri-mento da Amrica. Eu estive em Lisboa, e depois em Algarves, onde partiram nacaravela com Cabral. L estavam em torno de 10 mil pessoas participando da fes-ta, estava ministro l, e eu estava l. A fui e me apresentei. A partir de quando melevantei ali, me lembrei de um canto, um canto que meu av, que ainda vivo, paida minha me, cantava quando eu tinha cinco, quatro anos. Eu levantei, peguei o

    microfone e cantei. E na hora dez mil pessoas, ficou tudo caladinho. Eu estavasozinho ali. E no alto subi, cantei. Parece que tudo parou ali. Eu cantei. A depoiseu falei sobre a minha tradio, de qual etnia eu era. Falei um pouco tambm emguarani com eles.

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    26 Ouvi duas verses do que teria se passado nessa apresentao. De acordo com umadelas, crianas da aldeia Tenonde Por teriam entoado o canto, e conforme a ou-tra um rapaz dessa aldeia chamado Cludio o teria entoado sozinho, apenas acom-panhado do gua pu(tambor).

    27 Novamente as palavras de Timteo: Os mais velhos falaram: No! O canto dascrianas uma coisa muito relevante, uma coisa sagrada, por que voc fez isso?,me cobrando. S que, nisso, j veio na minha cabea que o Guarani consideradoum Guarani no passado, Guarani uma lenda, aculturado. No s jurua, as ou-tras naes indgenas tambm falam. A eu dizia assim que era importante pelomenos divulgar a lngua, divulgar o canto das crianas para mostrar que o Guaraniest vivo, o Guarani est presente, que o Guarani tambm sculo XXI. Tive essadiscusso. A os mais velhos comearam: Acho que tudo bem, acho que ele temrazo. De repente, na abertura do evento, tocou aquilo no estdio. E todo mun-do ficou surpreso. O Joo [da Silva, tamina aldeia Braku, em Angra dos Reis/RJ] falou assim: Puxa, que lindo. Eu tambm sei essa msica, cantava quandocriana. Parece que aquele instante despertou todo mundo. Todos mais velhosfalaram: Eu cantava tambm quando criana. A todo mundo voltou para asaldeias e j falava: Vamos fazer um grupinho, eu posso ensinar as crianas. Den-

    tro de um ano, muitas aldeias j tinham um grupinho. Antigamente, quando es-tava descendo o dia, as crianas se reuniam, cantavam para ir purificando. Depoisisso no acontecia mais, e de repente veio acontecer o CD e os corais. (VeraPopygua, 2006: 33).

    28 Conforme depoimento que transcrevi de um programa veiculado na TV USP:Ns temos a lngua, ns temos tudo que deus deixou pra ns. Mas estava emsegredo. Agora no tem mais como esconder. Muita gente fala que os Guaraniperderam tudo porque no esto mostrando, no est em pblico. Ento as pesso-as que trabalham na aldeia, que acompanham a comunidade, veem que tem reza,as crianas danam, cantam, tem som que diferente desse som da cidade. Entotudo isso [a produo do CD] eu tenho certeza que vai abrir a cabea de muita

    gente que est envolvida com a questo indgena.29 A dissertao de mestrado de Ladeira, concluda em 1992 na PUC, foi publicadacomo livro em 2007.

    30 Expresso que tambm pode ser traduzida como a sabedoria de nosso modo deviver.

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    31 Pode ser traduzido como nossa sabedoria (ou nossa memria) atual ou daqui.32 certo que tais adoecimentos tambm so associados a outras causas que no os

    jurua, como tristeza (ndovyai) por separaes de cnjuges ou de parentes consan-guneos, que fragilizam o corpo para a entrada de agentes patognicos. Ou ento,por agenciamento xamnico de outro guarani, ao que chamam ipaje, feitio.

    33 Numa outra verso do mito, Jekupe comete incesto ao desposar a tia paterna.

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