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Ano 25 • N° 9 janeiro/junho 2017 ISSN 2238-6807 Senac Ambiental Ano 24 N. 8 • 2016 Visitante incômodo Espécies invasoras tornam-se pragas

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Ano 25 • N° 9

janeiro/junho 2017 ISSN 2238-6807

Senac Ambiental

Ano 24 N. 8 • 2016

Visitante incômodo

Espécies invasoras tornam-se pragas

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Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

Departamento NacionalAv. Ayrton Senna, 5.555, Barra da TijucaRio de Janeiro - RJ - Brasil - 22775-004

www.senac.br

Conselho NacionalAntonio Oliveira Santos

Presidente

Departamento NacionalSidney Cunha

Diretor-geral

A revista Senac Ambiental é uma publicação semestral produzida pela Assessoria de Comunicação do

Senac Nacional. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. Sua reprodução em

qualquer outro veículo de comunicação só deve ser feita após consulta aos editores.

Contato: [email protected]

www.dn.senac.br/senacambiental

ExpEdiEntE

EditorFausto Rêgo

Colaboraram nesta ediçãoAna Mendes, Cristina Ávila, Elias Fajardo,

Francisco Luiz Noel, Lena Trindade e Mário Moreira

EditoraçãoAssessoria de Comunicação

Projeto gráfico e diagramaçãoCynthia Carvalho

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Senac ambiental / Senac, Departamento Nacional. – n. 1 (1992)- . – Rio de Janeiro: Senac/Departamento Nacional/Assessoria de Comunicação, 1992- . v. : il.

Semestral. Absorveu: Senac e Educação Ambiental. A partir do n. 8 (2016) passou a ser disponibilizada no endereço: www.dn.senac.br/senacambiental. ISSN 2238-6807.

1. Educação ambiental – Periódicos. 2. Ecologia – Periódicos. 3. Meio ambiente – Periódicos. I. Senac. Departamento Nacional.

CDD 574.505

Ficha elaborada pela Gerência de Documentação do Senac/DN.

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DesafiosEditorial

Chegam sem serem con-vidadas, tomam conta da casa e expulsam os donos. É mais ou menos o que ocorre quando espécies animais e vegetais “invadem” um ecos-sistema, sobrepõem-se às espécies nativas e acabam virando pragas. É sobre isso que falamos na reportagem de capa desta edição.

Trazemos também uma ini-ciativa original – e bem-su-cedida – de saneamento que vem sendo desenvolvida na zona rural do Ceará, com gestão feita pelos próprios moradores.

Outro tema importante é a recuperação de manguezais. Uma técnica inovadora de-senvolvida por uma bióloga da Universidade Federal do Maranhão tem garantido ex-celentes resultados.

Falamos também do cacau, que volta a viver um período de prosperidade no litoral sul da Bahia, produzindo choco-lates cuja qualidade começa a ser reconhecida no exte-rior. E, chegando à fronteira de Rio de Janeiro e Minas Ge-rais, convidamos a um pas-seio pelo Parque Nacional de Itatiaia

Trazemos ainda uma entre-vista com o professor José Augusto Pádua. Pioneiro no estudo da História Am-biental, ele comenta os dois grandes desafios que a hu-manidade tem pela frente: a desigualdade e a sustentabi-lidade.

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Sumário

34Capa

BioinvasãoEspécies animais e vegetais não nativas se sobrepõem às locais e provocam prejuízos ao meio

ambiente e à economia

Francisco Luiz Noel

4Preservação

Molhar o molhadoNo Maranhão, uma técnica inova-dora tem ajudado a recuperar os manguezais perdidos nas últimas

décadas

Ana Mendes

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12Entrevista

José Augusto PáduaPioneiro no estudo da História

Ambiental destaca a capacidade de regeneração do planeta diante da

fragilidade humanaElias Fajardo

52Ecoturismo

Itatiaia: 80 anosNa divisa de Minas Gerais e Rio de Janeiro, o Parque Nacional de

Itatiaia completa oito décadas cheio de encantos

Mário Moreira

44Extrativismo

Novo ciclo do cacauProdutores do sul da Bahia flertam com a prosperidade apostando em qualidade e consciência ambiental

Lena Trindade

22Gestão Hídrica

Revolução sertaneja Sistema gerido pelas próprias

comunidades garante abastecimento em regiões afetadas pela seca no

CearáCristina Ávila

32Notas 60

Estante Ambiental

Sumário

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Comunidades tradicionais da região são diretamente afetadas pela destruição dos manguezais. As famílias vivem principalmente da pesca de camarão e peixe

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prESErvação

Molhar o molhado:

uma técnica de

recuperação de mangue

Na capital maranhense, quase 70% dos manguezais foram perdidos nas últimas

décadas, mas uma ação inovadora tem produzido

excelentes resultados

Ana Mendes (texto e fotos)

Flávia Rebelo Mochel, carioca, se apaixonou pelo mangue há 30 anos e migrou para São Luís, no Mara-nhão, sem saber que se tornaria uma das mais célebres pesquisa-doras brasileiras de manguezais. Foi ela quem desenvolveu uma técnica inovadora para restauração florestal de mangue. Entre aulas ministradas no curso de Oceano-grafia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), aulas de educa-ção ambiental que envolvem mora-dores de pequenas comunidades pesqueiras, Mochel ainda restaura áreas de mangue com um método pra lá de inusitado: ela e sua equi-pe molham o solo úmido dos man-guezais.

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O grupo Cermangue/Lama, da UFMA, coordenado por Mochel e hoje composto por 18 alunos, já recuperou cerca de 70 mil metros quadrados na ilha de Upaon-Açu (composta São Luís, a capital do estado, e outros três municípios) a partir de um método que ela de-nominou Ecologia da Recuperação. Consiste em entender a fisiologia específica de cada área e corrigir a sua salinidade.

Utilizando-se de pesquisas cientí-ficas e não somente do empirismo, como ela gosta de ressaltar, Mochel chegou a uma técnica de trabalho, que pode durar até seis anos em cada área, onde a principal ação é aguar. Isto é, literalmente regar o mangue. Ora com água doce, ora com água salgada, dependendo da necessidade. Com essa solução, a probabilidade de o mangue em recuperação morrer é quase zero. “Na época da seca, ele está cheio de sal, então jogamos água doce. O mangue gosta. Aí, na época da chuva, o mangue fica doce demais.

O que nós fazemos? Pegamos água da maré! Desse modo, espantamos todos os possíveis predadores. É assim: eu escuto a linguagem dele e ele me ensina”, conta ela.

Os estados do Maranhão, do Pará e do Amapá, juntos, reúnem 50% da cobertura florestal de mangue do país. O mangue característico desse trecho é o chamado mangue amazônico, que se estende ainda por outros países fronteiriços. A Amazônia costeira, que fica entre o Pará e o Maranhão, é considerada a maior área contínua de mangue-zais do mundo. Só no no-roeste do estado são quase 6 mil qui-lômetros qua-drados. Mas

Aula de fauna e flora de mangue com a professora Flávia Rebelo Mochel, da Universidade Federal do Maranhão, na Praia Mangue Seco, na Ilha Upaon Açu

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quatro recuperações que Mochel e sua equipe fizeram, duas delas são em áreas portuárias localizadas no Distrito Industrial de São Luís (Disal). “Determinadas áreas foram recuperadas sub judice: o poder público determinou que a recupe-ração fosse feita e nós entramos para fazer isso. E houve outras áreas que as empresas solicitaram. [...] São áreas pequenas, áreas-pi-loto, mas com problemas enormes, que deram muita dor de cabeça. Aquilo que eu chamo de ‘perfume francês’: o frasco é pequenininho, mas o problema é enorme e o valor é muito grande. Importante para a empresa, porque é a área de atua-ção dela”, explica.

O processo de degradação dos manguezais maranhenses teve um de seus grandes momentos na dé-cada de 50, quando indústrias de tecelagem desmatavam a floresta para utilizar a lenha como com-bustível para as máquinas e a tin-tura da casca do mangue vermelho

e m S ã o Luís, cerca

de 50% des-sa vegetação já

desapareceu por conta do crescimento

descontrolado da capital. “Aterros para áreas industriais

e residenciais, invasões, condo-mínios e avenidas. Quase toda a malha viária costeira foi feita em cima de duna e mangue, cortando ou subdimensionando os igara-pés. Assim cresceu, por exemplo, a Lagoa da Jansen. Aquilo era tudo mangue, mas aterraram para fazer duas avenidas”, explica Mochel.

Na área urbana, vias públicas, pré-dios e condomínios assorearam manguezais. E na área rural, três portos com saída para o Atlân-tico – os portos de Itaqui, Pon-ta da Madeira e Alumar – foram construídos sobre o mangue. Das

No município de Raposa, na região metropolitana de São Luís, muitos

moradores vivem da coleta da ostra. Os catadores chegam a ficar cerca de sete horas no mangue, em um trabalho exaustivo e com grande

risco de cortes

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para pintar tecidos. Essa prática, logicamente, não existe mais. Mas a partir dos anos 1980, o projeto desenvolvimentista da época in-crementou o parque industrial da capital, trazendo indústrias e cons-truções de grande porte.

A Estrada de Ferro Carajás é uma delas. Construída em 1985, com ex-tensão de quase 900 quilômetros, liga a Serra dos Carajás, em Pa-rauapebas (PA), ao Porto do Madei-ra, em São Luís (MA). Concomitan-te a isso, o crescimento da cidade e dos arredores levou a um quase to-tal esgotamento das possibilidades de expansão, e São Luís alcançou a marca de 50% de perda de seu manguezal original. Entretanto a lei é rígida. O Código Florestal con-sidera toda área de mangue uma Área de Preservação Permanente (APP). O problema é a sua aplica-ção efetiva. A falta de fiscalização, no caso de invasões irregulares, a conivência dos órgãos públicos na concessão de licenças para obras e o não cumprimento das medidas mitigadoras são os principais moti-vos de preocupação.

Populações ribeirinhas

O mangue é reconhecidamente uma fonte de segurança alimentar para as populações ribeirinhas. Por isso quem primeiro sente os impactos da degradação ambiental são os pescadores e extrativistas, que existem em grande número na capital ludovicense. Dos man-guezais eles retiram o caranguejo, o sururu, a ostra e outros molus-cos. Além disso, cerca de 70 espé-cies de peixes vivem pelo menos um terço de seu ciclo de vida no mangue – onde se alimentam e se reproduzem.

Algumas espécies emblemáticas, em vias de extinção, como o mero e o robalo, necessitam das som-bras dos manguezais para sobrevi-ver. Por conta dos assoreamentos e das ocupações irregulares, as populações tradicionais veem-se obrigadas a modificar seus traje-tos para buscar peixes, mariscos e crustáceos.

Domingos de Souza Carvalho cata ostras há cerca de três anos. Re-centemente, no manguezal perto de sua casa, no Farol de Araçagi, município de Raposa, região me-tropolitana de São Luís, um pro-

Pescadores e extrativistas são os que primeiro sentem os efeitos da degradação ambiental

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prietário fechou uma das entradas que davam acesso à área de man-gue que frequentava junto com outros ostreiros. “Ele construiu um muro e deixou avisado que não era pra ninguém entrar”.

Com essa a proibição, os catado-res ficaram restritos a retirar ostras somente em uma área naquelas cercanias. Esse mangue, menor do que o outro, está sofrendo uma sobrecarga, pois cada ostreiro cata cerca de 40 dúzias de ostras por semana.

As baixas e altas de maré no Ma-ranhão podem ter variação de até nove metros nos pontos mais ex-tremos, por isso existem assorea-mentos e desbarrancamentos que ocorrem naturalmente em longos espaços de tempo. Mas a ação hu-mana acelera esse processo natu-ral de erosão e de sedimentação.

“Quando você começa a erodir uma área, o que acontece com esse material que foi erodido? Ele não some, vai assorear outro lugar. E começa a entupir. Vai entupir uma praia, uma boca de rio, vai criar um banco de areia em um lugar onde antes os pescadores podiam pas-sar de barco”, explica Mochel.

O depósito de sedimentos, conse-quência desses assoreamentos, se faz sentir nas praias e nos entron-camentos de igarapés e rios em todo o Golfão Maranhense (exten-sa área de terras emersas, cercadas de água, que se estende de cidades do litoral do estado até a ilha de São Luís). Do outro lado da Baia de São Marcos, a turística Alcântara também está sendo afetada pelas degradações da capital. Os nati-vos, pescadores e quilombolas já sentem o impacto.

Alguns pequenos portos deixaram de existir e cursos de água estão mudando. Seu Peó, morador da região e guia turístico, mostra--se preocupado com um possível sumiço do Igarapé do Puca, local que frequenta todos os dias para pescar ou atravessar turistas até a praia de Itatinga. No caminho, vai dando aula de ecologia aos turis-tas, porque sabe que muitos não conhecem o mangue. “Eu conto a eles que é tão sensível que, se você cortar um mangue, a lama vai per-der oxigênio e apodrecer, depois ‘desbarreirar’. Muitas pessoas não se importam. E cortam dizendo: ‘Tô precisando desse pau, vou le-var’. [...] O igarapé uma coisa muito necessária pra nós. Eu pesco aqui. Se não tivesse esse igarapé, como

Acima, Flávia Mochel e alunos resgatam caranguejo atropelado por um carro na

praia do Mangue Seco. Aulas de educação ambiental têm

sido feitas na região para conscientizar a população

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as famílias iam ficar? De que iam viver? Esse igarapé sustenta mui-ta família de lá de onde eu moro. Logo mais eles estão pescando. A maré baixou, eles vêm botar rede. E cada um leva o seu. Se não ti-vesse esse igarapé, já era”, explica.

O estigma da lamaAinda habita o imaginário social o sentimento de nojo e desprezo ao mangue. O cheiro característico da matéria orgânica em decompo-sição na argila, somado à imagem dos bairros periféricos equilibran-do-se sobre palafitas, onde não há saneamento básico e infraestrutura mínima, é a caricatura predominan-te dos manguezais, principalmente os urbanos. Nesses contextos, os desafios de conservação são ainda maiores, porque, além de combater as ações humanas que colocam em primeiro lugar o desenvolvimento, sem medir as consequências am-bientais, o mangue tem de se livrar da má reputação.

As aulas de educação ambiental informais dadas por Seu Peó aos turistas no dia a dia no mangue e o conhecimento científico de Flá-via Mochel e seus alunos somam forças no mesmo sentido. E mui-to lentamente esse estigma vai se dissipando, com um trabalho em conjunto de pessoas que não se conhecem, mas têm um amor em comum.

Enquanto a morosidade, típica do serviço público, deixa a cidade avançar por cima dos manguezais, a dedicação de Flávia e Seu Peó é, talvez, a única maneira de desobs-truir as veias do mangue e deslo-botomizar a cidade, como dizia o músico e jornalista pernambucano Fred Zero Quatro, em 1992, no ma-nifesto Caranguejos com Cérebro [https://goo.gl/HB2Mux].

Seu Peó trabalha como guia local e faz passeios de barco pelo igarapé do Puca, em Alcântara

Na página ao lado, raizes-escoras de mangue vermelho. Os buraquinhos no

tronco contribuem para o fluxo de ar dentro do manguezal

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Flávia Rebelo Mochel já escreveu diversos livros, um deles de poesia. Suas princi-pais publicações são “Endofau-na do Manguezal”, EDUFMA, 1995; “De um buraco a outro: do mangue ao cosmos”, Espaço Editorial, 2005; “Mangueando: brincando e aprendendo com o manguezal”, Colorgraph, 2013; e “Lendo e escrevendo com o manguezal”, Colorgraph, 2013. No momento, finaliza seu tra-balho de pós-doutorado sobre recuperação de manguezais.

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EntrEviSta

“A Terra é mais capaz

de sobreviver do que nós”

Para José Augusto Pádua, pioneiro no estudo da História Ambiental, a

humanidade tem dois grandes desafios: a desigualdade e a

sustentabilidade

Elias Fajardo

Doutor em Ciências Políticas pelo Instituto Universitário de Pesqui-sas do Rio de Janeiro (Iuperj), ex--coordenador da área de florestas do Greenpeace na América Latina, autor de um livro clássico, “Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Bra-sil escravista (1786/1888)”, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos criadores do Mu-seu do Amanhã, no Rio de Janeiro, José Augusto Pádua é um pioneiro no estudo da História Ambiental. Ele acha que temos no país um vi-goroso legado histórico de preocu-pações com o meio ambiente que precisa ser valorizado. E afirma que não é propriamente o planeta que está ameaçado, mas os sistemas complexos que os humanos cria-ram para sobreviver nele. Segundo o professor, a natureza não é pas-siva, e a ideia de que vamos salvar o mundo é muito arrogante, pois a Terra tem uma enorme capacidade de resistência.

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Senac Ambiental – Catástrofes naturais e provocadas pelo homem, mudanças climáticas e consumo desenfreado: diante de tantos pro-blemas ambientais, você acredita na possibilidade de o ser humano transformar positivamente esta rea-lidade?

José Augusto Pádua – Essa per-gunta quase entra no campo da fé que a pessoa tenha na vida. Não temos muito como saber como vai ser o futuro. Já vi diversas previ-sões falharem. Sou cuidadoso com relação a isso. As previsões falham em detalhes, em prazos, mas não há dúvida de que a degradação é cada vez maior. A novidade positi-va é que estamos observando que a capacidade de resiliência do pla-neta é maior do que poderíamos pensar. Ele tem uma capacidade de sobreviver e de se adaptar a transformações bem maior do que imaginávamos. Por isso existe a necessidade de adotar uma pers-pectiva mais ampla, como venho procurando fazer hoje em dia.

O planeta tem cerca de 4,5 bilhões de anos; a humanidade, o homo sapiens, algo em torno de 200 mil anos. A história do ser humano é apenas uma parte da história da Terra. Estamos passando a conhe-cer mais o passado. E quanto mais avançamos, mais podemos consta-tar que ela passou por crises muito grandes. Bem antes do aparecimen-to do ser humano, aconteceram crises cósmicas. Uma delas há 60 milhões de anos, causada pelo cho-que de um asteroide na região que é hoje o Golfo do México, pratica-mente provocou a extinção de toda a vida. Mas o planeta tem uma força extraordinária. Dezenas de milha-res de anos depois, já contava com mais biodiversidade do que tinha antes. Só que algumas espécies se perderam para sempre, como os di-nossauros.

Então hoje fica claro o seguinte: a Terra é bem mais capaz de sobre-viver do que nós. E quem está mais ameaçado somos nós mesmos, porque dependemos de uma de-terminada configuração global que seja apropriada à nossa vida como civilização complexa, com relações sociais, tecnologias etc.

Veja um exemplo: se a média de temperatura subir seis graus, para nós é uma catástrofe, mas para o planeta pode não ser. Assim, atualmente, não colocamos mais as coisas em termos de quando a humanidade vai destruir o planeta. Mesmo com todas as bombas atô-micas, penso que não temos tal ca-pacidade. O importante para nós é garantir a continuidade dessa confi-guração muito positiva que ele nos oferece.

Senac Ambiental – Você costuma também dizer que é muita preten-são acharmos que vamos salvar o planeta. Seria uma utopia?

José Augusto Pádua – Colocar nesses termos é uma arrogância, porque, como acabei de dizer, a ca-pacidade de resiliência do planeta é bem maior do que a nossa. Digo isto porque hoje a ciência sabe que a Terra passou por choques muito maiores do que se nós explodísse-mos todas as bombas atômicas ao mesmo tempo. Isto é um conheci-mento bastante recente. Por outro lado, precisamos salvar ou susten-tar essa configuração que nos é propícia. Por exemplo: não deixar que a temperatura média aumen-te mais do que dois graus, pois se acontecer já começaremos a entrar num cenário muito perigoso. Isso muda a perspectiva. Aquelas pes-soas que têm pouca sensibilidade e dizem “o que me importa o pla-neta?” precisam entender que o que estamos discutindo é a sustentabi-lidade da vida humana. Desde que o ser humano surgiu, a maior parte da

Aumento da temperatura global é ameaça à sustentabilidade da vida humana

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Senac ambiental n.9 14

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nossa trajetória tem sido muito sim-ples. Era uma vida de caçadores, de coletores, com grupos pequenos. Mas hoje temos uma civilização com cidades, viagens aéreas, pon-tes, internet, poluição... O impacto é bem maior.

Senac Ambiental – A História Am-biental, um de seus principais temas de estudo, é uma investigação em aberto que tenta aprofundar as in-terações entre os sistemas sociais, ou seja, as formas de convivência humana, e os sistemas naturais ao longo do tempo. Estamos ganhan-do ou perdendo a luta contra a des-truição desenfreada da natureza?

José Augusto Pádua – Uma coisa que vem ajudando muito no desen-volvimento da História Ambiental é uma revolução que está acontecen-do nas ciências da natureza. Nesse cenário, vejo duas coisas funda-mentais: uma foi ampliar os hori-zontes cronológicos. Até o século 20, pensávamos na Terra com uma história muito mais curta. E agora estamos percebendo que ela tem cerca de 4,5 bilhões de anos em um universo que está se expandindo há cerca de 13 bilhões de anos. Isto abre as perspectivas da história.

O segundo ponto, fundamental, é que a ciência está mostrando cada vez mais que o universo é movimen-to, transformação e dinamismo. A mais bela definição de história que conheço é de Heráclito, um filóso-fo grego pré-socrático que afirma: tudo flui. O universo se expande, a geologia está em movimento, os continentes já tiveram uma configu-ração diferente, a biologia está em transformação permanente. Tudo flui e tudo muda. Então esse movi-mento ao longo do tempo, a cons-trução e a desconstrução das coi-sas é o que faz a história. A História Ambiental é pensar os movimentos do ser humano interagindo com-pletamente com os movimentos do

planeta. O educador Paulo Freire, que morreu em 1997, dizia: “O mun-do não é, o mundo está sendo”.

Senac Ambiental – Seu livro “Um sopro de destruição” mostra que a devastação das florestas, a erosão e o esgotamento dos solos, a destrui-ção de espécies animais e vegetais afligem o Brasil desde a escravidão. E indica também que, ao contrário do que se pensa, desenvolveu-se no país um pensamento social e uma crítica ambiental a partir dos séculos 18 e 19. Que importância teve e con-tinua tendo esse pensamento?

José Augusto Pádua – A consciên-cia crítica diante da destruição am-biental costuma ser encarada como um fenômeno contemporâneo que surgiu a partir das transformações que acompanharam a expansão da civilização urbano-industrial. No caso do Brasil, ela é vista também como a importação de ideias e de-bates europeus e norte-americanos

José Augusto Pádua é autor de “Um sopro de destruição: pensamento

político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786/1888)”

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das últimas décadas. Mas não é bem assim, pois José Bonifácio de An-drada e Silva [naturalista e político no Brasil Império], Joaquim Nabuco [jurista e abolicionista], Francisco Freire Alemão [médico e naturalista], José Vieira Couto [político, escritor e folclorista] e Baltasar da Silva Lisboa [magistrado e historiador], entre ou-tros, já faziam reflexões ambientais nos séculos 18 e 19.

José Bonifácio, por exemplo, dizia que a natureza fez tudo a nosso fa-vor e pouco ou nada temos feito a favor dela. E achava que o Brasil po-deria virar um grande deserto. Esses autores defendiam a necessidade de combater os males causados pela escravidão, pelo latifúndio e pela monocultura. Levantei cerca de 150 textos produzidos por mais de 50 autores que discutem de forma di-reta as consequências sociais da destruição das florestas, da erosão dos solos, do esgotamento das mi-nas e dos desequilíbrios climáticos. Se observarmos o campo das ideias, vemos que um conjunto relativamen-te pequeno de intelectuais produziu

uma das aventuras mais ricas da his-tória cultural do país. Essa contribui-ção não deve ser ignorada.

Senac Ambiental – A ideia de eco-logia tem inspirado, principalmente a partir de 1970, comportamentos sociais, ações coletivas e políticas públicas. Ela está presente também na educação, na comunicação de massas e no imaginário coletivo. Mesmo assim, permanece um sonho distante ou já se tornou algo concre-to na vida contemporânea?

José Augusto Pádua – Muitas ve-zes as pessoas têm uma visão su-perficial: acham que ecologia é se preocupar com a natureza. Mas não é a mesma coisa. A atenção com a natureza vem sendo trabalhada sempre ao longo do pensamento humano. Não há como desconsi-derar o mundo em que vivemos. O que a ecologia trouxe de grande novidade foi olhar este mundo que a gente chama de natureza como interação, como sendo construído e reconstruído o tempo todo a partir de redes. Ou, para usar uma palavra

Floresta amazônica (acima) e Mata Atlântica (à direita): importância econômica, ambiental e cultural fo

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mais tradicional, de sistemas. Ter um olhar ecológico é ver o mundo como interações, como redes que vão se construindo e se formando. Isto continua sendo, e cada vez mais é, a ponta do conhecimento, seja nas ciências humanas, na história, nas ciências da natureza. As ciências da natureza cada vez mais veem o mundo como movimento: então, se é movimento, como ele consegue existir? Ele existe porque está todo relacionado. A palavra-chave é inte-ração. Essas interações vão cons-truindo sistemas e esses sistemas vão apresentando a vida como ela surge aos nossos olhos.

Senac Ambiental – E como o pen-samento ecológico se desdobra?

José Augusto Pádua – Para se ter uma ideia de como esse pensamen-to pode ser levado longe, um amigo meu costuma dizer que a palavra mais importante dessa visão é “de-pende”. Porque depende do sistema de interações que você está exami-nando. Por exemplo: uma laranja alimenta? A resposta ecológica é

“depende”, pois se você comer uma laranja, certamente sim; mas se co-mer mil laranjas, você morre. Tudo que mata pode curar e o que cura pode matar, dependendo do sistema de interações, que é justamente o que a ecologia traz: a visão sistêmica do mundo.

Senac Ambiental – Dentro da perspectiva de repensar a realidade e os fenômenos, a Amazônia, por exemplo, era vista como celeiro da humanidade, depois passou a ser considerada um dos biomas mais frágeis e, finalmente, tem sido ob-jeto de formas de desenvolvimento altamente questionáveis do ponto de vista ambiental. Como vê a região hoje?

José Augusto Pádua – Quando [o escritor, autor de “Os Sertões”] Eu-clides da Cunha viajou pela Ama-zônia, disse uma frase maravilhosa que é mais ou menos o seguinte: a Amazônia é tão grandiosa, que o pensamento humano tem de crescer junto com ela, tem de se expandir. A região é algo muito inusitado em

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termos da história, porque a sobre-vivência de uma floresta tropical contínua tão gigantesca – apesar de ter sido muito destruída, principal-mente a partir do final do século 20 – aconteceu pelas próprias caracte-rísticas do Brasil, da América do Sul e da história moderna.

O Brasil veio se formando como economia e como sociedade na região do domínio da Mata Atlân-tica, que também era uma floresta gigantesca. Não são 400 milhões de hectares, como a amazônica, mas são 138 milhões. Como observei no meu livro “Um sopro de destruição”, a Mata Atlântica era vista como um oceano sem fim de recursos natu-rais. Essa concentração de Mata Atlântica tem a ver com certas ca-racterísticas importantes da história do país.

Quando começou a criação do Bra-sil como nação, no século 19, o país herdou a totalidade do território da América Portuguesa. Esse território era praticamente do tamanho do nosso território de hoje. Mas ele só existia nos mapas e nos tratados, porque, em termos da ocupação efetiva pelo domínio euro-descen-dente, era mínimo. Quando o Brasil começa a se construir como país independente, a população era algo em torno de quatro milhões de ha-bitantes. Em 1900, eram 17 milhões de habitantes. O território estava dentro dessa unidade política, mas havia apenas manchas de ocupa-ção cercadas por enormes sertões. Isto fez com que a história viesse sempre se desenhando onde essas manchas estavam, e elas foram se ampliando e se conectando.

Quando chegamos ao início do sé-culo 20, na Amazônia e no Centro--Oeste (que é o cerrado, o mundo das Gerais), em cada um desses enormes biomas havia mais ou menos 3% da população brasileira. Eram espaços quase desocupados.

É preciso pensar também nas ca-racterísticas do ciclo da borracha. No momento em que foi encontra-do, no bioma amazônico, aquele elemento muito valioso para a in-dústria nascente, poderia ter havido um desflorestamento brutal. Mas não ocorreu. Isto mostra como a natureza é um agente da história, ela não é passiva. Não fazia sentido cortar a árvore da seringueira para fazer o talho e extrair o látex. Não se podia matar a árvore. E para não morrer ela deveria estar dentro da mata. Então seria altamente contra o negócio da extração da borracha partir para a destruição da flores-ta. Mas manter a vegetação não foi uma decisão econômica do ser humano, a árvore é que apresentou uma característica com a qual o ser humano teve de interagir.

Isso é história ambiental. A nature-za não é um espaço vazio onde a gente faz o que quer. Ela é cheia, viva e está sempre interagindo com os interesses humanos. Por causa disto, chegamos ao início da dé-cada de 1970 com 98% da floresta amazônica em pé. Mas o tratamen-to dessa floresta extraordinária tem sido péssimo. A partir de uma decisão geopolítica na época dos governos militares, começou-se a abrir a região para qualquer tipo de atividade, e a perspectiva era de que aconteceria lá o que ocorreu na Mata Atlântica: foi-se desmatando e colocando gado. Por outro lado, de lá pra cá, o mundo veio mudando.

Um dos temas que estou trabalhan-do hoje é a comparação da história da Mata Atlântica com a da floresta amazônica. No início do século 20, a visão que se tinha de floresta tropi-cal era muito diferente do final deste século. Ela antes era vista como uma selva que ameaçava e passou a ser considerada uma floresta ameaçada. Antes se dizia, em inglês, jungle, sel-va, depois passou a se falar em rain forest, floresta chuvosa.

Extração de combustível fóssil, responsável pela maior parte das emissões de carbono na atmosferafo

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Além de todas as dificuldades que a realidade da região impõe, a mu-dança de mentalidade também vem influenciando. Para chegar ao centro da questão, eu diria que ainda pre-cisamos inventar, como país, o que a Amazônia vai representar em ter-mos econômicos e culturais. Pois, certamente, repetir lá o que fizemos em outras regiões, destruindo ape-nas para criar gado, é algo absurdo e irracional. Ainda mais que existem biomas no Brasil, como as savanas, que são mais propícios à pecuária.

O futuro não é ficar cortando ma-deira. A partir da pesquisa científica, da tecnologia de ponta e do debate com a sociedade que vive lá, apos-tando nos serviços ambientais que a floresta fornece e em atividades como turismo, podemos criar for-mas justas de compensar economi-camente os serviços que a Amazônia nos propicia.

A região não é o pulmão do mundo, como se pensava, mas é um dos grandes ares-condicionados do pla-neta. E isto implica a sustentabilida-de da vida de todos os países. A gen-te pode inventar muitas coisas, só não pode tratar esse tesouro que a história colocou nas nossas mãos de uma forma retrógada. No início do século 21, começou a acontecer uma reversão importante na destruição da Amazônia, mas agora essa rever-são também está muito ameaçada.

Senac Ambiental – Do ponto de vista da sustentabilidade, quais os principais desafios que a humanida-de enfrenta hoje?

José Augusto Pádua – Vejo dois desafios enormes, que não podem ser separados. Um deles é a desi-gualdade e a injustiça, incluindo a má distribuição de renda. O segundo é a sustentabilidade da humanidade, que passa pela manutenção, no má-ximo possível, de uma configuração de temperatura, de presença de ve-getação e de qualidade dos solos.

O planeta vem mudando ao longo do tempo, e aí entra uma ironia: os últimos dez mil anos foram excelen-tes, dentro de um período que na geologia se chamou Holoceno. Foi um período muito bom para a hu-manidade: as condições climáticas, a produtividade dos ecossistemas e outros fatores podem ser considera-dos excelentes.

Às vezes as pessoas reclamam que estamos tendo muitos terremotos e maremotos, mas no passado isso foi bem pior. A ironia é que, a par-tir da civilização urbano- industrial, com o uso dos combustíveis fósseis, iniciou-se um processo que está aju-dando a desestabilizar o melhor mo-mento do planeta para nós. Em vez de tentar manter essas boas con-dições, parte da humanidade está fazendo com que isso vá por água abaixo. Tanto é assim que hoje já se diz – e trabalhei muito isto no Museu do Amanhã – que estamos deixando o Holoceno e entrando numa outra era, o Antropoceno, ou seja: um pe-ríodo em que a humanidade, coleti-vamente, começou a afetar o plane-ta como um todo. Não é que ela vai conseguir destruir a Terra, mas ela afeta a atmosfera, a biosfera...

Poluição na China: situação chega próximo do limite e é um

desafio a ser superado

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Precisamos desesperadamente, nas próximas décadas, equacionar isso: não destruir a fertilidade do solo, as condições climáticas e a oferta de água. E temos outro enorme desa-fio: não adianta trabalhar para man-ter essas condições com a situação da humanidade hoje. As coisas não são separadas. A desagregação do ambiente global está ligada a um hiperconsumo de uma parte da hu-manidade que só pode existir na me-dida em que uma outra parte quase não consome. O que chamamos de justiça ambiental global tem de ser enfrentado junto com a questão da sustentabilidade.

Senac Ambiental – E isto signifi-ca, por exemplo, observar o nível de vida na Europa e comparar com o que se tem na Namíbia.

José Augusto Pádua – Exatamen-te! E como trazer isso para um plano mais concreto, evitando uma visão superficial em torno do desenvolvi-mento sustentável? É preciso que as sociedades que entraram no pata-mar de alto consumo reequacionem,

por exemplo, sua base energética. Elas podem manter uma boa qua-lidade de vida consumindo muito menos energia e recursos naturais. Usando, inclusive, a própria capaci-dade científica e intelectual da pes-quisa universitária, os chamados países desenvolvidos podem fazer uma revolução na eficiência e nos padrões de produção de energia. E devem apostar sempre nas fontes renováveis, além de mudar o sistema de transportes, a construção civil...

É injusto propor um modelo único de desenvolvimento sustentável porque uma parte expressiva da população mundial, para ter uma vida melhor, precisa consumir mais, deve ter o que comer, deve poder estudar e se informar. O ideal, a tal utopia concre-ta, é que o enfrentamento dessa me-lhoria das condições materiais não replique os erros do passado, que já seja feito com base em fontes reno-váveis, pensando nas consequências ecológicas das atividades econômi-cas. E aí podemos chegar a uma hu-manidade mais equilibrada, em que não haja miséria e pobreza tão bru-tais, em que a diferença entre ricos e pobres não seja tão grande, em que os padrões de produção e consumo como um todo permitam a continui-dade dessas condições favoráveis do planeta para o ser humano.

Senac Ambiental – Quais são os seus projetos hoje e o que você está desenvolvendo com suas viagens à China?

José Augusto Pádua – O campo da História Ambiental é muito fértil. Sinto-me muito gratificado por ter participado dele desde o início. Hoje há uma produção de conhecimento nessa área muito grande, uma bus-ca por ir mais adiante. Tanto quem cria as políticas ambientais como os grupos ambientalistas e as pes-soas em geral sentem que a História Ambiental amplia o conhecimento histórico porque coloca o foco no

Fontes limpas de energia, como a eólica, são perspectiva de futuro

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mundo, um elemento que muitas ve-zes tem sido subestimado pela his-toriografia. É uma disciplina que traz o mundo para dentro da história. Na Universidade Federal do Rio de Ja-neiro (UFRJ), por exemplo, temos um Laboratório de História e Natureza muito frequentado por estudantes de graduação e pós-graduação e também por pessoas interessadas. Participamos da Sociedade Latino Americana e Caribenha de Histó-ria Ambiental e estamos dentro de um debate internacional. Em 2016 e 2017, tenho dialogado com colegas da China, onde essa disciplina é bem desenvolvida. Tivemos um encontro no Rio organizado pelo Laboratório da UFRJ com historiadores ambien-tais dos países do Brics*, fazendo um diálogo diferente e abrindo no-vas perspectivas.

Sinto que a China vive hoje uma in-quietação muito grande, na medida em que o país adotou um mode-lo que não foi bem-sucedido, pois não é sustentável. Eles saíram da austeridade do tempo de Mao Tse--Tung e entraram num consumismo desenfreado, replicando padrões ocidentais, principalmente norte-a-

mericanos. E aí os chineses começa-ram a perceber que, em termos de urbanismo, por exemplo, foi péssimo usar o modelo de grandes autoestra-das e shoppings. Isso causou grande poluição e a própria maneira de usu-fruir do consumo está sendo ques-tionada. Então vejo uma inquietação que está causando uma mudança de rumo. Eles têm muitos recursos financeiros, começam a apostar na energia solar e eólica e estão que-rendo refazer as cidades com ciclo-vias e áreas verdes. Ou seja, estão querendo aplicar outros fundamen-tos. Ainda está longe do ideal, mas o lema de crescer a qualquer custo e consumir sempre mais está sendo revisto, pois esse caminho é am-bientalmente suicida e prejudicial à vida humana.

* Brics é uma expressão criada em 2001, formada pelas iniciais de Bra-sil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países que se destacaram pelo rápido crescimento de suas econo-mias em desenvolvimento. Eles não constituem um bloco formal, apenas têm índices de desenvolvimento e si-tuações econômicas parecidas.

Cidades mais verdes: a

necessidade de um novo modelo

de urbanismo

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GEStão Hídrica

Sertanejos revolucionam

gestão da água

No interior do Ceará, sistema gerido por associações de moradores garante o

abastecimento em regiões afetadas pela seca

Cristina Ávila (texto e fotos)

A Terra abraçou o Sol em cinco espeta-culares translações. As luas repetiram ciclos em quase dois mil dias. E a cada minuto o ponteiro do tempo anunciava a pressa da morte na crosta nordestina. No pânico das secas, as estações tropi-cais se ausentaram, sedentas da seiva das plantas e da força dos bichos. Os sertanejos seguiram em procissões de lágrimas ao São José roubado da Lagoa dos Porcos, carregado “daqui pra lá”. O padroeiro sofreu e se apiedou. Dos po-deres dos céus, enxurradas começaram a cair nos fins de janeiro e meados de fevereiro; encheram cacimbas de água e gratidão.

Os cinco anos de secas seriam devas-tadores nas zonas rurais do semiárido cearense, se as chuvas demorassem mais um mês e se uma população de 568 mil pessoas não fosse abastecida pelo trabalho de associações de mora-dores de 1.391 localidades que, de forma coletiva e independente, administram a captação, o tratamento e a distribuição de água nas regiões mais impactadas pe-

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las estiagens no Ceará. As captações são feitas em açudes e poços. Com tarifas básicas mensais em torno de R$ 16 para consumo de 10 mil litros, a população pobre e agricultora, em que grande parte dos velhos é semianalfabeta, consegue bancar o funcionamento do Sistema Integra-do de Saneamento Rural (Sisar), que cumpre rotinas diárias sem depen-der de governador, prefeito, deputa-do, senador ou vereador.

“Na última eleição, um dos políticos eleitos já estava pronto para demi-tir nossos 18 operadores, pensando que eram contratados pelo municí-pio. Tinha oferecido os empregos em promessas de campanha. A gen-te foi explicar que não era assim. Se ele entendeu, não sei. Mas se fez por entendido”, conta Maria Clementina de Oliveira, presidente da Associa-

ção Comunitária de Placa, povoa-do do município de Ocara, man-gando da frustração do sujeito, como dizem os cearenses. O município, a cerca de 100 qui-lômetros da capital, Fortaleza, tem 4.400 ligações de água na

zona rural, representando o mes-mo número de famílias, quase 20

mil pessoas. Oitenta por cento dos habitantes são abastecidos pelo Si-sar e 20% pela Companhia de Água e Esgoto (Cagece) do Governo do Estado do Ceará. Cem por cento dos moradores da zona rural de Ocara, em 32 povoados, são abastecidos pelo Sisar.

O Sistema Integrado de Saneamen-to Rural está presente em 147 mu-nicípios cearenses, de um total de 184, e beneficia cerca de 25% dos 2,1 milhões de habitantes das zonas rurais, por meio de oito unidades--polo localizadas estrategicamente para abranger as 12 bacias hidrográ-ficas do estado, nos municípios de Fortaleza, Sobral, Itapipoca, Crateús, Quixadá, Acopiara, Russas e Juazei-ro. Cada uma é autossustentável e se constitui em uma organização não

governamental autônoma, formada por associações de moradores, com poder de decisão sobre prestação de assistência técnica, controle de qualidade de água e cálculo dos va-lores de tarifas, pagas na rede ban-cária, com código de barras. O con-junto das oito unidades forma uma federação que, conforme os dados globais em fevereiro deste ano, teve faturamento mensal de R$ 1,8 mi-lhão. O primeiro Sisar foi construído em Sobral, em 1996.

Do território do Ceará, 86,8% estão no semiárido, região de secas natu-rais periódicas, onde originalmente predomina o bioma caatinga. Os rios, em grande parte, são intermi-tentes (desaparecem em períodos de estiagem), com solos pouco per-meáveis e sujeitos à erosão. Ao lito-ral, encontra-se a chamada Zona da Mata, com reminiscências da Mata Atlântica. Entrando para o interior, surge o Agreste, área de transição para o Sertão, que abrange o mais profundo do estado. A intensidade solar causticante é uma das carac-terísticas fundamentais do clima e impulsiona a evaporação, deixando que pouca água se infiltre na terra. Segundo a Companhia de Gestão de Recursos Hídricos (Cogerh), vincula-da à Secretaria de Recursos Hídricos do Governo do Estado, a precipita-ção pluviométrica média anual é de 800 mm (distribuída de forma varia-da nos diversos municípios), sendo que 2.000 evaporam. Ou seja: em ge-ral, evapora mais do que chove. Isso indica a necessidade de economizar água e proteger nascentes, pois rios e açudes continuam sofrendo eva-poração, principalmente nas épocas de seca. Assim, entende-se por que o Ceará precisa de chuvas acima da média.

A água é um bem precioso, espe-cialmente no semiárido nordestino. Comparados aos mil litros que um único morador do bairro mais rico de Brasília consome em apenas um dia,

Sobral Luís Azevedo, presidente do Sisar

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os 10 mil litros mensais do consumo básico do Sisar podem parecer pou-co, mas garantem água tratada para uma família beber e cozinhar. Esse volume soma-se ao que é capta-do de chuvas nos telhados das casas e direcionado a cisternas. O abastecimento disponível ao consumo também se amplia com o reaproveitamento das chamadas águas cinzas (cozi-nha, chuveiro, pia do banhei-ro e lavagem de roupas), que passam por filtros orgânicos e servem para alimentar hortas. Essas ações alternativas ainda estão longe de liquidar as de-mandas do Nordeste, mas vêm crescendo e se consolidando há décadas, por políticas públicas de governos e ações promovidas por meio de instituições como a Articu-lação do Semiárido Brasileiro (ASA), uma rede presente nos nove esta-dos da região, com mais de 3.000 organizações não governamentais – sindicatos, associações e entidades como a Cáritas Brasileira, vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – que se especia-lizaram no desenvolvimento de tec-nologias sociais e contribuíram para que os cinco anos de seca não se transformassem em tragédia.

Para serem beneficiados por qual-quer uma dessas ações, os serta-nejos precisam estar vinculados a associações ou cooperativas. E por causa dos processos de organiza-ção, eles assimilaram conceitos de conservação ambiental, valorizando ainda mais os seus conhecimentos tradicionais. Como relatava, no iní-cio de maio, Manoel Belarmino de Souza, 64 anos, nascido e criado no município de Itatira, morador do As-sentamento Umarizeiras, abastecido pelo Sisar da Bacia do Banabuiú, que tem sede no município de Quixadá, a 112 quilômetros de sua casa. Agri-cultor desde os oito anos de idade, ele diz que as chuvas começaram em fevereiro, e chovendo até maio Manoel Belarmino, do Assentamento Umarizeiras, no municipio de Itatira

Volume de água armazenado por bacia

hidrográfica

Ceará

Volume armazenado

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Mandacaru com frutos: embora as chuvas tenham hidratado fartamente a paisagem, o momento é de cautela

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garantiriam a produção de alimen-tos. Na casa dele, por pouco o sis-tema de abastecimento de água não faliu totalmente, na interminável es-pera pela chuva. Hoje as hortaliças estão verdes, a cozinha é farta e os animais estão saciados.

“O que sei de escola é meu nome”, diz ele. “Passou pra agricultura, aí eu entendo, porque é do que eu vivo. E a vida se chama água. Olha o Rio Tatajuba, ele vem da Serra da Itatira. Aqui é só um galho dele, vê como tá atolando. É sinal de grande cheia. É grande chuva que vem ainda por aí. A caatinga sofreu muito. Morreu muito pau-de-madeira, muito pau--branco, mais de 40 pés de coqueiro, não ficou um no assentamento. Aqui tem peba, que é caça do mato, tem tatu, mambira, macaco-cabeça-se-ca, macaco pequeno... A caatinga vai longe. Na parte do rio, é fechada em todo canto, pra não estragar o canal das águas. O povo tá respeitando. Antigamente derrubava tudo. Não se entendia que a madeira na beira dos rios segura as águas. As pessoas aprenderam mesmo, com esses téc-nicos que vivem no mundo fazendo trabalho”.

Como diz seu Manoel, cuidar dos re-cursos naturais é cuidar da vida. Mas não é suficiente. Se aquele tal políti-co, que Maria Clementina conta que foi eleito em Ocara, pudesse fazer seu cabide de emprego para ampliar o poderio local, teria não apenas ti-rado significativo ganha-pão de 18 operadores, mas deixado também muita gente na mão em termos de abastecimento. Evitar os prejuízos da politicagem é uma das vantagens da gestão autônoma. Para entender melhor, basta conhecer um desses operadores do município, que tam-bém é vinculado à unidade-polo de Quixadá. É o Ednardo Alcântara Frei-re, 35 anos, ensino médio completo, eleito operador por sua comunidade, como todos os outros, e responsável pela Estação de Tratamento de Água

do Sisar de Ocara, a ETA-mãe, por onde passam 150 mil litros de água por hora. Ele está sempre atento a tudo. Deve zelar pela limpeza da casa, ver a amperagem dos motores e a energia, trabalhar com os produ-tos químicos, coletar água para veri-ficar a qualidade, lavar e descarregar filtros, entre outras tarefas. Conhece o cérebro eletrônico e o corpo me-cânico da estação. Mas, para isso, são dez anos de trabalho e cursos de eletricidade, bombeiro hidráulico e químico.

Se uma bitola estoura, é preciso ca-var, emendar e conter o vazamento. Ednardo, porém, não resolve tudo sozinho. Os 18 operadores de Oca-ra se comunicam por WhatsApp, montam uma equipe e rapidamente surge a solução. Em pouco tempo, a água chega e aparecem aquelas mãozinhas batendo palmas no apli-cativo. O grupo todo se encontra ao menos bimestralmente, em reunião ordinária de avaliação. E também na missa, na rua, em alguma reunião de família, já que muitos são parentes.

Em seu perfil no Facebook, Ednardo aproveita para pregar um pouco de educação ambiental. “Economizar é fundamental. Há 40 dias, o açude estava a zero. De cortar o coração. Mais um pouco, todo o sistema en-trava em colapso. Não tinha mais água em canto nenhum. Hoje (...), a capacidade do Açude Batente está Ednardo Alcantara,

da ETA de Ocara

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em 22,7% [cerca de três meses de-pois do início das chuvas], com 4,2 metros na altura da escala, mas para sangrar faltam mais 4,8 metros. Com essa cheia, já é possível a captação em 12 horas diárias. Nos períodos de chuva, chega a 16 horas”.

O açude foi construído no curso do rio Piranji, que nasce em Quixadá e deságua no Atlântico. “Tem cota máxima de 50 milhões de metros cúbicos”, ressalta o operador. Em-bora as chuvas tenham hidratado fartamente a paisagem, o momento é de cautela. O período chuvoso se encerra com mananciais baixos. Dos 153 açudes monitorados pela Cogerh no Ceará, 104 estavam com menos de 30% da capacidade, conforme boletim do dia 14 de maio.

Uma vez por mês, Ednardo recebe a visita do agente de Qualidade da Água Didi Francisco Aguiar, do Sisar. Ele está sempre na estrada, percor-rendo os 21 municípios da unidade de Quixadá, que tem um total de 19 mil ligações prediais. O Sisar de Qui-xadá tem 15 anos, e Didi trabalha na ONG há 13. “Sou casca-grossa, nor-destino, adoro o que faço. Conheço tudo e todo mundo. Estou todo dia nas áreas rurais. Nosso slogan não poderia ser ‘a água é nossa’, porque seria egoísta, mas podemos dizer que temos água muito bem cuida-da”. Uma das tarefas de Didi é levar amostras de cada uma das estações de tratamento, uma vez por mês, para serem analisadas no laborató-rio da Cagece. Detalhe: a análise é paga pelo Sisar.

Entre as oito unidades-polo do Sisar, Quixadá é a que tem a maior exten-são territorial, com uma equipe de 17 funcionários, entre trabalhadores de níveis médio e superior, que contam com um almoxarifado cheio para to-das as emergências e uma frota com quatro carros e três motocicletas. Na ponta, os operadores são volun-tários; recebem uma ajuda de custo

que consta como um dos itens das contas de água. O valor total que recebem depende do tamanho da comunidade vinculada à estação de tratamento. Em geral, fica entre R$ 600 e dois salários mínimos. Essa é uma das estratégias que fazem o Sisar funcionar: muito voluntariado. As associações de moradores têm suas atividades individuais e tarefas voluntárias no coletivo do sistema de abastecimento. Outra vantagem é que essas são ONGs que não têm dono, e todo dinheiro destinado à gestão provém das contas de água.

Para se ter ideia do nível de orga-nização, conta-se que um dos mo-toqueiros contratados pelo Sisar morreu em acidente de trânsito e a viúva foi reclamar indenização que ia além dos direitos já recebidos. Na audiência, o representante da associação dos moradores disse ao juiz que o funcionário não teria di-reitos a mais, pois estava em alta velocidade, fora da rota e do horário de jornada. Habituado a malfeitos patronais, o juiz perguntou como o Sisar poderia provar isso. Ao que seu representante puxou da pasta todas as informações rastreadas por satélite. O juiz não se conteve e co-mentou que raras são as empresas privadas tão organizadas. Além de serem rastreados, todos os veículos são segurados.

Embora grande parte das gerações mais velhas de sertanejos das zonas rurais seja de interioranos que não tiveram oportunidade de frequentar a escola, as lideranças mais jovens geralmente têm o ensino médio e ex-periências de vida que fazem enor-me diferença. A presidente da As-sociação de Moradores de Placa da Ocara é um exemplo. Maria Clemen-tina completou o ensino médio, tem curso técnico de contabilidade e é funcionária pública aposentada. Mas a história dela começa com dona Ze-finha, a mãe, que morreu há 21 anos. Rezava terço e novenas, lia recei-

Maria Clementina, presidente da Associação Comunitária de Placa, povoado do município de Ocara, e seu pai, Cícero de Oliveira

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tuários médicos para a vizinhança, foi professora, escrevia cartas para quem pedisse, foi telefonista –quan-do o telefone era instalado na casa dela e funcionava com pilhas –, ba-talhava pelos carros-pipa nos anos de seca e ficava ao redor da cacimba para garantir que todos recebessem quantidades de água adequadas ao número de filhos.

Dona Zefinha era mulher de Cícero, o Seu Oliveira, hoje com “86 anos e mais um bocado de meses”. Ele tinha um comércio de cereais e ela era livre para fazer seus trabalhos na comunidade. “O que ela fizesse esta-va feito”, diz ele. “Comigo não tinha isso de querer controlar”. A herança do casal foi o traço forte na perso-nalidade de Maria Clementina. “Tam-bém fui professora por dez anos e fui telefonista. E aprendi muito em dez anos de Sisar. Tanto a parte técnica como no convívio com o povo, que não é fácil”.

Outra característica que faz o Sisar funcionar é que tudo acontece per-tinho. “Se algum boi pulou a cerca? Claro que sim”, debocha Maria Cle-mentina. “Temos uma taxa adminis-trativa que fica para a associação de moradores, e o presidente era candi-dato às eleições no município. Quan-do se viu, a taxa tinha sumido. A co-munidade espalhou. Um falou pro outro, foi um fuá. O presidente che-gou a pedir pelo amor de Deus que ninguém fizesse nada. Assim como nós, ele também era referência na comunidade. E se queimou. Queria adentrar o mundo da política, mas desistiu. Aqui cada um é fiscal do outro, e a comunidade é o patrão”.

Mas nem todos os lugares têm uma ETA como a de Ocara. Há localida-des em que o sistema é minúsculo, como em Espinheira, distrito de Quixadá, onde há 94 casas. Um dos moradores é o agricultor Genésio Nascimento, que participou do pro-jeto de criação do sistema, há uns 15

anos, cavou poço e assumiu diversas funções no Sisar. Na comunidade, os produtos químicos de tratamento da água são do tamanho de torrões de açúcar, quando em outros lugares são galões de 20 litros. Mas o resul-tado é sempre gigante. “Se não fosse essa água, eu não vivia mais aqui”, diz José Arruda, 67 anos. No po-voado de Espinheira, o conflito por água gerava quase morte. “Tem até aleijado de brigar de foice”, conta a mulher dele, Maria Lúcia.

As organizações sertanejas, no en-tanto, não substituem o Estado nas obrigações constitucionais de aten-der ao abastecimento de água para o consumo humano e dessedentação dos animais. E foi cumprindo a le-gislação que nos anos 90 o Governo do Estado tomou um empréstimo do KfW, o banco de cooperação alemão, para a construção da infraestrutura da primeira unidade-polo do Sisar, em Sobral. Os alemães impuseram a condição de que fosse criado um modelo de gestão para evitar que as obras fossem abandonadas depois de prontas, e assim eles próprios auxiliaram na criação desse modelo.

Hoje o Sisar tem sede própria em Sobral, cidade com 200 mil habi-tantes, centro universitário e uma das mais importantes economias do Ceará. A estrutura tem capacidade para reunir associados em um audi-tório refrigerado com 150 poltronas e nas salas de reuniões com telões e equipamentos de projeção de ima-gens. Há dois anos, conta também com uma oficina onde são feitos consertos de peças e construídos artefatos antes encomendados a terceiros, como flutuantes onde são instalados coletores de água nos açudes ou escadas metálicas fixadas nas altas caixas d’água comunitárias. O atendimento diário é intenso. O almoxarifado parece uma loja. So-mente de produtos químicos para o tratamento de água sai dali todos os meses o equivalente a R$ 25 mil,

Genésio Nascimento participou do projeto de

criação do Sisar e assumiu diversas funções

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além de outros R$ 30 mil que ingres-sam por meio da disponibilização de hidrômetros para novos usuários. O estoque tem peças para resolver todos os problemas do sistema, que integra 31 municípios da bacia hidro-gráfica do rio Acaraú, beneficiando 114 mil moradores das zonas rurais. O faturamento da unidade superou R$ 3 milhões em 2016.

É em Sobral que está o mais antigo funcionário do Sisar no estado, con-tratado em 1996. Ele é responsável pela parte mais chata e importante para a sobrevivência do sistema: a cobrança de inadimplentes. “Se não cobrar, ninguém paga”, sentencia José Neutan Costa, que tem 70 anos e dis-posição para a ronda diária. “Mas já foi pior. Naquela época, era sangue quente, cheguei a enfrentar faca! Mas o povo foi aprendendo, foi como um treinamento. As pessoas entenderam e aprenderam até a economizar por causa da seca. Porque também tem multa, dói no bolso. Às vezes ainda tem gente que vem reclamar porque a

Açude Choró Limão, no município de Choró: as captações são feitas em açudes e poços

conta veio mais alta. Tenho que expli-car, perguntar... Mas o bom é que no Sisar se pode negociar o pagamento, e até tem caso em que se consegue baixar um pouco a conta”.

O presidente do Sisar de Sobral, Luís Azevedo de Lima, concorda que a consciência a respeito da grandiosi-dade do que fazem ainda não está clara para grande parte dos usuários. Essa inovação tem chamado atenção de outros estados brasileiros e de es-trangeiros que visitam as áreas rurais para conhecer o modelo de gestão, mas a maior parte dos consumido-res não tem conhecimento sobre o trajeto que a água percorre até che-gar à torneira. “Já tivemos o Projeto Mais Vida, para palestras em escolas e nas comunidades, mas os anos de seca trouxeram outras emergências”, justifica Luís. Ele é presidente da As-sociação Comunitária dos Moradores do Distrito de Missi, no município de Irauçuba, e seu interesse por as-suntos sociais começou com a par-ticipação em movimentos da igreja

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Em Espinheira, distrito de Quixadá, produtos químicos para tratamento de água são do tamanho de torrões de açúcar

católica, há uns 20 anos. Depois, foi operador voluntário. No ano passado representou o Ceará em um encontro internacional de saneamento rural no Panamá e está sempre ligado nos fó-runs que tratam do assunto.

Os moradores do semiárido cami-nham com os próprios pés, mas não podem dispensar acompanhamentos externos, que contribuem para o bom encaminhamento das iniciativas. O Conselho Administrativo é compos-to por onze membros, sendo cinco indicados por Cagece, Secretaria de Meio Ambiente, Secretaria de Recur-sos Hídricos, Secretaria de Desenvol-vimento Agrário e prefeituras, e ou-tros seis eleitos em assembleia geral das associações filiadas. O Conselho – responsável pela fiscalização con-tábil, financeira, legal, orçamentária e funcional é composto por três mem-bros efetivos e três suplentes, eleitos entre os representantes das associa-ções filiadas presentes na assembleia geral, onde os usuários têm direito a voz. Na Cagece, a Gerência de Sa-

neamento Rural (Gesar) foi criada em 1999, com a tarefa de capacitar as comunida-des para a gestão, além de oferecer padrão técnico e ter direcionado as obras de sete das oito unidades do Sisar. Muita gente se dedica para que o Sisar continue dando certo.

Porque é assim que sonha Maria Neusa, a presidente do Grupo Comunitário da Lagoa dos Porcos, em Ara-cati, consumidora do Sisar há dois anos. “Eu gritei na-

quele dia. Quando vi a água chegando, pulei de alegria.

Vou lá botar o mesmo vestido, pra você ver como foi”. E ela vai.

E volta derramando água, tomando banho vestida no meio da cozinha. “Durmo sossegada agora. A água é ouro”. A senhora vivia o martírio de procurar água em cacimbas, cami-nhando, carregando lata na cabeça e vasilhas enganchadas no corpo – realidade que ainda persiste em di-versos pontos do Ceará e de todo o Nordeste.

Como uma melodia de Caymmi que se alonga em adoração ao mar, os sertanejos enchem o coração de amores pelas chuvas, que em certos anos regam apenas os desejos e la-mentos de Maria Neusa. “Meu divino São José / pela cruz que traz na mão / nem de fome, nem de sede, não matais teus filhos, não”, ela canta. E mostra a imagem: “Olha aqui o san-to. Eu roubei da Dona Carmo, vizi-nha da Lagoa do Ferreira”, sussurra.

É tradição cearense. A cada 19 de março, São José volta para o dono ou a dona, enfeitado de flores, car-regado em andor, festejado depois de ter sido raptado de casa. Quando chove no dia do padroeiro, o inverno é sempre bom.

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notaS

O rompimento da barragem de Fun-dão, em Mariana (MG), há dois anos, ainda produz enormes danos am-bientais e sociais. A punição aos cul-pados, contudo, ainda deve demorar. No início de agosto, a Justiça Federal decidiu suspender o processo crimi-nal contra os diretores da mineradora responsável pela barragem, a Samar-co, subsidiária da brasileira Vale e da anglo-australiana BHP Billiton. A de-fesa de Ricardo Vescovi, presidente da empresa na época da tragédia, e Kleber Terra, diretor de Operações, sustenta que provas ilícitas teriam sido utilizadas no processo em que figuram, juntamente com outras 19 pessoas, como réus por homicídio com dolo eventual – em que os acu-sados, mesmo sem terem intenção, assumem o risco de provocar o crime.

Bebê seco, solo úmidoFraldas descartáveis são um pro-blema ambiental, pois levam quase meio século para se decompor na natureza. Porém o Instituto Federal do Ceará (IFCE) encontrou uma nova aplicação para o gel usado nesse produto para reter líquido e manter os bebês secos por mais tempo. Alu-nos dos cursos de Engenharia Am-biental e Química vêm trabalhando em um projeto que reaproveita essa substância na agricultura no semiári-do, uma vez que as suas caracterís-ticas podem ajudar a reter a água no solo, conservando a umidade para o plantio. A retirada do gel é feita ma-nualmente e os microrganismos são eliminados com a ajuda de um forno solar. Com essa iniciativa, os agri-cultores podem reduzir seus custos com irrigação e fertilizantes. Mais informações em bit.ly/gelfraldas.

Clima ruimQuase 60 mil pessoas poderão mor-rer até 2030 em consequência das mudanças climáticas: é o que afirma estudo realizado na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Uni-dos, e publicado em julho pela revis-ta Nature Climate Change. De acor-do com o professor Jason West, que liderou o grupo de pesquisadores

Dezenove pessoas morreram e 40 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo foram atingidos pela lama tóxica que tomou conta do Rio Doce. Ainda hoje, dois anos depois, a água permanece contaminada por rejeitos de minério.

O juiz Jacques Ferreira, da comarca de Ponte Nova (MG), considerou que o processo deve permanecer sus-penso até que se confirme se, como alega a defesa, a Polícia Federal e o Ministério Público teriam utilizado escutas telefônicas obtidas fora do período autorizado pela Justiça.

A paralisação não interfere nos pro-cessos civis de reparação ambiental e indenizações contra a Samarco e suas controladoras, que prosseguem normalmente.

Lama

responsável pelo estudo, o aumen-to da concentração de poluentes provocado pelas mudanças climá-ticas terá um impacto profundo na qualidade do ar.

O estudo (em inglês) pode ser aces-sado em bit.ly/estudoclimanature, mas a versão integral está disponível somente para assinantes da Nature Climate Change.

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notaS

Nações (indígenas) Unidas

Polêmica no ar

O ar que respira-mos será muito melhor quando toda a frota de automóveis for com-posta por veículos elé-tricos, correto? Em artigo publicado no jornal britânico The Guardian, o cientista Gary Fuller, especialista em poluição do ar do King’s College London, diz que tal-vez não seja bem assim.

Fuller afirma que os carros elétri-cos também liberam partículas po-luentes geradas pelo desgaste da borracha dos pneus, dos freios e do revestimento das próprias ruas

Brasil adere a acordo global contra o

mercúrioEntrou em vigor no dia 16 de agos-to a Convenção de Minamata sobre Mercúrio, que estabelece controles rígidos para o uso dessa substância em todo o mundo. O Brasil aderiu formalmente ao acordo, o que cre-dencia o país a participar da Confe-rência das Partes das Nações Uni-das sobre o tema, marcada para o período de 24 a 29 de setembro, em Genebra, na Suíça.

Utilizado na siderurgia e na minera-ção artesanal de ouro, encontrado em termômetros, lâmpadas fluores-centes e baterias, o mercúrio é um elemento químico extremamente danoso à saúde e ao meio ambien-te. E foi a cidade japonesa de Mina-mata o cenário de um acontecimen-to que mostra sua letalidade. Quase 3 mil pessoas foram intoxicadas, das quais 700 morreram, em função de envenenamento provocado pela ação irresponsável de uma empresa local que despejava a substância no mar. A tragédia vitimou principal-mente famílias de pescadores, que se alimentavam dos peixes conta-minados.

A Convenção de Minamata está disponível, em seis idiomas (inglês, francês, espanhol, árabe, chinês e russo), em bit.ly/convencaomercurio.

Em carta enviada no início de agosto à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA), um grupo formado por 48 entidades indígenas brasileiras pede às duas instituições que cobrem do governo brasileiro, na próxima reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o respeito à integridade física e cultural dos povos indígenas.

As entidades que subscrevem o documento afirmam que medidas adota-das recentemente pelo governo brasileiro violam direitos dos povos indí-genas, comprometendo seu futuro e sua cultura.

Na carta, o grupo acusa o poder público federal de omissão e diz que há uma postura “intencional e declarada de tratar as questões indígenas com discriminação, descumprindo leis e compromissos internacionais, sem espaço para diálogo ou participação dos povos indígenas nos processos decisórios”. A carta pode ser lida em bit.ly/cartaindigenas.

e estradas. Além disso, acrescenta, é preciso consi-derar que a ge-ração de energia elétrica também

emite carbono.

“Podemos ser mais ambiciosos”, diz Ful-

ler. Como um quarto das viagens de automóvel feitas na In-glaterra envolve trajetos de aproxi-madamente três quilômetros, ele su-gere que, em vez de substituir toda a frota, invista-se em campanhas para incentivar as pessoas a fazerem es-ses percursos a pé ou de bicicleta. Segundo ele, isso representaria uma economia de cerca de 70 bilhões de reais nas próximas duas décadas.

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Coral-sol: um dos vilões

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capa

Bioinvasão por terra e pelo mar

Espécies não nativas proliferam e tornam-se pragas, provocando danos ambientais

e econômicos

Francisco Luiz Noel

Um porco-do-mato nativo da Euro-pa, um coral procedente do mar da Ásia e um molusco de água doce também originário desse continente. Além desses “estrangeiros”, o javali, o coral-sol e o mexilhão dourado compartilham a condição de vilões que estão alterando ecossistemas e espalhando danos na economia. Os três encabeçam uma lista de indese-jáveis definidos pelos ambientalistas como espécies invasoras, que se so-brepõem às locais e proliferam em ritmo de praga, como efeito colateral da globalização.

Por trás dessas três ameaças ecoló-gicas, alvos prioritários do Ministério do Meio Ambiente, estão centenas de espécies de animais e plantas exóticas com potencial invasor em terra, nos corpos de água doce e no mar. Embora faltem dados precisos, as informações disponíveis dão ideia do tamanho do problema, chama-do pelos biólogos de bioinvasão. O ministério considera, com base em levantamento fechado em 2006, que mais de 400 espécies saídas de ou-tros países interagem em ambientes naturais com a fauna e a flora bra-sileiras.fo

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Esse mapeamento, denominado In-forme Nacional sobre Espécies Exó-ticas Invasoras, vem sendo publica-do desde 2009, quando o Ministério do Meio Ambiente instituiu uma es-tratégia para enfrentar o problema. Em terra, 64 animais e 136 plantas foram apontados como invasores potenciais ou consumados. Além do javali (Sus scrofa), que tem o abate autorizado desde 2013 pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Iba-ma), outros indesejáveis são o cara-col-gigante-africano (Achatina fulica) e os capins annoni (Eragrostis plana) e gordura (Melinis minutiflora).

Nos rios, lagos, reservatórios e ou-tros corpos de água doce, o número de espécies com potencial invasor chega a 163 – entre elas, 36 da fau-na, 13 da flora e uma bactéria apon-tadas como invasoras –, aí incluídos o mexilhão dourado (Limnoperna fortunei) e a tilápia (Oreochromis niloticus). Outras 98 espécies exó-ticas representam risco de invasão

no ambiente marinho, das quais seis animais e uma espécie vegetal tor-naram-se invasoras, como o coral--sol (Tubastraea coccinea e também Tubastraea tagusensis).

O avanço da bioinvasão não poupa áreas protegidas em unidades de conservação ambiental. Em inven-tário concluído em 2014, o Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio) registrou a presença de 144 espécies exóticas invasoras em 313 unidades. Entre es-sas ameaças estavam 106 plantas, 11 peixes e 11 mamíferos, além de mo-luscos, répteis e insetos.

Problema globalEmbora remonte aos primórdios da humanidade, tendo tomado impul-so com a expansão europeia desde o século 15, a migração de espécies por força da ação antrópica alcançou dimensão de problema no século 20, com a integração global. Em vários países, a difusão voluntária e aciden-

Em corpos de água doce, chega a 163 o número de espécies com potencial invasor – e a tilápia é uma delasfo

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tal de plantas, animais e micro-orga-nismos fora das fronteiras naturais tornou-se motivo de apreensão, por causar estragos a outros ecossiste-mas e prejudicar a oferta de recursos naturais, afetando, em muitos casos, a saúde pública e a economia.

Preocupação de governos, ambien-talistas e grupos sociais prejudi-cados, o tema ganhou status de questão global em 1992, na Con-ferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), realizada no Rio de Janeiro. No encontro, representantes de 180 países aprovaram a Convenção so-bre Diversidade Biológica (CDB), que abordou de forma explícita o risco representado pelas espécies exóti-cas, definidas como aquelas que se encontram fora de sua área de distri-buição natural.

A invasão biológica é consumada quando uma espécie exótica passa a prevalecer sobre outra nativa. O Pro-grama Global de Espécies Invasoras (Gisp, na sigla em inglês), criado pela ONU em 1996, conceitua a bioin-vasão como o fenômeno em que a aquisição de vantagem competitiva por parte de uma espécie de animal, planta ou micro-organismo exótico tem como consequência o seu domí-nio sobre o ecossistema em que foi introduzida, em face da inexistência ou do desaparecimento de obstácu-los naturais à sua proliferação.

Os estragos da bioinvasão têm sido grandes pelo planeta afora. Cientis-tas estimam, avalizados pelo Gisp, que 39% das espécies da fauna ex-tintas por causas desconhecidas desde 1600 foram vítimas de invaso-ras. De lá para cá, em todo o globo, 480 mil espécies de animais, plantas e micro-organismos foram transla-dadas para fora de seus habitats – parte delas tornando-se pragas. Do total, 120 mil aportaram nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na Austrá-lia, na Índia, na África do Sul e no Brasil.

Foco nacional

O tema das es-pécies invasoras é tratado pelo país desde a cria-ção, em 1994, do Programa Nacional da Diversidade Biológica (Pronabio), no Ministério do Meio Ambiente. Como signatário da CDB, o Brasil tem o compromisso de relatar ao Gisp, de quatro em quatro anos, as ações em defesa da biodi-versidade. Lançado o relatório inau-gural, em 1998, a primeira reunião sobre a bioinvasão foi promovida em 2001, na capital federal, pelo mi-nistério e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Dois anos depois do evento, que contou com participantes dos Es-tados Unidos e de países sul-a-mericanos, o Pronabio deu lugar à Comissão Nacional da Biodiversida-de (Conabio), que abriga a Câmara Técnica Permanente sobre Espécies Exóticas Invasoras desde 2006, ano em que o Ministério do Meio Am-biente concluiu o primeiro informe nacional sobre a ameaça. Passa-dos três anos, a Conabio aprovou, elaborada pela Câmara Técnica, a

O caracol-gigante-africano chegou

acidentalmente ao Brasil no interior

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Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras.

A estratégia prevê a adoção de po-líticas e mecanismos legais contra as invasoras, junto com medidas de prevenção, mitigação, controle e er-radicação, ações de conscientização e pesquisa. Em 2016, no 5º Relatório Nacional para a Convenção sobre Diversidade Biológica, o Ministério do Meio Ambiente reconheceu que, embora o Brasil tenha avançado, “é necessário aumentar os esforços para completar a estrutura legal e política, assim como para tratar efe-tivamente dos impactos causados pelas espécies invasoras”.

No contexto dos compromissos com a CDB, o combate à bioinvasão é contemplado nas Metas Nacio-nais de Biodiversidade para 2020, formuladas pela Conabio há quatro anos. “Até 2020”, prevê a Meta 9, “a Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras deverá estar to-talmente implementada, com par-ticipação e comprometimento dos estados e com a formulação de uma Política Nacional, garantindo o diag-nóstico atualizado e continuado das espécies e a efetividade dos Planos de Ação de Prevenção, Contenção, Controle”.

O governo priorizou, no Plano Pluria-nual 2016-2019, o controle do javali, do coral-sol e do mexilhão doura-do, que representam ameaças mais graves. “É uma das nossas linhas de ação”, afirma, no Ministério do Meio Ambiente, o diretor do Depar-tamento de Conservação e Manejo de Espécies, Ugo Vercillo. “Outras linhas são o desenvolvimento de um sistema de alerta e detecção preco-ce de espécies exóticas invasoras e a atualização e implementação da estratégia e do plano de ação nacio-nais para essas espécies”.

Em 2016, o ministério elaborou o Plano Nacional de Prevenção, Con-trole e Monitoramento do Javali, com

o Ibama, o ICMBio e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-mento. O trabalho foi precedido de diagnóstico da invasão da espécie no país, seminário técnico, oficina de planejamento e consulta pública do plano, que será conduzido pelo Ibama e pela pasta de Agricultura, devido aos estragos que o javali vem causando à agropecuária, sobretudo no Rio Grande do Sul, em Santa Ca-tarina, Paraná e São Paulo.

Para pôr em prática o Plano Javali, diz o coordenador de Fauna e Re-cursos Pesqueiros do Ibama, João Pessoa Riograndense, o instituto vai promover reuniões nos estados para detalhar ações, com prioridade para a Região Sul, onde a bioinvasão é crítica. “O javali é de rápida dissemi-nação, por não ter predador natural no Brasil”, ele observa, descartando a possibilidade de erradicação. “O que queremos é controlar e mitigar os danos”. A elaboração dos planos para o coral-sol e o mexihão doura-do ainda está na fase inicial.

Javali na miraAs primeiras notícias sobre a pre-sença do javali no país surgiram no sudoeste do Rio Grande do Sul, nos anos 1980. Durante uma seca que baixou o nível do Rio Jaguarão, na fronteira com o Uruguai, animais confinados em uma estação uru-guaia de caça teriam atravessado as águas até o município de Herval, de onde proliferaram pelo Pampa, arra-sando lavouras. Em 1996, por três meses, o abate em municípios gaú-chos foi autorizado pelo Ibama, que voltou a permiti-lo em 2002 e 2004.

Os agricultores não deixam de ter motivos para tachar de praga o in-vasor. Porco-do-mato com dieta generalista, o javali vive em grupos que, na busca por alimento, fuçam o solo por onde passam, deixan-do para trás lavouras destruídas, nascentes soterradas e pequenos

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cursos d’água obstruídos. Além de arrasar plantações, ele interage com espécies nativas dos reinos animal e vegetal, altera ecossistemas e é vetor de doenças como febre aftosa, bru-celose e leptospirose, por ter conta-to com criações de suínos e bovinos.

No caso da fauna brasileira, os trans-tornos causados pelo javali têm sido registrados por biólogos do ICMBio e de outras organizações ambien-tais. No Parque Nacional de Itatiaia, divisa de Rio de Janeiro, Minas Ge-rais e São Paulo, o invasor prejudica moradores como o sapo flamengui-nho (Melanophryniscus moreirae), que existe apenas na região, por destruir alagados com girinos. No Pampa, o javali preda ninhos de ema. E em vários biomas, muda o comportamento dos porcos-do-ma-to queixada e caititu.

A invasão do javali Brasil afora, po-rém, decorreu menos da penetração via Rio Jaguarão e muito mais da ação humana. Nos anos 1990, esti-mulados pela propaganda de lucros

à custa do cruzamento do javali com o porco doméstico, criadores de suínos no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste importaram matrizes europeias e norte-americanas da es-pécie Sus scrofa para inseminar seus plantéis. A expectativa de produzir animais com mais peso e mais valor não se tornou, contudo, realidade comercial, legando ao país o proble-ma atual.

“Não se cumpriu, para os criadores, a promessa de ganhar muito dinhei-ro com um animal rústico que diziam ser produtivo e de carne valorizada”, resume o agrônomo Rafael Salerno, coordenador do movimento Aqui Tem Javali, integrado por caçadores do animal de norte a sul do país. “Os produtores também passaram a ser pressionados pelo Ibama com exi-gências como marcação de animais e reforços de cerca, e começaram a se desfazer dos plantéis, ao mesmo tempo que houve escapes”.

O resultado do malogro econômi-co e da negligência ambiental foi a

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invasão de áreas naturais por java-lis e outros Sus scrofa gerados pe-los cruzamentos. Preocupante em vários estados desde a segunda metade dos anos 1990, o problema ampliou o significado do termo java-li, que passou a denominar também os animais híbridos, de muitas mis-turas, que se tornaram selvagens. Entre eles estão o javaporco e os java-monteiro, cria do javali com o porco-monteiro, invasor antigo que se limita a áreas do Pantanal.

Os animais dessa fauna invasora são chamados de suídeos asselvajados por biólogos, ambientalistas e caça-dores – e classificados como “con-troladores” ou “manejadores” pela legislação brasileira, que não autori-za a caça e permite o abate apenas como forma de controle demográ-fico de uma espécie. Com base no trabalho à frente do Aqui Tem Javali, fundado em 2009 em Minas Gerais, Rafael Salerno estima que os suí-deos asselvajados sejam mais de dois milhões no país, espalhados por todos os estados.

Em seminário do Ibama sobre o problema, no ano passado, o pes-quisador Felipe Pedrosa, da Uni-versidade Estadual de São Paulo (Unesp), relatou a presença do javali e de assemelhados em 472 municí-pios – 253 no Sudeste, 135 no Sul, 75 no Centro-Oeste e 9 no Nor-deste, segundo dados do Aqui Tem Javali e de organismos ambientais. Como a nocividade da espécie de-pende da densidade populacional, ele frisou: “O que a gente quer é um limiar ecológica e economicamente aceitável–, já que a erradicação é considerada impossível.

Números irreaisNo combate ao javali, o Ibama já concedeu mais de 23 mil licenças de controlador ou manejador. As licen-ças para abate do animal são con-dicionadas a requisitos como habili-

tação do Exército para uso de arma pesada – entre elas, espingardas, carabinas e fuzis –, comunicação prévia do local de ação e relatório posterior das atividades. Pelos regis-tros do instituto, sete mil suídeos as-selvajados foram mortos desde 2013.

“Sabemos que o número é ínfimo em relação à quantidade de mane-jadores”, reconhece, no Ibama, João Pessoa Riograndense. Ele se queixa de que muitos autorizados não apre-sentam relatórios. Para o agrônomo Rafael Salerno, as estatísticas de au-torizações e abates do instituto não têm correspondência com a realida-de. “Na página do Aqui Tem Javali no Facebook, há 140 mil seguidores”, diz. “Temos uma rede no WhatsApp com mais de 1,5 mil líderes de gru-pos. Só um grupo abate mais de 300 javalis por ano”.

Controladores e Ibama estão em campos distintos. “Há desvios que precisam ser mais bem controlados e fiscalizados”, diz Riograndense, que aposta na parceria com o Mi-nistério da Agricultura e os estados para tocar o plano de combate. “O Ibama não vai conseguir contro-lar sozinho o javali e o manejador”, avisa. Salerno, defensor do fim das exigências para o abate, afirma que grande parte dos controladores – trabalhadores de fazendas, com baixa instrução e poucos recursos –não tem como atendê-las.

Flagrante desse embate ocorreu no mês de março, em Paracatu, nor-te mineiro, onde o Ibama autuou e multou participantes de um grupo – entre eles, o próprio Salerno – que caçava javalis à margem das normas legais. Além de não terem informado previamente a atividade, os contro-ladores usavam dois cães de agarre, que atacam a presa – violência en-quadrada pela lei ambiental como maus tratos. Um revólver sem regis-tro foi apreendido com o grupo, que tinha três rapazes com menos de 18 anos entre os integrantes.

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Mexilhão asiáticoDos rios da China e do sudoeste asiático, onde vive em equilíbrio natural, o mexilhão dourado che-gou ao continente nos anos 1990, nas águas de lastro descarregadas por navios mercantes em portos ar-gentinos do Rio da Prata. Espalhan-do-se por outros rios da Argentina e de países vizinhos, a espécie foi detectada pela primeira vez no Bra-sil em 1999, no Rio Grande do Sul. De lá para cá, infestou rios como Guaíba, Paraguai e Paraná, avançou ao Pantanal, subiu ao Tietê, em São Paulo, e atingiu o São Francisco, na Bahia.

O invasor tem alto poder reprodu-tivo e vive em colônias com até 40 mil indivíduos por metro quadrado, gerando danos a ecossistemas e à economia, sobretudo em hidrelé-tricas. “A situação é incontrolável. Ninguém teve culpa pela chegada do mexilhão dourado aqui, pois, com a globalização, a navegação é intensa. Mas não tínhamos como saber que a espécie seria tão agres-siva”, afirma a bioinformata Marcela Uliano da Silva, que sequenciou o genoma da espécie em sua tese de doutorado, no Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Por obstruir tubulações, filtros e equipamentos das hidrelétricas, o molusco asiático tornou-se proble-ma permanente para companhias como Itaipu Binacional, Furnas Centrais Elétricas, a gaúcha Copel, a paulista Cesp a mineira Cemig e a nordestina Chesf, que está às voltas com a chegada do molusco, pelo São Francisco, ao reservatório da hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia. A espécie também obstrui sistemas de captação e canalização de concessionárias de água e, por modificar ecossistemas aquáticos, prejudica a pesca artesanal em al-guns lugares.

Exemplo do problema no setor elé-trico está na Cemig, que informa ter investido mais de R$ 10 milhões, desde 2010, em pesquisas sobre o mexilhão. A empresa combate a proliferação do molusco nos reser-vatórios de três usinas no Rio Gran-de e de duas no Paranaíba. Nas áreas de infestação, os cuidados são redobrados com equipamen-tos, embarcações e tanques-redes de piscicultura, que podem ser afundados pelo peso das colônias, às vezes tão cerradas que põem em risco a circulação de água entre o exterior e o interior das redes.

O mexilhão dourado ganhou rios brasileiros não somente por água, mas sobretudo por terra, em cascos e equipamentos de barcos trans-portados em rodovias por prati-cantes da pesca esportiva. Para conscientizá-los, Furnas lançou em 2007 a campanha “Não dê carona ao mexilhão”. Dois anos antes, a fim de evitar a chegada do molusco à

Mexilhão dourado

foto: Luciano de Souza, domínio público

Mexilhão Courbicula

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Amazônia, a Marinha havia baixado norma (a Norma da Autoridade Ma-rítima nº 20) que disciplina a des-carga de água de lastro antes de os navios entrarem no Rio Amazonas.

O molusco asiático difundiu-se no Brasil e em países vizinhos graças a fatores como as condições climá-ticas e a falta de inimigos naturais. “Na China, o mexilhão dourado se reproduz no verão, mas na Améri-ca do Sul, onde as águas são mais quentes, ele desova durante o ano inteiro, reproduzindo-se continua-mente”, explica Marcela Uliano da Silva. Embora vários tipos de peixe se alimentem do mexilhão, eles têm capacidade de predação menor do que o ritmo de proliferação do mo-lusco.

Impacto ecológicoPela agressividade com que invade e altera o ambiente, o mexilhão dou-rado é considerado pelos biólogos um “engenheiro de ecossistemas”, segundo a bioinformata Marcela. Um dos efeitos dessa bioinvasão pode ser o aumento da lumino-sidade do meio aquático, já que o molusco se alimenta de micro-orga-nismos vegetais (fitoplânctons) por meio da filtração de grandes volu-mes de água. Outro impacto pode ser a proliferação de cianobactérias, que dão aspecto esverdeado à água e produzem toxinas capazes de afe-tar a biodiversidade.

“Os ecólogos dizem de forma unâ-nime que o mexilhão dourado ho-mogeneíza o ambiente, que fica menos biodiverso, pois a presença dele é muito marcante, por se re-produzir muito”, afirma Marcela. No Rio da Prata, ela assinala, um dos impactos da bioinvasão observa-dos por ecólogos argentinos foi o aumento da população de alguns peixes, pois o molusco representa mais um alimento. Como os peixes também predam outras espécies, o

fenômeno gera alterações em ca-deia no ecossistema.

No caso dos transtornos no setor elétrico, as companhias vêm com-batendo a proliferação do mexilhão dourado por meio da retirada mecâ-nica das colônias – atividade tornada permanente às operações. A busca de solução mais eficaz para o pro-blema passa, porém, pela aposta na biotecnologia, feita pela filial brasi-leira da empresa China Three Gorges (CTG) – operadora de várias hidrelé-tricas no país –, que financia projeto de pesquisa e desenvolvimento da startup Bio Bureau no qual Marcela trabalha para interromper o proces-so reprodutivo da espécie.

O sequenciamento do genoma do mexilhão dourado, salienta a bioin-formata, proporciona o conheci-mento de pontos vulneráveis da espécie que podem ser atacados. “Agora que temos esse mapa gené-tico, podemos usá-lo para buscar uma forma de intervenção biotec-nológica no mexilhão, como causar a sua infertilidade”, diz Marcela. Na prática, a pesquisa objetiva a cria-ção, em laboratório, de mexilhões transgênicos com o gene da infer-tilidade, para cruzar com os invaso-res sem que o processo reprodutivo seja consumado.

Coral agressivoOriginário do oceano Pacífico, o co-ral-sol foi detectado pela primeira vez em águas brasileiras nos anos 1980, incrustado em plataformas de petróleo e gás natural construídas na Ásia para a Bacia de Campos, lito-ral norte do estado do Rio de Janei-ro. O coral invasor teve a presença registrada em costões rochosos da Baía da Ilha Grande na década de 1990, transportado em plataformas e outras estruturas da indústria pe-trolífera deslocadas à região para reparos no antigo estaleiro Verolme (atual Brasfels), em Angra dos Reis.Coral-sol

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Mais de três décadas após os primei-ros registros no país, o coral asiático espalhou-se por diversos pontos do mar brasileiro ao longo de três mil quilômetros, tanto em costões como os da Baía da Ilha Grande como em recifes de corais. A bioinvasão é mais flagrante na Região Sudeste, onde as duas espécies do gênero Tubastraea – a coccinea e a tagusensis – se re-produzem e crescem rapidamente, prevalecendo sobre corais nativos, afetando a biodiversidade e amea-çando a atividade de pescadores.

“O coral-sol vem de uma região com recifes de alta biodiversidade e uma riqueza enorme de espécies de coral. Ele encontrou nos costões rochosos do Sudeste um ambiente com menor diversidade, que favorece a invasão, facilitada também pelo fato de não ter competidores ou predadores”, explica a bióloga marinha Simone Oigman-PszczolI, diretora executiva do Instituto Brasileiro de Biodiver-sidade (BrBio), organização não go-vernamental que se dedica ao estu-do da bioinvasão desde 2006, com o Projeto Coral-Sol, que combina ações de manejo, controle, pesquisa e educação ambiental.

O contraste entre a quantidade de espécies de corais formadores de re-cifes no berço do invasor e nas águas brasileiras dá ideia da gravidade do problema: elas são duas dezenas no Brasil, ao passo que chegam a mil na Austrália, impedindo o coral-sol de desequilibrar o ambiente. Invasão semelhante à que ocorre no Brasil assolou também o Golfo do México e o Caribe, levada em plataformas de petróleo. Simone observa, porém, que a existência de pelo menos 65 espécies de corais nessas regiões atuou como obstáculo à reprodução descontrolada do invasor.

A extensão do problema na Baía da Ilha Grande vem sendo medida pelo BrBio desde o fim da década pas-sada. De 326 locais monitorados na

região pelo instituto em 2011, quase um terço estava infestado pelo co-ral-sol, conta Simone Oigman--PszczolI. O instituto, que está refazendo o levan-tamento, capacitou na época pescadores e guias de turismo para o recolhi-mento de corais invasores, na in-ciativa batizada de Catadores de Corais. Nessas e em outras ações, foram retiradas do mar cerca de 230 mil colônias de co-rais, totalizando mais de 8,5 toneladas.

O Projeto Coral-Sol é re-ferência para a elaboração do Plano Nacional de Manejo e Controle do Coral-Sol, ao lado de outras iniciativas semelhantes, como o combate do ICMBio a essa bioin-vasão em unidades de conservação litorâneas. Em 2016, o plano foi tema de dois encontros preparatórios promovidos pelo Ibama, em Brasília, com representantes de instituições e entidades ligadas ao problema. Uma das bases da estratégia em elabo-ração é um diagnóstico da situação do coral-sol no país, encomendado a Simone.

A bióloga do BrBio avalia que o Bra-sil vem avançando no enfrentamen-to à bioinvasão do coral-sol, mas em velocidade menor do que a requeri-da pelo tamanho da ameaça. “Nossa atuação fora d’água ainda é lenta”, ela critica, ressaltando a necessida-de de conclusão do plano nacional e formulação de estratégicas de mane-jo e controle que possam ser postas em prática. Segundo Simone, não há solução única para o problema. “Em um local ainda não invadido, é pos-sível prevenir”, exemplifica. “Em ou-tro, se houver a detecção precoce, é possível até erradicar”.

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Coral-sol

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Extr ativ iSmo

Meio amargo,

meio doceAliando qualidade e

consciência ambiental, produtores de cacau querem saborear um novo ciclo de

prosperidade

Lena Trindade (texto e fotos)

Na segunda metade do século 19 e por quase todo o século 20, o Brasil ocupava confortavelmente o título de maior produtor e exportador de cacau do mundo. Período de fartu-ra, abundância e grande desenvol-vimento para a região sul da Bahia, onde o cacau, vindo da região ama-zônica, encontrou condições climáti-cas ideais para seu crescimento.

Durante mais de um século, por-tanto, a Bahia foi um dos estados brasileiros com maior crescimento populacional e desenvolvimento econômico e financeiro. De todas as partes do país e até mesmo do exterior, chegavam famílias atraídas por tantas possibilidades de cres-cimento. As terras eram disputadas em violentos confrontos, muitas ve-zes sangrentos, e assim criavam-se os grandes latifúndios. Época dos famosos coronéis do cacau, podero-sos homens que mantinham exérci-tos e faziam suas próprias leis. Era

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do Faroeste Baiano, assim definida pelo grande escri-tor Jorge Amado.

Essa expansão da lavoura cacaueira durou de 1850 até aproximadamente 1930. Assim a Bahia, em parti-cular o sul do estado, viu surgirem potentes cidades, como Itabuna, Ilhéus, Ca-navieiras e outras, forman-do um importante polo de desenvolvimento que che-gou a exportar até 400 mil toneladas de cacau. Nesse período, praticamente todo o cacau produzido era ven-dido para o mercado exter-no, gerando importantes divisas para o país.

A partir de 1980, o declí-nio da produção começa a

se acentuar com a ocorrên-cia de uma praga conhecida como vassoura-de-bruxa. Provocada pelo fungo Moniliophtora perniciosa, ela foi registrada inicialmente no muni-cípio de Uruçuca e em pouco tempo, ajudada pelos ventos, espalhou-se por toda a região.

O poderoso ciclo econômico e fi-nanceiro sofre um abalo econômico, social, ambiental e cultural. Toda

essa poderosa sociedade rural se desorganiza. Famílias se desagre-gam, a violência se instala, chegam a prostituição e o desemprego. Gran-des e pequenos cacauicultores se desesperam e toda essa região de exuberante Mata Atlântica começa a sofrer com uma prática ilegal: a derrubada de madeira para venda. Isso abre espaço para outras lavou-ras, com novas técnicas, e até para o gado, na busca por saídas para a enorme crise que se instala. Várias tentativas de preservar as safras, como a clonagem e os enxertos, foram experimentadas, até mesmo com auxílio técnico do órgão do go-verno especializado – a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Ca-caueira (Ceplac), ligada ao Ministério da Agricultura. A qualidade, porém, não foi recuperada. O resultado era um cacau de qualidade inferior, di-ficilmente aceito para exportação. Quantitativamente, também houve queda acentuada na produção.

Essa época dramática é muito bem descrita pelo escritor baiano Jorge Amado em seus livros, sobretudo em “São Jorge dos Ilhéus” e “Terra do Sem Fim”, em que a família Bada-ró é protagonista. Hoje, justamente, um de seus descendentes é quem está à frente do processo de recupe-ração do status de grande produtor baiano de cacau.

O frutoOriginário das úmidas e chuvosas flo-restas tropicais da América, o cacau é encontrado do Peru até o México em estado silvestre. Quando os primei-ros colonizadores espanhóis chega-ram ao continente americano, tanto os astecas como os maias já culti-vavam e conheciam os poderes do cacau havia mais de cinco mil anos.

O cultivo do cachualt (cacaueiro) era por eles considerado sagrado e acompanhado de cerimônias religio-sas. Somente os sacerdotes e os reis usufruíam da bebida obtida a partir

Proprietário da Fazenda Monte Alegre, Diego Badaró pertence à quinta geração de cacauicultores

A doença vassoura-de-bruxa foi introduzida no sul da Bahia. Afetou fortemente a Mata Atlântica e a paz das cidades que viviam o ciclo do ouro do cacau

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O fruto é colhido manualmente. Cada um contém de 20 a 50 sementes

O cacau orgânico é cultivado à sombra das majestosas árvores da Mata Atlântica e sua coloração pode variar do verde ao roxo, passando por amarelo e laranja na maturação

O líquido ou mel obtido pode ser utilizado para fabricação de licor, geleia e doces

Após fermentação e secagem, a semente do cacau é o principal produto comercializado para fabricação do chocolate

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dele, que era muito diferente do que conhecemos hoje como chocolate: meio amargo e misturado até mes-mo com pimenta.

Seu nome científico, dado pelo fa-moso botânico sueco C. Linneu (1707-1778) é Theobroma cacao, que quer dizer alimento (broma) dos deu-ses (Theo).

Assim como o sal (de onde se origi-na a palavra salário), as sementes do cacau também foram usadas como moeda em determinado período. Diz a lenda que por cem sementes desse fruto podia-se ter um escravo.

Com a chegada de Cristóvão Co-lombo à América, esse fruto, assim como o chocolate, começa a chegar ao chamado Velho Mundo e passa a ser disputado nas luxuosas cortes europeias, por suas propriedades afrodisíacas.

Cientistas afirmam que o cacau teve origem nas cabeceiras do rio Ama-zonas e se expandiu em duas dire-ções. Ao norte, penetrou na América Central e no sul do México, dando origem ao cacau criollo, caracteriza-do por ser uma variedade de frutos grandes e superfície enrugada, com

sulcos acentuados, cultivada pelos índios astecas e maias. Ao sul da ba-cia amazônica, gerou o tipo foraste-ro, considerado o verdadeiro cacau brasileiro. Seus frutos são menores, de formato ovoide, não têm a pele tão enrugada ou sulcada, mas quase lisa.

Os dois tipos exigem solos profun-dos e ricos, clima quente e úmido, com temperatura média de 25°, sem períodos prolongados de seca. O cacau gosta de chuva e seu ambien-te é a região tropical – 20° acima e abaixo da linha do Equador. Suas se-mentes (20 a 40 em um só fruto) são amargas, oleosas e aromatizadas. É comprovadamente um fruto de gran-de potencial energético.

No Brasil, o cultivo do cacau teve iní-cio oficialmente em 1679, por meio da Carta Régia, que autorizava os colonizadores a plantá-lo. Embora o berço do cacau seja o solo ama-zônico, foi nas terras baianas que o cultivo se iniciou e prosperou com as sementes trazidas pelo francês Louis F. Warneau, plantadas pela primeira vez na Fazenda Cubículo, em Cana-vieiras, em 1752. A partir de então, tomou o sul da Bahia e se impôs

Uma nova geração vem se dedicando à preservação da Mata Atlântica e ao renascimento da cultura do cacau

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como produto de grande importân-cia para a economia local.

À medida que o cacau ganhou for-ça econômica com a expansão do consumo do chocolate, foram feitas inúmeras tentativas de implantar a lavoura cacaueira em outras terras com solos e climas semelhantes a seu habitat natural. Suas sementes se espalharam pelo mundo e, na metade do século 19, a produção já era expressiva ao largo da costa oci-dental africana, onde começa o cul-tivo com sementes levadas do Brasil (em primeiro lugar, para São Tomé e Príncipe). Hoje, países como Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Camarões e São Tomé e Príncipe são importan-tes produtores. E o Brasil ocupa o sexto lugar mundial como produtor e exportador.

O cacau é a matéria-prima do cho-colate feito por meio da torra e moagem das amêndoas secas em processo artesanal ou industrial. Quando chegou à Europa, para espantar um pouco do seu gosto amargo, foram acrescentados leite e açúcar, que agradavam mais aos consumidores europeus. Hoje o mundo conhece inúmeras formas de consumir o cacau. Geleias, vinhos, licores e até cosméticos exibem com orgulho em suas fórmulas a presen-ça desse fruto.

Por sua composição química, é ali-mento aconselhado até mesmo para o combate ao colesterol e aos radi-cais livres, retardando o envelheci-mento, rico em magnésio, gerador de prazer, otimismo e bom humor. O chocolate está em alta.

Além de todas essas vantagens o ca-cau é uma planta conservacionista e ecológica. Diferentemente das lavou-ras do café, da cana-de-açúcar ou da soja, o cacau é plantado à som-bra das altaneiras árvores da Mata Atlântica, por isso não dá origem a paisagens contínuas e homogêneas. Os terrenos são preparados pelo

método cabruca, que consiste em remover do solo a vegetação rasteira para fazer o seu plantio, que requer sombra e umidade. Para seu cultivo, portanto, não é necessária a derru-bada de árvores.

O solo é umidificado pela constante queda das folhas, que se acumulam formando um tapete de matéria or-gânica onde sua microflora e fauna se desenvolvem, enriquecendo ain-da mais o substrato. As plantações protegem o meio ambiente e geram maior biodiversidade florística e faunística. Disso resulta um cacau de qualidade superior. Esse é o ver-dadeiro cacau orgânico.

Além de proporcionar frutos de alta qualidade, o método cabruca pro-tege espécies importantes da flora, como jequitibá-rosa, pau-brasil e gameleira. São árvores de importân-cia socioecológica, que alimentam vários animais, sustentam uma va-riedade de bromélias e servem a prá-ticas religiosas afro-brasileiras.

Outra característica vantajosa do cacau é que tanto o plantio como a colheita não podem ser feitos de for-ma mecanizada. É uma cultura arte-sanal, que em quase todas as etapas precisa de mão de obra humana. É um cultivo que ajuda a preservar a

Adubadas com produtos naturais, as amêndoas

de cacau orgânico são as principais matérias primas e

têm alto teor de gordura

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Mata Atlântica, mantendo estável o clima, o regime de chuvas e prote-gendo o solo. Além de tudo, ainda é importante fonte de trabalho e renda para milhares de pessoas.

Na Fazenda Monte Alegre, em Ubai-tinga (sul da Bahia), de propriedade de Diego Badaró, o empregado Dola, de 40 anos, trabalha desde os 15 na lavoura cacaueira. Há seis na Monte Alegre, relata que há grande diferen-ça entre o cacau que usa produtos químicos no seu cultivo e o orgânico. “O cacau orgânico é amarelinho ou vermelhinho, lisinho, tem brilho. O ‘cacau ruim’ parece enferrujado”.

Perguntado sobre como é o solo do cacau orgânico, Dola explica: “Ele é adubado com produtos naturais. Aqui na Fazenda Monte Alegre, usa-mos o biogeo para adubar. É um composto de pó-de-rocha que vem da Chapada Diamantina: cascas de frutas, bosta de gado e água dos rios da região. Esse composto fica durante dois meses fermentando em tonéis e depois é aplicado nos pés de cacau. Não há como ter cacau doente na colheita”.

A Fazenda Monte Alegre, assim como algumas outras na região, tem

essa preocupação, mas ainda são poucos os cacauicultores preocu-pados não só com a preservação da floresta, mas também com o resulta-do final do produto.

O jovem Thomás Morel Falcão, ca-rioca de 25 anos que atualmente mora na Fazenda Monte Alegre, lar-gou sua vida de pequeno empresário no Rio de Janeiro para estudar e de-fender sua tese – “Geração de valor na cadeia produtiva do cacau no sul da Bahia” – de conclusão do curso de Administração na Pontifícia Uni-versidade Católica. Ele vê com em-polgação um novo momento na his-tória do cacau brasileiro. “Depois de conhecer Diego Badaró, dono da Fa-zenda Monte Alegre e representante da quinta geração de cacauicultores pioneiros da região, vi a chance de contribuir com a causa e participar da retomada da região cacaueira como polo de desenvolvimento do sul da Bahia”, contou.

Desde o início do século 21, uma nova geração de cacauicultores vem tentando a recuperação do cacau como lavoura envolvida com a pre-servação da Mata Atlântica, uma maior qualidade de vida e a valori-

Processo de embalagem do chocolate na fábrica da Amma em Salvador

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zação das famílias rurais, que voltam a ter esperança no renascimento da cultura do cacau no Brasil. São pro-dutores que querem ir além da venda da matéria-prima e visam mais que o lucro imediato. Começam a produzir um chocolate brasileiro (AMMA) ou um cacau de alta qualidade que vai ser a base de um reconhecido cho-colate (Nugali) para competir no dis-putado mercado internacional.

Em 2012, o chocolate AMMA ga-nhou uma renomada premiação, o International Chocolate Awards. Em 2016, foi a vez de o chocolate Nugali, de Santa Catarina, que usa o cacau do premiado cacauicultor João Ta-vares, de Ilhéus, receber o mesmo prêmio.

Até então, os cacauicultores esta-vam mais preocupados com a pro-dutividade, não com a qualidade. Os países produtores de cacau são, em geral, subdesenvolvidos ou emer-gentes, ficando para eles apenas a produção da matéria-prima. Os ca-cauicultores costumam contentar-se em vender o produto bruto, sem pre-tender transformar esse alimento em chocolate. Mas o cenário começa a

mudar e novos produtores de cacau já mostram uma nova consciência.

Agora o consumidor é mais exigen-te e quer saber a origem do produto que consome, a maneira como esse produto é fabricado. Hoje podemos saber de produtos que usam mão de obra infantil ou trabalhadores em condições desumanas e recusar seu consumo. Vemos fabricantes de chocolate visitarem as fazendas para ver a produção, envolvidos com a questão ecológica e valorizando um fruto que é elemento de preserva-ção das matas, sobretudo do bioma Mata Atlântica, hoje reduzido a 7% da sua área original.

São produções menores, preo-cupadas com o desenvolvimento social das zonas de cultivo, com preços justos. Querem levar ao consumidor mais que um sabor. Diego Badaró, João Tavares e Lean-dro de Almeida, na Bahia; Claudio Corallo, em São Tomé e Príncipe; e Vicente Caajo, no México, são al-guns exemplos.

Atualmente, cerca de três quartos do cacau fornecido para a indús-tria do chocolate são cultivados na África; e a maior parte da fração restante, no Brasil, mais precisa-mente no sul da Bahia, além de Es-pírito Santo e Amazônia.

A produção cacaueira no Brasil so-freu uma reviravolta muito grande com a vassoura-de-bruxa. Hoje o se-

tor vive uma fase de reestruturação e os proprietários de fa-

zendas de cacau precisam de alternativas para que essa tão

importante cultura renas-

ça com força. E uma das alternati-

vas é o cacau orgâni-co, que protege, preserva

o meio ambiente, mantém o solo rico e equilibrado. fo

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EcoturiSmo

No Reino da Pedra

PontudaAos 80 anos, Parque Nacional do Itatiaia, o primeiro do país,

deslumbra com paisagens lindas e diversificadas

Mário Moreira (texto e fotos)

Cenário de algumas das mais belas e impactantes paisagens brasileiras, o Parque Nacional do Itatiaia está completando 80 anos. Encravado entre o Rio de Janeiro e Minas Ge-rais, na Serra da Mantiqueira, pró-ximo à divisa com São Paulo, foi o primeiro parque nacional do país, fundado em 14 de junho de 1937 pelo presidente Getúlio Vargas.

Até pela facilidade de acesso para quem mora no Rio ou em São Pau-lo, já que sua entrada principal fica perto da Via Dutra, o Parque do Itatiaia é uma das melhores opções de ecoturismo no país, oferecendo uma variedade de atrações para gostos bem distintos.

Na prática, o parque é dividido em dois setores completamente di-ferentes. A chamada parte baixa, com acesso pela portaria situada na cidade de Itatiaia (RJ), é dominada pela exuberância da mata atlântica e inclui múltiplas trilhas e cachoei-ras. É o setor mais visitado por fa-mílias, uma vez que as trilhas em

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geral são de fácil acesso e não apresentam

grande dificuldade, e as cachoeiras e poços naturais são

diversão garantida. Além disso, existem ho-

téis nesse setor. A parte baixa é cortada pela rodovia BR-485, que se estende por 9 quilômetros par-que adentro – mas é preciso muita atenção porque a estrada, apesar de asfaltada, não está em bom es-tado de conservação. O marco da inauguração do parque pode ser vi-sitado num local bem sinalizado, ao lado da rodovia.

Já na parte alta predominam os campos de altitude, caracterizados por arbustos e gramíneas, em meio a um cenário rochoso. É também onde ficam as paisagens mais famo-sas do parque e que lhe explicam o nome (em tupi, itatiaia significa “pe-dra pontuda”): o Pico das Agulhas Negras e o Maciço das Prateleiras. A parte alta é mais indicada para quem curte escaladas ou as chama-das “escalaminhadas”, misto de ca-minhadas com escaladas leves, que dispensam o uso de equipamentos. Chega-se à parte alta pela portaria de Engenheiro Passos, próximo à Garganta do Registro, na estrada Rio-Caxambu (BR-354). Ali começa o segundo trecho da BR-485, que no entanto não se conecta com o da parte baixa, terminando no início da trilha para as Prateleiras. Nesse trecho, a rodovia é de casca-lho, o que requer veículos 4 x 4 para percorrê-lo.

Parte baixaAs cachoeiras são um programa imbatível na parte baixa do parque. Especialmente para quem vai no ve-rão, já que no inverno a água gelada pode não ser muito convidativa. As quedas d´água mais populares são Itaporani, Véu de Noiva e Maromba, todas acessíveis a partir da BR-485.

Trilha para a cachoeira Véu-de-NoivaSenac ambiental n.9 54

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Para chegar à Itaporani, pega-se uma trilha leve, de cerca de 20 mi-nutos, que começa no estaciona-mento ao lado da ponte sobre o rio Maromba. A água que desce por entre as pedras se acumula numa deliciosa piscina natural. Se tiver sorte, você poderá presenciar uma surpreendente revoada de andori-nhas vindas da parte mais alta da queda. Bem perto fica a cachoeira do Maromba, que forma um grande poço, ótimo para banho. É possí-vel ouvir o alarido de macacos nas árvores em volta. A descida até lá é feita por uma longa escadaria de cimento.

Já o Véu de Noiva é uma cachoei-ra bem maior que as outras duas, com cerca de 40 metros de altura. A água desce com força, e os mais corajosos podem tomar uma ducha. Quem não tiver tanta disposição pode simplesmente se refrescar na piscina natural, bem rasa, que se forma entre as pedras. Só é pre-ciso cuidado para não escorregar no limo. A trilha, de cerca de 15 minutos, tem pontos de alguma dificuldade, principalmente se tiver chovido, mas nada que não possa ser superado. Por sinal, as trilhas de modo geral têm problemas de con-servação: é preciso cuidado com degraus e corrimãos. O parque não dispõe de salva-vidas, mas o acesso às cachoeiras é fechado em caso de chuva forte.

Outra atração da parte baixa do Ita-tiaia é o Centro de Visitantes. Bem conservado e com infraestrutura adequada, possui uma ampla cole-ção de animais empalhados, todos pertencentes à rica fauna da região, como onça-parda, os macacos bu-gio e muriqui e roedores diversos, além de pássaros e insetos. Infeliz-mente, algumas espécies, como a anta e a cabeça-seca (grande ave tí-pica de ambientes ribeirinhos e pan-tanosos) estão extintas localmente. Outras encontram-se ameaçadas,

Véu-de-Noivacomo a capivara, o lobo-guará e a harpia ou gavião-real (maior ave ca-çadora da mata atlântica).

A 15 minutos a pé do Centro de Vi-sitantes fica o Lago Azul, um poço natural de águas tranquilas (e, na verdade, bem verdes), excelente para banho. Bem próximo existe uma trilha de observação de pássa-ros. O caminho desce em zigueza-gue, de tal maneira que o visitante fica sempre com a vista na altura das copas das árvores que estão mais abaixo. É recomendável ir de manhã ou mais para o fim da tarde, do contrário corre-se o risco de não ver pássaro nenhum.

As aves são, aliás, uma das grandes atrações do Itatiaia. Existem cerca

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de 350 espécies delas na área do parque, o que faz a festa dos obser-vadores de pássaros. Há desde pe-quenos tico-ticos e saíras-sete-co-res até aves de grande porte, como o jacuguaçu (ou simplesmente jacu) e o gavião-real, passando por uma enorme variedade que inclui caná-rios, beija-flores, saracuras-do-ma-to, maritacas e o famoso carcará, aquele que pega, mata e come.

Parte altaPara quem deseja conhecer o Par-que do Itatiaia de maneira mais completa, é indispensável reser-var um dia para conhecer a parte alta. Embora não seja obrigatório, recomenda-se contratar um guia credenciado – há sempre alguns na portaria, à disposição dos visi-tantes. Em qualquer circunstância, é necessário preencher um termo de responsabilidade. E independen-temente da época do ano, é reco-mendável levar sempre um agasa-lho, pois a altitude torna o ar bem mais fresco, inclusive no verão. Para escaladas, aliás, o melhor é ir no in-verno, quando o tempo firme torna tudo mais bonito e seguro.

As principais atrações da parte alta são mesmo as Agulhas Negras e as Prateleiras. O problema é que che-gar até as duas formações requer certa dose de preparo físico, quan-do não de experiência, se o objeti-vo for atingir os respectivos cumes. Em ambos os casos, é obrigatório o acompanhamento de guia. Os dois trajetos começam no Posto Mar-cão, como é conhecida a portaria da parte alta. De lá são 3 quilôme-tros de caminhada leve até o Abrigo Rebouças, de onde partem efetiva-mente as trilhas.

Para as Agulhas Negras, são ao todo três horas (somando ida e vol-ta) desde a portaria até a base da montanha. Até o cume, são sete horas (ida e volta), sendo indispen-

Jacu

Eríngio (na trilha para o Morro do Couto)

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sável o uso de equipamentos de segurança no trecho de escalada. O pico, de 2.791 metros, é o ponto mais alto do parque e o quinto do país. O nome do maciço se deve aos sulcos formados em sua encosta, que dão o aspecto de grandes “agu-lhas” verticais. Os sulcos foram for-mados pela ação, durante milênios, da água da chuva carregada de gás carbônico, e a cor escura tem ori-gem na interação com musgos.

O trekking até as Prateleiras exige quatro horas de caminhada (ida e volta) até a base e seis horas (ida e volta, com escalada) até o cume, a 2.548 metros. No alto do maciço ficam grandes blocos de rocha que se apoiam uns sobre outros, seme-lhantes a prateleiras, embora um tanto bagunçadas. Quem já chegou lá em cima garante que a vista ex-traordinária compensa o esforço.

Uma boa alternativa para os de es-pírito aventureiro, mas nem tanto, é fazer o trekking até o Morro do Couto, de 2.680 metros. A partir da portaria, são 3 quilômetros de su-bida suave, portanto mais indicada para famílias, em meio à típica pai-sagem dos campos de altitude. Dá para terminar, sem pressa, em uma hora e 45 minutos em cada sentido – e é bom mesmo não fazer mais rápido, porque, a mais de 2.500 me-tros acima do nível do mar, o ar com menos oxigênio torna mais penoso o trabalho dos pulmões. À beira do caminho podem-se observar flores diversas, com destaque para o erín-gio, formado por pequenos bulbos de um roxo intenso.

A trilha para o Morro do Couto termina em um platô de onde se avistam o Pico das Agulhas Negras, as Pratelerias e, lá embaixo, o Vale do Paraíba. Quem quiser chegar ao cume ainda precisa enfrentar uma “escalaminhada” de cerca de meia hora – o autor desta reportagem bem que tentou, mas desistiu ao

Casal de urubus na parte alta do parque

Marco da inauguração

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Vista do Mirante do Último Adeus

se deparar com uma fenda vertical que exigia uma dose de flexibilidade além das suas possibilidades.

É na parte alta do Itatiaia que vive o flamenguinho, animal símbolo do parque. Trata-se de um minúsculo sapo de pele vermelha e preta, daí o nome. Na primavera e no verão, as estações mais chuvosas, o tre-cho da BR-485 situado na parte alta do parque fica interditado ao trân-sito de veículos por ser a época de reprodução dos sapos, que cruzam constantemente a estrada.

Último adeusO ingresso para o Parque do Itatiaia custa R$ 32 por pessoa, sendo que para residentes no Brasil ou no Mer-cosul o valor cai para R$ 16. Caso você tenha intenção de visitar o parque por mais de um dia conse-cutivo, terá direito a um desconto

a partir do segundo dia (50% se for sábado, domingo ou feriado e 90% em caso de dia útil), mas isso tem de ser dito no momento da compra. O pagamento só pode ser feito em dinheiro. É preciso manter consigo o comprovante, para poder sair do parque e voltar sem ter de pagar de novo, ou para entrar pela outra portaria.

Para aproveitar bem o Itatiaia e co-nhecer as principais atrações, in-cluindo a parte alta, é preciso ficar no mínimo três dias, mas recomen-da-se pelo menos mais um, para descanso e relaxamento. E quando estiver indo embora, após alguns dias de contato intenso com a na-tureza, não deixe de dar um pulinho no Mirante do Último Adeus. A vista ajudará a manter viva na memória a emoção de visitar um dos parques naturais mais belos e emblemáticos do país.

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Cachoeira do Escorrega

Em Mauá, cachoeiras e mais cachoeiras

Quem visita a Serra da Mantiqueira, onde fica o Parque do Itatiaia, não deve deixar de conhecer Visconde de Mauá, que oferece outro extenso cardápio de cenários deslumbrantes na divisa entre o Rio e Minas. Para quem aprecia cachoeiras, em particular, Mauá é um prato cheio.

Uma das principais atrações, inclusive, fica localizada dentro da área do Parque do Itatiaia, em outra vertente da serra. Trata-se da Cachoeira do Escorrega, onde a água do Rio Maromba corre por um tobogã natural com cerca de 30 metros de extensão e deságua numa queda suave mais abaixo – os turistas adoram se deixar levar pela correnteza até mergulhar nas águas geladas do rio. Na estrada para o Escorrega, pode-se dar um paradinha no Poção do Maromba, ótimo para banho e ao qual se chega descendo por uma trilha curta. Outra ca-choeira que vale uma visita é a de Santa Clara, com 40 metros de altura e igualmente propícia a uma boa ducha.

Um programa imperdível na região de Mauá é o Vale do Alcantilado, já do lado mineiro da divisa. O vale fica dentro do Sítio Cachoeiras do Alcantilado, uma propriedade privada à qual se chega por uma estrada de terra de 9 quilômetros. O ingresso custa R$ 16 e inclui o esta-cionamento.

Ao longo de uma bem sinalizada trilha de 1,5 quilômetro, que começa a 1.215 metros de altitude e segue morro acima, o visitante passa por nada menos que nove cachoeiras, de tamanhos e cenários bem diversos, da pequena Cachoeirinha, logo a primeira do circuito, até a imponente Cachoeira do Alcantilado, já a 1.500 metros, a única em que o banho não é permitido. Em alguns trechos do percurso, próximos às cachoeiras, é preciso ficar atento para não escorregar. Sem pressa, aproveitando para admirar a paisagem e curtir o contato com a natureza, dá para fazer tudo em quatro horas.

A cachoeira mais bonita das nove é a das Muralhas, a quinta do trajeto, em que a água vem descendo em patamares para finalmente se acumular numa piscina natural em meio ao verde intenso da mata atlântica. O cenário parece saído de um filme da série “O Senhor dos Anéis”: dá para imaginar que a qualquer momento um elfo passará por ali papeando com um gno-

mo. Nas proximidades fica um mirante de onde se pode admirar a linda vista de todo o vale mais abaixo. O local conta com boa infraestrutura, incluindo lanchonete,

banheiros e até casas para aluguel.

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EStantE ambiEntal

Atlas das cidadesPaul Knox (organizador)Editora Senac, 256 páginasO livro traz uma radiografia de cidades de todos os continentes, ana-lisando estruturas físicas, econômicas, sociais e políticas, bem como desafios e oportunidades para seus habitantes. Mapeando padrões de produção e consumo, ajuda a entender as perspectivas para o futuro do planeta com base na transformadora atividade humana.

Cidades e soluções: como construir uma sociedade sustentávelAndré TrigueiroLeYa, 144 páginasFruto do programa que o autor comanda no canal de televisão a cabo GloboNews há cerca de dez anos, o livro traz entrevistas com personalidades como Noam Chomsky, Al Gore e Vandana Shiva e debate a insuficiência dos recursos naturais do planeta diante dos atuais – e insustentáveis – padrões de consumo.

Água e sustentabilidade: desafios, perspectivas e soluçõesPedro Roberto Jacobi e Edson GrandisoliIEE/USP e Reconectta, 110 páginasOs autores discutem a democratização do acesso à água e abor-dam processos de colaboração e interconexões entre instituições e pessoas, com o objetivo de sensibilizar a sociedade e estimular a res-ponsabilidade compartilhada na governança dos recursos hídricos. O livro está disponível para download em https://goo.gl/TZU4pd.

Direitos humanos e meio ambiente – minorias ambientaisLiliana Jubilut, Fernando Reis e Gabriela Garcez (editores)Manole, 432 páginasO livro aborda riscos e vulnerabilidades experimentados por grupos social, étnica, ambiental e economicamente mais expostos. A obra é voltada para pesquisadores e profissionais do direito am-biental, dos direitos humanos, da ciência política e do terceiro setor, além de ativistas e demais interessados pelas questões que envolvem as minorias ambientais.

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