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Vitimização fatal de crianças no espaço público em decorrência daviolência interpessoal comunitária: um diagnóstico da magnitude econtextosdevulnerabilidadenaAméricaLatina1MariaFernandaTourinhoPeresProfessora Doutora, Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina daUniversidadedeSãoPaulo(USP)PesquisadoradoNúcleodeEstudosdaViolência,USPCarenRuottiDoutorandaemSociologia,Programadepós-graduaçãoemSociologia,FaculdadedeFilosofia,LetraseCiênciasHumanas,USPPesquisadoradoNúcleodeEstudosdaViolência,USPDeniseCarvalhoDoutorandaemSociologia,Programadepós-graduaçãoemSociologia,FaculdadedeFilosofia,LetraseCiênciasHumanas,USPFernandaLopesReginaMestranda em Ciência Política, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política,FaculdadedeFilosofia,LetraseCiênciasHumanas,USP
INTRODUÇÃO
Vivemos,desdeasúltimasdécadasdoséculoXX,umprocessodemudançana
forma de compreender e propor ações de enfrentamento para as situações de
violência,segurançaecriminalidade.Épossívelafirmar,semmedodeerrar,queuma
das principais características desse período é uma certa abertura
interdisciplinar/intersetorial: problemas relacionados à violência e à segurançaestão
gradualmente deixando de ser temas específicos à área da segurança pública e da
justiça criminal, passando a ser compreendidos como problemas sociais, em um
sentidoamplo,comreflexosnocampodasaúde,educação,cultura,desenvolvimento
e justiça social,dentreoutros.Umaoutracaracterísticadesseperíodo,quepodeser
considerada uma consequência da abertura acima destacada, é a emergência no
espaçopúblicodeproblemasqueeramtradicionalmentetratadoscomoquestõesda
esferaprivada,aexemplodaviolênciadomésticaefamiliar,entreasquaisincluem-se
1Paperparadiscussãonoworkshop“PreventionofViolenceagainstChildren inLatinAmerica”,do9ºEncontroAnualdoFórumBrasileirodeSegurançaPública,28e29dejulhode2015,FundaçãoGetúlioVargas,RiodeJaneiro.
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assituaçõesdeviolênciadegêneroouviolênciaporparceiroíntimo,violênciacontra
idososecrianças.
A violência contra a criança se consolida como um grave problemamundial,
dadas as consequências da vitimização (direta ou indireta) para o desenvolvimento
cognitivo, afetivo e social das crianças, para a sua saúde física emental. Inúmeros
esforços vêm sendo feitos no sentido de estimar a magnitude do problema, com
alguns relatórios globais e outros tantos relatórios e estudos locais que tematizam
especificidadesregionaisimportantes.
Estudoscomparativosglobaissobrehomicídios,aexemplodoWorldReporton
Violenceandhealth(2002)eoGlobalStatusReportonViolencePrevention(2014),da
OMS,a sérieGlobal StudiesonHomicide,daUNODOC,eo recém-lançadoHomicide
Monitor,doInstitutoIgarapé,nospermitemterumaclaravisãosobreaevoluçãono
tempo e a distribuição dasmortes por homicídio nomundo.Não é novidade que a
AméricaLatinadestaca-secomoaregiãocommaioresníveisdeviolência,emespecial
de homicídios. Pouco se sabe, entretanto, sobre a vitimização fatal de crianças na
região em decorrência da violência comunitária. Ainda nos falta um quadro
comparativogeral–mundialeespecíficoparaaAméricaLatina-quenosdigaoquão
frequente e de que forma crianças são assassinadas em decorrência da violência
interpessoalcomunitária,ouseja,nãofamiliar.
O nosso objetivo neste paper é sistematizar as informações existentes,
dispersas em diferentes relatórios, sobre a vitimização fatal de crianças no espaço
público emdecorrência da violência interpessoal comunitária nospaíses daAmérica
Latina. Não é nosso objetivo coletar dados novos mas tão somente identificar, nos
diferentesestudos, as informaçõesexistentes sobreeste tipoespecíficode violência
contra crianças para começar a compor um quadro de forma mais compreensiva,
assim como identificar as lacunas existentes, para um diagnóstico mais preciso do
problema.
Para tantoestruturamosonossopaper em trêsgrandes seções.Naprimeira,
“Limitesetáriose conceituaispara compreensãoda vitimização fatal de criançasem
decorrênciadaviolênciainterpessoalcomunitárianaAméricaLatina”buscamosdefinir
3
os limites utilizados para caraterização da infância e fazemos uma breve discussão
sobre a definição de violência, em especial violência contra crianças e violência
interpessoal comunitária. Nesta seção fazemos ainda uma discussão geral sobre a
importância do tema e de suas consequências para o desenvolvimento social,
cognitivoeparaasaúdedascrianças.NasegundaseçãoonossofocoseráaAmérica
Latinaeosfatoresestruturais/contextuaisquevulnerabilizamascriançasàvitimização
fatalemdecorrênciadaviolênciainterpessoalcomunitárianaRegião.Problemascomo
açãodegruposdeextermínio,gangues,violênciapolicial,crimeorganizado,situação
econômicaesocialdospaíses,migraçãoilegal,cruzamentodefronteiras,entreoutras,
serãobrevementediscutidos.Oobjetivoéapresentarasbases sobreaqualonosso
problema surge e se consolida. Buscamos, na medida do possível, trazer questões
geraisparaaregiãoeespecíficasparaalgunspaíses.Naterceiraseção,“Avitimização
fatal: homicídios de crianças e adolescentes na América Latina”, apresentamos uma
sistematizaçãodosdadosencontradoscomoobjetivodemontarumquadro,mesmo
que parcial, que retrate a magnitude do problema na AL e em seus países. Aqui
lançaremosmãosobretudoderelatórioscomparativos.Porfimapresentamosnossas
consideraçõesfinais.
LIMITESETÁRIOSECONCEITUAISPARACOMPREENSÃODAVITIMIZAÇÃOFATALDECRIANÇAS EM DECORRÊNCIA DA VIOLÊNCIA INTERPESSOAL COMUNITÁRIA NAAMÉRICALATINA
Apesardasdiferençasculturaisnomododeconceberamaturaçãobiológicae
etáriadasnovasgerações,bemcomoseupapelsocial,a“infância”temsidocadavez
mais concebida como um momento diferenciado do processo de desenvolvimento
humano,quenecessitadeproteçõesespeciais.Essaconcepçãoficaexplícitanoâmbito
jurídico,comadefiniçãoeadoçãodeinstrumentosinternacionaisenacionaisafimde
garantirdireitosespecíficos,cujomarco legaldemaiorreferêncianosdiasatuaiséa
Declaração sobre os Direitos das Crianças, de 1989. Como indicam Rosemberg e
Mariano (2010), essa Declaração, quando comparada às declarações internacionais
anteriores, inovou não só por sua extensão,mas por reconhecer à criança todos os
direitos e todas as liberdades inscritas na Declaração dos Direitos Humanos. Isso
4
significa que foram outorgados a crianças e adolescentes direitos de liberdade, até
entãoreservadosaosadultos.Contudo,aDeclaraçãode1989nãodeixadereconhecer
aespecificidaderelacionadaaessemomentoetário,“adotandoconcepçãopróximaà
dopreâmbulodaDeclaraçãodosDireitosdaCriançade1959:‘acriança,emrazãode
sua falta dematuridade física e intelectual, precisa de uma proteção especial e de
cuidadosespeciais,especialmentedeproteção jurídicaapropriadaantesedepoisdo
nascimento’” (ROSEMBERG E MARIANO, 2010, p.699). Ademais, essa Declaração
concebe a infância como o período que vai desde o nascimento até os 18 anos de
idade.
Diferentes estudos também têm seguido essa delimitação etária, inclusive
aqueles voltados a dimensionar a violência contra crianças e propor medidas de
prevenção (ONU,2006;UNICEF,2014a). Entretanto, subdivisõesetárias tambémsão
adotadascomoformadeidentificarastransformaçõesquesesucedemnesseperíodo,
relacionadasa fasesdedesenvolvimento físico,mentale social,que influenciamnas
própriasformasdeviolência.NorelatórioHiddeninplainsight:astatisticalanalysisof
violence against children (UNICEF, 2014a) esse período é subdividido em primeira
infância,infânciadomeio,infânciatardiaeadolescência.Nãoháumadefiniçãoclara,
ou um consenso sobre os limites etários de cada umdessas fasesmas, seguindo as
definições estabelecidas pelo Center for Disease Control2 e pela própria Unicef3 é
possíveldelimitaraprimeirainfânciaaoperíodoquevaidonascimentoatéos5ou6
anos de vida, a infância do meio entre 6/7 e 10/11 anos e a infância tardia e
adolescência ao período que se inicia aos 11/12 anos até os 18/19 anos de idade.
Nessas fasespreponderamdiferentesmanifestaçõesdeviolência,bemcomo fatores
devulnerabilidadeespecíficos.
Assimcomonãoháumconsensosobreadefiniçãode infânciaesuasetapas,
tambémnãoexisteumaúnicaformadedefinirviolência,emgeral,eviolênciacontra
crianças,emparticular.Aviolênciacontraacriançaéumproblemadeescalamundial
quepodeapresentar-sedediferentes formasem funçãode características culturais,
econômicas e sociais da região e dos países em que ocorrem. Considerando o seu2http://www.cdc.gov/ncbddd/childdevelopment/positiveparenting/infants.html3http://www.unicef.org/cwc/cwc_58619.html
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caráter multifacetado, diversos estudos sobre o tema (ONU, 2006; UNICEF, 2006a;
UNICEF,2012),adotamoestabelecidonoartigo19daDeclaraçãosobreosDireitosdas
Crianças,de1989,queacompreende“todasasformasdeviolênciafísicaoumental,
dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente; maus tratos ou exploração,
incluindoaviolênciasexual”quesãopraticadoscontraacriança. Ouseja,emboraa
Declaração não nos apresente uma definição propriamente dita de violência contra
criança,tornaexplícitaaresponsabilidadedosEstadosnaproteçãodascriançascontra
umaamplagamadeatosviolentos.
NoWorld Report on Violence and Health (Krug et al., 2002) a OMS define
violênciacomosendo:“The intentionaluseofphysical forceorpower, threatenedor
actual,againstoneself,anotherperson,oragainstagrouporcommunity,thateither
results in or has a high likelihood of resulting in injury, death, psychological harm,
maldevelopmentordeprivation” (p.5). ParaaOMSaviolênciapodeser classificada,
considerando as características dos perpetradores e vítimas, como autoinflingida,
interpessoaloucoletiva.Aviolênciainterpessoal,porsuavez,subdivide-seemfamiliar
e comunitária, estando a violência contra crianças definida, pela OMS, como um
subtipodeviolênciainterpessoalfamiliar.
No que se refere especificamente à definição de violência contra crianças a
OMS,noGlobalStatusReportonViolencePrevention(WHO,2014),definemaus-tratos
contra crianças como sendo “...the abuse and neglect of children under 18 years of
age. It includes all types of physical and/or emotional maltreatment, sexual abuse,
neglect, negligence and commercial or other exploitation, which results in actual or
potentialharmtothechild’shealth,survival,developmentordignityinthecontextofa
relationshipofresponsibility,trustorpower(p.70)”.Assim,comonoWorldReporton
Violence and Health, que situa a violência contra crianças como um subtipo de
violênciainterpessoalfamiliar,osmaus-tratoscontracriançasestãoaquilimitadosao
contextoderelaçõesdeconfiançaeresponsabilidade.
Asdefiniçõesetentativasdetipificaçãoacimaapresentadastornamevidentes
asdificuldadesexistentesnorecortedoobjetoespecíficodestepaper:aVitimização
fatal de crianças no espaço público em decorrência da violência interpessoal
comunitária.Nãosetrata,portanto,deapresentarumasistematizaçãodasituaçãode
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violênciacontracriançasnaAméricaLatina(enquantoumtipodeviolênciafamiliarou
queocorreespecificamenteemcontextosdeconfiançaecuidado)massimdetrazerà
luzemquemedidaumoutro tipodeviolência (aviolência interpessoal comunitária,
típicadosespaçospúblicos)acometecriançasfatalmentenaRegião.
Aviolênciainterpessoalcomunitáriaédefinida,pelaOMS,comoaviolênciaque
ocorreentreindivíduosquenãopossuemumarelaçãodeparentesco,emborapossam
serconhecidos,equeocorre,geralmente,“foradecasa”ouseja,emespaçospúblicos
eespaçosinstitucionaiscomoescolas,ambientedetrabalho,instituiçõesdecorreçãoe
outras(Krugetal.2002).Asvítimaspreferenciaissãoadultosjovens,emgeralhomens.
Entretanto,adefiniçãodeviolênciacomunitárianãoserestringeaumtipoespecífico
devítima,sejaemfunçãodesuaidadeousexo,massimaolocalondeocorreeotipo
de relação entre vitima e agressor.Dessa forma, seguindo a tipologia proposta pela
OMSaviolênciacontracriançaspodeserfamiliaroucomunitária,emfunçãodotipo
derelaçãoexistenteentrevítimaeagressor,incluindoatosdenaturezafísica,sexual,
psicológicaesobaformadenegligênciaeprivação.
Uma outra forma de abordar a violência contra crianças é considerando os
diferentes espaços onde ocorrem, os quais incluem a casa (compreendendo as
relaçõesfamiliares)aescola,ambientesdetrabalho,asinstituiçõesdejustiçaeoutras
instituiçõesdecustódiaeacomunidade(ONU,2006;UNICEF,2006;2013;Movimento
Mundial pela Infância, 2011; 2012). Não nos cabe, aqui, fazer uma discussão
aprofundada de cada um desses cenários, e nem sobre os tipos e fatores de risco
associadosàviolênciaemcadaumdeles.Emtermosbastantegeraistodosostiposde
violência– física,psicológica, sexualena formadenegligência–podemocorrer,em
maior emenor grau, em cada umdesses espaços. A composição dos perpetradores
também é diversa e inclui os pais, cuidadores, familiares, professores, autoridades
responsáveispelaaplicaçãoda leieatémesmooutrascrianças. Isto,porqueosatos
violentoscometidoscontraascrianças,porvezes,sãolegitimadospeloEstadoepela
sociedade,poisocorremsobosdisfarcesda“tradição”ou“disciplina”.
As consequências para as crianças associam-se à frequência, recorrência,
gravidadedosatosetipoderelaçãocomosagressores.Caberessaltaraindaquenão
sãopoucososestudosqueafirmamqueasexperiênciasdeviolênciasãointerligadase
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cumulativas(UNICEF,2006;2013)equecriançastendemaservitimadeviolênciaem
diferentesespaçosepordiferentesperpetradores.
Para nós interessa, mais uma vez, tentar estabelecer os limites daquilo que
chamamos,aqui,devitimizaçãofataldecriançasnoespaçopúblicoemdecorrênciada
violênciainterpessoalcomunitária.Retomandomaisumavezadefiniçãopropostapela
OMS,aviolência interpessoalcomunitáriaéaviolênciaqueacontece foradacasa,o
que inclui quatro dos cinco cenários acima descritos (a escola, o trabalho, as
instituições de justiça e custódia e a comunidade). É a vitimização fatal infantil
decorrente da violência interpessoal comunitária que se desenvolve no espaço da
comunidade (excluindo os casos de violência entre pares, violência no ambiente
escolarebullying)queinteressamaisdiretamenteaestenossopaper.
Avitimizaçãofataldecriançasporviolência interpessoalcomunitária aindaé
algo pouco explorado. Sabemos pouco sobre o quanto a violência na comunidade
(comoacriminalidadeurbana,açãodegangues,gruposdecriminalidadeorganizadae
outras formas) é responsável pela morte de crianças no mundo: as informações
existentessãoescassasepoucosistematizadas,oquedificultaumadiagnósticoglobal
maisprecisodoproblemaemtermosdemagnitudeedeterminantes.Emsuamaioria,
osestudosquebuscamestimaraprevalênciadevitimizaçãonapopulaçãogeral,são
realizadoscomamostrasdepopulaçõesadultas,sendorarososqueincluemcrianças.
Estalacunaéaindamaiorquandoconsideramososcasosdevitimizaçãofatal.Agrande
maioria dos estudos sobre homicídios de crianças abordam situações ocorridas no
contexto familiarouapresentamdados sobrehomicídios semespecificaro contexto
noqualasmortesocorreram.Amaiorpartedosestudoscomparativosglobaissobre
homicídioslimitam-seàstaxasparaapopulaçãogeral,porsexoouparaafaixaetária
dejovens.UmaexceçãoéorelatóriodaUNICEF(2014a),comdadosparaafaixaetária
entre0e19anos.
Algunsestudos,entretanto,buscamdefinirostiposdeviolênciamaiscomuns
às diferentes faixas de idade4. Na primeira infância, as crianças pequenas sãomais
4Alémda faixaetária,algunsgruposdecriançasapresentammaiorvulnerabilidadeadiferentes tiposviolência,comoéocasodecriançasquepertencemagruposmarginalizados,comocriançasdeficientes,órfãs,indígenas,minoriasétnicas,deslocadoserefugiados,criançasderuaequevivememinstituiçõesdedetenção.Alémdisso,criançasquevivememcomunidadesemqueadesigualdade,odesempregoe
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vulneráveisàviolênciaocorridanoambientedomésticoporpartedeseuscuidadores-
geralmentemães - e demaismembros da família, em função de sua dependência e
limitadasinteraçõessociaisforadocírculodoméstico.Jánoperíodocorrespondenteà
infância do meio (entre 5/6 e 10/11 anos), há um aumento do risco à violência
interpessoalcomunitária,umavezquedeumladoascriançasatravessamperíodosde
crescente independência em suas relações familiares, o que pode criar conflitos e
consequentepunições“disciplinares”,eporoutropassamafrequentarosambientes
escolares, sujeitos a novas formas de vitimização. Na infância tardia e adolescência
(entre11/12e18anos),tambémconhecidocomooperíododapuberdade,ascrianças
passam a explorar sua independência e a frequentar outros espaços que não o seu
ambiente doméstico; nesta fase elas estão mais propensas a desenvolverem
comportamentosderisco,comooconsumodedrogaseálcooleapráticadesexosem
proteção. Além disso, a maior interação social favorece o envolvimento em
movimentos políticos, lutas armadas ou atividades criminosas que atraem
principalmenteascriançasquevivememcontextossocioeconômicosdesfavorecidose
marginalizados,aumentandosobremaneiraosriscosdemorteporhomicídio(UNICEF,
2014a).
Independentedotipodeviolênciaaoqualestãoexpostas,éconsensualquea
vitimização ou a exposição à violência podem impactar na saúde física emental da
criançaemesmoemseuprocessodesocializaçãofuturo.Pesquisasdemonstramque
quando não se tornam vítimas fatais, elas podem apresentar graves lesões
irremediáveis ao longo da vida e/ou abalos psicológicos de longa duração, como
transtornos pós-traumáticos que podem afetar seu desenvolvimento e
consequentemente reduzir sua capacidade de aprendizado, atingindo inclusive seu
campo de relações sociais e afetivas (ONU, 2006; UNICEF, 2014a). Outros estudos
apontamqueascriançasexpostasàviolênciasistemática,comoaquelasquecrescem
em sociedades marcadas pela presença de organizações terroristas ou de outros
apobrezasãoaltamenteconcentrados,oriscoàviolênciaéaindamaior (ONU,2006),comopodeserobservadonocasodospaísesdaAméricaLatina.
9
gruposarmados,têmumaltoriscodevitimizaçãointerpessoalemuitasvezestendem
asetornartambémviolentas(UNICEF,2014a).
Avulnerabilidadedascriançascomrelaçãoàviolênciaéperceptívelmesmonos
países que asseguram oficialmente o compromisso com os dispositivos de proteção
dos direitos humanos e de promoção do desenvolvimento infantil (ONU, 2006:
PINHEIRO, 2006) comprovando a extensão da complexidade dos elementos que
estruturam, reiterame legitimamavitimização letaldascriançaseanecessidadede
seremdesenvolvidasferramentaseficazesdemensuraçãodesteproblema(HUNNICUT
& LAFREE, 2008). Há uma série de fatores que, quando combinados, exercem
influência para que a violência ocorra. São eles: as características da vítima, da sua
família,doagressor,ocontextonoqualavítimaestáinseridaeascaracterísticasgerais
dasociedade (ONU,2006:PINHEIRO,2006).Estes fatoresde risco transversaiscriam
uma atmosfera social propícia à violência e, como resultado, contribuem mais
especificamenteparaavulnerabilidadeinfantilcomrelaçãoàviolênciacomdesfecho
letal. Estes fatores de risco compreendem contextos singulares que envolvem a
presença de crianças em fronteiras ou em locais de conflito armado, a custódia de
criançasnosmaisdiversosmeios-sejaeminstituiçõescomooambienteescolar,em
redes de atenção e de cuidados alternativos ou em instituições de detenção – e a
permanência de crianças em locais de trabalho e em situação de rua. Estes são
componentesqueoferecemsituaçõesderiscoquecontribuem,muitasvezes,paraum
desfecho letal.Ospanoramasa seguir representamumaconvergênciadeelementos
quesãopassíveisdecontribuirparaumamaiorvulnerabilidadedecriançasdaAmérica
Latinaàviolênciafatal.
FATORES ESTRUTURAIS/ CONTEXTUAIS QUE VULNERABILIZAM AS CRIANÇAS ÀVITIMIZAÇÃOFATALEMDECORRÊNCIADAVIOLÊNCIAINTERPESSOALCOMUNITÁRIANAAMÉRICALATINA
A América Latina é uma região ampla e plural do ponto de vista cultural e
socioeconômico.CompreendeumaenormeextensãoterritorialcompaísesdaAmérica
CentraleAméricadoSul.Noquadroabaixo,apresentamosospaísesquecompõema
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região,alémdealgunsdadosatravésdosquaisépossívelperceberadiversidadede
cenários, considerando-se o grau de desenvolvimento socioeconômico e os níveis
globaisdeviolência,medidosatravésdataxademortalidadeporhomicídios(TMH)por
100milhabitantes.MesmoconsiderandoagrandedisparidadenasTMH(cujosvalores
variamentre4,6noChilee85,5,eHonduras)éreconhecida,desdemeadosdadécada
de 1980, a gravidade da situação na Região. Com base nos dados doGlobal Status
Report(OMS,2014),observa-seque13entreos20paísesapresentamTMHsuperiora
10por100milhabitantes,sendoqueem9astaxassuperam20por100mil.
País PopulaçãoTotal
ExtensãoTerritorial
(Km)
Densidadepopulacional
PIBpercapita*
Taxademortalidadeporhomicídio(/100,000)
Argentina 41.803.125 2.780.400 15 14,56 6,0***
Belize 339.758 22.970 15 4,510** 39
Bolívia 10.847.664 1.098.580 10 2,83 33
Brasil 202.033.670 8.515.770 24 11,76 24,3
Chile 17.772.871 756.096 24 14,9 4,6***
Colômbia 48.929.706 1.141.748 44 7,78 34
CostaRica 4.937.755 51.100 97 9,75 8,8ElSalvador 6.383.752 21.040 308 3,78 70
Equador 15.982.551 256.370 64 6,04 13,79
Guatemala 15.859.714 108.890 148 3,44 34,2
Guiana 803.677 214.970 4 3,97 17
Honduras 8.260.749 112.490 74 2,19 85,5
México 123.799.215 1.964.380 64 9,98 24
Nicarágua 6.169.269 130.370 51 1,83 12
Panamá 3.926.017 75.420 53 10,97 17
Paraguai 6.917.579 406.752 17 4,15 9,7***
Peru 30.769.077 1.285.220 24 6,41 6,5
Suriname 543.925 163.820 3 9,370** 9,4
Uruguai 3.418.694 176.220 20 16,36 7,9***
Venezuela 30.851.343 912.050 35 12,82 57,6***
FONTE:Dadosreferentesaoanode2014depopulaçãototal,extensãoterritorial,densidadepopulacionaledePIBpercapitaobtidosdoWorldBankGroup(endereço:www.worldbank.org).Taxasdemortalidadeporhomicídio:GlobalStatusReportonViolencePrevention(WHO,2014).*Rendanacionalbruta(convertidaemU$)divididapelapopulaçãonametadedoano.
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**Emvirtudedaausênciadedadosreferentesa2014foraminseridosnestescampososúltimosdadosdivulgados,emambososcasos,referentesa2013.***Dados extraídos das tabelas apresentadas como anexo estatístico ao Global Status Report onViolence Prevention (WHO, 2014). Todos os demais foram extraídos dos perfis de cada paísapresentadosnomesmorelatório.
Nesta seção buscaremos discutir alguns dos aspectos contextuais,
característicos a alguns países da América Latina, que concorrem para uma maior
vulnerabilidade de crianças à vitimização fatal em decorrência da violência
comunitária. Não é nosso objetivo fazer uma discussão exaustiva dos aspectos
apontados,enemexploraraespecificidadedecadaumdospaíses,oqueestáalémdo
escopodestepaper.
Pinheiro (ONU,2006) afirma que, quando o foco de análise é direcionado
especificamente à violência contra as crianças, é possível observar que os atos
violentosnãorespeitamasfronteirasgeográficas,declasse,raça,religiãoecultura.A
violênciacontraascriançasabrangeosmaisdiversificadoslocais:ambientedoméstico,
escolas, locaisde trabalho,espaçosparaentretenimento,espaçopúblico,centrosde
cuidado e instituições de detenção (ONU, 2006: PINHEIRO, 2006; FINKELHOR &
DZIUBA-LEATHERMAN,1994). Defato,aviolênciacontracriançaséumproblemade
ordem global com proporções epidêmicas que pode alcançar qualquer criança em
qualquer lugar (seja em casa, na escola ou nas ruas) e pode atémesmo atravessar
gerações(UNICEF,2014).
Emboraaviolênciasejaumproblemadeesferaglobalqueatingecriançasem
todo mundo, é notório o fato de que algumas são particularmente vulneráveis em
funçãodesuaidade,gênero,raça,origemétnicaouporalgumtipodeincapacidadeou
status social. Além disso, características contextuais também resultam em distintos
padrões de vulnerabilidade à violência. Em termos mundiais, todos os tipos de
violênciaestãoassociadosa fatores sociais comopobreza,normassociaiseculturais
de gênero, desemprego,mudanças sociais bruscas, desigualdade de gênero e renda
(WHO,UNODOC&UNDP,2014).SegundodadosdaUNICEF (2014)entreascrianças
quesofremviolência,60%estãovivendoemcondiçõesdepobreza.
Conquantonãosejapossívelcomporumcenáriounitário,nocasoespecíficoda
AméricaLatina,osaltosíndicesdeviolênciaapresentamconexãocomadesigualdade,
12
adimensãoculturaldomachismo,aexclusãosocial–expostapeloscontrastesentrea
riquezaeapobrezaextrema-,asoportunidadesdevidadesiguaisenfrentadaspelos
latino-americanos – tanto com relação ao desenvolvimento educacional, quanto ao
mercadodetrabalhoemfunçãodaaltaconcentraçãodejovensnestaregião-,ecoma
débil legitimidade do monopólio estatal da violência resultante da insuficiência do
Estado de Direito e das práticas corruptas difundidas entre a polícia, com um
importante crescimento e consolidação de grupos de criminalidade organizada
(IMBUSCH,MISSE&CARRIÓN,2011;UNICEF,2006).
Violênciainstitucionalpraticadaporautoridadespoliciais
O informe La violencia contra niños, niñas y adolescentes (UNICEF, 2006)
identifica a violência institucional como sendo decorrente de diferentes formas de
violência praticadas pelas instituições do Estado, seus órgãos e agentes. A violência
institucionalocorretantonointeriordasinstituiçõeseórgãosdereclusãodemeninos,
meninas e adolescentes que estão em conflito com a lei penal, quanto no espaço
público, especialmente nas áreas urbanas, durante as rotinas de abordagem de
meninos,meninas e adolescentes considerados “em atitude suspeita” por parte das
autoridades policiais. Este mesmo informe, demonstra que a violência policial
compreende a violência física (exemplificada também pela prática de execução
sumáriaextrajudicialepelafaltadeproteçãodosdireitosdepessoasquesãovítimas
de linchamento), a violência emocional e patrimonial e tambémpode incluir abusos
sexuais. Segundo aUNICEF (2006), oComité de losDerechos delNiño tem recebido
denúnciasdemaustratosebrutalidadepolicialeque,apesardamaioriadospaísesda
AméricaLatinaproibiremapenademorte,aparticipaçãodeautoridadespoliciaisno
assassinatodeadolescentesembairrospobresouquevivemnasruasparecesermais
frequentedoqueinformamosmeiosdecomunicação.Emgrandepartedestescasos,
anaturezadasatividadesdapolíciaéclandestinaenãoenvolvepolíticasinstitucionais,
mas sim a atividade demembros corruptos nas instituições (UNICEF, 2006). Nestes
contextos, as violações são cometidas pormembros de instituições que, a princípio,
deveriamserresponsáveispelaproteçãodascriançaseadolescentes(UNICEF,2014).
13
DadosapresentadospelorelatóriodoMOVIMENTOMUNDIALPELAINFÂNCIA(2012)5
indicam que, em Honduras, uma grande quantidade de agentes policiais atua à
margemdajustiça,emcumplicidadecomseussuperioresealiadosagruposdocrime
organizado,oqueacarretaumapercepçãonegativaacercadapolícia,comoinstituição
perigosa e com funcionários facilmente subornáveis. Ainda de acordo com o
MovimentoMundialpelaInfância(2012),apolíciadeElSalvadorinspiramedo,faltade
respeito e o risco de sofrer medidas repressivas sem motivo aparente e, entre as
percepçõesapreendidasnaCostaRica,asexigências feitaspelapolícianãomerecem
obediência em virtude da falta de exemplo por parte de alguns membros da
corporação. Segundo o relatório Easy targets: Violence against children worldwide
(HUMANRIGHTSWATCH,2001),naGuatemala,ascriançassofrem,deformahabitual
espancamentos, furtoseabusosexualnasmãosdaPolíciaNacionaledeguardasde
segurançaprivada.Osdelitoscostumamocorrernoperíododanoite,quandoémais
difícil identificar pessoas que possam testemunhar as ações, costumeiramente em
áreas desertas, nos becos e nos postos policiais. As crianças que vivem nas ruas da
Guatemala também sofreram execuções sumárias extrajudiciais. De acordo com o
relatórioHomicídiosdeCriançaseJovensnoBrasil:1980-20026(PERESetal.,2006),no
Brasil, a violência policial atinge mais de 50% das vítimas de Graves Violações de
DireitosHumanos(GVDH)comidadeentre0e4anose5a9anos(53,66%e54,14%,
respectivamente)etambémmaisde50%dasvítimascomidadesde10a14e15a19
anos. (52,83%e53,50%, respectivamente). Ainda combasenosdadosdoNEV/USP
(PERESetal., 2006),88%doscasosde linchamentoe68,53%doscasosdeviolência
policialcometidoscontracriançaseadolescentesde0a19anos,noBrasil,ocorreram
nointeriordeumadelegacia(PERESetal.,2006).
5Violenciacontra losniños,niñasyadolescentes:Estadodesituaciónde lospaísesdeCentroamérica,México,Cuba,yRepúblicaDominicanaenrelaciónconlaviolenciacontralosniños,niñasyadolescentesenseguimientoalEstudiodeNacionesUnidassobrelaViolenciacontralosNiños.6 Estes dados foram coletados do Banco de Dados sobre Graves Violações de Direitos Humanos doNúcleodeEstudosdaViolênciadaUniversidadedeSãoPaulo (NEV/USP).Estebancoécompostoporcasosdelinchamento,execuçãosumáriaeviolênciapolicialqueforamnoticiadospelaimprensaescritaentrenoperíodode1980a2003eapresentadadossobregravesviolaçõesdedireitoshumanos(GVDH)nosquaisasvítimasdiretas(fataisounão)eindiretas(testemunhas)sãocriançaseadolescentesentre0e19anos.
14
Conforme afirmam Jesus & Jesus Filho (2012), os percentuais dos acórdãos
proferidospelosTribunaisdeJustiçadaregiãosudestedoBrasilemcasosdecrimede
tortura contra crianças e adolescentes totalizam 35,1% do universo, constituindo
25,7% contra crianças e 9,4% contra adolescentes. Contudo, deve ser levado em
consideração o fato de que segundo os autores, a quantidade de casos que
efetivamentesãocomunicadasaosdelegadosdepolíciaouaoutrasinstânciasformais
decontrolenãopareceretrataraquantidaderealdoscasosderelatosdetorturaque
ocorrem.QuadroalarmantequeserepeteemHonduras,onde,entremaiode2002e
marçode2004,umtotalde59criançasejovenscomidadeinferiora23anosdeidade
morreram na prisão, das quais 41, segundo a alegação de ONG´s locais, foram
executadasilegalmenteporagentesdoEstado(ONU,2006).
NoMéxico,verifica-seumcrescimentodaviolêncianosúltimosanos,inclusive
dos homicídios, com consequências diretas para as crianças. Conforme de Human
RightsWatch(2011),apartirde2006,pormeiodeumapolíticanacionalde“guerra”
aonarcotráfico,empreendidaespecialmentepelousode forçasmilitares,várias têm
sido as vítimas de execuções extrajudiciais, desaparecimentos e tortura. Dessa
maneira, a política de segurança adotada não só tem falhado em combater a
criminalidade, mas tem promovido mais violência, ilegalidade e medo em muitas
regiõesdopaís.Assim,como indicaEmmerich (2011),comoresultadodessapolítica,
quase1.000criançaseadolescentesperderamavida.Apartirdedezembrode2006a
outubrode2010,994criançasforamassassinadasnalutacontraocrimeorganizado.
Entre 2000-2006 esse número tinha sido de 503 crianças, o que demonstra o
crescimento desse tipo de violência, em um curto período de tempo. Ademais,
observa-se um aumento acentuado do estigma contra as crianças que morrem em
uma ação militar contra o tráfico de drogas, imediatamente associando-os com a
atividadecriminal,semnenhumaevidênciaouinvestigação.Osdanosdessa“guerra”
sãomaisperversosparaascriançascomescassosrecursosfinanceirosquehabitamas
regiõesfronteiriçascomaltosníveisdeviolência,comoaCiudadJuárezeTijuana.Além
dos assassinatos das próprias crianças, muitas acabam ficando órfãs por conta da
violência.Apesardessa situação,muitopouco tem sido feitopara apuraros casose
responsabilizarosculpados.
15
Ganguesegruposdecriminalidadeorganizada
Aviolênciarelacionadaaousoeaotráficodedrogastemsetornadofrequente,
principalmente nas cidades que crescem rápido, mas que apresentam pouco
investimento em infraestrutura ou no sistema de justiça. Na América Latina, os
adolescentestêmsidoasvítimasmaisfrequentesdestetipodeviolência.Emtermos
gerais, quaseum terçode todosos assassinatosqueocorrempossuem relação com
ganguesouquadrilhas7,envolvidasdealgumaformacomotráficodedrogasououtras
mercadorias ilegais (UNICEF,2014).DeacordocomRodgers (1999),existemgangues
em diversos países da América Latina, como Peru, México Nicarágua, Costa Rica,
Guatemala, Chile, El Salvador, Brasil, Colômbia e Argentina. Também há registros,
embora escassos, acerca da existência de gangues na Venezuela, Panamá, Uruguai,
BelizeeemHonduras(RODGERS,1999).SegundoImbusch,MisseeCarrión,(2011),os
anos 1990 iniciaram um processo de crescimento de amplitude exponencial com
relaçãoàinserçãodemembrosmuitojovensemganguesnaAméricaLatina.Segundo
aUNICEF(2006),esteprocessosedeu,emparte,emvirtudedascondiçõesdepobreza
epelafaltadeopçõesdetrabalhoeestudoentreascriançasejovensqueresidemem
regiõesquenãosãoalcançadaspelasoportunidadesdedesenvolvimento.Condições
comoestascontribuemparaquecriançaseadolescentesenvolvam-seematividades
ilegais, clandestinas e criminosas. Como consequência, tornam-se alvos da
arbitrariedade, da violência policial e, em última instância, das execuções sumárias
extrajudiciais(MOVIMENTOMUNDIALPORINFANCIA,2012).
Éprecisoressaltaroquãodifíciléestimaralgumdadorelacionadoàsgangues,
masénotórioofatodequeonúmerodelasésignificativamentealto.Deacordocomo
relatório Crime and violence in Central America: A Development challenge (BANK
MUNDIAL, 2011), até o ano de 2011, existiam mais de 900 gangues atuando na
AméricaCentral.Aestimativaeradequecercade70.000membroscompunhamestes
gruposconformedemonstraoquadroabaixo(BANCOMUNDIAL,2011,p.15):
7 Para cada um dos países, existe uma denominação específica para as gangues: em El Salvador, naGuatemalaeemHonduras,elassãochamadasdemaras;naColômbiaenoEquador,bandas;noPeru,chimbasoumanchas;noMéxicoenaNicarágua,pandillas;naArgentina,barras;naCostaRica,parchasouchapulinesenoBrasil,quadrilhasougaleras(IMBUSCH,MISSE&CARRIÓN,2011,p.130,grifosdosautores).
16
QUADRODEATUAÇÃODASGANGUESNAAMÉRICACENTRAL
PaísNúmerodemembros
dasganguesNúmerodegangues
Honduras 36.000 112Guatemala 14.000 434ElSalvador 10.500 4Nicarágua 4.500 268CostaRica 2.660 6Panamá 1.385 94Belize 100 2Total 69.145 920Fonte:CentralAmericanandCaribbeanComissionofPoliceChiefs.In:WORLD BANK. Crime and violence in Central America: ADevelopmentchallenge.Washington,DC:WorldBank,SustainableDevelopment andEconomicManagementUnit, LatinAmerica andtheCaribbeanRegion,2011.p.15.
Omesmorelatório (WORDLBANK,2011)demonstraaindaqueaatuaçãodas
ganguesdaAméricaCentralenvolvedesdecrimesdepequenaescalaedelinquência
(comoroubos,assaltoseextorsãodeempresas locaisdeônibuse táxisemtrocade
proteção nos territórios dominados por gangues, conforme evidencia a atuação das
marasemHonduras,ElSalvadorenaGuatemala)atécrimesqueenvolvemviolência
extrema. Em El Salvador, estima-se que gangues foram responsáveis por 8% dos
homicídiosem2003,9,9%em2004,13,4%em2005e10,7%em2006.NaGuatemala,
aparticipaçãodemembrosdeganguesemhomicídiostambémébastanteexpressiva.
Estima-se que, entre julho de 2002 e agosto de 2003,membros ou ex-membros de
gangues estiveram envolvidos em cerca de 1/3 do total de homicídios. Já em
Honduras,estima-sequecercade15%doshomicídiosestejamrelacionadosàatuação
diretadasgangues(WORLDBANK,2011).
Em termos gerais, na América Central, tanto os perpetradores quanto as
vítimas da violência são jovens do sexo masculino. Com relação a este ponto, na
Nicarágua, por exemplo, cerca de metade dos homens que cometem homicídios
possuem idade entre 15 e 25 anos e em El Salvador, a maioria das pessoas que
cometemcrimesviolentossãohomensjovenscomidadeestimadade23anos.Entre
as vítimas de homicídio na América Central, a maior parte são homens, com idade
entre15e34anos(WORLDBANK,2011).
17
OBancoMundial(2011)fazusodomodeloecológicoparadelimitarquaissão
osfatoresderiscoquelevamosjovensaseenvolveremcomgangues,revelandoque
os jovens que participam desses grupos pertencem a uma camada vulnerável da
sociedade.Entreosfatoressociaissedestacam:a)Culturadeviolência,queincluium
conjunto de normas, valores e atitudes que legitimam a prática da violência; b)
Pobrezaedesigualdade,queapesardenãoapresentaremumarelaçãocausalcoma
violência, influenciamnoabandonoescolar, queéum fatorde risco; c)Urbanização
rápida e descontrolada, que contribui para a desorganização e para a falta de
planejamentourbano,resultandonoaumentodograudeviolência;d)Desempregoe
escassez de atividades para os jovens, que aumentam a probabilidade de
envolvimento dos jovens em comportamentos de risco; e)Migração, especialmente
entrecriançasejovensqueficamseparadosdeseuspais,comoéocasodascrianças
quemigram sozinhas para os EUA; f) Tráfico de drogas, que geram comportamento
violento, dependência química que ocasiona envolvimento com atividades ilícitas e
estimulaaparticipaçãoemredesdedistribuiçãodedrogasenocrimeorganizado.
Os fatores comunitários envolvem: a) Baixo investimento no sistema escolar,
que geram o risco de envolvimento em atividades “profissionais” criminosas; b)
Violência escolar, ocasionada pela punição corporal provocada pelos professores ou
atosviolentoscometidosentreosprópriosestudantes;c)Acessolivreàcirculaçãodas
armasdefogo.Entreosfatoresdeordem interpessoalourelacional,sãodestacados:
a)Pobrezaemtermosdemoradia,queobrigaospaisaenfrentaremlongas jornadas
detrabalho,deixandoseusfilhosforadesuasupervisão;b)desestruturaçãofamiliar,
comoenfrentamentodeexperiênciasdeviolêncianoambientefamiliar;c)Redesde
amizadecommembrosdegangues.Osfatoresindividuaisincluemoabusodeálcoole
o processo de construção de identidade entre os jovens e sua necessidade de
pertenceremaumgrupo,emumsistemaqueésocialmenteexcludente.
Embora se reconheça a participação, cada vezmais precoce, de crianças em
grupos de criminalidade organizada e gangues, não existem dados que permitam
estimaraextensãodesseproblemaenemoquantosãovitimadasfatalmenteounão,
pelaviolência(UNICEF,2014).
18
Criançasemsituaçãoderua
O risco de ser vítima de violência por parte de autoridades policiais ou por
profissionaisresponsáveispelasegurançaprivadaémaisfrequenteentrecriançasque
estãoemsituaçãoderua.Osatosviolentoscontraascriançasderuacometidospela
políciaenvolvemextorsão,tortura,abusosexualemuitasvezes,amorte.Asmeninas
que vivem na rua correm o risco de serem forçadas a oferecer sexo para que não
sejam presas ou mesmo enquanto estão sob custódia da polícia. Entre os diversos
fatoresqueestãoenvolvidosnessescasos,oquesedestacaéapercepçãodapolícia
dequeascriançasderuasãovagabundasecriminosas,aliadaàcorrupçãoeàcultura
deviolênciaporpartedosagentespoliciais,àinadequaçãoeàfaltadeimplementação
deumsistemalegaldeproteçãoeàimpunidadeentreosoficiaisquecometemdelitos.
Ascriançasderuasãovulneráveisporquesãojovens,muitasvezes,pequenas,
pobres,nãoconhecemosseusdireitosefrequentementenãoestãosobatuteladeum
adulto que seja responsável por elas.Quando detidas pela polícia, algumas crianças
ficam sujeitas a interrogatórios brutais e a métodos de tortura em troca de
informações ou de uma suposta confissão. Como intuito de obter informações, as
autoridades policiais submetem crianças a punições corporais severas, isolamento,
faltadealimentação,insultosecontençãofísica.Apolícia,porvezes,tambémvêestas
crianças como fonte de dinheiro em troca de proteção e da elaboração ilegal de
documentos de custódia (HUMAN RIGHTSWATCH, 2001). Cerca de 230milhões de
criançasnãopossuemidentidadelegale,comoconsequência,nãopossuemqualquer
possibilidadedeacessoàjustiça(UNICEF,2014).Alémdisso,oresultadodepartedos
abusos - que por vezes assumem um caráter sistemático, e, em última instância,
resultamemmortes–sãofrutodafalhadasautoridadesgovernamentaisematuarde
formaefetivaemfavordapuniçãodosperpetradoreseemagircomfirmezadiantede
ameaçasderetaliação(HUMANRIGHTSWATCH,2001).
DeacordocomaHumanRightsWatch (2001),naGuatemala,ascriançasque
vivem nas ruas sofrem práticas sistemáticas que envolvem furto, abuso sexual e
espancamentocometidospelaPolíciaNacionaleporguardasdesegurançaprivada.Os
19
delitosregistradosnorelatóriocostumamocorrernoperíododanoite,quandoémais
difícilapresençadetestemunhasdasaçõesilícitas.Porestemotivo,osatosviolentos
sãocostumeiramenterealizadosemáreasdesertas,nosbecosenointeriordospostos
policiais.Entreosdelitosdeordemmaisgraveocorridosnopaísdestacam-secasosde
execuções sumárias extrajudiciais cometidas contra crianças em situação de rua
(HUMAN RIGHTSWATCH, 2001). No Brasil também existem relatos e denúncias de
violênciacontracriançasemsituaçãoderua,aexemplodachacinaocorridaem1993,
queganhourepercussãocomoo“MassacredaCandelária”,quando8criançasforam
executadas por um grupo de extermínio, também denominado como esquadrão da
mortedoqualparticipavampoliciais(ROSENBLATT,2014).
Criançasemlocaisdeconflitoarmado
Em situações de conflito, as crianças são os alvos mais frequentes de ações
violentas brutais e indiscriminadas. De acordo com o relatório do Human Rights
Watch,(2001)aUNICEFestimaque,nadécadade190,cercade2milhõesdecrianças
morreramdiretamente emdecorrência de conflitos armados, tanto pela atuaçãode
grupos armados, quanto pela atuação das próprias crianças como “soldados” nos
conflitos.Emlocaisdeconflitosarmados,umoutrogrupodecriançasvulneráveissão
asrefugiadas,quecorremoriscodeseremvítimasdaviolêncianoseupaísdeorigem
enas fronteirasondeserefugiam.Alémdavulnerabilidadecomrelaçãoàperdados
pais, aoabuso físico, violênciaeexploração sexual, estas crianças tambémcorremo
risco de sofrerem ataques, de proporções até mesmo letais, nas fronteiras
(URUSQUIETA, 2014;HUMANRIGHTSWATCH, 2001). Asmeninas apresentammaior
vulnerabilidadecomrelaçãoaataquessexuais.
De acordo com relatório da Human Rights Watch (2001), o Exército
guatemaltecoanunciouacapturade32criançascom17anosoumenos,váriasdelas
commenos de 14 anos, sendoque um terço das crianças capturadas eramdo sexo
feminino.Nasguerrilhas,seascriançascapturadasportassemalgumainformaçãodas
forçasde segurança,enfrentariamamorte comopunição. Entreos soldadosmortos
emconflitosarmados,oExércitodeclarouapresençade20crianças.Noperíodode
20
1995a2000,aHumanRightsWatch(2001)documentouorecrutamentodecrianças
como soldados em conflitos armados na Colômbia, colocando suas vidas em risco
extremo.Entreelas,dezenasforammortasoucapturadasapósencontraremtropasdo
governo ou das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). As forças
paramilitarescolombianascomeçavamarecrutarcriançasapartirdos8anosdeidade
e,deacordocomestimativas,maisde50%dasforçasparamilitareseramcompostas
porcrianças.
Criançasrefugiadasemlocaisdefronteira
As crianças em situações de guerra ou conflito são postas em uma grave
situaçãodevulnerabilidade,comoresultadodosriscosletaisprovenientesdaguerrae
desituaçõesqueasobrigamase retiraremdosseuspaíses,àsvezesacompanhadas
porseusfamiliareseoutrassemaproteçãodeseuspais,embuscadeauxílioemum
novo país de exílio (UNICEF, 2014). As razões pelas quais essas crianças partem
sozinhasnasregiõesdefronteirapodemcompreender:abuscaporoportunidadesde
empregooueducação,afugadeumasituaçãocrônicadepobreza;afugadoabusoou
da violência doméstica; a busca por status, pelo acesso a bens de consumo ou por
oportunidades de entretenimento; a busca pela reconstrução de suas vidas, em
respostaaoimpactocausadoporconflitos,porcatástrofesnaturaisoupeloHIVeAIDS;
para escapar de situações de discriminação (REALE, 2008). Estando em situação de
guerra, as meninas refugiadas são mais vulneráveis a estupros e outras formas de
violênciasexual.Em2013,8milhõesdecrianças foramforçadasadeixarseuspaíses
(UNICEF,2014).
De acordo com oAmerican Immigration Council (2014), a grandemaioria de
criançasdesacompanhadasque ingressaram ilegalmentenosEUAeramprovenientes
doMéxico,Honduras,GuatemalaedeElSalvador.Nestemesmorelatórioconstaque
ototalde68.541criançasforamapreendidasdesacompanhadasnafronteirasudoeste
dosEUA8peloDepartamentodeAlfândegaeProteçãodeFronteiras,sendoque27%
dascriançasvieramdeHonduras,25%vieramdaGuatemala,24%deElSalvadore23%
8Entre 1 de Outubro de 2013 e 30 de setembro de 2014.
21
doMéxico (AMERICAN IMMIGRATIONCOUNCIL, 2014).Outro fato apresentadopelo
American Immigration Council (2014) é que este movimento de crianças – sejam
acompanhadasoudesacompanhadas-nãose limitaaosEUA,poisháumtrânsitode
pessoas que, devido às condições de insegurança que enfrentam em El Salvador,
GuatemalaeHonduras,têmpartidodestespaísesembuscaderefúgionoMéxico,na
Nicarágua,noPanamá,naCostaRicaeemBelize.
A VITIMIZAÇÃO FATAL: HOMICÍDIOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA AMÉRICA
LATINA
Homicídio é aqui entendido como a morte ilegal cometida de maneira
intencionalporumapessoa.Suasmotivaçõessãogeralmentemúltiplaseapresentam-
se sobrepostas, incluindo conflitos interpessoais, atividades criminosas, entre outros
(UNODOC, 2013). Numa perspectiva de curso de vida, Christoffel (1984) indica a
possibilidadedecaracterizaroshomicídiosentreascriançaspormeiodetrêssubtipos,
tendo como base mudanças de vulnerabilidades no desenvolvimento das crianças:
infanticídio, abuso infantil e negligência fatal, e homicídio na comunidade.
Classificação que sugere diferentes fatores, ambientes e atores envolvidos nessas
mortes.Oinfanticídioestariarelacionadoàsdificuldadesnocuidadoparentalnoinício
da vida, associadas a fatores de estresse e outras dificuldades emocionais dos
cuidadores que poderiam desembocar na vitimização fatal. Com o crescimento da
criança,oshomicídiosestariam fortementeatreladosàpunição física corporal como
forma de disciplinamento. Já com o crescimento, situações de interação na
comunidadeseriammaisresponsáveisporessetipodeviolência,quepassaasermais
acentuadaentreosmeninos(UNICEF,2014a).
Assim,diferentesestudostêmindicadoqueaocorrênciadehomicídiosentreas
criançasvariadeacordocomaidadedavítima,sendoafaixa-etáriaentre15e17anos
aquela que está emmaior risco. O segundo grupo é o de bebês. O risco demorte
chegaasertrêsvezesmaiorparacriançasmenoresdeumanodeidadedoquepara
aquelescomidadeentre1a4,queporsuavez,enfrentamodobrodoriscodepessoas
comidadesentre5a14(ONU,2006).Alémdisso,quantomaisjovemacriança,maior
a probabilidade de sua morte ser causada por um membro próximo da família. A
22
maioriadosassassinatosdascriançasmenoresdeumanode idadesãoperpetrados
porumouambosospaisdacriança,frequentementeamãe.Enquantoquecercade
50%a75%dosassassinatosdecriançascom idade inferiora10anossãocometidos
por membros da família, essa proporção cai a cerca de 20% dos assassinatos de
criançasde10a14, e5%dosassassinatosde criançasde15a19 (ONU,2006).Por
contraste,avulnerabilidadedeumacriançaàviolêncianacomunidadeaumentacoma
idade,maturidadeeintensificaçãodecontatoscomoutrasesferasdesociabilidade.
Apesar desses padrões gerais, outro aspecto de extrema importância na
vitimização das crianças por homicídios diz respeito aos contextos sociais dos quais
elas fazem parte. Assim, diferentes países apresentam taxas de homicídios muito
diferenciadas. AOrganizaçãoMundial de Saúde estimaque a taxa de homicídios de
crianças,em2002,foiduasvezesmaiorempaísesdebaixarendadoqueempaísesde
alta renda (2,58 contra 1,21 por 100.000 habitantes) (ONU, 2006). Em números
absolutos, para a faixa etária de 0 a 17 anos, 52,904 crianças foram vítimas de
homicídios,aopassoque42%destetotaltinhamidadeentre15e17anos,dosquais
75%erammeninos (ONU,2006).Emboraestasestimativasnãoespecifiquemo local
no qual os homicídios aconteceram, dados de estatísticas policias ou de outros
sistemasdevigilânciasugeremqueamaioriadoscasosnafaixaetáriacompreendida
entre os 15 e 17 anos ocorreu no espaço público. Não obstante poucos estudos
tenhamexaminadoa relaçãoexistenteentreavítimaeoagressor,osqueo fizeram
sugerem que os autores dos homicídiosmuitas vezes são amigos ou conhecidos da
vítima, motivados por desentendimentos ligados a conflitos interpessoais, e muitas
vezes sob influência de álcool ou em razão do consumoou tráfico de drogas (ONU,
2006).
Esse tipo de violência ocorre em todo o mundo, mas é mais frequente em
regiões mais pobres, a exemplo do que ocorre na América Latina, com contextos
caracterizados pela superpopulação, pobreza, altos índices de desemprego, padrões
educacionaisedemoradiabaixoseausênciadeequipamentossociais.Esteambiente
tornaosjovensvulneráveisaoenvolvimentocomatividadescriminosasilegais,sendo
que naqueles locais em que existe o fácil acesso a armas de fogo, as chances de
23
ocorrerhomicídiossãoaindamaiores.Dadosapontamqueocorrememmédia140.000
homicídiosporanonaAméricaLatina,sendosuataxaduasvezesmaiorqueamédia
mundial, o que a torna a segunda regiãomais violenta domundo, atrás apenas da
África Subsaariana (Banco Mundial, 2006). Além disso, estudos demonstram que a
chancedeumjovemdosexomasculinoservítimadeumhomicídionestaregião,é70
vezes maior do que de um jovemmorador do Reino Unido, por exemplo (UNICEF,
2014a).
A Organização Pan-Americana de Saúde considera a violência na região uma
pandemiaquevemcrescendodeformaalarmantedesdeosanosde1970,criandoum
forteobstáculoaoseudesenvolvimento.Aexemplodoqueocorreglobalmente,além
defatorescomoidade,sexoedesenvolvimentosocioeconômico,asmanifestaçõesde
violência são heterogêneas emuito particulares, variando de acordo como grau de
urbanização,entreregiões,cidadeseatémesmodentrodasmesmascidades,(Banco
Mundial,2006;UNICEF,2006.
A seguir, será apresentado um panorama sobre as mortes por homicídio na
Região.Primeiramente,focalizandonastaxasdehomicídiosgeraisedepoisespecíficas
paraascrianças.Paraessasúltimas,afaixa-etáriautilizadaseráde0a19anos,devido
àdisponibilidadedosdados(deacordocomasprincipaisfontesinternacionais).
ConformeaUNODOC,noanode2012,oshomicídiosforamresponsáveispela
morte de quase meio milhão de pessoas (437,000) no mundo, com maior
concentração nas Américas, seguido pela África e Ásia (36%, 31% e 28%,
respectivamente).Emtermosdetaxasdehomicídios,tem-sequeamédiaglobalpara
esse mesmo ano foi de 6,2 por 100.000 habitantes. Entretanto, amplas são as
disparidadesentreassub-regiões:naÁfricadoSuleAméricaCentralastaxasficaram
acima de 24/100.000 habitantes, seguidas pela América do Sul, “Middle África” e
Caribe(comtaxasentre16e23/100.000habitantes).JáaÁsiaOriental,EuropadoSul
eaEuropaOcidentalsãoassub-regiõescomosmaisbaixosníveisdehomicídio.
Dessemodo,quandoseconsideraaAméricaLatinaobserva-sequeessavemse
caracterizando por ser uma região com as maiores níveis de violência, quando
comparada às demais regiões domundo: “Latin America has long been a violence-
24
prone continent. No other region of theworld knows higher homicide rates nor has
suchavarietyofviolence.Politicalviolence,guerillamovementsandcivilwars,bloody
revolutions, brutal dictatorships, domestic violence, criminal violence, and youth
violenceareallwellknownthroughouthistory”(IMBUSCHetal.,2011,p.88).Imbusch
et al. (2011) sugerem que a alta incidência de violência na América Latina, cuja a
ocorrênciadehomicídiosseriaapenasapontadoiceberg,relaciona-se,entreoutros,
com a grande desigualdade social, com processos de exclusão social, com a frágil
legitimidadedomonopólio estatal da violência, déficits no EstadodeDireito e forte
corrupçãopolicial.
Entre2000a20129, conformerelatóriodaUNODOC,grandepartedospaíses
dessa região, além de terem altas taxas durante todo o período, apresentaram
incremento ao longo do tempo, alguns acima de 100% (como no caso de Belize e
México).Quedasforamobservadasemtrêspaíses:Colômbia,EquadoreParaguai.
9CombasenosdadosdaUNODOC,nãohávaloresparatodaasérietemporalparaosseguintespaíses:Brasil,Bolívia,Suriname,Chile,GuianaFrancesaeChile.
25
Gráfico1
Tendocomobaseoanode2012,observa-sequeospaísescommaiorestaxas
de homicídios, na América Latina, foram Honduras, com uma taxa de 90,4/100.000
habitantes, seguido pela Venezuela, Belize, El Salvador, Guatemala e Colômbia,
conforme o gráfico abaixo (para esse ano não há dados para Guiana Francesa e
Argentina).Há,contudo,paísesqueapresentaramtaxasabaixode10/100.000,como
Paraguai,Peru,CostaRica,Uruguai,SurinameeChile.
0.0
10.0
20.0
30.0
40.0
50.0
60.0
70.0
80.0
90.0
100.0
2000 20012002 20032004 200520062007200820092010 20112012
Taxademortalidadeporhomicídio/100.000habitantes,paísesdaAméricaLalna,2000-2012.
Honduras Venezuela Belice ElSalvadorGuatemala Colombia México PanamáGuiana Equador Nicaragua ParaguaiPeru CostaRica Uruguai
IncrementosHondurasVenezuelaBeliceElSalvadorGuatemalaColômbiaMéxicoPanamáGuianaEquadorNicaráguaParaguaiPeruCostaRicaUruguai
77,663,2159,94,854,1-53,7108,775,571,7-15,121,5-47,892,032,823,4
Fonte:UNODOC,2013.
26
Gráfico2
VITIMIZAÇÃO POR HOMICÍDIOS ENTRE CRIANÇAS: NO MUNDO E NA AMÉRICA
LATINA
Umdosestudosrecentesmaisimportantessobreavitimizaçãodecriançaspor
violêncianomundoconsistenorelatório“Hiddeninplainsight:astatisticalanalysisof
violenceagainstchildren”(UNICEF,2014a).Alémdeabrangerdadossobrediferentes
tiposdeviolência,orelatóriocontemplaumaseçãoespecialdedicadaadimensionar
os homicídios contra as crianças (0 a 19 anos), indicando padrões e diferenciações,
conformeregiões,sub-regiões,países,bemcomoporsexoeidadedasvítimas.
De acordo esse relatório, apenas em 2012, quase 95.000 crianças e
adolescentesentre0e19anostinhamsidovítimasdehomicídionomundointeiro(ou
seja, quase uma em cada cinco vítimas de homicídios, nesse ano, pertencia a essa
faixa-etária).Osdadosmostramquecercade30.000dessascriançastinhammenosde
10anosde idade, sendoque19.000estavamcomapenas0a4anosquando foram
assassinadas. Issodemonstraqueoperíododonascimentoatéos4anosde idadeé
umprimeiromomentocríticoparaesse tipodeviolência,que temumacertaqueda
entre as faixas-etárias seguintes, de 5-9 anos e 10 a 14 anos (11.000 para ambas),
apesardasuapermanência.Entretanto,na faixa-etáriade15e19anosasituaçãoé
90.4
53.744.7 41.2 39.9
30.825.2 21.5 17.2 17 12.4 12.1 11.3 9.7 9.6 8.5 7.9 6.1 3.1
Taxademortalidadeporhomicídiopor100.000habitantes,paísesdaAméricaLalna,2012.
Fonte:UNODOC,2013.
27
ainda mais grave, contabilizando 57% do total de mortes por homicídios entre as
criançaseadolescentesde0a19anos.
Gráfico3
Em termos globais, segundo a UNICEF (2014), a maior parte das crianças
vitimasdehomicídios residemem paísescomrendabaixaoumédia, comdestaque
paraaAméricaLatinaeoCaribe.Nessasregiõessãoencontradososmaioresníveisde
homicídio para essa faixa-etária, contabilizando um total de 25.400 mortes por
homicídiosentrecriançaseadolescentesde0a19anos,oqueconstituiumataxade
12homicídiospor100.000habitantes.Ademais,omaiorriscorecaisobreosmeninos,
contabilizando emmédia 70 por cento das vítimas (UNICEF, 2014a). E embora esse
maior risco seja encontrado no mundo inteiro, adquire proporções mais drásticas
nessasduasregiões,ondeosmeninossãoquasesetevezesmaispropensosamorrer
devido aos homicídios do que as meninas. Os dados apontam que no Panamá,
Venezuela,ElSalvador,Brasil,Guatemala,eColômbia,ohomicídioconstituiu-secomo
aprincipalcausademortesentreadolescentesdosexomasculinonafaixaetáriade10
a 19 anos. O relatório ainda aponta que globalmente, os meninos estão mais
propensos a ser assassinados por estranhos, devido a maior probabilidade do
envolvimento em atividades criminosas, gangues ou conflitos interpessoais em
espaços públicos, ao contrário das meninas, onde os principais perpetradores dos
assassinatossãomembrosdafamíliaouparceirosíntimos(UNICEF,2014a).
57%11%
11%
20%
Númerodevílmasentre0e19anos,porgrupodeidade,2012.
15a19anos
10a14anos
5a9anos
0a4anos
Fonte:UNICEF,2014a.
28
QuandoseobservaospaísesdaAméricaLatinaemseparado,identifica-seque
opaíscommaiortaxadehomicídiosparaafaixa-etáriade0a19anos,em2012,foi
Honduras,seguidoporGuatemalaeVenezuela.Todoscomtaxasdemortalidadepor
homicídiosigualouacimade20por100.000habitantes.Contudo,hápaísescomtaxas
muito inferiores, como Chile, Uruguai, Peru (todos com taxas de 2 por 100.000
habitantes)eSuriname(paraoqualataxafoinula).
Gráfico4
Como mencionado acima, há uma discrepância muito grande no risco de
meninasemeninos seremvítimasdesse tipodeviolência, isso tambémseevidencia
para os países da América Latina, o que pode ser visualizado no gráfico 5. Em
Honduras,em2012,porexemplo,verifica-seamaiortaxaentreosmeninos.Enquanto
essesapresentaramumataxademortalidadeporhomicídiode42/100.000habitantes,
entreasmeninasessevalorfoide11/100.000habitantes.Nessecaso,oriscorelativoé
de3,8.Hápaísesondeesseriscoéaindamaior,comonaVenezuela,ondeosmeninos
têm18,5maischancesdeservítimadehomicídiodoqueasmeninas.
2722 20
17 15 13 137 7 7 6 6 6 5 4 3 2 2 2 0
Taxademortalidadeporhomicídiopor100.000habitantes,faixa-etáriade0a19anos,paísesdaAméricaLalna,2012.
Fonte:UNICEF,2014a.
29
Gráfico5
Essas disparidades continuam quando os dados são desagregados. Assim,
quandosãocomparadososmeninosnafaixa-etáriade10a14anoscomosmeninos
de 15 a 19 anos, identifica-se um aumento expressivo no risco de morrer por
homicídios.SituaçãoqueéaindamaisdrásticanospaísesdaAméricaLatinaeCaribe.
SegundodadosdaUNICEF(2014a),considerandooanode2012,cercade4porcento
dasvítimasdehomicídiodomundosãomeninoscomidadesentre15e19anosnesta
região.Nesse sentido, o caso doBrasil é emblemático, tanto no que diz respeito às
disparidades por idade, como por sexo. Nesse país, enquanto a taxa de homicídios
entrecriançasde0a9anosestáabaixode1por100.000habitantes,essevalorsobe
para32por100.000habitantesnafaixa-etáriade10a19anos,comníveismaisque10
vezesmaioresparaosmeninosquandocomparadosàsmeninas (58por100,000e5
por 100,000, respectivamente) (UNICEF, 2014a, p.38). O mesmo é observado na
Venezuela,ondeataxadehomicídiocrescede1,2por100,000milhabitantes,entre
criançascommenosde10anosdeidade,para39por100.000habitantesentre10e
19anos,comdiferençassignificativasentreossexos(74por100,000entreosmeninos
e3por100,000entreasmeninas).
42
31
37
31
2622
1512 12
9 10 108 8 6 5 3 3 2 0
11 12
2 3 4 311
2 2 5 2 1 3 2 2 1 1 1 1 0
Taxademortalidadeporhomicídiopor100.000habitantes,faixa-etáriade0a19anos,porsexo,paísesdaAméricaLalna,2012.
M F
Fonte:UNICEF,2014a.
30
No quadro abaixo é possível observar a distribuição do risco de morte por
homicídioporidade,nafaixaentre0e19anos,noBrasil,esuaevoluçãoentre2000e
2010(Waiselfisz,2012). Chamaatenção inicialmente,como jámencionadoacima,a
taxademortalidadeentrecriançasmenoresde1ano,superioràscriançasentre1e12
anos.AtaxademortalidadenessafaixaetárianoBrasilsuperaaTaxademortalidade
por homicídio na população total de países como Canadá, Bélgica, Croácia, China,
França, Alemanha (WHO, 2014). Um aumento substancial do risco ocorre com a
entradanaadolescência,apartirdos13anos,e,sobretudo,dos14aos19anos.
Evoluçãodastaxasdehomicídio(em100mil)decriançaseadolescentes(<1a19anos)poridadessimples.Brasil,2000-2010.
Idade 2000 2010 Incremento0 2,4 2,7 13,81 0,8 1,2 36,02 0,8 1,0 20,43 0,9 0,8 -9,44 0,7 0,8 7,65 0,7 0,6 -20,16 0,5 0,7 36,27 0,5 0,7 30,18 0,9 0,7 -18,79 0,8 0,8 5,210 1,1 0,9 -11,911 1,4 1,4 0,212 1,5 1,8 15,113 3,3 4,9 46,414 8,7 9,8 13,115 16,7 22,2 32,916 28,9 37,0 28,117 44,2 52,5 18,818 51,8 58,2 12,419 60,4 60,3 -0,10a19 11,9 13,8 15,8Fonte:Waiselfisz,MapadaViolência,2012.
Ainda em relação ao Brasil, vários outros estudos indicam a gravidade da
vitimizaçãoporhomicídiosdecriançaseadolescentes.ConformePeresetal. (2006),
no período de 1980 a 2002, ocorreram 696.056 óbitos por homicídios no país, dos
quais 16% (110.320) foram na faixa-etária de 0 a 19 anos. As maiores vítimas
31
concentram-senogrupode15a19anos,contabilizando96.588mortos(87,6%).Para
os demais grupos de idades tem-se a seguinte distribuição: 0 a 4 anos (3,1%; 3.465
crianças assassinadas); 5 a 9 anos (1,9%; 2.145 crianças assassinadas); 10 a 14 anos
(7,4%; 8.122 crianças e adolescentes assassinados). Esse padrão de alta vitimização
permanece nos períodos subsequentes. Assim, conforme Melo e Cano (2011), que
analisaram as mortes por homicídios entre adolescentes de 12 a 18 anos para os
municípiosbrasileiros commaisde100milhabitantes,oshomicídios representaram
44%dosóbitosentreosadolescentes,noanode2008,enquantoessevalorfoide6%
para a população geral. Essemesmo estudo faz parte de uma série de publicações
(MELOeCANO,2012;MELOeCANO,2014)quevemdedicando-seacalcularo“Índice
dehomicídiosnaAdolescência”(IHA),oqualexpressaonúmeroesperadodevidasde
adolescentesperdidasporcausadoshomicídiosde12a18anos,paracadagrupode
miladolescentesde12anos.Em2008,oÍndicedeHomicídiosnaAdolescênciaparaos
municípios commaisde100milhabitantesnopaís foide2,27adolescentesmortos
paracadagrupodemil indivíduosde12anos.Em2009,esse índicesubiupara2,61;
em2010,para2,98;eem2012,para3,32,oquedemostraumacréscimosignificativo
ao passar dos anos, inclusive devido ao aumento das mortes por homicídios nas
regiõesNordesteeCentro-Oestedopaís.
Ademais, essa série de estudos indica que o risco de adolescentes do sexo
masculinotornarem-sevítimasdehomicídiofoi,em2008,aproximadamentequatorze
vezesmaiorqueoriscoparaosexofeminino.Nosoutrosanos,oriscorelativofoium
poucomenor,contudoapresentandoamesmatendência(11,5,em2010,e11,92,em
2012). Diferenças também são encontradas quando se considera a cor ou raça dos
adolescenteseosmeiosutilizadosnaperpetraçãodoshomicídios.Paraapopulaçãode
todos os municípios com mais de 100 mil habitantes, os adolescentes negros
apresentaram,em2008,umriscoquatrovezesmaiordeseremassassinadosdoqueos
brancos,oqueapontaparaumasignificativadesigualdaderacial(valorquefoide2,78,
em2010,ede2,96,em2012).Jáemrelaçãoaomeioutilizado,em2008,tem-sequeo
riscodeumadolescenteservítimadehomicídioporarmadefogofoiseisvezesmaior
do que por outrosmeios (risco que foi de 5,6, em 2010, e de 4,67, em 2012). Isto
sublinhaopapelcentraldasarmasdefogonaviolêncialetalcontraessegrupoetário.
32
EstaéumarealidadequeperpassaosdiferentespaísesdaAméricaLatina,que
apresentamtaxatotalde17.827mortespor100.000habitantesperpetradasporarma
defogo,superiorem50%emrelaçãoàafricanaetrezevezesmaiorqueaeuropeiae
a asiática. Esse quadro é aindamais alarmante em relação à população jovem, que
aparececomtaxade35,4por100.000,destacando-seaVenezuela(104,7),Colômbia
(80,5)eElSalvador(78,1)(WAISELFISZ,2008)10.
Peres et al. (2006) também fornecem indicações sobre a importância da
violência no âmbito comunitário na vitimização por homicídios de crianças e
adolescentes no Brasil. Isso é feito a partir da apresentação de dados sobre a
ocorrênciadegravesviolaçõesdedireitoshumanosnoBrasil(fataisenãofatais),das
quais criançaseadolescentesentre0e19anos foramvítimas (diretasou indiretas).
Essesdadospermitemmelhorqualificaraocorrênciadospróprioshomicídiosnopaís
(jáquemuitasdessasviolações,quandofatais,podemtersidoregistradasoficialmente
comohomicídios).Essasinformaçõesfazempartedeumbancodedadoscomnotícias
dejornais11,queadespeitodaslimitaçõesmetodológicas,éumaimportantefontede
informação sobre essas violações, que são compostas por execuções sumárias,
linchamentos e violência policial. Entre os anos de 1980 e 2003, os casos de graves
violações de direitos humanos contra crianças e adolescentes ocorridos no Brasil
noticiadospelaimprensaresultaramemumtotalde5.718vítimas,sendoqueamaior
parte(53%)foideexecuçãosumária,totalizando3.033criançaseadolescentes(entre
0 e 19 anos). Em relação à violência policial, têm-se 2.468 vítimas (43%) e de
linchamentos 217 vítimas (representando, 4%). Os dados apontam que, de forma
agregada, a maior parte dos casos de graves violações (52%) ocorreu em locais
públicos/abertos (especialmentenas“ruas”),sendoquenocasodasexecuçõesesse
percentual foiaindamaior,ouseja,de55%.Ademais,entreasprincipaismotivações
identificadasnoscasosdeexecuçãoestãoa“vingançaeacertodecontas”,seguidopor
aquelasenvolvendo“drogas(consumooutráfico)e/oujogodobicho”.
10OautorutilizadadosdobancodedadosdemortalidadedaOrganizaçãoMundialdeSaúdeparaosanosde2004e2005.11BancodeDadossobreGravesViolaçõesdeDireitosHumanosdoNúcleodeEstudosdaViolênciadaUniversidade de São Paulo (NEV/USP). Trata-se de um banco de dados composto por casos delinchamento,execução sumáriae violênciapolicial,noticiadospela imprensaescritanoperíodoentre1980e2003.
33
CONSIDERAÇÕESFINAIS
Éamplamentereconhecidoofatodequeogrupomaisvulnerávelàviolênciaé
constituídoporcrianças,mulherese idosos(WHO,UNODOC&UNDP,2014).Estudos
existentes evidenciam que a infância é altamente vitimada tanto por violências não
fatais como fatais, incluindo os homicídios. A adoção daDeclaração dos Direitos da
Criança levou alguns dos países signatários a criarem legislações próprias a fim de
promovereprotegerosdireitosdacriança,masissonãotemimpedidoquediferentes
formasdeviolênciacontinuemaocorrer.Até2014,adespeitodasrecomendaçõesda
ONU,apenas41paíseshaviamcriadoinstrumentoslegaisqueabrangessemaquestão
(UNICEF, 2014); atrelado a isso, em muitos locais sequer existe um sistema
responsável por receber e investigar este tipo de denúncia, e mesmo quando
existente,osdadosestatísticoslevantadosporeles,quedeveriamcolaborarparaum
melhor reconhecimento do problema e consequente intervenção, acabam por
subestimarasuamagnitude,orapornãoteracessoàquantidadetotaldecasos,uma
vez que nem todos chegam a ser denunciados, ora porque em muitos países a
violência contra crianças ainda é tolerada em respeito à tradição, ou é socialmente
aceitacomoummeiodisciplinador,demodoanãoseconfigurarcomocrime(World
ReportonViolenceAgainstChildren,UNICEF;2006).
Apesardeesforçosrecentesparadimensionaredarvisibilidadeaoproblema,
resultandoem levantamentos, análisese recomendaçõesdediferentesorganizações
internacionais (ONU, 2006; UNICEF, 2014a), esse ainda é um problema de difícil
mensuração. Isso acaba por limitar o acompanhamento do fenômeno ao longo do
temponosdiferentes países.Osdados sobreo impactoda violência comunitária na
vitimizaçãofataldecriançaseadolescentessãoescassos.Nãoépossívelestimar,com
precisão,onúmeroouataxademortalidadedecriançasemdecorrênciadestetipode
violência.Entretanto,ousodearmasdefogoeoenormecrescimentodaTMHcoma
34
entrada na adolescência, constituem-se em indícios importantes dessa relação, no
mundoenaAméricaLatina.
O nosso objetivo neste paper foi sistematizar as informações existentes,
dispersas em diferentes relatórios, sobre a vitimização fatal de crianças no espaço
público emdecorrência da violência interpessoal comunitária nospaíses daAmérica
Latina. Os resultados encontrados, apesar das limitações dos dados existentes,
permitem afirmar que este é um problema grave na região, assim como a
complexidadedosfatoresenvolvidos.Caberessaltaraindaqueoimpactodaviolência
interpessoalcomunitárianainfâncianãoselimitaàmorte.Osdadossobrevitimização
nãofatalsãoaindamaisescassos,assimcomoavitimizaçãoindiretapelaexposiçãoà
situaçõesviolentasnoespaçopúblico,eoenvolvimentocomovitimasouagressores
defamiliares.
Desdeadécadade1990aAméricaLatinaéreconhecidacomoumadasáreas
maisviolentasdomundo.Aviolência,naRegião,éendêmicaeastaxasdemortalidade
porhomicídiossãoextremamenteelevadas.Avitimizaçãodecriançasnãoéexceção.
Como vimos, as TMH na faixa etária de 0 a 19 anos são bastante expressivas,
especialmentenogrupoentre10e19anos.Poucosestudos,entretanto,desagregam
a taxa por faixas etárias menores, dificultando um diagnóstico mais preciso do
problema.Alémdisso,sãopoucososestudosqueapresentamTMHportipodearma,
principalmente se consideramos as fases de primeira infância e infância do meio,
emborasereconheçaaimportânciadasarmasdefogoparaamortalidadeviolenta.
Embora existam, com vimos, diferenças importantes entre os países, um
conjuntodefatorespermiteexplicarosaltosníveisdeviolênciaencontrados.Aforte
presençadocrimeorganizadoegangues,aviolênciapolicial,criançasemsituaçãode
rua,migraçãoeconflitosarmadosemergememumcenáriodepobrezaedesigualdade
que, juntos, tornam as crianças particularmente vulneráveis à violência comunitária
comdesfecholetal.
35
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Intentionalhomicidecountandrateper100,000population,bycountry/territory(2000-2012)Países 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Incr.Honduras 50.9 54.8 55.8 61.4 53.8 46.6 44.3 50.0 60.8 70.7 81.8 91.4 90.4 77,6Venezuela 32.9 32.0 38.0 44.0 37.0 37.3 45.1 47.6 51.9 48.9 45.0 47.8 53.7 63,2Belice 17.2 26.1 34.6 25.9 29.8 29.8 33.0 33.9 35.1 32.2 41.8 39.2 44.7 159,9ElSalvador 39.3 36.9 37.0 36.4 45.8 62.2 64.4 57.1 51.7 70.9 64.1 69.9 41.2 4,8Guatemala 25.9 28.1 30.9 35.1 36.4 42.1 45.3 43.4 46.1 46.5 41.6 38.6 39.9 54,1Colombia 66.5 68.6 68.9 53.8 44.8 39.6 36.8 34.7 33.0 33.7 32.3 33.6 30.8 -53,7Brazil 23.5 23.9 23.0 22.2 23.4 25.2 México 10.3 9.8 9.5 9.3 8.5 9.0 9.3 7.8 12.2 17.0 21.8 22.8 21.5 108,7Panamá 9.8 9.8 12.0 10.4 9.3 10.8 10.8 12.7 18.4 22.6 20.6 20.3 17.2 75,5Guiana 9.9 10.6 18.9 27.3 17.3 18.7 20.0 14.9 20.4 15.0 17.8 16.4 17.0 71,7Equador 14.6 13.0 14.6 14.6 17.7 15.4 17.0 15.9 18.0 17.8 17.6 15.4 12.4 -15,1Bolivia 7.0 6.3 8.1 8.6 8.4 10.4 10.0 12.1 Nicaragua 9.3 10.4 10.6 11.9 12.0 13.4 13.1 12.8 13.0 14.0 13.5 12.5 11.3 21,5Paraguai 18.6 24.1 24.6 22.6 20.9 18.2 15.5 12.8 13.4 12.9 11.5 10.0 9.7 -47,8Peru 5.0 4.9 4.2 4.9 5.6 11.0 11.2 10.4 11.6 10.3 9.3 9.6 9.6 92,0CostaRica 6.4 6.4 6.3 7.2 6.6 7.8 8.0 8.3 11.3 11.4 11.3 10.0 8.5 32,8Uruguai 6.4 6.6 6.9 5.9 5.8 5.7 6.1 5.8 6.6 6.7 6.1 5.9 7.9 23,4Suriname 6.1 Chile 3.2 3.5 3.6 3.7 3.5 3.7 3.2 3.7 3.1 GuianaFrancesa
29.8 22.3 20.1 13.1 14.5 13.3
Argentina 7.2 8.2 9.2 7.6 5.9 5.5 5.3 5.3 5.8 5.5 5.5 Fonte:UNODOC,2013.
Taxadehomicídio/100milhab.(2012)–0a19anosPaís M F TotalElSalvador 42 11 27Guatemala 31 12 22Venezuela 37 2 20Brasil 31 3 17Panamá 26 4 15Colômbia 22 3 13Honduras 15 11 13México 12 2 7Paraguai 12 2 7Bolívia 9 5 7Equador 10 2 6Belice 10 1 6Guiana 8 3 6CostaRica 8 2 5Nicarágua 6 2 4Argentina 5 1 3Chile 3 1 2Uruguai 3 1 2Peru 2 1 2Suriname 0 0 0Fonte:UNICEF,2014.