Viviane Bersou O Romantismo e a Pequena Forma Pianística

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  • Viviane Bersou

    O Romantismo e a Pequena Forma Pianstica:

    Sntese da composio,

    a beneficiar o processo didtico

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Artes, rea de Concentrao Musicologia, Linha de Pesquisa Questes Interpretativas, da Escola de Comunicao e Artes da Universidade de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do Ttulo de Mestre em Artes, sob a orientao do Prof. Dr. Jos Eduardo Gandra da Silva Martins.

    So Paulo

    2006

  • Viviane Bersou

    O Romantismo e a Pequena Forma Pianstica:

    Sntese da Composio,

    a beneficiar o processo didtico

    Orientador: Prof. Dr. Jos Eduardo Gandra da Silva Martins

    Banca Examinadora

    Dissertao para a obteno do Ttulo de Mestre em Artes

    Prof.() Dr.()

    Prof.() Dr.()

    Prof.() Dr.()

    So Paulo, de de 2006.

  • Poderei eu falar da minha experincia subjetiva da Msica; descrever os estados de emoo esttica sem par que o convvio dirio e ntimo com essa arte maravilhosa me tem proporcionado(...) e como ela ento para mim um blsamo, e um tnico, e um estimulante, e como ao seu calor espiritual me voltam novamente a calma, a confiana, a energia para prosseguir(...)...

    Fernando Lopes Graa

  • Aos meus pais,

    pelo ambiente musical que sempre

    me proporcionaram.

    Agradecimentos

  • Ao Prof. Dr. Jos Eduardo Gandra da Silva Martins, pela orientao,

    esclarecimentos e apoio.

    Aos Profs. Dr. Edelton Gloeden e Dr. Jos Lus Prudente de Aquino, pelo

    estmulo.

    Aos meus alunos, pelos momentos de msica.

    Resumo

  • Situar a pequena pea romntica para piano no contexto histrico e cultural do

    sculo XIX, e dela extrair propostas no campo da didtica, o objetivo desse

    trabalho. Para isso, procurou-se buscar no s a origem, mas justificar a preferncia

    da pequena forma por parte dos compositores, em detrimento de formas maiores, j

    consagradas e aceitas universalmente.

    Fatores como o aperfeioamento do piano, estrutura, caractersticas e

    titulao das peas so abordados, assim como o movimento nacionalista, que to

    bem delas se utilizou como veculo de expresso.

    A obra Macchiette op.2, coletnea de Henrique Oswald, serviu de exemplo

    vivo para ilustrar e justificar o que foi proposto: peas descritivas, intimistas, danas,

    revelam no s as tendncias da poca, mas as caractersticas, o estilo do

    compositor, que, atravs delas e de maneira particular, original, subjetiva, expressa

    suas emoes e se deixa conhecer.

    Abstract

  • The objective of this paper is to place this small romantic piano piece in the

    historical and cultural setting of the XIX century and extract from it some new ideas

    for teaching.

    For this reason, we tried to get at its very origins and justify the preference for

    the small form favored by the composers rather than larger, already consecrated and

    universally accepted forms. Factors such as perfecting the piano as well as

    structure, characteristics and studying the titles of the pieces were looked at, just as

    the nationalist movement that at the time used them for expression.

    Macchiette op.2, compiled by Henrique Oswald, is a lively example to illustrate

    and justify the purpose: descriptive, intimistic pieces, dances, revealing not only

    trends of their time, but the features and style of the composer who, in a very

    particular, original and subjective way, used them to express his feelings and make

    himself known.

    SUMRIO INTRODUO ..................................................................................3

  • Captulo 1 O ROMANTISMO .............................................................6 1.1 Origem ............................................................................................................ 6

    1.2 Contexto social ............................................................................................... 8

    1.3 Esttica romntica..........................................................................................10

    1.4 O Romantismo na msica ..............................................................................12

    1.5. A Msica romntica .......................................................................................16

    1.5.1 Melodia ................................................................................................ ...16

    1.5.2 Harmonia ............................................................................................. ...17

    1.5.3 Ritmo .......................................................................................................18

    1.5.4 Sonoridade ..............................................................................................19

    1.5.5 Formas ................................................................................................ ....19

    1.5 6 Frase de quatro compassos ............................................................... ....19

    1.6 A Natureza romntica ................................................................................ ....21

    1.7 Msica programtica ......................................................................................24

    1.8 Da sute barroca pequena forma romntica ................................................25

    Captulo 2 O PIANO E A PEQUENA FORMA MUSICAL ..................27 2.1 O piano: importncia e conseqncias da descoberta de suas plenas

    possibilidades .......................................................................................................27

    2.1.1Cantabile .............................................................................................. .....30

    2.1.2Virtuosismo........................................................................................... .....30

    2.2 Conceito de forma ..........................................................................................32

    2.3 A pequena forma pianstica...................................................................... .....34

    2.4 Nacionalismo: a pequena forma pianstica como veculo de expresso... .....39

    2.4.1 Rssia.................................................................................................. .....41

    2.4.2 Noruega............................................................................................... .....45

    2.4.3 Polnia................................................................................................ ......47

    2.4.4 Tchecoslovquia............................................................................... ......47

    2.4.5 Espanha............................................................................................ ......48

    2.4.6 Portugal...................................................................................................50

    2.4.7 Frana............................................................................................... ......50

    2.4.8 Hungria....................................................................................................52

    2.4.9 Brasil................................................................................................. ......53

  • Captulo 3 MACCHIETTE OP. 2 DE HENRIQUE OSWALD: TPICA COLETNEA ROMNTICA ................................................55

    3.1 Autor................................................................................................................55

    3.2 Obra pianstica: predomnio da pea curta............................................... ......57

    3.3 Pea descritiva: pintura musical............................................................. ......61

    3.4 Repertrio pianstico publicado.......................................................................64

    3.5 Macchiette op.2 ..............................................................................................66

    3.5.1 Le Campane della Sera...................................................................... ......67

    3.5.2 Scherzo............................................................................................... ......69

    3.5.3 Valzer.................................................................................................. ......71

    3.5.4 Canzonetta................................................................................................73

    3.5.5 Ninna-Nanna....................................................................................... ......74

    3.5.6 Marcia.................................................................................................. .....75

    3.5.7 Romanza...................................................................................................77

    3.5.8 Gavotta......................................................................................................79

    3.5.9 Pastorale............................................................................................. ......81

    3.5.10 Minuetto.............................................................................................. ....83

    3.5.11 Sarabanda...............................................................................................87

    3.5.12 La Caccia........................................................................................... .....89

    Captulo 4 PROCESSO DIDTICO ATRAVS DA PEQUENA FORMA......... ....................................................................................93 4.1 Universo infantil...............................................................................................93

    4.2 Pequena forma: sntese do processo criativo a beneficiar a

    didtica..................................................................................................................96

    CONCLUSO..................................................................................... 99

    BIBLIOGRAFIA....................................................................................101

    ANEXO .............................................................................................105

  • Introduo

    Gnero tipicamente romntico, a pequena forma para piano teve grande

    importncia pelas inovaes estticas apresentadas e por satisfazer as

    necessidades de uma sociedade contagiada pela emoo, um dos paradigmas do

    Romantismo, a influenciar amplamente o repertrio pianstico at o incio do sculo

    XX.

    Meio propcio para a criatividade meldica e investigaes harmnicas, essa

    forma transformou-se em verdadeiro laboratrio musical, refletindo a expresso dos

    anseios mais ntimos do compositor e representando a sntese dos procedimentos

    por ele utilizados.

    Na didtica pianstica, o estudo dessas peas um importante fator para o

    conhecimento de questes referentes tcnica e interpretao, proporcionando

    queles que tm conhecimento desse repertrio, relevantes informaes sobre as

    caractersticas do autor, do seu estilo e, conseqentemente, de parcela considervel

    do perodo romntico.

    A escolha do tema justifica-se pelo contato direto com essas obras durante

    anos de estudo e ensino, e pela conseqente observao de tudo o que possa ser

    extrado desse rico material, para a consecuo de uma interpretao que atenda

    aos atributos expressivos.

    Para melhor entender a forte presena e desenvolvimento da pequena forma

    pianstica, inicialmente foi feito um levantamento do contexto histrico e cultural do

    sculo XIX, por ter sido esse perodo responsvel pela grande influncia exercida

    nas artes em geral.

  • Foi importante buscar respostas sobre o porqu da preferncia pela pequena

    forma entre os compositores romnticos, para abordar, numa etapa posterior, suas

    caractersticas, estrutura, titulao, divulgao, assim como a importncia da

    evoluo apresentada pelo piano, instrumento que melhor traduziu o contedo

    expressivo dessas obras.

    Tambm foi feito um estudo sobre a pea descritiva, comparando-a com a do

    perodo barroco e sobre a nova viso que o artista romntico passou a ter a respeito

    da natureza.

    A importncia da pequena forma como veculo de expresso das tendncias

    nacionalistas e a conseqente diversidade de repertrio tambm foram comentadas,

    notadamente em pases como: Rssia, Noruega, Polnia, Tchecoslovquia,

    Espanha, Frana, Portugal, Hungria, Brasil.

    Com um levantamento preliminar das caractersticas composicionais de

    Henrique Oswald, a obra Macchiette op.2 foi estudada no terceiro captulo, por

    representar a tpica coletnea romntica, constituda de diferentes tipos de peas:

    msica descritiva (Le Campane Della Sera, La Caccia); pea caracterstica

    (Scherzo); danas (Valzer, Gavotta, Minueto, Sarabanda); obras de carter intimista

    (Canzonetta, Romanza, Ninna-Nanna) e buclico ( Pastorale).

    Foi particularmente importante o contato direto com a obra Macchiette, a fim

    de interpret-la, quer para superar as dificuldades tcnicas apresentadas, quer para

    melhor perceber o estilo e as reais intenes do compositor.

    Os ttulos descritivos e as melodias da coletnea possibilitaram a evocao de

    temas semelhantes abordados por outros compositores da poca e sua posterior

    comparao. Poder-se-ia considerar que h em Macchiette, um multum in mnimo

    referente aos procedimentos tcnico-piansticos de Henrique Oswald.

  • Pequenas formas com a temtica exclusivamente do universo ldico foram

    comentadas em composies de Schumann, Mendelssohn, Tchaikovsky, Csar

    Franck e Debussy, no ltimo captulo.

    Tambm se falou sobre o que possvel apreender, do ponto de vista

    composicional e didtico, da anlise e interpretao da pequena forma romntica.

    Na bibliografia consultada, a pequena forma encontra-se presente no

    repertrio dos compositores ao longo do sculo XIX. A fim de uma delimitao

    histrica, iniciou-se com Schubert prosseguindo-se com Schumann, Chopin,

    Mendelssohn, Liszt, estendendo-se essa panormica at o incio do sculo XX.

    O tema da dissertao foi pesquisado em captulos referentes ao Romantismo

    na msica, literatura, pintura, assim como em compndios sobre forma.

    De grande valia foram as obras do Prof. Jos Eduardo Martins sobre Henrique

    Oswald, onde so encontradas informaes sobre o destino e titulao da pequena

    pea, alm de dados sobre a elaborao dos programas dos recitais. Tambm

    Adolfo Salazar, Charles Rosen, Jean Chantavoine e Jean Gaudefroy-Demonbynes

    so nomes significativos, por abordarem, em suas obras,a msica romntica sob

    vrios ngulos.

    No final deste trabalho, foi inserido um anexo, contendo as partituras das

    doze peas da coletnea Macchiette op. 2 de Henrique Oswald.

  • Captulo 1: O ROMANTISMO

    1.1 Origem

    A palavra Romntico surge na crtica literria e de arte durante o sculo XVIII.

    de origem inglesa (romantic) e deriva do substantivo roumant, de origem

    francesa, que designava os romances medievais de aventura. Inicialmente, referia-

    se a tudo o que evocava a atmosfera fantstica, misteriosa, desses romances a

    cavalaria e, em geral, a Idade Mdia, em contraste com a tradio clssica, at

    ento preponderante.

    No final do sculo XVIII, o termo abrangia uma srie de novas tendncias

    encontradas em vrios aspectos da vida: arte, filosofia, poltica.

    Embora o norte da Europa tenha sido mais suscetvel que o sul aos efeitos do

    esprito romntico, nenhum pas permaneceu imune a ele. Entre as naes, ocorreu

    primeiro na Inglaterra , Alemanha e Frana. Entre as artes, inicialmente na poesia,

    depois na pintura e na msica.

    Na literatura inglesa, manifestou-se precocemente no sculo XVIII. A

    Alemanha, devido ausncia de uma burguesia mercantil e industrial significativa,

    tornou-se o centro originrio do Romantismo na sua verso mstica, conservadora.

    Os ideais romnticos de liberdade e individualismo encontraram importante

    forma de expresso no racionalismo francs.

    Segundo Longyear1, possvel identificar as seguintes fases do perodo

    Romntico:

    - Romantismo precoce: por volta de 1800;

    1LONGYEAR, Rey Morgan. Nineteeth-century romanticism in music. New Jersey, Prentice-Hall, 1988, p.22.

  • - pleno Romantismo: entre 1815 e 1840;

    - Romantismo tardio: entre 1850 e 1890;

    - exacerbao do Romantismo ou ps-Romantismo: surgiu com a expresso

    fin de sicle, entre 1885 e 1914, ocorrendo tanto na msica quanto nas artes visuais

    e na literatura.

    impossvel encontrar uma definio de Romantismo que seja vlida para

    todas as artes e pases, capaz de rotular, com preciso, as obras do perodo. Para

    os compositores da poca, definir o Romantismo musical to vago e contraditrio

    como para seus correspondentes literrios, segundo as anlises de obras de crticos

    do sculo XIX. A declarao de Victor Hugo sobre o Romantismo, como sendo

    uma vaga e indefinvel fantasia2, refora a dificuldade de uma definio concreta3.

    Portanto, observar temas tais como individualismo, nacionalismo,

    interpenetrao das artes, que permeiam a esttica romntica, a forma mais

    conveniente para o entendimento do perodo.

    1.2 Contexto Social

    A histria do Romantismo est associada s revolues e contra-revolues

    europias e suas conseqncias. So seus marcos:

    2Apud LONGYEAR, Rey Morgan., op.cit., p.8. 3 Jos Eduardo Martins entende o Romantismo como um movimento pleno de vertentes, mas uno. Partindo do final do sculo XVIII e considerando-se a morte de Rachmaninov em 1943, tem-se mais de um sculo e meio em que jamais houvesse descontinuidade do esprito, do estilo, do pensamento romntico. Flutuaes, sim, existiram, mas no descontinuidade como no caso, por exemplo, do perodo Barroco, que teve comeo, meio e fim. Depoimento verbal autora.

  • - Revoluo Industrial importante na Inglaterra por volta de 1800, espalhou-

    se por toda a Europa e mesmo Japo e Estados Unidos, no final do sculo XIX;

    - Revoluo Francesa ( 1789 );

    - a queda de Napoleo ( Waterloo, 1815 ).

    Para Karl Mannheim4, as atitudes saudosistas da nobreza, ou reivindicatrias

    da burguesia que ainda no subiu, presentes em todo o movimento romntico,

    decorrem dos sentimentos de insatisfao perante as novas estruturas.

    Definem-se as classes: a nobreza, h pouco no poder; a grande e a pequena

    burguesia; o homem do campo; o operariado crescente. Ao lado de um proletariado

    cada vez mais numeroso, surge uma reduzida mas poderosa burguesia industrial e

    financeira.

    A produo passa a ser a base da economia. Segundo Adolfo Salazar5, o

    homem, na nova sociedade, no mais depende exclusivamente de seu nascimento

    ou herana. Utiliza-se agora de valores prprios, especficos, tais como o intelectual,

    o cientfico e o industrial, que resultam respectivamente em obras de arte, obras de

    pensamento e objetos. Portanto, produo sempre.

    Estatsticas da poca comprovam um notvel crescimento populacional no

    sculo XIX (por volta de 200 milhes, na Europa, em 1800, a 505 milhes, em 1914) e

    tambm urbano. Estimava-se que de sete pessoas nascidas na Europa rural, cinco

    mudavam-se para as cidades.

    Em meados do sculo XIX, rpidas transformaes ocorrem nas condies de

    vida: surgem as estradas de ferro; tneis e canais so abertos; generaliza-se a

    navegao. Com a inveno do concreto reforado e do elevador, as cidades passam

    a crescer verticalmente.

    4 Apud BOSI, Alfredo. Histria Concisa da Literatura Brasileira. So Paulo, Cultrix, 1972, p.100. 5 SALAZAR, Adolfo. Conceptos fundamentales en la histria de la musica. Madrid, Alianza Editorial, 1988, p. 142.

  • Uma nova revoluo industrial ocorreu, no final do sculo, no mais baseada no

    ferro, carvo ou mquina a vapor, como antes, mas no ao, eletricidade, produtos

    qumicos. Aperfeioamentos tecnolgicos reforaram-se mutuamente, resultando em

    progressos na agricultura, transporte, comunicaes.

    Mais e mais pessoas tiveram acesso ao lazer, educao e mesmo comearam a

    tomar parte em eventos culturais e artsticos. Instituies educacionais, hotis,

    hospitais, bibliotecas, salas de concerto, ruas pavimentadas, iluminadas e outras

    comodidades urbanas passaram a medir os ndices de qualidade de vida.

    Embora esse crescimento resultasse em suporte econmico para as artes e

    proporcionasse inmeros melhoramentos, o exagero do materialismo e as condies

    desumanas de trabalho nas fbricas foram a causa da revolta de muitos que sentiam

    a necessidade de mudanas sociais.

    1.3 Esttica romntica

    Segundo Roland de Cand6, no ocorreu, no Romantismo, uma revoluo

    esttica ntida, uma ruptura com o passado. Na ausncia de uma doutrina coerente,

    a esttica romntica tornou-se mais um demonstrativo de uma maneira de ser, um

    conjunto de novas atitudes, do que uma srie de caractersticas.

    Entre essas atitudes encontram-se: 6 CAND, Roland de. Histria Universal da Msica. So Paulo, Martins Fontes, 2001, v.2, p. 11.

  • - exaltao da originalidade, em oposio teoria clssica da imitao;

    - importncia conferida fico, ao fantstico;

    - confraternizao com a natureza;

    - valorizao dos sentimentos;

    - predomnio da intuio sobre a razo;

    - individualismo;

    - elevao do artista.

    Idias como originalidade, emoo, expressividade, sentimento, j ocorriam

    em pocas anteriores, porm, tornaram-se agora inconfundveis pelo predomnio e

    intensidade que chegaram a assumir.

    O que prevalece agora no mais o valor objetivo da obra, mas o ato da

    criao - espontneo, autntico, original a revelar a subjetividade de seu criador.

    Portanto, o elemento primordial de avaliao deixa de ser o esttico.

    O sentimento de inadequao social por parte do artista romntico origina-se

    do conflito entre as limitaes do real e a infinitude do ideal, e resultam em

    insatisfao e nostalgia. Da a evaso da realidade no tempo e no espao,

    recriando a Idade Mdia ou descrevendo o Oriente extico, onde acreditam

    encontrar uma sociedade unificada e uma cultura integrada. A grande sntese

    levaria fuso mstica com o Universo em sua infinitude.

    O artista romntico tambm assume posturas regressivas em relao ao eu

    atravs do sonho, devaneio, imaginao, solido.

    Velhas riquezas vm tona e revivem com o Romantismo: lendas, mitos,

    usos, costumes, antigas melodias. Sendo a poca romntica um perodo de

    exasperao da sensibilidade, teve o sentimento do amor expresso com maior

    intensidade e freqncia.

  • O Romantismo foi o primeiro movimento esttico musical a tomar conscincia

    de suas intenes, o que resultou na designao conferida.

    1.4 O Romantismo na msica

    A msica romntica surgiu evidenciando a forte expresso e a comunicao

    direta. Seria possvel considerar que o movimento romntico musical expressa o

    entusiasmo, fantasias e revoltas desse perodo. H a presena igualmente do

    carter indefinido, ideal, sugestivo.

  • Tendo uma forte expanso, alcanou lugares por ela antes pouco freqentados

    e encontrou um pblico novo, cada vez mais numeroso, mas de certa forma

    annimo.

    Contriburam para a expanso da vida musical os seguintes fatores:

    - proximidade dos povos facilitada pelo desenvolvimento dos meios de

    transporte;

    - difuso das obras musicais, decorrente do aumento do nmero de concertos;

    - progressos considerveis no comrcio e edio de partituras, com o objetivo

    de satisfazer a crescente demanda;

    - desenvolvimento da musicologia, suscitando o interesse pela msica de um

    passado recente.

    Ao lado dos concertos privados e das execues amadorsticas, a

    democratizao da vida musical tornou necessria a abertura de grandes salas de

    concerto. Organizaes especializadas, empresrios ou grupos de msicos

    substituram, aos poucos, o papel de patronos e mecenas nobres, encarregando-se

    da organizao dos concertos pblicos.

    Modificando naturalmente o estatuto social do msico, a Revoluo Francesa

    altera as condies da comunicao artstica. Isento de suas obrigaes para com a

    Igreja e a Corte, o msico compe o que lhe agrada e apresenta-se onde deseja.

    Embora com as condies de trabalho alteradas e seus direitos elementares

    reconhecidos, o msico, por muito tempo, necessitar encontrar um emprego fixo, a

    fim de garantir sua subsistncia.

    Cercados pela elite, mas no integrados a ela, preocupados com a incerteza

    da reao de um pblico desconhecido, os artistas tornam-se egocntricos e

    mantm-se cada vez mais afastados da sociedade.

  • Segundo Adolfo Salazar7, o msico romntico far a transposio musical de

    suas emoes. A grandeza de sua obra depende do xito em relacionar a identidade

    de sua paixo, com a paixo que move o Universo.

    A literatura serviu de referncia para o Romantismo musical, e obras de

    Shakespeare, Byron, Goethe e Hoffmann inspiraram muitos compositores.

    Diferentemente de pocas anteriores, onde a substncia o elemento a ser

    trabalhado (a matria pictrica, na pintura, e a sonora, na msica), a necessidade

    expressiva ter prioridade no Romantismo e a forma ser um processo de

    acomodao. J em 1739, Mattheson8 dizia: A msica brota diretamente da

    emoo, da qual extrai sua substncia.

    Portanto, expressar a prpria alma ser o objetivo primeiro, que resultar na

    importncia conferida ao pessoal, individual.

    Essa concepo romntica da msica como expresso das emoes de um

    eu profundo, no traduzvel atravs das palavras, adequada ndole alem, que

    no a v como uma distrao. Linguagem do subconsciente, arte do infinito, ocupou

    a msica alem o primeiro lugar na hierarquia das artes, reao contra a influncia

    do racionalismo francs.

    Liszt9 tambm considera a msica linguagem universal, que comunica o

    sentimento humano atravs da melodia, igualmente compreensvel a todos os seres.

    Algo semelhante expressa o poeta espanhol Nicols Zuricalday10, no poema A

    lio de Msica:

    O aroma, a cor, a poesia,

    7 SALAZAR, Adolfo. Forma y Expression en la Musica. Mxico, El Colegio de Mexico, 1941, p. 69-70. 8 Apud. CHANTAVOINE, Jean & GAUDEFROY-DEMONBYNES, Jean. El Romanticismo en La Musica Europea. Mxico, Union Tipografia Editorial Hispano Americana, 1958, p.29. 9 Ibidem, p.32. 10 Ibidem, p.32

  • tudo msica, Ins, tudo harmonia,

    e mesmo o azul do firmamento

    meldico acento,(...)

    A msica a alma das coisas!

    Da contemplao da natureza resultou o pantesmo mstico. Dela,

    o artista retira inspirao para sua arte e, indiretamente, de Deus, criador da

    natureza. Portanto, a proximidade com Deus, no sculo romntico, poderia ser

    conseguida em comunho com a natureza.

    Artistas romnticos, influenciados pelas teorias de crticos alemes, como

    Herder, Schiller e os irmos Schlegel, mantinham a esperana de renovao atravs

    da poesia e da msica populares, nas quais acreditavam no poder haver nada de

    fictcio e artificial. Porm, somente no final de sculo XIX, o folclore musical ser

    aproveitado de forma consistente.

    Segundo Adolfo Salazar11, possvel considerar a msica romntica a voz

    de uma sociedade romntica, que se estende por toda a Europa, unindo os povos,

    pelo menos at o perodo mais exaltado, antes de as diferenas nacionais se

    acentuarem.

    Mesmo ocorrendo influncia entre os compositores, to importante identificar

    o vocabulrio geral quanto as caractersticas pessoais da linguagem romntica.

    11 SALAZAR, Adolfo. La Musica en la Sociedad Europea. Mxico, El Colegio de Mexico, 1946, v.3, p.52.

  • 1.5 A Msica romntica

    O racionalismo excessivo fez com que, j no sculo XVIII, surgisse entre os

    tericos, uma inquietao harmnica. E nas obras dos compositores do sculo XIX,

    uma incessante transformao ocorreu na escrita pianstica, na harmonia, na forma

    das peas, a fim de expressar um algo novo, que agora pulsa e vibra nas obras.

    a busca da liberdade de uma fora explosiva, aprisionada por tanto tempo, como

    escreve Adolfo Salazar.12

    12SALAZAR, Adolfo. Conceptos fundamentales en la historia de la musica. Madrid, Alianza Editorial, 1988, p.35.

  • 1.5.1 Melodia: Assim como na poesia, ocorreu na msica, a distenso do ritmo

    em funo da melodia, por ser esta um veculo mais adequado s expresses dos

    sentimentos. O Romantismo substituiu, gradativamente, a articulao da msica

    clssica por uma linha menos definida. A melodia tornou-se flexvel, aberta, livre,

    afetiva, favorecendo a expressividade musical e, na poesia, o lirismo.

    Para Franco Abbiatti,13 a msica romntica identifica-se com uma melodia sem

    fim, que flutua, vaga, ondula no espao e se afirma como arte.

    A textura da melodia com acompanhamento ainda prevalece, mas as

    modulaes, agora freqentes, enfatizam o subjetivismo, caracterstica da melodia

    romntica.

    As qualidades de cantar dos instrumentos so exploradas nas caractersticas

    vocais da melodia. Segundo E.T.A. Hoffmann14, o esforo intil de uma srie de

    sons para converter-se em msica define uma melodia no cantabile.

    1.5.2 Harmonia: Uma das grandes preocupaes dos compositores romnticos, a

    harmonia foi o principal meio utilizado para expressar a individualidade e originalidade.

    Um grande nmero de tratados e livros sobre harmonia surgiu entre 1800 e 1914.

    Embora a harmonia tonal tenha permanecido como princpio no sculo XIX, a

    utilizao cada vez mais livre das dissonncias no resolvidas e cromatismos conduziu

    os compositores at as fronteiras do sistema tonal.

    Priorizando as sensaes, a harmonia empregada no Romantismo, com suas

    constantes modulaes, favoreceu o aspecto emocional. Schumann assinalou como

    novidade da harmonia, o poder de expressar sentimentos muito mais diversos do que

    os produzidos pela harmonia clssica.

    13ABBIATTI, Franco. Historia de La Musica. Ottocento( Siglo XIX ). Mexico, Union Tipografia Editorial Hispano Americana, s.d., v.4, p. 21. 14Apud. ABBIATTI, Franco., op.cit., p. 20.

  • Sendo a subjetividade beneficiada pelo cromatismo, a dissonncia favoreceu a

    linguagem, a expresso do heri romntico em sua constante insatisfao.

    O Dr. Ernst Kurth15define a harmonia pelo aspecto dinmico. Para ele, a

    multiplicidade das dissonncias e alteraes da harmonia romntica requerem uma

    resoluo meldica, trazendo mobilidade ao discurso musical, refletindo a inquietude, a

    instabilidade do homem romntico.

    Segundo Jean Chantavoine16, as constantes alteraes harmnicas resultam

    numa espcie de irisao, de um colorido mais amplo da msica. Esse aspecto

    cinestsico tambm mencionado por E.T.A. Hoffmann em sua Kreisleriana. Para ele,

    possvel falar em cor e brilho, para os sons. Assim como um fsico assegura que a

    audio uma viso interna, para o msico, a viso uma audio externa.

    Tambm os poetas Baudelaire, Verlaine, msicos como Scriabin e mesmo o

    historiador Oswaldo Spengler perceberam a msica como uma audio colorida, parte

    de uma grande cinestesia, na qual palavras so sons e sons so cores, segundo Rey

    Morgan Longyear17.

    A natural instabilidade do modo menor, usado agora com freqncia, conduz a

    cromatismos e harmonias alteradas. A influncia da msica eclesistica (polifnica

    russa ou mondica francesa) e da msica popular faz com que a modalidade se

    acentue na segunda metade do sculo XIX, em Dvork, em compositores russos e

    outros. Essa nova linguagem harmnica corresponde, com mais propriedade,

    sensibilidade e intensa vida interior do homem romntico.

    15 Apud. CHANTAVOINE, Jean & GAUDEFROY-DEMONBYNES, Jean.El Romanticismo en La Musica Europea. Mxico, Union Tipografia Editorial Hispano Americana, 1958, p. 258. 16 CHANTAVOINE, Jean & GAUDEFROY-DEMONBYNES, Jean, op.cit., p. 257. 17 LONGYEAR, Rey Morgan. Nineteeth-century romanticism in music. New Jersey, Prentice-Hall, 1988, p.17.

  • 1.5.3 Ritmo: Embora ligado ao tradicional perodo de oito compassos, ocorreu

    uma distenso rtmica. Liberdade e flexibilidade so os elementos que diferem o

    tratamento da msica romntica do perodo anterior.

    Medidas irregulares e complexas, conduzindo a frases com tamanhos e ritmos

    irregulares, surgiram tambm pelo crescente interesse pela msica folclrica. A msica

    do Leste europeu tem sido citada como a principal fonte de medidas irregulares.

    Bruno Kiefer18 menciona a qualidade da plasticidade rtmica em detrimento da

    racionalidade rtmica. Para ele, as inflexes no andamento atravs de rubatos, ou a

    prpria construo rtmico-meldica com sncopes, acentuaes no tempo fraco e

    outros recursos, levam plasticidade do ritmo, favorecendo a descrio de estados

    emocionais.

    1.5.4 Sonoridade: O som adquiriu um novo significado e valor. A sonoridade

    torna-se elemento inseparvel da nova harmonia.

    Tambm a exuberncia sonora esteve presente no movimento romntico, no uso

    do pedal de sustentao do piano, na multiplicidade dos registros de oito ps do rgo

    e na orquestra, que praticamente triplicou de tamanho entre 1800 e 1914. Maior

    nmero de instrumentos de corda foram introduzidos para contrabalanar um nmero

    maior de instrumentos de sopro, visando homogeneidade sonora. Novas cores ou um

    clmax cada vez mais dramtico foram obtidos por instrumentos de percusso mais

    numerosos.

    1.5.5 Formas: Permanecem convencionais, porm, so dissolvidas por uma

    ilimitada variedade de melodias e ritmos, decorrentes de uma liberdade interior.

    Portanto, a forma no mais modela o contedo, como ocorria no Classicismo, mas 18 KIEFER, Bruno. Elementos da Linguagem Musical. Porto Alegre, Movimento, 1987, p.36-37.

  • sofre um processo de acomodao de um contedo expressivo, constitudo por uma

    nova linguagem harmnica e meldica.

    1.5.6 Frase de quatro compassos: freqentemente utilizada j no sculo XVIII,

    com o objetivo de manter a regularidade na dana, pode ser introduzida por um ou dois

    compassos de acompanhamento e o compasso final pode ser estendido atravs de

    ecos.

    Para Charles Rosen,19 a utilizao sistemtica da frase de quatro compassos,

    muitas vezes transformou as pequenas peas em verdadeiras miniaturas.

    19 ROSEN, Charles. A Gerao Romntica. So Paulo, EDUSP, 2000, p. 385-386.

  • 1.6 A Natureza romntica

    O sentimento pela natureza e a imaginao pitoresca, concebida maneira do

    pintor, sempre estiveram presentes na msica, sendo freqentes na poca

    trovadoresca as pastourelles, serranillas, reverdies. Porm, seu uso como tema

    revela um apelo natureza como valor supremo, que conforta e repouso. Consolo

    para a infelicidade do homem que, antes das Revolues Industrial e Francesa, via a

    natureza como um paraso proibido e aps o desenvolvimento da cultura urbana,

    como um bem perdido, segundo Alfredo Bosi.20

    Para o artista romntico, a exaltao dos valores da natureza decorrentes da

    exacerbao da emotividade, faz da paisagem um verdadeiro estado de alma. E no

    mundo natural, mesmo a placidez do lago, a serenidade do monte ou o mpeto

    do vento encarnam esses estados.

    A pintura musical objetiva de pocas anteriores transforma-se em paisagem

    confidente, que transmuta os humores e emoes do artista em paisagens

    interiores, reflexos da alma, transposio musical das emoes.

    20 BOSI, Alfredo. Histria Concisa da Literatura Brasileira. So Paulo, Cultrix, 1972, p. 65-66.

  • Portanto, ao ser espelho, a obra romntica reflete quem a fez, levando o

    espectador a estabelecer um contato emocional direto com o artista, segundo Harold

    Osborne.21

    No perodo romntico, o valor do detalhe, as diferentes nuances de

    luminosidade do pr-do-sol ou de uma manh de neblina passam a ter valor

    emocional to intenso ou maior que o conjunto.

    Para Giuseppe Gatt,22 a adeso ao fenmeno particular comporta o abandono

    das vistas e dos panoramas, para concentrar-se sob uma s parte da natureza, cujo

    caracterizado microcosmos particular implica e revela a beleza e o mistrio do

    macrocosmos universal.

    Ao contrrio de pocas anteriores, poucas vezes o homem far parte da

    paisagem romntica. Para isso, John Constable muito contribuiu, buscando

    conhecer a natureza pelo que ela em si mesma e pelo que pode nos oferecer e

    ensinar.

    A influncia do estudo das montanhas, no final do sculo XVIII, vistas agora

    como criaturas orgnicas, tambm trouxe paisagem o sentido de movimento,

    abrangendo passado e presente, transferindo ao estilo romntico uma realidade

    fluda, em constante alterao.

    Nesta nova viso do mundo, a ansiedade, assim como a instabilidade, tornou-

    se fonte de inspirao e embora os afetos parecessem efmeros, eram mais

    intensos.

    Na literatura, o triunfo da potica de paisagem e da prosa descritiva sobre a

    poesia pica ocorre entre 1795 e 1805 (Wordsworth, Coleridge, Goethe). A nfase

    21 OSBORNE,Harold. Esttica e Teoria da Arte. So Paulo, Cultrix, 1968, p.182. 22 GATT, Giuseppe. Constable. Barcelona, Ediciones Toray , 1968, p. 11.

  • pintura de paisagem, em lugar da temtica histrica e religiosa, estende-se da

    metade do sculo XVIII aos anos prximos de 1830 (Constable).

    Na msica, a descrio de um lugar especfico ocorrer com lbum d un

    voyageur (Liszt, 1835) e Liederkreis (Schumann, 1840).

    Para Schiller23, o triunfo da potica e da pintura de paisagem, na verdade,

    foram inspirados pela msica, indicando a possibilidade de uma criao artstica que

    no tenha que se referir a algo que no seja ela prpria.

    Portanto, no perodo romntico, a emoo proveniente das belezas naturais

    suficiente, atravs da imaginao, para a liberao de um estado lrico, que levar

    produo da obra musical.

    23 ROSEN, Charles. A Gerao Romntica. So Paulo, EDUSP, 2000, p. 198.

  • 1.7 Msica programtica

    O conceito de msica de programa foi estabelecido em 1700, com a publicao

    das seis sonatas Bblicas de Johann Kuhnau, que dotadas de maior realismo

    descritivo, eram precedidas por um resumo do que a obra pretendia transmitir, assim

    como por frases durante o transcurso de cada sonata, indicando as intenes

    programticas.

    A expresso foi criada por Liszt, para designar uma msica de carter descritivo

    ou narrativo, acompanhada de um prefcio, que orientava o ouvinte para a idia

    potica da obra. Para ele, a msica pode representar indiretamente as coisas,

    sugerindo sua realidade emocional.

    Elementos tais como motivos, modulaes, retornos na msica programtica

    so determinados pelo tema que pretende descrever.

    A msica de programa romntica difere das tentativas de representaes

    pictricas de pocas anteriores, nas quais a sugesto era decorrente da imediata

    associao audvel, que inclua tumulto de batalhas, repicar de sinos, sons de

    tempestades, canes de pssaros ou cenas no campo. Ela tem origem em um

    argumento originado pelo sentimento interno, pelo eu mais ntimo do msico e no

  • de um argumento objetivo delineado previamente. Portanto, seria resultado de uma

    necessidade espiritual subjetiva.

    1.8 Da sute barroca pequena forma romntica

    Nascida da dana e da cano, atividades humanas representativas de

    espontaneidade, a sute a imagem da vida e de seus contrastes, segundo Daniel

    Lesur24. Forma favorita dos alaudistas e cravistas, consiste na justaposio de

    danas contrastantes, perdendo, em fins do sculo XVI, sua funo coreogrfica,

    impondo-se como forma instrumental.

    Os alaudistas, por usarem um instrumento de difcil afinao, reuniram o maior

    nmero possvel de peas no mesmo tom, mas com caractersticas rtmicas

    diferentes. Aos poucos, ocorreu a modificao dos ritmos de danas tradicionais e

    houve a preocupao de exprimir uma emoo ou um tema.

    As sutes tiveram sua forma acabada com os cravistas franceses, que

    produziram um repertrio rico em imaginao de pequenas peas descritivas com

    ttulo sugestivo, especialidade de Franois Couperin. Essas composies chegaram

    s peas breves do repertrio romntico, passando pelas Bagatelas de Beethoven.

    24 Apud. MANUEL, Roland. Plaisir de la Musique. Paris, ditions du Soleil, 1947, p. 181.

  • A maior parte das obras de Couperin tinha ttulos com as seguintes

    caractersticas, segundo Jean & Brigitte Massin:25

    - eram dedicatrias s suas alunas: La Princesse de Chabeuil, La Meneton;

    - sugeriam um carter musical: La Tnbreuse, La Lgubre, La Badine,

    LIngnue, L Enjoue;

    - descreviam um quadro da natureza ou representavam verdadeiros programas

    ou pequenas comdias da natureza: Le Rossignol en amour (O rouxinol

    apaixonado), Les Linottes effarouche (Os pintarroxos assustados).

    Em um de seus livros de Pices de Clavecin, Couperin assim se expressa

    sobre seus ttulos: Sempre tenho um objeto presente ao compor estas peas (...) os

    ttulos correspondem s idias que tenho, e me desculparo por no dar conta delas

    (...) a maior parte destes ttulos esto melhores nos amveis originais que quero

    representar que nas cpias musicais tiradas delas.26

    A relao palavra-som na msica instrumental barroca simples imitao

    sonora de rudos de animais ou instrumentos musicais a forma mais primitiva

    utilizada na msica para produzir idias extramusicais.

    Le Coucou de Daquin, La Poule de Rameau no evocam a natureza, mas so

    o resultado da imitao atravs do arabesco sonoro. Os timbres do clavicrdio eram

    propcios ao aspecto descritivo e as limitaes dos instrumentos tambm levavam

    necessidade de proporcionar um fundo harmnico atravs da repetio de notas,

    resultando na freqncia de timbres, grupetos, mordentes.

    Portanto, Daquin, Couperin e Rameau concluem de forma perfeita uma poca

    de gestao de breves peas instrumentais, que chegaro pequena forma

    25 MASSIN, Jean & Brigitte. Histria da Msica Ocidental. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997, p. 376. 26 Apud. SALAZAR, Adolfo. La Musica en la Sociedad Europea. Mxico, El Colegio de Mexico, 1946, v.2, p. 228.

  • romntica, exprimindo agora emoes pessoais. E se o ttulo simplesmente indicava

    um caminho para o processo de criao, com o Romantismo passa a assinalar o

    rumo que a imaginao do ouvinte ir seguir para a apreciao da obra, como

    comenta Adolfo Salazar.27

    27 SALAZAR, Adolfo. Forma y Expresion en la Musica. Mxico, El Colegio de Mexico, 1941, p.118.

  • Captulo 2: O PIANO E A PEQUENA FORMA MUSICAL

    2.1 O piano: importncia e conseqncias da descoberta de suas plenas

    possibilidades

    O piano est indissoluvelmente ligado evoluo da msica romntica,

    refletindo intensamente seu carter. Por seus muitos recursos sonoros, expressou

    claramente os sentimentos dos compositores da poca. A plena descoberta das

    possibilidades desse instrumento coincidiu com o incio do Romantismo, perodo em

    que a individualidade do piano passa a ter um papel preponderante.

    No sculo XIX, o aprimoramento das novas tcnicas de fabricao dos

    instrumentos fez com que suas possibilidades fossem aumentadas e sua execuo

    facilitada. O piano passou por diversos melhoramentos, e o conseqente processo

    de industrializao permitiu sua ampla difuso.

    O progresso do piano, nesse perodo, caracteriza-se pela multiplicidade de

    pesquisas e aperfeioamentos que dizem respeito tanto forma e dimenses, como

    estrutura.

    Duas importantes melhorias nele foram feitas: chapas mais resistentes e a

    conseqente extenso do teclado. Pierre Boulez28 afirma que (...) foi a indstria do

    ao que permitiu a fabricao do piano moderno, o que significou um instrumento

    com a tenso de cordas maiores, com uma tbua harmnica mais forte, capaz de

    resistir a essa tenso. Resultou que a sonoridade ampliou-se (...).

    28 BOULEZ, Pierre.Encontro com Pierre Boulez. In: Revista Msica. So Paulo, 1996, v. 7, n. 1/2, p. 200-218.

  • Posteriormente, o sistema de cordas cruzadas distribuiria diagonalmente os

    grupos de cordas sobre a chapa, resultando em maior ressonncia. Tambm os

    martelos, antes de couro, so agora maiores e passam a ter revestimento de feltro.

    O sofisticado mecanismo do duplo escape, ao impedir que o martelo voltasse

    a ferir a corda que havia acabado de percutir, resultou na rapidez da repetio de

    uma mesma nota e na diminuio do esforo necessrio para colocar em ao o

    martelo.

    A revoluo estilstica ocorrida no sculo XIX est intimamente relacionada s

    novas tcnicas de utilizao do pedal. Sua funo de sustentar as notas golpeadas

    e permitir que outras que no o foram vibrem por simpatia e as possibilidades de

    gradaes do toque distinguem o piano de todos os outros instrumentos.

    Espera-se do piano, nas obras dos compositores romnticos, que soe de

    maneira constante, modelando as frases pelas alteraes das vibraes totais.

    Todos esses melhoramentos contriburam para novas possibilidades em termos de

    efeitos sonoros, de cor, registro, volume e versatilidade no que diz respeito ao toque.

    Se o piano exerceu importante papel nas incurses dos msicos da poca, foi

    com Chopin que adquiriu uma funo especfica quanto ao aspecto expressivo.

    Revolucionando a tcnica pianstica no s pelas obras compostas, mas pelos

    efeitos de interpretao delas resultantes, Chopin prosseguiu com a revoluo

    pianstica esboada por Beethoven, contribuindo para a instaurao do piano

    moderno.

    Com o objetivo de dar perfeita autonomia aos dedos, seus Estudos exploram

    basicamente todas as possibilidades do instrumento. Muitos dos problemas tcnico-

    piansticos so abordados de forma bem ousada.

  • Recursos nunca oferecidos por um instrumento at o perodo foram obtidos

    com Liszt. Em seu artigo de 1837, escrito na Gazeta Musical, ele comenta sobre o

    piano: Podemos tocar os acordes como uma harpa, cantar como os instrumentos

    de sopro, destacar, ligar, realizar nele mesmo milhares e milhares de passagens

    completamente diferentes, que antes resultavam possveis somente com a ajuda de

    vrios instrumentos(...)29.

    Tambm o piano pode ser considerado no s um instrumento solista, de

    virtuosidade, mas um elemento de prospeco, um meio de contato com a

    realidade musical, como menciona Tchaikovsky.30

    Fatores de ordem tcnica, social e arquitetnica esto ligados difuso do

    piano. Em torno dele, a msica comea a instituir-se. Cada vez mais presente nos

    lares burgueses, tambm foi favorecido pelas novas condies acsticas criadas nas

    grandes salas, abertas a um pblico cada vez mais numeroso.

    Segundo Adolfo Salazar31, o piano converteu-se, desde Schumann, Chopin e

    Liszt, em um microcosmos frente ao macrocosmos das foras dinmicas e de cor

    que a orquestra. Interpretar agora consiste em fundir as sonoridades, as

    dissonncias que ficam sem resoluo ou que se resolvem por evaporao,

    resultando numa atmosfera luminosa. Nela todas as nuances dependem da

    habilidade do executante que, por meio de sua sensibilidade ttil, ir valorizar cada

    elemento, destacando ora uns, ora outros, com a colaborao do jogo de pedais,

    menciona o autor.

    Portanto, as novas formas de expresso musical so agora decorrentes no s

    do estilo romntico, mas das possibilidades facultadas pelo piano.

    29 CASELLA, Alfredo. El Piano. Buenos Aires, Ricordi Americana, 1946, p. 67. 30 MANUEL, Roland. Plaisir de la Musique. Paris, ditions du Seuil, 1947, p. 99. 31 SALAZAR, Adolfo. Conceptos fundamentales en la histria de la msica. Madrid, Alianza Editorial, 1988, p. 208.

  • 2.1.1 Cantabile

    Aumentar e manter a intensidade sonora no piano sempre foi uma

    preocupao de compositores e intrpretes. Diferentemente dos instrumentos de

    cordas e sopros, que tm na voz humana um modelo para o cantabile, o piano

    possui, como caracterstica, total independncia referente vocalizao. Atravs de

    melodias que valorizavam a freqncia das emisses sonoras, os compositores, a

    partir de Clementi, empenharam-se para obter o cantabile. Mais tarde, os

    executantes se dedicaram consecuo de uma sonoridade plena, expressiva,

    intensa.

    necessrio ressaltar, no aspecto cantabile, a importncia do toque e

    encontrar um equilbrio sonoro entre intensidade e sensibilidade, atravs da

    flexibilidade e liberdade de movimentos dos dedos, pulso e antebrao. Tambm

    preciso considerar os melhoramentos ininterruptos dos instrumentos, responsveis

    pela importante evoluo do cantabile pianstico.

    2.1.2 Virtuosismo

    No sendo elemento desconhecido nos sculos anteriores, o virtuosismo

    reaparece, no teclado, no final do sculo XVIII, em decorrncia do aperfeioamento

    dos instrumentos e relacionando-se com o crescimento contnuo de um novo

    pblico.

    As inovaes no campo da virtuosidade, iniciadas por Muzio Clementi (1752-

    1832), prosseguem com Cramer, Hummel, John Field, Kalkbrenner, Moscheles,

    Czerny, influenciando toda a gerao romntica. Com obras didticas ou tcnicas,

  • enfatizam problemas tais como escalas em teras, sextas, oitavas quebradas,

    oitavas na mo esquerda ou nas duas mos simultaneamente.

    O virtuosismo tcnico romntico tinha por objetivo no s explorar todos os

    recursos do instrumento, mas tambm manifestar as exacerbaes do ego, que

    dizem respeito no s ao artista, mas liberdade tcnica que, como criador,

    necessita a fim de realizar sua obra. Antes que o recital se estabelecesse, o piano

    virtuosstico influenciaria o concerto com orquestra.

    Os efeitos causados pelos concertos de Paganini proporcionaro significativas

    alteraes na escrita pianstica e no desempenho dos grandes virtuoses que

    tentaro, com seus instrumentos, obter os mesmos resultados conseguidos pelo

    violinista. Os doze Estudos op. 10 de Chopin so escritos sob essa influncia, o

    mesmo ocorrendo com os Estudos Transcendentais e, sobremaneira, os Etudes

    daprs Paganini de Liszt. No se deve esquecer da contribuio de Alkan nesse

    desiderato virtuosstico.

    A msica virtuosstica, antes concebida prioritariamente do ponto de vista da

    execuo, adquire valores novos referentes explorao das possibilidades

    sonoras, assim como numa viso voltada ao colorido e intensidade. Dessa forma,

    a distino entre a pea intimista, potica, prpria do salo burgus, da pea

    virtuosstica, que resultar no recital, cada vez mais ntida. Decorrente do estilo de

    vida da sociedade do perodo, essa dicotomia torna-se um elemento decisivo na

    msica romntica.

  • 2.2 Conceito de forma

    Para Roland Manuel32, a forma a traduo material e visvel de uma ordem

    interna, oculta. Remete a uma organizao esttica das idias musicais, sendo que

    a essncia da forma est no esprito criador e no no aspecto externo.

    Equivale ao conceito de forma abstrata de Riemann33 (estrutura interna de uma

    composio) contida em uma forma concreta (configurao global que expressa a

    identidade, como sute, sonata, cantata). Ou ainda, s formas musicais

    propriamente ditas, contidas nos gneros musicais, terminologia preferida por

    Jean & Brigitte Massin34.

    O termo forma tambm utilizado para indicar o nmero de partes, como nas

    expresses forma binria, forma ternria.

    Grande nmero de obras utiliza a forma ternria ABA. Para a seo

    contrastante, a harmonia o fator primordial. A terceira parte , por vezes, uma

    repetio exata da primeira, mas pode ser modificada. A repetio confirma, atravs

    da memria, a percepo daquilo que foi agradvel.

    As formas abstratas raramente so o resultado de fatores socioculturais, mas

    podem ser uma tentativa deliberada de renovar as tcnicas de composio.

    As formas concretas so historicamente importantes, pois expressam uma

    cultura coletiva e um comportamento esttico geral, revelando os gostos e os

    costumes de uma poca. Por esse motivo, no permaneceram imutveis atravs

    dos tempos. Ocorreu sempre um perodo de gestao, nascimento e crescimento

    dos tipos formais, cuja histria nunca ser definitivamente encerrada, pois, com

    32 MANUEL, Roland. Plaisir de la Musique. Paris, ditions du Seuil, 1947, p. 274. 33 Apud CAND, Roland. Histria Universal da Msica. So Paulo, Martins Fontes, 2001, v. 1, p. 505. 34 MASSIN, Jean & Brigitte. Histria da Msica Ocidental. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997, p.72.

  • freqncia, antigas formas so resgatadas por compositores, visando a uma nova

    aparncia.

    Porm, aps o amplo movimento romntico, tanto na msica quanto na

    literatura, houve um afastamento gradual das caractersticas de certos gneros e

    obras, como o noturno, o estudo, a rapsdia, que no se enquadravam em um

    gnero estritamente estruturado.

    No piano, surgem as pequenas formas livres, isoladas, como os Improvisos,

    Momentos Musicais ou simplesmente Klavierstcke de Schubert, ou ainda uma

    sucesso de peas como o Carnaval e Kreisleriana de Schumann, ratificando a

    preferncia dos romnticos pelo que nico, original. As formas consagradas pela

    tradio, como as sonatas, tornaram-se universais, racionais, portanto, inadequadas

    expresso de momentos nicos.

    Ocorre aqui a mesma esttica romntica que substitui, na literatura, longos

    poemas picos ou didticos por coletneas de poemas, como Les Contemplations,

    de Victor Hugo.

    Portanto, possvel considerar o freqente carter fragmentado, fracionado

    da arte romntica, como decorrncia da tentativa de captao fugaz de algo

    momentneo, no apreendido em sua totalidade; algo que no se enquadra nos

    limites da forma, por buscar, sempre e incessantemente, o infinito.

  • 2.3 A pequena forma pianstica

    As sucessivas geraes romnticas privilegiam a pequena pea como a

    forma mais apropriada s suas necessidades expressivas e influenciam o repertrio

    pianstico at o incio do sculo XX, podendo ter, segundo Jos Eduardo Martins35,

    caractersticas intimistas, visar ao efeito exterior, ou ter funo didtica.

    A forma-sonata, cada vez mais rara, agora restrita msica de cmara ou

    sinfnica, confirma o desconforto em relao s grandes formas, proveniente do

    descrdito nos sistemas racionais do sculo XVIII.

    No momento em que priorizam a necessidade expressiva, podemos afirmar

    que essas obras:

    - favorecem a criatividade meldica e harmnica, por no seguirem

    formas fixas;

    - a conciso resulta na multiplicidade de novas experincias estticas, o

    que as transforma em verdadeiros laboratrios musicais;

    - possibilitam a liberdade de expresso dos sentimentos pessoais,

    caracterizando nitidamente o esprito individualista romntico;

    - captam o instante psicolgico ou dramtico, resultando, muitas vezes,

    na justaposio de elementos.

    As peas curtas podiam ter ttulos descritivos, remotamente relacionados s

    peas do perodo barroco, porm, exprimindo emoes pessoais, prprias do

    esprito romntico, adequado a um novo instrumento.

    35 MARTINS, Jos Eduardo. Henrique Oswald: Compositor Romntico.Tese de Doutorado. So Paulo, FFLCH-USP, 1988, v.2.

  • Outros nomes de composies surgiram, como Momento Musical, Noturno,

    Romance sem palavras, Balada, Improviso, Peas lricas, Folha d lbum.

    Tambm surgiram danas com pulsao caracterstica, como a valsa e a mazurca.

    Numerosas obras apresentam, como estrutura, a forma ABA, sendo A uma

    repetio modificada da primeira parte, na qual a tonalidade apresentada. A parte

    B, contrastante, tem como elemento fundamental a harmonia, sendo que nas

    pequenas obras, as inovaes ocorrem nos detalhes. Portanto, o carter de

    novidade no est na estrutura, mas no contedo musical romntico, no sentimento.

    A nica forma completamente nova do Romantismo foi o estudo, que

    apresenta, como interesse musical, uma determinada dificuldade tcnica, sendo a

    prpria mo a origem do processo criativo. O delineamento dos compassos iniciais,

    no estudo, geralmente prossegue at o final, ocorrendo uma perfeita identidade

    entre uma idia musical e sua concretizao.

    As Bagatelas de Beethoven, escritas ao longo de quase vinte e cinco anos (de

    1797 a 1823), representam diferentes fases do processo criativo do compositor.

    Franois Couperin, em publicaes de 1716, j inclura um pequeno rond intitulado

    Les Bagatelles, termo empregado posteriormente por Beethoven para designar uma

    srie de peas. Principalmente as de op. 119 e op. 126 j antecipam as estruturas

    rtmicas e de frase das pequenas peas romnticas, repletas de emoo, que

    passaram a ser compostas por msicos intimistas de toda a Europa.

    John Field (1782-1837), criando os Noturnos, foi um marco importante da pea

    delicada, intimista, de constante interesse lrico.

    Ao mesmo tempo, os tchecos Tomaschek e Worzischek criaram peas de

    efeito agradvel, como Rapsdias e Improvisos, unindo sentimentalismo com as

    peculiaridades dos pases centro-europeus. Essas obras chegaram a Schubert,

  • Mendelssohn, Chopin, Schumann, Liszt, os quais, na primeira metade do sculo

    XIX, propagaram a pequena pea de forma livre ou proveniente de dana.

    Os Momentos Musicais de Schubert foram a base da miniatura musical, gnero

    do qual surgiram tantas pequenas grandes obras de caractersticas semelhantes,

    como Pea lrica e Folha d lbum36. Embora no tenha sido o inventor dessas

    formas, Schubert iluminou esse gnero, seguido por sucessivas geraes.

    Nos Improvisos e Momentos Musicais, Schubert utiliza a mesma conciso e

    lirismo dos lieder, criando verdadeiros poemas musicais. A liberdade dessas obras

    no exclui um certo plano estrutural, pois quase sempre possuem uma parte central

    semelhante ao trio de um minueto.

    A grande quantidade de peas que Schubert compunha, pginas soltas que

    escrevia para dar prazer a suas infinitas amizades37, eram reunidas em sries ou

    colees.

    As Canes sem palavras de Mendelssohn, reunidas em oito volumes, foram

    escritas ao longo de vrios anos, em seus raros momentos de recolhimento.

    Consistem em peas essencialmente meldicas, que apresentam longos temas.

    Apesar da utilizao relativamente nova da pequena forma, as Canes sem

    palavras no so inovadoras quanto linguagem e estrutura.

    A preferncia de Schumann pelas pequenas formas a escolha de um poeta

    lrico, sendo que o piano tornou possvel sua dupla realizao, na poesia e na

    msica. O Romantismo no est na forma, se o compositor for poeta, ele tambm

    ir expressar-se como tal, diz Schumann.38 A maior parte de sua obra pianstica

    consiste em uma srie de pequenas peas ou variaes, cuja mudana constante de

    36 ZAMACOIS, Joaquin. Curso de Formas Musicales. Barcelona, Idea Books, 2002, p. 235. 37 SALAZAR, Adolfo. Conceptos Fundamentales en la histria de la msica. Madrid, Alianza Editorial, 1988, p. 201. 38 MASSIN, Jean & Brigitte.Histria da Msica Ocidental. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997, p.724.

  • estilo faz do ritmo um elemento essencial. Nelas, a brevidade da forma intensifica o

    tom de confidncia.

    O desenvolvimento da pequena forma relaciona-se com a poesia e a literatura

    da poca. O conceito de fragmento literrio, que para Schlegel deveria ser completo

    em si mesmo e separado do restante do Universo39, influenciou outras formas

    artsticas, resultando na elaborao de grande nmero de coletneas musicais.

    Os Preldios op. 28 de Chopin so um ntido exemplo de um conjunto de

    fragmentos reunidos unicamente pelo processo de adio, com exceo do ltimo,

    que finaliza o conjunto. Sua predileo pelas formas breves, que estimulam sua

    imaginao, inclui ttulos genricos, prprios do perodo romntico, como Barcarolas,

    Improvisos, Noturnos e danas.

    Liszt, atravs da expressividade e maior dificuldade tcnica, eleva a pea

    breve ao nvel da msica de concerto. Tambm em seu conjunto de peas intitulado

    Anns de Plerinage (1839), descreve os lagos suos e os jardins italianos,

    conduzindo o ouvinte para os locais onde estivera.

    A msica romntica para piano, de carter individualista, visava exprimir os

    sentimentos pessoais do compositor, assimilados por uma nova platia nos recitais.

    Era executada em saraus aristocrticos, em salas de concerto freqentadas pela

    burguesia ou em reunies familiares, onde amadores e profissionais apresentavam-

    se alternadamente. As peas para piano estavam presentes nos programas,

    juntamente com alguma grande sonata.40 As apresentaes familiares serviam para

    a divulgao de novas obras, que logo teriam sua aceitao testada.

    39 Apud ROSEN, Charles. A Gerao Romntica. So Paulo, EDUSP, 2000, p. 88. 40 MARTINS, Jos Eduardo. Henrique Oswald: Compositor Romntico. Tese de Doutorado. So Paulo, FFLCH-USP, 1988, v.2. p. 374

  • Segundo Adolfo Salazar41, a necessidade de expresso do esprito romntico

    leva ao aprimoramento dos instrumentos, os quais, por sua vez, enriquecem a

    produo musical. Isso ocorreu principalmente com o piano, que tendo sido

    aperfeioado no mais alto grau, desencadeou uma numerosa produo de peas

    breves, explorando a expressividade e os diferentes planos sonoros.

    Por volta da metade do sculo XIX, desenvolve-se progressivamente um novo

    conceito social e o individualismo assume importante papel. Baseando-se nos

    cantos e danas populares, criam-se obras lricas inspiradas em temas nacionais,

    que evocam a tradio de um pas e o carter de seus habitantes. Assim, nascem as

    escolas nacionais, quase simultaneamente em diversos pases da Europa, e com

    elas, a diversidade da pequena pea se multiplica, notadamente com obras de

    compositores da Frana, Espanha, Noruega, Rssia.

    Portanto, a produo musical das ltimas dcadas do sculo XIX e incio do

    sculo XX deriva diretamente da pequena forma pianstica expresso viva da

    poca apreciada por sua intensidade emotiva e sensaes, refletindo uma

    linguagem essencialmente pessoal.

    2.4 Nacionalismo: a pequena forma como veculo de expresso

    41 SALAZAR, Adolfo. Forma y Expresion en la Musica. Mexico, El Colgio de Mxico, 1941, p.93.

  • O Nacionalismo musical consistiu na busca de identidade nacional por parte

    dos pases sedimentados ou daqueles que acabavam de alcanar a independncia,

    buscando estes, doravante, a valorizao de caractersticas at ento reprimidas ou

    desconhecidas. Reao natural aos elementos aristocrticos da msica clssica,

    procurou resgatar, entre outros atributos, as manifestaes do homem do campo e

    da cidade.

    J no final do sculo XVIII, melodias folclricas, na acepo da msica

    elaborada artisticamente, passaram a ser incorporadas s obras dos compositores,

    ocorrendo em meados do sculo XIX, uma tentativa mais consciente para difundir e

    valorizar os elementos nacionais.

    Adolfo Salazar42enfatiza o aspecto passivo do elemento nacional, que

    transformado em fora dinmica atravs da ao poltica nacionalista, reagindo

    contra os caracteres prprios do sculo anterior. Portanto, o Nacionalismo visto, na

    arte, como uma decorrncia dos nacionalismos polticos.

    Ao mesmo tempo em que ocorreu a busca de uma arte com peculiaridades

    nacionais, a maior facilidade de divulgao dessas composies proporcionou

    tambm uma universalizao dessas obras, como enfatiza Kurt Pahlen43: Mas no

    mundo das estradas de ferro, e do trfico que cada mais mais se faz, na msica

    que vemos claramente que surge nova internacionalizao a eliminar o nacionalismo

    musical.

    A expresso musical nacionalista se faz presente:

    42SALAZAR, Adolfo. La Musica en la Sociedad Europea. Mxico, El Colgio de Mxico, 1946, v.4, p.342. 43PAHLEN, Kurt Histria Universal da Msica. So Paulo, Melhoramentos, 1945, p.177.

  • - na busca de cantos e danas especialmente do homem do campo,

    elemento representativo do solo;

    - na criao de obras lricas inspiradas em temas nacionais;

    - na evocao de instrumentos populares;

    - na emancipao modal (modos de cantocho, em particular).

    A partir do exemplo de Weber, que se empenhou em obter uma pera

    genuinamente alem, com enredos facilmente assimilados pelo povo, as chamadas

    escolas nacionalistas despertaram no s pases que at ento pouco haviam

    contribudo com a msica do Ocidente, como Polnia, Rssia, Noruega, como

    proporcionou um verdadeiro renascimento musical em naes que j haviam

    desempenhado importante papel no transcorrer da histria da msica, como a

    Espanha.

    As escolas nacionalistas no criaram nenhum novo tipo de forma e a

    pequena pea pianstica continua refletindo no s as caractersticas do compositor,

    mas tambm do prprio pas, expressando os mais diversos ritmos, melodias e

    efeitos instrumentais.

    2.4.1 Rssia

  • A msica artstica russa aparece pela primeira vez no sculo XIX, marcada

    pela criao de uma pera nacional, e seu florescimento foi facilitado pela presena,

    na literatura, de nomes como Gogol, Tolstoi e Dostoievsky. Foi precedida pela

  • msica religiosa, contendo elementos de Bizncio, e por uma msica popular, que

    alterna um ritmo vibrante com certa melancolia, que, segundo Kurt Pahlen44, parece

    ser um reflexo da paisagem das estepes infinitas, dos grandes rios, florestas e

    pntanos impenetrveis, das desalentadoras extenses de neve .

    A nao russa visava, na verdade, a uma emancipao cultural e artstica,

    reagindo contra uma arte estrangeira, apoiada pelas camadas aristocrticas.

    Glinka aparece como chefe de escola e empregou no s motivos e ritmos

    russos, mas tambm elementos da msica sacra eslava. Embora suas obras

    apresentem motivos populares ainda empregados de maneira instintiva, exerceu

    influncia determinante nas geraes seguintes.

    A utilizao do folclore transformou-se em norma a partir do Grupo dos

    Cinco, nome a eles atribudo pelo crtico russo Vladimir Stassov. Demonstrando

    interesse pelo passado histrico, pelos costumes e pela Igreja ortodoxa russa,

    Balakirev, Csar Cui, Mussorgski, Rimski-Korsakov e Borodine empenharam-se em

    obter uma msica especificamente russa, mais propensa evocao do que

    expresso pessoal.

    Jacques Stehman45comenta que os elementos descritivos utilizados por

    esses compositores contrastam com a msica de carter psicolgico to freqente

    no Ocidente e aproximam os quadros por eles pintados, dos cones to comuns na

    cultura russa.

    44PAHLEN, Kurt.Histria Universal da Msica. So Paulo, Melhoramentos, 1965, p.81. 45STEHMAN, Jacques. Histria da Msica Europia. So Paulo, Difuso Europia do Livro, 1964, p. 215.

  • Na obra Tableaux dune Exposition (1873), Mussorgsky demonstra sua

    capacidade de realizar uma pintura musical, inspirando-se nos desenhos do

    arquiteto Viktor Hartman, seu amigo, que acabara de falecer. Consiste em uma srie

  • de dez peas, contendo cada uma o mesmo ttulo do quadro que a inspirou. A

    introduo e os interldios intitulados Promenades representam os pensamentos e

    emoes do compositor no seu percurso entre um quadro e outro.

    Em vrias outras pequenas obras, tais como Au Village, En Crime,

    Mditation, Une Larme, Intermezzo, La Jongleuse, possvel captar o estilo de

    Mussorgsky.

    Tambm Borodine, sob o ttulo de Petite Suite (1885), rene peas curtas de

    musicalidade delicada, entre elas Intermezzo, Srnade, Nocturne, precedidas pelos

    inusitados sonoros de Au Couvent, que inicia a obra. Temas e fragmentos meldicos

    de algumas peas podem ser reconhecidos em danas da pera Prncipe Igor.

    Embora Tchaikovsky no seja considerado adepto do Nacionalismo e utilize

    predominantemente temas comunicativos, a maneira de incorpor-los na frase e o

    perfil rtmico de sua obra lhe do um carter profundamente nacional, segundo Igor

    Stravinsky46. Entre as suas composies para piano, destaca-se a coletnea

    intitulada Les Saisons, escrita entre 1875 e 1876 para o informativo mensal

    Nouvellist. Acompanhadas, no original, de uma citao potica condizente com o

    ttulo, de autoria de Puschkin, Maikow,Tolstoi, entre outros, as doze peas referem-

    se a temas e atividades tpicas dos meses do ano.

    2.4.2 Noruega

    Dentre os pases escandinavos, a Noruega destacou-se em sua busca por

    fontes folclricas, por aguardar sua independncia da Sucia (foi a ela anexada em

    46STRAVINSKY,Igor.Potica Musical em 6 Lies. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996, p. 77.

  • 1814) e por possuir uma msica popular extremamente viva, como o halling e o

    springar, acompanhada de instrumento prprio, o hardangerferle.

    Embora inicialmente influenciado por Schumann, Grieg (1843-1907) escreve

    sua primeira obra com caractersticas nacionalistas em 1865, Humoresques op.6,

    coletnea de cenas da vida popular. Tambm em outras obras deixa transparecer

    seu gosto pela natureza: fiordes e regies solitrias so descritas e nelas habitam

    heris, anes e gnomos, em melodias e ritmos inovadores.

    Os dez cadernos das Pices Lyriques representam importante parcela de

    suas composies para piano. Um total de sessenta e seis pequenas peas reunidas

    posteriormente em nico volume foram compostas em diferentes fases de sua vida.

    Iniciadas por uma Ariette, o seu tema retorna em ritmo de valsa sob o nome de

    Souvenirs, pea que encerra a coletnea e d obra um sentido de unidade.

    As Pices Lyriques consistem em recordaes, descries musicais, estados

    psicolgicos, que trazem os mais variados ttulos: Le Ruisseau, Vers la patrie, Feuille

    dalbum, Mystre e outros. Verdadeiros poemas de circunstncia, ou ainda

    confisses delicadssimas, como menciona Paul de Stoeklin47.

    47STOEKLIN, Paul de.Vida de Grieg. So Paulo, Livraria Cultura Brasileira, s.d., p. 71.

  • 2.4.3 Polnia

  • Michael Kleophas Oginski (1765-1833) j utiliza ritmos folclricos em suas

    obras, mas Chopin quem transforma as mazurcas em importante campo de

    pesquisa. Escritas em Paris, essas obras consistem em uma nostlgica recordao

    da Polnia, repleta de elementos no utilizados na msica europia.

    Chopin escreveu cinqenta e uma mazurcas, sendo que a em sol menor

    (op. 67, n 2) e a em f menor ( op. 68 n 4) constituram suas ltimas composies.

    A diversidade dessas obras explicada por suas caractersticas meldicas, rtmicas

    e harmnicas: em algumas ocorre a valorizao do elemento rstico, outras so

    bastante meldicas. H ainda as que se assemelham a elegias, como a op. 17 n 1.

    possvel acompanhar, nessas obras, a gradativa evoluo estilstica do

    compositor e conhecer suas incurses no terreno da tonalidade.

    2.4.4 Tchecoslovquia

    O nacionalismo tcheco esteve diretamente relacionado ao desejo de

    libertao do domnio austraco e os cantos populares h muito expressavam essa

    inteno. Smetana e Dvork so nomes representativos desse movimento.

    Assimilando profundamente os caracteres folclricos, Dvork incorpora-os em

    sua msica e eles continuaro presentes em Janacek e Bartk. Em grande parte de

    suas obras, o elemento nacional expresso no s atravs de melodias e ritmos

    eslavos, mas tambm por um certo lirismo prprio da cultura popular tcheca.

    Dvork escreveu numerosas peas para piano, entre elas oito Humoresques, (a

    stima particularmente famosa por sua transcrio para violino, feita por Kreisler) e

    as Silhouettes, coletnea de doze pequenas peas escritas sobre um mesmo tema.

  • 2.4.5 Espanha

    Aps importante perodo de florescimento musical no sculo XVI, com nomes

    como Victoria, a Espanha redescobre, na segunda metade do sculo XIX, um rico

    patrimnio de msica popular, no qual elementos latinos e rabes do origem a

    melodias e ritmos tpicos, h muito esquecidos, em detrimento da msica italiana.

    Albeniz e Granados expressaram, atravs de meios apropriados, as

    caractersticas da msica popular, do clima e do temperamento do povo espanhol.

    Pequenas peas tpicas, danas, rapsdias tipicamente espanholas foram escritas

    por Albeniz, assim como as miniaturas da Sute Espaa e a Suite Iberia, sua obra-

    prima, onde o compositor realiza uma verdadeira renovao da escrita pianstica.

    Tambm Granados, em suas Danzas espaolas e em Goyescas, introduziu

    elementos tipicamente espanhis, como o arabesco.

  • 2.4.6 Portugal

  • Alm de compositor e regente, Francisco de Lacerda destacou-se como

    conferencista e estudioso do folclore portugus. Ainda jovem, parte para Paris,

    recebendo influncia de Satie, Ravel e Debussy.

    A pea Danse du voile para piano, premiada em um concurso promovido pela

    Revue Misicale, representa importante marco em sua vida.

    Como coletnea, a obra Trente-six histoires pour amuser les enfants dun

    artiste, constituda por miniaturas musicais, considerada sua obra pianstica mais

    importante. Escrita ao longo de vrias dcadas, foi retomada em diferentes pocas

    de sua vida. Embora existam nela momentos de descrio precisa, h o predomnio

    da evocao.

    A obra caracteriza-se pela capacidade de concentrao do discurso musical,

    teor potico, programatismo e a presena de contedos especficos do Simbolismo.

    2.4.7 Frana

    Csar Frank, nascido na Blgica, em Lige, ocupa importante lugar na

    histria do Romantismo, por sua contribuio a determinadas estruturas da

    linguagem musical.

    Quanto tendncia em se considerar a msica religiosa o verdadeiro domnio

    de Csar Frank, seu filho, Jorge Csar Franck, escreve:

    (...) Em realidade meu pai tem cultivado todos os gneros. Msico consumado, foi um mestre em todas as formas de composio. Escreveu msica religiosa e msica profana, melodias, danas, pastorais, oratrios, poemas sinfnicos, sinfonias, sonatas, trios, peras. No manifestou sua personalidade em uma obra mais que em outra, mas em todas se entregou inteiramente.48

    48 ABBIATTI, Franco. Histria de la Musica. Mxico, Union Tipografia Editorial Hispano Americana, 1960, p. 647.

  • As dezoito Petites Pices, introduzidas pela encantadora Les plaintes dune

    poupe, exemplificam suas composies na pequena forma pianstica.

    Segundo Roland de Cand49, as caractersticas estticas nacionais

    francesas so encontradas mais facilmente na msica de Chabrier e Faur:

    equilbrio, ironia, comedimento e uma certa lucidez, que os franceses chamam de

    esprito.

    Ao utilizar em suas obras ritmos e modos prprios da msica popular,

    Chabrier consegue obter uma certa ingenuidade requintada. Suas Pices

    pittoresques para piano (1881), uma de suas principais obras, apresentam uma

    harmonizao bastante pessoal.

    Debussy, nacionalista convicto sob os mais diversos aspectos, quando

    compe, cria novos parmetros ligados ao timbre, sonoridade e ao simbolismo

    expresso e suas obras resultariam, em parte, do conceito que dele se tem: ter sido o

    mais francs dos franceses.

    Suas composies j no mais traduzem os sentimentos humanos, no

    representam ntimas confisses, tampouco expressam estados psicolgicos. O valor

    sonoro, que resulta da evocao da natureza, luzes e cores, passa a substituir o

    elemento expressivo.

    Utilizando modos da antiga msica sacra, escalas eslavas ouvidas na Rssia

    e escalas orientais, Debussy incitou compositores de outros pases a empregar

    escalas musicais prprias do folclore de suas naes.

    A dissoluo dos elementos principais da msica (melodia, harmonia, ritmo)

    ocorre paralelamente dos elementos bsicos da pintura na arte de Czanne,

    Renoir, Monet.

    49CAND, Roland, de. Histria Universal da Msica, v.2. So Paulo, Martins Fontes, 2001, p.147.

  • Para Jacques Stehman50, a mesma necessidade de libertao est presente

    em movimentos como o Naturalismo, Realismo, Simbolismo, Impressionismo,

    Expressionismo: Ao libertar a personalidade criadora do artista, o Romantismo

    legou-nos este princpio de linguagem que no pertence a nenhuma escola, a

    nenhuma esttica coletiva e apenas possui valor em virtude de sua singularidade.

    2.4.8 Hungria

    Bla Bartk nutre sua linguagem musical com elementos vivos, resultado de

    uma minuciosa pesquisa de canes feita na Hungria e posteriormente na Romnia,

    Ucrnia, Bulgria, Arglia, Egito e Anatlia, realizada com Kodly.

    Em 1931 escreve a um amigo: Minha idia central (...) a da fraternidade

    dos povos (...). Esta a idia a que, na medida de minhas foras, procuro servir com

    o que crio. Por isso no me recuso a nenhuma influncia, seja ela de fonte eslovaca,

    romena, rabe ou qual for, contanto que pura, fresca e s.51

    Os seis volumes do Mikrokosmos, pequenas peas para piano escritas entre

    1932 e 1939 para o estudo de seu filho Peter, representam o resultado das

    pesquisas do compositor, consistindo em um verdadeiro manual didtico de todos os

    modos por ele encontrados.

    2.4.9 Brasil

    50STEHMAN, Jacques. Histria da Msica Europia. So Paulo, Difuso Europia do Livro, 1964, p. 241. 51Apud MASSIN, Jean & Brigitte. Histria da Msica Ocidental. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997, p. 965.

  • A no-aceitao dos modelos europeus, seguidos at o incio do sculo XX, a

    nfase dada ao tema da nao e a preocupao com a realidade brasileira em

    debates culturais e estticos, proporcionaram o surgimento de uma corrente

    nacionalista com esttica fundamentada nas idias de Mrio de Andrade, que

    perdurou at 1940. Mas h prenncios de uma busca consciente do sentimento

    nacional na msica erudita a partir da segunda metade do sculo XIX, realizada por

    compositores como Brazlio Itiber e Alberto Nepomuceno, seguidos por Alexandre

    Levy, Francisco Braga. E se Villa-Lobos pode ser considerado o primeiro

    representante da modernidade, outros como Camargo Guarnieri, Francisco Mignone

    e Cludio Santoro souberam se utilizar de elementos musicais do Nacionalismo.

    Dentro da vasta produo musical de Villa-lobos, o repertrio pianstico

    extenso. Embora existam obras de grandes dimenses, como o Rudepoema, a

    pea curta, muitas vezes reunida em coletneas, a forma escolhida pelo compositor

    para exteriorizar sua arte.

    Para VillaLobos, a forma a conseqncia da necessidade de repouso

    relativo da imaginao, mas jamais a repartio simtrica das dedues clssicas.52

    Portanto, o contedo criativo, resultado da pesquisa do rico material folclrico,

    extrapola, em suas obras, o conceito de forma.

    A preocupao com o ritmo, fio condutor de suas obras, capaz de conferir ao

    tema folclrico um carter pessoal, pode ser considerado sob um ponto de vista mais

    amplo, quando o compositor fala da msica como elemento universal, gerador de

    paz atravs de uma nica pulsao: O corao o metrnomo da vida (...). Por que

    52Apud HORTA, Lus Paulo. Villa-Lobos - uma introduo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1987, p.52.

  • se desentendem, vivem descompassados raas e povos? Porque no se lembram

    do metrnomo que guardam no peito, o corao.53

    Villa-Lobos recolheu temas e canes populares j na primeira viagem feita

    ao Nordeste, entusiasmando-se com a msica dos cantadores e seus instrumentos

    primitivos, com os desafios, com as danas e representaes de autos.

    Parte do rico material folclrico por ele pesquisado ao longo de suas viagens

    encontrado nos onze volumes do Guia Prtico, contendo sessenta pequenas peas

    com temas harmonizados e ambientados, entre elas Na corda da viola, A mar

    encheu, Samba-lel.

    O folclore considerado por VillaLobos o elemento de unio entre a

    manifestao espontnea popular e a criao musical elaborada, intelectual. Arte

    que, extrada do povo, a ele retorna aps ser burilada na alma do compositor.54

    53Apud MACHADO, Maria Clia. H. Villa-Lobos. Rio de Janeiro, UFRJ, 1987, p. 82. 54 Ibidem, p. 94-95.

  • Captulo 3: Macchiette op. 2 de Henrique Oswald: Tpica

    Coletnea Romntica

    3.1 Autor

    Henrique Oswald nasceu no Rio de Janeiro, em 14 de abril de 1852,

    mudando-se com a famlia, em 1853, para So Paulo, onde sua me se dedicou ao

    ensino musical e seu pai, ao comrcio de pianos, aps vrias viagens de negcios.

    Iniciou os estudos de piano com Maria Carlota, sua me, e mais tarde com

    Gabriel Giraudon.

    Aos 16 anos, fixou-se em Florena, onde estudou com Giuseppe Buonamici,

    atravs do qual conheceu vrios msicos importantes da poca, entre eles Liszt e

    Brahms.

    Em 1879, recebeu de D. Pedro II ajuda financeira, atravs de uma bolsa de

    estudos na Europa, concesso que perdurou at o incio da repblica e que o

    reaproximou de sua Ptria.

    Esteve no Brasil vrias vezes interpretando obras de sua autoria, de estilo

    romntico, mas apresentando caractersticas das escolas alem, francesa e italiana.

    Em 1900 foi nomeado vice-cnsul do Brasil em Havre (Frana) e, no ano

    seguinte, em Florena.

    Venceu importante concurso de composio promovido pelo jornal Le Figaro

    de Paris, em 1902, com a pea para piano Il Neige!, escolhida por Saint-Sans,

    Gabriel Faur e Louis Dimer. Assumiu a direo do Instituto Nacional de Msica em

    1903, no Rio de Janeiro, demitindo-se aps trs anos, por motivos ligados intensa

  • burocracia existente na Instituio. Fixou-se definitivamente no Rio de Janeiro em

    1911, exercendo grande influncia no meio musical no s pela atividade didtica,

    como pelo convvio com compositores, intrpretes e crticos, que faziam de sua

    residncia um ponto de encontro.

    Quanto ao no-engajamento de Henrique Oswald s novas correntes

    estticas, possvel citar, entre outros fatores, o longo perodo por ele vivido fora do

    Brasil, seu temperamento e a idade de 70 anos, quando da Semana de Arte

    Moderna, o que resultou na ausnc