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w AICA Vmm cmçAi o '8(5 STíCK" MA mue^mi. j^piBWMUmi opmiao análise 295 15/12/2CC)C ^ Estatísticas: acidentes no Brasil e no mundo e o Impacto no emprego * Marxismo, feminismo e o enfoque do gênero * 4 ditadura do capital em trajes civis * Neollberalismo e burguesia no Brasil * A vletnamÊzaçào dos corpos * Perspectivas das CEBs no próximo futuro Israel/Palestina: violência sem fim CPV ^FEV 2051 setor de Documentoção | Custo unitário desta edição: R$ 2.50

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AICA Vmm cmçAi

o '8(5 STíCK" MA mue^mi.

j^piBWMUmi

opmiao análise

295 15/12/2CC)C

^ Estatísticas: acidentes no Brasil e no mundo e o Impacto no emprego * Marxismo, feminismo e o enfoque do gênero * 4 ditadura do capital em trajes civis * Neollberalismo e burguesia no Brasil * A vletnamÊzaçào dos corpos * Perspectivas das CEBs no próximo futuro

Israel/Palestina: violência sem fim

CPV

^FEV 2051

setor de Documentoção | Custo unitário desta edição: R$ 2.50

QUINZENA N0 295

LANÇAMENTO À VENDA NO CPV

R$ 10,00 U5LOS DONBOSCO DE ASSi£

*lll

A Reforma AgráHa

Vale do Paraíba

REFORMA AGRARIA NO VALE DO PARAÍBA

A reforma agrária no vale do Paraíba é um livro sobre a experiência de ocupação da fazenda Santa Rita, no município de São José dos Campos, em São Paulo.

Reúne depoimentos de trabalhadores envolvidos na ocupação, textos analíticos sobre a questão agrária no Brasil e entrevistas com lideranças do movimento dos trabalhadores rurais sem terra e de outras forças políticas comprometidas com esta luta.

Autor: Carlos Donbosco de Assis Editora: CPV

CURTAS Jornal Sem Terra - Nov.2000

O que é cultivo transgenico? Os transgênicos, também conhecidos como organsimos

geneticamente modificados, são plantas e animais que tiveram sua composição genética modificada em laboratório por cientistas. Todos os organismos vivos são constituídos por conjuntos de genes. As diferentes composições destes conjuntos determinam as características de cada organismo. Pela alteração destas composições os cientistas podem mudar as características de uma planta ou de um animal. O processo consiste na transferência de um gene responsável por determinada característica num organismo para outro organismo ao qual se pretende incorporar esta característica. Neste tipo de tecnologia é possível transferir genes de plantas ou bactérias, ou vírus, para outras plantas com plantas, de plantas com animais ou de animais entre si, superando por completo as barreiras naturais que separam as espécies.

A engenharia genética parte do suposto de que cada característica específica de um organismo está codificada num ou em vários genes específicos, de modo que a transferência deste gene para outro organismo significa necessariamente a transferência desta característica. Esta forma de determinismo genético é contestada por um número crescente de biológicos porque não leva em conta as complexas interações dos genes com os outros processos e compostos em suas células e corpos, ou com os ambientes externos que também intervém no desenvolvimento das características de um organismo. Devido a isso, um gene transferido a outro organismo pode resultar numa manifestação de características com resultados imprevisíveis e diferentes das reações esperadas pelos cientistas.□

100 mil metalúrgicos paralisam em greve de advertência

Cerca de 100 mil metalúrgicos cruzaram os braços em Sào Paulo nesta terça-feira, num protesto de advertência ao empresariado. O movimento atingiu as indústrias de automóveis, autopeças, forjarias, porcas/arruelas, lâmpadas, lustres, eletrônicos, etc.

Além do reajuste salarial de 10%, os trabalhadores reivindicam a redução gradual da jornada de trabalho, como forma de geração de emprego.□

Expediente Expediente

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O boleHm < llillAOlItl é uma publicação do: Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro Rua São Domingos, 224 - Térreo - Bela Vista CEP 01326-000 - São Paulo - SP

Telefone (011) 3104-7995 - Fax (011) 3104-3133 E.Mail: [email protected]

O objetivo do boletim é divulgar uma seleção de material informativo, analítico e opinativo, publicado na grande imprensa, partidária e alternativa e outras fontes

importantes existentes nos movimentos. A proposta do boletim é ampliar a circulação dessas informações, facilitando o debate sobre as questões políticas em

pauta na conjuntura.

Caso você queira divulgar algum tex- to no Cllinzena, basta nos enviar. Pedimos que se atenha a, no máximo, 8 laudas. Textos que ultrapassem este limi- te estarão sujeitos a cortes, por imposi- ção de espaço

Seleção e editoração do Boletim Quinzena: Equipe do CPV e Colabo- radores Ilustração: Ohi

"Ela virá, A revolução conquistara para todos o direito nao somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Do livro: Vítimas dos ambientes de trabalho rompendo o silêncio. Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região

Trabalhadores

Estatísticas: acidentes no Brasil e no mundo e o impacto no emprego

Em todo o mundo, indiscriminadamente, os acidentes de trabalho atingem um número alarmante de pessoas, deixando um saldo de vítimas superior à

soma das baixas de todas as guerras do planeta. Morte, mutilação e invalidez chegando em massa. Segundo

a OIT, ocorrem 476 acidentes de trabalho no mundo a cada minuto. Duas pessoas morrem por minuto por esse motivo. As perdas econômicas associadas a doenças e acidentes do trabalho beiram 4% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.

No entanto, o registro de acidentes de trabalho nos países desenvolvidos não é vergonha. É condição de cidadania. No Brasil, as estatísticas de acidentes de trabalho são objeto de acompanhamento e estudo do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região há pelo menos duas décadas, mostrando que, além do raciocínio ser diverso do empregado no restante do mundo, o quadro que se verifica é dos mais preocupantes.

Comparando dois critérios de registro dos acidentes e a população economicamente ativa, além de mortes em relação aos acidentes declarados_ em doze países selecionados que figuram no Anuário de Estatísticas do Trabalho da OIT em 1998, é possível ter uma dimensão da situação brasileira em relação ao mundo.

A primeira constatação é obvia: o Brasil é um dos países que menos registra acidentes de trabalho, deixando de garantir os direitos básicos às suas vítimas.

Registro de acidentes x população economicamente ativa

(a cada 10 mil membros da PEA)

530,09 m I

||

üü

ü ü ü ü ü ü fâ i i - Espanha Itália Canadá Suíça México Brasil

Alemanha Portugal França Bélgica EUA Inglaterra

Já a relação entre o registro de mortes no trabalho e os acidentes ocorridos no mesmo período é bastante elevada no Brasil:

Registro de mortes em relação aos acidentes

(mortes a cada 10 mil acidentes)

% » T T ^ ?■? K4 i2'91 «^ i2fl6 "•« «*• -i 1- "i 1 1 r-

^ cP Os^ & C& •<& <<* K^ ^ cf *& vC?

Fonte: Anuário Estatístico da OIT - (1998)

Informação incorreta na OIT Cabe ressaltar que nem sempre as informações que chegam

à OIT representam o verdadeiro quadro acidentário dos países.

No caso brasileiro, infelizmente, essa situação foi comprovada em vários momentos. Em 2 de agosto de 1995, o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região acionou o diretor da OIT no Brasil, Dr. João Alexim, alertando-o sobre o fato do anuário estatístico da organização ter publicado, na edição 53, de 1994 (página 935) informações incorretas sobre o Brasil relativamente aos anos de 1990 a 1993.

Nestes quatro anos, a Previdência divulgou no país a ocorrência de 2.293.836 acidentes. Um número, portanto, com 781.815 ocorrências a mais que as constantes no Anuário da OIT. Neste mesmo período, 1250 mortes também deixaram de ser comunicadas à Organização Internacional.

*ÍL A ACIDENTES ACIDENTES ANO

PREVIDÊNCIA OIT

v-m 693.572 646.092

1991 640.790 592.283

1992 532.514 172.702

1993 426.960 100.944

TOTAL 2.293.836 1.512.021

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia," Leon Trotsky

Trabalhadores Após receber a representação do Sindicato, o escritório da

OIT no Brasil acionou a Oficina Internacional do Trabalho na Suíça. A resposta veio em 21 de agosto de 1995, em carta assinada por R. Rassou, do Escritório de Estatística, em Genebra.

Rassou informou que os dados publicados são fornecidos pelo Ministério do Trabalho, através de um questionário anual, com informações relatadas pela Previdência Social. No documento, ele confirmou a discrepância, dizendo já ter percebido "a queda muito grande do número de acidentes no Brasil, de 592.283, em 1991, para 172.702 em 1992 e 100.944 em 1993, como nos foi relatado pelo Ministério do Trabalho em 1994", lamentando não ter condições de verificar os dados.

Ele termina o documento solicitando ao escritório brasileiro da OIT para verificar os dados junto ao Ministério do Trabalho e ao Ministério da Previdência Social, buscando assegurar que a informação correta fosse publicada nas estatísticas anuais de 1995.

Em 5 de setembro 95 o Sindicato foi informado pelo Dr. Alexim que as informações seriam corrigidas na próxima edição do anuário, o que aconteceu efetivamente, na edição de 1995, publ içada pouco tempo depois.

No entanto, de lá para cá, apareceram novas falhas de comunicação sobre os registros brasileiros. No anuário de 1996 (edição n.0 55) não apareceu o registro de 1995 sobre o Brasil. No anuário de 1997 (edição n.0 56) foi divulgado o número de 372.249 acidentes e 3.702 mortes sobre o Brasil relativo ao ano de 1996, enquanto internamente a Previdência divulgava 395.455 acidentes e 5538 mortes.

O Sindicato alertou novamente o Escritório da OIT no Brasil, agora já sob a tutela de Armand F. Pereira. Ele encontrou-se então com o Dr. Zuher Handar, Secretário de Segurança e Saúde do Trabalho do Ministério do Trabalho, para discutir a razão da divergência entre os números de acidentes de trabalho no Brasil.

Em 11 de março de 1998, Pereira informou ao Sindicato que "...Resultou dessa reunião, que os dados enviados à OIT eram incompletos em vista da falta de sincronização de datas de prazos para recepção de dados da OIT e da Previdência Social". Na carta encaminhada ao Sindicato, mais adiante, ponderou: "Estou convencido que essa divergência não é conseqüência de qualquer tentativa deliberada de providenciar informações erradas, até porque a carta do Ministério do Trabalho/Previdência à OIT informava, em nota de rodapé, que os dados enviados estavam incompletos."

As estatísticas de acidentes no Brasil

As estatísticas de acidentes de trabalho mostram o quanto é preocupante a questão da saúde e segurança nos ambientes de trabalho no Brasil. De 1978 a 1997 foram registradas 18.107.844 ocorrências no país, pela Previdência Social.

Outra constatação alarmante é o aumento gradativo do coeficiente de letalidade, ou seja, a quantidade de mortes em relação aos acidentes registrados. No acompanhamento histórico desses números, o Sindicato encontrou a seguinte

situação:

ACIDENTES DE TRABALHO BRASIL

BRASIL MORTES DOENÇAS

1978 1.551-581 4342 5.016 1979 1.444.627 4.673 3.823 1980 1.464.211 4.824 3.713 1981 1.27D.465 4.808 3.204 1982 1.178.472 4.496 2.766 1983 1.003.115 4.214 3.016 1984 961.575 4.508 3.233 1985 1.077.861 4384 4.006 1986 1.207.868 4.578 6.014 1987 1.137.124 5.738 6382 1988 992.737 4.616 5.029 1989 895.213 4.554 4.838 1990 693.572 5355 5.217 1991 640.790 4,523 6331 1992 532.514 3.634 8.299 1993 426.960 3-689 11.111 1994 388.304 3-129 15.270 1995 424.137 3.967 20.646 1996 395.455 4.488 34.889 1997 421.343 3-469 36.648 TOTAL 18.107.844 88.019 189.451

fonte: f^r&isirlêncm Stifin/

EVOLUÇÃO DOS REGISTROS EM 20 ANOS

1975 l MORTE A CADA479 ACIDENTES

1980 l MORTE A CADA303 ACIDENTES

1985 1 MORTE A CADA 246 ACIDENTES

1990 l MORTE A CADA 129 ACIDENTES

1995 1 MORTE A CADA 107 ACIDENTES

fonte:Prcrttihtcut Sociul

Cabe salientar, entretanto que se existe alguma certeza em relação aos números oficiais é o fato de que são subestimados. Em 1977, a Fundacentro chegou a um cálculo aproximado de 30% de subregistro. Ou seja, mesmo mostrando números preocupantes, os dados brasileiros registravam apenas 70 acidentes em cada 100 que estavam ocorrendo entre segurados da Previdência. (Em 1976 mudou a legislação acidentaria no Brasil e as empresas passaram a pagar os 15 primeiros dias de afastamento do acidentado. Até aquela data a Previdência pagava os dias afastados, já no dia seguinte ao acidente). Pela mesma metodologia de cálculo, em 1995, pôde- se constatar que o índice de subregistro já tinha ultrapassado a casa dos 79 pontos percentuais.

ESTIMATIVAS DO SUBREGISTRO DOS ACIDENTES DE TRABALHO NO BRASIL

74% 79% D ano 1977

■ ano 1980

Dano 1985

Dano 1990

■ ano 1995

Estimtiivm s*gliniÍ* </ iHrffirieUpti rfe cAh-uU tii FuH/Ltsrentre

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Trabalhadores Os números estão longe de serem confiáveis. Para um

mesmo ano podem ser divulgadas até cinco versões diferentes de dados estatísticos, como ocorreu em relação às mortes do ano de 1996.

Mas quando a análise focaliza a situação das regiões ou especificamente entre alguns estados brasileiros (a maior parte deles), o abismo da confiabilidade se aprofunda ainda mais. Uma constante nos dados regionais é que, contrariando qualquer lógica, no Brasil a ocorrência de acidentes leves, sem afastamento do empregado ou com até 15 dias de afastamento, é de apenas um terço do volume de acidentes com afastamento mais prolongado.

Os números relativos a 1997 mostraram:

■ SIWPLES HS5I5I MÉDICA

(«tCIJ. SEM AFASIAHENTO)

ACIDENTES COH + DE 15 DIAS

DE AfASTAMEMTO

H>m 601 33W

Noitesic }.m 14.607

Sudcae 40.866 91.228

Sul 1).162 39.269

Ccnlro-OtBe 6ll 7.611

Bíid 56.4 jl 156.104

/ .«fc FranAua .Wwí- VÁlAP/lí: 11 Sl-J. Ull

RESIÂO SIMPLES ASÍlSlrólCA

(ACID.3E« AFASTAMENTO)

ACIDENTES COH + DE 15 OIAS

DEAfASTANEKTO.

Nortf 601 3.389

Nortieste 3.191 14.607

SyJste

Sul

40.866 91.228

■ 11.162 39.269

Qiuro-Otste 611 7.611

Bus! 56.431 156.104

O abismo está, obviamente, entre os acidentes que estão ocorrendo e aqueles para os quais são elaboradas CATs (Comunicações de Acidentes de Trabalho). Isso sem contar o fato de que apenas cerca de 30% da PEA (População Economicamente Ativa) do país têm direito ao registro da CAT.

Tomando por parâmetro os registros de 16 estados brasileiros selecionados, encontramos a situação absurda em que as mortes e incapacidades permanentes são mais freqüentes que os registros de menor gravidade, habitualmente lembrados no meio prevencionista como "marteladas no dedo":

/•««. /'mAm SmU- IIAUm. 1: SUA Lál

Na totalização de acidentes com incapacidade temporária (relativa a 1997), a Previdência registrou fenômeno semelhante em quatro Regiões brasileiras:

ESfJUU «UIHNTESSEM «f«SIAMB(TO(aWlE5

ASMS. MÉDICA)

mum,*'. DO TRRBWMD

MCAmODRDE Pllíf-WM HEi

«ORTt

Amazoiiaa 0

0

229

1

108 18

Toc.uMn, 28 9 Roraima 0 3 15 5 Amapá 0 t 5 6 Pi«,.t 1 14 18 22

Acre 2 l 6 4

Maranhão 9 52 42 22 Aondânfa 16 31 71 34 MMoCmiatlo Sul 52 90 179 66

Rio Cmndc do Nonc 78 28 H9 34

Oútrito FtdCTal 105 464 267 42

rdnn» 180

159

1 18

237

120 37 Cettrá 27 1 77 Mato C roíin 177 149 170 116

Coüi 277 353 337 85 fcmani buco 34 8 340 509 125 Totnl de I 6 Bãtaiim 1354 2.116 2.2«5 702

rtHter PmMAtfú Soem/- UArAPRtiV. SCO. CAJ

Texto para o Quinzena

Trabalho e trabalhadores no Brasil hoje Telma Bessa

Estamos no ano dois mil. Percebemos de forma mais intensa várias discussões sobre o futuro do trabalho, as mudanças no setor produtivo, no setor

de serviços; as conseqüências e impactos vividos pelos trabalhadores; a eliminação de postos de trabalho; a extinção de profissões; a necessidade do tempo livre para todos etc.

São emblemáticas as questões colocadas: desemprego, terceirização, concorrência, produtividade, progresso, segurança, profissionalismo, disciplina, tecnologia, emprego, participação, aposentadoria, direitos dos trabalhadores, salário, violência, migração, trabalho informal, cursos de formação profissional, sindicalismo, computação, baixa performance, qualidade...

Diante tudo isso, ao vivenciar mudanças no mundo do trabalho, há enfrentamentos, aceitações e resistências à

"A pessoa não percebe...não tem aquele impacto... vão eliminando, não tem choro não... chegou a hora, vai

embora..." (trabalhador da VW/SP)

novas situações, bem como uma busca de novas possibilidades. Podemos analisar fragmentos da narrativa de um trabalhador

da VW. A frase acima é de um metalúrgico que reside em São Bernardo do Campo/SP. Este trabalhador possui larga experiência de trabalho na indústria automobilística, pois trabalhou como almoxarifado, funileiro, operador de máquina e ferramenteiro.

Começou a trabalhar em uma fábrica aos 19 anos, na década de 70. Nesta época, viveu uma conjuntura de chegada das multinacionais no Brasil. Como ele mesmo fala:

"Aqui em São Paulo, tava assim como quando chove no nordeste no dia de São José. O povo se junta na rua. Aqui tava assim com a implantação da indústria automobilística no país. Um estouro, catava gente a laço"

A vida deste trabalhador foi um constante aprendizado, sua qualificação profissional constituiu-se ao longo de anos de

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Trabalhadores

experiência dentro da fábrica. Sua profissão de ferramenteiro era motivo de orgulho e também status: "era a melhor profissão que tinha. A mais respeitada e valorizada".

Hoje, este trabalhador está aposentado, recebendo um salário mais baixo, após 32 anos de fábrica. A partir de seus depoimentos, de sua experiência no local de trabalho, podemos destacar algumas questões que se colocam de forma insistentes:

Inicialmente é importante considerar que este trabalhador presenciou mudanças ocorridas no local de trabalho desde os anos VO.Vale dizer que vivenciou, aceitou, interagiu e resistiu à algumas alterações. O trabalhador não é espectador, mas participa ativamente destes processos, tanto na implementação das novas tecnologias como nas formas diferenciadas de organização no trabalho (CCQ, Células de produção).

A trajetória profissional deste trabalhador perpassa as mudanças ocorridas dentro da fábrica e ao mesmo tempo, seu crescimento profissional. Percebemos que o "fazer-se" deste trabalhador, suas experiências em vários setores, afírma- o enquanto sujeito ativo, um profissional que vai tecendo, construindo seu crescimento dentro do campo profissional.

Por outro lado, percebemos que esta trajetória aponta um contraste com a atual rotatividade dos trabalhadores. Se, na década de 70 estes permaneciam vinte, trinta anos em uma só empresa, construindo sua carreira profissional com dedicação exclusiva; hoje, nos anos 90, a versatilidade, flexibilidade e independência fazem parte de uma "performance" ativa do trabalhador.

Desta forma, se antigamente, o trabalhador era valorizado por sua vasta experiência em uma só empresa, hoje é estimulado ao engajamento em novas formas de qualificação profissional e abertura no contato com demais empresas. A marca não é a experiência e sim a flexibilidade.

No aspecto da formação profissional, ela se constituía na prática cotidiana com cursos e o "aprender fazendo", "a vida ia ensinando". Hoje, para conseguir um emprego, é necessário apresentar currículo. No discurso patronal, a capacitação e a formação passam a ser consideradas o pivô da discussão sobre as mudanças no mundo do trabalho. Na maioria das vezes, o desemprego aparece como "resultado da incompetência dos trabalhadores" que não acompanham

o avanço, o ritmo veloz das mudanças no mundo do trabalho. Outro fator a ser analisado é a própria reconfíguração no

setor automobilístico brasileiro, onde percebemos a união de várias empresas e a abertura de várias fábricas filiais como a Ford na Bahia, General Motors no Rio Grande do Sul, Volkswagen em São José dos Pinhais no Paraná.

Neste aspecto, é importante lembrar o processo de descentralização do pólo industrial brasileiro. Isto quer dizer que hoje acontece o inverso ao verificado na década de 70: as fábricas de automóveis estão saindo da região do ABC paulista e abrindo em outras regiões do país. Essa descentralização pode significar que os trabalhadores metalúrgicos desempregados não encontrarão postos de serviço, restando poucas possibilidades de trabalho, incluindo o trabalho informal de venda em barracas em frente à própria fábrica em que trabalhou.

Vemos ao mesmo tempo, o aumento crescente do desemprego e exclusão social, cultural, política e econômica. O desemprego em nosso país, segundo afirma uma pesquisa da Fundação Seade e Dieese, é preocupante. Um desempregado na grande São Paulo demora mais de um ano para conseguir ocupação na região metropolitana de São Paulo.

É o chamado "desempregado crônico", e quanto mais tempo ele (o trabalhador) passa fora do mercado de trabalho, menores são suas chances de conseguir nova ocupação.

Tudo nos indica a necessidade de pensar uma outra forma de organização da sociedade, onde cada um possa ser valorizado e respeitado pelo que é, onde os valores da solidariedade e a vida estejam em primeiro lugar. Como pensar a sociedade do futuro? Qual o futuro das próximas gerações?

Estas questões levam-nos a pensar nos trabalhadores: estes, não poderão ser esquecidos, quantificados, padronizados. Suas experiências, relações, modos de viver e trabalhar escapam às teorias generalizantes. Continuam na luta e, de forma fragmentada e plural, afirmam que o mundo da fábrica, da casa, do clube, é o mundo onde se realizam e constróem uma vida nova todos os dias.Cjl

1- O Estado de São Paulo ; Especial As cidades das montadoras. Setembro de 1999.

2-Folha de São Paulo, 18/02/2000

3-MATOSO, Jorge. O Brasil desempregado São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 1999.

O São Paulo - Nov. 2.000

Formação de quadrilha? Waldemar Rossi

Há pouco mais de dois meses, a Folha de S. Paulo publicou matéria de autoria de Josias de Souza sobre possíveis "desvios" de dinheiro pela direção

do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Segundo a reportagem, o objetivo do "pedágio" é custear as atividades de organização e orientação do MST A partir de então o (des)governo brasileiro não cessa de atacar o MST procurando desmoralizar, perante a opinião pública, o legítimo

movimento dos trabalhadores que desejam terra, apoio ao plantio, à colheita e venda dos produtos agrícolas - coisas que todos os governos do países desenvolvidos fazem permanentemente.

O que mais chamou a atenção nessa história foi a decisão de um certo promotor (bem se vê, a serviço dos poderosos) de enquadrar a direção do MST em crime de "formação de quadrilha". O curioso é que esse mesmo promotor (assim

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

mÊÊmmÊÊÊmmmamÊmÊmmmmmmmmÊmmmmmÊmmamÊmmmimmmiÊmmmimÊmÊÊaÊmmmÊm HOBaMMaaaBr

como alguns outros "zelosos" com a propriedade dos latifundiários, muitos deles grileiros) não teve o mesmo empenho em casos de verdadeiro assalto aos cofres públicos. Sua preocupação é com o possível emprego de alguns milhares de reais para as atividades organizativas do mais importante movimento social deste país. Perguntamos: por que não tiveram o mesmo zelo com os casos das entregas das estatais às empresas particulares? Pois, segundo Aloísio Biondi, o país pagou para os compradores, já que em muitas estatais o governo investiu, antes de vender, mais do que recebeu com a venda (ou doação?). Mais ainda, em alguns casos, a parte do dinheiro que entrou foi menor que o recebido em "moeda podre" , ou seja, em títulos "pagáveis" em 15 ou 20 anos - quer dizer: nunca serão pagos. Segundo o mesmo Biondi, em vários casos a BNDES emprestou dinheiro (público) às compradoras. Por acaso isso não é formação de quadrilha? O que não falar, então, dos vergonhosos casos de doação de nosso dinheiro aos banqueiros fraudulentamente falidos (mais de R$ 30 bilhões), conforme denúncias de toda a imprensa nacional? Por acaso não se formou quadrilha a fim de praticar tantos crimes contra o patrimônio público? Por que, então, essas quadrilhas não são denunciadas? O governo quer tirar um cisco dos nossos olhos quando tem um poste nos seus.

Aliás, desde a primeira matéria de Josias de Souza, perguntava-me a serviço de quem estaria esse jornalista? Certamente não estava a serviço dos trabalhadores que foram enxotados de suas terras e vivem na miséria. Josias de Souza sabe muito bem que a terra, conforme a Constituição (e o bom direito internacional), não pode ser estocada para fins

Trabalhadores especulativos. E que sua função tem de ser, acima de tudo, social.

Felizmente, as Igrejas ecumênicas, as ONGs e vários outros órgãos internacionais, não se deixaram iludir pela má fé e mentiras do governo e de certa imprensa tendenciosa. Todos eles são testemunhas vivas das lutas dos trabalhadores rurais e de todas as artimanhas e golpes baixos que o governo vem aplicando contra eles, na tentativa de desmoralizá-los e de desmantelar sua organização. Por ser um movimento profético, o bom Deus não permitirá que tal aconteça.

Certamente existem muitas outras quadrilhas formadas sobre as quais certa promotoria não se manifesta (felizmente muitos promotores vêm demonstrando que têm dignidade e coragem para enfrentar certas máfias que se implantaram nas esferas governamentais). Devo acrescentar a "quadrilha" dos latifundiários, existente no Congresso Nacional, que barganha com o governo a protelação do pagamento dos bilhões de reais que deve aos cofres públicos, enquanto o mesmo governo diz, descaradamente, não ter minguados tostões para os assentados.

E preciso dar um basta nesta situação. É urgente que as comunidades se manifestem em apoio aos trabalhadores rurais sem-terra, uma vez que eles são os que mais têm a receber das enormes dívidas sociais, que a sociedade e o governo têm para com o povo. De bom alvitre seria nos mobilizarmos para evitar telegramas de protestos ao ministro da Justiça (já que ele foi membro da Comissão Justiça e Paz), ao ministro da Reforma Agrária e ao próprio presidente da República. Se necessário, que tal irmos às praças para exigir justiça?.□

Crítica Marxista - outubro/2000 - N0 11 E-mail: [email protected]

Marxismo, feminismo e o enfoque degenero *Clara Araújo

De forma bastante concisa, caberia destacar como contribuições do marxismo ao feminismo o enfoque histórico e material, que permitiu a desnaturalização da subordinação da mulher, situando sua gênese num processo gerado nas e pelas relações sociais, em contextos sócio-econômicos determinados; a interpretação da economia política em relação ao processo de trabalho capitalista e ao lugar do trabalho doméstico; e a análise sobre a ideologia, que oferece elementos para pensar outras dimensões das relações e dos conflitos sociais, para além dos vinculados à base material, mesmo quando mediados por esta.

A perspectiva histórica e material possibilita pensar as práticas sociais, a construção das instituições, assim como os valores transmitidos através das gerações, como processos mutáveis, que ocorrem via uma agência humana ativa e dinâmica, embora não determinista, como mostrou Marx em O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Tal perspectiva é crucial para fugir a enfoques essencialistas sobre a dominação masculina e a subordinação feminina, nos quais as mulheres seriam, desde sempre e por natureza, subordinadas ou

diferentes, e os homens, opressores. Em A ideologia alemãl, é possível compreender como as várias faces das relações humanas originam-se dos processos materiais e históricos, desencadeados a partir das relações que homens e mulheres estabelecem com vistas à produção e reprodução de suas vidas e de suas necessidades. E conformam uma totalidade indispensável à reprodução social da vida material. Produção e reprodução constituem, assim, um único processo. Como indicaram os autores, tais processos se realizam via sujeitos sociais sexuados, os quais, através de suas práticas e interações com vistas à reprodução social e da espécie, dão origem a instituições, também históricas, como, por exemplo, a família. Este enfoque contribuiu para o entendimento de que as relações sociais, inclusive as que se desenvolvem entre homens e mulheres, são construídas, reproduzidas e transformadas, uma vez que a natureza humana não é concebida como algo ontológico e imutável, mas produto das práticas sociais, conflituosas e, muitas vezes, antagônicas.

Não obstante os limites de alguns dos referenciais antropológicos presentes em A origem da família, da

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pào mas à poesia." Leon Trotsky

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propriedade e do Estado, particularmente a suposição de que, originalmente, haveria um padrão universal de família, assim como certa simplificação no modo de conceber a divisão sexual do trabalho em sua origem,2 essa obra permanece uma referência para pensar a relação entre condições materiais, surgimento da propriedade privada, das instituições e a opressão da mulher. A contribuição de Engels foi importante para mostrar que o lugar social das mulheres não era expressão de uma "natureza feminina" inata, identificando a relação entre homens e mulheres como relação de opressão e situando nos processos sócio-econômicos os elementos que conduziram à dominação masculina. A primeira divisão de trabalho, entre homens e mulheres, institucionaliza-se como relação opressiva quando as mulheres perdem o controle sobre o trabalho e se tornam economicamente dependentes do homem. Assim, a primeira forma de opressão origina-se por contingências materiais, e não por uma essência masculina dominadora. A família moderna nada mais é do que a expressão dessa "derrota histórica" das mulheres, ou seja, algo construído e mediado pelas relações sócio-econômicas ao longo do tempo e do espaço.

O marxismo é criticado por haver subestimado o lugar do trabalho doméstico na análise sobre o processo de produção capitalista. De fato, o centro da economia política marxista encontra-se na análise do chamado "trabalho produtivo", seu processo e sua lógica. No entanto, a leitura mais atenta das obras de Marx e Engels permite identificar a constante relação entre produção e reprodução da vida envolvendo, por conseguinte, trabalho pago e trabalho não-pago, inclusive o doméstico. A economia política, ao estabelecer tal conexão, fornece as bases necessárias para se proceder a uma crítica sobre o valor desse trabalho no próprio ciclo produção/ reprodução, assim como para o entendimento dos caminhos através dos quais a exploração de classe e a opressão de sexo se articulam. É essa chave analítica que permite retirar o trabalho doméstico do âmbito das relações "privadas", para situá-lo no interior de um processo mais amplo e, portanto, tratá-lo como algo afeto às relações sociais em geral. Nessa perspectiva histórica e material, a análise sobre a alienação constitui contribuição importante para entender o papel que o trabalho doméstico veio a assumir no processo de produção da vida material. Os processos de trabalho ganham aparência naturalizada, tornando-se gradativamente elementos "coisificados" e exteriores aos indivíduos que deles compartilham. O conceito de alienação permite mostrar como as relações e a divisão de trabalho entre homens e mulheres também se apresentam naturalizadas, ganhando aspecto "a- histórico", fixo e dicotômico.

Cabe ainda destacar a análise sobre a ideologia, desenvolvida por Marx e Engels e trabalhada de moda mais abrangente por Gramsci, entre outros, como "concepção de mundo", presente implicitamente em todas as esferas da vida social, e não apenas na esfera econômica. Gramsci mostrou a relativa autonomia que essa dimensão veio a adquirir na sociedade. Nessa perspectiva, pode-se dizer que a ideologia remete à subjetividade humana, aos valores e formas sujeitos.

Trabalhadores Como mostra Therborn, ser um sujeito humano é algo "existencial - ser um indivíduo sexuado, em um ponto particular de seu ciclo de vida, relacionando-se com outros indivíduos sexuados (...) é também algo histórico - ser uma pessoa que existe somente em certa sociedade (...) inclusivo (ser um membro de um mundo significado), posicionai (ter um lugar particular no mundo em relação a outros membros deles; ter um gênero ou idade particular, uma ocupação, uma etnia, etc.)."3 E, portanto, a partir dessas várias clivagens que se estabelecem as mediações entre condições materiais, valores e visões de mundo. O olhar mais amplo sobre a ideologia torna possível mover de uma análise centrada na classe, em direção a uma abordagem mais pluralista, capaz de abarcar outras formas de luta e conflito.4 A tentativa de considerar, nas análises de gênero, a intercessão entre categorias tais como classe, sexo e raça é expressão dessa perspectiva pluralista, assumida via dimensões materiais e ideológicas. Essas mediações permitem observar as diferenciações nos níveis de conflito e desigualdade nas relações entre homens e mulheres, no interior e entre as diversas classes, em sociedade específicas.

E quanto às limitações? De forma esquemática, poder-se- ia identificar, sobretudo, a ausência de uma abordagem mais abrangente quando se passa à questão de como os conflitos e interesses foram se conformando e como à subjetividade humana foi sendo estruturada ao longo da história. Em outras palavras, como as relações de classe e gênero, apesar das intercessões, foram assumindo contornos próprios e a opressão foi sendo algo estruturante das relações entre homens e mulheres, moldada pelas práticas e condições materiais, mas adquirindo dimensão subjetiva como relação de poder. É, no entanto, difícil dizer, até que ponto isto poderia ter sido mais bem desenvolvido há mais de um século, já que os autores foram fruto de sua época e estavam mais preocupados em aprofundar a dimensão de classe das relações sociais. Muitas leituras5 sugerem que os autores clássicos, ao derivarem da análise de classe todas as outras formas de conflito, deram margem ao reducionismo econômico na análise sobre a opressão da mulher. Segundo Haug, tal reducionismo estaria presente, por exemplo, na análise de Engels sobre a família no capitalismo, já que não ficaria clara uma relação de opressão do homem proletário sobre a mulher proletária, dando a entender que a solidariedade de classe seria suficiente para quebrar a subordinação e estabelecer grande diferenças entre as relações de gênero proletárias e as burguesas.

Mais problemática parece ter sido a apropriação posterior dessa produção. Nos clássicos, as análises tratando da produção e reprodução da vida material, em geral, abarcavam as relações de classe e de sexo, mesmo que esta última fosse pouco aprofundada. Mas vieram a ser apropriadas posteriormente de modo simplificado pelo movimento marxista, ficando a dimensão de sexo diluída nas relações de classe. Prevaleceu a ausência de enfoque mais aprofundado sobre o impacto da subjetividade e da ideologia na construção social dos lugares de homens e mulheres, o que levou à subestimação da situação da mulher proletária, supondo-se

"Ela virá, A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Trabalhadores relações de gênero baseadas exclusivamente no amor e livre de opressão. Além disso, tais análise tenderam a reduzir a chamada "dimensão material" aos seus impactos econômica e mudanças nos valores e padrões culturais.

O conceito de gênero e seu lugar na análise feminista

O conceito de gênero surge da tentativa de compreender como a subordinação é reproduzida e a dominação masculina é sustentada em suas múltiplas manifestações, buscando incorporar as dimensões subjetiva e simbólica de poder, para além das fronteiras materiais e das conformações biológicas. A possibilidade de pensar as práticas materiais e, ao mesmo tempo, as construções simbólicas, evitando o essencialismo biológico ou a sustentação exclusiva na dimensão econômica, fez com que esse conceito fosse assumido também pelo feminismo de base marxista, preocupado em responder à permanência de relações de opressão entre homens e mulheres, mesmo em contextos econômicos e políticos diferenciados. Trata-se de importante recurso analítico para pensar a construção/desconstrução das identidades de gênero, isto é, os caminhos através dos quais os atributos e lugares do feminismo e do masculino são social e culturalmente construídos, muito mais como significados do que como essência. Gênero é relacionai e, nesse sentido, um gênero só existe em relação com o outro. Essa característica permite considerar que tanto o processo de dominação quanto o de emancipação envolvem relações de interação, conflito e poder entre homens e mulheres. Numa perspectiva política, nos obriga a ampliar o olhar sobre os atores. O problema deixa de ser apenas das mulheres, requerendo alterações nos lugares, práticas e valores dos atores em geral. Esse conceito contribuiu para encorporar na agenda feminista a luta no plano da cultura e da ideologia, fornecendo um espaço para a subjetividade na construção e reprodução dos lugares e significados socialmente identificados com o masculino e o feminino.

Mas o seu percurso analítico guarda certos problemas que merecem ser assinalados. A ênfase na dimensão subjetiva das relações de poder entre homens e mulheres, desvinculada de base materiais, seria um primeiro aspecto a destacar. Nas análises pós-estruturalistas, sobretudo, a dimensão simbólica ganha centralidade e a referência às práticas e relações

materiais torna-se opaca. Gênero deixa de ser um conceito meio, isto é, uma forma de ampliar o olhar e entender a trajetória em torno da qual a dominação foi se estruturando naspráticas mate- riais e na subje- tividade humana.

para tomar-se um conceito totalizador, um modelo próprio e autônomo de análise das relações de dominação/subordinação, centrado quase exclusivamente na construção dos significados e símbolos das identidades masculina e feminina. As práticas materiais e as intercessões com outras clivagens praticamente desaparecem e/ou são bastante secundarizadas. Gênero passa a descrever tudo e a explicar muito pouco, pois, como conceito, tendeu a ser auto-referido. Já em 1990, debatendo o clássico texto de J.Scott6, Machado7 questiona o estatuto atribuído a esse conceito, sugerindo que "as tentativas de afirmar as diferenças entre os sexos, ou que a construção das relações de gênero são significativas, termina por assentar essa intenção na defesa da centralidade de uma dessas noções para o entendimento da vida social". Para Machado, Scott não estabelecia os limites próprios do conceito no interior de um modelo teórico mais geral, produzindo o que o autor viria a denominar de "imperialismo do conceito". Coole8 também observa que as análises iniciais sobre gênero asseguravam o vínculo com a dimensão material e as práticas coletivas daí originadas. Mas com o crescente "descolamento" em direção à dimensão simbólica, o conceito de gênero vem se tomando um código cultural de representação e aparece como mero efeito discursivo, desvinculado dos contextos socioeconômicos concretos.

Em suma, pode-se dizer que as tentativas de achar um lugar para a dimensão subjetiva da dominação de gênero correm o risco de "jogar fora o bebê com a água do banho", abstraído de bases criticada, parece ceder lugar para outra forma de totalização conceituai, a de gênero. Essa apropriação analítica implica, também, o risco de se perder de vista os possíveis impactos que as relações de classe ou raça podem vir a Ter sobre as dimensões - materiais e simbólicas - que envolvem as relações sociais de gênero, eis um ponto para reflexão.

Um dos desafios do marxismo tem sido o de incorporar a complexidade e as dimensões de conflitos que foram surgindo com a modernidade, gerando diversidade de sujeitos políticos e contornando manifestações variadas de subjetividade e interesses, com dimensões políticas específicas. Um projeto emancipatório da humanidade necessita pensar prioridades na ação política sem perder de vista como as diversas clivagens que perpassam as relações sociais podem ser simultaneamente trabalhadas, em suas dimensões próprias e inter-relacionadas.n

*Professora de sociolosia do Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

1- Marx, K. e Engels, F., A ideologia alemã. Porto, Presença, 1975.

2- Sobre isso ver, por exemplo, Haug, F. Problematical Aspects of EngeFs View of the Woman

Question. Science & Society, v.62, n.l, 1998, p.106-116.

3- Therbom, G., "A formação ideológica dos sujeitos humanos". Lutas Sociais, n.l, 1996, p.49-60.

4- Sobre isto, ver Bryson, V., Feminist Political Theory. Na introduction. Londres, MacMillan, 1992.

5- Ver, por exemplo, Barret, M., Women's Opression Today. Londres, Verso, 1988; Haug, F. op.cit.

6- Scott, J., "Gênero; uma categoria útil para nálise histórica". Educação e Realidade, vol. 16, n.2,

1990, p.5-22.

7- Machado, L., Gênero: conceito ou categoria de análise? XIV ANPOCS, Caxambu, Mimeo, 1990.

8- Coole, D., "Wither Feminism?" Political Studies, v.42, n.l. Oxford, Blackwell.

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Economia Germinal - Jornal da Oposição Operária - Out/Nov.2.000 http://sltes.uol.com.br/opop

A ditadura do capital em trajes civis Colocação do problema

Num artigo muito conhecido e intitulado "Balanço do Neoliberalismo", escrito por Perry Anderson para uma coletânea publicada no Brasil, em 1995,'

encontramos algumas passagens dignas de nota e que devem ser objeto de muita reflexão. Numa delas, aquele autor inglês escreve: "Mas a democracia em si mesma - como explicava incansavelmente Hayek-jamais havia sido um valor central do neoliberalismo. A liberdade e a democracia, explicava Hayek, podiam facilmente tornar-se incompatíveis, se a maioria democrática decidisse interferir com os direitos incondicionais de cada agente econômico de dispor de sua renda e de sua propriedade como quisesse". Numa outra passagem, o mesmo Anderson completa: "No início" (do neoliberalismo) "somente governos explicitamente de direita radical se atreviam a pôr em prática políticas neoliberais; depois, qualquer governo, inclusive as que se auto- proclamavam e se acreditavam de esquerda", (os reformistas, os "comunistas" e os social-democratas) "podia rivalizar com eles em zelo neoliberal".

Os fatos As previsões de Hayek, pai teórico-ideológico do

neoliberalismo, confirmaram-se e seguem sendo confirmadas na prática: não pode haver democracia num contexto nacional ou mundial dominado pelo neoliberalismo. A outra afirmação de Anderson também se confirma: qualquer partido ou equipe social-democrata- ou de uma "esquerda" qualquer -, quando alcança o Poder de Estado, torna-se tão neoliberal como um outro partido genuína ou originalmente neoliberal. Mais do que isso: qualquer partido, seja ele neoliberal, de "esquerda" ou social-democrata torna-se, quando chega ao Poder de Estado, não só neoliberal como, corolariamente, um partido e um governo abertamente autoritário e, não raras vezes, indisfarçavelmente ditatorial. A velha democracia liberal já não passa, nesta conjuntura de virada de milênio, de um simulacro, como simulacro cada vez mais se torna a própria social-democracia. Foi, de resto, esta a saga confirmatória do próprio Fernando Henrique Cardoso e seus acólitos: de "marxistas" acadêmicos ou de gabinete (como são todos ou quase todos os intelectuais oriundos de instituições como CEBRAP e similares), passaram a social-democratas e daí, uma vez eleitos e empossados, metamorfosearam-se uma vez mais, em neoliberais e ativos aspirantes a ditadores.

Mas é necessário completar a explicação

É necessário passar adiante, marchando sempre no sentido da aparência à essência, para que não se pense que o velho liberalismo, a social-democracia que o sucedeu ou, mais ainda,

o neoliberalismo que acabou sucedendo, por sua vez, a social- democracia - convivendo com esta (como convivem PSDB, PFL, PT, etc, etc), parcialmente em alguns casos e encontros (PT e PFL), totalmente em acordos mais duradouros (PSDB e PFL) -, são formas de governo que se implantam, se sucedem e se colocam no cenário do Poder arbitrariamente e a seu talante.

De um lado, está a verdade mais contundente, já revelada por Marx e Engels, desde o século passado, de que estas e outras formas de Estado e de governo na verdade derivam de determinações que provêm, em última instância, dos movimentos, das leis e das contradições que eclodem da infra- estrutura social, ali onde se realiza a produção material, a conseqüente distribuição do produto social e onde, sob relações sociais de produção capitalistas, as classes sociais fundamentais - burguesia e proletariado - assumem e se enfrentam, com e diante de tarefas, em face de tais movimentos e contradições.

Em segundo lugar, tem-se de levar em conta esta outra verdade: a forma de governo, seja ela liberalismo, social- democracia ou neoliberalismo, é determinada, em última instóancia, pelo estágio das referidas contradições que são, em derradeira instóancia, como se disse, contradições entre classes sociais antagônicas no âmbito do movimento da infra- estrutura social atrás descrita. Se as contradições são de menor monta, pratica-se um governo mais "democrático", o que eqüivale a dizer, proporciona-se uma liberdade mais manipulada- como foi o caso do velho liberalismo e, da social democracia; se as contradições são por demais contundente, diminui a taxa relativa de "democracia" e o Estado não pode mais senão de munir-se de meios e discursos de intimidação e de coerção direta. É o caso do neoliberalismo, que, como está acontecendo no Brasil. Seja como for, a causa não deve ser buscada no rótulo da política de Estado ou do Governo, mas na situação concreta das contradições de classe que são gestadas na infra-estrutura social. Ademais, a prática em menor ou em maior grau de uma política "democrática"- sempre manipulada ideologicamente - não leva as forças políticas do Estado e dos agentes do capital a abrirem mão de um aparato militar repressivo crescente, desde que a força sempre foi, em qualquer sociedade de classe, o "argumento" decisivo.

Em terceiro lugar, o neoliberalismo é a forma política de Estado que o capital melhor formulou para gerenciar o seu estágio de acumulação, que veio com a chamada reestruturação produtiva (toyotismo, etc.) desde os anos 70; da mesma forma que antes, a social-democracia fora a melhor forma de política de Estado que o capital formulara para gerenciar contradições e necessidades em que estava envolvido durante a fase fordista da acumulação. Passado o fordismo, está a social-democracia ultrapassada, só revivendo vegetativamente, como simulacro. Certamente, este será o

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas àpoesia," Leon Trotsky

mesmo destino do neoliberalismo daqui a algum tempo, mas cabe à burguesia formular o que o sucederá - se isto for possível - quando o neoliberalismo, também tornado desnecessário, da mesma forma tornar-se mero simulacro. Mas este é um problema do capital, pois as forças do trabalho têm um outro papel: compreender todos estes movimentos e pôr uma outra roda em movimento na História.

Em quarto lugar, não há como manter ilusões: qualquer partido que chegue ao Poder de Estado, hoje, em qualquer país do mundo - seja ele neoliberal, liberal, democrata-cristão, "socialista", "comunista" ou social-democrata (como foi o PSDB e como se propõem ser o PT, o PDT, o PPS, o PSB e outros) não tem outra alternativa senão seguir o mesmo programa neoliberal - a "bola da vez" - e uma atitude cada vez mais abertamente ditatorial, e isso porque o Estado e, mais abaixo dele, a infra-estrutura social, estão sujeitos a normas, leis, monopólios de poder, contradições que nenhum governo pode deixar de obedecer - conforme, aliás, está escrito na Constituição, nas leis, nos acordos, etc, que têm de respeitar como staffs de Estado.

O caso brasileiro: a ditadura militar

Quando, na primeira metade da década de 60, o capital hegemônico necessitou mudar de padrão de acumulação e de ocupação do Estado, na frente do qual encontrava-se uma associação de capitais brasileiros, capitais estatais e capitais imperialistas, momento marcado por fortes e crescentes crises de superprodução, crises sociais e movimentos de massa, em protesto que se avolumava, a Ditadura, que assumiu, durante o governo Médice, principalmente, uma forma abertamente fascista, foi o expediente de política de Estado posto em prática pela tal associação de capitais.

Para manter-se, pôr em prática uma política de controle social?

e tirar, a seu modo, o país da crise na base de uma nunca vista concentração da renda e do Poder, o Estado Militar muniu-se de leis, aparatos e atos de exceção como nunca antes imaginado, nem mesmo durante a ditadura do Estado Novo de Felinto Muller e Vargas. Um imenso e poderoso aparato de repressão foi montado, com seus DOI-COD, CENIMAR, SNI, LEI DE SEGURANÇA NACIONAL, etc.

Da ditadura militar à ditadura em trajes civis

Passada a ditadura, inaugurada primeiro a "Distensão", logo depois a "Abertura", mais tarde a "Nova República" e, finalmente, a "democracia representativa"- a partir da eleição de Collor, primeiro presidente eleito diretamente depois de finda a Ditadura - muitas dessas instituições abertamente coercitivas e repressivas foram mudando de nome, as mais superficiais desaparecendo ( atos institucionais, leis pró- censura, etc), outras mais sendo substituídas, mas, em todos os casos, permanecendo a essência delas, ainda que sob outras

Economia formas e com outros nomes. Agentes, aparelhos e práticas de prisão e de tortura, novas leis também de execução, e tudo o mais, tomavam o lugar das formas antigas para se adaptarem à nova situação social. Inclusive, em decorrência desta persistência toda, a repressão policial tornou-se muito mais alastrada e cruel, o número de assassinatos perpetrados pelos aparatos policiais tornou-se claramente mais elevado do que antes e a corrupção e a impunidade bateram todos os recordes - sendo que, por incrível que pareça, em alguns aspectos venceram os índices da própria Ditadura Militar. Contrariando os tolos e ingênuos, o Estado e seus agentes - liberais, social-democratas, etc. - sabiam que não podiam destruir um aparato essencial que lhes viria a ser novamente útil nos novos tempos, que, finalmente, estão chegando, nos quais as contradições sociais voltariam a explodir, tal é a ação e a política de exclusão e de exploração social posta em prática pelo capital em seu atual estágio de evolução. Por isso, passamos todos a viver e a experimentar uma nova forma de ditadura: a ditadura do capital em trajes civis.

O MST como "bode expiatório" ou a "ponta do iceberg"

A crise está aí, instalada há cerca de duas décadas. Nunca neste país observou-se níveis, como os de hoje, de desemprego, arrocho salarial, desnutrição, criminalidade oficial, insegurança, miséria absoluta, falta de condições de saúde, educação, trabalho, assistência, moradia-e assim por diante. Portanto, os problemas sociais avançam e atrás deles, segmentos de trabalhadores se sucedem na tentativa de organizar-se para a luta- por seus direitos e por justiça social: numa palavra, pela recuperação do que lhe tem sido expropriado! - buscando novas formas de ação e pondo em questão formas petrificadas que acabaram, como a sindicato, por se tornarem meras correias de transmissão, manipuladas pelo capital e seu Estado. O capital e seus agentes estatais "prevêem" o "perigo social" e por estarem dispostos, em nome da perpetuação dos seus interesses, a atender às reivindicações sociais, entendem que a solução é endurecer para emudecê-las e anulá-las.

Endurecer significa tentar liquidar as forças sociais que se organizam e à medida que se organizem; endurecer significa assassinar, individualmente ou em grupos, lideranças e ativistas de massa desses movimentos; endurecer significa também dar nome de "baderneiros" a homens e mulheres que lutam contra a exploração e a chamar uma velha e reconhecida categoria teórica, a luta de classes - sobre a qual o próprio sociólogo-presidente um dia teorizou e escreveu - de "baderna"; endurecer significa que, para isso é urgente e necessário repor os meios e aparatos de repressão herdados da Ditadura e mantidos na "reserva", ainda que com outros nomes e outras formas, para que a aniquilação das novas formas de organização e de luta seja levada a cabo.

Como o MST partiu na frente, é o maior, o mais organizado e o mais aguerrido até aqui, entre os mais diversos movimentos que já existem e que tendem ainda, e muito, a se reproduzir -

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Economia -inclusive os dos trabalhadores fabris, até aqui à espreita - este movimento aparece como o primeiro da lista dos que devem "sumir", mas, à medida que outro movimentos se multipliquem - e a tendência é claramente esta - a reposição dos pressupostos de uma ditadura só tende a aumentar ainda mais; e, é bom que se diga, com a cobertura da quase absoluta totalidade da mídia escrita ou televisiva, também ela pertence a grandes grupos capitalistas.

Se o MST é, agora, a "oportuna" bola da vez, o segmento que a imprensa mais ataca, devemo-nos lembrar que talvez o divisor formal de águas para a passagem de um regime de "democracia" para uma ditadura do capital com trajes civis está no amplo e truculento ato de repressão perpetrado, por esse mesmo governo e por esse mesmo Estado contra índios, negros, trabalhadores, estudantes, populares em geral, no dia 22 de abril, em Porto Seguro, pelo simples fato desses segmentos sociais quererem, ali, protestar contra uma burla que insistia em festejar uma larga história (de 500 anos) de maneira, esbulho, espoliação, preconceito e discriminação de classe.

Por fim, os aparatos As formas, leis e instituições ditatorial mais superficiais e

mais facilmente restituíveis - como os atos institucionais, a censura generalizada e outras do mesmo escopo - foram deixadas de lado ou apenas tiveram suas roupagem mudadas. E isso exatamente porque podem ser repostas com mais facilidade por intermédio de alguns decretos-lei, portarias ou mesmo leis aprovadas no Congresso. Já as formas herdadas da Ditadura, mais caras, mais permanentes - o "capital fixo", numa oportuna metáfora - e, portanto, mais decisivas, estas se mantêm intactas e até reforçadas. É o caso do aparato policial-militar, numa palavra, o aparelho repressivo de Estado, com suas câmaras de tortura (e torturadores), seu aparato

bélico, seus meios de rastreamento, perseguição e seqüestro, suas "tropas de elite", e tudo o mais. É este reforçamento que caracteriza a substância de uma ditadura do capital em trajes (ainda) civis.

Estes meios já começam a ser anunciados e a serem postos em ação. Não é por acaso que figuras da alta cúpula do Estado, como o Senador Antônio Carlos Magalhães e o próprio Presidente da República, o Sr. Fernando Henrique Cardoso, já admitem a intervenção do próprio Exército sobre os movimentos sociais2. E como tais ações de intervenção truculenta e ditatorial necessitam de respaldo jurídico e institucional, apenas para facilitar as coisas, não é por acaso que esses mesmos mandatários recorrem à Lei de Segurança Nacional e, entre outras iniciativas, acabam de reativar o Serviço Nacional de Informações e de criar "uma delegacia da Polícia Federal especializada em formar agentes contra movimentos sociais" (Caros Amigos, Ibidem). Como pode ser visto, diante das crescentes contradições sociais e da impotência da ordem do capital em dar solução aos graves problemas que ela mesma criou, os simulacros de democracia praticados no âmbito das neo-social-democracias ou do neoliberalismo abrem passos, em vários cantos do mundo, a um estágio de Ditadura, do Capital em Trajes Civis.

Mas, como o movimento social é, por sua própria natureza, formado de dois pólos - daí as contradições, não por acaso crescentes -, ao lado deste reordenamento ditatorial da ordem do capital deverá delinear-se a formação de uma atmosfera de luta, desta vez feita pela "ordem do trabalho"(com os que já não têm trabalho), com uma conotação política necessariamente libertária. Trata-se de uma questão de correlação de forças que o futuro próximo assistirá, tempo este apenas sendo principiado nesta gravíssima crise do capitalismo.

I. Pós-neoliberalismo - As Políticas Sociais e o Estado Democrático - Paz e Terra, Sâo

Paulo e Rio de Janeiro, 1995, pp. 19-20 e 14. Ver, Midia, mentira e ditadura. Caros Amigos, n°

39, junho, 2000, pag.18-19.

Inverta - Nov/2000 - N0 272 www.inverta.com.br

mito de-pa

A morte matada está na moda uando eu ainda não tinha vivido mais que um ano

| na Europa Ocidental, um conhecido meu, o filósofo alemão Reinhard Hesse disse-me que gostava

muito d^passear pelos cemitérios. Eu lhe perguntei a razão; ele prontamente respondeu: "É porque nos cemitérios eu me sinto vivo, bem vivinho". Isso foi há dez anos, e eu achei estranho. Por que seria que uma pessoa tão culta, de um país tão adiantado, se sentia ameaçada a ponto de necessitar comprovar por oposição que estava realmente vivo? Logo, no cemitério ele encontrava a oposição: os mortos. Mas cada vez mais o mundo contemporâneo prescinde de cemitérios para que se encontre essa oposição supostamente natural. (Era somente no dia dos Mortos). As barbaridades das matanças generalizadas pelo planeta só fazem aumentar: foram os bósnios, os ioguslavos, os timoreses, os tchetchenos.

os russos, os palestinos - que morrem sempre muito mais do que os israelitas - os da Costa do Marfim, e alguns outros que estão com as armas na mão. Agora, sabe-se que sem armas morrem de fome a cada 4 segundos um criança no planeta, e não dá para fazer a lista de suas nacionalidades. Sabe-se que de violências e agressões morrem outras tantas vítimas, tanto nos países ricos - Estados Unidos liderando, claro - quanto nos pobres. E sabe-se também que não tem havido nenhuma diminuição proporcional na última década, esta que se vangloria de ser a primeira sem a "perigosa" União Soviética". Sabe-se também que a idade das matanças - tanto do que mata quanto do que é vitimado - tem diminuído cada vez mais. O país que mais parece festejar o Dia dos Mortos é o México, e lá, na época dos astecas, a morte era concebida de maneira muito diferente dessa morte matada-

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Economia como a que se pratica nos interiores do BRASIL rural, como a que está atualmente sempre à espreita nos corredores da morte das prisões norte-americanas, e outras mortes sádicas "em nome de Deus". No entanto, o grande escritor Érico Veríssimo não entendeu o significado da morte no México. No seu livro "México, História de uma Viagem", ele se surpreende porque os índios mexicanos nunca riem - segundo ele, não segundo eu, que morei quase nove anos lá - e quando deu uma esmola a um indiozinho comenta: "Por que fiz isso? Sentimento de culpa? Será que pretendo ... penitenciar-me de ser um "pequeno burguês sentimental", como diria Jorge amado, de ter o que tenho, de não haver nascido numa casa de adobe no deserto de Chihuahua"? Ele nem parece ter percebido que um passageiro mexicano do mesmo trem, disse- lhe diante da sua curiosidade pela tristeza dos índios: "O senhor acredita que esses pobres índios têm algum motivo para sorrir?"

Como a morte faz parte da vida, mas espera, em princí- pio, que o ser humano tenha vivido primeiro antes de atacar, esse principio básico, elementar, vem sendo esquecido. A morte vem sendo banalizada a todos os níveis, a todas as idades, ao atacado, e não ao varejo. Assim, morre-se tam- bém por se ter ingerido carne de vaca-louca, e não se per- gunta se matando a vaca não se esta deixando os verdadei- ros loucos e gananciosos, soltos, e vivinhos da silva! Todos os jornais franceses sublinharam o descaso do governo con- servador britânico que não resolveu a questão, e são as va- cas que têm que pagar o pato, quando elas - e o consumidor - são presas fáceis do lucro capitalista desenfreado, que não se preocupa nem com morte de seus pratrícios. O capital tem esse lado altamente "democrático": não mata por ques- tões de divergência religiosa, territorial, política, de raça, de gosto. Mata quando seus interesses, seus lucros podem di- minuir. O resto é resto! E o pato pode pagar o pato mesmo, assim literalmente, pois toneladas de coxas de pato foram vendidas já necrosadas aqui na terra do Chirac. E continua a crise das carnes que se podem comer. Digo, que se podiam. Outra prova da "igualdade" capitalista: qualquer país capita- lista quer o lucro, e que seu povo coma... o que der lucro, e não importa o mofo. Então, numa só semana de outubro, entre os massacres dos palestinos e de alguns israelitas, das matanças na Costa do Marfim, o Jornal L'Humanité resol- veu sublinhar a transmissão pelo canal fracês-alemão ARTE, o filme de seis anos de trabalho para 3 horas de angústia: "Warriors, a missão impossível", de Peter Kominsky - "que você recebe diretamente como um soco no estômago". Eu estou digitando essas linhas e escutando a gritaria, os berros de dor e de horror, da televisão gravando em vídeo, lá no andar de baixo de minha casa, mas não sei se algum dia terei coragem para assisti-lo, depois de ter lido o Io parágrafo do comentarista do L'Humanité: "Você sai com o fôlego corta- do, as lágrimas nos olhos, a boca seca, incapaz de sequer balbuciar uma palavra. Você tenta, com café, cigarros, en- golir o que viu. Tempo perdido. As imagens permanecem em você, como algo queimando a retina: aquela mãe transpor- tando o filho decapitado por um obus, aquele camponês cru- cificado na fachada de sua casa, aquela família calcinada

em seu porão, ou aquele cachorrinho lambendo o sangue de seu dono, uma massa disforme de carne humana; Ou ainda aquele menino bósnio entre dois tcheniques, o rosto da mes- ma cor que a sua camiseta de "Manchester United", lançan- do um último olhar aos boinas-azuis que tinham tentado afastá- lo da morte". E por aí vai, uma série interminável de horrores, de loucuras, de massacres, de mortos verdadeiros, e de mor- tos-vivos: este últimos, os boinas-azuis britânicos, que nunca mais serão normais, nunca mais poderão esquecer. Por isso um deles falou: "Minha mulher acha que eu não quero um filho. Mas quando você vê bebês sendo assassinados, quando você teve proximidade com homens que crucificaram crian- ças, é difícil entusiasmar-se pela marca de fraldas descartáveis", (tenente Neil Loughrey).

A alusão ao filme tem a ver com a reflexão de Jorge Amado, citada por Érico Veríssimo. Não se trata de ser um burguês que se tem que penitenciar, mas algo tem a ver com isso da boa consciência. A Inglaterra, assim como outras nações que enviaram os seus soldados para servirem de "mediadores", sem poderem guerrear, sem poderem revidar, o fez para sentir a consciência tranqüila, para não ter que tomar uma atitude mais direta, e as centenas ou milhares de chamadas telefônicas contando os horrores pelos quais passavam não somente aqueles povos, mas também seus próprios soldados, ficavam sem resposta. Um silêncio absurdo. E são os mesmos soldados britânicos que contam através desse filme. "... o tenente Feeley, tão calmo e reservado, volta para a Irlanda do Norte. E tenta o suicídio". O Jornal L'Humanité vai escrever entre letras vermelhas e negras as palavras do médico-psiquiatra Michel Plouznikoff "Não vamos nos habituar jamais com o horror". E eu lembro da psicóloga brasileira Marli Terra Verdi de Rio Preto (SP), Que há uma década atrás já comentava sobre os desenhos animados americanos para crianças: "Mas são feitos com violência para dessensibilizar a criança; isso é proposital". Mas também é proposital que se extermine o gosto pela vida, que se tente levar ao suicídio? Parece muito claro que esses governos e grandes empresas privadas multinacionais estejam completamente dessensibilizados com relação ao futuro dos seres humanos, e mesmo - repito - o de seus patrícios. Para terminar com o corolário da semana, alguém que nos faz rir, Woody Allen, escreveu um artigo muito interessante explicando porque vai votar no "Frouxo"- para presidente dos Estados Unidos, isto é, em Gore. Ele disse que "George W Buch"é, ao que parece, do tipo que se vê nas arquibancadas dum partido de futebol, sem camiseta, de dorso nu, mesmo quando faz muito frio, com pinturas de guerra no rosto, curiosamente machão". E como Wood Allen gosta mais da vida do que da morte, e que sabe que Buch adora aprovar que se mate um negro que supostamente é um assassino - não importa se as provas são insuficientes - ele vai votar no Gore, que é frouxo, mas que deu um beijo na mulher diante das câmeras de televisão durante a Convenção do Partido Democrata e se mostrou, portanto, cheio de respeito pela instituição da família. De todas as formas, diz Woody Allen, Gore é de longe o melhor dos dois, pois além de provar com o beijo, que é um esposo atencioso, ele demostrou que não é um robot, e que é mais aberto, pois escolheu um judeu para

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Economia seu vice. Este, Lieberman, fala de Deus o tempo todo, como se fossem bons amigos "E os americanos gostam muito de Deus", ironiza Allen. (W. Allen lembra que há dois outros candidatos à presidência: "Ralph Nader que é demasiadamente honesto e sábio para Ter chance de ser eleito, e Pat Buchanan, um cretino de extrema-direita...").

E como a pena de morte fala também de morte, vamos lembrar que no capitalismo - globalizante, na sua sede, os EEUU, as prisões aumentaram, como o crime aumenta, mas também o preconceito racista aumenta. Um exemplo? O Estado de Illinois abre uma prisão por ano. Cada mês há 197 presos a mais. Desses, 65% são negros, enquanto a população do estado conta apenas com 18% de negros. E como dizíamos que o aumento do crime e das mortes não é proporcional ao crescimento da população, vejamos mais uma estatística estadunidense: no final de 1999,6,3 milhões de pessoas estavam ou presas, ou em liberdade condicional, ou seja 3,1% (três vírgula um por cento) da população adulta. Isso significa 60% a mais do que em 1991.0 estado Illinois mata menos, devido ao número assustador de erros judiciários

já cometidos (dados reproduzidos no suplemento América do Jornal Le Monde de 20/20/2000). O governador, o republicano George Ryan decretou uma moratória. Não é o casa de outros estados americanos, como o Texas, por exemplo. Ainda bem, que há quem acuse a morte de seu semelhante com o que ela é : um crime contra a humanidade. Esse slogan acompanhou a campanha que a França está fazendo contra a pena de morte nos Estados Unidos, em particular, onde mais vem sendo utilizada. Agora falta acabar com outra, a pena por morte matada, para que o termo utilizado para as vítimas, - o de "bodes expiatórios"- deixe de servir de paliativo para essas consciências tão pouco humanas de governantes e empresários riquíssimos e poderosos que fomentam a morte através de um regime injusto e anti-natural, onde o que conta é o TER e não o SER humano. □

♦Roselis Batista Ralle Correspondente na França

Revista Brasil Revolucionário - jul/2.000 - n0 27 e-mail: [email protected]

Neoliberalismo e burguesia no Brasil * Armando Boito Jr.

A relação entre a política neoliberal e os interesses da burguesia brasileira é um tema importante para o movimento operário e popular, mas não tem sido

suficiente discutido pela esquerda. O neoliberalismo atende apenas os interesses do imperialismo e de uma parte da burguesia brasileira, ou, ao contrário, atende, indistintamente, os interesses do conjunto do imperialismo e da burguesia nativa? Essa política cria a possibilidade de alianças do movimento operário e popular com setores da burguesia nacional? Vamos fornecer alguns elementos para pensar essas questões, sem a pretensão de chegarmos a uma resposta pronta para esses problemas. Mesmo porque, para tanto, deveríamos fazer uma análise do imperialismo e dos movimentos populares, temas que não serão contemplados neste texto.

Duas análises da questão Uma importante corrente crítica da atual política econômica,

formada pelos herdeiros do pensamento da Cepal dos anos 50 e 60, apresenta o neoliberalismo como sinônimo de industrialização das economias latino-americanas. Esses estudos demonstram que a abertura comercial provocou uma retração quantitativa no parque industrial brasileiro e latino- americano. A participação do produto industrial no conjunto do PIB caiu e o setor de bens de capital sofreu um encolhimento maior que o dos demais setores industriais. Esses economistas falam na existência de uma regressão mercantil nas economias latino-americanas. Em algumas

dessas análises, a burguesia industrial aparece, implícita ou explicitamente, como o setor social mais prejudicado pelo neoliberalismo. Essa política seria fruto da miopia dos governantes e de seus economistas ou emanação direta e exclusiva dos interesses do capital financeiro internacional. É esse tipo de análise que está fomentando a retomada de um discurso nacionalista, ou neonacionalista. Uma debilidade dessa análise, que poderíamos denominar neodesenvolvimentista, é que ela não esclarece porque a burguesia industrial permanece integrada na frente conservadora que implantou e mantém o modelo neoliberal.

Há uma outra análise crítica do neoliberalismo que também consideramos equivocada. O seu erro dos economistas da Cepal. Trata-se das análises que consideram tal política como um pacote de medidas que favorece indistintamente o conjunto da burguesia. Essa idéia encontra-se, muitas vezes, em estado prático, sem que seja explicitada e desenvolvida, mas, nem por isso, ela deixa de operar em inúmeros textos e documentos das organizações de esquerda, do movimento popular e da intelectualidade progressista e revolucionária. Alguns autores, contudo, procuram desenvolvê-la de modo sistemático.

Tais autores sustentam que a burguesia, hoje, converteu-se, ou está em vias de se converter, num bloco homogêneo sem fissuras. No interior de cada país, teriam acabado, ou se encontrariam em processo de extinção, as divisões de fração nadasse burguesa (capital industrial, capital bancário, grande capital, médio capital etc), graças à formação de um novo capital financeiro - aquele que se encontra unido ao capital

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Política industrial, não de modo orgânico, mas apenas através de aplicações difusas e voláteis na bolsas de valores. No plano internacional, teriam acabado as divisões entre as diferentes burguesias nacionais. Num período dito de "globalização", teria surgido, ou se encontraria em fase adiantada de formação, uma "burguesia global homogênea". Nesse enfoque, a política neoliberal aparece como uma política que atende, indistintamente, os interesses do conjunto da burguesia, pensada como um bloco homogêneo, em escala nacional e internacional. Os conflitos no interior da burguesia, que aparecem de diferentes maneiras na cena política, são ignorados ou subestimados, e a questão nacional, independentemente de eventuais alianças com setores burgueses, é pura e simplesmente ignorada.

A burguesia brasileira e o neoliberalismo

O imperialismo não é apenas uma força externa às nações periféricas. Ele sempre entrelaçou seus interesses com classes e frações de classe dos próprios países dominados. No caso do neoliberalismo, a verdade é que o imperialismo e todas as frações da burguesia brasileira têm ganhado com essa política. Mas, e esse é um ponto importante sem o qual não é possível compreender os conflitos presentes na cena política brasileira, esse ganho é desigual, e há frações burguesas que têm algo a perder com o neoliberalismo e essas perdas podem crescer ainda mais com o aprofundamento da política neoliberal.

Para compreender essa situação complexa, precisamos desagregar a política neoliberal em cada uma de suas partes componentes e cortejar cada uma delas com os distintos interesses da burguesia. Podemos pensar os pilares da política neoliberal como uma série de três círculos concêntricos:

a- o círculo externo e maior representando a política de desregulamentação do mercado de trabalho e supressão dos direitos sociais;

b- o círculo intermediários representando a política da privatização e,

c- o círculo menor e central da figura representando a abertura comercial e a desregulamentação financeira.

Os interesses dos trabalhadores ficam do lado de fora dessa figura de três círculos, já que tais interesses não são contemplados pelo neoliberalismo. Todos os três círculos abarcam interesses imperialistas e burgueses, e cada um deles abarca, sucessivamente, do círculo maior ao menor, interesses de fração cada vez mais restritos.

O círculo externo é maior abarca os interesses do imperialismo e de toda a burguesia - é o círculo da desregulamentação do mercado de trabalho, da redução de

O imperialismo sempre estabeleceu seus interesses com classes e frações de classes dos próprios

países dominados

salários e da redução ou suspensão de gastos e direitos sociais. Todas as empresas capitalistas, pequenas ou grandes, industriais, comerciais ou agrícolas, tiram proveito, em grau maior ou menor, de maneira direta ou indireta, dessa redução dos custos salariais e dos direitos sociais. Esse é o círculo da unidade burguesa, que tem assegurado o apoio do conjunto da burguesia ao neoliberalismo.

Já o segundo círculo, o da política de privatização, esse favorece o imperialismo e uma fração da burguesia brasileira, o capital monopçlista, e marginaliza o pequeno e o médio capital. A política neoliberal de privatização das empresas públicas tem ampliado o patrimônio das grandes empresas do setor bancário, do setor industrial e da construção civil. Esses grandes grupos arremataram, a preço vil, e pago em grande parte com as chamadas "moedas podres" e empréstimos favorecidos do BNDES, empresas lucrativas dos setores siderúrgicos, petroquímico, de fertilizantes e de mineração, além de empresas de serviços urbanos - como as empresas de energia elétrica de telefonia, de transporte e outras. Dizemos que esse círculo é mais restrito porque as normas do processo brasileiro de privatização barraram o acesso do

pequeno investidor aos leilões de privatização. É apenas um seleto grupo de grandes empresas que se beneficia com as privatizações. Esses grandes grupos monopolistas nacionais e seus associados estrangeiros serviram-se do discurso neoliberal de defesa do mercado e da concorrência, não para liberar o jogo da oferta e da procura, mas, sim, para consolidar suas posição monopolista.

A política de privatização está fazendo desaparecer um setor

importante da burguesia brasileira. Refiro-me àquilo que poderíamos denominar burguesia nacional de Estado: os agentes da burocracia de Estado que controlavam as empresas públicas dos setores de mineração, industrial, bancário, de serviços urbanos etc. Salta à vista o fato de que essa fração burguesa tem aceitado praticamente sem luta o processo de privatização, que, no entanto pode eliminá-la enquanto fração da classe dominante.

A burguesia de estado ocupou uma posição privilegiada no bloco do poder durante a ditadura militar. O ambicioso II Plano Nacional de Desenvolvimento, elaborado no governo Geisel, era centrado na expansão dessa burguesia. O processo de democratização debilitou essa fração burguesa. Posteriormente, a burguesia de estado tomou-se um dos alvos privilegiados da campanha política e ideológica da frente neoliberal. Essas dificuldades explicam, em parte, seu silóencio atual. Mas isso não é tudo. Parece-nos que a burguesia de estado está perdendo pouco com a venda das estatais, pois tudo indica que ela está se transformando em burguesia privada, graças às regras do processo brasileiro de privatização - os antigos diretores de estatais estão se tornando acionistas

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Economia e diretos das estatais privatizadas. O declínio da burguesia nacional de Estado enquanto fração da classe dominante explica o declínio do velho nacionalismo militar na cena política brasileira, nacionalismo que associava a segurança nacional à afirmação do Brasil como potência industrial de médio porte.

Se o segundo círculo de nossa série, o círculo das privatizações, é mais restrito que o primeiro, pois o médio capital está excluído do processo de privatizações, o terceiro círculo é exclusivista ainda, pois divide o próprio grande capital, que é a fração hegemônica no bloco no poder. Trata-se do círculo menos, aquele que fica ano centn da figura, e que representa política de abertura comercial e d desregulamentação financeir duas políticas que se encontrai associadas. Apenas o seto bancário do capital imperialista têi seus interesses plenament contemplados por essa política. Nossa idéia, portanto, é que, embora o conjunto da fração monopolista, juntamente com o capital imperialista, devam ser considerados hegemônicos, o capital bancário e o capital imperialista constituem o setor da fração monopolista cujos interesses são priorizados pela política neoliberal. A política de desregulamentação financeira, associada à política de juros altos e de estabilidade monetária contempla, ao mesmo tempo, o imperialismo e os bancos nacionais - para sermos exatos, os investimentos financeiros estrangeiros e os grandes bancos nacionais.

O setor industrial, aí compreendido inclusive o setor industrial da fração monopolista da burguesia brasileira, esse setor é prejudicado pela política de juros altos e de abertura comercial. É certo que os grandes bancos privados nacionais estão diversificando seus investimentos, penetrando no setor industrial e arrematando empresas do setor produtivo estatal. É verdade também que alguns grandes grupos econômicos vinculados à indústria começaram a atuar na área financeira. Porém, como atestam a própria existência e a atuação das associações corporativas dos grandes banqueiros e dos grandes industriais, esses setores do capital monopolista permanecem fundamentalmente distintos e possuem interesses específicos. As divergências entre o grande capital industrial e o grande capital bancário repercutem no interior do governo FHC. A tendência neoliberal extremada, que é amplamente dominante no governo e que controla o Ministério da Fazenda e o Banco Central, e a concepção neoliberal mais moderada, que é minoritária, expressam, respectivamente, os interesses específicos do setor bancário e do setor industrial.

O posicionamento de uma entidade como a FIESP, principal organismo do grande capital industrial, é revelador das relações contraditórias e complexas da burguesia industrial com a política neoliberal, e das oscilações políticas que decorrem dessas contradições. De um lado, há resistência.

A política de privatização está fazen- do desaparecer um se-

tor importante da burguesia brasileira

ainda que limitada, de setores da burguesia industrial a aspectos importantes da política neoliberal - a abertura comercial e a política de juros. De outro lado, porém, a burguesia industrial apoia ativamente a política de privatização, a desregulamentação do mercado de trabalho e a redução dos direitos sociais. A atuação dos industriais tem consistido em repassar para as classes populares o prejuízo que lhe é imposto pelos bancos e pelo imperialismo. A FIESP, a cada novo aperto nos juros e na concorrência externa, solicita, como

compensação novas privatizações e novos cortes nos direitos sociais.

Por último, interessa falar de um novo setor da burguesia brasileira que, se não foi criado pelo neoliberalismo, desenvolveu- se de forma inaudita desde o advento da política neoliberal. Trata-se do setor que poderíamos denominar nova burguesia de serviços, que cresce encampando atividades de serviços sociais

antes assegurados pelo Estado. Essa fração está ligada, principalmente, à exploração dos serviço, que cresce encampando atividades de serviços sociais antes assegurados pelo Estado. Essa fração está ligada, principalmente, à exploração dos serviços de saúde e de educação e, mais recentemente, à previdência privada. O crescimento da nova burguesia de serviços é um subproduto necessário da redução dos gastos e dos direitos sociais. A política governamental tem consistido em deixar essas empresas de educação e saúde obterem taxas de lucro muito altas, de modo a se expandir celeremente, como vem de fato ocorrendo, para que desempenhem uma função da qual o Estado pretende desvencilhar-se. O imperialismo e todas as frações burguesas presentes no bloco do poder estão unidos na pressão pela redução dos gastos sociais do Estado e, nessa medida, concernem na defesa, mesmo que indireta, dos interesses da nova burguesia de serviços. Ademais, o neoliberalismo está propiciando a legitimação social dessa nova fração burguesa. A apologia do mercado estigmatiza os serviços públicos da saúde, da educação e da velhice.

Para encerrar essas considerações, cabe observar que a implantação da política neoliberal está entrando em uma fase nova. Recentemente, têm surgido conflitos localizados entre os grandes bancos e o imperialismo em torno do aprofundamento da política neoliberal. Os bancos não querem para si o que apregoam para os outros. A ampliação integral da plataforma neoliberal, está desnacionalizando o setor bancário brasileiro e poderá prejudicar os interesses da própria burguesia bancária em benefício do capital financeiro internacional. Esse se tornaria o único setor hegemônico no bloco no poder do Estado brasileiro. Mas, os conflitos entre a fração bancária da burguesia brasileira e o imperialismo devem permanecer, segundo nossa avaliação, num nível muito limitado. Os banqueiros têm consciência do seu isolamento político e social e de sua dependência frente ao imperialismo.

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Economia Por isso, já estão optando, diante do interesse do capital estrangeiro pelo mercado bancário, pela associação com o imperialismo - através da venda de empresas, aceitação de participação do capital estrangeiro e da repartição do mercado interno.

Esse aprofundamento da política neoliberal poderia ensejar o acréscimo de um quarto círculo na nossa figura. Menor e mais restrito, esse novo círculo central representaria a política de internacionalização do setor financeiro e de serviços da economia brasileira e contemplaria, fundamentalmente, os interesses do capital financeiro internacional. O símbolo dessa política é o projeto da Alça (Associação para o Livre Comércio das Américas), patrocinado pelo governo Clinton e aceito, com ressalvas adjetivas, pelo governo FHC. A política neoliberal no Brasil tem como horizonte um colonialismo de novo tipo mas, nem por isso, provocou, até o presente, o aparecimento de uma burguesia nacional que lhe fosse contrária.

O que concluir? A política neoliberal alterou o perfil da burguesia brasileira,

fortaleceu alguns setores, debilitou outros e criou também interesses e setores novos. Convém lembrar que algo parecido está acontecendo com as classes trabalhadoras, embora não seja esse o tema deste artigo.

A política neoliberal representa a hegemonia política do grande capital nacional e estrangeiro associados ao capital financeiro internacional. Contudo, mesmo no interior desse clube restrito há uma hierarquia. A política neoliberal prioriza o grande capital bancário em detrimento do grande capital industrial e, mais recentemente, colocada diante de conflitos entre o capital financeiro internacional e o grande capital bancário nacional, tem evidenciado suas ligações preferenciais

com o capital financeiro internacional. A imagem dos três círculos concêntricos, prestes a ser acrescida de um quarto círculo como já vimos, ajuda a compreender esse hierarquia. Já o pequeno e médio capital, de base principalmente nacional, é setor da burguesia que ganha menos com o neoliberalismo. Ele ocupa uma posição subordinada no interior do bloco no poder. Se vier a surgir um movimento burguês de oposição ao neoliberalismo, provavelmente ele terá essa fração burguesa como base social.

Até aqui, passados dez anos de experiência neoliberal, a unidade da burguesia foi mantida. Mas, essa unidade não exclui conflitos importantes e se apesar disso, não se rompeu, foi por algumas razões fundamentais. Em primeiro lugar, devido ao fortalecimento econômico, político e militar do imperialismo norte-americano, a principal fonte de pressão externa para a implantação do modelo neoliberal na América Latina. Em segundo lugar, pelo fato de a política neoliberal, enquanto política antioperária e antipopular, ter algo a oferecer para todas as frações burguesas - a degradação dos salários, das condições de trabalho e a redução dos direitos sociais. Em terceiro lugar, pelo fato de a burguesia estar, desde 1989, acossada pelo perigo da formação de um governo reformista, organizado por uma frente de partidos de esquerda liderada pelo PT. Daí assistirmos, ao longo dos anos 90, a sucessão de períodos de abrandamento dos conflitos intraburgueses, por ocasião das eleições presidenciais, seguidos por períodos de retomada desses conflitos, tão logo a candidatura da frente de esquerda é derrotada nas eleições. Por tudo isso, no geral, os conflitos no interior da burguesia têm permanecido como conflitos de baixa intensidade.

Não é possível prever se, alteradas algumas das condições atuais, algum setor da burguesia poderá passar para o campo da oposição. De qualquer modo, para o movimento operário e popular, a primeira condição para poder orientar sua luta é conseguir identificar o interesse específico da cada setor da burguesia e o tipo de crítica que cada um faz ao neoliberalismo. Parte desses interesses e dessas críticas é pouco mais do que uma nostalgia do antigo "milagre econômico" da ditadura militar - reserva de mercado para a grande indústria interna, com arrocho salarial e crédito subsidiado. Outra parte é mera "briga de brancos" ou "de bancos" - o "nacionalismo" privatista dos banqueiros brasileiros que estão de olhos gordos no Banespa. A burguesia agrária, sobre a qual nada dissemos até aqui, está sendo prejudicada pelo ajuste fiscal, que tem restringido o crédito agrícola. Porém, mais do que os créditos, os grandes proprietário prezam a manutenção da concentração da propriedade da terra, o que retira de suas críticas ao neoliberalismo qualquer conteúdo progressista. O único setor do bloco no poder que pode, eventualmente, propiciar aliados, ainda que eventuais, ao movimento operário e popular parece mesmo ser o pequeno e médio capital nacional.□

1- Armando Boito Jr. É professor de ciência Política da Unicamp e um dos editores da

revista Critica Marxista. No ano passado, publicou, pela Xamâ Editora, o livro Política Neoliberal

e Sindicalismo no Brasil, em que examina as relações do neoliberalismo com o movimento

sindical brasileiro.

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Caros Amigos - novembro/2000 www.carosamigos.com.br

n044 Política

A vietnamização dos corpos Cláudio Júlio Toenolli

'Os criminosos devem ser esterilizados; os mentalmente retardados, impedidos de deixar descendência." (Theodore Roosevelt)

O finado Nelson Werneck Sodré gostava de se referir à "contemporaneidade não-coetânea". Ou seja: enquanto você manda mensagens via Internet,

"alguém, muita gente, ainda distribui seus recados berrando em cima de uma lata de querosene Jacaré numa praça pública. O mesmo acontece com a ciência.

Os gregos descobriram o chamado the golden number, o número áureo. Toda a vida, de um elefante a uma formiga, passando pelo repórter, cresce nà proporção da raiz de 5 menos 1 e sobre e Rm essência, somos iguais (o melhor livro sobre isso, Uma história Matemática do Número Áureo, de Roger Herz- Fischler, foi lançado ano passado pela Dover Publications, de Nova York). Nos anos 50, quando pela primeira vez se fotografaram as hélices do DNA, viu-se que o ácido era feito de decágonos, figuras de dez lados. Qual a proporção de um DNA de um negro, circassiano, ruivo, judeu alemão, oriental? A mesma para todos. Desde os anos 50 se sabe que somos iguais. E que, portanto, não há conceito científico de raça. Mas a palavra raça não foi banida do dicionário. Toda vez que falamos em raça, portanto, optamos pela lata de querosene Jacaré na praça pública. A elite da ciência avança. Políticos, ideologias e populacho em geral tomam contato com o avanço depois de anos-luz - mesmo assim, quando interessa.

O problema agora é bem outro: o imperialismo do corpo. Eis que o presidente Clinton anuncia, há dois meses, o mapeamento de 99 por cento do mapa genético humano. Em resumo: o Projeto Genoma Humano, tido como a última palavra no estudo dos genes, ao preço de 6 bilhões de dólares, se propõe a analisar e mapear cada um dos genes contidos da dupla hélice do DNA humano. Em toda a extensão da dupla hélice do DNA estão escritas as letras químicas do texto genético. O genoma humano contém mais de 3 bilhões de letras e, caso impresso, preencheria 7.000 volumes de livros de trezentas páginas. Dizem uns que o Projeto Genoma Humano vai transformar a medicina e mitigar o sofrimento humano no século 21 - como afastar as possibilidades de câncer, da cardiopatia, de doenças auto-imunes, como a artrite reumatóide, e algumas enfermidades psiquiátricas. Para outros, no entanto, o projeto poderá abrir a possibilidades para um mundo "povoado por Frankensteins e desfigurado por uma nova eugenia".

A Grã-Bretanha, que partilha com os EUA a liderança do

"na última vez que se pensou numa cri- ança ideal, ela era loira, com olhos azuis e genes arianos"

Projeto Genoma Humano, encarregou uma comissão de investigar o mau uso de informações sobre o código genético do homem. Cientistas do governo, entre eles John Sulston, o diretor do Sanger Centre (laboratório que sequenciou o genoma na Inglaterra), vão identificar riscos de discriminação e preconceito, além de possíveis prejuízos para o consumidor.

Um dos maiores temores dos britânicos é a criação de uma classe de párias genéticas, formada por pessoas portadoras de mutações genéticas associadas a doenças. Essas pessoas podem enfrentar risco de desemprego e discriminação por

parte das seguradoras de saúde. A primeira tarefa da Comissão de

Genética Humana será determinar se as companhias seguradoras poderão oferecer bônus a seus clientes em função de riscos calculados a partir de suas informações genéticas. A presidente da comissão, a baronesa Helena Kennedy, disse que o oferecimento de bônus para quem não tem genes considerados nocivos identificados é uma forma de discriminar os portadores de

mutações. Segundo a baronesa, "na prática, se testes gené- ticos forem aplicados, quem tiver genes considerados nocivos identificados pagará mais ao fazer um seguro". O uso de exames de DNA em processos de admissão de funcionários também está entre as prioridades da comissão. Segundo a baronesa, se o uso desses exames for permitido, poderá surgir uma classe de pessoas que jamais conseguirão emprego.

Portanto, o novo temor agora é o do imperialismo dos genes. Uma nova eugenia. O termo eugenia surgiu do radical grego eu, que significa "bom". Essa teoria dos "belos genes" apareceu no século 19, quando o inglês sir Francis Galton, primo de Charles Darwin, cunhou o termo. A eugenia apresenta duas feições. A chamada eugenia negativa envolve a eliminação sistemática dos assim chamados "traços biológicos indesejáveis". A eugenia dita positiva preocupa-se com a aplicação de uma reprodução seletiva, de modo a "aprimorar" as características de um organismo ou espécie.

Antes dos nazistas, os EUA eram os líderes desse negócio de melhoramento da raça. O boom mundial da eugenia se deu nos Estados Unidos, durante a chamada Grande Depressão, no final dos anos 20. Mas começam em 1890, como ideologia da elite branca, anglo-saxônica e protestante (Wasp), ávida por impedir que o "sonho americano" fosse estendido às hordas de imigrantes que buscavam nos EUA uma vida melhor. Os laços de sangue e a hereditariedade

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Política

passam a ser vistos como muito mais importantes do que os fenômenos sociais, econômicos e culturais.

Em 1906, a American Breeders Association (Associação Norte-Americana dos Criadores) instarou o primeiro Comitê sobre Eugenia. Propunha-se a investigar e descrever a hereditariedade nos seres humanos, ressaltando as virtudes de uma "raça superior" e apontando os desvios e perigos de uma sociedade cujo crescimento repousaria na reprodução massiva de uma "raça inferior". O conselho diretivo desse comitê contava com grifes universitárias como David Starr Jordan, reitor da Universidade de Stanford, e Charles Davenport, professor emérito da Universidade de Chicago. Em 1913 foi fundada, ainda nos EUA, a Associação de Eugenia e, em 1922, o Comitê para a Eugenia.

Um discurso proferido pelo 26° presidente dos EUA, Theodore Roosevelt (1901 -1909), dá melhor dimensão ao que passou a representar o fenômeno eugênico. " Um dia percebemos que o principal dever, o dever inevitável de um cidadão correto e digno, é o de deixar sua descendência no mundo. E também quem lê não tem o direito de permitir a perpetuação do cidadão incorreto. O grande problema da civilização é assegurar um aumento relativo daquilo que tem valor, quando comparado aos elementos menos valiosos ou nocivos da população de imensa influência da hereditariedade. Desejo muito que se possa evitar completamente a procriação de pessoas erradas. E o que se deve fazer, quando a natureza maligna dessas pessoas for suficientemente flagrante? Os criminosos devem ser esterilizados, e aqueles mentalmente retardados devem ser impedidos de deixar descendência. A ênfase deve ser dada à procriação de pessoas adequadas."

A primeira lei dispondo sobre eugenia, no mundo, foi promulgada nos EUA em 1924 e vigorou até 1965. Pretendia alterar toda a composição étnica e racial dos Estados Unidos, para satisfazer os padrões estabelecidos pelos defensores da eugenia. O movimento eugênico mundial, sob a influência dos EUA, começa a declinar coma ascensão de Adolf Hitler. Quando o Terceiro Reich chega ao poder na Alemanha, em 1933, o ministro do Interior, Wilhelm Frick, anunciava ao mundo que "o destino da higiene racial do Terceiro Reich e

do povo alemão estará unido, de forma indissociável". Em 14 de julho de 1933, Hitler decreta a Lei de Saúde Hereditária, usada como primeiro passo de um programa eugênico de eliminação em massa das "raças inferiores", e que culminou no massacre de 6 milhões de judeus, nos anos que se seguiram. O chefe do programa eugênico do Reich era o médico Josef Mengele.

Durante os anos 30, a Sociedade Americana de Genética quis condenar formalmente a política genética do Reich. Mas jamais havia votos suficientes para a condenação. No fundo, o Reich fazia o que os EUA queriam ter feito. Em 1936, a Universidade Alemã de Heidelberg concedeu um título honorífico a Harry Laughlin, cientista americano que impulsionou o movimento eugênico mundial.

A condenação formal à eugenia começa apenas em 1977, durante o Fórum da Academia Nacional de Ciências sobre o DNA. Em seu discurso, o biólogo Ethan Signer, do Instituto Tecnológico de Massachusets, alerta que, "na última vez que se pensou numa criança ideal, ela era loira, com olhos azuis e genes arianos".

O uso da manipulação dos genes, mesmo para evitar doenças congênitas, é ainda duvidoso. Parecer emitido pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH), na metade dos anos 90, alerta o seguinte: 106 pesquisas clínicas realizads em 597 pacientes revelam que "a eficácia clínica de qualquer protocolo de terapia genética não pode ainda ser definitivamente demonstrada, apesar dos relatos casuais de sucesso".

O nosso Conselho Federal de Medicina, do Brasil, em sua resolução número 1.358/92, dispõe sobre o assunto. Aponta que técnicas de reprodução assistida não devem ser aplicadas com intenção de seleção.

O problema que se põe é o seguinte: quem nos dará garantias de o primeiro passo eugênico do século, o que não farão agora com o Projeto Genoma Humano?

Cláudio Júlio Tognolli Jornalista

Vida Pastoral - Novembro/Dezembro de 2000 - n°215 www.paulus.org.br

///. Perspectivas das CEBs no próximo futuro - pane 2

Deixando agora para trás a trabalhosa leitura dos "sinais dos tempos" e o não menos trabalhoso discernimento do lugar das CEBs nele, passo a olhar

para futuro e pergunto: para onde vão as CEBs nos próximos anos? Esta é a parte que se quer mais concreta e mais prática das presentes considerações.

Vejo aqui quatro cenários hipotéticos ou perspectivas possíveis. Das três primeiras - digo-o de antemão - tomo minhas distâncias. Embora reconheça que tem sua parte de

verdade, não me parecem, contudo acertadas em sua orientação de fundo. Inclino-me antes no sentido da quarta e última perspectiva.

1°) A "paroquializaçao" das CEBs Seria a assimilação das CEBs pela paróquia atual, no sentido

de serem meramente transformadas em "sucursais" desta última. Dar-se-ia então a neutralização das CEBs em sua identidade específica, como o conseqüente esvaziamento das

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia."Leon Trotsky

Política energia própria.

Ainda que o perigo dessa tendência seja, a meu ver, majorado polemicamente por defensores das CEBs, essa perspectiva me parece pouco provável. Em primeiro lugar, por que o modelo tridentino ou tradicional de paróquia (clerical, sacramentalista e assistencialista) se encontra, hoje, em parte já superado, pelo próprio processo de renovação conciliar, que, querendo ou não, marcou de modo decisivo toda a igreja institucional. Pode não haver paróquia realmente "transformada": evangilizadora, participativa e socialibertadora. Mas a maioria das paróquias é pelo menos "renovada", graças sobretudo à participação dos leigos em todos os níveis: nas estruturas de comunhão e participação, nos movimentos, nos ministérios etc.de todos os modos, a proposta de uma paróquia como "comunidade de comunidades" é hoje largamente aceita, assim que oferece o leito teológico-pastoral para a adequada inserção das CEBs em sua estrutura.

Em segundo lugar, não acho possível que a estrutura paroquial consiga enquadrar nos velhos moldes as CEBs, sobretudo - como lembraram o Pe. Marins e equipe - depois da aprovação oficial destas por dois Papas (Paulo VI e João II), por três grandes documentos pontifícios {Evangelii Nuntiandi, Redemptoris Missioe Christifideles Laici), assim como por três CELAMs (Medellín, Puebla e Santo Domingo). Além disso, as CEBs, com seus pastores, assessores e agentes em geral, têm suficiente consciência de sua identidade própria e da legitimidade evangélica e magisterial de seu modelo eclesial, para se deixarern/âgoc/to: assim sem mais.

Mais sutil parece-me a tendência, muito resistente ainda nas CEBs, de reproduzirem espontaneamente, quase por efeito de "naturalização", velhas práticas "clericais" (autoritárias, ritualistas etc.) da paróquia tradicional, como observou, entre outros, J. Comblin (14). Mas dizer que Santo Domingo, porque inseriu as CEBs na "tópica" da paróquia (n0 61 -63), entendeu simplesmente "normalizá-las", é não ver dialeticamente o outro lado da questão: a inegável influência que as CEBs exercem sobre a própria estrutura paroquial no sentido de "comunitarizá-la" e assim transformá-las, sem por isso destruí-las.

Portanto, a questão não é integrar ou não, mas como integrar, ou seja, "integrar sem entregar". A inserção nas estruturas eclesiásticas é uma necessidade para as CEBs, seja do ponto de vista eclesiológico, seja também por questão de sobrevivência. Sem laços orgânicos com a instituição eclesiástica, as CEBs perdem importância histórica, como mostrou o caso da chamada "igreja popular" de Nicarágua (15).

Pois se é certo - e essa é a parte aceitável da preocupação pela "paroquialização" - que as CEBs precisam continuar na igreja, aí inseridas orgânica e institucionalmente, como um novo processo, ainda que junto e interagindo com outros, é também certo que as CEBs podem e devem continuar seu trabalho de fermentar o tecido eclesial através dos dois vetores aqui destacados - o da participação e compromisso - e que

são como carismas próprios.

2°) A "cebização" das paróquias Falo aqui em "paróquia" entendendo-a como estrutura

representativa de outras estruturas da igreja, como a diocese e a Conferência dos Bispos. Parece-me que a perspectiva de "cebizar" toda a igreja é um tanto vaga, por jogar o tempo todo com a ambigüidade: CEBs como estrutura (forma-CEB) e CEBs como espírito (estilo-CEB).

Tenho a impressão de que a idéia das CEBs como "único modo de toda igreja ser" goza de certa simpatia em não poucos meios "cebianos". Parece esta também a proposta de quem pensa que se deva criar não apenas uma "igreja com CEBs", mas uma "igreja de CEBs". A igreja no Brasil, que, nessa linha, levou mais longe, de modo criativo e relativamente bem-sucedido, o processo de "cebização" geral foi certamente a de S. Félix do Araguaia (16).

A perspectiva de uma "igreja-de-CEBs" opera com a idéia de fazer das CEBs o "novo eixo estrutural da igreja" de modo a virem constituir, com o tempo, uma igreja como "imensa rede de comunidades", envolvendo tendencialmente toda massa católica. Nesse sentido, as CEBs teriam certo caráter de massa: seriam a "igreja toda em movimento". Seriam, dessa maneira, a "unidade estruturante da igreja" (17).

Algo assim parece pressupor também os que pretendem colocar sobre os ombros das CEBs todos os desafios que a igreja tem de enfrentar: a inculturação, o ecumenismo, a questão da mulher, a pastoral de massa, o diálogo inter- religioso etc. Como se para as CEBs, não fossem suficientes os dois graves desafios aqui sublinhados e nos quais são "especializadas". Sem dúvida, as CEBs, como, de resto, toda a comunidade cristã, precisam abrir-se a esses temas, mas não me parece que esteja lá o seu "forte". Há outras instâncias eclesiais que entendam melhor que as CEBs dessas coisas. Por exemplo, de "mídia", entendem mais os novos movimentos; de "experiência pneumático-espiritual", os carismáticos; de "inculturação", a pastoral afro-brasileira; de "compromisso político-partidário", os militantes cristãos, e assim por diante.

É verdade que as CEBs não são na igreja "órgãos especializados" num serviço concreto determinado, mas as "células eclesiais" genéricas, onde qualquer um pode viver a "vida cristã integral", permanecendo por isso mesmo abertas a todas as tarefas que se põem a qualquer comunidade eclesial. Mas nada impede que a comunidade, como tal, tenha seu perfil específico e escolha suas prioridades. Se o estatuto eclesiológico das CEBs não é, a rigor, o de serem "pastorais", nem "movimentos", mas o de serem justamente "comunidades", elas não deixam, contudo, de ser "comunidades especiais".

Ademais, é preciso considerar que as CEBs não estão sozinhas na igreja na tarefa de tecer os fios da eclesialidade elementar ou básica. O cristianismo popular continua a gerar e a manter suas comunidades. Também os novos movimentos criam suas comunidades de fé e vida. Daí porque as CEBs,

"E/a virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Política embora possam dizer-se pars pro totó, não o são no sentido de "parte pelo todo" (pro = em lugar de), mas justamente no de "parte para o todo" (pro = em favor de). A primeira posição configura a perigosa tendência à "seita"e a segunda, a legítima tendência à "minoria profética", como direi na última perspectiva.

Em breve, a idéia de "cebizar" a igreja por inteiro, pelo menos em termos da forma-CEBs (não digo do estilo-CEB), tem toda aparência de ser uma perspectiva sociologicamente inviável (estatísticas mostram que, com 20% da população católica de uma diocese, as CEBs chegam praticamente a seu teto), eclesiologicamente equivocada (a igreja é uma realidade por demais complexa para se reduzir à forma-CEBs) e pastoralmente utópica (é ilusório pretender universalizar o modelo monolítico de uma igreja-só-de-CEBs).

30)Autonomização das CEBs Alguns teólogos e pastoralistas propuseram, sobretudo

recentemente, dar às CEBs uma "organização" mais definida (18). Mais concretamente, pensa-se em criar um serviço de coordenação das CEBs, em nível nacional, que tenha uma estrutura mais consistente e de alcance mais vasto que a atual "comissão ampliada nacional", que existe apenas em função dos encontros intereclesiais .

mas, qual é a eclesiologia de CEBs que está por trás dessas propostas? Pois, ao meu enveredar por esse caminho, as CEBs correm o risco de se transformarem num "movimento à parte", desenvolvendo-se ao lado de outros, ou, na pior das hipóteses, numa "rede de comunidades", paralela ao organismo maior da igreja. A essa altura assoma o fantasma da "igreja paralela" como seu "magistério paralelo". Uma "rede independente de CEBs" é, ao meu ver, tão impensável, na igreja católica, como uma "rede independente de paróquias".

Ora, uma proposta como essa contradiria, no meu entendimento, o estatuto eclesiológico das CEBs, que é justamente o de serem células eclesiais renovadoras e mesmo recriadoras do tecido comunitário e libertador da igreja como um todo. De resto, a tendência objetiva das próprias CEBs, pelo menos entre nós, no Brasil, sempre foi de permanecerem firmemente ancorados à igreja institucional, esperando dela o apoio necessário e oferecendo, em contrapartida, o significativo serviço de seus "carismas".

É possível levar as CEBs pelo caminho da "autonomização institucional", de que gozam, por exemplo, os movimentos. Ma me parece estrategicamente perigoso. Institucionalmente "autonomizadas" em relação à grande instituição, as CEBs se transformariam naturalmente num " movimento a mais" dentro da igreja, perdendo praticamente relevância histórica. Além disso, essa proposta privaria a instituição eclesiástica da importante influência que as CEBs exercem sobre ela e de que tem imensa precisão. Corresponderia, pois, a um processo de imunização das estruturas da igreja ao "benéfico vírus" das CEBs.

Agora, o que acho admissível é uma autonomização limitada

das CEBs, a saber, uma autonomização de tipo funcional, no sentido de poderem se beneficiar, em nível nacional, de alguns serviços necessários para sua animação geral, como, aliás, já está se dando, em nível diocesano, por meio de "setor" específico, chamado as vezes de "pastoral das CEBs". Tratar- se-ia de montar um órgão específico, uma sorte de "articulação" ou "secretaria" nacional das CEBs, ligada naturalmente a CNBB - um pouco ao modo do Conselho Nacional do Clero. Esse órgão teria funções apenas de serviço assessoria, não de direção e coordenação, pois pelo fato de as CEBs serem "células eclesiais" e não meramente "grupos da igreja", os órgãos "naturais" dessas duas últimas funções só podem ser os da própria igreja hierárquica. Outra é a questão da oportunidade de se criar tal órgão, o que exige levar em conta a conjuntura da igreja.

Portanto, se a intenção básica das propostas de autonomização que estão emergindo tiverem um caráter apenas operativo no sentido de reforçarem as CEBs como comunidades assumidamente minoritárias e proféticas (como direi logo abaixo) e, além disso, enxertadas no tecido da igreja existente, então, sim, poderia valer a sugestão de, em nível supradiocesano, "organizar" melhor as CEBs, sistematizar a formação de seus agentes e mesmo reivindicar para elas um estatuto canônico, tudo para que possam ser o que devem ser, enquanto comunidades eclesiais caracterizadas, a saber; comunidades geradoras, na igreja e para igreja, de participação ("democrática") e de compromisso (libertador).

Mas aqui já encontramos na quarta e última proposta, que a seguir vou descrever e defender, e que incorpora elementos considerados positivos das perspectivas ou propostas anteriores.

4°) CEBs: "comunidades proféticas": minoritárias e a

serviço do todo Esta representa uma posição intermediária entre as duas

primeiras: nem as atuais estruturas da igreja (especialmente a paróquia) absorvendo as CEBs, nem as CEBs absorvendo as estruturas da igreja. Acho que o futuro vai no sentido de manter as CEBs como prioridade, mas a título de comunidades assumidamente especiais, a saber: "comunidades proféticas". Esclareço que tomo aqui "proféticas" não no sentido de "comunidades denunciantes e anunciantes" ainda que esse sentido não seja de modo nenhum excluído, mas no sentido específico de "comunidades minoritárias" com uma "missão especial em favor da totalidade".

As CEBs seriam, de fato, comunidades "abraâmicas", grupos "liminais" (V. Tuner), que teriam um pé na institucionalidade eclesial e outro à frente, no seu futuro, no mundo do ideal e da utopia. Seriam comunidades de fronteira, necessariamente excepcionais. Tal me parece o estatuto eclesiológico apropriado das CEBs, a partir do qual é possível definir corretamente suas tarefas e prever seu futuro. Portanto, "como comunidades proféticas", as CEBs

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Política aparecerão cada vez mais como "pequenas igrejas" dentro e a serviço da "grande igreja " {ecclesiolae in ecclesia) - um pouco como são ou devem ser as ordens e congregações religiosas no seio da igreja (19), em termos da forma CEB, seriam como "órgãos" específicos, dentro do "organismo" m ajorda jgis^ccm afijnçãodepmduziraquabsduaspiDtEánas fijndan entais aquisanpie lefertias: a partxdpação, inspirada na<xínunhãDfialEina;eocanpinm ds3D,xife2madope]oanor; eambos,arrm adosporum apmfimdaexpeiiêncdade Ê.

N essa peigsectiva as C EB s on eigirão oom um a in agan maJsiB±izida (extEinaequan1±ativamentE),mas,aomeano tHnpo,dotadasdem aiDrqualidadeefeiçade inaüação.Ccm o ^ vê, elas ^Daiscsm aquiocm um "petííilbajxo", Jonge da ',p]etoiadocÜ3Cui3D"lBoJDgiX)^5astDialem quehavian cajdo, até no nosso passado 2EaentE,as^ssoiEse agentes dasC E B s. T lata-ae de um p^eM ais hum üde, cem o oonván a todos os veidadeitospiDcessossegundo o evangelio,o qua^ oom o se sabe, exaia a virtude das coisas v,pequenas" (a san ente, o gião de m ostairia, o feim ento) e prefere os cam inhos quenótxos.

A pei^Dectiva das C EB s cem o "ocm unidades pmfeticas" ou "abiaâm icas" pem ite tam bón fezer jjstiça ao que jaigo positivo nas propostas anterbies: ■ quanto à proposta da "paroquialização", as CEBs

poderão reivindicar o direito que lhes assiste - no sentido específico da forma-CEBs - de encontrarem um lugar reconhecido, até juridicamente, no interior das estruturas da igreja também da paróquia; ■ quanto à de "cebização", as CEBs deverão continuar

valorizando a tarefa de levedarem - agora no sentido do "estilo- CEBs" - o tecido eclesial em termos de comunitariedade e de abertura ao social; ■ enfim, quanto à proposta de "autonomização", as CEBs

poderão postular o direito de disporem de uma organização operativa própria, pelo fato de constituírem efetivamente um processo específico na igreja, embora de significação mais geral.

Contudo, se as CEBs querem estar à altura da demanda mais radical da atual situação histórica, que é a demanda por experiência religiosa, elas precisam reativar sua radical dimensão teologal, de onde, aliás, provém sua seiva secreta e que constituem seu "princípio" tanto histórico como estrutural. Mas, para isso, elas precisam estar embreadas organicamente, não só na "questão social" mas também no atual processo da busca de sentido e de espiritualidade.

Nessa linha, convém pensar na convivência pacífica e mesmo no encontro das CEBs com o Pentecostalismo em geral e mais proximamente com a renovação carismática católica (RCC). Tal encontro, aliás, está se dando em nível da base popular, e também numa medida talvez maior que os agentes gostariam de admitir. Em vez de ser deixado ao sabor de certa dinâmica espontaneísta, que só produz conflitos e desgastes, esse encontro precisaria ser pastoralmente e competentemente acompanhado.

Nessas condições, o diálogo entre esses dois poderosos processos do cristianismo moderno poderá ser de

enriquecimento pra ambos. As CEBs tirarão dele não pequeno proveito, especialmente no sentido de recuperar a dimensão emocional da experiência cristã e sua conexa expressão , simbólica, com a pneumatologia que lhe é subjacente. E não se pode dizer que não haja certo déficit da constitutiva "experiência do espírito" nas CEBs, como, de resto, em toda igreja ocidental, mesmo se nem toda experiência cristã for necessariamente uma experiência "efervescente" como ocorre nos movimentos de "entusiasmo" de tipo carismático- pentecostal a desdobrar corretamente sua experiência espiritual na dupla linha em que são especializadas: a participação consciente e ativa nas decisões eclesiais e eclesiásticas e o compromisso social em vista da criação de uma "nova sociedade". E não se pode dizer que os atuais "entusiastas" não careçam de uma e de outra coisa.

Agora, contrapor CEB e RCC como processos antagônicos, parece-me algo de forçado. Pois o que é decisivo, do ponto de vista teológico, é o fato de que as CEBs e RCC comungam fundamentalmente na unidade da fé e na comunhão eclesial. As respectivas divergências na frente sociopolíticae eclesiopastoral pertencem ao campo do legítimo pluralismo respectivamente político e pastoral, como ocorre, de resto, com as diferentes paróquias e dioceses. Além disso, sustentar a incompatibilidade entre as comunidades e movimentos é não entender a "lógica católica", que prefere o inclusive "e... e..." ao excludente "ou...ou...". Portanto, entre o messianismo das CEBs e a mística da RCC não há oposição de princípio, do ponto de vista teológico. Ambas podem conviver pacificamente e se complementarem dinamicamente, sem por isso perder suas especifícidades e seus carismas (20).

Pelo caminho andado, as CEBs não precisam ter medo de serem "atropeladas" pala RCC. Mas esta também não pode ignorar não há movimento de igreja consistente, por mais mídia e massa que mobilize, se não contar com uma boa rede de comunidades com a qual possa dialeticamente interagir - sob pena de não passar de mais um produtor de "bolhas de sabão" emocionais e midiáticas.

Sem dúvida, a raiz de tudo é a experiência de fé, e nisso a RCC - deve-se reconhecê-lo - se situa no plano do que é originário e do que tem a primazia. Mas o fruto de toda a vida de fé é o compromisso, também social - e este é sabidamente o ponto de honra das CEBs.

Notas 1. Texto apresentado e discutidos em grupos no Encontro Nacional de

Assessoras e Assessores do X Intereclesial (Goiânia, janeiro de 2000)[o X Intereciesial foi realizado em Ilhéus, em julho deste ano. Ver o texto da carta final pp. 18-20 da revista]. Um primeiro esboço tinha sido objeto de debate da equipe do ISER/ Assessoria no segundo semestre de 1999.

2. Cf. "Estatuto eclesiológico das CEBs", in ISER/ Assessoria, As comunidades de base em questão PmiVmas , São Paulo, 1997, pp. 177-205 (espec. pp. 188-190). Várias posições aqui defendidas supõem os estudos dessa obra coletiva, que, em nossa opinião, não foi ainda suficientemente assimilado pela consciência teológica e pastoral no diz respeito à proble- mática atual das CEBs.

3. Cf. Faustino L. Couto Teixeira, A gênese das CEBs no Brasil. Ele- mentos Explicativos, Paulinas, São Paulo. 1998.

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Política 4. Algo disso já postulava, numa entrevista penetrante, o Pe. Henrique

de Lima Vaz, in 30 dias, outubro de 1989. 5. Uma boa ilustração relativa às CEBs: Ecclesia in América, exporta-

ção pós-sinodal do sínodo extraordinário de todas as Américas (22 jan. 1999), não fala mais de CEBs, só alude a elas num passo (n0 70). Falando aí da "paróquia como comunidade de comunidades e de movimentos", diz que é "oportuno a formação de comunidades e de grupos eclesiais de tal dimensão, que permitam estabelecer verdadeiras relações humanas etc" e remete à Rmi n051 onde, aí sim, se fala explicitamente das CEBs. E, contu- do, havia nas proposições do sínodo uma, a do n0 47, que recebeu 195 votos favoráveis e apenas 16 desfavoráveis, com 5 brancos, onde se afirmava claramente: 1°) que as CEBs eram muito importantes no continente ameri- cano; 20)que eram um meio especial para "nova evangelização", particular- mente em relação aos "afastados" material ou espiritualmente da igreja; 30)que constituíam um espaço privilegiado de partido de participação dos leigos e de todos eles. Ora, de tudo isso nada ficou no documento final do Papa (leia-se: da cúria Romana).

6. Cf. o belo artigo de Luiz Alberto Gómez de Sousa "As CEBs vão bem, obrigado" in REB, fase. 237, vol. 60 (2000), pp. 93-110.

7. Cf., p. ex., Antônio Moser, "comunidades de fé: reflexões a partir de uma prática", in REB, v. 57 (1997), pp. 893-923: relato vivo de experiên- cias no "estilo CEBs", em fascículo monográfico, dedicado ao IX intereclesial.

8. Ver somente a instrutiva obra Do conhecido estudioso da filosofia clássica, o italiano, Giovanni Reale, o saber dos antigos: terapia para os tempos atuais, col. Leituras filosóficas, Loyola, São Paulo, 1999, (espec. o prólogo "niilismo, raiz dos males do homem de hoje", pp. 17-34)

9. Cf. 1L Regno-attualità, n016 (1999), p. 575. A afirmação é de 1933! 10. Para esse sociólogo italiano, é precisamente isso que "demonstram

as pesquisas". E continua "talvez tenha chegado o tempo de compreender que - não pareça um paradoxo - o maior problema social é o problema individual": entrevista a ADISTA (Roma), n089, 11/12/99.

É evidente que essa problemática é mais aguda no Norte que no Sul do mundo. Ver também a teoria macrointerpretativa da sociedade atual em termos de Erlebnisgesellschaft, ou "sociedade da gratificação imediata", do sociólogo alemão G. Schultz, que sinaliza, por via do sintoma, a mesma problemática do fundo. A revista Concilium n0282 (1999/4) foi toda dedicada ao debate e à releitura teológica dessa teoria.

11. Tomo aqui uma sugestão do Card. Joseph Ratzinger sobre a essên- cia finalmente niilista do capitalismo. "Svolta per 1 Europa", in ADISTA (Roma),29/02//1993,p. 9.

12. Inspiro-me aqui em Francesco Alberoni, Genesi, Garzanti, Milão, 1989, e em seu conceito de "civilização cultural", que ele nega ao capitalis- mo (pp.463-7).

Apesar do "espirito do capitalismo" Ter se originado de uma experiên- cia religiosa, a calvinista (M Weber), a natureza, a estrutura e a dinâmicas atuais desse sistema são fundamentalmente autônomas. Ele não tem como

oferecer, ao modo de toda a "civilização cultural", "uma mensagem de esperança profunda com as quais dar um sentido à vida aos indivíduos e estabelecer alguma relação com o absoluto" (p.465).

Existe, contudo, hoje, uma linha teológica que sustenta o caráter "reli- gioso", na verdade, "idolátrico" do capitalismo, e o caráter "teológico" do neoliberalismo, representa sobretudo pelo DEI da Costa Rica (H. Assmann, F.Hinkelammert, E. Dussel, J. Pixley, P. Richard etc.) e que tem seguidores também entre nós (Jung Mo Sung). Tal concepção apanha certamente um aspecto do capitalismo, mas seria realmente central e essencial?

Para umas síntese dessa problemática, cf. Michael Loewy, "La idolatria dei mercado. La crítica dei fetichismo capitalista, de Marx a Ia Teologia de Ia Liberacíon", in Pasos (revista DEI), n0 86 (1999), pp. 1-6.

13. "Carta-desabafo" de 16 d set. de 1999: traduzida para o italiano in ADISTA (Roma), n" 88, 6/12/99.

14.J. Comblim, "Algumas questões a partir da prática das CEBs no Nordeste", in REB, v. 50 (1990), pp. 335-381 (espec. "associação dos animadores" pp.367-8).

15. Cf. Maria Lopes Vigil, "Los cristianos y Ias iglesias ante dei colap- so dei comunismo y Ia derrota dei sandinismo: perspectiva católica", in Amanecer (Manágua). N0 69 (1990), pp. 32-35 (espec. p. 33): "Al interior de nuestra iglesia y durante estos anos, ei no tener un obispo, ei no tener una cabeza orgânica, contribuyó a debilitar ei proyecto de este modelo de iglesia. Vivimos una dispersión y nos desunimos. Fue también uma estratégia de Ia jerarquia ei quitarle a Ia iglesia de los pobres estrueturas orgânicas como son Ias parroquias. Todo eso también nos debilito. Y donde Ia revolución nacional y Ia gran expectativa internacional sobre estarevolución nos reforzaban, nos debilito Ia falta de todo Io que es tradición de organicidad y jerarquia dentro de Ia fe católica".

16. cf. o trabalho de Pedro A. Ribeiro de Oliveira. Reforçando a rede de uma igreja missionária: uma avaliação pastoral da prelazia de São Félix do Araguaia, Paulinas, São Paulo, 1997.

17. É a posição ousada, mas, a meu ver, pouco convincente, de Pedro Ribeiro de Oliveira, in ISER/ Assessoria, "As comunidades de base em questão", op. Cit. Pp. 105-120.

18. J. Comblin já havia, poucos anos atrás sugerido a criação de uma espécie de "associação" autônoma dos animadores de CEBs. Em "carta desabafo" de 16/09/99, levando o titulo "As CEBs já eram", o grupo Marins- Teolide-Philippe reivindica para elas, como garantia de sua caminhada fu- tura, um estatuto jurídico definido. E reação à problemática levantada na carta acima, Fr. Betto propõe que se crie uma espécie de "Escola de Pasto- ral das CEBs" para formar lideranças e agentes, de modo a transformar as CEBs em "Escolas de Militância", "escolas de oração", de evangelização etc. numa linha parecida, Ivo Lesbaupin defende, há anos, a idéia de as CEBs serem espaço onde se forme e cresça uma nova liderança cristã, como, por exemplo, se deu no ano passado com a JEC e a JUC.

19. Nessa linha se poderia até pensar nisto: à medida que as igrejas todas se "democratizar" (opus saeculare!) e se tornar "libertária", as CEBs irão se tornando cada vez menos necessária na igreja, permanecendo aí apenas com uma presença "residual", a semelhança da "teologia da libertação", que continua legitimamente a existir até que toda a teologia se torna realmente "libertadora". Mas essa tendência é, na realidade, assintótica, como se vê pela experiência histórica das Ordens religi- osas.

20. Tenho insistido outras vezes nesse encontro, como in ISER Asses- soria, "As comunidades de base em questão", op.cit., pp.298-299; em par- ticular num texto recente: "carismáticos e libertadores na igreja", in RB, fase. 237, v. 60 (2000), pp. 36-53.

Endereço do autor: Av. Paulo de Frontin, 500 - 20261-242 Rio de Ja- neiro RJ

"Ela virá, A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia," Leon Trotsky

Texto Internacional

Nossa América: as duas faces das ONCS James Petras

Tradução de Marcos Dorval Schmitz

Comentaristas e intelectuais mostraram-se surpresos quando muitos líderes e ativistas de organizações não governamentais (ONG'S) se uniram à

campanha eleitoral de Vicente Fox1 e, com sua vitória, esperam receber cargos dentro de seu novo governo. A idéia de que líderes "progressistas" das ONG's se unam a um regime abertamente partidário do "livre mercado" parece estranha. Não obstante uma análise mais profunda da história e dos antecedentes de funcionários de ONG's na América Latina, assim como de suas ideologias e vínculos com doadores externos, poderia haver profetizado este cenário.

Na transição ocorrida na política eleitoral do Chile, Bolívia, Argentina e América Central, numerosos líderes de ONG's se aliaram a regimes neoliberais quie utilizaram suas experiências organizacionais e retóricas progressistas para controlar protestos populares e solapar movimentos de classes sociais.

Desde o início da década de 80, as classes dominantes neoliberais, junto com o governo dos Estados Unidos e governos europeus, se asseguraram de que as políticas do "livre mercado" estavam polarizando as sociedades na América Latina. Mediante fundações privadas e fundos estatais, começaram a financiar as ONG's, as mesmas que expressavam uma ideologia contra o estado e promoviam a "autoajuda". Ao final deste milênio, existem umas 100 mil ONG's em todo o mundo que recebem cerca de 10 milhões de dólares e competem com os movimentos sociopolíticos pela lealdade das comunidades militantes.

Ainda que as ONG's tenham denunciado violações aos direitos humanos, raras vezes denunciam seus benfeitores da Europa e dos EUA. À medida que aumentou a oposição ao neoliberalismo, o Banco Mundial (BM) incrementou os donativos destinados às ONG's.

O ponto fundamental de convergência entre as ONG's e o BM era a repulsa de ambas entidades ao "estatismo". Superficialmente, as ONG's criticavam o Estado numa perspectiva de "esquerda" em defesa da "sociedade civil", enquanto que criticavam o BM em nome do "mercado".

Na realidade, o BM e os regimes neoliberais aproveitaram as ONG's para minar o sistema de seguridade social estatal, e foram utilizados e reduzidos a meios para compensar as vítimas da políticas neoliberais.

Enquanto os regimes neoliberais diminuíam os níveis de vida e saqueavam a economia, fundaram-se as ONG's para

Enquanto os regimes neoliberais diminuíam os níveis

de vida e saqueavam a economia,

fundaram-se as ONG's para

promover projetos de "autoajuda"

promover projetos de "autoajuda" que absorveriam, temporariamente, pequenos grupos de desempregados pobres, ao mesmo tempo que recrutavam líderes locais.

As ONG's se converteram no "rosto comunitário" do neoliberalismo e se relacionaram intimamente com os de cima e complementaram seu trabalho destrutivo. Quando os

neoliberais transferiam lucrativas propriedades estatais, privatizando- as para os ricos, as ONG's não tomaram parte de uma resistência sindical. Ao contrário, mostraram-se ativas na elaboração de projetos privados, promovendo o discurso da iniciativa privada ("autoajuda") ao dedicarem-se a fomentar microempresas nas comunidades pobres.

As ONG's criaram pontes ideológicas entre pequenos capitalistas e os monopólios que se beneficiaram das privatizações - tudo em nome do anti-estatismo e da construção da sociedade civil.

Enquanto os ricos criavam vastos impérios financeiros a partir das

privatizações, profissionais de classe média que trabalhavam com as ONG's recebiam pequenos fundos para financiar seus escritórios, seus gastos com transportes e suas atividades para promover atividades econômicas de pequena escala.

O importante aqui é que as ONG's despolitizaram setores da população, ignoraram seus compromissos para com atividades do setor público e se aproveitaram de lideres sociais potenciais para a realização de projetos econômicos pequenos.

Na realidade as ONG's não são não-governamentais. Recebem doações de governos estrangeiros ou funcionam como agências subcontratadas por governos locais. Igualmente importante é o fato de que seus programas não são qualificados pelas comunidades a quem ajudam, e sim pelos financiadores estrangeiros. É neste sentido qua as ONG's sabotam a democracia, ao arrancar programas sociais das mãos das comunidades e de seus líderes oficiais, para criar dependência a cargos de funcionários não eleitos, provenientes do exterior, que escolhem e ungem seus interlocutores locais.

A ideologia das ONG's quanto a suas atividades privadas e voluntárias destrói o sentido de "público"; a idéia de que o governo tem a obrigação de representar a todos seus cidadões. Contra esta noção de responsabilidade pública, as ONG's fomentam a idéia neoliberal de uma responsabilidade privada para com os problemas sociais e a importância dos recursos para resolver estes problemas.

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia."Leon Trotsky

Internacional Dessa forma, as ONG's impõem uma dupla carga sobre os

pobres: o pagar impostos para financiar um Estado neoliberal que serve aos ricos e a autoexplorar-se de maneira privada para satisfazer suas próprias necessidades.

Muitos dos líderes e militantes das ONG's são ex-marxistas ou "pós-marxistas", que tomam emprestado muito da retórica ligada a "dar poder ao povo", "o poder popular", "a igualdade de gênero" e o "governo das bases com o único que tem legitimidade", enquanto distanciam a luta social das condições que marcam a vida das pessoas. As ONG's, se converteram em um veículo organizado que permite a mobilidade social ascendente para desempregados ou professores ex- esquerdistas mal pagos.

O linguajar progressista disfarça o núcleo conservador das práticas da ONG's, tem sempre que ver com "dar poder", porém os esforços destes organismos raras vezes vão além de uma influência em pequenas áreas da vida social, utilizando os recursos limitados e sempre dentro das condições permitidas pelo Estado neoliberal. No lugar de dar educação pública sobre a natureza do imperialismo e sobre as bases clássicas do neoliberalismo, as ONG's discutem sobre "os excluídos", "os indefesos" e "a extrema pobreza", sem jamais passar de seus sintomas superficiais para analisar o sistema social que produz essas condições.

Ao incorporar os pobres na economia neoliberal através de ações voluntárias que são exclusivamente da iniciativa privada.

as ONG's criam um mundo em que a aparência de uma solidariedade e ações sociais aoculta uma conformidade com as estruturas nacionais e internacionais de poder.

Não é por acaso que as ONG's têm-se convertido em entidades dominantes em certas regiões onde as ações políticas independentes têm decaído e o neoliberalismo rege sem oposição alguma.

A conversão de líderes das ONG's, de porta-bandeiras do "poder popular" a simpatizantes do presidente conservador eleito, Vicente Fox, é portanto perfeitamente compreensível. Os funcionários das ONG's proporcionam a retórica "populista" em torno da sociedade civil que legitimam as políticas do livre mercado. Em troca, suas nomeações como funcionários governamentais satisfazem suas ambições de mobilidade e ascensão social.

Para os ex-esquerdistas, o anti-estatismo é a passagem que lhes concederá trânsito ideológico da política de classes e do desenvolvimento comunitário para o neoliberalismo. Para os intelectuais críticos, o problema não é só o neoliberalismo do "livre mercado" que vem das cúpulas, mas também o neoliberalismo da "sociedade civil", que provém de baixo.

James Petras é do Departamento de sociologia da Universidade de Binghamton, em Nova York/EUA

1- Vicente Fox, presidente do México, eleito recentemente.

Opinião Socialista - Dezembro/2000 - N°107 www.pstu.org.br Trabalhadores protestam e

resistem aos pacotes

3 governe

Ge Souza

uando do fechamento desta edição, os sindicatos e | trabalhadores argentinos estavam para iniciar uma greve geral de 36 horas contra a política econômica

do gov?hio. A mobilização coloca em risco os prazos de votação do orçamento para 2001, que o governo precisa aprovar rapidamente porque faz parte das medidas que negociou com o FMI em troca de um pacote de ajuda financeira, estimado em US$ 20 bilhões.

O Partido Peronista, da oposição, que tem maioria no Senado e historicamente controlou os sindicatos, anunciou seu apoio à paralisação, decretada pela Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e a Confederação de Trabalhadores da Argentina (CTA). Essa é a Quarta greve geral desde a posse do presidente Fernando De La Rúa, há onze meses.

O alto índice de desemprego (16%) é um dos motivos para a greve geral dessa semana. Os primeiros dois pacotes econômicos de De La Rúa aumentaram impostos e reduziram entre 12% e 15% os salários dos funcionários públicos. Ambas as medidas tinham como objetivo reduzir o déficit fiscal, mas acabaram agravando também a recessão, que já dura mais de dois anos. O terceiro pacote reduziu impostos, para estimular os investimentos do país, mas beneficiou principalmente os empresários.

O quarto pacote prevê um pacto fiscal (que já foi assinado

por 23 dos 24 governadores e precisa da aprovação do Congresso) e congela os gastos nos estados durante os próximos cinco anos.

Outras medidas - que na falta de consenso político, serão implementadas por decreto - são a reforma da previdência social - que acaba com a aposentadoria de US$ 200 que o governo dá a todos os argentinos - e a liberalização total das "obras sociais", as contribuições que todo trabalhador argentino paga a seu sindicato e que lhe garante assistência médica e social. No novo sistema, cada trabalhador terá que escolher entre as "obras sociais" e o novo sistema privado.

Os argentinos estão insatisfeitos porque estão empobrecendo rapidamente. Para se Ter uma idéia, a cada dia mil pessoas engrossam as fileiras daqueles que vivem abaixo do nível de pobreza, que na Argentina significa uma renda familiar inferior a US$490 para sustentar quatro pessoas. Pode parecer muito para o Brasil, onde vigora um salário mínimo de R$151. Mas na Argentina, onde a economia está ancorada ao dólar e uma cesta básica custa US$1.025 mensais, é muito pouco. Em 1985, 9% da população argentina estava abaixo do nível de pobreza. Hoje são 39%.

Estas são as razões da atual crise, que têm levado os trabalhadores argentinos à luta, com protestos diários contra a política econômica do governo e do FMI.O

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Internacional Massas - Novembro/2000 - No203

Argentina

Aprofundas e a crise do regime político A ruptura da aliança governamental UCR-Frepaso

motivada pela corrupção do recém eleito governo de De La Rúa, na realidade, tem por detrás a

desintegração econóomica e social do país. A aplicação rigorosa dos planos pró-imperialistas agravou as tendências desagregadoras da crise estrutural do capitalismo. Sob o impacto do desemprego e da miséria crescente, as massas argentinas se lançam à luta de resistência. E a burguesia não tem outra alternativa senão a de intensificar a exploração e lançar novas medidas de destruição das condições de vida dos trabalhadores. A crise prematura do governo de De La Rúa é continuidade do que vinha acontecendo com o governo de Menem. Trata-se não simplesmente de um mal estar conjuntural do governo, mas sim da bancarrota da semicolônia capitalista e do regime político. Impõe-se ao proletariado argentino a luta antiimperialista e anticapitalista.

Publicamos abaixo o editorial do Partido Operário Revolucionário da Argentina, que expressa bem os impasses da burguesia subserviente.

Enquanto o povo se desespera na fome e desemprego, os

politiqueiros zombam de nós com suas rixas expondo toda sua

podridão.

O menemismo de De La Rúa A crise do governo colocou às claras as formas de

dominação dos capitalistas, as características de seu regime, revelando que a democracia política no país é quase inexistente.

A aliança UCR-Frepaso chega ao governo baseada na crítica da forma de governar de Menem, com suas camarilhas, suas negociatas, concentração de todo o Podar do Estado para manejar, mediante vantagens, os demais poderes republicanos para impor sem limites as exigências dos grandes capitalistas. Poucos meses de governo demonstraram que, no essencial, não há grandes diferenças em relação ao anterior.

É que essa forma de governar corresponde à dominação imperialista sobre o país e ao controle que um punhado de bancos e multinacionais exerce sobre o poder, e não com as qualidades pessoais de tal ou qual mandatário.

Não existe democracia parlamentar na Argentina

Constata-se o fracasso em avançar as formas democráticas de governo que aspiravam grande parte dos eleitores da

Aliança, e alguns de seus dirigentes. A democracia parlamentar continua sendo uma farsa.

Na verdade, não existe um regime de democracia parlamentar, nem pode vir a existir, por mais que esteja consagrado na Constituição e se vote a cada dois anos. Isso é um luxo que tiveram os países capitalistas desenvolvidos e que na atrasada Argentina não haverá de existir.

A insistência de um setor de políticos patronais (dentro da Frepaso, da UCR e também do PJ) em alcançar a desejada democracia é não só uma utopia reacionária, como, uma e outra vez, fazem esforços para alimentar novas ilusões nas massas de que esse regime pode ser reformado e que a democracia pode ser alcançada, e que assim se resolverão todos os nossos problemas. Trata-se assim, de um obstáculo que devemos derrotar.

Ao mesmo tempo em que se reconhece o crescente avanço da dominação do capital financeiro e dos monopólios no principais ramos da economia, apregoa-se que sem enfrentá- los e sem acabar com sua dominação, podem florescer formas democráticas de governo.

Não estamos frente a morte lenta da democracia como afirmam alguns democratizantes, com os corações despedaçados, mas sim diante da constatação de que a democracia não pode e nem haverá de nascer na Argentina capitalista.

Estamos vivendo a agonia do capitalismo, sua decomposição, seus traços cada vez mais parasitários, mais ganancioso, um capitalismo altamente monopolizado que nos conduz cada dia à barbárie. O regime político corresponde a esta realidade da estrutura econômica.

Os "democratas" campeões da "transparência" e da "moralidade

política" são cúmplices dos maiores roubos contra a nação e

os trabalhadores.

Em nome do pragmatismo, nossos campeões da democracia avalizaram toda a ingerência do FMI e do BIRD para nos impor o impostaço, a redução dos salários' a reforma trabalhista, o respeito às negociatas das privatizações, a falência financeira das províncias, para continuar pagando a dívida externa às custas da fome e desemprego, ainda que sabendo de sua origem fraudulenta.

Estes homens gostam de se denominar de progressistas. A renúncia de Chacho não teve uma palavra de crítica à política econômica, voltou a respaldar o Ministro Machinea, ratificando, por sua vez, o capital financeiro internacional. Esses "progressistas" no governo serviram para passar o pacotaço de ajuste contra as massas, aprovado nos primeiros

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Internacional meses. Avalizaram com sua presença a repressão sangrenta em Corrientes e em Salta.

Na melhor das considerações, podemos dizer que têm sido usados simplesmente como profiláticos.

De sua parte não há nenhuma "alternativa ao modelo". Não existem razões de fundo programático para que se produza uma ruptura.

Nas declarações de Chacho sobre sua renúncia, não se fez nenhuma menção à dívida externa, ou seja, ao que corresponde à mais gigantesca corrupção do país.

Este é o fracasso de quem tem como único programa político o antimenemismo, que apoiou a Aliança simplesmente para afastar Menem do governo. Essa era uma bandeira sem nenhuma perspectiva.

A isso chamam pomposamente "uma nova forma de fazer política" que não quer dizer outra coisa senão tornar possível as instituições do Estado burguês, para melhor aplicar os planos do capital financeiro.

Governo mais débil ou mais forte! Muito se discute sobre esse ponto. Mas só nos interessa

em referência às massas e suas ilusões. Nesse sentido, estamos diante de um governo mais débil para enfrentarmos, já que caíram várias máscaras, apresenta-nos tal como é, continuando em todos os terrenos a política de Menem.

A crise política do regime consiste na incapacidade para superar a dominação imperialista que penetra por todos os poros, uma crise que abarca toda a burguesia. Em seu desmoronamento arrasta toda uma sociedade para toda a barbárie.

O debate sobre se está correta a denúncia de Chacho, ou se devia permanecer, é absolutamente secundária. O Chacho e a Frepaso já sabiam de antemão que a política ia ser aplicada, não há surpresas, serviram para que a UCR voltasse ao governo para dar saída à crise gerada pela presença de

Menem no governo, com um grande rechaço popular. Hoje procuram se preservar para o futuro, como candidatos para seguir a mesma política, quando os De La Rúa já não servirem.

Qual é a saída para as massas? A burguesia está esgotada e em decomposição, é uma

classe antinacional. Todas as formas e métodos que garantem sua sobrevivência são reacionárias, vão contra os interesses da Nação e dos trabalhadores.

Devemos lutar para impor com a ação direta as principais reivindicações, acabar com o desemprego imediatamente, elevar os salários para que alcancem a necessidade de vida. Esses são os problemas centrais!

Para isso, é necessário romper com o governo e os partidos patronais, com os burocratas que vivem negociando as reivindicações populares para encher seus bolsos, e construir nossas próprias organizações desde as bases para debater e resolver cada problema.

Necessitamos pôr em pé uma frente única anti imperialista que unifique todas as exigências sociais, democráticas, nacionais, sob a direção política da classe operária.

Não há outra alternativa senão lutar pela estratégia de classe. Para impor um Governo Operário e Camponês, que expresse a maioria oprimida e explorada, que destrua as instituições da ditadura da burguesia e comece a construção de uma nova sociedade expropriando os meios de produção dos capitalistas.

Essa tarefa cabe ao regime da ditadura do proletariado, que esmagará os parasitas e seus mercenários, libertando as gigantescas forças produtivas parasitas e destruídas dia-a- dia pela decomposição dos capitalistas.

Digamos basta à politicagem patronal, um bando de inúteis e corruptos que vive de costas a nossas necessidades.□

(Extraído do Jornal Massas, n.° 151, do Partido Operário Revolucionário da Argentina)

Em Fronteira - Dezembro/2000 - N° 285 www.alomundo.com.br

E agora, presidente? Cecília Remón

Escândalo custa presidência a Fujimori, enquanto o tenebroso Montesinos, após deixar o país, volta clandestinamente para continuar interferindo no processo de transição.

"Montesinos é mais poderoso que Fujimori. O mais recente escândalo de corrupção no qual Montesinos se envolveu acabou com a presidência de Fujimori". A esta conclusão chegou Carlos Bassombrío, diretor do instituto de defesa legal, ao analisar a crise política que se abateu sobre o Peru, considerada uma das mais graves de toda a história.

O escândalo que explodiu no dia 14 de setembro com a revelação de uma fita que mostra Vlademiro Montesinos, chefe de fato do serviço nacional de inteligência (SIN), dando dinheiro a um congressista de oposição, para que votasse com os governistas, não terminou com a destituição de

Montesinos mas com a queda do presidente. As Forças Armadas expressaram seu apoio ao presidente

no dia 20 de setembro, 4 dias depois que Fujimori anunciou pela televisão sua decisão de encerrar seu mandato e desativar o SIN, mas Montesinos permaneceu em seu posto até meia- noite de 23 de setembro, quando abandonou o país, tendo como destino o Panamá.

Analistas políticos confirmam que na semana seguinte ao pronunciamento de Fujimori houve uma negociação entre o governo, de um lado, Montesinos e a cúpula militar, do outro, estabelecendo que se permitiria a saída de Montesinos do

"E/a virá. A tevoluçào conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

país e não o levariam a julgamento nem a ele nem a seus aliados políticos.

Estados Unidos - tudo indica que os Estados Unidos tiveram u papel decisivo na negociação. De acordo com um documento de uma agência governamental dos Estados Unidos que circulou em ambientes diplomáticos, "a fita do suborno estaria relacionada com a entrega de armas à guerrilha colombiana de um ano para cá ".

Em coletiva à imprensa de 21 de agosto, Fujimori e Montesinos anunciaram que agentes de inteligência peruanos haviam desbaratado uma rede internacional de traficantes de armas, que incluía militares de reserva de baixo escalão, que tinha lançado com pára-quedas as armas à guerrilha das Forças Revolucionárias da Colômbia (FARC).

De acordo com o documento, "a revelação da fita teria sido um trabalho interno de um agente escondido, muito bem localizado, encomendado pela agência de inteligência dos Estados Unidos".

"A decisão inesperada de Fujimori de antecipar as eleições permitiu que se desviasse a atenção do escândalo do tráfico de armas, que poderia pôr em apuros os próprios Estados Unidos", acrescenta.

Na realidade, a administração do presidente Clinton teve que reconsiderar suas relações com o Peru a partir da decisão de Fujimori de postular um questionável terceiro mandato. Tudo indicava que Montesinos estava por trás dessa postulação e da guerra suja contra os outros candidatos, além de haver evidências que o SIN manipulou os resultados das duvidosas eleições que deram vitória a Fujimori.

Segundo um diplomata estrangeiro que pediu o anonimato, "a fita de vídeo do suborno foi encomendada pela Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos para confirmar o grave erro de confiar em Montesinos, que desviou as armas para guerrilha colombiana, inimiga do governo do presidente Andrés Pastrana. Os Estados Unidos são aliados da Colômbia e contribuem com o Plano Colômbia".

"Os Estados Unidos quiseram desfazer-se de Montesinos por não ser mais funcional ao seu plano e por ser corrupto, e de Fujimori por não ser democrático, acrescentou".

Para o analista Fernando Rospigliosi, "sem dúvida Montesinos e a cúpula militar estão envolvidos no tráfico de armas. Tentaram apresentá-la como uma questão descoberta por eles, mas são eles os traficantes e os responsáveis. Isso, em minha opinião, teria quebrado o vinculo que unia Montesinos com a CIA".

A saída - a saída do país de Montesinos não surpreendeu a ninguém. "Ele foi embora dentro das leis que ele mesmo fez, onde impõe condições que lhe garantem completa impunidade", comentou o jornal La República.

Chegou ao Panamá, onde o governo de Mireya Moscoso estudou a possibilidade de dar-lhe asilo territorial, algo que surpreendeu porque geralmente o asilo é concedido a perseguidos políticos, e esse não era o caso do peruano. Pelo contrário. Montesinos deixou atrás de si uma série de acusações de violações dos direitos humanos. Deixou ainda mais as coisas no ar quando improvisadamente, em final de

Internacional outubro, embarcou primeiro em direção ao Equador e depois ao Peru.

Mesmo que Montesinos - ex-capitão do exército que entro na reserva assim que foi acusado de espionagem e traição contra a pátria - não estivesse mais nem no cargo e nem no país, ele deixou uma rede sumamente poderosa que continuará governando o Peru. Não só colocou generais de sua confiança nos altos postos do exército e das Forças Armadas, ordenando a retirada antecipada de oficiais que por ancianidade deviam assumir tais cargos, mas esteve por trás da nomeação de juizes e magistrados, congressistas e altos funcionários governamentais, assim como do esforço de garantir a Fujimori a maioria parlamentar que não obteve nas umas.

Um dos acordos que o governo teria fechado com Montesinos e a cúpula militar é que não seriam removidos de seus cargos militares aliados a ele bem como os comandantes gerais do exército, da marinha e da aeronáutica até 31 de dezembro de 2000.

Para evitar que os cargos caiam nas mãos de pessoas inimigas de Montesinos, em 21 de setembro começou a remoção antecipada de vários generais, inclusive de Carlos Tafur Ganoza, assíduo crítico de Montesinos, a quem por hierarquia e ancianidade cabia assumir, a partir de Io de janeiro de 2001, o comando do exército.

Poder - com a saída de Tafur, ficou aberto o caminho para o comando das Forças Armadas - que geralmente recai no chefe do exército - seja assumido por um homem de confiança de Montesinos.

Este previu também que, se alguma autoridade do poder judiciário. Ministério público e organismos eleitorais colocados por ele, viesse a ser destituída, houvesse pessoas de sua confiança na linha de sucessão. Desativar tal rede exigirá a vontade política tanto do governo como da oposição por muito tempo.

"Se não se desativa todo o aparato montado por Montesinos, este continuará controlando à distância a cúpula militar, o Poder Judiciário, o Congresso, o Ministério Público, as autoridades eleitorais.

A estratégia do Fujimorismo é de controlar e esticar ao máximo a transição para poder fazê-la sob medida ".disse Bassombrío.

Por isso os líderes da oposição concordam que seja a OEA (Organização dos Estados Americanos) o ambiente onde se afirmem os acordos políticos da transição, para que se abra caminho de eleições realmente livres e limpas.□

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Revista Revés do Avesso - Outubro/2000 - No10 Internacional

Israel/Palestina: violência sem fim Der mi Azevedo

Aproxima-se o século 21 e o histórico conflito entre o Estado de Israel e os Palestinos com a previsão de enfrentamentos cada vez maiores, em um

processo de violência sem fim. De 28 de setembro, quando começou a Segunda intifada

palestina, a 25 de outubro, forma assassinadas 137 pessoas, das quais 117 palestinos, 12 árabes israelenses, 7 israelenses judeus e um soldado druzo do exército de Israel.

O atual momento de escalada entre israelenses e palestinos - no qual a imensa maioria das vítimas é palestina - teve início em 28 de setembro quando o chefe do partido direitista israelense Likoud, general da reserva Ariel Sharon, visitou a esplanada das mesquitas, em Jerusalém, considerada, tanto pelos muçulmanos, quanto pelos judeus, como um dos seus lugares mais sagradas.

Os muçulmanos chamam esse local de Haram El Shariff (o Nobre Santuário) e nele encontram-se os templos de Al- Aqsa e a Cúpula da Rocha, onde está a pedra em que, Segunda a crença islâmica, da qual o Profeta Maomé subiu aos céus. O local Também considerado o terceiro lugar mais sagrado do Islã, depois de Meca e Medina. Nele, Maomé teria orado sobre Jerusalém, nos primeiros 16 meses depois da revelação de Deus, recebida através do anjo Gabriel.

Para os judeus, a Cúpula da Rocha contém a pedra sobre a qual, provado por Deus, Abraão colocou seu filho Isaac para ser sacrificado. Um cordeiro foi oferecido ao Senhor, em seu lugar. O mais importante no local, para os judeus, é a crença de que, nessa área, estão os restos do Templo de Salomão, que será aí reconstituído, quando vier o Messias. Por isso, os judeus chamam o local de Monte do Templo.

De acordo com várias fontes, o governo de Israel havia sido advertido por Yasser Arafat, presidente da autonomia Palestina, de que a visita de Sharon resultaria, inevitavelmente, em violência. No dia seguinte, seis palestinos foram mortos e mais 200 feridos no confronto com policiais e militares israelenses na cidade Santa.

É importante lembrar que Ariel Sharon comandou, nos anos 80, um dos maiores massacres contra palestinos, na história do Oriente Médio, nas aldeias de Sabra e Chatila, perto de Beirute. Nessa ocasião, soldados israelenses mataram, na calada da noite, mais de 2 mil crianças, jovens, mulheres e idosos.

A violência tende a aumentar significativamente se for confirmado o acordo entre o primeiro ministro de Israel, Ehoud Barak e Ariel Sharon, para a formação de um governo de unidade nacional em Israel. Se isto acontecer, o processo de paz estará definitivamente sepultado. A exigência maior do Likud a Barak é a de poder vetar qualquer item, nas negociações com a Palestina.

Do lado palestino, o partido Fatah, ao qual pertence Arafat, divulgou um comunicado em Gaza, em 24 de outubro, afirmando que a Intifada "do povo palestino vai continuar até

à vitória contra a ocupação sionista, a libertação de todos os territórios palestinos ocupados e o estabelecimento de um Estado independente, tendo Jerusalém como capital".

"A resistência contra a ocupação sionista usurpadora continua o comunicado - e contra a bárbara agressão israelense contra nosso povo é um direito legítimo. Nosso povo está determinado a exercer plenamente seu direito e a resistir a essa agressão injustificada com todos os meios de que dispões".

A desproporção dos instrumentos de violência, entre Israel e a Palestina, é absoluta. Israel possui a bomba atômica e dispõe de forças armadas bem preparadas e equipadas com a tecnologia de guerra mais avançada do mundo. Seu serviço secreto, o Mossad, é também o mais preparado entre todos os seus congêneres.

No entanto, a própria retomada da Intifada - em que os palestinos enfrentam os israelenses com pedras e algumas poucas armas - indica a moral alto do povo palestino e a sua capacidade de resistóencia.

Além do mais, os palestinos - unidos a outros movimentos árabes - enfrentam Israel, recorrendo a métodos não convencionais de guerra, como é o caso da guerrilha e de atentados terroristas (que não são uma exclusividade dos movimentos árabes).

Uma longa história É também fundamental entender que o Oriente Médio é,

hoje, a mais importante região estratégica do mundo, porque nela estão situadas as principais reservas de petróleo. Considerando-se a dependência mundial com relação a essa fonte de energia, é possível entender a preocupação dos Estados Unidos e das demais potências ocidentais, diante do perigo da extensão, para toda essa área, do conflito que, 50 anos, separa judeus e palestinos.

Com eleito, tudo começou em 1948, quando as grandes potóencias da época, a começar pelo Reino Unido, permitiram que o nascente Estado de Israel fosse estabelecido no Oriente Médio, sem a garantia dos legítimos direitos do povo palestino.

Não houve o cuidado, naquela época, de assegurar uma partilha justa do território, e os interesses do Estado de Israel acabaram sendo propositalmente confundidos com a história religiosa desse povo. Na verdade, como se sabe, tanto judeus quanto os palestinos, são, de acordo com a Bíblia, descendentes de Abraão e, portanto, não podem invocar motivos religiosos para a suposta "superioridade" de uns sobre os outros.

O processo de paz As tentativas mais recentes de pacificação entre o Estado

de Israel e a Palestina começaram em 1993, quando, depois de seis meses de negociação secretas, em Oslo, na Noruega, Israel e a OLP assinaram, em Washington, um acordo dentro

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Internacional de cinco anos. Nessa ocasião, o primeiro ministro Yitzhak Rabin e o líder da OLP, Yasser Arafat, trocaram, na Casa Branca, um histórico aperto de mãos.

Em primeiro de julho de 1994, Arafat voltou à sua terra, depois de 27 anos de exílio e constituiu em Gaza, uma estrutura autônoma, a Autoridade Nacional Palestina.

No ano seguinte, foi assinado, também em Washington, o acordo Oslo II, sobre a extensão da autonomia na Cisjordânia.

Em 4 de novembro de 1995, o primeiro ministro Rabin foi assassinado por um extremista de direita judeu, sendo substituído pelo seu colega trabalhista Shimon Feres, o qual teve como sucessor, em junho de 1996, o líder direitista Benjamim Netanyahu.

Em 20 de janeiro de 1996, Yasser Arafat foi eleito presidente da Autoridade Palestina (Congresso) anulou, em 14 de dezembro de 1998, artigos da Constituição palestina que propugnavam a destruição do Estado de Israel. Já em 5 de setembro de 1999, o novo primeiro ministro trabalhista israelense, Ehud Barak e Yasser Arafat, assinaram, no Egito, uma versão renegociada dos acordos de paz.

No primeiro semestre de 2000, os acordos avançavam, com a transferência, para a Palestina, do controle, parcial ou total, de aproximadamente 40% da Cisjordânia. Em julho, nos Estados Unidos, na presença do presidente Bill Clinton, Israel aceitou, pela primeira vez, a soberania palestina sobre algumas áreas anexadas na cidade de Jerusalém. Mas não houve acordo sobre o problema dos lugares Santos. Em contrapartida, a OLP adiou sine die a proclamação de um Estado palestino, prevista para 13 de setembro.

Como já foi dito, todo o esforço de sete anos começou a ser destruído em 28 de setembro passado, com a visita de Sharon à Esplanada das Mesquitas, um dos três lugares mais sagrados do Islamismo. A partir daí, além dos 137 mortos, o mapa da viol6encia contabiliza 3.000 feridos em 15 dias.

Os Estados Unidos e outras potências começaram, então, uma corrida frenética para evitar o fracasso total do processo de paz. Nesse sentido, patrocinaram uma reunião, em 16 e 17 de outubro, na localidade de Charm el-Cheikh, no Egito.

Os resultados dessa reunião, voltados para uma tentativa de cessar-fogo, foram anulados, na prática, pela escalada de violência que faz novas vítimas todos os dias.

Novas colônias Um outro fator de agravamento do conflito consiste na

presença cada vez maior de colonos judeus nos territórios palestinos ocupados. Todos os primeiros ministros da história de Israel, independentemente de seus partidos, procuraram expandir territorialmente o Estado judeu em terras palestinas. Dados do Escritório Central de Estatísticas de Israel indicam que o governo Barak, a construção de colônias hebraicas, financiadas pelo Estado, aumentou em 81%, somente nos primeiros seis meses de 2000.

As construção privadas, feitas pelos próprios colonos, aumentaram em 141%. Quando foram assinados os acordos de Oslo, em 1993, viviam, nas colônias hebraicas, 110 mil pessoas. Em junho de 2000, esse número passou para 195 mil.

Paralelamente, 300 mil palestinos vivem em 13 campos de refugiados no Líbano, em meio da mais profunda miséria, sem contar outros milhares de palestinos refugiados na Jordânia e noutros países árabes. Somente em Israel, a minoria palestina é formada por 1 milhão e 200 mil pessoas, ou seja, 18% da população. São os chamados árabes israelenses.

Esparadrapo A história desse conflito é, evidentemente, de grande

complexidade e as forças pacifistas, tanto entre os judeus, quanto entre os árabes, estão, agora, na defensiva. Enquanto isto, as raízes da guerra continuam inatacadas. Comentando, recentemente, os resultados da reunião de cúpula no Egito, a líder palestina Hanan Ashrawi, uma das mais destacadas intelectuais dessa comunidade, afirmou que os governantes,

ali reunidos, trataram de "colocar Um esparadrapo

sobre uma veia aberta".^

A MISÉRIA BRASILEIRA - 1964/1994: DO GOLPE MILITAR À CRISE SOCIAL

Miséria brasileira é a determinação particularizadora, para o âmbito do capital e do capitalismo de extração colonial , da fórmula marxiana de "miséria alemã". Compreende processo e resultantes da objetivação do capital industrial e do verdadeiro capitalismo, marcados pelo acentuado atraso histórico de seu arranque e idêntico retardado estrutural, cuja progressão está conciliada a vetores sociais de caráter inferior e a subsunção ao capital hegemônico mundial. Alude , portanto sinteticamente, ao conjunto das mazelas típicas de uma entificação social capitalista, de extração colonial, que não é contemporânea do seu tempo.

A nova (des)ordem internacional do capital, produzindo e reproduzindo com alta tecnologia no mercado globalizado, é e será cada vez mais o mundo real a ser vivido por todos. É deste que passou a descender o futuro, incluída a própria ultrapassagem subsequente de seus efeitos, pela maturação da pletora de suas contradições virtuais e a emergência de novos agentes e mandatos societários, na história sem fim do homem e de sua efetivação.

Autor: J. Chasin editora: AD HO MINEM R$ 26,00

"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

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Cultura

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"Ela virá. A revolução conquistará para todos o direito não somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky

Cultura

Cristão molotov Certa vez vi na foto o guerrilheiro sandinista pronto para lançar seu coquetel molotov.

Em seu peito balançava um crucifixo, em sua mão a garrafa de pepsi-cola flamejava.

Percebi, então, como as formas mais reacionárias podem guardar os conteúdos mais explosivos.

Mauro lasi Em: Aula de vôo e outros poemas

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CPV R$ 10,00

I Aula desvão

; *-.,e outros poemas

4ipi

Já estavam expressos, mas

aprisionados e era preciso mais.

Romper os estreitos limites

das gavetas, pastas e peito,

ganhar dos silêncios e se trans-

formar em contrários. Impressos,

que não se limitem a leitores

passivos (o CPV não busca

leitores passivos), mas que

ganhem sonoridades necessárias

para além dos limites mudos...

Memória 6 de dezembro de 1988 - JOÃO CARLOS BATISTA, advogado e deputado assassinado em 6 de

dezembro de 1988. Exatamente há 12 anos. Sua militância dava-se junto aos trabalhadores rurais posseiros de várias regiões do sul do Pará. Antes de seu assassinato sofreu três atentados: 1 -junho de 1985, atingido por dois tiros na cidade de Paragominas - sul do Pará (seu pai, Nestor Batista, que o acompanhava recebeu um dos tiros na cabeça), 2 - agosto de 86, na estrada Belém Brasília, quando colocam um caminhão sobre o íusca em que se encontrava. Ficou três anos entre a vida e a morte. 3 - 1 de maio 87, durante a manifestação do dia dos trabalhadores, dois pistoleiros o atacam durante uma passeata, não conseguindo atingir o objetivo. Até o mo- mento os assassinos, apesar de terem sido presos não foram a julgamento. Os mandantes nem mesmo foram citados no processo. Presidiram o processo até o momento 8 juizes.*

10 de novembro de 2000 - DAVID CAPISTRANO, pernambucano de Recife, iniciou sua participação política ainda na adolescência. Sua carreira profissional como pediatra, mas logo se dedicou à organização da saúde pública. Eleito prefeito de Santos em 1992. Nos últimos meses atuava como consultor de Ministério da Saúde e da Prefeitura de Vitória da Conquista. ♦

"Ela vira. A revolução conquistara para todos o direito nao somente ao pão mas à poesia." Leon Trotsky