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Juan Mateos*Juan Barreto VOCABULÁRIO DE SAO JOAO

Vocabulário Teológico Do Evangelho de São João

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Juan Mateos*Juan Barreto

VOCABULÁRIO

DE SAO JOAO

Este "Vocabulário" foi redigido para servir de índice- resumo do livro: O Evangelho de São João, de Juan Ma­teos e Juan Barreto [publicado por Edições Paulinas). Inserem-se, em ordem alfabética e de forma orgânica, os conceitos fundamentais de João, aqueles que pulsam ao longo de todo o escri-to e Úie conferem peculiar fi­sionomia. Ao separá-lo do tomo volumoso, a fim de dar- lhe circulação independente, acrescentaram-se novos termos no sentido de completar o conjunto,O comentário ao Evangelho de São João de J. Mateos e J. Barreto, de que procede e a que se refere este "Vo­cabulário'', parte de princípios hermenêuticos muito cla­ros e peculiares, tão peculiares que talvez signifiquem uma mudança inédita na exegese bíblica: a interpreta­ção do texto pelo próprio texto, dando-se atenção apenas à sua linguagem e ao ambiente cultural em que se es­creveu o texto,Este "Vocabulário" proporcionará ao leitor: familiari­dade com a linguagem de João; relação de não poucos termos entre si; unidade literária e doutrinal do Evan­gelho; o seu pano de fundo judaico e o seu sentido simbólico.

Juan Mateos e Juan Barreto são form ados em Sagrada Escritura pelo Pon­tifício Instituto Bíblico e professores de exegese na Espanha,

GDedEcões pdulínas

Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional (CSmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Mateos, Juan, S J.M377v Vocabulário teológico do Evangelho de São loão /

Juan Mateos, Juan Barreto . . . (et a l.); (tradução Alberto Costa; revisão Honótio tJalbosco). — São Paulo: Paulinas 1989.

ISBN 85-05-00924-X

1. Bíblia. N.T. João — Glossários, vocabulários etc. í. Barreto, Juan, II. Título.

88-0960 CDD-226,503

índices para catálogo sistemático;

1. Evangelho de João: Vocabulário teológico 226.5032. Vocabulário teológico: Evangelho de João 226.503

JUAN MATEOS — JUAN BARRETOem colaboração com

Enrique Hurtado, Angel Urban e Josep RiuS'Camps

VOCABULARIO TEOLOGICODO

EVANGELHO DE SÃO JOÃO

Edições Paulinas

Título originalVoc^ulario teologico del Evangelio de Juan© Edícíones Crístiandad, Madrid, 1980

Tradução Alberto Cesta

RevisãoHonõrlo Dalbosco

EDIÇÕES PAULINASTELEX lin 39464 (PSSP BR) Rua Dr. Pinto Ferraz, 183 04117 SAO PAULO - SP END. TELEGR.: PAULINOS

Com aprovaçio eclesiástica

© EDIÇÕES PAULINAS - SÃO PAULO - 1989

IS B N 85-05-00924-X

INTRODUCE'

Este vocabulário teológico integra, como índice temático, o comentário do evangelho de João publicado recente­mente pela mesma editora. Todavia, no sentido de possi­bilitar o seu uso independente foram completados os ver* betes em que se remetia ao comentário e se acrescentaram outros que parecia menos necessários enquanto constituíam apêndice à obra.

O vocabulário teológico

O vocabidário teológico propÕe-se sintetizar os dados dispersos ao longo de um ou vários escritos do Antigo ou Novo Testamento, em benefício do leitor desejoso de co­nhecer com exatidão o conteúdo dos termos-chave que os caracterizam. Por sua índole teológica vai além da mera jus­taposição de citações, e, por seu caráter sintético, prescin­de da exegese em pormenores dos textos e utiliza os seus resultados. Supõe, pois, trabalho prévio que desentranhe o sentido das diversas passagens e descubra o seu significado, a fim de construir a síntese referente às correspondências ou oposições encontradas. A visão de conjunto assim obtida facilita enormemente a compreensão dos escritos: tal é a utilidade específica dos vocabulários deste gênero.

Na área do evangelho de João, este vocabulário com­pleta os existentes, pois aqueles que abarcam o Novo Tes­tamento inteiro, levando-se em conta a soma de escritos que o compõem, não podem prestar a cada um deles a atenção que merece. Em seu terreno, apresenta a vantagem de estar baseado em minuciosa análise do texto inteiro do evangelho. Por outro lado, quando se entrelaça em uma só síntese a teologia de diversos escritos, não vem à tona com suficiente clareza a concepção própria de cada um.

Depois dos primeiros e necessários ensaios de síntese teológica do NT, chega o momento de ser necessário que o estudo de cada autor ou escrito por separado preceda à síntese global. Este vocabulário, que se restringe a um único evangelho, pretende contribuir para a elaboração de uma teologia neotestamentária.

O vocabulário que se limita a um só escrito, neste caso o evangelho de João, familiariza o leitor com a linguagem da obra, a qual, em grande parte, era herdada do ambiente e cultura em que nasceu e, em determinada proporão, era linguagem “técnica” criada pela comunidade com o fim de expressar sua vivência cristã. O leitor daquela época aproxímava-se do livro j'á de posse de sua linguagem. O de nossos dias, afastado do ambiente original, encontra no voca­bulário a iniciação a um modo de conceber e expressar-se que para ele é alheio, mas que é pressuposto indispensável para compreender o texto que lê.

O vocabulário, por outro lado, mostra a coerência do autor: os termos de que lança mio são portadores de con­teúdo semântico que vai aflorando em passagens subseqüen­tes e adquire matizes segundo os contextos. Indica também a relação ou equivalência de vários termos entre si e, de modo semelhante, a de imagens e símbolos. Assím o leitor evitará a confusão, ao dar-se conta da correspondência ou complementariedade dos termos, que expressam com freqüên­cia a mesma realidade desde diferentes pontos de vista. Verá ao mesmo tempo a unidade do conjunto, penetrando cada vez mais na intenção do autor. Ela parte do fato da morte-exaltação de Jesus, prova máxima do amor de Deus para com a humanidade; formula, porém, esta realidade uti­lizando expressões, alusões e símbolos, cuja variedade e be­leza dão realce à mensagem que transmite, pondo diante dos olhos novas facetas da mesma e evitando a monotonia.

Uma conclusão flui do estudo do vocabulário: a eficácia da teologia simbólica de João. O símbolo, ponte entre o consciente e o inconsciente, atinge esferas do ser que ultra­passam a mera compreensão intelectual; sua ressonância não se esgota, por ser produto de experiência e convite a parti­cipar dela. A medida que ela se torna mais profunda, o

símbolo vai desvelando novos aspectos de sua riqueza. En­quanto o mero conceito tende a se fazer independente do vivido, o símbolo vai acompanhando o indivíduo e o grupo no itinerário de sua experiência cristã.

Convém completar esta introdução com os pontos da introdução que precedem ao comentário, onde se descrevem a índole do evangelho de João e suas Hnhas-mestras,

Estrutura histórica ou teológica?

Adotada a hipótese de que este evangelho constitui obra unitária, é preciso determinar se sua estrutura responde a intenção preferentemente histórico-narrativa ou antes a con­cepção teológica.

A tentativa de considerar o evangelho como narração de caráter puramente histórico tropeça basicamente com di­ficuldades insuperáveis: anaHsando-se o texto como se fosse a obra de cronista, aparecem, por um lado, “saltos” na to­pografia e incoerência na sucessão dos fatos e, por outro, omissão de dados, falta de lógica narrativa ou pormenores inverossímeis.

Entre os saltos topográficos sobressai a ordem dos ca­pítulos 5 e 6. Jesus, que estava em Jerusalém, em plena controvérsia com seus adversários, encontra-se de repente, sem prévia transição, na Galiléia, à margem oriental do lago, acompanhado dos seus discípulos (6,1). Mais tarde, a barca que leva os seus discípulos situa-se subitamente “em terra”, assim como Jesus andava “sobre o mar” (6,12-21),

A falta de lógica na sucessão dos fatos sobressai no convite a sair que Jesus faz na metade do discurso da Ceia (14,31), ao passo que ele próprio continua o discurso, sem que se indique mudança de lugar ou movimento.

A omissão dos dados vê-se, por exemplo, na solene de­claração de João Batista (1,29-34), onde está ausente toda menção de auditório; paralelamente, o grito final de Jesus, quando faz a síntese de sua atividade (12,44-50), ressoa no vazio, sem que se indique lugar nem público.

Outras vezes deixa-se a desejar a lógica narrativa: as­sim, era Caná, a mãe de Jesus, notando a falta de vinho, dirige-se a ele, que é convidado, em vez de £azê-lo ao mes- tre-sala lá presente, encarregado do andamento do banquete (2,1-11), Neste mesmo episódio, Jesus “manifesta sua gló­ria”, expressão solene, unica no evangelho, convertendo água em vinho; não, porém, mais tarde, quando dá vida a um moribundo (4,46h), faz andar um inválido (5,lss) ou dá a vista a um cego de nascimento (9,lss), obras que se diriam de maior importância.

Por outro lado, os números que aparecem em certos episódios tornam-se inverossímeis se se consideram somente do ponto de vista histórico: assim, era uma casa particular há seis talhas de oitenta a cento e vinte litros cada uma, destinadas somente à purificação (2,ó); Nicodemos compra pata embalsamar Jesus cera libras de aromas (19,39), quase quarenta quilos.

Por estes e muitos outros pormenores, o texto, lido em perspectiva puramente histórica, revela-se com freqüência des­cuidado ou incoerente.

Estruturação teológica: suas linhas-mestras

De fato, o plano que estrutura o evangelho de João é teológico. Não se trata de biografia de Jesus (20,30), como também não se trata sequer de resumo de sua vida, e sim de interpretação de sua pessoa e obra, feita por uma comu­nidade através de sua experiência de fé. Daí que o leitor terá que interpretar os fatos que encontra no texto, cuja historicidade não se pré-julga, atendo-se à finalidade do evan­gelho, ou seja, como linguagem teológica.

Ora, uma vez aceito que este evangelho põe em pri­meiro plano a interpretação teológica e a ela se subordinam os dados históricos, seria ilógico continuar considerando co­mo problemas as dificuldades que o texto apresenta desde o ponto de vista histórico. Na leitura de João é ocioso dis­cutir, por exemplo, se é mais exato que os sinóticos quando situa a expulsão dos vendilhões do templo no início da vida

pública de Jesus em vez de no final, O que antes de tudo interessa neste ou outros fatos ê o seu significado dentro da estrtitura teológica do evangelho e descobrir se, enfocados a partir dela, está justificada sua posição no conjunto,

A coerência de Jo não se buscará, portanto, na exatidão histórica, e sim na unidade temática, em relação com o seu plano teológico, Muitos dos “problemas” que criam difi­culdade neste evangelho procedem apenas de posicionamento inicial defeituoso.

As linhas-mestras da teologia de Jo são duas: o tema da criação e o da Páscoa-aliança,

O tema da criação, que se abre no prólogo {l,lss), do­mina a cronologia e dá uma chave de interpretação da obra de Jesus, Em primeiro lugar explica a série cronológica que aparece no início do evangelho (1,19: testemunho de João Batista; 1,29: no dia segumte; 1,33: no dia seguinte; 1,43: no dia seguinte; 2,1: no terceiro dia), cujo objeüvo é fazer coincidir o anúncio e início da obra de Jesus com o sexto dia, o dia da criação do homem, marcando assim o sentido e o resultado de sua obra: terminar esta criado, a qual cul­minará com sua morte na cruz (19,30: Está terminado)^ que ocorrerá também no sexto dia, como o lembra o evan­gelista em outra série de indicações (12,1: seis dias antes da Páscoa; 12,12: no dia segumte; 13,1: antes da Páscoa; 19, 14,31,43: preparação da Páscoa),

Daí decorre que toda a atívidade de Jesus, até suamorte, situa-se sob o signo de “o sexto dia”, indicando odesígnio que a preside: dar remate à obra criadora, com­pletando o homem com o Espírito de Deus (cf. 19,30;20,22), O sexto dia abrange dois períodos; o da atividade de Jesus, “o Dia do Messias” (2,1-11,54; cf. 8,56), e “a Hora final”, que o consuma e coincide com o período da última Páscoa (11,35-19,42; cf, 12,23;13,1;17,1;19,14.27), entrela­çando assim os dois temas principais,

A parte final do evangelho completa o tema da criaçãoem virtude de situar-se em “o primeiro dia” (20,1), queindica o princípio e a novidade da criação terminada; é ao mèsmo tempo “o oitavo dia” (20,26), indicando sua pleni­

tude e seu caráter definitivo. Também a mensão do horto-jar- dim (19,42; cf. 20,15) alude ao do primeiro casal.

Os temas da vida e da luz, centrais no evangelho {l,4ss e passim) bem como o do nascimento (l,13;3,3ss), estão na linha da criação.

O tema da Páscoa-aliança leva em si o do êxodo e, com ele, implica todos os temas subordinados: a presença da glória na Tenda da Reunião ou santuário {cf. 1,14;2,19-21), o cordeiro (1,29; 19,36), a Lei (3,lss), a passagem do mar(6,1), o monte (6,3), o maná (6,31), o caminho ou segui­mento de Jesus (8,12), a passagem da morte para a vida (5,24), a passagem do Jordão (10,40). Está intimamente rela­cionado com o tema do Messias (1,17) que, como outro Moisés, haveria de realizar o êxodo definitivo e, portanto, com o da realeza de Jesus (l,49;6,13;12,13s;18,5.7;18,33-19,22).

“O mundo” inimigo de Jesus e os seus (15,18ss), de onde ele ou o Pai tiram ( 15,19;17,6), é elemento do tema do êxodo (terra da escravidão).

O tema pascal domina o esquema das seis festas que enquadram a atividade de Jesus, Delas, a primeira (2,13ss), a terceira ou central (6,4) e a última (11,55; 12,1) são a própria festa da Páscoa.

Notar-se-á a insistência de Jo no número seis: sexto dia, sexta hora, seis dias antes da Páscoa, seis festas, seis talhas, Este numeto indica o incompleto, o preparatório, o período de atividade que visa a um resultado, O número sete só aparece numa ocasião designando a sétima hora (4,52) que segue à sexta e indica o fruto da obra consumada:' a vida que Jesus outorga.

O tema da criação e o da aliança (Páscoa) entrelaçam-se desde o início da atividade de Jesus (2,1-11), particular­mente, na figura do Esposo, que é ao mesmo tempo o Messias que deverá inaugurar as novas núpcias-aliança (3,28­29) o primeiro homem da criação nova, que se encontra com a esposa (a comunidade) no horto-jardim (20,lss).

A designação de Jesus como o Homem (o Filho do homem) pertence ao tema da criação, por designá-lo como o modelo de homem, o homem acabado. Também o título de “o Filho de Deus” (1,34 etc.), que indica a realização do

projeto divino, A designação “o Filho” abrange os dois e os une.

Das duas curas públicas que Jesus faz, a do paralítico (5,lss), a quem dá força para andar, situa-se na linha do caroinho e do êxodo, ao passo que a do cego (9,lss), a quem manifesta a luz, está na linha da criação do homem. Ambas, porém, estão unidas entre si pela menção de “cegos” em 3,3. São numerosas as ramificações destes temas no evan­gelho.

A união do tema da criação com o do Messias ( a nova Páscoa-aliança ) mostra que Jo sintetizou aspectos da teologia judaica precedente. O Messias, objeto da expectativa, identi­fica-se com a Sabedoria-projeto criador (Pr 8,22ss) e com a Palavra divina criadora (Gn l,lss), que é também mensa­gem e interpelação de Deus (Sabedoria que convida). As­sim, Jesus é o Messias em virtude de ser, por um lado, o projeto de Deus realizado, o Homem (cf. 1,14, realidade do Messias) e, por outro, a Palavra de Deus criadora e eficaz (1,17, a missão do Messias). Assim se explica a correspon­dência entre os episódios da samaritana e do cego. Ao reco­nhecimento de Jesus como profeta, comum a ambos (4,19;9, 17), ocorre, num caso, a sua revelação como Messias (4,25­26), e, no outro, como o Homem (9,35-37), evidenciando a afinidade das duas expressões. Jo demitifica a idéia de Messias (cf. 7,27) e concentra a espera, que vê realizada em Jesus, na figura do Homem acabado. O modelo de homem (tema da criação) é o modelo da humanidade e o seu li­bertador (Messias-Filho de Deus, tema da Páscoa).

A relação entre as duas linhas teológicas pode-se con­ceber assim: O desígnio de Deus consiste em dar remate à criação do homem comunicando-lhe o princípio de vida que supera a morte (o Espírito); em fazer do “homem-carne” o “homem-espírito” (3,6), passagem que exige a opção livre do homem (3,19). A realização deste desígnio opõe-se, po­rém, o fato de que o homem, enganado e submetido pelas forças maléficas (1,5: as trevas; 8,23: o mundo/esta ordem) renunciou à plenitude a que o destina o projeto criador, paí a necessidade de salvador (4,42), o Messias ( 1,17), que o faça sair da escravidão em que se encontra (1,29: o pecado

do mundo; tema do êxodo), dando-lhe a capacidade de opção, e acabe nele a obra criadora (1,17; cf. 1,33: batizar com Espírito Santo). A linha primária é, pois, a realização do desígnio criador.

Ao pressuposto de um plano teológico estruturante do evangelho corresponde uma atitude de desconfiança sistemá­tica de todo a prtori que pudesse vir a influir em sua leitura. Foi feito esforço no sentido de não projetar sobre o texto concepções alheias ao mesmo. Por isso, na interpretação de João evitou-se, deliberadamente, toda comparação com ou­tros escritos do NT, cuja visão teológica, elaborada segundo plano diferente, ou respondendo a situações diferentes, pu­desse ter introduzido elementos estranhos à de João. Essa precaução foi estendida também aos escritos joaninos (cartas de João, Apocalipse) por não constar a identidade de autor nem de época entre eles e o evangelho. Por outro lado, na primeira carta de João, apesar de suas inegáveis afinidades com o evangelho, aparecem também discrepândas; basta ci­tar a diferente concepção de pecado ou a preocupação da carta com os problemas da comunidade, que não encontram lugar neste.

A comparação entre os diferentes escritos do NT seria certamente muito útü, mas representa passo posterior à aná­lise de cada obra em separado. De fato, o estudo paralelo de perícopes isoladas em diferentes escritos corre perigo de de­formar o seu sentido, pois, ainda que a temática seja comum, encontram-se integradas, de acordo com a obra de que são parte, em conjunto ou estrutura teológica diferente que pode imprimir-lhes significado ou matíz particular.

O ponto de arranque

A teologia de João parte da realidade humana de Jesus que se tornou patente na sua morte. Este é o fato central do evangelho; Jesus foi condenado à morte e executado por uma instituição que não o aceitou, por considerá-lo perigoso para os seus interesses políticos, econômicos e religiosos, de­

fendidos pela interpretação da Lei em que se apoiaram para dar-lhe a tnorte-

O evangelista parte dessa realidade de Jesus e utiliza para expressá-la e expÜcá-la a linguagem de sua cultura, fa­miliar para ele e para os seus destinatários, que põe a serviço de sua teologia. Sendo esta linguagem somente instrumento, cita livremente os antigos textos (13,18) e, se for preciso, os muda, omitindo frases ou combinando várias de procedência diversa. Em 12,15, por exemplo, reúne passagens de Sf 3 e Zc 9 com o fito de elaborar um texto composto que aluda ao mesmo tempo à universalidade (Sf 3,9) e à não-violência (Zc 9,9) do rei que vem, interpretado pela multidão, se­gundo Sf 3,15, como o rei de Israel. Embora as citações ex­plícitas do AT não passem de treze no evangelho, são muito numerosas, contudo, as alusões, quer a passagens concretas, quer, sobretudo, a temas teológicos. Também a alusão pode não ser única; no episódio de Natanael, para citar um caso, entram em jogo o texto de Sf 3,12.13 acerca do resto de Israel e de seu rei, e o de Os 9,10 {como primeiro fruto na figueira), para renovar em Natanael a eleição do antigo povo.

Outras vezes João faz releituras de passagens do AT (4,3ss, Oséias; 6,lss, Êxodo: 20,lss, Cântico) ou usa a sim- bologia das festas a fim de ilustrar a pessoa e a obra de Jesus (festa das Tendas: 7,37-39, motivo da água; 8,12, motivo da luz). Visando a sintetizar em tima passagem o significado messiânico de várias delas, introduz, por exem­plo, na terceira Páscoa o motivo dos ramos de palmeira (o lulãb, 12,12), próprio da festa das Tendas (7,lss) e da Dedicação ou Tendas do inverno (12,22).

O emprego do AT em João é, como se vê, extrema­mente livre, A razão é que o evangelista não pretende fazer uma síntese eclética da diversas correntes teológicas do AT, visando a apresentar a figura de Jesus, fabricando um mo­saico composto de grande quantidade de peças. Para João, a novidade de Jesus é radical, e usa, a fim de expressá-la, lin­guagem elaborada durante séculos e disponível no seu tempo. Por isso não leva a nada seguir a linha teológica isolada de um texto que cita ou a que alude, como se fosse filão que tivesse sentido por si mesmo separado da visão total do

evangelista, Esta tendência a basear-se em tenno isolado foi precisamente o que criou tanta dificuldade para a 'interpre­tação do prólogo. Pelo contrário, é preciso buscar a coerência de João no dado primordial, a vida e morte de Jesus, pois somente ela permite aferir o sentido exato de sua linguagem.

Considerando, por exemplo, as alusões ao livro apoca­líptico de Daniel, que aparecem ein 5,28s, é preciso pergun­tar-se o que significam na pena de João. Tendo-se presente que ele, em toda a sua obra, remete-se constantemente à realidade humana de Jesus e, em particular, à sua morte (2,4: a sua hora), como manifestação definitiva da glória- amor de Deus para com a humanidade, vê-se que, para João, toda a espera do AT alcança o seu cumprimento nessa rea­lidade humana e neste fato; as esperanças apocalípticas reali­zam-se em Jesus, mas no Jesus homem crucificado. Assim de- mitifica a escatologia, integrando-a na história. Ou seja, para interpretar este texto de João não se pode partir da teologia de Daniel, e sim da teologia do evangelista, e ver nas alusões ao profeta um modo de expressão de que se.serve, transpon­do-o para a chave histórica, no sentido de expressar como Je­sus é a norma não só do presente, mas também do passado.

Ao se concentrar toda a tensão do AT na morte de Jesus ou, melhor, em Jesus crucificado, a esperança acumu­lada na Escritura adquire dimensão histórica e concretude hu­mana. A cruz de Jesus é o ponto de chegada para onde João faz convergir as diversas Unhas teológicas do AT, Repetindo o que dissemos antes, podemos dizer que ele não recompõe a figura de Jesus a partir do variado espectro teológico vetero- testamentário, mas, pelo contrário: olha o AT a partir da realidade concreta e tangível do crucificado e daí interpreta o antigo ou se serve simplesmente dele como linguagem para expressar sua experiência de Jesus.

SIGLAS DOS LIVROS BÍBLICOS

Os livros bíblicos são citados abreviadamente segundo A Bíblia de Jerusalém, de Edições Paulinas.

O lnesis............................................................Gn Joe l...................................................................... JlÊJíodo........................................................... Ex Amós............................................................AmLevitico.........................................................Lv Abdias...........................................................AbNúmeros.....................................................Nm Jonaí.............................................................. JnDeuteronômio..............................................Dt Miquéias.......................................................Mq

Naum...................................................... ....NaJosué.............................................................. Js Habacuc..................................................... HabJuizes.............................................................Sz Sofonias.........................................................SfRute...............................................................Rt Ageu.............................................................. AgSamuel............................................. ISm, 2Sm Zacarias.........................................................ZcReis....................................................JRs, 2Rs Malaquias..................................................... MJCrônicas............................................ iCr, 2CrEsdras......................................................... EsdNeemias........................................................Ne Mateus...........................................................MtTobias.......................................................... Tb Marcos.......................................................... McJudite............................................................. Jt Lucas.............................................................. LcEster............................................................. Est Joâo ................................................................JoMacabeus.........................................IMc, 2Mc Atos dos Apóstolos.............. ...................... At

Romanos..................................................... RtnJ ó .................................................................Jó Coríntios...................................... ICor, 2CorSalmos............................................................Si Gálalas............................................................GlProvérbios....................................................Pr Efésios........................................... ............... EfEclesiastes (Coéiet)....................................Ecl Rlipenses....................................................... HCântico......................................................... Ct Colossenses....................................................ClSabedoria..................................................... Sb Tessaionicenses...................................ITs, 2TsEclesiástico (Sirácida)............................Eclo Timóteo............................................ !Tm, 2Tm

Tito................................................................TtIsaías...............................................................[s Filemon......................................................... FmJeremias......................................... ............... Jr Hebreus.........................................................HbLamentações..............................................Lm EpistoladeTiago.........................................TgBaruc............................................................. Br Epístolas de Pedro...........................IPd, 2PdEzequiel...................................................... Ez Epístolas de João....................IJo, 2Jo. 3JoDaniel...........................................................Dn Epístola de Judas........................ ................JdOséias............................................................Os Apocalipse....................... ............................ Ap

OUTRAS ABREVIATURAS

acus (ativo) ingress (ivo)adj(etivo) lit(eralmente)adv(érbio) loc(ução)aor (isto) oraç(ão)aram (eu) paral{ elo)art(igo) part(icípio)cf. — compare-se partíc(ula)dat(ivo) pess(oal)dur{ ativo) pf. = perfeitoex(emplo) pl. — pluralexplicat(ivo) mais que pf.fut( uro) pres(ente)genit(ivo) pron(ome)gr. = grego punt(ual)hebr(eu) rekt(ivo)ib. — no mesmo lugar sent (ido)impf, = imperfeito sg. == singularÍmper( ativo) subj(untivo)incoat(ivo) sucess(ivo)Índicat(ivo) trad(uçlo)infin(iüvo) V. veja-se

Um número entre colchetes indica as vezes que o ter­mo grego precedente aparece em Jo, As palavras que le­vam o sinal remetetn a outros verbetes do índice.

A braão

Gr. Abraam [10], lakôb [3], íôsêph [1], boi pateres, os pais/patriarcas/antepassados [5].

I. Abraão. Este nome só aparece na controvérsia deJesus com os dirigentes no templo (3,33-58). Ser descenden­te de Abraão não assegura a condição de homem livre (-^ Liberdade I) , pois Abraão teve um filho escravo (8, 33-34), nem, portanto, o direito à promessa. Ser ÍÜho de Abraão significa proceder como ele (8,37-40), Jesus, negan­do que o modo de agir dos dirigentes seja o de Abraão, acusa-os de idolatria, pois se di2ia que quem não realizava as obras de Abraão realizava as do seu pai, que era idólatra (8,40). _ _ _

Os dirigentes afirmam repetidamente (8,52.53) que Abraão morreu; com essa frase Jo indica que a absolutização da Lei (— Lei Ilb ) levou-os a se esquecerem da promessa, anterior à Lei, que imprimia o dinamismo a todo o AT. Jesus alude precisamente à promessa do descendente (— o Messias), que causou a alegria de Abraão (8,56). Os diri­gentes pretendem ridicularizar a afirmação de Jesus, obje­tando-lhe sua idade (Abraão é uma figura do passado). Jesus lhes declara de novo ser o descendente de Abraão e afirma que, enquanto JMessias, é anterior a Abraão no de­sígnio divino (8,58).

II. Isaac nunca é nomeado neste evangelho, embora exis­tam várias alusões à sua figura. Em primeiro lugar, a contida em 3,16: o dom do Füho único da parte de Deus alude ao que fez Abraão do seu filho. Em segundo lugar, Jesus, que carrega a cruz, faz referência à figura de Isaac, que, segundo os comentadores judeus, carregara voluntariamen­te a lenha para ir ao sacrifício (19,17).

III. Jacó aparece somente numa narração (4,5,6.12) co­mo doador do poço aos samaritanos. Sua qualidade de pai do povo (4,12) eclipsa-se pela nova paternidade de Deus(4,21.23), que dá origem a um povo universal (-> Pai II) .

Existe, porém, alusão a Jacó na promessa de Jesus aos seus primeiros discípulos (1,51). Apóia-se no episódio

de Betei, quando Jacó viu em sonho a rampa que unia o céu com a terra (Gn 28,12s). A interpretação do judaísmo vira em Jacó o homem sobre quem repousava a glória de Deus: Jesus declara que ele próprio é o Homem em quem reside a plenitude da glória (cí. 1,14) e anuncia aos discí­pulos essa visão, que se verificará na cruz, onde brilhará o seu amor (a glória) até ao estremo (cf. 19,37: Verão aquele que transpassaram).

IV. José, o filho de Jacó, é mencionado uma só vez como aquele que recebeu do seu paí Jacó um terreno perto de Sicar, na Samaria (4,3).

V. Os pais designam em uma ocasião os patriarcas, em particular Abraão, que recebeu de Deus o preceito da circun­cisão (Gn 17,12), que Moisés apenas repetiu na Lei (Lv 12,3 ) e que tinha precedência sobre os preceitos desta, Jésus menciona este fato visando a mostrar que há instâncias que expressam a vontade de Deus acima da Lei (7,22),

Nos demais casos, “os pais” são os antepassados e re­presentam o peso da tradição, que pode ser obstáculo para reconhecer a Jesus. Assim, para a samaritana, são os antepas­sados que erigiram o templo de Garizim e aí prestaram culto(4,20), Nos lábios do povo de Caíarnaum, são os que comeram o maná no deserto, ou seja, os que presenciaram o prodígio feito por Moisés (6,31); Jesus lhes lembra duas vezes que aquele prodígio foi inútil, pois não os livrou de morrer no deserto (6,49.58).

Á G U A

Gr, hydôr [21], cf, hydria, vasilha para água, talha, cântaro [ 3 ],

I. A água da ruptura. A água caracteriza o batismo de João (1,26,31.33), por oposição ao batismo do Messias, que batiza com Espírito Santo (1,33). Segundo os dados do tem­po, o batismo com água, ou seja, a imersão, simbolizava uma mudança de situação, em particular a liberdade para o es­cravo ou a mudança de rdigião para o prosélito. Em todo

caso, expressava a ruptura com um passado, que era sim­bolicamente sepultado na água.

No ambiente de descontentamento com a instituição ju­daica próprio da época, o batismo de João, que se coloca para além do Jordão (1,28), fora do território propriamente judaico (a passagem do Jordão significou a entrada na terra prometida, cf. Js 3; —)■ Betânia II) , é sinal de ruptura com aquela iastituição, e, ao mesmo tempo, de esperança no Mes­sias que haveria de se tnanifestar a Israel (1,31) (-» João Batista II) .

Os discípulos de João que não seguiam a sua mensa­gem anunciadora do Messias, por não considerarem o batis­mo como uma preparação que levaria a Jesus (3,26), o des­virtuam, assemelhando-o a uma purificação ritual (3,23).

II. A âgua-vinho da purificação. O tema da água apa­rece pela segunda vez nas núpcias de Caná (2,1-11), As talhas de pedra, figura da Lei (tábuas de pedra), destinadas a conter água para a purificação, estão vazias (cf. 2,7: Enchei as talhas de âgua): a antiga Lei não pode purificar, Uma vez que João caracterizava sua missão como a da água e a de Jesus como a do Espírito (veja-se antes I), é signifi­cativo que no começo de sua atividade Jesus transforme a água em vinho. Caracteriza assim sua obra como a passagem da aliança antiga para a nova.

Fazendo encher as talhas de água, Jesus significa sua vontade de purificar (restabelecer a relação com Deus), o que a antiga instituição não conseguira fazer; ao converter em vinho somente a amostra de água que oferece o mestre- -sala (2,9), explica que sua purificação é independente da Lei da antiga aliança (a água foÍ tirada das talhas). Sua purificação não se fará a partir de fora (água que lava), e sim a partir do interior do homem (vínho que se bebe, iO Espírito). A purificação, associada sempre à idéia de aflição ritual (liturgia penitencial), passa para o campo da alegria e da festa, dada pelo vinho do Espírito nas novas núpcias- -aliança,

III, A âgua-Esptrito. Além da oposição entre as duas alianças que se estabelece em Caná, Jo, assumindo a lingua­

gem dos profetas (cf. Is 32,13-18; Jo 3,12; Zc 12,10), faz da água o grande símbolo do Espírito.

A primeira vez que se associam água e Espírito é em1,33: o que batizará com Espírito Santo; o verbo ‘‘batizar” não tem neste caso o significado de “submergir”, mas de “embeber'’, como a chuva (cf. Is 44,3: alento = Espírito), de acordo com o duplo sentido do verbo grego. Compara-se o Espírito com água que penetra no interior do homem e lhe dá vida e fecundidade.

A infusão da vida pela água-EspírÍto compara-se com novo nascimento que permite entrar no reino de Deus (3,5); é princípio de vida definitiva, em oposição à “carne”, que produz somente vida transitória (3,6) {-^ Came 1; Espírito Vb; Vida IIc).

Essa água-Espírito substitui a Lei, como aparece na ce­na de Caná (água-vinho = Espírito) e, mais tarde, no epi­sódio da samaritana, onde o manancial de Jesus (4,6.14) substitui o poço de Jacó, também íigura da Lei (4,12); é, pois, o guia interior da conduta do homem. A água-Espírito é designada agora como a água viva que, em oposição à Lei, mata a sede do homem. É de mais a mais fato personalízante, por transformar-se em manancial interior que fecunda o seu ser (4,14): rega "a terra” de cada um, desenvolvendo nele suas próprias capacidades. Assím como em 3,3 se identifica com a que jorra do lado de Jesus (3,3.7: de novojdo alto; cf. 19,34) (-5C Céu II) , aqui se concebe como água que se bebe e se torna princípio interno de vida {4,14), A condição para receber esta água é acolher Jesus em sua humanidade (4,7: Dá-me de beber). A água que expressa amor e acolhi­mento Jesus responde com a água do EspírÍto-amor. O con­trário ocorrerá na cru2, quando, ao pedido de água (19,28: Tenho sede) responderão com o vinagre do ódio (19,29). Exemplíficam-se assim as reações, positiva e negativa, enun­ciadas no prólogo (1,12: quantos o acolheram; 1,11: os seus não o acolheram).

A água-Espírito aparece também em 7,37-39, onde se identifica explicitamente com o Espírito que, neste caso, brota de Jesus novo templo, segundo o simbolismo próprio da festa das Tendas (7,37) (-» Festa V I). Nos rios de

água que jorram de suas entranhas (7,38) há alusão à rocha do deserto que coincide com a água do novo templo, segundo a síntese efetuada no judaísmo de todas as fontes de água que apareciam no AT; poços dos patriarcas, rocha do deser­to, novo templo etc. Este simbolismo complexo transfere-se para a água que brota do lado de Jesus na cruz (19,34), momento da manifestação de sua glória (cf. 7,39).

IV, A âgua do serviço. Na Ceia, Jesus lava os pés de seus discípulos com água que ele próprio derrama na bacia(13,3). Pedro interpreta o lava-pés como purificação ritual(13,9), mas Jesus corrige essa idéia (13,10). Os iscípulos estão puros/limpos por terem aceito sua mensagem (15,3;13,10), A ação de Jesus é serviço que expressa o seu amor até ao extremo (13,1,4) e que deixa como exemplo para os seus (13,15), O lava-pés encena o mandamento de Jesus (13,34s), que é a mensagem que purifica (13,3) (-> Man­damento III) .

A única fonte de purificação é o amor de Jesus, expres­so até ao extremo na cruz, o seu máximo serviço ao ho­mem, o qual, ao aceitar este amor, que é mensagem (15,3) e mandamento (13,34s), ou seja, ao querer conformar sua vida à de Jesus no serviço ao homem (13,34: Como eu voí amei), recebe o Espírito-amor que o purifica. Respon­dendo com o seu amor-serviço ao impulso do Espírito, purifi­ca-se incessantemente, pois as exigências de Jesus comunicam o Espírito sem medida (3,34) (-^ Mandamento V),

A água significava em Caná que o Espírito-amor purifica o homem; no lava-pés, que o amor serviço o purifica, o amor-serviço que é resposta ao Espírito e fonte de Espírito (cf. 3,34), que expressa a adesão da comunidade à mensa­gem de Jesus expressa em sua morte.

V. A água da vã esperança. Além da água da Lei, in­capaz de matar a sede do homem (4,14), encontra-se no evangelho outra água de sentido negativo: a da piscina das Ovelhas, que representa a vã esperança de cura (5,7); a agitação da água figura as turbulências populares contra a insrituição dominante, condenadas ao malogro. O nome de SÜòé (o Enviado), aplicado à segunda piscina (9,7), onde

O cego obtém a vísta, alude a Is 8,6: as águas-, de Siloé que correm mansamente, e se opõe assím à de 5,7. Sendo a piscina do Enviado (Jesus), esta água identífíca-se com o Espírito.

A leg r ia

-!► Bodas III; Fruto V, Nascimento III.

A l ia n ça

—> Bodas I; Espírito IV; Lei Ila; Messias III; Moisés II; Mulher II, III , IV.

A m ig o

Amor I, IV, VI, IX; Irmão I; Liberdade V III.

A m o r

Gr. cbaris, amor gratuito e generoso, favor, graça, dom (4); aga-pê, amor (7); agapaô, amar (36); phÜos, amigo(6); phileô, querer como amigo (13).

I. Termos. O amor é designado em Jo com dois subs­tantivos: cbaris, o amor gratuito e generoso que se traduz em dom ( l,14.16bis.l7), e agapê, que neste evangelho sig­nifica o amor enquanto é entrega de si (5,42;13,35;15,9, 10bis.l3;17,26), praticamente sinônimo de cbaris. O verbo correspondente, agapaô, usa-se com freqüência com valor manifestativo: mostrar, demonstrar, manifestar o amor (3, 16; 17,17; 14,21.23; 15,9), Na realidade, dado que agapê, agapaô têm em grego vasto campo de significado, o uso de cbaris no prólogo serve para determinar o significado de agapê, agapaô no corpo do evangelho.

Jo usa também o termo pbilos, amigo, a fim de denotar o vínculo de amizade que estabelece relação de iguais (opos-

to a “servo”; cf. 15,15), O verbo phãeô tem a mesma conotação.

II. Equivalências. A cbaris, o amor gratuito, qualificado de “leal” (1,14: hendíadís cbaris kãi alêtheia), equivale à “glória”, a qual, por seu traço de luniinosidade, significa o esplendor do amor leal, ou seja, sua visib’Jidade e sua evi­dência ao ser manifestado (1,14.17) (—>■ Glória II) .

A glória-amor leal que o Pai comunica ao Filho identi­fica-se, por outro lado, com o pneuma, o Espírito ( l,14.32s); ele é cbaris, o dom do amor que os discípulos recebem da plenitude de Jesus (1,16: de sua plenitude todos nós temos recebido: amor que responde ao seu amor; cf. 20,22: Kece- hei Espírito Santo). O Espírito significa o amor enquanto é dinamismo e força interior (4,24: Deus ê Espirito), prin­cípio de vida que tende a comunicar-se e se torna visível na atividade.

A identificação de “a glória” ( = amor leal/Espírito) com a agapê aparece no paralelo entre 17,22: a glória que me deite eu a dei a eles, e 17,23: lhes demonstraste o teu, amor como mo demonstraste a mim (cf. 15,9) e pela com­paração entre 17,26: para que este amor com que tu me tens amado esteja neles e 14,17: [o Espirito da verdade] estará em vós.

O termo alêtheia, no seu sentido de “lealdade”, quali­ficação de charis (1,14.17: cbaris kai alêtbeia), usa-se tam­bém somente para indicar o amor leal (3,21: o que pratica a lealdade = o amor leal) (-> Verdade I, II I) .

Logos, mensagem, significa a prática do amor enquanto mensagem que é preciso escutar e a que é preciso ater-se (5,24;8,31;14,24), Entolê, mandamento, denota a mesma realidade do amor enquanto é norma de vida (13,34) (—?■ Palavra I; Mandamento II I) .

Vida, zôê, está em relação com o amor enquanto ele (o Espírito) é princípio vital; daí que a comunicação do Espírito séja comunicação de vida (cf. 6,63} (—> Vida IIc).

A verdade, alêtheia, desde o ponto de vista subjetivo, é então a experiência de vida que produz a prática do amor (8,31s) (-^ Verdade Ilb ).

III, Símbolos do amor. Os símbolos do amor que Je­sus comunica aos homens são os do Espírito (—> EspíritoI, IV). Na cruz, o sangue e a água que saem do lado de Jesus (19,34) simbolizam o seu amor pelo homem, que chega ao ponto de dar sua vida (sangue: amor demonstrado, a plenitude de amor e lealdade; cf. 1,14) e o amor que comunica aos homens (água; amor comunicado, o amor e a lealdade = o Espírito; cf. 1,17;7,39).

A permanência do amor de Jesus manifestado na cruz indica-se com o símbolo do lado aberto depois da ressurrei­ção, que torna patente sua morte passada e continua sendo a fonte do Espírito (20,20.25,27).

Símbolo do amor como serviço é o pano que Jesus se ata a fim de lavar os pés dos discípulos (13,4) e que man­terá posto (13,5), sem tírá-lo ao retornar ao seu lugar à mesa (13,12).

IV. O amor de Deus: o Pai. a) Característica de Deus como Pai é a plenitude de amor e lealdade (1,14), que eqüivale a ser Espírito (4,24), força e dinamismo de amor. Daí que a presença da glória (o amor leal) seja sua própria presença (1,14;12,45;14,9) (-> Pai II) .

O amor de Deus é universal, atínge a humanidade in­teira (3,16: o mundo) e o demonstra chegando ao ponto de dar o seu FÜho único (ibd.). O propósito do seu amor é que o homem não conheça morte, mas que tenha vida definitiva (3.16: e nenhum pereça; 3,18: não seja julga­do — não seja condenado a morrer; cf. 6,39) (—> Juízo I) . Uma vez que o amor é o único princípio de vida definitiva, para recebê-la é preciso dar adesão a Jesus, o Homem le­vantado ao alto (3,14a), modelo de amor até ao extremo(13,1.34), tomando sua vida e morte como norma de sua própria vida (6,53s: comer a sua carne e beber o seu san­gue). _

b ) O Pai ama o FÜho e amou-o desde antes de existir o mundo (17,24), ou seja, o Pai previa a realização do seu projeto em Jesus e o seu amor o impulsionava a realizá-lo (1,1; a Pdavra/Projeto âirigia-se a Deus). Demonstra o seu amor a Jesus comunicando-lhe a plenitude de sua glória.

O amor leal (1,14), o Espírito, que é a definição do próprio Deus (l,32;4j24). Fá-lo assim ígual a si, partidpatite de toda a sua riqueza (1,14: a glória-amor); tudo põe em suas mãos, constituindo-o herdeiro universal (3,35); por isso, tudo o que é do Paí é do Filho e o que é do Filho é do Pai (17,10); por amor, ensina-lhe tudo o que faz (5,19s), de modo que a atividade do Filho é a do Pai (5, 17.21.26) e o Pai está sempre com Jesus (8,29; 16,32),

A resposta de Jesus ao amor do Pai, sua disposição a entregar a vida, faz com que o Paí lhe demonstre continua­mente o seu amor (10,17; cf, 13,9), em outros termos, lhe comunique continuamente o seu Espírito.

A comunicado plena do Espírito (l,32s; cf. 15,9; 17, 26) fez de Jesus o Homem-FÜho de Deus (1,34) ( Es­pírito II I) . O amor do Pai para cora Jesus é amor de ami­zade (5,20: O Pai quer bem [philei] ao Filho), baseada na igualdade e identificação que cria a plena comunicação da glória-Espírito (10,30: Eu e o Pai somos um; 10,38: Eu estou identificado com o Pai e o Pai comigo; cf, 14,10,11b, 2 2 ),

c) O Pai quer bem também aos discípulos com amor de amizade porque eles querem, por sua vez, bem a Jesus e lhe dão sua adesão (16,27: phileô). Mediante Jesus e em Jesus ele os ama como amou a Jesus, e o demonstrou co­municando-lhes o Espírito por seu intermédio (17,32.26; 19,30), A quem responde ao amor cumpriado a mensa­gem de Jesus, o Pai demonstra o seu amor vindo com Jesus e ficando para viver com o discípulo (14,23), tornando-se companheiro de vida.

As características do amor do Pai, que é modelo para todo outro amor, é, portanto, a comunicação plena e inteira de sua riqueza (glória/amor/Espírito/vida), que faz de Je­sus o Deus gerado, igual ao Pai, capaz de amar como ele e vivendo na intimidade e comunhão perfeita com ele (1, 18: face a face com o Pai; 17,11). Tal é o objetivo do seu amor também para com os homens, por intermédio de Jesus (17,22), Sua oferta é universal, sem nenhuma ex­ceção; cabe ao homem torná-la eficaz com sua aceitação.

V. Amor de identificação e amor de entrega, a) O amor do Pai para com Jesus e para com todo homem evidencia-se na entrega de si mesmo pela qual comunica sua própria glóría (1,14), o Espírito-amor, princípio de vida. Sendo o amor força de integração e unidade, quem aceita e recebe o Es­pírito permanece unido ao Pai pela comunhão que cria participação do mesmo amor.

b) Jesus, que recebe a plenitude do Espírito {l,32s), é “um” com o Pai (10,30), está identificado com ele (10, 38;14,9s); a resposta ao amor do Pai é a entrega de si mesmo aos homens (14,31), pela qual comunica o amor do Pai e seu (19,30: o Espírito) e lhe dá eficácia (6,39.40).

c) O discípulo recebe de Jesus o Espírito-amor que Jesus recebe do Pai ( 1,33;15,26;20,22; cf. 17,22: a glória), ficando dessa forma integrado na “unidade”, identificado com Jesus e, através dele, com o Pai, a nível comunitário(14,20) e pessoal (14,23). Integrado na unidade do amor, responde ao amor recebido (1,16) com a entrega pelo ho­mem igual à de Jesus (13,34: Como eu vos amei). AmpHa-se assím progressivamente o âmbito de “o uno” (17,llb.21.22.23) de onde irradia o amor à humanidade; nele está ativo o amor do Pai, que é o de Jesus e o dos seus.

Esta unidade no amor (“o uno”) constitui o reino de Deus (-» Deus II, —> Unidade I).

VI. O amor de Jesus, a) Jesus ama o Pai e o mani­festa com sua entrega, cumprindo o seu mandamento/ordem(10,18) (-» Mandamento II) , que o leva a dar sua vida pelo homem (14,31); ou seja, expressa o seu amor ao Pai amando o homem até ao extremo, como ele e em união com ele (13,1). Etemonstra assim sua identidade de desígnio com o Pai Ê a sua entrega ao homem que oidentifica com o Pai e o mantém no âmbito do seu amor(15,10); o amor aos seus é a resposta de Jesus ao amor que o Pai demonstrou a ele (15,9).

b) Jesus se entrega pela humanidade inteira (10,11: as ovelhas, sem limitação) e a todos oferece sua mensagem de vida (5,25; 10,3a). Manifesta o amor do Pai aos homens mediante os seus sinais (-^ Sinal II I) , que culminam em

sua morte, manifestação suprema do seu amor ( 15,15)? pel qual Jesus põe à disposição do homem toda a sua riqueza {o Espírito), a mesma que o Pai tínha comunicado a ele ( 19,30;l,32s; cf, 1,14.16.17). Comunica-o quando o seu amor atinge o ato supremo, superando o ódio mortal dos seus inimigos. Amando até ao extremo, pelo total dom de si, é igual ao Pai Criação IVb). Essa é a meta que propõe aos seus discípulos (13,34: Como eu vos amei).

O seu amor pode ser eficaz para com aqueles que es­cutam a sua mensagem (5,25; 10,3b) e lhe dão sua adesão (3,16;6,39: o que o Pai me entregou; 6,40: toâo o que reconhece o Pilho e lhe presta adesão ; 10,3b: suas ovelhas; 10,14.26; 12,46; 18,37: Todo o que pertence à verdade).

c) Jesus ama aos discípulos ( 11,5;13,1;13,34;14,21;15, 9.12). Um discípulo não nomeado, seu amigo íntimo e con­fidente, é o protótipo deste vínculo de amor ( 13,23; 19,26; 20,2;21,7.20) (-» Discípulo Illd ), O amor de Jesus para com os seus é amor de amizade, que, como o amor do Pai para com o Fílho (5,20), exclui a submissão e a distância próprias do servo (15,13-15); a amizade baseia-se no cum­primento do que Jesus manda, ou seja, na prática do amor mútuo, que pÕe em sintonia com ele (15,14; cf. 13,12.17). Tão importante é que o vínculo com Jesus seja o da ami­zade e não o de subordinação, que é o objeto da pergunta decisiva de Jesus a Pedro (21,17).

d) Jesus explica aos seus a qualidade do seu amor no lava-pés (13,4-17), onde, sendo “o Senhor", faz-se o ser­vidor, dando também a eles a categoria de “senhores” ( = homens livres; cf. 8,36); dá-lhes assim exemplo que servirá para o seu modo de agir no futuro (13,14.16.20). O amor é, portanto, a entrega de si a fim de dar ao homem digni­dade e fazê-lo livre, criando a igualdade. Este amor esten­de-se aos inimigos, inclusive às custas da própria vida, co­mo o demonstra Jesus com Judas (13,21ss); essa aceitação inclusive da morte para não desmentir a lealdade do amor, manifesta a glória do Homem e a de Deus (13,31s),

V II. O mandamento do amor. O mandamento novo, que substitui todos os da antiga Lei e é carta de fundação

da comunidade messiânica, é o mandamento de amor mútuo como o que Jesus teve por eles {13,34;15,12.17), explicado no lava-pés e na aceitação da morte. Este amor que cria comunidade de homens livres e iguais é o distintivo da co­munidade cristã (13.35) e a herança que Jesus deixa aos seus (19,23s) (—>■ Mandamento II I) .

V III. O amor dos discípulos a ]esus. A identificação com Jesus, que se expressa em termos de amor (14,15), ou, em outros termos, a assimilação de Jesus, de sua vida e morte (6,54: comer a sua carne e beber o seu sangue), é condição para que o discípulo possa cumprir a mensagem do amor (14,15). Somente esta identificação, que é o cume da adesão (fé), é que permite ao discípulo amar como Jesus amou (13,34; v. antes V ).

Por outro lado, a assimilação e prática dos seus man­damentos ou de sua mensagem (o amor para com os ou­tros) é a prova de que existe a ÍdentÍfÍcação/amor com Jesus (14,21.23), Tanto o amor para com Jesus como o amor para com os outros atraem o amor do Pai (14,21.23), mostrando assim sua identidade: ama-se aos outros porque se está identificado com Jesus.

Àquele que pratica o amor para com os outros Jesus mostra o seu amor manifestando-se-lhe pessoalmente, ou seja, fazendo com que experimente sua presença (13,21). A en­trega de si ao bem do homem é que permite ao discípulo permanecer na esfera do amor de Jesus (15,9; cf. 15,4: permanecer unidos à videira), partícipando do seu mesmo princípio vital, o Espírito; este se comunica sem cessar de Jesus aos seus e os associa à sua sorte (12,26).

IX. O amor na comunidade. Na comunidade resplan­dece o amor, “a glória”, que Jesus recebe do Pai e comu­nica aos seus (17,22; cf. 17,10) (-^ Glória V). A glória, visibilidade do amor, é a presença do Pai neles; em virtude do amor, a comunidade torna-se então o santuário de Deus entre os homens. Esse amor-glória faz com que a comuni­dade seja una e atinja a unidade com Jesus e o Pai (v. antes V). O amor, pela comunidade do Espírito, é o fator de unidade entre os discípulos (17,22). Essa unidade pelo

amor é o objetivo último da oração de Jesus pelos seus e fará com que o mundo creia na missão divina de Jesus e no amor do Paí (17,22,23) (—> Unidade IV ). O amor entre os membros da comunidade é a amizade ou fraterni­dade, como o de Jesus com eles (15,15; cf. 11,11: nosso amigo; 20,17: meus irmãos; c£, 21,23) (—>■ Irmão I).

A missão da comunidade realiza-se em ambiente de amizade com Jesus, e faz com que a alegria do fruto seja partilhada (15,11; cf. 4,36) (-> Fruto V). Que os dis­cípulos não trabalham como subordinados ou assalariados Jesus o demonstra no episódio da pesca, onde ele colabora para achar o fruto (21,6) e prepara e serve a refeição aos seus (21,9.12s).

Assim como o amor do Pai e o de Jesus, também o amor dos discípulos se manifesta na partilha do que possuem e na entrega de sí mesmos no dom. Assim se manifesta no episódio dos pães (6,lss), onde Jesus, em paralelo com o lava-pés (13,4ss), faz-se servidor da multidão, comparti­lhando com ela todo o alimento de que a comunidade dis­punha (6,11) {—> André).

A mesma coisa se expressa na cena de Betânia (12, 1-8): a demonstração de amor e homenagem a Jesus como doador de vida haverá de se transformar, após sua morte, na demonstração de amor aos pobres, que estarão entre os discípulos e ser aceitos como irmãos (12,8: os pobres os tendes sempre entre vós, ao passo que ã mim não me ha­vereis de ter sempre). A condição para esse amor aos pobres será a homenagem a Jesus no dia do seu sepultamento, a saber, a fé em sua vitória sobre a morte e a gratidão ao doador da vida definitiva (12,7).

X. O amor, condição para conhecer a verdade (— Ver­dade lIc).

X I. O i que não amam. Fora do âmbito do amor estão os que, tendo apego a si mesmos, não querem expor-se no meio do mundo hostU, ou seja, os que se acomodam ao sistema injusto (12,25). Esta atitude identifica-se com bus­car a própria glória (5,44; cf. 7,18), preferindo a glória humana à que vem de Deus ( 12,43;5,44). São os que não

se atêm à mensagem de Jesus (14,24; cf. 8,31). Não se pode ter relação filial com Deus sem amar a Jesus que é o Filho (8,42); os que o rejeitam escolhem como pai o Ini­migo, o principio de morte e mentira (8,44).

O mundo injusto quer bem aos seus e lhes dá segu­rança, mas odeia e persegue os que manifestam a glória de Deus com o seu amor para com o homem (15,19). Püatos tínha que optar precisamente entre ser amigo de Jesus ou amigo do César (19,12). Optar pelas trevas e contra a luz é a mesma coisa que optar contra o amor e pela glóría hu­mana (3,19; cf. 12,43). Isso faz com que os dirigentes judeus não conheçam ao Pai, porque não está neles o amor de Deus (5,42).

A n d ré

Gr. Andreas (cf. anêrfandros, varão adulto; andreios, varonil).

Sobre o encontro de André com Jesus e os seus efeitos (-^ Discípulo Illa ). O nome deste discípulo, André (va­ronil), indica semelhança com Jesus, o “varão” anunciado por João Batista (1,30); alude, portanto, à condição que o Espírito produz, acabando e levando a termo a criação do homem (cf. 6,8: Andreas; 6,10: andres, homens adultos) (-> Criação III, V; Nascimento I; Espírito V).

Jo precisa que André, como Filipe e Pedro, era de Betsaida ( = o porto pesqueiro) (1,44). São os três dis­cípulos que aparecerão no evangelho em relato com a mis­são, simbolizada pela pesca: André e Fihpe, em relação com os gregos que se aproximam de Jesus, o fruto em promessa da missão futura (12,22); Pedro, após a ressurreição (21,3ss). _ _

No episódio dos pães, aparece André em contraposição a Fihpe, com nova menção de parentesco com Simão Pedro (6,8). Ao passo que Filipe, que não rompera com o passa­do (—> Discípulo IIIc ), continua pensando em categorias de dinheiro (-^ FiKpe), André, o que ficou com Jesus (1,39), propõe a solução do amor mútuo: compattUhar o

pão que a comunidade possui; representando essa sob a fi­gura do “menino” (6,8), demonstra participar da atitude de Jesus, que se faz servidor da multidão (6,11), A comu­nidade é, dessa forma, figurada como “varão adulto” (An­dré) que se pÕe a serviço dos homens sem ostentação nem superioridade alguma (“menino”), André, porém, não ten­do ainda total experiência da fecundidade do amor, cuja plenitude se manifestará somente na cruz, duvida da sua eficácia (6,9).

No episódio dos gregos, a consulta de Filipe e André a Jesus indica a dificuldade que experimentou a comunidade de origem judaica em admitir os gentios em pé de igualda­de; ao mesmo tempo justifica essa decisão, que não foi tomada sem consultar ao Senhor (12,22).

Bat ism o

^ Água I, III; Espírito II, IV; Glória IV; João Ba­tista II, IV; Nascimento II; Nicodemos I; Pecado II.

Bet â n ia

Gr. Bêthania [4].

L A localização ‘'Betânia". O nome de “Betânia" desig­na no evangelho; a) o lugar onde João batizava (1,28); b) a aldeia de Lázaro, Marta e Maria (11,1.18), e c) em relação com esta última, o lugar onde se celebra a ceia em honra de Jesus, doador de vida (12,1).

Alude-se a Betânia onde João batizava em 10,40: Je­sus vai para aquele lugar depois que os dirigentes no tem­plo o rejeitam como Messias consagrado por Deus ( 10,23­39).

II. Significado de Betânia. Em três passagens se apre­senta Betânia como o lugar onde existe a comunidade de Jesus:

a) Em 10,40-42, quando Jesus realiza a segunda etapa simbólica do seu êxodo (10,40: Foi-se desta vez para o outro lado do Jordão, com alusão a Josué; em contrapo­sição à primeira vez, 6,1; foi-se Jesus para o outro lado do mar, com alusão a Moisés), faz-se Jesus centro de atração fora dos limites de Israel (10,41: Acorreram a ele muitos) e aí muitos lhe deram adesão (10,42).

A luz desta passagem, a localização inicial de João Ba­tista do outro lado do Jordão (1,28: Betânia, historica­mente muito duvidosa) aparece como o anúncio de nova terta prometida (alusão a Josué), situada fora do território propriamente judaico; prefigura assim o termo simbólico do êxodo do Messias, que tirará o povo da instituição judaica existente (ruptura significada pelo batismo com água; — Agua I ), por ter essa transformado a antigà terra prometida em terra de opressão. '

b) A Betânia próxima de Jerusalém (11,18), histori­camente bem atestada (cf. Mt 21,7;26,6: Mc 11,1.11.12;

Lc 19,29;24,50), não perde, por ísso, o seu significado sim­bólico. Também é o lugar de uma comunidade de discípulos (11,1-2: irmãos). Contudo, a proximidade de Jerusalém e a afluência de “Judeus” por ocasião da morte de Lázaro(11,19) (—?■ Judeus) evidenciam que se trata de comuni­dade que não verificou a ruptura com as antigas instituições (cf. o paralelo entre 11,1 e 1,44) (-» Filipe, Discípulo IV).

c) Na terceira passagem (12,1) não se determina a lo­calização de Betânia; é simplesmeüte o lugar da comunidade de Jesus, que renunciou às categorias do passado ao perceber o amor de Deus que comunica a vida definitiva (11,40: a glória).

Como símbolo da comunidade de Jesus, Betânia cono­ta, portanto, a saída para fora da instituição israelita e o caráter de nova terra prometida próprio do grupo cristão; é o ponto de chegada do êxodo do Messias. É centro de convocação (10,41), lugar da fé (10,42), da festa e do serviço, onde se demonstta a gratidão a Jesus pelo dom da vida (12,2s): o Espírito-amor que a produz inunda a co­munidade (12,3: o perfume).

Símbolo equivalente de Betânia é “a terra” (6,21;21, 8.9.11). Jesus constitui esta “terra prometida” na noite do êxodo (20,19-23) (“»■ Discípulo IX ),

B odas

Gr. gamos [2]; nympkios, esposo [4]; nymphê, es­posa [1]. .

I. As bodas, símbolo da diança. Na linguagem teoló- gico-simbólica do tempo, o vínculo de Deus com o seu po­vo, que se podia expressar em termos de promessa (Gn 17) e aliança ou pacto bilateral (Ex 19 e 24; cf. Dt 29 e 30; Js 24), expressava-se também mediante o símbolo conju­gal, sublinhando a relação de amor e fidelidade entre Deus e o povo (cf. Is 49,14-26;54;62; Jr 2; Ez 16). A eleição do povo e a aliança foram expressão do amor de Deus por ele (Dt 4,37;7,7s;10,13). O malogro da aliança levou

2 - Vocabulário,,.

à idéia de nova aliança escatológíca, messiânica (Jr 31,31- 34;33,14-22; Ez 36,20-32).

II. As bodas de Caná. No episódio de Caná, as bodas é figura da aliança antiga, a que pertence a mãe de Jesus, mas não ele nem os seus discípulos (2,ls). É possível que o próprio nome de “Caná”, era relação com o verbo he­braico qanah, adquirir, criar, tenha sido escolhido por Jo visando a fazer alusao ao “povo adquirido, criado por Deus" (Ex 15,16; Dt 32,6; SI 74,2), sujeito de sua aliança. A mãe de Jesus, que representa o povo fiel da antiga aliança enquanto é origem de Jesus (-^ Mulher II; Mãe), fá-lo notar a falta de vinho, símbolo do araor (2,3); espeta do Messias que traga remédio para a situado; Jesus, po­rém, anuncia para a “sua hora”, a de sua morte (-> Hora I I I ), a inauguração de novas bodas-aliança, na qual ele dará o seu próprio vinho, o Espírito-amor (2,4) (—> Espírito

. . .A Lei, interpretada pelos dirigentes, criava no povo a

consciência de pecado, privando-o assim da experiência do amor de Deus (falta de vinho); está representada pelas seis talhas “de pedra” (como as tábuas da Lei) destinadas às "purificações dos judeus”. A nova aliança não terá por có­digo a Lei dada por Moisés, mas o amor leal, o Espírito, comunicado por Jesus ao horaem (1,17;19,30.34) {—> Amof VII; Água II) .

III. O Messtas-Esposo. Jesus é o novo Esposo (3,29), identificado por João com o Messias (cf, 3,28: Não sou eu o Messias). É o Espírito que desce do céu que distingue Jesus de João (1,32) e lhe permite instituir a nova aliança (cf. 3,27) batizando com Espírito Santo (1,33) (-> Água III; Espírito II I , IV; João Batista II I) . A alegria de João ao ouvir a voz do esposo alude à restauração anunciada por Jeremias {3,29 Leit.); anunica João a fecundidade da nova aliança (3,30: A ele cabe-lhe crescer). A voz do es­poso responde no horto-jardim a da esposa (20,16), Maria Madalena, figura da comunidade da nova aliança. A cele­bração da vida que vence a morte (12,lss) descreve-se também com imagem nupcial no Cântico, a imção com per­

fume (o amor) (12,3); prefigura e anuncia as núpcias de­finitivas (20,16) (-;► Mulher IV, V).

Em relação com o papel de Esposo está a designação de Jesus como "varão/homem adulto” (1,30), assim como também o simbolismo da expressão “desatar as sandálias” (1,27) e a dupla frase de João “se põe adiante de mim porque estava primeiro do que eu” (1,15.30).

Ca r n e

Gr. sarx [13]; em oposição a pneuma, espírito, em 3,6;6,63; em paralelo com haima, sangue, em 1,13 e, de Jesus, em 6,53.54.55.56.

I. Significado e uso do termo. "Carne” denota-o indi­víduo humano (17,2), conotando sua condição débil e ca­duca (11,4: astheneia), cuja última conseqüência é a morte.

Para Jo, o homem de carne é a primeira etapa do plano criador de Deus; a realização do desígnio criador (6, 39s) nele depende de sua opção livre: se aceitar o Espírito- -amot que comunica o enviado de Deus, ficará acabado e terá a vida (3,36; cf. 3,34 e passim); se rejeitar o amor ofe­recido, não saberá o que é vida, ficará sob o domínio da morte, que será definitiva (3,36b; cf. 3,18;8,21.24)

Morte II I) . A carne, criada por Deus (1,3), não é princípio mau, mas somente fase inacabada; sua debilidade, porém, faz com que possa ser cegada e dominada pela “tre- va” (1,5) Nascimento II) ,

“A carne” sozinha é princípio vital que não pode su­perar sua própria condição e gera sua própria debilidade (3,6; cf. 1,13); contrapõe-se ao Espírito (ío pneuma), o princípio que comunica a vida definitiva (3,6), que supera a morte {—> Vida IIc; Ressurreição III) . Por si só não pode dar a capacidade de “fazer-se filho de Deus” (l,12s); em conseqüência, malogra em sua tentativa de realizar o rei­no de Deus (3,2-6) ou de levar a estado definitivo (6,63). Julgar a Jesus desde o ponto de vista da mera “carne” é falsear sua realidade (8,15).

II. A carne de Jesus. Jesus é o projeto de Deus feito carne (1,14), realidade humana. A descida do Espírito, que lhe dá capacidade de amor igual à do Pai, transforma sua “carne” realizando nele o modelo de Homem (“o Filho do homem”) (-> Homem I) , o Filho de Deus (-^ Filho Ila).

A vida definitiva que produz o Espírito-amor supera as conotações negativas da “carne”, sua debilidade e caduci­dade (— Espírito V); por Ísso, o homem que nasceu do Espírito já não se chama “carne”, mas “espírito” (3,6;7,

39). A debilidade da “carne” mani£esta-se, porém, em Je­sus ao chegar a “sua hora” (12,23), a hora de entregar-se nas mãos do mundo que o odeia (7,7; cf. 12,25); experi­menta então forte agitação que ele vence com sua fideli­dade ao Pai (12,27s).

A expressão “a carne e o sangue” de Jesus significa sua entrega até a morte por amor ao homem, realizando assim até ao final sua consagração pelo Espírito (17,19). A carne de Jesus torna-se alimento para o homem (6,51), ou seja, fonte de vida (6,53ss), em virtude de comunicar o Espírito (6,63) a quem “a come”, ou, em outras palavras, a quem se compromete a viver a sua realidade humana tal como foi vivida por Jesus (—>■ Sangue).

A eucaristia atualiza esta realidade na comunidade cris­tã. Jesus, que se deu na cmz, dá-se como alimento aos seus, O Espírito que entregou na sua morte comunica-se através de sua carne e sangue; o discípulo que come e bebe responde a este amor de Jesus com o seu compromis­so de viver e morrer como ele.

CÉU

Gr. ouranos [18]; anô, em cima [3]; anôíhen, de cima [5].

I. Sentido dos termos. Estes termos possuem em Jo sentido local figurado e denotam a esfera criada pela pre­sença e atividade divinas e, em conseqüência, Deus mesmo. Assim, Jesus levanta os olhos ao céu a fim de dar graças ao Pai (11,41) ou a fim de dirigir-lhe sua oração (17,1).

As intervenções de Deus expressam-se como “do céu” ou “de cima”. Assim, 0 Espírito desce “do céu” sobre Je­sus (1,32); de lá desce o verdadeiro pão de Deus (6,32), o pão da vida (6,41.42,50.51.58), que é o prõprio Jesus, o dom de Deus para a humanidade (6,33,51: cf, 3,16;4,10); de lá procede a voz de Deus (12,28). Ao dizer Jesus que “desceu do céu” (3,13;6,51), indica sua origem divina por intermédio do Espírito que desceu sobre ele (l,32s); a mes­

ma coisa significam as fórmulas equivalentes “vir de cima” e “vir do céu” (3,31).

II. As esferas opostas. “O que é de cima”, que designa a esfera dívina, contrapõe-se ao “que é de baixo”, que indica a esfera dos que se opõem ao desígnio de Deus; eqüivale a “esta ordem/o mundo”, esfera da injustiça (8,23)- Por isso Jesus pertence ao “que é de cima” e não a “esta ordem”(8,23) (~> Mundo IV; Pecado III) .

III. A esfera divina em ]esus. O Espírito, que habita cm Jesus e dele faz presença de Deus, o Paí, no mundo, si­tua nele a esfera divina; por isso em Jesus estabelece-se a comunicação com Deus (1,51) e ver Jesus é ver o Pai (12, 45; 14,9). Paralelamente, enquanto o Espírito desceu sobre Jesus “do céu”, o homem que nasce da água-Espírito nasce “de cima” (3,3.7), de Jesus levantado no alto (3,14s), de cujo lado jorra a água-Espírito (19,34). Como no caso de “Senhor” (Kyrios, E)eus I) , existe pretendida ambigüi­dade na denotação de anôthen (de cima): em 19,11 designa Deus; em 3,3.7: designa Jesus na cruz, lugar da presença dívina.

O lugar da presença e atividade dívinas é agora Jesus exaltado; daí a permanência do lado aberto depois da res- smrreição (20,20,25.27).

IV. Subir ao céu. Escatologia IV

Co m u n id a d e

^ Amor V II, IX ; Betânia II; Discípulo IILi, IV, V, IX; Escatologia IV; Espírito VI; Irmão I; Mandamento II; Pastor Illf; Tomé; Unidade.

(Do n h e c im e n t o

Gr. ginôskô, conhecer, reconhecer [56]; oida saber, ter consciência de algo [85].

I. Significado dos termos. Ginôskô tem em Jo vasta gama de significados, dependentes não apenas do significado

do próprio lexema, mas também do aspecto do tema verbal (pres., aor., p£.). A diferença com oida, verbo perfectivo, parece consistir fundamentalmente no fato de que o “saber” ou “conhecer” denotado por este último dá-se como adqui­rido, prescindindo do modo como se chegou a obtê-lo, ainda que às vezes se indique no texto (2,9;4,42); gimskô, po­rém, implica com freqüência o modo de conhecimento: ex­periência, intuição, trato, informação, aprendizagem. É de notar que o aor. ou o fut. puntual de gtnôskô, que indicam a passagem do não conhecer ao conhecer, podem servir co­mo ingressivo de otda.

Gtnôskô conota conhecimento por experiência de união e intimidade ( 10,15s.27;14,7.9,17.20;17,3) ou adquirido por uma praxis (17,7,8), intuição (2,24s), trato (21,17; cf. 1,48), informação (4,1.53; 12,9), aprendizagem (3,10;7, 27,49;15,18) ou dedução (5,6;6,13;8,52;10,38;13,35;16, 19; 17,23).

No aoristo e futuro: “chegar a saber, inteirar-se, des­cobrir, entender” (4,1.53;7,17;8,28.32;13,7.28.35;14,7.20. 31;16,3.19;19,4). O aor. pode ter o sentido de “reconhecer” (1,10;16,3;17,25).

O pf. pode indicar conhecimento acabado, persuasão ou convicção adquirida (6,69;17,7) ou indicar o processo até ao seu fim (8,52;14,7.9). Em 8,55, o pf, negativo alude ao sentido que tem “não conhecer a Deus” em Jr 22,13-17 e Os 4,1-2.

O que se expressa em termos de conhecimento por ex­periência direta expressa-se também em termos de visão (-> Visão I) .

Oida, por sua vez, que de si prescinde do processo de conhecimento, pode significar:

a) conhecer a identidade de alguém, seja distinguindo-o de outros (1,26.31.33;5,13;6,42;10,4: voz; 20,13;21,4), se­ja por conhecer sua pessoa e características (4,10.42;7,28;8,14);

b) ter consciência por alto (6,6.61,64;9,20.25;13,1.3,7, 17;19,28;20,9;21,12);

c) saber, ter um conbecímento ou convicção (2,9;3,2;4, 25;5,32;7,15.27.28;8,37;9,24.29.31;11,22.24.42;14,4;18,2. 21;19,10;21,15.6.17).

II, Conhecer a Deus, o Pai. Jesus sabe quem é aquele que o envia, porque dele procede e dele recebeu a missão(7,29); o testemunho que propõe provém de visão (expe­riência pessoal, 3,11); ele está na intimidade do Paí e co­nhece a Deus como ninguém o conheceu antes (1,18). Este conhecimento é amor recíproco (10,15) e identificação (10, 30.38; 14,10.11.20; 17,21) (“>■ Amor V); a identificação en- tte ele e o Pai pode-se conhecer através de suas obras em favor do homem (10,38).

Não se pode conhecer o Paí a não ser através de Jesus (8,19; 14,7); conhecer a Jesus significa conhecer o Pai, e o progresso no conhecimento de Jesus é progresso no conheci­mento do Pai (14,7).

Para o discípulo, a vida definitiva consiste em conhecer pessoalmente o Pai, único Deus verdadeiro, e o seu enviado, Jesus Messias (17,3); fala-se aqui do conhecimento baseado na relação Pai-filho, fruto do Espírito comunicado por Jesus: a glória-amor do Pai descobre-se na missão histórica de Jesus (Messias) (-^ Criação V); é descoberta e recepção contínua desta glória-amor (1,14.16;17,1-3.24), que mantém através de Jesus na intimidade de Deus.

III. Conhecimento de Jesus e dos seus. a) Jesus co­nhece os seus com a mesma proximidade com que conhece o Pai (10,14; cf. 10,27). Não se pode saber quem é Jesus se não se descobre nele o portador do Espírito-amor, que lhe dá sua identidade de Füho de Deus (1,31.33,34; cf.l,26;7,27s;8,19) e marca o seu intinerário (8,14; cf, 3,8).O trato com Jesus deve levar o discípulo a este conhecimento (14,9-11) ( ^ Fé V I). O Espírito produzirá nos discípulos a experiência da unidade de Jesus com o Pai e com eles (14, 20). Este conhecimento será tão imediato, que não terão que perguntar-lhe nàda (16,23). Os discípulos têm a convic­ção de que Jesus sabe tudo, mas essa não é a base suficiente para a verdadeira fé (16,30-32) ( ^ Fé Vc). A prática do amor os leva a conhecer que tudo o que Jesus tem procede

do Pai e a crer que é o enviado do Pai (17,7-8). Sabem que é o Consagrado por Deus (6,69), mas só compreendem o sentido verdadeiro do seu messianismo após sua morte e ressurreição (2,22; 12,16); esta eles não a compreendem na Escritura ( 20,6 ). ■

b) Jesus conbece o interior do homem (2,24,25;5,42;6,15). Daí ele saber quem não lhe dá sua adesão e quem0 entregará (6,64;13,11) e poder saber que o protesto de amizade de Pedro é sincero (21,15,16.17).

É consciente de çüa origem e missão (8,14; cf. 3,8) e sabe que o Pai o escuta sempre (11,42), que sua mensagem é vida ( 12,50). Tem consciência da chegada de sua hora ( 13,1 ) e de que o Paí tudo lhe pôs nas mãos, deíxando-lhe plena hberdade ( 13,3 ); quando está para entregar-se, Jesus é cons­ciente de tudo o que lhe vai acontecer (18,4), e, na auz, de que tudo vaí ficando terminado (19,28).

IV. "O mundo não o reconheceu”. Antes da chegada histórica da Palavra-luz, “o mundo”, ou seja, a humanidade em seu conjunto, não a reconheceu como luz ( 1,10), ou seja, não respondeu ao projeto criador presente nela, projeto que a teria impulsionado para a plenitude de vida ( l,3s). Depois da vinda histórica, “o mundo” continua sem reconhecer o Pai e, portanto, o seu projeto criador (17,25). O rechaço dos “seus” é parte deste rechaço do mundo (1,11).

“O mundo”, identificado com os que perseguem a Je­sus e aos seus (15,18.21), não conhece aquele que ele en­viou (15,21), não conhece o Pai nem Jesus (16,3), nem reconhece o Espírito (14,5; cf. 3,8). Uma vez que conhecer o Pai e-Jesus significa ter vida definitiva ( 17,3 ), este mundo está destinado à morte definitiva; todavia, não só não tem vida, mas também a tira (16,1-3).

Será a cruz que possiblhtará ao mundo conhecer Jesus como Messias (8,28; cf. 14,31), porque nela se manifesta a glória, a força do Espírito que revelará sua identidade de Messias Filho de Deus. A glória que brilhou na cruz fícará manifesta na comunidade cristã (17,10) e será ela — que eqüivale à presença ativa de Jesus e do Paí (17,21) e cria a perfeita unidade — que levará o mimdo a conhecer que Jesus é o enviado de Deus (17,21.23).

Consagração

-i- Criação IVb; Espírito II, III; Filbo Ilb; Messias Illa ; Obra II; Verdade Ilh , III.

C o r d e ir o de D eus

Festa I; Pastor Ille ; Pecado II.

C orpo

Gr. soma [6], de Jesus (2,21;19,38bis.40;20,12); de Jesus e dos crucificados com ele (19,31).

O “corpo” denota o indivíduo humano enquanto é pre­sença designável, contradistinto dos outros e capaz de ativi­dade e comunicação.

“O corpo” de Jesus é, portanto, o próprio Jesus (cf, 2,19; Suprimi este santuário e em três dias o levantarei; 2,21: ele se referia ao santuário do seu corpo; 2,22: quando se levantou da morte; 19,40: Pegaram o corpo de Jesus; 19,42: puseram ai Jesus).

Em Jesus reside a glória de Deus (—>■ o Espírito; cf.l,14.32s), e por isso “o seu corpo” é o novo santuário que substitui o antigo (2,19-22). “O corpo" torna Jesus soli­dário dos que foram crucificados com ele (19,31); a pre­sença de Deus pode, portanto, verificar~se no homem (14,23) mediante o Espírito ( 14,17;20,22). Assim, o indivíduo e a comunidade são templo em que reside a glória do Pai, que Jesus lhe comunica (17,22).

Jesus “levantará o seu corpo” ao qual os seus inimigos terão dado a morte (2,19). Dada a identidade de “corpo” e “homem”, a expressão indica que, depois de sua morte, Je­sus continuará manifestando sua presença e atividade; “levan­tar-se da morte” significa entrar na fase final humana, a do "corpo” hvre da limitação da “came” (sarx), que conserva a individualidade, e permite a ação e a manifestação da pre­sença ( ^ Ressurreição II) .

C riação

I, O tema da criação. Jo abre o seu evangelho com as prhaeiras palavras do Gênesis (1,1: No princípio), pondo assim toda a obra na chave de criação. A criação é uma das duas linhas-mestras da teologia deste evangelho; a outra é a da Páscoa-ahança. Isso explica a abundância de termos pertencentes ao campo da vida em comparação com os outros evangelistas.

Zde; vida [37]; Mt [7]; Mc [4]; Lc [5]. Zaô, viver [16]; Mt [6]; Mc [2]; Lc [10]. Zôopoíeô [3] não há nos sinóticos. Gennaô, gerar [17]; Mt [4 fora da genealogia]; Mc [1]; Lc [6], Vai (dito de Deus) [123]; Mt [45]; Mc [4]; Lc [16]. Pilho (dito de Jesus) [53]; Mt [12]; Mc[7]; Lc [11]. Faz parte do tema da criação to thelêma, o desígnio [11] (-> Vida Ilb; Pai II; Espírito V).

II, Modo de expressá-lo. Apesar da importância do te­ma, Jo evita o termo “criação” referido ao homem; usa uma vez “fundação” (17,24: kataholê), referido ao universo. Em vez de “criar/fazer”, usa a forma egeneto, chegar a existir (1,3.10.17; cf. “gênesis”), que deixa indeterminado o modo de chegar à existência, sem limitá-lo a “ser feito”; será con­cretizado pelo verbo "nascer/ser gerado” (1,13.18 etc.), que denota, não a criação de um ser por ação externa, mas a comunicação da vida daquele que gera Nascimento I),

III, Projeto e desígnio criador. Existe diferença entre projeto (logos) (—> Palavra I) e desígnio (thelêma): o pri­meiro pertence exclusivamente a Deus (1,1-4); o segundo é comum ao Pai e a Jesus (5,30;6,38-40). Para introduzir o tema, será conveniente dar breve síntese, que será desen­volvida a seguir:

O projeto criador consiste, em primeiro lugar, na exis­tência do Homem-Deus, o novo Adão (o Homem/o Filho do Homem), doador do Espírito, princípio da humanidade nova. Por seu meio, realizar-se-á o desígnio de Deus, que o homem não pereça, mas que tenha vida definitiva (6,39-40; cf. 3,16). Esta vida, dada ao homem com o Espírito (6,63), faz com que ele "nasça de Deus” (1,13;3,3.5.6); com sua

atividade, “o nascido de Deus’' irá se fazendo “filho de Deus” (1,12), Deste modo, através de Jesus, poder-se-á rea- hzar na humanidade o projeto inicial, a condição divina do homem. ,

Em Jesus, portanto, faz-se realidade o projeto divino (o Homem-Deus) e, através dele, realiza-se o desígnio divino, a capacitação do homem para fazer-se filho de Deus. Ambas as realizações, a do projeto e a do desígnio, estão em mútua dependência: Jesus realiza-se como Homem-Deus realizando o desígnio de Deus. Assim o indica a metáfora do alimento(3,34) (-»Fruto H ).

IV. O projeto criador: o Homem-Deus. a) O projeto criador existente antes da criação dirigia-se, interpelava a Deus (l,lab ). O projeto divino, que deu origem a tudo o que existe (1,3), referia-se em particular ao homem, e o projeto era “um Deus” (1,1c),

O projeto criador realiza-se em Jesus, em quem se faz teahdade humana (1,14). Jesus-homem recebe a plenitude da riqueza/glória do Pai, o seu amor leal (1,14), ou seja, a plenitude do Espírito (1,32.33), total comunicação de Deus(4,24), que lhe dá capacidade divina para amar: Jesus é as­sim o filho de Deus, sua presença entre os homens, o único Deus gerado (1,18). Jo expressa a eleição de Jesus em ter­mos de amor: porque me amas te antes que existisse o mundo (17,26); ele é o esperado (1,15,27,30: aquele que chega detrás de mim), o Profeta e Messias que tinha que vir ao mundo (6,14; 11,27). O fato de Jesus receber a plenitude do Espírito de Deus (1,32.33) significa que nele não havia ne­nhum obstáculo para a comunicação divina.

Jesus, portanto, tem a condição divina desde que o Es­pírito desce sobre ele, estabelecendo sua plena comunhão com o Pai, a participação da mesma vida. Se a característica do amor do Pai é o dom de si mesmo sem nenhum limite (1,14: comunicação ao Filho de toda sua riqueza; Pai II; Filbo II) , Jesus recebe a mesma capacidade de amor-entrega, que irá realizando em sua vida e atuação, para dar-lhe remate em sua morte (4,34;19,30) (-> Obra II) .

b) A capacidade de amar que Jesus recebe (a consa­

gração feita pelo Pai, que o constituiu Filho de Eteus e lhe conferiu sua missão messiânica; cf. 10,36) tinha que ser atualizada com a atívidade do seu amor em favor do homem (17,19; por eles eu me consagro eu mesmo). Toda a ativi­dade e a vida de Jesus constituem sua resposta livre (10,18) ao dinamismo de amor sem limite que é o Espírito: à pleni­tude do Espírito-amor corresponde a plenitude de sua respos­ta; Jesus não combate nem tenta destruir os seus inimigos; na cruz oferece o seu amor até o último momento aos indi­víduos mesmos que lhe dão a morte (19,28-29) e aceita sem protesto o ^ io que lhe manifestam (19,29: vinagre); não desmente o seu amor nem sequer diante da rejeição total. Chega assim a realizar o amor totalmente gratuito, que não depende da resposta que recebe e que demonstra que Jesus é puro amor; é o amor do Paí em Jesus e o de Jesus com o Paí: realizourse o Homem-Deus (19,30; ¥ica terminado). É assim o modelo de Homem, o novo Adão, à imagem do qual não nascerão homens de carne, mas de es­pírito (3,6). Os que nascerem de Deus o farão por meio deste “varão” (1,30; cf, 1,13), de sua carne e seu sangue (cf. 1,13). Ele é o Esposo que vai gerar filhos para Deus (cf. a alusão à lei do levírato nas palavras de João Batista,1,27).

Na primeira criação, o homem, Adão, foi acabado por Deus sem nenhuma colaboração dele; na plenitude da cria­ção, 0 projeto divino reahza-se no Homem, Jesus, com sua própria colaboração. O mesmo princípio aplicar-se-á a todo homem.

Entende-se assim a intenção de Jo quando põe nos lá­bios dos inimigos de Jesus as acusações: “faZ-se igual a Deus” (5,18), “faz-se Deus” (10,32), “fez-se Filho de Deus’*' (19,7); são a expressão do projeto criador que Jesus vai realizando com sua atividade.

V. O desígnio criador: a vida definitiva, a) O amor uni­versal de Deus à humanidade, que o leva a dar o seu Filho único (3,16), concretiza-se no seu desígnio: Que todo 0 que reconhece o Filho e lhe presta adesão tenha vida definitiva (6,40); esta implica a ressurreição (6,40) que significa a

vitória desta vida sobre a morte (-^ Escatologia I; Ressurrei- ção III).

Formulação equivalente do desígnio é: que de tudo oque me entregou nao perca nada { = não deixe perecer ),mas que o ressuscite no último dia (6,39). “Perecer” signi- fíca morrer para sempre; opÕe-se à vída definitiva, que évida para sempre (6,58) (— Morte II I) .

Ambas as formulações centram-se no dom da vida que supera a morte e correspondem às que Jesus anuncia a Mar­ta: O que me dá adesão, ainda que morra, viverá (não pere­cerá) (11,25); Todo o que vive e me dá adesão não morre­rá nunca ( vida definitiva ) (11,26).

O desígnio (thelêma) é parte do projeto criador (logos), enquanto este continba vida ( 1,4 ) e se identificava com a vida (1,9): designa a capacitação do homem para realizar o projeto (logos).

b) A obra criadora, a que Jo se refere e que se realiza por meio de Jesus Messias (1,17), supÕe a existência do homem, Este, porém, se encontra ainda na condição de “car­ne”, débil e transitória (— Carne I) . O desígnio de Deus é que o homem-came, pela comunicação do Espírito (1,17: o amor leal; 19,30: o Espírito; cf. 20,22) passe à condição de homem-espírito (3,6; cf. 7,39) e tenha a vida que supera a morte (6,40). Por isso essa vida não procede da linhagem nem a produz o desígnio da “carne”, de cuja debilidade nasce somente debilidade (3,6), nem o desígnio de comunicar vida próprio da geração natural ( 1,13 ), É o próprio Deus quem a infunde por intermédio de Jesus (1,13.17).

Contudo, ao contrário do que na primeira criação, o acabamento do homem exige sua plena aceitação. Uma vez que a vida definitiva que se recebe é fruto do Espírito-amor, e consiste na relação de amor que se estabelece com o Pai através de Jesus (cf. 17,3), não pode recebê-la quem não estabelece essa relação, que é necessariamente livre.

O homem<ame é, portanto, um projeto de imortalidade e plenitude de vida, a que é impidsionado pela própria vida contida no projeto criador do qual é já expressão e fruto(1,3) e que é sua luz/verdade (1,4), Diante da iniciativa de Deus, que em Jesus lhe oferece a vida definitiva e a plena

realização, o homem deverá optar: se aceitar a oferta do amor- -vida, receberá o Espírito-amor e com ele a vida definitiva; se o rejeitar, ele mesmo se condenará à morte definitiva, fa­zendo malograr o desígnio (cf, 17,12).

c) O desígnio de Jesus é o mesmo do Pai (3,30;6,38;10,10). Jesus expressa essa identidade de desígnio em sua oração: Quero (thelô) que também eles ... estejam comigo onde estou eu para que contemplem minha própria glória(17,24). “Estar onde está Jesus” e “contemplar sua glória- -amor”, participando dela, equívale a ter a vida definitiva, tema da oração (17,2),

d) As formulações do desígnio: *'vida defínítiva, novo nascimento, capacidade de fazer-se füho de Deus, dom do Espírito”, indicam um momento inicial. A partir dele come­ça a realização do projeto, "fazer-se filhos de Deus“, paralela à sua realização em Jesus; ficará realizado no discípulo quan­do chegar a amar como Jesus amou (13,34: Como eu vos tenho amado) (— Mandamento II I) . A condição divina é o projeto de Deus sobre o homem; Jesus é o seu modelo e realizador.

e ) O desígnio não se realiza somente a nível individual, mas também comunitário, como aparece nas formulações. Em 6,39 refere-se a “o que me entregaste”, neutro coletivo que denota a comunidade como um todo. Em 6,40 expressa-se de maneira distributiva: “todo o que reconhece o Filho ... tenha vida definitiva”. Ambos os aspectos são complementares: o desenvolvimento pessoal da vida, que se expressa no amor, leva a constituir o “uno” que identifica com Jesus e com o Pai (17,22). E mais: a plena realização do projeto não se pode atingir sem esta integração em “o uno” (17,22: para que fiquem realizados alcançando a unidade): o desenvolvi­mento total da capacidade de amar só é possível na integra­ção e identificação plena com os outros, com Jesus e com o Pai ( ^ Unidade II I) .

f) A atividade libertadora de Jesus indentifica-se com a realização do desígnio. Enquanto o homem estiver subme­tido à dor, à opressão e à morte, não terminou a obra cria­dora de Deus (5,17; cf, 5,3ss); daí decorre o fato de Jesus prescindir do preceito do descanso (5,9b;9,14), o que lhe

vale a perseguição declarada da parte dos dirigentes (5, 16.18).

VI. Símbolos da nova criação, a) Coerente com o tema da criação, Jo situa a primeira ação de Jesus (2,1) no sexto dia, o dia da criação do homem (— Dia II) , dando assim uma chave de interpretação de toda a atividade subseqüente, que consistirá em realizar o desígnio, terminando a criação do homem. Assim como, na primeira criação, o homem ficou terminado com a infusão do sopro vital (Gn 2,7), assim também a obra de Jesus em cada indivíduo é levada a termo com a infusão do Espírito (20,22: soprou; cf, 19,30: entre­gou o Espírito) (— Espírito Vb). Jesus inaugura assim novo período da vida da humanidade, que se identifica com a era messiânica (1,17: Jesus Messias) e com a idade escatológica (-> Escatologia I) .

b) O episódio do cego está claramente situado na li­nha da criação, pela menção do barro de Jesus (9,6); Jesus mostra ao cego o projeto de Deus sobre o homem cuja plena realização é ele próprio (9,35), deixando-lhe assim nova vi­são de si mesmo e do mundo (9,6) ( ^ Nascimento II) .

Em relação com o homem criado pelo Espírito estão as denominações “homens adultos” (6,10), “maior de idade”(9,21.23), peixes “grandes” (2,11) (-> Fruto I I ).

c) A partir de Jesus ir-se-á realizando o desígnio nos homens através dos seus discípulos, que ele associa à sua missão ( 17,18;20,21); eles, por sua atividade, darão a co­nhecer o amor do Pai (9,4). Por isso, assim como a humani­dade começou como casal no jardim (o paraíso), também sua etapa definitiva começa com o novo casal, Jesus e Maria Madalena, figura da comunidade (—> Mulher IV) no horto- -jardim (20,13ss; cf. 19,41). (Dom este casal começa a nova genealogia do homem, que o entronca com Deus, agora Pai, e cria a famflía de irmãos (20,17); o vínculo de família é o Espírito (4,24; cf. l,32s;3,6;7,39;19,30;20,22). A realização do desígnio será fruto da colaboração dos discípulos unidos a Jesus pelo vínculo do amor (14,15,15,5.9) Amor V).

V II, O desígnio, critério de verdade. O bomem pode querer realizar o desígnio de Deus (7,17), mas é Jesus quem

O realiza nele (9,31), comutiicando-lhe o Espírito, A aspi­ração à plenitude de vida é que permite ao homem discernir a verdade de uma doutrina: nenhuma doutrina que se oponha a essa aspiração procede de Deus (7,17), A este critério apela o cego curado para defender Jesus e lançar em rosto aos dirigentes sua cegueira (9,31), Jesus, que realiza o de­sígnio do Pai com atividade como a sua (5,17), rejeita o posicionamento dos dirigentes, que em nome da Lei se opõem à vída do homem; colocam-se assim a si mesmos fora do âmbito da vida, e essa é a sentença que Jesus referenda(5,30),

V III, Tema da criação e lema da aliança-Fâscoa. a) Es­tes dois temas marcam as duas linhas teológicas que estru­turam o evangelho de Jo, O primeiro refere-se ao ser, o se­gundo à atividade ou missão (o êxodo). Todavia, o tema da criação implica parcialmente o segundo, enquanto a li­bertação (Páscoa-êxodo) realiza-se por ato criador, o dom do Espírito (o desígnio). Por outro lado, o conceito de êxodo supõe a libertação de escravidão (1,29: o pecado do mundo), de estado de morte (5,24: passar da morte à vida), que não pertencem ao tema da criação.

b) Existem no evangelho muitas formulações bimem- bres que indicam ambos os aspectos, o projeto no homem e o desígnio realizado na missão.

Assím, na fórmula da fé (20,31), "o Messias” indica a missão histórica de Jesus, realizar o desígnío de Deus no homem; “o Filho de Deus” denota Jesus como o Projeto acabado: o Homem-Deus (—> Fé IV).

“A obra” a que Jesus dá remate é o projeto dívioo nele (4,34; 17,4); “as obras” (5,36; 10,14) realizam o de­sígnio (-> Obras II, III) ,

Na cruz (19,34), o sangue que jorra do lado de Jesus expressa o seu amor até ao extremo, que levou a termo o projeto; a água-Espírito reahza o desígnio nos homens.

"O mandamento” do Pai e Jesus de entregar sua vida (10,17s) visa ao acabamento do projeto; “o mandamento” do que tem que dizer e propor (12,49-50) convida os

homens a atingir meta igual à stta; “os mandamentos” do Pai a Jesus (15,10) expressam a reahzação do desígnio nos homens.

O mandamento novo, amar como ele amou (13,34), incita a levar a termo o projeto; “os mandamentos” (14,5), que levam à prática a mensagem do amor ao homem (14,21.23), expressam a missão ou realização do desígnio.

“A unidade” que o amor produz nos discípulos dá re­mate ao projeto neles; a fé do mtindo realiza o desígnio(17,23).

Culto

Hora IV; Paí II; Templo IV; Verdade Ilf, III.

D avi

Gr. Dauid [2].

Neste evangelho, Davi é nomeado somente numa per­gunta sobre o Messias que a multidão se faz (7,42: sua ascendência davídica e o seu lugar de origem}, a que o evan­gelista não dá nenhuma resposta. A ascendência humana de Jesus fica na sombra. Evita-se assim a confusão entre a as­cendência davídica e a espera popular de restauração mes­siânica do reino davídico, implícita em 12,34: Nós temos aprendido da Lei que o Messias permanece para sempre (cf. 2Sm 7,16; SI 89,4-5; SI 110,1; Is 9,6).

Descartada a idéia de restauração (cf. 6,15), alude-se, porém, a Davi enx várias outras passagens de Jo. A frase do Batista tao pouco eu sabia quem ele era (1,31.33) alude à cena de ISm 16,1-13; a descida e permanência do Espírito sobre Jesus (1,32.33), a iSm 16,13 Espírito II I) . A função de “pastor” que Jesus aplica a si mesmo (10,11.14), responde à promessa do novo Daví como pastor dado por Deus a Israel (Ez 34,23; cf. SI 78,70; Jr 30,9). A frase pronunciada por Caifás: que um só homem morra pelo povo, recorda episódio da vida de Davi (2Sm 17,2-3); também a passagem da torrente de Cedron (2Sm 13,14,23ss) (-^ João Batista IV; Messias Illb ; Pastor IIc),

D edicação

Festa V III.

D eus

Gt.hotheos theos iX l] ’, theoi VW, kyrios [51],

I. Uso dos termos. Ho theos, com artigo, refere-se a Deus Pai (cf, 6,27;16,27,28), Na exclamação de Tomé, di­rigida a Jesus (20,28), a forma com artigo tem valor de vocativo.

TheoSj, sem artigo, designa a condição divina {1,1c: theos ên ho logos) 1,18: theon (a divindade), monogenês theos. Pode também equivaler a ho theos, especialmente se vem precedido de preposição; c£, 1,6;9,16.33: para theou; 6,46;8,40;16,27: para tou theou; 1,13: ek theou; 7,17; 8,42.47bis: ek tou th.; 3,2;13,13;16,30: apo th.; 3,21; en th.; 13,3: pros ton th. Compare-se o uso sem artigu contíguo ao com artigo em 13,3 (apo, pros ton) e a expressão tekna theou (1,12) e ta tekna tou theou (11,32).

Theoi, deuses, aplicado a homens, aparece em 10,34, em citação do Sl 82,6 { ^ Lei IV ).

Kyrios, Senhor, é título de respeito que os discípulos usam falando com o de Jesus (6,69; 11,3,12.21.27.32,34.39;13,6.9.25.36.37; 14,5.8.22; 20,2.13.15.18.20,25,28;21,7bis.

15.16.17.20.21) e que ele confirma (13,13.14; cf, 13,16; 15,15,20). O narrador o utUiza em 6,23;11,2;20,20;21,12 (cf. 21,7), referido a Jesus. A samaritana (4,11.15.19), o funcionário real (4,49), o inválido da piscina (5,7), a multidão de Cafarnaum {6,34) e o cego curado (9,36.38) o empregam para dirigir-se a Jesus. Os gregos que desejam vê-lo (antecipação da missão futura) aplicam-no a FÜipe(12,21), encenando o dito de Jesus em 1^20: Quem recebe a qualquer que eu mandar, recebe a mim, e quem recche a mim, recebe ao que me mandou.

Este último texto e as citações do AT que incluem o termo “Senhor” designando a Deus (1,23 = Ls 40,3;12,13 = Sl 118,26; 12,38a = Is 53,1) mostram o sentido pleno que lhe atribui o evangehsta ao justapor textos em que se aplica claramente a Deus (12,13,38a) a outros em que se pode aplicar tanto a Deus como a Jesus ( l,23;12,38b). Esta ambigüidade propositada reflete a afirmação de que a glória de Jesus se identifica com a de Deus {12,41). Nos lábios das diferentes personagens, o líiulo. adquire sentido mais ou me­nos próximo do que professa o evangelista, segundo o seu grau de compreensão da realidade de Jesus,

11. O único Deus verdadeiro. Deus é Espírito {4,24), ou seja, vida cuja atividade é o amor generoso e fiel (1,14) ( ^ Verdade Ila; Amor II) . Essa atividade do seu amor que comunica vida (— Amor Va) faz com que seja desig­

nado como Paí (-^ Pai II , III) , O Pai é o único Deus verdadeiro (17,3; cf. 5,44) e, paralelamente, só aquele que se manifesta como Pai é que é o Deus de Jesus e de seus discípulos ou irmãos (20,17) (—> Pai),

A esfera divina designa-se como “o céu”, de onde desce o Espírito sobre Jesus (1,32); babitando neste a plenitude da “glória” (presença e comunicação divinas), a esfera dívina situa-se doravante no próprio Jesus Céu III) . Daí im- fere-se que dar adesão a Jesus eqüivale a dá-la a Deus (12, 44;14,1), . . .

O amor de Deus estende-se à humanidade inteira (3, 16; o mundo) e demonstrou todo o seu alcance dando o seu Filho único, Jesus, enviando-o com a missão de dar vida aos homens (3,16s; cf, 10,10b) (-;► Missão III) : tal é o seu desígnio (—> Criação V), que deve culminar na realiza­ção do seu projeto, a condido divina do homem (1,1c: a Palavra era 'Deusjum Deus era o projeto), já realizado em Jesus (1,18: o Deus gerado; cf, 20,28) (—;>■ Amor IV: Criação III, IV; Mandamento Illa ; Obra IV).

Deus consagra Jesus para sua missão messiânica (10, 36; cf. 6,69), comunicando-lhe a plenitude do seu Espírito (l,32ss) ( ^ Espírito II I) , e, por meio de Jesus, consagra os discípulos com a verdade, a lealdade do amor que infunde o Espírito (17,17) (-^ Verdade Ilb ). A missão de Jesus, tirar a humanidade de sua adesão à treva que a oprime {1, 29;8,12) (-» Pecado Illa ; Trevas I, II I) , a fim de fazê-la passar da morte à vida, concebe-se em termos de êxodo Messias V): daí a denominação de “o Cordeiro de Deus”(1,29,36), símbolo pascal (êxodo, aliança), que tem o seu eqüivalente na frase “dar o seu Filho único {alusão a Isaac; Gn 22,21) (— Abraão II) para que todo o que Uie prestar adesão tenha vida definitiva e nenhum pereça” (3,í6); Jesus é o dom de Deus (4,10), o Cordeiro cujo sangue livra da morte (cf. Ex 12,12-14) e cuja carne é a comida da nova ahança (6,51), o pão de Deus (6,33s).

Por seu meio realiza-se o desígnio de Deus (4,34), dar vida ao homem (—>■ Criação V), que a nível individual ex­pressa-se como “capacitar para fazer-se filhos de Deus” (1, 12; cf. 11,52), “nascendo de Deus” (1,13); em outras pa­

lavras, “nascer do Espírito” (3,5.6) toma possível ao ho­mem assemelhar-se a Deus (—>■ Filho III; Espírito Vb), as- simüando-se à vida e morte de Jesus (6,54; comer sua carne e beber seu sangue), que é o caminho para o Pai (14,6), tomando o lugar da antiga Leí (-> Lei V I),

A doutrina que procede de Deus está na linha de seu desígnio, comunicar ao homem plenitude de vida, e somente aquele que estiver em favor do desígnio é capaz de distinguir a origem divina dessa doutrina (7,17) (-» Mestre Illb ),

Deus escuta a quem reaHza o seu desígnio (9,31), e daí Jesus sabe que o Pai sempre o escuta (11,42).

Deus, doador de vida, rejeita a morte, malogro de sua obra criadora. Quem voluntariamente, por negar-se a aceitar o amor e tomá-lo como norma (3,36: não fazer caso do Fi­lho), permanece na zona da morte/trevas, e por este fato mesmo encontra-se sob a reprovação divina (íb.),

O desígnio divino mostra a glória âe Deus (5,44; 11,4, 40;12,43), o seu amor leal (1,14) ( ^ Glória II) presente em Jesus {cf, 12,41) (-> Palavra Ilb ), novo santuário que substitui o antigo (1,14: acampou entre nós; 2,21; o san­tuário do seu corpo) (-> Corpo; Templo Illb ), A mesma glória é comunicada por Jesus à sua comunidade (17,22), tornando-a santuário de Deus (—> Templo I l l f ), que resplan­dece nela por sua atividade em favor do homem (9,4), O discípulo, assim como Jesus, manifesta a glória de Deus com sua entrega até à morte (21,19a; cf, 12,33; 18,32; também 13,31s;17,l). Quem ambiciona a glória humana não leva em si a glória de Deus (5,41ss;12,43) (“ Glória V I); ou seja, a injustiça (7,18) é incompatível com o amor leal.

Cria-se assim a comunidade humana segundo o desígnio de Deus, na qual ele exerce sua atividade (reinado), o reino ãe Deus (3,3.5), Esta expressão é usada só na cena de Nicodemos, para rebater a expectativa dos que esperavam sua instauração pela reforma obtida através da perfeita ob­servância da Leí e pretendiam dar adesão a Jesus como a Messias-mestre (3,2) ( ^ Mestre Ila; Nicodemos I). Na linguagem do evangelista, o reino de Deus define-se como “o uno/a unidade” dos homens entre si, com Jesus e com o Pai (-» Unidade I, III) .

A fim de criar a nova sociedade humana. Deus pede ao homem somente uma obra, a adesão a Jesus, o seu en­viado (6,29), pela qual o homem obtém a vida definitiva (6,47), efeito do Espírito que recebe (6,63) (-> Espírito Vbc); a adesão consiste na assimilação ativa da vida e morte de Jesus (—> Fé II, VI) e se traduz em obras como as de Deus, em favor do homem (9,4); tal é o modo de agir da­quele que se aproxima da luz (3,21) (-» Obra II, V).

Por meio de Jesus, que como Esposo ( ~ Messias, 3, 28s) e Filho (3,35s) substitui Moisés, expressa Eteus suas verdadeiras exigências, cuja prática o Espírito comunica sem medida (3,34) Mandamento V), fazendo com que o homem conheça a lealdade de Deus (3,33; cí. 8,32: conhece­reis a verdade) ( ^ Verdade Ilak, III) .

III . O Deus falseado. A falsa imagem de Deus é aquela que ocuha sua qualidade de Pai, ou seja, o seu amor para com o homem e o seu desígnio de dar-lhe vida plena, apre­sentando-o, pelo contrário, como o Soberano que submete (cf. 15,15), pondo a observância de sua Lei acima do bem do homem (5,10;9,16,24) (-> Lei IV ). É a idéia do Deus exigente que cria a contínua consciência do pecado (— Lei V ). Esta falsa idéia de Deus é “a mentira” (8,44), oposta à “verdade” que Jesus propõe da parte de Deus (8,40), ou, em termos simbólicos, são as trevas que tentam apagar a luz (1,5) ( ^ Verdade Hf; Trevas II) .

Os dirigentes judeus apresentam assim a imagem do Deus opressor que legitima a opressão que eles exercem; Jesus revela o Deus libertador que, por seu intermédio, tira o homem da escravidão a fim de dar-lhe a condição de filho(8,36). Esta diferença radical dá origem ao choque contínuo entre Jesus e os dirigentes e é o que o levará à morte (19,7) (— Lei IV ); esta será, porém, a grande manifestação do amor de Deus pelo homem (— Morte V).

Para os dirigentes, Deus deixou de agir na história: no passado falou por Moisés, mas não aceitam que no presente possa íazê-Io por meio de Jesus (9,29) (-^ Lei Ilb; Profe­tas IV).

A deformação de Deus pode chegar até ao ponto de pensar que lhe dá culto dando morte ao homem (16,2);

isso significa não conhecer em absoluto o Pai doador de vida (16,3, cf. 8,54s) (— Judeus II).

Sobre o ídolo que substítui a Deus no templo, veja Inimigo II.

IV. A confissão de Tomé. O discípulo incrédulo (20,25), perante a experiência de Jesus vivo e presente, faz pro­fissão de fé que resume a da comunidade (20,28: Senhor meu e Deus meu!). Os dois membros, ainda que equivalentes quanto ao conteúdo, não são sinônimos.

“Senhor”, por ser termo relativo, está em relação com *'ReÍ” e, através dele, com “Messias”; de fato, tanto “Rei” como “Senhor” designam o que possu: riqueza, Hberdade e independência absolutas, o que não está submetido a outrem, mas que é dono de si e do seu destino. Em Jo, o compor­tamento de Jesus anula em “Rei” o sema de domínio (cf. 15, 15; 18,36: o rei que não tem subordinados) ( ^ Messias VIb), No lava-pés, Jesus, ao pôr-se a serviço dos seus confere-lhes a condição de “senhores”, ou seja, de homens Uvres e inde­pendentes, erguendo-os ao seu nível (13,4ss). Por isso, tan­to na afirmação de Jesus (18,37: Eu sou rei) como no prin­cípio enunciado pelos Judeus {19,12: Todo o que se faz rei), a realeza não aparece como exclusiva; indo de par com a consagração messiânica (-^ Messias Illa ), Jesus, que comu­nica aos discípulos o Espírito ( = a unção para a missão mes­siânica, cf. 17,17;20,22) ( ^ Messias V I), fá-los participar de sua realeza, no sentido antes indicado. Jesus é “Senhor”, portanto, a partir de sua humanidade: é o Homem acabado que, respondendo até ao final à sua consagração pelo Espírito (Obra II) , reaHzou em si a plena potenciahdade do homem. É assim o modelo de homem (— Homem II) e, como tal, o FUho de Deus (— Filho II) .

A condição divina, implícita em “Senhor”, encontra-se exphcita, expressa com termo absoluto, na segunda parte da confissão (Deus meu!), que reflete a condição de Filho igual ao Pai, do Deus gerado (1,18). Tomé reconhece em Jesus o caminho para o Pai (possessivo “meu”), que é o Deus de Jesus e dos discípulos (20,17); é o caminho da semelhança, que chega à igualdade na condição divina, segundo o projeto inicial (1,1c) (-^ Discípulo Vllb; Palavra Ia).

D ia

Gr. hêmera [30]; tê epaurion, no dia seguinte [5].

X. Ujo dos termos. Hêmera tem em Jo vários signifi­cados:

a) Um período de vinte e quatro horas de duração, que constitui um dia da semana {5,9;9,14); dentro dessa acepção usa-se o dia para datar acontecimentos (1,39;4,43;11,53; 12,1.7), tendo em conta que, para efeitos de datação, o dia incompleto considera-se dia transcorrido (2,1.19,20). Serve também para determinar a duração exata ou aproxima­da de fato (4,40;11,6: dois dias; 11,17: quatro dias; 2,12; não por muitos dias).

b) Em oposição à noite, designa o período de doze horas em que o sol brilha (9,4; 11,9).

c) Um período de tempo que Jesus chama de “este dia meu” (8,56), dia que Abraão viu (8,56). Abarca o tempo da presença e atividade do Messias (na linguagem ra­bínica: os dias do Messias), o de sua manifestação a Israel(1,31). Este “dia” está em relação com a denominação “a luz do mundo” que o próprio Jesus apHca a si mesmo {8,12; 9,4); por isso compara o tempo de sua atividade com um período de doze horas (11,9), ao que segue “a noite” em que não se pode trabalhar (9,4) ou se tropeça (11,9).

d) Um dia com alguma determinação: “o último dia” (6,39.40.44,54;7,37; 11,24; 12,48); o dia primeiro da se­mana (20,19; cf. 20,1); aos oito dias (20,26); aquele dia (14,20;16,23.26) (^Escatologia).

e) A expressão “no dia seguinte” serve para construir a série cronológica que termina no episódio de Caná (1,29. 35.43;2,1, Encontra-se também em duas ocasiões entre epi­sódios que o evangelho liga estreitamente: entre a partilha dos pães e a explicação que segue (6,22) e entre a ceia de Betânia e a manrfestação àâ multidão em Jerusalém (12,12).

II. O dia sexto. &) As duas séries de seis dias. O dado cronológico, Ao terceiro dia, que abre o episódio de Caná, completa a rigorosa sucessão dia a dia começada em 1,29.

Pode-se dizer que Jo cria uma seqüência cronológica com a única intenção de datar o episódio de Caná. Para isso dispõe em dias subseqüentes o testemunho de João Batista e os encontros de discípulos com Jesus. No primeiro dia João faz sua declaração perante a comissão enviada pelas autoridades judaicas (1,19-28); no segundo pronuncia solene testemu­nho sobre a missão do que vem (1,29-34); no terceiro dia verifica-se a última declaração de João e a adesão dos pri­meiros discípulos a Jesus (1,35-42); no quarto dia, Jesus decide sair para a Galiléia, chama Filipe e se verifica o en­contro com Natanael (1,43-51).

A datação seguinte é a que encabeça o episódio de Caná: No terceiro dia, a partir do quarto (1,43). Segundo o modo de falar daquele tempo, “no terceiro dta” significa dois dias depois, O dia, em que ocorre o episódio de Caná é, portanto, na sucessão criada pelo evangehsta, o sexto dia.

Ora, o sexto dia, segundo o relato das origens, fora o dia da criação do homem (Gn 1,26-31). O autor cria, as­sim, o simbolismo temporal, para indicar que tanto a ativi­dade como a raorte de Jesus são a continuação e culminação da obra criadora de Deus. Com efeito, em 11,55 anunda-se a última Páscoa e em 12,1 abre-se outro período de seis dias: seis dias antes ãa Páscoa, que culminará com a morte de Jesus, colocada por este dado cronológico também no sexto dia, dia de preparativos e véspera da Páscoa (19,31.42).

No prólogo, a Palavra primordial era, continha e exe­cutava o desígnio criador de Deus (1,3.10), referido sobretu­do à sua atividade com o homem (l,12s.l7). Com o seu arrifído literário da sucessão de dias, Jo pretende, portanto, continuar o tema da criação anunciado no prólogo, Apesar da afirmação de Gn 2,2: “Deus conduiu no sétimo dia a obra que fizera e no sétimo dia descansou”, a criação não estava terminada, pois o homem ainda não chegara à sua plenitude nem, portanto, à condição de filho de Deus (1,12). Por isso Jesus não reconhecerá o sábado, dia do descanso divino; continua o sexto dia, e o Pai continua trabalhando (5,17). A obra do Pai ficará terminada quando Jesus, no final do sexto dia, o dedarar na cruz: Fica terminaão, e entregar o Espírito (19,30), dando aos homens a possibilidade de nas­

cer de novo e fazer-se filhos de Deus, objetivo do projeto criador Criação II I) .

Este simbolismo buscado pelo autor mostra que a obra de Jesus dá remate à ação criadora. O sexto dia que começa em Caná entrará em sua hora final com a segunda série de seis dias (12,1; cf. 2,4;12,23), para culminar com sua mor­te. A inexistência do sábado faz com que as duas semanas simbóhcas da vida de Jesus contenham só seis dias (1,19-11, 54; 12,1-19,42). Acabada sua obra, começa o “grande descan­so” (19,31) e amanhece o primeiro dia, a semana definitiva(20,1), que põe em marcha a nova criação (-^ Escatologia

II) . _ . . . .Em consonância com esta cronologia simbólica, Jesus

fala no evangelho de “o seu dia” (8,56), denotando o tem­po de sua atividade, ou descreve esta como um período de doze horas (11,9).

Por outro lado, o fato de Jo passar do quarto dia ao sexto com a fórmula “no terceiro dia” evidencia sua intenção de associar ao tema da criação o tema da aliança, pois a mes­ma fórmula se usa emEx 19,10.11.15.16 (passada a manhã, ao terceiro dia), a fim de anunciar a teofania que no Sinai inaugurou a doação da Lei (Ex 20,1-21).

A indicação no terceiro dia alude também a Os 6,2 (hebr,): “Depois de dois dias nos fará reviver, no terceiro dia nos levantará ( = ressuscitará), e nós viveremos em sua presença”. A promessa de Oséias para o terceiro dia, que corresponde ao sexto dia de Jo, é a da ressurreição, dom que será comunicado ao homem quando Jesus entregar o Espírito (6,39). A idéia de “levantar”, contida na alusão a Oséias, encontra-se desde 5,8: hevanta-te (egeire, eqüivalen­te de anasta, cf. 5,21) até 11,25, onde Jesus declara ser ele a ressurreição (-^ Ressurreição II, III) .

O sexto dia será, portanto, ao mesmo tempo, o dia da ahança nova, da criação terminada e da ressurreição. Precisa­mente a aliança nova, em que o Espírito substituirá a Lei(1,17), consistirá na constituição da nova comunidade hu­mana, a dos homens acabados pelo Espírito, e que, por isso, gozarão da vida definitiva ( — ressurreição),

b) Divisão do sexto dia. As duas cronologias antes

expostas, a do dia que começa em Caná, sexto da primeira série de seis ( 1,19-2,1 ), e a que termina na cruz, sexto dia da segunda (12,1-19,42), dividem o sexto dia em duas partes, que se podem chamar de “o dia do Messias” e “a hora final”,

O dia do Messias (2,1-11,54) compreende toda a ati­vidade de Jesus, antecipação da obra que reaHzará com sua morte, e expÕe sua manifestação a Israel, anunciada por João (1,31) e prometida pelo próprio Jesus (1,51). A ma­nifestação a Israel é a de sua glória-amor (2,11), e será progressiva, até vir a culminar no episódio de Lázaro, último do dia do Messias, onde se menciona pela segunda vez a manifestação e a visão da glória ( 2,11;11,4,40 ). A ativi­dade do Messias, que começa em Caná, provocará sua con­denação à morte por parte da máxima autoridade judaica, o sumo sacerdote e o Conselho (2,11: Isso fez Jesus como principio dos sinais; 11,47.53: Este homem realiza muitos sinais ... Assim naquele dia resolveram matâ~lo). A manifes­tação do amor responde a manifestação do ódio, exasperan­do-se o contraste entre luz e trevas. Israel deverá fazer sua opção entre uma e outra.

A hora do Messias (cf. 12,23.27;13,1;16,32;17,1;19,14,27), parte fínal do seu dia, abrange o período de tempo que precede a terceira Páscoa, última das seis festas men­cionadas no evangelho.

As indicações que delimitam este período são numero­sas, Em primeiro lugar, a proximidade da última páscoa é dado cronológico que separa este período do anterior, termi­nado com estada de Jesus fora da Judéia, de duração não determinada (11,54), As alusões a esta Páscoa multiplicar- -se-ão ao longo do período ( 11,55bis; 12,1; 13,1; 18,39; 19, 14), prolongadas pelas menções da preparação (19,14,31, 42). _

É de notar que a Páscoa recebe pela última vez em11,55 a determinação “dois Judeus”. A partir de 12,1 (11, 55b é ambíguo) será chamada simplesmente de “a Páscoa”, pois se referirá sobretudo à Páscoa de Jésus, que é a de Deus. Ela chegará ao seu termo com o sacrifício do Cordeiro (19,28-30), ao passo que a páscoa judaica ficará truncada na preparação e jamais chegará a se celebrar ( 19,42),

Em segundo lugar, em 12,1 abre-se período de seis dias que faz coincidir o sexto dia com o dia da morte de Jesus. As datações intermédias (12,12: no dia seguinte; 13,1; an­tes da Páscoa) estão incluídas no período aberto pela menção dos seis dias. O último día será o da preparação, era que morre e é sepultado Jesus (19,31.42). Este período de seis dias corresponde ao primeiro, começado a partir de 1,19 {cf. 1,29.35.43) e culrainado era Caná, princípio da ativi­dade de Jesus e primeiro anúncio de sua bora (2,1.4). O dia de Caná terrainava a primeira série de seis dias, o dia da raorte de Jesus terminará a segunda. Assim, tanto o princípio como o fira de sua atividade estão sob o signo do sexto día, o dia da criação do homem.

Ura terceiro dado que estabelece a unidade deste pe­ríodo é a raenção, no princípio e no fim, da sepultura de Jesus e do perfume em relação com ela (12,3.5.7; 19,39s). Demonstra também a unidade da “hora" o teraa do traidor, anunciado em 6,71 e desenvolvido nas três seções deste período ( 12,4ss;13,21ss;lS,lss). Também o de Jesus rei, insinuado na seção preparatória (1,49), incluído no teraa do reino na entrevista cora Nicodemos (3,3,5) e que apa­receu em sentido negativo por ocasião da segunda páscoa (6,15). Aqui, porém, será tratado amplamente, em pri­meiro lugar em relação com a opção do povo (12,12ss) e, mais adiante, no julgamento de Jesus perante Pilatos {18, 33ss).

Note-se que os três grandes períodos do evangelho, o dia (2,1-11,54), a hora (11,55-19,42) e o novo dia (20, 1-29), começam com episódio de tema nupcial: em Caná apresenta-se como núpcias da antiga ahança que haverá de ser substituída na “sua hora”; em Betânia antecipam-se as novas núpcias-ahança em que Maria representa a esposa do Cântico (12,3), e na cena do horto (20,1.1 Iss) realiza-se as núpcias-aliança definitivas entre Jesus esposo e Maria Madalena esposa, figura da comunidade messiânica ( ^ BodasII, III; Mulher II, IV, V).

A relação da hora com o dia do Messias, formando ambos o sexto dia, o dia da criação do homem, faz-se visível por abarcar o sexto dia as seis festas mencionadas no evan­

gelho, das quais a última é esta terceira Páscoa, a da morte de Jesus (—> Festa). A superposição dos doís ciclos, o da criação do homem, representado pelo sexto día, e o das seis festas, que culminam com esta Páscoa, unifica os dois temas, criação e Páscoa, fazendo com que se veja que a criação do homem só pode ser terminada através de liber­tação, que inclui êxodo, nova aliança e Lei, e nova festivi­dade.

Ao sexto dia e às seís festas une-se ainda a sexta hora, em que Jesus será entregue à morte (19,14; cf. 4,6) com explícita menção da preparação da páscoa (19,14). Aparece assim a intenção do evangelista, que faz confluir no número seis (a hora, o sexto dia e o período de seis dias, o número de festas) o acontecimento da entrega e morte de Jesus. Este número seis, símbolo do incompleto, não desemboca, como seria de esperar, em sétimo dia, que simbolizaria reaU- dade completa mas fechada, mas em um dia primeiro (20,1) que, em vez de ser termo, é começo de nova realidade (também não se intercala sétimo dia entre a primeira série de seis días, terminada em Caná, e a segunda, começada em 12,1).

in . 'Dia-mite (-> Luz IV).

IV. Doh dias. A precisão dois dias, no fim dos dois dias (4,40.43), referidos à estada de Jesus em Samaria, aludem a Os 6,2 hebr.: depois de dois dias nos fará reviver (LXX: mela dyo loêmeras hygtasetai hêmas); (cf. Jo 3, 9a.lI.14.15); com esta alusão Jo explica o resultado da vi­sita de Jesus a Samaria (—>■ Números I I ): o povo que viu nele o salvador do mundo (4,42), recebeu dele a vida; saiu da condição de “morte” (—> Morte II) .

O caso contrário temos em 11,6: Jesus espera dois dias antes de ir ver Lázaro enfermo; não quer dar-lhe a saúde física, mas mostrar a solução radical que ele traz para a debihdade da “carne” (-^ Ressurreição II) . Na rea­lidade, Lázaro não necessita de receber a vida, pois, sendo discípulo, Jesus lha tinha dado, ürando-o da “morte”, e por isso sua enfermidade “não é para morte” (11,4), A morte física, inevitável para a came, não se deve à falta de vida/ salvação.

D isc ípu lo

Gr. mathêtês [78]; akoloutheô, seguir [18]; bodos, caminho [4]; boi dôdeka, os Doze [4]; manthanô [2].

I, Termos. O termo “discípulo” (mathêtes) é correla­tivo de “Mestre” (rabbi, didaskalos). Na época de Jesus o aprendizado não era só escolar ou intelectual, mas o dis­cípulo pretendia assimilar-se o estilo de vida do mestre, se­guindo o seu ensino e exemplo.

Aparece o termo “discípulo’* referido aos de João Ba­tista (1,35.37;3,25; João Batista V) e aos de Moisés(9,28; —> Moisés II) . Das vezes restantes se refere aos de Jesus (a partir de 2,2). O termo aparece com grande fre­qüência no capítulo 6, onde Jesus propõe a natureza do se­guimento, sempre no plural e cona o possessivo (autou) (6, 3.8.12.16.22bis.24.60.61.66); no capítulo 18 ( 18,lbis.2.15 bis.16.17,19,25), onde se estabelece a relação entre o disd- pulo que segue a Jesus e Pedro que o nega, e nos capítu­los 20-21 (20,2.3.4.8.10.18.19.20.25.26.30;21,1.2,4.7.8.12. 14.20.23.24), onde se expõem as reações da comunidade diante da morte de Jesus e o trato deste com os seus depois da ressurreição.

“Seguir” (akoloutheô) é o verbo que descreve meta­foricamente a fidelidade do discípulo à prática da mensagem de Jesus (12,26). Em sete ocasiões usa-se, negativa ou positivamente, referido a Pedro (13,36bis.37;18,15;20,6;21, 19.22); quatro vezes significa seguimento prehminar (1, 37.38.40;6,2); uma vez “os Judeus” seguem a Maria, irmã de Lázaro, e, sem o esperar, se encontram com Jesus (11, 31); outra, a caminho do sepulcro, Pedro segue o outro discípulo (20,6) ( ^ Pedro Illd ).

A atividade própria do discípulo, “aprender” (man- tbanô), aplica-se a todo homem, que pode aprender do Pai(6,45); “os Judeus” usam este verbo (estudar) em sua pergunta, em que estranham, sobre a origem do saber de Jesus (7,15); nunca designa a relação dos discípulos com Jesus-Mestre, a qual se expressa com o verbo “seguir”.

IL Eqüivalências. Eqüivalente de discípulo é “ajudan­te/colaborador” (12,26: diakonos, diakoneô, indicam o ser-

viço prestado de acordo com as mstruções de outrem, cf. 2,5.9, ou em união com ele, não por subordinação, como doulos, mas por amor; cf. 15,15). Designa, portanto, o discípulo enquanto associado à missão de Jesus (17,17;20, 21).

Os equivalentes de “seguir” são numerosos; supõe a jrimeira adesão inicial a Jesus (6,35,46: aproximar-se de­e; cf. 3,21) e eqüivale à adesão mantida {pisteuô no pre­sente; — Fé II) . Outros eqüivalentes são “cumprir os seus mandamentos” (14,15) ou mensagem (14,23), “ater-se à sua mensagem” (8,31); “comer a sua carne e beber o seu sangue” (6,35) (v. depois V II),

III, O í primeiros disdpulos. A convocação de discípu­los ao redor de Jesus verifica-se de modo específico somente antes de começar sua atívidade (1,35-51); mais tarde dir- -se-á somente que Jesus ganbava mais discípulos do que João (4,1), sem nenhum pormenor nem especificação.

Os primeiros que se reúnem são cinco: o não-nomeado e André (1,35-40), Simão Pedro (1,40-42), Filipe e Na­tanael (1,43-51). Representam três tipos de discípulos:

a) O não-nomeado e André eram discípulos de João Batista (1,35) e tinham escutado suas palavras (1,37.40), Sendo discípulos de João, romperam cora as instituições do passado (1,26: batismo com água; —> Agua I) , sabendo que essa é a vontade de Deus (1,33: o que me mandou batizar com água) e esperam o Messias anunciado por João (l,26s). Tendo escutado suas palavras (1,37.40), conhecem a quali­ficação do Messias (1,36: Olhai o Cordeiro de Deus, co­meço de 1,29-35): aquele em quem habita o Espírito e que o comunica (l,32s), o Filho de Deus (1,34) (-> Fé IV). Assim preparados pela mensagem de João, seguem esponta­neamente a Jesus (1,37.38,40), escolhem-no por mestre no lugar de João (1,38) e desejam conhecer sua morada. Jesus responde ao seguimento (cf. 6,37), toma a iniciativa ace­dendo ao seu desejo e os convida a conhecer por experiên­cia o lugar onde habita (1,39: Vinde e o vereis); ficam para viver com ele, na esfera do Espírito (1,38-39; cf. l,32s; menô; —> Unidade Ib). A ausência de nomes próprios (1,

35-39; o de André aparecerá somente em 1,40) eleva a cena à categoria de paradigma: Jo descreve nela o modelo de encontro com Jesus e a plenitude do seu efeito; de fato, estes discípulos não-nomeados antecipam a comunidade fu­tura, a que vai nascer como fruto de sua morte (17,24: quero ... que estejam comigo onde estou eu, para que con­templem a minha glória; cf. 20,19ss).

b) O segundo tipo está representado por Simão Pedro (1,40-42), o qual é discípulo de João (1,42: o filho de João; —> Pedro II) ; recebeu, portanto, o batismo de água rom­pendo com as instituições do passado e espera o Messias; contudo, não escutou as palavras de João (1,40), e por isso não conhece as características do Messias que este descreveu. Sua idéia do Messias é diferente. Daí provém que não vá espontaneamente ver Jesus, mas conduzido pelo seu irmão (1,42; cf. 7,45;9,13;18,13;19,13). O olhar de Jesus pene­tra no interior de Pedro (1,42; cf. 1,36;2,25: ele conhecia 0 que 0 homem tinha dentro) e o caracteriza como "o Filho de João”, ou seja, como discípulo fervoroso do Batista; anuncia-lhe, ademais, que será chamado “Pedra” (■ PedroIII) . Esta entrevista é muito singular; não há chamado de Pedro por parte de Jesus nem convite a segui-lo (cf. 1,41: de André; 1,45: de Filipe). André e o não-nomeado reco­nheceram a Jesus por mestre (1,38) e por ele se pronun­ciaram (1,41: Encontramos o Messias) antes de começar sua atividade, pela experiência nascida do contato pessoal (1,49: Ficaram para viver com ele). Pedro, embora estabeleça con­tato com Jesus, não o reconhece por Mestre nem se pronun­cia; sua atitude fíca suspensa,

O primeiro e o segundo tipo de discípulos apresentam duas maneiras de conceber a ruptura com a instituição: os primeiros buscam uma alternativa, o lugar onde habita Je­sus; Pedro, porém, espera que o Messias se oponha às instituições pela força ( ^ Pedro IIIc; Messias HIc).

c) O terceiro tipo de discípulos está representado por Fihpe e Natanael. Estes não pertencem ao círculo do Batista. Por isso sua espera do Messias não é concreta nem imediata, como de alguém que já “está presente” (1,26). Daí o fato de Jesus ter que chamá-lo, convÍando-o a ser discípulo

3 - Vocabulário. . .

dele {1,43: Segue-me), proposta aceita também por Nata­nael (1,49: Rãbbí). Não romperam com as instituições do passado; pelo contrário, o seu apego a elas aparece na des­crição que de Jesus faz Filipe a Natanael (1,45: Ao des­crito por Moisés na Lei e pelos profetas, nós o encontramos). Aparece aqui o contraste entre os dois primeiros discípulos, que reconheciam no Messias o portador do Espírito ( l,32s), e este, que o concebe como alguém que baverá de atuar no marco da antiga aliança {-> Bodas II) . A luz de 1,17: A Lei foi dada por meio de Moisés, o amor e a lealdade têm existido por meio de Jesus Messias, sobressai o contraste entre as duas mentalidades, a dos que aceitam a novidade do Messias e a dos que se apegam ao passado,

Ainda que apegado à antiga aliança, Filipe aceita a mensagem profética e integra o Messias da Lei no anunciado pelos profetas (para “os Judeus”, os profetas morreram: 8,52,53; —*■ Profeta IV ); daí a espera messiânica existente neste grupo, Jesus o convida a segui-lo.

Ao lado de Filipe, que já fala no plural (1,45: encontra­mos), Natanael aparece como figura representativa (1,45: ton Nathanaêl, com artigo, como figura conhecida; cf. 1,43: Philippon), cujo nome significa “Deus deu”, “dom de Deus”. Representa o Israel fiel à aliança e que espera o cumprimen­to das promessas (1,47: verdadeiro israelita). Na figura de Natanael, Jesus, como Messias, renova a eleição de Israel para o reino messiânico (1,48.50: Estando tu debaixo da figueira, fixei~me em ti, alusão a Os 9,10),

Este tipo de discípulo reconhece Jesus por mestre e Messias, ainda que no sentido exposto por Fihpe (1,49). Não fica a viver com Jesus, ou seja, não entra ainda na esfera do Espírito (cf. 1,39; equivalente de 17,24: quero que tam­bém eles ... estejam comigo onde estou eu, para que contem­plem minha própria glória), mas Jesus lhes promete essa vi­são para o futuro (1,50: coisas maiores ver às, compar. com11,40: verás a glória de Deus; e também 1,51: Vereis a este homem, compar. com 19,37: Veráo aquele que trans- passaram, do qual brota sangue e água (= a glória-amor). Dirigindo-se esta última promessa a todos os discípulos, Je­sus anuncia a integração de Israel na nova comunidade, que

se verificará ao pé da cruz na figura da mãe (19,25-27) (—> Mãe; Midher II) .

Note-se que a relação que existe entre o discípulo nao- -nomeado e André é paralela com a que existe entre Filipe e Natanael; o nâo-nomeado e Natanael, são, na realidade, personagens-tipo; o primeiro, da comunidade que Jesus pre­tende criar, a comunidade do futuro; o segundo, da comuni­dade fiel do passado, que haverá de alcançar a fé plena renunciando às concepções tradicionais ( 11,40 ). No final, na cena da pesca, Natanael aparecerá integrado na nova comu­nidade (21,2); pertence a ela também o discípulo a quem Jesus queria bem (27,7)> <íne continua a figura do não-no- meado (v, infra d).

Como representante do Israel fiel, a figura de Natanael eqüivale à feminina da Mãe de Jesus. O primeiro o repre­senta enquanto objeto de renovada eleição ( “dom de Deus” ) por parte do Messias; a segunda, enquanto origem (“mãe”) do Messias Mãe; Mulher II) .

Jo prepara nestas cenas as diferentes reações à pessoa e mensagem de Jesus: a dos que a ele aderem plenamente e seguem o Messias que libertará da opressão ( 1,29 : o pecado do mundo) comunicando o Espírito (1,33) (anônimo, An­dré); os que concebem o Messias como um líder que se oporá às instituições pela força ( Simão Pedro ) ; os que acei­tam as antigas instituições e o vêem como representante de Deus que agirá dentro deste marco (Filipe, Natanael).

Feita a apresentação dos grupos de discípulos em 1, 33-51, nunca mais tornarão a aparecer juntos o não-nomeado e André, por um lado, nem, por outro, Filipe e Natanael ( ou a mãe de Jesus). André aparecerá pela última vez em 12,22, em companhia de Filipe; daí em diante, o contraste estabele- cer-se-á entre Pedro e o discípulo amigo de Jesus (13,23s até 21,20-23).

■ Filipe aparecerá pela última vez na Ceia; a figura do resto de Israel será continuada pela Mãe ao pé da cruz e por Natanael na pesca (21,2).

Sobre as atitudes dos discípulos com respeito ao mes­sianismo de Jesus, veja Messias III, IV.

d) O discípulo a quem Jesus queria bem. A relação que

aparece entre este discípulo e o não-nomeado companheiro de André (v. infra) permite inserir sua figura em seguida às dos primeiros discípulos.

A partir da Ceia (13,23ss), Jo associa cinco vezes a Pedro a figura de um discípulo não-nomeado ( 13,23s;18,15s; 20,2-10;21,7.20ss). Em quatro delas (cf. também 19,26) é designado como “o discípulo a quem Jesus queria bem”, usando três vezes o verbo agapaô ( 13,23;21,7.20; também19,26) e uma vez o verbo ^tleô (20,2). O primeiro verbo denota o amor leal que Jesus sente por ele e que ele expe­rimenta (cf, 13,1) (-» Amor I, VIc); o segundo qualifica esse amor como sendo amor de amizade (cf. 15,13-15). O discípulo é, portanto, “o amigo de Jesus”. O fato de os mes­mos termos serem utilizados a fim de designar a relação de Jesus com Lázaro (11,3: phileô; 11,5: agapaô; 11,11: phi­los) indica que este discípulo, em sua relação com Jesus, é figura de todo discípulo e da comunidade. “O amígo de Jesus” é então a personagem mascuhna que corresponde à feminina, Maria Madalena, que, como personificação da co­munidade, representa o papel de “esposa” Mulher IV).

Na ceia, este discípulo, em contraste com Pedro, apare­ce como o confidente de Jesus, e goza de tal intimidade com ele que pode se reclinar sobre o seu peito, gesto de absoluta familiaridade ( 13,23.25;21,20). De fato, sua po­sição com respeito a Jesus (13,23: en tô kolpô) acha-se em certo paralelismo com a de Jesus ao Pai (1,18: eis ton kolpon, face a face com o Pai); nos dois casos, significa-se a imediatez do conhecimento e a intimidade da acolhida. Mas, enquanto a expressão que se refere ao discípulo é estática (en tô k.), a que se refere a Jesus é dinâmica (eis ton kolpon): Jesus, que está orientado para o Pai (relação FUho-Pai), coloca os seus no seu mesmo lugar (12,26; 14,3;17,24: estar onde está ele); unido a Jesus, também o discípulo está face a face com o Pai (cf. 20,17: vosso Pai), ou seja, Jesus é o ponto de encontro do discípulo com o Pai (cf. 1,51),

No átrio do sumo sacerdote (18,15s), a identificação do discípulo não-nomeado com o amigo de Jesus deduz-se em primeiro lugar do seu contraste com Pedro, que põe

esta passagem em paralelo com 13,23s;20,2-10;21,7,20-23. Em segundo lugar, da denominação oatw discípulo (18,15), que aparece também em 20.2, onde se trata do amigo de Jesus (cf, 18,16: ho methêtês ho dlos; 20,4,8: ho allos mathêtês)', Pedro, depois de ter interrompido o seu segui­mento de Jesus e tê-lo negado três vezes (18,16-18,25-27), segue este discípulo até chegar ao sepulcro. Em terceiro lu­gar, da cena de 20,20ss, onde Pedro quer continuar seguin­do o discípulo modeloj depois de reparar suas três negações (21,13-17).

A cena de 18,15s, segunda vez em que aparece este discípulo, é de capital importância para compreender o sig­nificado que Jo atribui a esta figura. O evangelista omite a denominação habitual (o discípulo a quem Jesus queria bem), para sublinhar o amor com o discípulo responde ao de Jesus, entrando com ele no átrio (18,15: cf. 10,1,5), ou seja, acompanhando-o no caminho que leva à morte pelo povo (cf, 18,14), De mais a mais, o evangelista menciona duas vezes que “o discípulo era conhecido do sumo sacer­dote” (18,15.16), frase relacionada com 13,55: Nisto co­nhecerão todos que sois discípulos meus: em terdes amor uns pelos outros. O discípulo leva, portanto, o distintivo próprio dos que são de Jesus, porque pratica o seu mandamento, aman­do como ele (13,34), Neste comportamento próprio do “amigo de Jesus”, como este mesmo o expressa na Ceia: Vós sois amigos meus, se fizerdes o que vos mando (15,14), referindo-se ao mandamento de amor igual ao seu (15,12). Isso é, portanto, o que faz com que seja conhecido também pelo sumo sacerdote (13,35: todos conhecerão) como dis­cípulo de Jesus, Uma vez que o discípulo, como o próprio Jesus, é objeto do ódio do mundo (7,7;15,18s), a frase era conhecido do sumo sacerdote indica ao mesmo tempo o pe­rigo que corre naquele lugar e que ele enfrenta, segundo o dito de Jesus: Desprezar a própria vida no meio desta or­dem/mundo é conservar-se para uma vida definitiva (12,25), Exphca-se assim a liberdade com que se movimenta no meio do ambiente hostil (18,16: saiu ... disse à porteira etc,); sua hberdade continua ilustrando o dito de Jesus: é livre porque não tem medo de morrer ( ^ Liberdade IV),

Ao pé da cni2 ( 19,26s) aparece o discípulo com a mãe de Jesus ( = Maria de Cléofas) (—> Mãe}, tomando o lugar da irmã da mãe { — Maria Madalena), personagem que a acompanhava na primeira parte da cena (19,25) (alternân­cia da figura feminina, Maria Madalena-esposa, e a mascuh­na, o discípulo-amigo), Nesta passagem é onde aparece com mais clareza o caráter representativo do discípulo, em corre­lação com o da mãe. Se esta representa o resto de Israel, fiel a Deus e ao Messias, o discípulo representa a comuni­dade universal, a nova humanidade que será fruto da morte de Jesus. O antigo Israel (a mãe) é integrado na nova comunidade (19,27: o discípulo a acolheu em sua casa). A mãe/Israel compreenderá que sua verdadeira descendên­cia é a comunidade que abrange a todos os povos (Aí tens o teu filho) e esta, por sua vez, compreenderá que sua origem está no povo fiel da antiga aliança (Ai tens a tua mãe) (-> Mãe; Mulher II) .

É preciso reconhecer este discípulo na testemunha que presencia a efusão de sangue e água do lado de Jesus (19, 34s), pois a comunidade afirma que o evangelho inteiro é seu testemunho (21,24), no qual se integra o que foÍ dado ao pé da cruz; é este discípulo quem, no momento-cume, man­tém-se junto do Messias crucificado. Ao se cumprir a decla­ração de João Batista sobre o Clordeiro de Deus (1,29.36), a quem não se quebrará nenhum osso (19,36; cf. Ex 12,46; Nm 9,12), o seu testemunho final completa o pronunciado por João anunciando a missão do Messias (1,32-34). Enlaça assim sua figura com a do discípulo anônimo que, tendo escutado o testemunho de João (1,37.40), seguiu a Jesus(1,37.38.40) e ficou para viver com ele (1,39). Insepará­vel de Jesus, entra com ele para chegar até à cruz (18,15), onde acolhe a mãe (19,27) e se torna testemunha (19,35).

A relação entre o primeiro e o segundo não-nomeado é insinuada, de mais a mais, pelo emprego de frases para­lelas: 1,35: dois de seus discípulos (de João, que se fazem discípulos de Jesus, cf. 1,38: Rabbi]Mestre; 1,40: um dos dois; 13,23: um de seus discípulos; 21,2: outros dois de seus discípulos (cf. 21,7).

Na cena do sepulcro, diríge-se para lá junto com Pedro (20,2.3): o que conhece e experimenta o amor de Jesus corre mais do que Pedro, e este, que não seguiu a Jesus, segue o seu companheiro até ao sepulcro (20,4.6), Em contraste com Pedro, compreende os sinais e crê na ressur­reição (20,8).

Na pesca, onde acompanha Pedro, é quem reconhece o Senhor pelo fruto da missão (20,7).

Pela úhima vez aparece Junto com Pedro na cena final do evangelho (21,20-23), onde Pedro pretende ainda se­gui-lo e Jesus o faz compreender que o seguimento faz-se sem intermediários, diretamente a ele (—> Pedro Illd ).

Mais importante do que identificar este discípulo com uma ou várias personagens históricas é definir a função que desempenha no relato evangéhco, ou seja, o significadb teo­lógico desta figura.

Resumindo o que dissemos, é o discípulo que, tendo rompido com a instituição judaica (1,35: discípulo de João) (— Agua I; João Batista II) e compreendendo a natureza do Messias (1,36.40: escutaram a João) (-^ João Batista IV) segue a Jesus e fica a viver com ele (1,39) (-^ Uni­dade Ib). É por isso seu amigo e confidente (13,23s), o que ama os outros como Jesus amou ( 13,34; 15,12 ), le­vando assim o distintivo do discípulo e sendo conhecido por todos como tal ( 13,35; 18,15.16); está disposto a arris­car a vida ( 12,25) e de fato entra com Jesus a fim de acom­panhado para a morte (18,13); como representante da nova comunidade, recebe a mãe, a antiga comunidade fiel ( 19,27 ), dá testemunho da glória (19,35), reconhece a ressurreição ( 20,8 ) e percebe a presença do Senhor no trabalho ( 21,7 ),■ Aquele que, conforme aparece descrito por Jo, “esteve com Jesus desde o início”, tanto em sentido cronológico como teológico (—> Testemunho V II), está capacitado para dar testemunho de Jesus perante o mundo (21,24). Os seus traços retratam no evangelho os traços do discípulo e da comunidade segundo o ideal que Jesus propõe, os do ho­mem novo e da nova comunidade {—*■ Hora V),

IV. A comunidade de Betânia. Em estreita conexão com o terceiro dos tipos de discípulos (Filipe e Natanael) que

aparecem na seção introdutória, como o mostra a idêntica construção de 1,44 e 11,1, está o grupo dos discípulos de Betânia próxima de Jerusalém (11,18; -> Betânia II) . São discípulos (11,1.2: irmãos, nos dois sentidos de parentesco e pertença à comunidade; Irmão I) , objeto do amor de Jesus (11,3.5), mas não romperam com a instituição ju­daica, como o mostra a deferência que lhes demonstram os partidários dela (11,19: muitos judeus do regime tinham ido ver Marta e Maria para dar-lhes os pêsames pelo seu irmão; cf. 11,31), que se mostraram sempre inimigos de Jesus (5, 18;7,1;8,59; 10,32). Por não terem rompido com o passa­do, conservam a concepção judaica da morte e da ressur­reição longínqua (11,24), que leva Maria a pranto descon­solado como o dos “Judeus” (11,33). De fato, colocaram Lázaro no sepulcro dos antepassados (11,38b: uma gruta; cf. Gn 49,29-32: sepulcro dos patriarcas) (-^ NúmerosIV ), como se a adesão a Jesus não tivesse mudado em nada a condição do homem (cf. 6,40), Marta teme que tirem a lousa, por medo do fedor da morte (11,39), É então que Jesus lhe promete que, se tiver fé, verá a glória de Deus(11,40), cumprindo a promessa feita a Natanael (1,50: coisas maiores verás). Diante da saída de Lázaro do sepul­cro, manifestando a glória de Eteus, o seu amor que concede vida capaz de superar a morte (ll,43s), esta comunidade crê. Assim presta homenagem a Jesus, o doador da vida (12,1-3).

V. "'Oí Doze". A cifra doze é simbólica em Jo. Apa­rece pela primeira vez aplicada aos cestos de sobras que re­colhem os discípulos após repartirem os pães (6,13); há aqui clara alusão a Israel, que está também presente ao aplicar-se aos discípulos (6,67).

Jo não descreve a eleição nem dá a lista dos Doze. E mais: mencionados pelos nomes, aparecem neste evangelho somente sete discípulos: André e Simão Pedro, (1,40), Fili­pe (1,43); Natanael (1,45), Tomé (11,16), Judas Isca­riotes (6,71) e 0 outro Judas (14,22). Sem nome, o com­panheiro de André (1,35.40), continuado pelo discípulo a quem Jesus queria bem (13,23), e os filhos de Zebedeu

(21,2). José de Arimatéia aparece como discípulo clandes­tino (19,38). _ _

Somente Judas Iseariotes (6,71) e Tomé (20,24) são incluídos explicitamente no grupo dos Doze. É preciso acres­centar Simão Pedro, que se faz o seu porta-voz (6,68), e André e Filipe, presentes no episódio (6,5.7.8). Essas im­precisões e a ausência de uma lista, fazem deste número um símbolo da comunidade de Jesus em seu conjunto, em opo­sição ao antigo Israel, a que se tinha aludido pouco antes com a menção dos doze cestos (6,13). "Os Doze” são, portanto, a comunidade cristã enquanto nela desemboca o passado e é herdeira das promessas de Israel. Este signifi­cado confirma-se ao se comparar as duas menções de Ju­das, que põem em paralelo “os Doze” com “os seus discí­pulos” (6,71: Um dos Doze; 12,4: Um de seus discípulos).

Por outro lado, depois da ressurreição, no episcSdio da pesca, o número doze é substituído pelo grupo de sete dis­cípulos (21,2). Aludindo o número sete à totalidade dos povos, indica o futuro da comunidade de Jesus Núme­ros V II). O número doze está em relação com Jesus en­quanto é “a salvação que procede dos judeus” (4,22; cf. 19,19: O rei dos judeus)-, o número sete, com a extensão universal do reino, simbolizada pela divisão e repartição do manto (19,23s) (-»Tomé).

VI. A eleição e a entrega pelo Paí. Jesus afirma que ele escolheu os doze (6,70) e os discípulos em geral (13, 18; 15,16.19); não são eles que o escolheram (15,16). Por outro lado, é o Pai quem lhos entrega (6,37;10,29;17,6 etc.) (—> Unidade I); o Paí atrai ò homem e o leva a Jesus (6,44), ensina ao homem a aproximar-se dele (6,45), lho concede (6,65). Organizando essas expressões, pode-se dizer o seguinte:

A voz do Pai que ensina ao Homem é a aspiração â plenitude que o homem leva em sí, como expressão e meta do desígnío criador; ao se manifestar o seu projeto realizado em Jesus, quem escuta ao Pai e aprende, aproxima-se de Jesus, em quem vê realizada sua aspiração; em outras pa­lavras, suposta a resposta positiva do homem ao desejo de

vida, o Pai o atrai impulsionando-o para Jesus, O termo deste movimento é o encontro cora Jesus concedido pelo Pai ao homem que se deixou atrair (6,63); este encontro identifica-se com a recepção do Espírito que realiza a en­trega do homem a Jesus por parte do Pai, Uma vez que o Espírito é comunicado por Jesus mesmo, nessa comunica­ção consiste sua eleição; por isso ela depende dele, não do discípulo, Ê assim a eleição que tira do mundo (1,29,33) ( ^ Espírito Va; Mundo IV; PecadoV),

A eqüivalência da entrega pelo Pai e a eleição feita por Jesus aparece na identidade do efeito: “tirar do mundo” (15,19;17,6),

V II. Seguimento, a) A adesão inicial a Jesus, condição para ser discípulo, expressa-se em termos de aproxinmr-se dele (6,35); é a resposta do homem ao oferecimento de vida que o Pai faz em Jesus (3,16), A adesão permanente, porém, expressa-se em termos de seguimento (1,37.38,40; 8,12;10,4,27;12,26;18,13;21,19,20,22). “Seguir" a Jesus é metáfora que indica a adesão permanente à sua pessoa (—> FéII) , traduzida num modo de agir como o seu (cf, 14,21: Aquele que fez seus os meus mandamentos e os cumpre ê que me ama). ,

Este movimento ou identidade de conduta que man­tém a proximidade a Jesus (“seguir/ser discípulo”), inse­re-se no plano de Deus, descrito também em termos de mo­vimento, Em primeiro lugar, Jesus é “o que vem" (1,15. 27-30;6,14;ll,27;12,13), Sua vinda eqüivale à sua missão por parte do Pai (cf, 3,17;5,36;10,36 etc.) ou ao dom do Filho à comunidade (3,16), A vinda de Jesus inaugura o seu caminho para o Pai (13,1.3); Jesus convida a todos que se unam em sua trajetória, saindo do âmbito da treva a fim de passar para a zona da luz (8,12), escapando as­sim da perdição (3,16;6,39), que é a morte (5,24).

b) O desempenho da missão a que Jesus envia (17, 17;20,21) eqüivale ao seguimento; este acrescenta, porém, o matiz de associação; a missão do discípulo desenvolve-se em colaboração com Jesus, como ele mesmo o indica (12, 26: O que quiser me ajudar, que me siga).

Outra expressão que indica a mesma realidade é a de “comer a sua carne e beber o seu sangue”, ou seja, assími- lar-se a seu modo de viver e morrer (6,53ss). Expressa-se também como “o trabalho” para ganhar o pão que dá a vida definitiva (6,27), significando a permanente adesão a Jesus manifestada no amor ao próximo. Também com “man­ter-se no seu amor” pela prátíca de seus mandamentos (15,9) e com o próprio mandamento de Jesus, que indica a identificação com ele (13,34; Como eu vos tenho amado) e sua tradução num modo de agir como o seu (ibd,: amai-vos também uns aos outros) (—> Mandamento IH ).

A metáfora do seguimento tem, porém, matiz parti­cular, o do caminho (14,4,5,6), que indica a idéia de pro­gresso. O discípulo segue o mesmo caminho de Jesus, que leva à mesma meta, à união com o Pai (14,6), Por outro lado, o próprio Jesus é o caminho (ibd.): só se pode per­correr este caminho por assimilação dele (14,15), de sua vída e morte (6,53),

A meta, como a de Jesus, é o Pai, e se atinge se­guindo sua mesma trajetória (8,21,22;13,33; cf, 13,36), o dom da vida pelos outros. Para o discípulo, porém, o Paí está presente no próprio Jesus (14,10) e a ele se chega continuamente pelo dom de si, amando como Jesus amou (13,34; cf. 10,18),

c) Se a característica do verdadeiro discípulo é o se­guimento, pode haver discípulos que não o sejam de ver­dade, por não se aterem à mensagem de Jesus (8,31), não se entregando ao trabalho pelo bem do homem, O caso extremo é o de Judas (12,4), que, a primeira vez em que se menciona, é chamado por Jesus de “inimigo” (6,70s); significa com isso não só que não aceitou sua mensagem, mas também que está inspirado pelo “Inimigo” homicida e mentiroso, o deus-dinheiro, a ambição de riquezas (12,6) (—> Judas II; Inimigo II) . Outro caso é o de Pedro; ainda que em princípio dê adesão incondicional a Jesus (6,68s), não aceita o seu amor (13,8.37) nem, em conseqüência, está disposto a praticar suas exigências; por isso não é capaz de segui-lo (13j36) Pedro IIIc).

Seguir a Jesus está em relação com produzir fruto e exige o desapego da vida (12,24-26) (-> Fruto III, IV; Pastor III; Vida Ib).

V III, O distintivo dos discípulos. Jesus estabelece co­mo distintivo de sua comunidade e de cada membro dela o amor mútuo (13,35; 'Nisto conhecerão todos que sois dis­cípulos meus: em terdes amor uns pelos outros). Este amor, que tem a mesma qualidade do de Jesus (13,34; Como eu vos tenho amado), funda sua comunidade e lhe dá sua iden­tidade no meio do mundo (-> Mandamento II I) .

Assim como a identidade de Jesus como Messias se descobre somente ao se reconhecer nele a presença do Es­pírito ( 1,32 ), assím também a identidade dos seus percebe-se pela presença do amor, que é o Espírito. Ambos os termos eqüivalem à “glória” que Jesus, recebendo do Paí, comuni­ca aos discípulos (17,22); o distintivo da comunidade é, portanto, a presença nela da glória de Deus. O caráter de resplendor próprio da “glória” está expresso na frase de Jesus pela precisão “todos” conhecerão (13,35), O amor é esplendor que irradia, e sua presença é visível para todo homem. A glória de Jesus manifestar-se-á doravante dentro da comunidade (17,24); esta, por sua vez, a manifestará ao mundo (17,10: neles deixo manifesta a minha glória) ( ^ Glória V).

IX. A comunidade messiânica, terra prometida, a) A comunidade de, Jesus é a alternativa ao “mundo”, ou seja, ao sistema ou ordem injusta (cf. 8,23). Daí os seus, unidos a ele, não pertencem ao mundo (—> Mundo IV)] A eleição que Jesus faz tira do “mundo” (15,19); essa saída é o ponto de partida do seu êxodo; o ponto de chegada é a comunidade a seu redor (cf. 15,5.9), que assím é chamada de "a terra”, no sentido de “terra prometida”. Gam efeito, da primeira vez em que aparece “a terra” em relação com o grupo de dístípulos ela é mencionada como ponto de chegada do êxodo de Jesus, começado com a passagem do mar (6,21: se encontrou a barca na terra aonde iam; cf. 6.1 ), Nos outros três casos em que aparece “a terra” em relação

com 0 grupo de disdpulos (21,8.9.11) tem o mesmo sig­nificado: é o lugar da comunidade, donde esta sai para a missão (21,3), a esfera do Espírito criada pela presença de Jesus, à cuja luz deverá ser exercida a missão (9,4s; cf. 21,3-4). Ele se situa no limite de “a terra” (21,4: na praia), para colaborar com os seus no trabalho (21,6), mas já não entra no mar (cf. 6,19); é a comunidade que continua sua obra.

É na “terra" que os discípulos encontram a comida que Jesus lhes prepara, a eucaristia, e gozam de sua pre­sença de amigo que se põe a seu serviço (21,9.13).

b) A descrição figurada do êxodo que chega à terra prometida encontra-se em 20,19-23. De noite (20,19: Ten­do já anoitecido), como no Egito (Ex 12,42), o Senhor (20,20) apresenta-se entre os seus oprimidos {20,19: medo dos dirigentes judeus) e lhes dá a paz. Como Cordeiro imo­lado que tira o pecado do mundo (a opressão; cf. 1,29), dá realidade ao êxodo libertando da apressão e da morte. Jesus aparece como centro da comunidade (20,19) da alian­ça, que possui 0 santuário de Deus, onde brilha sua glõria (20,20: mãos, lado, sinais do amor até à morte) e se co­munica aos homens (20,22; Kecebei Espírito Santo).

A comunidade, sendo terra prometida, ou seja, fase fi­nal, está ao mesmo tempo a caminho, o da missão (20,21). Temos aqui novamente a escatologia presente, mas dinâmica e atuante, própria de Jo (—> Escatologia Ic),

c) Outra figura da comunidade é a de Jesus como “a porta” onde o homem fica a salvo e encontra a pasta­gem (10,9; Pastor Illd ). Em relação com esta “pasta­gem” está o alimento que Jesus dá, o pão que é ele próprio, e que, produzindo a assimilação dele, produz vida (6,35); este pão é sua carne (6,51), sua carne e sangue (6,53ss), representados pelo pão e pelo peixe que prepara e distribui aos seus discípulos (21,13); é a água que dá a beber aos que têm sede (7,37-39; cf. 6,35: equivalênda de “comer” e “beber”). Todas essas metáforas designam a recepção do Espírito, princípio de vída definitiva.

d) Outra forma de designar a comunidade em sua fase presente e futura é “o reino de Deus” (3,3,5), já iniciado

íia história, mas tendendo à sua plenitude (-> Escatologia IV; Unidade Ia).

e) É também designada como “o lar do Pai” (14,2: hê oikia tou Patros), ou seja, a famíha do Pai, da qual Jesus vai fazer os seus membros (14,3; cf. 20,17: meus irmãos; meu Pai que é vosso Pai). Esta designação encon­tra-se já na cena de Betânia, onde a fragrância do perfume (o Espírito-amor, 12,3) enche toda a casa (oikia): o lar do Pai é o lugar onde o amor enche tudo. "A casa/lar" corres­ponde à denominação de “Pai” aplicada a Deus, que o faz passar do âmbito do sacro (templo) ao da família (cf. 4,21), onde o culto novo se realiza na prática do amor (4,23.24: com Espirito e lealdade) (—> Pai II) .

f) A constituição da comunidade, pelo amor que o Es­pírito comunica, é o fundamento da atividade e o objetivo da missão Unidade III, IV ), A comunidade existe para continuar a obra de Jesus no mundo; ela é agora o dom do Pai aos homens, que prolongam o dom do Fdho (3,16). Não há comunidade sem missão, como também não há mis­são sem comunidade de amor (—> Mandamento II I) .

X. Outras figuras de discípulos, a ) A comunidade nova está representada, como a esposa, por Maria Madalena

Mulher IV ); e, como amiga de Jesus, pelo discípulo. Para a síntese desta figura v. Discípulo Illd .

b) José de Arimatéia aparece unicamente na cena da sepultura de Jesus (19,38-42). É caracterizado como dis­cípulo clandestino por medo dos dirigentes judeus (19,38), Esta frase o pÕe em paralelo com a situação da comunidade depois da morte de Jesus e antes de experimentar sua pre­sença como ressuscitado (20,19). Aparece, portanto, como figura representativa da atitude dos discípulos depois da morte de Jesus.

Sua associação com Nicodemos o fariseu na cena da sepultura (19,40,42) está em paralelo com o pranto de Maria, igual aos de “os Judeus” por ocasião da morte de Lázaro (11,33; v, supra IV) e delata a mentalidade dos discípulos que, ancorados na concepção tradicional da morte, não crêem ainda na quahdade de vida que o Espírito produz.

a qual definitívamente supera a morte. Essa será a atítude de Maria Madalena e dos discípulos em sua visita ao se­pulcro (20,lss).

José e Nicodemos considetam Jesus como mero ho­mem (19,38: o corpo; 19,31: os corpos). De fato, José aceita as cem libras de perfume que leva Nicodemosj ten­tando perpetuar a memória do injustamente condenado, em vez de levar o perfume que Jesus tinha encomendado con­servar para o dia de sua sepultura (12,7): o amor que crê na vitória da vida sobre a morte.

Com Nicodemos, José enterra Jesus “à maneira judai­ca”, ou seja, pensando que Jesus está sujeito aos vínculos da morte (19,40: o ataram). Sem o saber, porém, preparam o leito nupcial do Esposo (19,40: panos, lençóis), que re­cebe sepuhura no lugar da vida (19,41: horto-jardim); o seu sepulcro já não será o antigo (11,38b: a gruta), mas o novo onde não reina a morte e que espera depois dele todos os que o seguirem (19,41: Onde ainda ninguém tinha sido posto) (-» André, Fihpe, Judas, Pedro).

X I. Discípulos de outros mestres. Sobre os disdpulos de João, V. João Batista V; sobre os de Moisés, v. Moi­sés II.

E lias

Profeta I.

Em c im a

—> Céu II; Pecado V.

E scatologia

Gr. hê eschatê hêmera, o último dia [7]; hé mia tôn sãbbatôn, o primeiro dia da semana [2]; meth‘hêmera$ oktô, aos oito dias [1]; hê hêmera ekeinê, aquele día [3].

I. "O último dia", a) O seu significado, A expressão "o último dia** substitui em Jo a que era habitual no judaís­mo; "o final dos dias”. Indicava a vertente entre dois mun­dos ou idades: fim do mundo antigo e princípio do mundo definitivo. A denominação "o final dos dias” indicava que o começo do mundo vindouro coincidia com o fim da his­tória.

Em Jo, a expressão “o último dia” encontra-se cinco vezes nos lábios de Jesus: quatro ve2es referida à ressurrei­ção (6,39,40.44.54) e uma vez ao juízo que exercerá sua mensagem (12,48). O narrador a utiliza uma vez para in­dicar o dia solene da festa das Tendas, em que ocorre o convite de Jesus a receber o Espírito (7,37); acha-se, por fim, nos lábios de Marta, também referindo-se à ressurrei­ção (11,24). ............................

O sentido que Jesus dá ao último dia é oposto ao que aparece nos lábios de Marta; esta continua pensando em categorias tradicionais (11,24: }á sei) e considera que o último dia é data longínqua; a ressurreição neste dia não a consola da morte do irmão. O sentido que adquire nos lábios de Jesus é explicado pelo evangelista no texto de 7,37: No último dia, o mais solene das festas. Datando desta forma o convite de Jesus, feito no presente (7,37s; Se alguém tem sede, que se aproxime de mim e que beba quem me dá adesão), ao passo que, por outro lado, afirma que só poderá ter realidade no futuro, quando manifestar

sua glória na cruz (7,39), está a transferir toda a cena para o epÍsódio'da lançada (19,34), quando do lado de Jesus sairá a água do Espírito (7,38: De sua entranha cor­rerão rios de água viva): é Jesus pendente da cruz (cf. 7,37: posto de pé) que convida a aprosimar-se e beber; o día de sua morte é “o último dia, o mais solene" (cf. 19,31), por ser o dia da nova Páscoa,

Jo concentra assim toda a espera escatológíca do AT no fato da morte de Jesus, que é sua exaltação (3,14: o Homem levantado no alto, fonte da vída definitiva). Ek constitui a vertente entre as duas eras; a escatologia inse­re-se na história; começa aquí o mundo novo, a fase defini­tiva,

Assim, os acontecimentos “do último día” verifícam-se na cruz de Jesus: o julgamento do mundo e de seu chefe (12,31s; cf. 12,48) (-» Juízo IH ), a efusão universal do Espírito (J1 3,1), a realidade da vida definitiva (3,14s), a ressurreição (6,39.40.44.54) (-> Ressurreição II I) . Na cruz começa o mundo novo (v. infra II) .

b) A criação terminada. Para Jo, o mundo antigo é o da criação ainda não acabada, o mundo da “came”; o novo é a criação levada ao seu termo, o mundo do “espírito” ( ^ Carne; Espirito V).

A atividade de Jesus desenvolveu-se ao longo do “sexto dia” (-> Dia II) , o último dia da atividade divina, o da criação do homem; ao longo dele, Jesus, com sua ativi­dade em favor do homem, foi realizando o seu amor. Este dia culmina em “sua hora” (12,23), cujo momento-cume é o de sua morte-exaltação (17,1;19,14). Nela Jesus, ofe­recendo o seu amor aos mesmos que lhe dão a morte (19, 28s), realiza o amor sem limites igual ao do Pai: é assim o Homem-Deus, meta da obra criadora (1,1c), Nele já existem a humanidade e o mundo definitivo. Daí decorre que este dia inaugure o dia solene do descanso (19,31), o mais solene das festas (7,37); este caráter festivo designa um aspecto da criação nova (cf. 16,22: e a vossa alegria ninguém vô-la tirará).

c) O dia que se prolonga. Ao entregar o Espírito (19, 30), Jesus dá a todo homem a possibilidade de terminar

em si mesmo o projeto criador. Á cruz, símbolo de sua mor- te-exaltação, é o estado definitivo de Jesus. Ele será para sempre “o Homem levantado no alto” do qual brota a vida definitiva (3,14s; 12,32; 19,34); nele brilha a glória {19,34: o sangue, o amor demonstrado) e ele comunica o Espírito {a água, o amor comunicado). A permanência de Jesus neste estado é simbolizada no evangelho pela ferida do lado aberto que continua mesmo depois da ressurreição (20,20.25,27); ele é para sempre o morto-ressuscitado, a cruz é o seu trono permanente (cf. 19,13), desde onde ele, morte e vivo, convida todos a beberem da água do Espírito (7,37'39). Daí o fato de “o último dia” se prolongar ao longo da história exercendo nela o julgamento do mundo e concedendo a vida definitiva e a ressurreição a mais e mais homens. Jesus cria assim o âmbito do mundo definitivo no meio do mundo transitório; a realidade escatológica está presente no grupo humano que adere a ele e alcança com ele a unidade com o Pai ( 17,llb.21.22,23); é o espaço “do que é de cima”, distinto de “esta ordem” (8,23), o mundo perverso ( 15,19;17,14.16; cf. 20,26: com as portas trancadas); é “a terra prometida” em que termina o seu êxodo (6,21) (-^ Céu II; Discípulo IXa; Unidade I, III) ,

Jo concebe assim a realidade escatológica como reali­zada plenamente em Jesus e a se realizar progressivamente nos homens; trata-se de escatologia presente, mas não está­tica, pois que possui dinamismo de integração. O mundo definitivo, a humanidade nova, vai existindo à medida que termina a criação em cada indivíduo pelo dom do Es­pírito.

II, O dia primeiro e oitavo. “O últímo dia”, que abre o mundo definitivo e se prolonga na história, chama-se “o primeiro dia da semana” (20,1.19, lit.: “o um da semana”, aludindo a Gn 1,3: hêmera mia). É a manhã da nova huma­nidade que começa com o novo casal: Jesus e Maria Mada­lena, figura da comunidade-esposa; começa a história do amor que responde ao amor (1,16). “O primeiro dia” é princípio do mundo novo e indica sua novidade, Como se vê na cena paralela com os discípulos (20,19-23), o dia

primeiro inaugura-se com o dom do Espírito; a escatologia dinâmica expressa-se com a missão a que Jesus envia os seus (20,21). “O primeiro dia” é ao mesmo tempo “o oitavo dia” (20,26), denominação que indica sua plenitude e o seu caráter definitivo. Por oposição ao número sete, que indicava o termo da primeira criação, o número oito denota o mundo vindouro.

O dia que é “último”, final, é ao mesmo tempo “pri­meiro”, inaugural, e “oitavo”, pleno e definitivo.

III. O dia da unidade com Jesus e com o Pai. Uma expressão que remete ao dia último e primeiro é “aquele dia”, o dia da volta de Jesus com os seus depois de sua morte ( 14,20;16,23.26). Será o dia em que a comunhão de vida com Jesus, participando do mesmo Espírito, dará aos discípulos a experiência de sua unidade com Jesus e deste com o Pai, ou seja, a comunhão no amor (14,20). Ela lhes fará compreender plenamente a morte de Jesus e a efi­cácia salvadora dò amor; sobre essa compreensão fundar-se-á o trabalho da comunidade (16,23). Dentro da comunhão do amor poderão pedir diretamente ao Pai em união com Jesus, o qual já não será intermediário, mas ponto de encontro (16,26; cf. 13,23; Discípulo Illd ).

IV. Suhir ao céu jao Pai. Jesus menciona duas subidas ao Pai (20,17: oupô anabebêka, subida definitiva, cf, 3,13; e anabatnô, subida não definitiva). A subida não definitiva é a que supõe uma volta de Jesus e corresponde à sua ida para “preparar um lugar no lar do Pai” (20,17; Subo ao meu Pai, que é vosso Pai); ou seja, para enviar aos discí­pulos o Espírito, que os faz nascer de I>eus (15,26; cf. 20, 22; 1,13;3,6). Esta “subida” identifica-se na realidade com a exaltação de Jesus, o Homem levantado no alto (3,14s; 8,28;12,31), ocorrida em sua morte (19,30: E entregou o Espirito). Torna a apresentar, pois, o fruto da morte de Jesus como a comunicação do Espírito no primeiro dia da semana (20,19.22). Começa assim a era escatológica, em que a comunidade haverá de exercer uma missão igual à de Jesus (20,21), convidando outros homens a participa­rem da nova realidade (escatologia dinâmica). Neste pro-

Escritura 8+cesso de realização da humanidade, Jesus acompanha os dis­cípulos (14,18); por isso, esta época caracteriza-se pela contínua vinda de Jesus (2049.26;21,13.22; cf- 14,3.28). Sob esta imagem descreve-se sua ação perceptível na comu­nidade reunida, em particular na celebração eucarística(21,13). . . .

A segnnda subida, mencionada duas vezes, é a defini­tiva, que não admite retorno: “subir ao céu/ao Pai para ficar” (3,13;20,17); quando se verificar, Maria Madalena, figura da comunidade, poderá realizar o seu desejo de uníão definitiva {20,17: Solta-me, que ainda não subi com o Pai para ficar), Com essa imagem Jo indica que o processo de realização da humanidade chegará ao seu termo e alcançará sua plenitude; haverá momento em que Jesus deixará de vir (21,22; enquanto continuo vindo); será então que terá lugar “a subida definitiva” (20,17a; cf. 3,13) do Homem com a nova humanidade realizada. Este modo de falar in­dica que não cessará a coexistência do mundo antigo com o novo, permanecendo somente o mundo transformado, a plenitude da nova criação. Desaparecerá “o que é daqui de baixo”, a esfera da injustiça {8,23) (-?■ Céu II) , permane­cendo somente “o que é do alto”, a esfera de Deus (ib.).

A realidade escatológica, no seu processo e no seu termo, é chamada também de “o reíno de Deus” (3,3.5). Esta expressão tradicional aparece somente no diálogo de Jesus com Nicodemos, refletindo a espera da época e alu­dindo à manifestação messiânica de Jesus no templo (2,15) (-^ Discípulo IXd; Nicodemos I).

Escr itura

Gr. graphê (sg.) [11]; hai graphai (pl.), a Escritura, o AT [1]; eraunaô, escrutar, estudar [2].

I. A Escritura. Uma só vez Jo utiliza o plural para in­dicar o AT enquanto é anúncio, figura e preparação do Mes­sias (5,39; cf. 1,46: Lei e profetas). Não se pode obter vida definitiva (= o Espírito) pdlo estudo da Escritura, mas elas dão testemunho de Jesus, o doador de vida (5,

39s). O seu testemunho é igual ao de João Batista (cf, 1,7: dar testemunho da luz) e está em paralelo com o do Paí (5,32.37: dá/deixa testemunho de mim/em meu favor), pois a mensagem de Deus contida nela, que os dirigentes não conservaram (5,37s), verifica-se nas obras de Jesus (cf, 8,55) e atesta que é o enviado de Deus (5,36): é a men­sagem do amor de Deus (5,42), que é fiel ao homem e hberta os oprimidos (5,3ss) Palavra Ilb ),

Assim como. Jesus diz aos seus adversários que o estu­do da Escritura deverá levá-los a ele (5,37), os fariseus, por seu lado, recomendam a Nicodemos o mesmo estudo como argumento a fim de recusar a Jesus toda espécie de enviado de Deus (7,52). Não se aproximam da luz porque o seu modo de agir é perverso (3,19s).

II, Texto da Escritura. O singular (bê graphê) denota uma passagem determinada da Escritura; tomada geralmente de tnn salmo (2,22;7,38;10,35;13,18;19,24.28;17,12 reme­te a 13,18), também do Êxodo (19,36) e dos Profetas (17,37;20,9 parece remeter a Is 26,10 segundo o texto im­plícito em 16,21). Em 7,42, nos lábios do povo, incluí doís textos {2Sm 7,12 ou Sl 89,34 e Mq 5,2). '

As citações nem sempre são Hterais; Jo adapta os textos ou os combina (7,38; cf. Sl 78,16;13,18, cf. Sl 41,10).

III, A fórmula “estava escrito”. Designa-se também a Escritura ou a Lei com a fórmula “estava escrito” {ên ge- grammenon: 2,17;6,31.45;10,34;12,14.16;15,25). O uso desta fórmula para anunciar o conteúdo do letreiro da cruz (19,19: ]esus o Nazareno, o rei dos judeus) e as línguas em que estava escrito (19,20: em l>ebraico, latim e grego), e, além disso, a acumulação na perícope de formas verbais de grãphô (escrever) {19,19bis.20,21,22bis) mostram que o letreiro da cruz é o título da nova Escritura, a definitiva (19,22: O que escrevi, escrito o deixo), cujo conteúdo é o próprio Jesus na cruz.

IV, O cumprimento dos textos. Para indicar o cumpri­mento de um texto Jo usa o verbo pleroô em oração con­secutiva {l}ina consecutivo; 12,38; 13,18; 15,25; 17,12; 19 24.

36). SÓ uma vez, na cena ck morte de Jesus, usa o verbo teleioô, dar remate, que nos outros casos se refere à reali­zação da bora do Pai por parte de Jesus (4,34;3,36; 17,4) ou nos discípulos (17,23). O verbo teletoô indica, pois, que o fato que se narra faz culminar o cumprimento do texto, que pode ter sido cumprido antes (pleroô). O texto a que se alude é o citado em 15,25: Odiaram-me sem razão (Sl 69,22), que enuncia o dito/mensagem escrita em sua Lei, contraposto à mensagem de Deus e de Jesus. Quando chega ao seu extremo o cumprimento da mensagem do amor ao homem, chega também a do ódio ao homem: ao amor gratuito opÕe-se o ódio gratuito (19,28).

Há passagens da Escritura que se verificam em Jesus (2,17;7,3S;12,14;13,18;19,24.28.36). Em duas ocasiões afirma-se que os discípulos não entendem uma passagem até depois da morte-ressurreição de Jesus (2,17,22; 12,14.16; cf, 20,9). Para dar a adesão a Jesus, é preciso partir de sua pessoa e atividade (7,31), e não dos textos escritos (7,42); estes deverão ser vistos à sua luz.

E sperança

Gr, elpis (não em Jo); elpizô, esperar, ter esperança

[1]. .Além da ausência em Jo do termo “esperança”, a úni­

ca vez que aparece o verbo (5,45) aplica-se aos dirigentes judeus, Jesus lhes declara que Moisés, em quem tinham eles posto sua esperança, será, pelo contrário, o seu acusador (—> Moisés II).

Na comunidade de Jesus, as realidades escatológicas es­tão já presentes: os que lhe deram adesão não estão sujeitos ao juízo (3,18;5,24); a vída definitiva, própria do mundo futuro, não é objeto de esperança, mas de posse (5,24: passaram da morte à vida). O seguimento de Jesus tira das trevas (8,12), zona da reprovação divina (3,26); a assimi­lação de Jesus, na prática do amor ao homem, produz a vida definitiva (6,54); o discípulo vive já em união íntima com Jesus (cf. 10,14-15; 15,Iss) e com o Pai (14,23; 17,3), participando de sua glória (o Espírito; cf. 17,22; Espí­

rito IVb). Jesus assegura de mais a mais para os seus que o desígnio do Pai e dele é que ninguém dos que Ibe dão sua adesão se perca (6,39; c£. 3,16;10,28s; ^ Criação V). A salvação não é, pois, objeto de esperança, mas de experiên­cia, a experiência do amor de Jesus presente no amor aos irmãos ( ^ Amor V IIIj Escatologia III) ,

E spírito

Gr. pneuma [24]; pneuma hagion, Espírito Santo (1, 33;14,26;20,22), pneuma tês alêtheias. Espírito da verda­de ( 14,17;15,26;16,13). Frases: hydôr kai pneuma, água e Espírito (3,5); pneuma kat alêtheia. Espírito e lealdade (4,23.24); pneuma estin kai zôê estin, são Espírito e são vida (6,63).

I. Conceito e usos de pneuma em Jo. O termo pneuma significa primordialmente “vento” (força), "alento” (vída). Em seu sentido positivo, é força vital.

Contudo, já no AT, o Espírito-vento ou alento de Deus (Jz 5,10; iSm 10,10; Is 63,14), que é força de Deus (Mq 3,8), admite o simbolismo da água fecundante (Is 44,3; Jl 3,ls; Zc 12,10; cf. Ez 39,29). Seus efeitos expres­sam sempre variações do tema da vida (Is 32,15-18;44,3; Ex 36,25-28:37,5-14).

Jo emprega o termo pneuma somente em sentido po­sitivo (cf, 6,18: anemos, vento, em sentido negativo). Or­dinariamente designa o Espírito divino, uma vez o pneuma de Jesus (11,33), duas vezes o homem-pneuma (3,6;7,39).

Em Jo, o grande símbolo do Espírito é a água (-^ AguaIII) . No contexto das núpcias-aliança, porém, o é a água convertida em vinho, símbolo do amor (2,3.9.10) ( ^ Á ^aII) .

II. Equivalências. O Espírito que desce do céu sobre Jesus e permanece nele (1,32.33) é a riqueza-glória (doxa) do Pai, o seu amor leal (charis kai alêtheia), cuja plenitude comunica ao Filho úníco (1,14).

Daí o paralelo entre as frases: amor e lealdade (1,14.

17: charis kai dêtheia) e Espírito e lealdade (4,23.24; pneuma kai alêtheia).

Igualmente se encontram em paralelo 1,16: de sua plenitude iodos temos recebido (elabomen; 17,22; dedôka) um amor (charin) e 20,22: Recebei (tabele) Espírito Santo (o dom do amor).

Um terceiro paralelo encontra-se entre as expressões “amor e lealdade” (1,14.17: charis kai alêtheia) e “Espírito Santo” ( 1,33;14,26;20,22: pneuma hagion). O Espírito é a charis enquanto em Deus é amor gratuito (charis) que se manifesta no dom gratuito (charis) do mesmo Espírito ao bomem. O Espírito “Santo” ( = o que santifica ou consa­gra) dá ao homem, com a consagração que efetua, a fideli­dade/lealdade (alêtheia) que qualifica o amor.

Por outro lado, a “glória-riqueza” que o Pai tinha dado a Jesus eíe a dá aos seus, a fim de que sejam um como o é com o Pai (17,22); essa glória (amor leal), que produz a unidade, é o Espírito que Jesus infunde aos discípulos (20,22), o mesmo que ele recebeu e o torna um com o Pai (l,32s;10,30) ( ^ Amor II; Céu III; Glória II, V).

“Espírito” significa também “homem nascido do Es­pírito” (3,6; cf. 7,39: ainda não havia espírito) e equívale a “o amor e a lealdade” que existem por meio do Jesus Messias (1,17).

III. O Espírito em ]esus. Deus é Espírito (4,24; cf. IJo 4,8: Deus é amor). Ao descer o Espírito sobre Jesus e permanecer nele de forma estável (1,32.33), realiza em sua condição humana o projeto divíno (1,14: o Projeto feito “carne”/homem), faz de Jesus o Homem acabado, o modelo de Homem (o Filho do homem), que possui a ple­nitude da riqueza (doxa) do Pai (1,14), a plenitude do Espírito; a condição humana chega assim ao seu cume (“o Fiího do homem”) ao ser o homem “o Filho de Deus”(1,34), o Deus gerado (1,18; cf. 20,28), em quem se faz visível o Pai (12,14;14,9) (Hnha da criação) (“ GlóriaIII) .

Ao mesmo tempo, o Espírito que desce sobre Jesus e permanece nele (1,32,33, o novo Daví, cf. iSm 16,13) con­

sagra-o Messias ( = Ungido, Consagrado, c£. 1,41;6,69) (li­nha da aliança-Páscoa). A esta consagração refere-se Jesus em 10,36 e de novo em 17,19. A ela alude Pedro em sua declaração (6,69: o Consagrado por Deus), A consagração confere a missão (10,36; 17,18;20,21s).

O Espírito faz de Jesus ao mesmo tempo o Homem- -Deus (1,18; 1,34: o Filho de Deus) e o Messias, Unem-se assim as linhas da criação e de salvação-libertação (Páscoa) (-^ Fé IV ). O Messias libertador esperado não é outro senão o Homem acabado, a reahzação do projeto criador de Deus, A salvação reahza-se levando a termo a criação (1,17: egeneto, cf. 1,3.10) (-» Criação II) .

IV. O Espírito comunicado, a) Jesus, que possui o Espírito, pode comunicá-lo; e mais: tal é sua missão como Messias (1,33: o que batizarà com Espirito Santo), contra­posta à missão de João (1,26: eu batizo com água) (-^ ÁguaI), O “batismo” de Jesus põe o Espírito em relação com outra água, que nãa é a de João (3,5; nascer de água e Espírito, da água que é o Espírito), a que brotará do lado de Jesus na cruz (19,34: saiu sangue e água); explica-se assim a frase “nascer de novo/do alto” (3,3,7), ou seja,da água-Espirito que desce do Homem levantado no alto(3,13,15; 19,30) (—> Céu III; Nascimento I).

O paralelo que cria o termo “batizar”, aplicado aobatismo com água e com Espírito Santo, mostra que o se­gundo integra a característica do primeiro; a ruptura com a instituição (“ o mundo ”), significada pelo batismo de João, é levada ao seu pleno efeito pelo batismo com Espírito; é o Espírito que separa do “mundo” perverso (“Santo” = consagrador, separador),

b) Por se identificarem Espírito e glória (amor leal), é necessária a manifestação da glória do Pai na morte de Jesus (17,1), a fim de que o Espírito (a glória) possa ser comunicado (7,39; cf. 17,22;1,16). Na morte de Jesus, a manifestação da glória-amor do Pai coincide com a entrega do Espírito, que é a culminação de sua obra (19,30,34).

A plenitude da glória (amor leal), que reside em Je­sus, faz dele o santuário de Deus (1,14;2,19,21), o novo

templo de onde jorram os rios do Espírito ( = glória-amor) {7,38.39). Os que lhe dão adesão podem beber desta água viva (7,38.39), recebendo assim de sua plenitude (1,16: cbaris, amor-Espírito). Por referir-se esta efusão da água- -Espírito à manifestação da glória (7,39), unem-se na cruz de Jesus as duas imagens da água: a que faz nascer (3,3.3) e a que se dá a beber (7,37-39; cf. 4,14), e ambas com a do novo templo-santuário no qual brilha a glória (2,19.21) e do qual brotam os rios do Espírito (7,37-39) (-» Templo Ille ).

c) A comunicação do Espírito caracteriza a nova alian­ça substituindo a lei (1,17: amor e lealdade = Espírito) {— Bodas II; Água II) . Ficará realizada na cruz (19,30: e entregou o Espírito) e será eficaz nos que o receberem do lado aberto (19,34: saiu sangue e água) (-> Nascimen­to I).

V. Efeitos do Espírito no homem, a) A comunicação do Espírito ao hotnem produz separação (consagração) ou ruptura consumada com '‘o mundo”, e assim o liberta do “pecado do mundo” (1,29), a integração em “esta ordem”(8,23), fazendo-o passar à esfera divina (8,23; o que é do alto) (—> Céu II) . “O mundo” em seu sentido pejora­tivo, o sistema de injustiça, é caracterizado por sua atitude contra a vida e o homem (2,44: homicida e mentiroso) (— Inimigo V); por ser o Espírito equivalente do amor leal, a separação efetua-se pela mudança de atitude, pondo-se a favor do homem ( Pecado V ).

b) Cora outra imagem, o Espírito, princípio vital, pro­duz no homem um “novo nascimento” {3,3.5,7) ou origem, que se contrapõe ao da “carne” (3,6), caracterizada pela de­bilidade. O Espírito realiza o homem fazendo cora que su­pere sua condição de “carne” ( ^ Nascimento II; Came), ou seja, levando a termo nele a obra criadora (cf. 20,22: soprou, Hnha da criação). Em outras palavras, o homem não chega a sê-lo de todo enquanto não possuir a capacidade de amar que lhe comunica o Espírito; assim completado (nascido do Espírito) é “espírito” (3,6), pois tem capaci­dade de amor generoso e gratuito que procede do próprio

Deus e é semelhante à de Deus (4,24: Deus é Espírito); ela transforma sua condição, libertando-o da debilidade e cadutídade próprias da carne. Antes que Jesus mani­festasse sua glória (era sua morte por amor ao homem), não existia “espírito”, ou seja, homens completados pelo Espírito (7,39); a missão do Messias é fazer com que exista o amor leal (= espírito, 1,17) (—> Criação V).

“Nascer do Espírito” significa “nascer de Deus” (1,13) e receber a capacidade de “fazer-se filho de Deus” (1,12), pela seraeUiança com ele que produz a prática do amor ( ^ Filho II I) .

c) O Espírito comunicado ao homem, simbolizado pe­la água viva e vivificante (4,14), converte-se em manancial interior que vivifica o ser e a atividade de cada ura; é prin­cípio personalizante, que desenvolve as capacidades do ho­mem e produz vida definitiva (4,14: eis zôên aiònion; cf. 6,63: to pneuma estin to zôopoioun).

d) A prática do amor leal, atividade do homem ins­pirada pelo Espírito, é o ánico culto que o Pai aceita (4, 23.24: Com Espirito e leddaãe), o amor que responde ao amor de Jesus (1,16) (->■ Pai II; Templo IV).

e) As exigências de Jesus, que requerem do discípulo a identificação com o amor expresso por ele em sua vida e morte ( ~ comer sua carne e beber seu sangue ), são Espírito e, em conseqüência, são vida (o Espírito — prin­cípio vital), pois a prática dessas exigências comunica o Espírito sem medida (3,34), dando ao homera vida cada vez mais abundante (cf. 10,10). O dom inicial do Espírito dá ao homem a capacidade de amor generoso, e a prática desse amor é fonte inesgotável de Espírito.

VI, O Espírito na comunidade, a) A função do Espí­rito na comunidade é ser o protetor permanente que lhe dá segurança (14,16-17). Ele lhe ensina recordando-lhe a men­sagem de Jesus: a experiência do Espírito recebido descobre o sentido de suas palavras (14,26). É o Espírito da verdade porque transmite a mensagem de Jesus (a do amor até ao extremo), que é “a verdade" (14,6), e porque, ao ser aceito (como EspírÍto-amor), a experiência de vida que pro-

du2 faz com que se conheça a verdade (8,31-32), Ensina enquanto é “o Espírito Santo”, porque a consagração que ele produz consiste na fidelidade a Jesus pela aceitação e prática de sua mensagem (17,17: consagra-os com a verdade: verdade é tua mensagem) ( ^ Verdade Ilh ),

b) A vinda do Espírito à comunidade é inseparável da de Jesus (14,1749); o novo protetor não o substitui, mas o faz ficar presente, ou seja, Jesus se constitui centro da comunidade como doador do Espírito (20,19-23); é novo protetor porque interioriza Jesus nos discípulos; é uma nova qualidade da ajuda do próprio Jesus: não exterior, como antes de sua morte-exaltação, mas interior (14,17: Vós 0 reconheceis, porque vive convosco e, de mais a mais, estará em vós).

Jesus recebe o Espírito do Pai para enviá-lo aos discí­pulos (15,26), em outras palavras, o Pai o envia a pedido de Jesus (14,26); Jesus roga ao Pai o qual envia aos dis­cípulos o Espírito dâ verdade (14,16).

O Espírito ( = a gIórÍa-amor) faz com que a comuni­dade seja una pelo vínculo do amor; cria a unidade uniudo com Jesus e nele com o Pai ( 17,llb.21.22.23) e dá a ex­periência interior desta unidade (14,20) (—> Unidade III) . Consagra os discípulos para a missão, que é a mesma do Messias (17,17-28;20,21-22) (—> Verdade Ilh ) e que, como a sua, liberta do pecado (20,22).

Na missão, o Espírito da verdade dá testemunho de Jesus aos discípulos, que informa o testemunho deles e Uies dá liberdade (15,26-27) (-> Testemunho V II). Ele os sus­tenta perante a hostilidade do mundo, dando-lhes segurança em seu posicionamento (16,7-11). Ele lhes irá interpretan­do os acontecimentos, capacitando-os assím para uma mis­são eficaz (16,14.15), O Espírito fala na comunidade por meio da mensagem profética (16,13), cujo conteúdo recebe de Jesus ( 16,14-15 ).

V II. Correspondências. Notem-se as correspondências e quase equivalência entre Espírito (pneuma), amor leal (cha­ris kãi alêtheia, agapê), glória (doxa), vida (zôê). Todos es­tes termos denotam a mesma realidade, que Jesus recebe do

Pai e os discípulos, por sua vez, de Jesus, Chama-se “Es­pírito”, enquanto é força que procede de Deus como prin­cípio vital e consagra para uma missão. “Amor”, enquanto descreve a natureza do princípio que dá vida e produz a atividade da vida. “Glória” ( = esplendor, riqueza), enquan­to é posse da riqueza do Pai e esplendor visível da atividade do amor, “Vida”, enquanto efeito do princípio vital, que eleva as capacidades do homem e informa sua atividade. A “Verdade”, por sua vez, é a experiência formulável da vida que produz o Espírito e que leva a conhecer o ser de Deus (seu amor) e o do homem (o projeto do seu amor). Veja cada um destes termos.

Esposo

Bodas III; João Batista III; Messias II; MulherIII, IV, V.

E ucarist ia

Carne II; Escatologia IV; Fruto IV; Mestre III; Mandamento V; Sangue.

Êxodo

-> Betânia II; Discípulo IX; Festa I-IV; Glória III; Liberdade VI; Pastor IIIc,d,e; Pecado V; Moisés I,

Fariseus 94

Fariseus

—> Judeus.

Gr. pisteuâ, crer, dar fé, dar/prestar adesão a alguém, confiar-se [98],

I. Emprego de pisieuô. O verbo pisteuô é característico de Jo não só por sua freqüência (96 vezes; Mt, 11; Mc, 14; Lc, 9), mas também pela peculiar construção com a prepos. eh (33 vezes; Mt 18,6; talvez Mc 9,42; IJo, 3 vezes; mais 6 no resto do NT). Pisteuô significa sempre adesão, em diversos níveis:

a) Com dativo, dar fé a um enunciado (2,22: tê gra- phê; 4,50; tô logô; 5,47: emois rêmasi; 12,38; tê akoê) ou dar crédito a uma pessoa (4,21;5,24.38.46;6,30;8,31.45.46; 10,37.38: tois ergois como declaração de Jesus; 14,11).

b) Com acusat. e dativo de pessoa, confiar-se a al­guém (2,24). _ _

c) A construção com eis acrescenta sema direcional, que confere dinamismo à ação do sujeito. Jo concebe de modo dinâmico a relação sujeito-objeto e a expressa com esta preposição. Assim se explica que, sendo em muito o que mais usa o verbo pisteuô, nunca empregue o substan­tivo pistis (sinóticos e At, 40 vezes; Paulo, 143), mais in­dicado para expressar posse/estado no sujeito do que dina­mismo sujeito-objeto. A expressão port. “crer em” não tra­duz adequadamente, por ser a preposição port, em, ao con­trário da gr, eiSf mais estática do que dinâmica. Ademais, “crer em” usa-se com complemento de pessoa (“em alguém”) e de coisa (“em algo”), Não assim pisteuô eis, cujo termo é sempre pessoal, em Jo sempre Jesus, exceto em 12,44; 14,1; Deus e Jesus (em Rm 10,10, eis indica finalidade e não termo); como atividade do sujeito em sua relação com termo pessoal; dar/prestar/manter a adesão. Em 1,12;2,23; 3,18c, o termo é to onoma, que expressa a pessoa sob certo aspecto indicado no texto (3,18: enquanto Filho único de

Deus) ou implícito (1,12: enquanto Palavra/Vida/Luz; 2, 23: enquanto Messias reformador).

d) Em 3,15 aparece a construção insólita en com da­tivo, justificada, porém, pelo paralelo com a serpente le­vantada. O Homem levantado no alto é lugar de referência fixo, ponto em que convergem os olhares de todos. “Crer” corresponde na comparação a “olhar” (ter o olhar fixo em; cf. Nm 21,9). A construção en autô marca a estaticidade do Homem (que antecipa a figura de Jesus morto na cruz), centro de coincidência do olhar/fé de todos. Em Nm 21,9 (LXX) a preposição usada é epi com acus., que denota o termo de movimento, indicando o contato (Mt 14,28s; Jo1,33); pode responder simplesmente à pergunta onde?, uni­da a verbos estáticos; Lc 2,25 (einai); Mt 13,2; Ap 14,1 (hestanai); 2Cor 3,15 (ketsthai). Tratando-se de Jesus, o Homem levantado no alto, sublinha-se o seu caráter de si­nal visível e ponto de convergência. Conforme a comparação com a serpente no deserto, supÕe-se um povo que rodeia o sinal e fixa o seu olhar nele, esperando a vida. A tradução proposta (o que o fizer objeto de sua adesão) conserva o significado de adesão e reflete ao mesmo tempo o sema de estaticidade próprio do sinal levantado.

Quando se considera a mesma figura desde a perspec­tiva de Deus (3,16) e o Homem é prova do seu amor, aparece de novo a construção dinâmica: pisteuô eis.

e) Com hoti e oração completiva que enuncia o con­teúdo da fé {8,24;9,18;11,27,42;13,19;14,10.11;16,27.30; 17,8).

f) Quando se usa sem complemento nenhum, o con­texto determina a qual das formas anteriores corresponde.

II. Equivalências. A adesão a Jesus pode-se indicar em seu momento inicial {tema de aoristo ) ou em sua perma­nência (temas de presente e perfeito). O momento inicial é expresso pelas metáforas: “aproximar-se dele” (6,35 etc.) ou “da luz” (3,19). A adesão contínua está implicada em várias metáforas que expressam diversos aspectos e efeitos da adesão: “beber a água” (7,37) significa aceitar (adesão; cf. 4,14 aor. subj,) e receber o Espírito; “comer o pão/sua carne e beber seu sangue” (6^53.58), receber sua força (o

Espírito) por uma adesão que aceita sua vida e morte como norma de vida; “trabalhar pelo pão que dura” {6,27), designa a adesão enquanto se traduz na atividade de amor para cora os outros (6,55); “seguir a Jesus” ( l,43;21,19b) expressa também a adesão enquanto a vida de Jesus é guia e norma para o discípulo (-> Discípulo V II).

II I. Condição para a adesão a Jesus. Podem-se distin­guir dois casos; a aproximação espontânea a Jesus e a res­posta ao seu convite. A aproximação espontânea supÕe op^o prévia em favor do homem, que se expressa de diversas maneiras: “escutar do Pai e aprender dele” (6,46), ou seja, reconhecer o amor de Deus pelo homem e associar-se a ele no próprio modo de agir (-^ Pai IV ); “praticar a lealdade” ou “agir em união com Deus” (3,21); “querer realizar o desígnio de Deus” (7,17), atitude que serve de critério para apreciar a procedência divina da doutrina de Jesus; “aceitar as exigências do Pai propostas por Jesus e guardar sua men­sagem” (17,6), a do amor pelo homem.

Respondem ao convite de Jesus os que não fizeram opção pessoal em proveito próprio e pela dominação; essa opção é característica do círculo de poder opressor.

Exemplifica-se isso com diversos personagens que apa­recem no evangelho: os dois discípulos de João Batista, que conhecem a natureza do Messias e, portanto, o amor de Deus pelo homem, seguem espontaneamente a Jesus e en­tram em sua intimidade (1,35-39); Filipe, apegado à menta­lidade da Lei e que, portanto, conhece imperfeitamente o amor de Deus pelo homem (cf. 14,8s), não se aproxima espontaneamente, mas responde sem vacilar ao chamado de Jesus (l,43s) (—>■ Discípulo III) . O enfermo da piscina, que tinha pecado (5,14), mas que não pertencia ao círailo opressor, mas à massa dos oprimidos, responde também ao chamado (5,3ss) (—?■ Pecado Illa ).

IV. Termo da adesão, a) O termo da adesão é Jesus, reconhecendo-se nele o Messias e FUho de Deus (20,31; cf.11,27). Essa profissão de £é, colocada no final do Evan­gelho (20,31), depois da morte-exaltação de Jesus, eqüivale a reconhecer que o rejeitado e crucificado pelo poder opres­

sor político e religioso é que realiza o desígnio de Deus Sülire a humanidade e a história (o Messias), sendo ao mes­mo tempo a expressão do amor do Pai (Filho de Deus), igual a ele (-> Filho Ilb ), que recebeu toda a sua riqueza e dispõe dela {filho = herdeiro universal, cf. 1,14;3,35) e é sua presença (12,45;14,9) ativa (5,17.36;10,37s) no mun­do, Significa ratificar o veredicto de Deus dado pelo Espírito; que o mundo tem pecado, que Jesus tinha razão e que o poder do mundo recebeu sentença (16,8-11).

b) A esta fórmuk eqüivale a que Jesus usa; crer que eu sou [o que sou] (8,24; 13,19; cf. 14,29), que se opõe à declaração de João Batista: Eu não sou o Messias (1,20) (— Messias II I) . Tendo em conta o testemunho de João sobre a natureza do Messias (1,29-34), esta fórmula encerra os seus dois aspectos; o de enviado de Deus e o de Filho de Deus (1,34) identificado com o Pai,

c) À formulação “o Messias” corresponde “ter sido en­viado pelo Pai/Deus” (3,17;3,36.38;6,29.57;7,29;8,42;10, 36;11,42;17,3.8.18.21.23.23;20,21), ou reconhecer que o itinerário de Jesus começa no Pai (13,3; 16,27.30), À for­mulação “o Filho de Deus” corresponde “ser um/estar iden­tificado com o Pai” (10,30.36.38), Por isso o mundo, que sofre por causa do pecado (1,29) (-^ Pecado II) , reconhe­cê-lo-á como o enviado do Pai, o Messias libertador.

d) Aparecem assim as profissões de fé incompletas que existem no evangelho, A de Filipe (1,44) considera-o Mes­sias segundo as descrições feitas no AT (1,45), mas não o concebe como Filho de Deus identificado com o Pai e pre­sença do Pai (14,9-11). A de Natanael (1,49), que explícita a de Filipe, considera-o “Filho de Deus” não no sentido que a expressão tinha nos lábios de João Batista {o portador do Espírito), mas no sentido de “rei de Israel”, segundo o SI 2,7. A de Pedro, em norae do grupo de discípulos, reco­nhece Jesus cotno o "Consagrado por Deus” (6,69), que se interpreta na linha de “Messias”: o Ungido/Consagrado para uma missão (10,36; 17,17s). O ceticismo com que Jesus a acollie, recordando-lhe que dentro do seu próprio grupo há um traidor, é advertência a Pedro, que o negará. Jesus não se contenta com declarações verbais; para ele a pedra de to-

4 . Vocabulário...

que da fé está na prática que toma por norma a sua vida e morte (6,33s: ccr/icr a sua carnc e beber o seu sangue).

e) Cada membro da fórmula completa corresponde a uma linha teológica do evangelho: “o Messias", à aliança- -Páscoa (êxodo, libertação; paralelo com Moisés, 1,17); “o Filho de Deus”, à Ünha da criação (o Homem-Deus), projeto realizado (cf. l,lc,18). Existe outra correspondência com o modo de descrever a atividade de Jesus: “realÍ2ar o desígnio

T\aTic tí»rmn míccíín rlíafs-

do ao homem vida definitiva; “dar remate à sua obra'* sig^ fica que Jesus, com sua resposta ao Espírito, realiza p|,eîià^ mente em si mesmo o projeto criador, a condiçãc(4,34). ,

V. A adesão imperfeita, a) Existe adesSsfxa^^s, acei­tação intelectual de sua mensagem que ní& siÇtòduz na prá­tica (8,31: Para serdes de verdade tendesque vos ater a esta minha mensag^imS^^, portanto, discí­pulos que não o são “de verdade X abrpís que lhe dão adesão pessoal, dando fé às palavx^M^vJ^us, aceitando em princí­pio sua mensagem, mas sem. à prática, Esse discípulonão conhece a verdadejipor Mo ter experiência do amor de Deus como P a i a verdade sobre Deus (o seu amor pelo h o m e ^rn ^ a verdade sobre si próprio (o pro­jeto do aníúKífè^D^ sobre ele ) ; não estabelece com Deus a relaçãt^ílM^feai e, portanto, não é livre {8.32). Entre os discíptílíss, W^aso está tipificado em Simão Pedro ( ^ Pe-

No caso de Natanael, a adesão a Jesus nasce da ção que o Messias faz de Israel {1,50: porque ... me fixei ti), mas essa motivação í incompleta (coisas maiores ve­

ras); t a adesão ao “Filho de Ueus-rei de Israel”, mas ainda não conhece o alcance de sua obra e do seu amor/glória (cf,11,40). Reconhecer que Jesus é “o MessÍas-FÍlho de Deus” eqüivale a crer que pode comunicar ao homem a vida que supera a morte (11,25-27).

c) Os discípulos deram adesão a Jesus respondendo à primeira manifestação de sua glória {2,11: vinho = Espí­rito/ amor), mas esta fé não é completa enquanto não desco­brirem todo o alcance deste amor, ou seja, toda a realidade

de Jesus (11,15.40; cf. 1,50). Por isso Jesus considera in­suficiente a fé dos seus discípulos antes de sua morte e ressurreição (16,21s): não tendo conhecido ainda o seu amor, que chega a dar a vída por eles (15,13), não podem ver os seus efeitos, comprometer-se com este amor extremo nem tomá-lo como norma; e mais; a entrega de Jesus será escân­dalo para eles (16,32), Só a experiência do seu amor total será o fundamento da fé plena (19,35) (—> Tomé; Visão V ).

VI. Fé e amor. Aderir a Jesus significa aceitar o amor que ele oferece, manifestado até ao extremo em sua morte(13,1), e tomar Jesus por modelo de vida, adotando como norma de conduta amor ao homem como o dele. ImpHca, portanto, identificação com sua pessoa, manifestada na iden­tidade de atitude e atividade. Ao aceitar o homem o amor de Jesus, recebe dele o Espírito-amor (1,33; batizar com Espíri­to Santo) que lhe dá a força para levar a cabo o seu pro­pósito e dá estabilidade à sua adesão (Santo == o que con­sagra). A comunhão com Jesus, que ptoduz a unidade de Espírito com ele, é o que se chama amor (14,15) (— Amor Vc). A adesão desemboca, portanto, necessariamente no amor de identificação com Jesus, que se traduz na atividade do amor em favor do homem (seguimento). (-> Discípulo V II).

V II. Efeitos da fé. A adesão a Jesus, dada e mantida, recebe em resposta o dom do Espírito. A ação do Espírito no homem expressa-se de maneiras muito diversas, que se podem chamar de “os efeitos da fé” (-^ Espírito V): a) o nascimento para uma vida nova e definitiva e a capacidade de crescimento (l,12s) ( ^ Nascimento I); b) a posse de vida definitiva que leva consigo a ressurreição (6,40;ll,25s) (-> Ressurreição II I) ; c) “não ter sede nunca” (6,35), em relação com o dito à samaritana (4,14); significa, portanto, a recepção contínua do Espírito-água que se torna manancial interior: a fé/adesão mantida é, portanto, o que alimenta o manancial do Espírito. Este efeito coincide com o do cumpri­mento das exigências de Jesus, que comunicam o Espírito sem medida (3,34): a adesão a Jesus manifesta-se no cum­primento de suas exigências/mantimentos (14,21) (—>■ Man­damento V). De um ou outro modo expressa-se o cresdmen*

to pessoal do crente; d) a identificação com Jesus pela par­ticipação do mesmo Espírito fará com que o discípulo con­tinue a atividade de Jesus com obras como as suas e ainda maiores (14,12),ee) “ deixar de caminhar nas trevas” (12, 46; cf. 8,12), ou seja, ficar livre da dominação exercida através da ideologia que, ocultando o amor de Deus, cega o homem e o priva de objetivo e de vida; equivale a “conhe­cer a verdade” (—> Verdade Ilb ). Daí o fato de a adesão a Jesus dar-se fora do território judaico (10,42),

V III. Obstáculos à fé e opção contra Jesus. O obstá­culo para se dar adesão a Jesus é a ideologia chamada em João de “as trevas” (1,5) ou “a mentira” (8,44) (-^ Tre­vas I). Mas, dentro deste princípio geral, podem-se distin­guir diversos casos: a) Os que utilizam a ideologia como arma de dominação sobre o povo e cobertura que lhes per­mite praticar a injustiça (3,19s); são os opressores, que optaram pelo proveito e glória pessoais (5,44; cf. 7,18), não escutam a Jesus nem querem reconhecer que sua ativi­dade procede do Pai, pois ignoraram sua mensagem e não fazem caso de suas palavras (5,36-44); são estes os que não se aproximam da luz porque o seu modo de agir é per­verso (3,19; cf. 7,7; 17,15) (-> Obra V); são os que “agem com baixeza” (3,20), cometem a injustiça (cf. 7,18) ou “praticam o pecado’' (8,34). Esta recusa a dar adesão a Jesus (10,25,26), uma vez conhecida, é sempre culpável: significa rejeitar o amor ao homem que se manifesta em Je­sus (cf. 16,9); nasce da obstinação no pecado (15,22) e nela tem o homem sua própria sentença (3,18). Produz o ódio da luz (3,20), ou seja, o desejo de apagá-la (5,18). Estes são os inimigos de Jesus.

b) Os que absolutizam uma ideologia, sobre cuja legiti­midade não admitem dúvida. Tal é o caso de Nicodemos, com respeito à Lei e sua interpretação oficial (3,10: o mes­tre de Israel; 3,12: e não credes). Não é inimigo de Jesus; pelo contrário, o defende, mas não chega a compreender sua pessoa nem a salvação que oferece (—> Nicodemos).

c) Os que concebem o Messias como triunfador terreno e não vêem em sua morte a expressão do amor que salva

(6,64); mesiriO tendo-se separado da instituição, ao se fa­zerem discípulos de Jesus, contitiuavam professando os seus princípios. Essa foi a adesão que lhe deram em Jerusalém(2,23) interpretando mal ò seu gesto messiânico (2,14-16;2,17). Está em relação com esta mentalidade o desejo de “sinais portentosos" {4,48;6,30). Outros, como “o pessoal” de Jesus (-> Irmão II) , aceitam plenamente a ideologia do “mundo” e não dão adesão a Jesus (7,3-7).

d) O povo, cegado pela Lei, a ideologia oficial, não dá adesão a Jesus apesar de ter feito tantos sinais (12,37-40). Os grandes culpados da situação são os dirigentes, que, para não pôr em perigo sua posição, ocultam a persuasão a que chegaram com respeito a Jesus (12,42s).

IX. Fé e mensagem, a) Jesus é o centro da história, o doador do Espírito e da vida; por isso, como precursor, João Batista aparece a fim de dar testemunho da luz (o Messias) e que por ele todos cheguem a crer (17,20). Para­lelamente serão depois os discípulos que com sua mensagem levarão os homens a crer (17,20); é também testemunho, que eles transmitem, recebendo-o do Espírito (13,26s). A mensagem do amor ao homem é a missão mesma e não se expõe só com palavras, mas com a atividade, pois, como no caso de Jesus, o último argumento para se crer são sem­pre as obras (3,38; Lc 10,37s;14,ll); daí o fato de que os que crêem pelo ensino de Jesus não se remetam a suas palavras, mas às suas obras (7,31), As palavras suscitam a adesão (8,30), por serem denúncia da atividade do mundo (8,26) a que se opõe a atividade de Jesus. Ele pode falar as­sim porque nele não existe nenhum pecado (8,46), ou seja, ele não pratica a injustiça (7,18), Escutar a mensagem de Je­sus é a mesma coisa que prestar fé ao Pai que o enviou (5,24),

Há progresso na fé; de dar fé à palavra/mensagem de Jesus, promessa de vida (4,50) a dar-lhe adesão à sua pessoa ao se constatar íi vida que comunica (4,53).

b ) A adesão a Jesus pela mensagem dos discípulos está exemplificada no caso da samaritana, Os seus concidadãos dão adesão a Jesus pelas palavras da mulher (4,39), que lhes anunciava a possibilidade de ter chegado o Messias salvador

(4,29), Ao se aproximarem de Jesus e o escutarem (4,40), sua fé se transforma em “saber’' que ele é “o salvador do mundo” (4,42) por terem feito a experiência de sua ação salvadora (4,40.43; dois dias) (— Día IV),

F il ip e

Gr, Philippos [12],

Sobre o chamado a Filipe (-^ Discípulo IIIc ).Filipe procede do mesmo povoado de André e Pedro,

Beísaída (—> André).

O apego de Fihpe às instituições do passado o impede de compreender o modo de vida da comunidade messiânica, baseado no amor que partUba. Quando Jesus o pÕe à prova propondo “comprar pão” como possível solução à fome da multidão (6,3), Filipe aceita o dinheiro como recurso, ainda que veja que em concreto a solução é impossível. Enquanto Jesus vai ensinardhes a partilhar, solução do amor e fonte de liberdade, Filipe pensa em categorias de comprar/vender (dependência dos que possuem), justificadas pelo comércio do templo, denunciado por Jesus como sistema de exploração (2,14-16: vendedores, cambistas),

Filipe aparece de novo no episódio dos gregos que que­rem ver Jesus (12,21s), Recorda-se sua procedência de Betsai­da aludindo-se à pesca/míssao, É chamada de “Betsaida da Galiléia”; o dado, porém, não se deverá interpretar segundo a geografia política (Betsaida pertencia à Tradonítide), mas, como na menção do lago (6,1: o mar da Galiléia, de Tibe- ríades), desde um ponto de vista étnico-relígíoso; Filipe é judeu de mentalidade, Não se atreve a tomar a iniciativa apoiando o pedido dos gregos, mas vai consultar André, discípulo mais próximo de Jesus (1,39) e ambos vão consultar Jesus ( ^ André),

Filipe aparece pela última vez na Ceia (14,8-10), Mos­tra aí não ter compreendido a natureza do Messias, sobre o qual desceu e em quem reside o Espírito (1,32s), a plenitude da glória do Pai (1,14), e que, identificado assim com o Pai, reaHza sua presença entre os homens (-^ Fé IVd).

Esta insuficiência na compreensão <Ío Messias, conce­bido como delegado ou representante de E>eus (12,13: o que vem em nome do Senhor) e não como sua própria presença, é própria dos que o concebem em categorias do AT. O pro­blema será resolvido quando se verificar a promessa de Je­sus aos seus enunciada em 1,51 (cf. 19,34.37). Filipe, po­rém, não voltará a ser mencionado.

Festa

Gr. heortê [17]. Cf. Pascha, Páscoa [10]; paraskeuê, preparação [3]; hê skênopêgia, as Tendas [1]; ta egkainia, a Dedicação [ 1 ].

I. O marco das seis festas. Jo estrutura toda a atividade de Jesus, até à sua morte (o sexto dia; —> Dia II) , dentro de um esquema de três festas. Delas, a primeira, a terceira {praticamente a central pela conexão entre Tendas e Dedica­ção) e a última são festas da Páscoa. Isso demonstra a im­portância em Jo do tema pascal, em relação com a aliança, uma das linhas-mestras do seu evangelho (—S” Criação V III).

As festas em Jo têm significado teológico. A Páscoa, em particular, implica os temas da aliança e do êxodo, que servirão para interpretar a atividade de Jesus, Esta se concebe como saída ou libertação da terra da escravidão (-» MundoIV ), que constitui novo povo Messias Vc); este possui a carta que funda sua aliança (-> Mandamento III) e chega à terra prometida { ^ Discípulo IXa).

O tema pascal já está presente no Prólogo por alusão à Tenda da Reunião (1,14: acampou), cheia da glória de Deus (1,14; glória, plenitude de amor e lealdade), que se situa no contexto do êxodo (cf. Ex 40,34-38). A mudança de aliança anuncia-se com a oposição entre Moisés e Jesus Messias {1,17); o leitor reconhece o novo povo na comunidade que fala (1,14.16: nós, todos nós).

Encontra-se mais tarde na menção do Cordeiro de Deus que tíra o pecado do mimdo (1,29) (-> Pecado II) e no hissopo destinado a colher o sangue do cordeiro, que liberta da morte (19,29), alusão a Ex 12,21ss (do cordeiro pascal)

Sangue). No seu aspecto de aliança, o tema está indicado na cena de Caná pela datação “no terceiro dia” (2,1), que remete à teofania do Sinai (Ex 19,11,15.16; c£, 2,11), nas alusões ao Esposo (-^ Bodas II I) e na entrega do Espírito (19,30) (-> Espírito IV),

II. A primeira Páscoa (2,13) é o momento da manifes­tação messiânica de Jesus no templo, centro e símbolo da instituição judaica (2,15: o açoite). Nela faz sua denúncia do templo corrompido pelo comércio (2,14-16) e anuncia sua substituição pelo novo santuário de sua pessoa (2,19,21), onde reside a glória de Deus (1,14), Ao mesmo tem­po, sua ação profética de expulsar o gado do templo (2,15; — Pastor Ila) preludia sua futura ação de fazer sair o povo da instituição que o explora e oprime (10,Iss); anuncia já o seu êxodo, o que se esperava do Messias como novo Moisés (-^ Messias V). Sobre a determinação de “a Páscoa dos Judeus”, V, Templo Illb ; Judeus Ila,

O impacto desta manifestação messiânica prolonga-se durante o primeiro ciclo (3,3,5: o reino de Deus; 3,14: Moisés no deserto; 3,16: alusão a Abraão que entrega Isaac, em relação com o cordeiro pascal; 3,28s: o Messias-Esposo, com alusão às novas núpcias-aliança) Bodas; Mulher),

III, A segunda Páscoa. Diante da Páscoa da instituição judaica (6,4), que o rejeita (4,1-3,44;5,18), Jesus propõe demonstração antecipada do que será o êxodo do Messias, Encontram-se nesta seção muitos temas pertencentes ao êxo­do: a passagem do mar (6,1), o monte (6,3.15), a tentação (6,6), a infidelidade (6,15), o maná (6,31.58) com menção explícita de Moisés (6,32), o cordeiro pascal (6,51; carne e sangue), a Lei (tema do pão e da comida, 6,51ss), a in­compreensão (6,30), a morte no deserto (6,49,58), a terra prometida (6,21). Unem-se temas proféticos, em particular da história de Ehseu (6,9; cf, 2Rs 4,42-44),

O êxodo de Jesus vem cumprir o escrito por Moisés(5,46) e se realiza a partir da insütuição judaica, que é re­belde a Deus (5,37b-38) e se opõe a Jesus (5,16-18.43); por isso não se indica ponto de partida, mas simplesmente a passagem à outra margem do mar (6,1). Essa passagem en­

cena o que mais tarde Jesus expressará como “não pertencer a esta ordem” (8,23) ou “ao mundo” (15,19; 17,14.16). O modo de realizar o seu êxodo será assimilá-lo (comer sua carne e beber seu sangue, 6,56).

IV. A terceira Páscoa é simultaneamente a “dos Judeus” (11,55), que não se chegará a celebrar (19,42: a preparação dos Judeus), e a de Jesus (12,1;13,1); nela será sacrificado o verdadeiro Cordeiro, na sexta hora do dia da preparação(19,14); realizar-se-á o êxodo de Jesus, sua passagem ao Pai(13,1), constituir-se-á o novo povo (12,23-27) ( ^ Mãe), dar-se-á o Espírito, que toma o lugar da Lei (19,30.34). Coroa o ciclo das três festas e é precedida da espera de seis dias (11,55;12,1), que lhe realça a importância. Dá começo à festa nova e definitiva.

Como festa de sentido messiânico, a Páscoa implica o tema do Messias-rei, que se desenvolve amplamente no diálogo com Pilatos e nas cenas seguintes (18,33-19,22). Enlaça-se assim com a manifestação messiânica da primeira Páscoa (v, supra II) e com a tentativa de fazer de Jesus um rei na segunda (6,15); assim como também com a manifestação messiânica em Jerusalém ( 12,12ss; cf. 12,34: o Messias), já em contexto pascal (12,12: fio dia seguinte, o quinto antes da Páscoa, cf. 12,1), mas onde pelo emprego de “o ramo das palmeiras” (12,13) incorporam-se à Páscoa motivos mes­siânicos das Tendas e da Dedicação (cf. Lv 23,39-41; 2Mc 10,7) ( ^ Messias IV).

V. Uma festa dos Judeus, seín nome, mencÍona-se em 5,1, E o símbolo de toda festa e serve para contrapor a si­tuação do povo com a instituição que o oprime (—> Judeus I, II) . A narração tem por pano de fundo a passagem de Ez 36,38-37,Iss, sobre os ossos que recuperam vida (36,38: . ovelhas, Jerusalém, festa; cf. Jo 5,1: festa; 5,2: Jerusalém, Ovelheira; Ez 37,2.4.11: [ossos] secos; Jo 5,3: secos/res­sequidos), O espetáculo da piscina, era violento contraste com a festa, marca a distância entre os dirigentes e o povo; a enumeração dos males físicos de que este sofre (5,3) acres­centa a idéia do abandono inveterado e da situação desespe­rada (5,5: trinta e oito anos) em que se encontram; a menção

da água da piscina (5,7), a das vãs esperanças que alimentam (-^ Água V). Verifica-se nesta festa a grande controvérsia sobre o descanso de preceito (5,9b) ou, de modo positivo, sobre a atividade libertadora de Jesus, que é a do próprio Deus, rejeitada pelos dirigentes que buscam matá-lo (5,16­18), Seu tema central é o critério do bem: Jesus coloca como único critério o bem do homem, acima de toda insti­tuição ou preceito; os seus adversários, a observância da Lei, ainda que essa impeça o bem do homem (5,10), Para Jesus, Deus, antes que legislador, é Pai (Criador), e o seu amor manifesto na atividade de Jesus, se propõe levar o homem à plenitude de vida (5,21,26), rejeitando tudo o que se oponha a esse desígnio (5,30;6,39) (-^ Lei IV ).

Y\. 'Na festa dãs Tendas (7,1-8,59), a ação se desenrola dentro do templo (7,14-8,59), já denunciado por Jesus na primeira Páscoa (2,13ss) e que aparece como recinto de morte incompatível com a presença de Jesus (7,19,25.30. 32,44.45;8,2,8.37,40.44,59), Os símbolos principais da festa, a água (7,37-39) (—>■ Água II I) e a luz (18,12) (-» Luz Ila ), enquadrados numa teologia do templo (—> Templo Ille ), são aplicados por Jesus à sua pessoa para descrever sua missão messiânica. Ao convidar o povo a aproximar-se dele (7,37;8,12), propõe-se como alternativa à instituição que tinha denunciado (2,13ss), O Messias que grita no templo assume o papel da Sabedoria (7,28.37; cf. Pr l,20ss). O tema do êxodo está presente no símbolo da luz que convida ao seguimento saindo das trevas (8,12); estas são o templo mesmo, âmbito da mentira que dá morte, dominado pelo deus-dinheiro (8,20: o tesouro; Inimigo II) , Do con­trário, espera a ruína individual e coletiva (7,34;8,21,23; cf. Pr l,27s).

A alternativa de Jesus é tão radical que invalida o pri­vilégio de ser füho de Abraão (8,37,39.41.56: vosso pai); a única coisa que contá é ter a Deus por Pai (8,42.47), em oposição ao pai homicida e mentiroso que inspira a atividade dos dirigentes (8,44; cf. 8,40,55).

Vll.'.í4 festa ãa Dedicação (10,22-39) retoma os temas da seção anterior (9,4; 10,25,37; as obras de Deus; 8,22;

10,24; o Messias; 10,lss,26ss; as ovelhas) e depende dela. Depois da saída de Jesus do templo, que mostrou a absoluta incompatibilidade do Messias com a instituição, Jo inverte o seu esquema ordinário: em vez de começar com uma festa e seus motivos teológicos para explicar a atividade de Jesus, parte agora de sua atividade em favor do homem, a criação pelo Espírito (9,6) (->■ Nascimento II) , e suas conseqüên­cias diante da instituição, que não a tolera (9,34); nasce daí a violenta denúncia que Jesus faz dos dirigentes judeus e a nova proposta de alternativa (9,39-10,22). A partir dela, olha-se para a realidade da festa (10,22-39); a controvérsia ratificará definitivamente a ruptura (10,31.39).

Aparecem nela os temas da realeza (10,23: Salomão), o do Messias Ungido (10,24) e pastor (10,26; ovelhas, alusão a Davi, pastor de Israel, cf. Ez 34,23), a consagração messiânica e o título real de “Filho de Deus” (10,36).

Termina com a passagem do Jordão (10,40), que alude à entrada na terra prometida e encena a ruptura e a alter­nativa de Jesus (10,42: ali) (-^ Betânia I, II) .

F il h o

Gr. hyios [55]; teknon, filho, gerado, nasddo {tiktô, gerar, dar à luz) [3]; monogenês, único gerado, unigénito, fUho único [ 4 ]; pais, menino [ 1 ]; paidion, pequenino, me­nino [2]; paidarion, pequenino [1],

I. Uío do$ termos. Hyios (filho) usa-se para indicar filho genérico em relação com o seu pai (5,19bis); aplica-se a Jesus, “o Filho”, sem mais determinação (3,17,35.36bis;5, 20.21.22.23bis.26;6,40;8,35.36;14,13;17,l); também deter­minado como “o Filho de Deus” (1,34.49;5,25; 10,36; 11, 4.27; 17,1: teu Filho; 20,31; cf. 19,7: Filho de Deus) ou “o Filho do homem/o Homem” ( 1,51;3,13.14;6,27.53.62; 8,28;9,35;12,23.24bis;13,31; cf. 5,27: filho do homem homem).

Usa-se para outras personagens: Simão o füho de João (1,42;21,15-17: Simão de João; -^Pedro II); “filho de Jc sé” (1,45;6,42); “de Jacó” (4,5); “filhos” de Jacó (4,12);

Füho lOS

também do cego com respeito a seus pais (9,19.20); do discípulo com respeito a sua mãe (19,26: teu filho); em frase semitizante, “fílhos da luz” (12,36: participantes da luz); “filho da perdição” (17,12: o que ia à perdição), No episódio do funcionário, a relação que Jesus pretende criar entre este e o enfermo é a de “filho”, por oposição à de “pequenino/súdito” (4,46b.47.30.33). Duas veres, apli­cada a Jesus, aparece a expressão “o Filho único de Deus” (3,16.18).

Monogenês (unigênit9 ), não acompanhado de hyios aparece em 1,14, subentendendo “filho”, e em 1,18, acom­panhado de Theos: o único Deus gerado.

Teknon, filho nascido de um pai, encontra-se três vezes: aplicado aos filhos de Deus (1,12; 11,52) e aos de Abraão (8,39) (—>■ Abraão I). A diferença de hyios, masculino (oposto a thygatêr, filha), este termo neutro implica tanto o varão como a mulher. Em port. usa-se como termo neutro, não marcado, o masculino plural, “filhos” (varões e mulhe­res).

Pais, menino (4,31) e o seu diminutivo paidion, pe­queno, menino (4,49; em 16,21: recém-nascido; cf. Mc 3, 42; doze anos), denotam antes de tudo a pouca idade, don­de derivam semas de inferioridade e dependência, comuns ao filho menor e ao servo. A oposição a basilikos (4,49), que denota poder, e a hyios (4,30.31.33), que implica igualdade (v. infra Ilb ), faz ressaltar o sema de dependência.

Paidarion, pequenino (6,9), sem relação no contexto a nenhuma paternidade, parece indicar o menino que está a ser­viço de outros.

II. “O Füho”. a) Para designar-se, a denominação mais usada por Jesus é “o Filho” (17 vezes), que resume o signi­ficado de “o Füho do homem/o Homem” {12 vezes) e de “o Filho de Deus” {9 vezes) ou “o Filho único de Deus” {2 vezes).

“O Filho do homem” (ho hyios tou anthrôpou), relati­vamente à designação “filho de homem/homem” (hyios an­thrôpou) que também Jesus se aplica (3,27), indica a con­dição humana realizada nele cora a excelência, plenitude e

unicidade que o constitui em modelo de tiomem, o vértice àâ humanidade (— Homem H ).

“O Filho de Deus" designa Jesus como o que possui a plenitude do Espírito de Deus, denotando a relação parti­cular e exclusiva que Jesus tem com o Pai, A expressão en­contra-se pela primeira vez nos lábios de João Batista, ex­pressando o efeito da descida do Espírito sobre Jesus (1, 32-34). A esta consagração com o Espírito o próprio Jesus associa sua qualidade de Filho de Deus (10,36). Á condição de Filho de Deus, unida à de Messias, constitui a profissão de fé da comunidade cristã (11,27;20,31). Sobre o seu sentido em lábios de Natanael, v. Messias IVa.

A denominação “o Filho úníco de Deus” (3,16.18; cf.1,14) expressa a predestinação de Jesus (17,3), por obra do amor do Pai (17,24). É Jesus quem, desde antes da criação do mundo, possui a glória inteira do Pai (17,5); pode dizer “eu” referindo-se a este projeto primordial porque desde o princípio era ele quem estava previsto para realÍzá-lo (cf. 8,37). À mesma predestinação alude o dito de João Batista: estava primeiro do que eu (1,15.30). A condição divina do FiUio único afirma-se em 1,18: o único Deus ge­rado, e, simbolicamente, na passagem onde Jesus caminha sobre as águas (cf. Jó 9,8).

A natureza da relação de Jesus com o Pai expressa-se em 5,18: chamava a Deus de seu próprio Pai (patera iâton; cf. 1,41: ton ãdeólphan ton idion, de Pedro com respeito a André, “o seu irmão carnal”, A ausência de artigo evidencia não ser relação exclusiva: através de Jesus todo discípulo participará dela, pois o Pai os ama como a ele (17,23; cf. 20,17: meus irmãos).

b) O termo “o filho” denota filho adulto, a quem o Pai fa2 igual a si comunicando-lhe toda a sua riqueza/glória(1,14), dando-lhe a lívre disposição de tudo o que possui(3,34) e ensinando-lhe tudo o que sabe; capacita-o assim a exercer atividade igual à sua (5,19). A relação pai-filho é, pois, relação entre adultos e iguais.

Jesus aparece, pois, desde o princípio como igual ao Pai, que se lhe comunicou inteiramente com o Espírito; por possuir a mesma capacidade de amar que o Pai, que é

Espírito (4,24), possui a condição divina. Mas Jesus, com sua advidade, vai atuando essa capacidade, até chegar, na cruz, à resposta total e absoluta ao dinamismo do Espírito, a dar sua vida em ato de amor gratuito que manifesta a totalidade do amor do Pai; assim realiza, por sua vez, a condição divina que o pai lhe comunicara.

Isso Jesus expressa com a dupla men^o de sua con­sagração: o Pai o consagrou para uma missão (10,36) e ele mesmo se consagra (17,19); a primeira expressão remete à descida do Espírito (l,32s), a segunda, à sua morte na cruz, sua resposta total e definitiva (19,28-30), que atualiza nele plenamente a condição divina e lhe permite comunicar o Espírito (19,30) (-> Criação IVb; — Obra II) .

Sobre a relação de "o Filho” com o Paí, v. Pai III.

III, Os filhos de Deus. Os que aceitam a Palavra/pro­jeto de Deus feito carne e vindo ao mundo, nascem de Deus e recebem a capacidade de se fazerem filhos de Deus ( l,12s). “Ser filho de Eteus”, portanto, não se identifica sim* plesmente com “nascer de Deus”. Para Jo, ser filho significa parecer com o pai pela semelhança de conduta e atividade: o homem faz-se filho de Deus à medida que vai sendo capaz de amor gratuito e generoso como o do Pai; ao amor total corresponde a plena condição de filho. O mandamento/man­damentos de Jesus, que propõem como meta amor igual ao seu, convidam a fazer-se filho de Deus (— Mandamento III) . Outra imagem para expressar esta realização progressiva da filiação é a do “caminho para o Pai”, que é o próprio Jesus: é caminho de semelhança com o Pai, tendo por modelo a Jesus (14,6) (-» Discípulo V llb).

A condição de filho é a de livre, por oposição ao descen­dente escravo que não participa da herança (8,35s) (-^L i­berdade Ib). Obtém-se por meio de Jesus, que prepara lu­gar para os seus no lar do Pai a fim de que estejam onde ele está (14,3; cf. 7,34;12,26;17,24); com esta imagem se expressa de novo o dom do Espírito, a comunicação aos discípulos da glória-riqueza que Jesus recebeu do Pai (17,22). Constitui-se assim a nova família, com um só Paí; o primeiro dos filhos é Jesus, que chama os seus de irmãos(20,17).

A morte de Jesus constituirá o novo povo, integrado pelo resto do antigo Israel e pelos “ filhos de Deus dispersos ” (11,52), pertencentes a outros povos (cf. 10,16).

Fru to

Gr. karpos [10]. Cf. therismos, colheita [2], therizô, ceifar [4], speirô, semear [2], kopos, fadiga [1], kopiaô, fatigar [3], dieuô, pescar [1], ichtys, peixe [3], opsarion, o pescado [3], Bêthsaida, porto pesqueiro [2],

I. Significado dos termos. “O fruto” designa metafori­camente o resultado da atividade de Jesus e dos seus. A metá­fora integra diversos conjuntos simbólicos: a) na imagem do grão de trigo (12,24), e na alegoria da videira o fruto se concebe como fecundidade e expansão da vida que se possui (15,2,4.5.8), b) Segundo outra imagem, o fruto necessita de trabalho preparatório (semeadura) e outro de colheita (ceifa) (4,35s), e é fonte de alegria para semeador e ceifeiro (4, 35-37), c) “A pesca”, por seu lado, é imagem do trabalho da missão (21,3), cujo fruto é representado pelos “peixes’'(21,6.8,11) e “o pescado” (21,9,10.13); o nome de Betsai­da (porto pesqueiro) alude à missão como pesca (1,44: os três discípulos que aparecerão relacionados com a missão: 12,12s;21,3ss). d) Em 4,38, o termo kopos (fadiga) desig­na o fruto enquanto resultado do trabalho,

II. Aspectos do fruto. Segundo as diversas imagens que descrevem o fruto, este se concebe de duas maneiras: a) co­mo resultado exterior, os homens em que se realiza o desíg­nio divino (ter vida definitiva) (-> Criação III, IV ), em correspondência com as metáforas da ceifa e dos peixes; b) como a expansão e o aumento da vitalidade do que o produz, segundo as imagens do grão de trigo e da videira.

Inferem-se assim dois aspectos do fruto: o primeiro é objetivo, a existência de homens completados pelo Espírito; pertence à realização do desígnio de Deus por meio da ati­vidade, dando aos homens a experiência de amor gratuito e incondicional que manifesta o do próprio Deus (9j4;4,36:

metáfora da semeadura), Os homens que constituem o fruto designam-se com várias metáforas: “homens adultos” {6,10: andres; cf, 1,30), “maior de idade” {9,21.23), “peixes gran­des” (21,11); também se refere a esta qualidade humana “o fruto para uma vida definitiva” (4,36) e “o fruto que dura” (15,16).

O segundo aspecto é o fruto “subjetívo”, o acabamento do projeto criador (o Homem-Deus; ser fÜho de Deus) (-> Criação III, IV), A atividade do amor é fecundidade daquele que a exerce, pois procede do amor {o Espírito) que nele existe; ao mesmo tempo, é crescimento, pois desen­volve sua capacidade de amor e entrega. Expressa-se de ou­tro modo, dizendo-se que as exigências (atividade do amor) do enviado de Deus comunicam o Espírito sem medida {3, 34; cf, 6,63). A este aspecto se refere a metáfora do ali­mento: para Jesus é alimento realizar o desígnio do Pai (comunicar vida ao homem) (4,34). Também a do nasci­mento do "Homem” novo, de condição divina, no meio da oposição do mundo, que causa dor e morte (16,21). Este Homem-Deus é Jesus, mas, em sua própria circunstância, também o discípulo poderá chegar a amar até à morte, como Jesus, acabando em si mesmo o projeto criador,

O fruto objetivo é crescimento em extensão: aumenta o número dos que entram no âmbito da vida, multiplica-se a nova humanidade. O fruto subjetivo é crescimento em inten­sidade: avanço no caminho para o Pai (14,6s), maior reali­zação da qualidade de fílho de Deus (1,12).

O fruto são os homens em que existe “o amor leal” {1,17); sendo este vínculo de união e comunhão, vai cons­tituindo a nova comunidade de amigos (15,13ss) e irmãos {20,17), a família do Pai cujo centro é Jesus, o primogênito. Esta comimidade é universal {19,23s) e substitui e integra o antigo povo de Deus {15,1: Eu sou a videira verdadeira; cf,ll,52;19,25-27). Assim, os samaritanos aceitam o Messias como salvador do mundo (4,42), os gregos aproximam-se de Jesus (12,20) e a útlima missão desenvolve-se em contexto não judaico (21,ls: Tiberíades, sete discípulos).

III, Condições para o fruto. Sendo o fruto a fecundi­dade pelo amor da vida que se possui, a primeira condido

é possuir essa vida permanecendo unidos a Jesus (15,4: a videira e os ramos), ou seja, permanecendo no seu amor(15,9). Quem não recebe continuamente o Espírito, prin­cípio vitai, não pode produzir fruto, não tem vida que possa ser fecunda. Quem não tem a força do amor, não pode exer­cer a atividade do amor.

Todo ramo que estiver unido a Jesus dá fruto; em caso contrário, é cortado e jogado fora (15,2). O discípulo vai produzindo fruto cada vez maior, graças à “poda” que o Pai faz, tirando os obstáculos que limitam a capacidade de amar (15,2).

A segunda condição, inseparável da primeira, é a ativi­dade em favor do bomem, cumprindo os mandamentos de Jesus (15,10), realizando as obras de Deus (9,3). A eleição que Jesus faz dos seus tem por objetivo que produzam fruto (15,16). Esta atividade e colaboração do discípulo com o Espírito que está nele (14,16: estará em vós; 20,22: Kece- hei Espirito Santo; cf. 4,14) faz com que o fruto seja inse­paravelmente de Jesus e deles (15,16: vosso fruto).

A terceira condição é que a atividade não esteja limitada por medo das conseqüências; o amor que se pratíca consiste no dom de si total e contínuo, que pode chegar até ao dom da vida (12,24); só essa disposição produz muito fruto; a falta dela deixa estéril (12,24: permanece ele só). A ativi­dade tornará visível para os homens o amor do próprio Pai, segundo o modelo proposto por Jesus: o amor até ao limite (1,14: o amor leal), disposto à entrega total. Aceitar este amor é receber o Espírito. Daí o fato de Jesus advertir que o apego à vida e o medo ao ambiente hostil malogrem o homem, impedindo-o de realizar-se no amor. Quem, po­rém, é capaz de perder-se, conserva-se para a vida definitiva (12,25).

IV, O fruto na missão, a) O episódio da pesca (21,Iss) encena as condições necessárias para o fruto e os aspectos dele. Não há fruto na noite, que equivale à ausência de Jesus (21,3) (— Luz IV ), Produz-se, porém, quando Je­sus está presente e os disdpulos escutam sua voz/mensagem (21,4-6), Pedro, que não ousara enfrentar a morte com Jesus (18,15ss), mostra-se agora disposto a dar a vida e o ex-

pressa atirando-se ao mar, gesto que simboliza a morte (21, 7). Somente quando sai da água é que pode arrastar a rede com os peixes (21,11).

b) Jesus, que usara a imagem do pastor para expres­sar sua decisão de dar a vida (10,10; cf. 12,24: o grão que morre), emprega-a a fim de corrigir Pedro em sua men­talidade que o levou a negá-lo. Suas perguntas, em contexto de missão, descrevem-na como pastoreio (21,15-17): estar disposto a morrer como Jesus é a condição para segui-lo e produzir o fruto que Pedro não obtivera com a pesca (21,3) (-» Pastor Hle, g; Pedro II I) .

c) Na eucaristia, Jesus oferece aos disdpulos o seu próprio peixe, mas pede-lhes que tragam também do que eles pescaram (21,10.13). Note-se nesta passagem a mudança de termos: ichtys, peixe, designa o fruto objetivo da missão(21,6.8.11); opsarion, o pescado, o fruto como alimento (21,10); a designação opsarion para o alimento que Jesus ofere­ce, que, sendo a eucaristia, representa a ele mesmo, designa-o como primeiro fruto do amor que o levou à morte, que continua dando-se por amor aos seus (20,9.13); “o/os pei­xes”, que os discípulos pegaram e que devem trazer (21,10), representam-nos a eles mesmos, enquanto o desenvolvimen­to do próprio amor pelo trabalho em favor do homem os capacita para darem-se em alimento (comunicar vida) à co­munidade. Na eucaristia, portanto, além do dom de Jesus aos seus, haverá de estar presente o dom de uns aos outros,

V. A alegria e o fruto, a) Abraão, que recebeu a pro­messa de ter descendência ilimitada e de ser bênção para to­dos os povos (Gn 17,Iss; 18,18), alegrou-se ao ver an­tecipadamente “o dia” de Jesus, o Messias que a realiza (8,56). A alegria de João Batista chega ao seu cúmulo ao ouvir a voz do Messias-Esposo que realiza a restauração prometida (Jr 35,10s) e que terá abundante descendência (3,30: A ele cabe-lhe crescer). Entre estas duas personagens coloca-se a história inteira de Israel, espera da felicidade promeüda.

b) O tema da alegria de Jesus e dos seus coloca-se com freqüência em contexto de missão: o fruto será motivo

de alegria para semeador e ceifeiro (4,36); o nascimento do homem é causa de alegria, que sucede à tristeza e dor da prova e perseguição (16,21): o dito está em relação, em primeiro lugar, com a ressurreição de Jesus (16,22), que com sua morte levou ao ápice o projeto divino (—> CriaçãoIV); cumpre-se no primeiro encontro de Jesus com os seus depois da ressurreição: os discípulos sentiram a alegria de ver o Senhor (20,20). Esta é a alegria pelo fruto do amor.

Esta alegria “objetiva” é inseparável da alegria “subje­tiva”: o amor praticado produz a experiência do amor; as­sim Jesus se mantém no amor do Pai (vive rodeado do seu amor) por sua entrega à atividade do amor (cumprir os seus mandamentos); os discípulos mantêm-se no amor de Jesus (vivem rodeados do seu amor) por se entregar como ele(15,10). A experiência desse amor que inunda de alegria tem-se na eficácia do pedido ao Pai em união com Jesus (16,23s), O amor do Pai, que guardará os discípulos, co­municar-lhes-á a alegria própria de Jesus (17,13).

Glóru

Gr, doxã [18]; doxazô, glorificar, manifestar a glória [23]; timaô, honrar [6]; timê, honra, estima [1]; phaneroô, manifestar [9].

I. Significado e uso dos termos. O termo gr. doxa traduz o hebr. kabod e conserva as suas acepções; riqueza, esplen­dor, Pode ser divirta ou humana. Neste último caso denota o brilho da posição social e a honra que se lhe tributa.

No AT, a glória que manifestava a presença de Deus revestia formas visíveis; a nuvem no deserto (Ex 16,7.10) ou no Sinai (Ex 24,15s); o fogo vora2 no monte (Ex24,17), a coluna de nuvem ou de fogo que acompanhava o povo (Ex 40,38; Nm 14,14); podia ter caráter de amea­ça (Ex 16,7ss; Nm 14,10-39),

Moisés quis ver a glória de Deus, mas não pôde ver oseu rosto, porque isso lhe teria causado a morte (Ex 33,18'23;34,6-8). A glória de Deus, sinal de sua presença e comunicação, encheu a Tenda da Reunião sobre a qual pou­sou a nuvem (Ex 40,34s) e, mais tarde, o templo de Sa­lomão no dia de sua Dedicação (IRs 8,10s).

Na profecia de Ezequiel, a glória abandona o antigo templo (8,4;10,4.18s) e entra mais tarde no novo (43,1-5), assegurando a presença perpétua de Deus (43,7).

O verbo doxazô, com sentido manífestativo, usa o aor. médio passivo (7,39;ll,4;13,31s;14,13;15,8) e, paralela­mente, o aor, e fut. ativos ( 12,28;13,32;16,14;17,1.4.5;21,19); também o pf. médio-passivo (17,10). Não é manifes- tativa a forma reflexiva (8,54), e daí o uso do complemento perifrástico: sou to onoma (12,28).

O mesmo se emprega na LXX, que traduz o niphal de ’adar por formas médio-passivas manifestatívas de doxazôf eudoxazô. Assim, aor,. Is 66,5: hina to onoma K. doxasthê kai opsê en euphrosynê hymôn, que o Senhor mostre sua glória e vejamos vossa alegria; fut., Ex 14,4-7; Lv 10,3; Is 24,23; enôpion: Ez 28,22; pf, Ex 15,1.6;34,29,35; 2Sm 6,20: luzir, 22; Ml 1,11: minha fama é grande.

Este uso fora antecipado por Jo na primeira manifes­tação da glória; ephanerôsen tên doxan autou (2^11), forma

explícita que anunciava o uso posterior de doxazô. De fato, a manifestação da glória em C^ná é proléptica com respeito à que terá lugar em “sua hora”, com a qual se ligam os outros textos.

“Honrar” (ttmaô) usa-se em Jo no sentido de mostrar estima de alguém (5,24: de Jesus do Pai; cf. 4,44: timê); contextuahnetite assume o sentido de reivindicar a honra do Paí (8,49) e o de enaltecer, conferir dignidade (12,26: o Pai ao discípulo).

II, Equivalêndas. A equivalência da glória divina (do­xa) com amor e lealdade (charis kai alêtheia) está explicita­mente expressa em 1,14.

A equivalência da glória-amor com “o Espírito” (to pneuma) aparece, em primeiro lugar, pelo paralelo entre os verbos usados em 1,14: temos contemplado (etheasametha) sua glória e 1,32: Contemplei o Espirito tetheamai) o Espi­rito. Em segundo lugar, Jesus dá aos seus a glória que ele recebeu do Pai (17,22); isso se verifica quando lhes co­munica o Espírito (20,22) que ele próprio recebera (l,32s) (-^ Espírito II; Amor II) .

A mesma realidade divina expressa-se em termos de “glória’' enquanto é riqueza e esplendor; em termos de “Es­pírito”, enquanto é força e princípio vital; em termos de “amor leal”, enquanto é benevolência e atividade que se traduz no dom.

III. >4 glória de Deus em Jesus, a) Jesus está cheio da glória de Deus (1,14), riqueza do Pai que ele recebe como Fílho único e herdeiro universal (1,14; cf. 3,35;13,3). Essa riqueza é o amor leal (1,14), glória-presença de Deus que o enche, como em outros tempos enchera a Tenda da Reunião, e que a comunidade pode contemplar (1,14). João Batista expressa a mesma realidade dando testemunho de ter visto descer do céu o Espírito, força do amor de Deus, e permane­cer em Jesus (1,32,33). Identifica-se assim a glória-riqueza de Deus com o amor leal e com o Espírito (-> Espírito II, IVb).

A comunicação de sua própria glória (amor) é o gesto supremo de comunhão por parte de Deus e realiza a iinídade

do Paí e do Filho (1,14;17,22; cf. 10,30;17,1I), até ao ponto de que ver Jesus é ver o Pai (12,45; 14,9) e dar adesão a ele é dar adesão ao Pai (12,44; 14,1). A plenitude da glória presente em Jesus faz dele o Filho único, o único Deus gerado, que vive na intimidade do Pai (1,18).

A presença da glória em Jesus, que o constitui em novo santuário (2,19.21), faz referência ao êxodo e à alian­ça, a qual não se funda na Lei dada por Moisés, mas no amor leal (o Espírito), que reside em Jesus e por seu intermédio existe nos homens (1,17; cf. 7,39) ( ^ Espírito IVc), fazendo-os participarem de sua plenitude (-5 AmorII) .

b) O templo de Jerusalém, destinado a ser o lugar da presença de Deus e a habitação de sua glória, foi trans­formado pelos dirigentes em casa de negócios (2,16); su­primiram a presença de Deus para entronizar o deus-dí- nheiro (cf. 8,20: o Tesouro; Inimigo II) . Daí o fato de que este templo e Jesus, novo santuário em quem habita a glória, sejam incompatíveis (8,59: Pegaram pedras para atirar nele). A saída de Jesus do templo equivale à saída da glória que o abandona, segundo a profecia de Ezequiel (v. supra I) .

IV. A manifestação da glória, a) Deus demonstra o seu amor ao mundo dando o seu Filho único a fim de que o homem tenha vida definitiva (3,16); este amor é sua ^ória, que se manifesta ao se manifestar a glória do FÜho (17,1).

A glória-amor manifesta-se em toda a atividade de Jesus como doador de vida (11,4.40), mas alcança sua expressão suprema na cruz, quando Jesus aceita voluntariamente a morte por amor ao homem, a fim de comunicar-Üie vida (o Espírito) (19,30: entregou o Espirito; cf. 19,34). A morte de Jesus é o momento culminante de “sua obra”, anunciada em Caná (2,4), onde a amostra de vitiho ante­cipava e anunciava a plena manifestação da glória-amor na cruz (2,8-10), a teofanía da aliança (2,11; Manifestou a sua glória; cf. 7,39;12,23.27s;13,31;17,l),

A manifestação plena da glória-amor na cruz continua para sempre (cf. 17,24); assim o simboliza o lado aberto

depois da ressurreição (20,20.27), donde continua inanando a água do Espírito (19,34), a glória-amor leal (v. supra II) .

b) As outras passagens que mencionam uma manifes­tação estão em relação com estes. O batismo de João tinha por objetivo que Jesus se manifestasse a Israel: a ruptura com as instituições permítíra que se manifestasse o seu amor (cf. 2,6; simbolismo das talhas/Lei que impedem a expe­riência do amor; 2,4; Não têm vinho; 2,11; Manifestou a sua glória) (— Agua II; Bodas II) .

Jesus manifesta a glória do Pai (1,14) manifestando em sua atividade a atividade do Paí em favor do homem(9,4), e dessa forma manifesta a pessoa do Paí (17,6; 12, 45: Quem me vê, vê o Pai; cf. 14,9;10,37s).

Os “irmãos” de Jesus (seu pessoal) propÕem-lhe mani­festação que ele nlo aceita; é a do poder e da fama, e não a do amor (7,3s) (“ Irmão II) .

Note-se a tríplíce repetição do verbo “manifestar-se” no capítulo 21 (21,Íbis.14) para indicar a continuidade (21,14) e particularidade dessa aparição de Jesus relativamente às duas anteriores (20,19-29). Esta manifestação, que se verifica durante o trabalho/missão da comunidade, é a ma­nifestação do seu amor, que com a palavra e a ação o torna presente nela. Está em relação com o anunciado a Judas (não o Iscariotes) na Ceía: ao que me ama o Pai lhe de­monstrará o seu amor e eu também lho demonstrarei mani­festando-lhe (emphanisô) a minha pessoa (14,21). Por isso é o discípulo que corresponde ao amor de Jesus quem per­cebe sua presença Números III) .

V. A comunicação da glória. Jesus comunica aos seus a riqueza (glória) do seu amor, que ele recebeu do Pai (17, 22; cf, 1,16.17); ele os introduz assim na intimidade divi­na (17,3), realizando a unidade dos seus consigo e com o Pai (17,22) (— Unidade III) . Esta glória-amor é o Es­pírito que a comunidade recebe da plenitude de Jesus ao manifestar sua glória na cruz (19,30.34; cf. 7,39) Es­pirito IV ), Por isso, à visão de João Batista, que vê descer o Espírito sobre Jesus (1,32), corresponde a da testemunha (19,35; cf. 1,14; Temos contemplado), que na “hora” vê

descer de Jesus, junto com o sangue (o seu amor demons­trado com a entrega de sua vida), a água do Espírito (o amor que comunica) (19,34).

VI. Glória de Deus e glória humana em Jo. Jo distin­gue entre a glória que vem de Deus e a que vem dos homens (5,41.44;12,43), assitn como entre buscar a pró­pria glória e buscar a de Deus (7,18;8,50.54).

Procurar a glória humana significa preocupar-se com sua própria posição social e com o seu prestígio ainda que com prejuízo dos outros (12,42s). Este afã é incompatível com a glória que vem de Deus (o amor leal) que dedica o homem ao bem dos outros desprezando a glória humana e até deixando a vida neste empreendimento. Quem busca a própria glória comete injustiça e não é digno de fé (7,18).

Busca-se a glória do Pai (a manifestação do seu amor) quando se trabalha no sentido de levar a cabo a sua obra (17,4), o seu desígnio de amor ao homem (cf. 4,34;6,39s) (-» Criação III, V). Os dirigentes judeus cuja arividade não se atém ao desígnio de Deus, mas ao do Inimigo ho­micida e embusteiro (8,44), apetecem e aceitam a glória humana (5,44), e isso é prova de que neles não está o amor (glória) de Deus (5,42,44),

H o m e m

Gr. anthrâpos [60]; anêr, varão adulto [8]; hyios anthrôpou [1]; ho hyios tou anthrôpou [12].

I. Termos. Homem (anthrôpos), usado no plural pode significar o gênero humano (1,4.9), a maioria dos homens(3,19) ou um grupo de pessoas (6,10.14); no singular, uma pessoa ou indivíduo concreto (4,50), Com relação à quahdade da pessoa é termo ambíguo; pode indicar o ho­mem enfermo, inváhdo ou cego, o homem inacabado (5, 3;9,1) ou o próprio Jesus, o modelo de Homem {9,11; 19,5),

“Varão" (anêr) denota o homem adulto (1,13; cf. 1, 30, de Jesus, conotando o “Esposo”); ''marido”, em 4,16­18. Usa-se simbohcamente como termo para designar o ho­mem acabado pelo Espírito (1,30;6,10), em paralelo com a expressão “ser maior de idade” (9,21.23: helikian echei) e com o símbolo dos peixes “grandes” (21,11),

II. O Homem jo Vilho do homem. A auto-desÍgnação que Jesus usa, este Homem, gr. ton hyion tou anthrôpou, o Filho do homem, reflete modismo semita comum que uti­liza o morfolexema ben (hebr.) ou bar (aram.), que, no seu uso lexemático, significam “filho”, para expressar re­lação estreita entre duas realidades. A relação expressa po­de ser muito variada: destino (Jo 17,12: o que ia para a perdição), participação (Ef 2,2: membros da rebeldia = rebeldes), estado, condição {Jo 12,36: filhos da luz, os que vivem iluminados) e pertença (Jo 5,27: filho de homem, indivíduo da raça humana) ou outras,

O semitismo “o filho do homem” pode corresponder ao aram, bar-nas (sem art.), bar-nasa (com art.), bar adam, ou ao hebr. ben adam. Esta incerteza acerca da expressão original recomenda cautela na interpretação do apelativo, pois nos dois últimos casos excluiria inclusive a alusão a Dn 7,13, enquanto se ligaria com Gn l,26s (filho de Adão).

Ê preciso distinguir três questões: a) significado da expressão, b) seu uso possível como título messiânico-esca- tológico, c) seu conteúdo no evangelho de Jo, Acrescentare­mos também d) alguns testemunhos do seu uso nos evan­

gelhos apócrifos, para terminar com e) a razão do uso desta perífrase.

a) Significado da expressão. Quanto ao significado, a expressão denota simplesmente “indivíduo (harjben) da es­pécie humana (naljadamy’, “homem”. O Targum Neofiti, na passagem da criação do homem (Gn 1,27), usa “o fílho do homem”. A Peshitta síríaca traduz com bar-nasa o an- thrôpos grego. A expressão, com ou sem artigo, usava-se como perífrase de “eu” {“este homem”, parecido com o port, “um servidor”, expressão também de terceira pessoa para designar a primeira) ou, em sentido inclusivo, designan­do vários, além do que falava. Se no começo do século esta possibilidade foi negada por Dalman, estudos mais re­centes, apoiados em material mais extenso, concluíram em sentido contrário (G. Vermes, The Use of har-nasjbar-nãsa in Jewish Aramaic, em M. Black, An Aramaic Approach to the Gospels and Acts, Oxford, 1971, pp. 310-330). A ex­pressão grega do NT é tradução literal equívoca, porque nesta língua ho hyios não é sinal de individualização, mas tem apenas sentído genealógico.

b) Titulo messiânico-escatológico? Quanto ao seu valor como título messiânico-escatológico, nenhum dos quatro ter­mos aramaícos ou hebraicos é por si título, No AT, usa-se em paralelo com “homem” (’iè), assim em Jr 49,18,33;50, 40;51,43; Jó 35,8; Is 56,2 (’enos/ben-adam). SI 8,5;80,18 Çisjben-adam). No livro de Ezequiel, a expressão hebr, ben-adam aparece, sempre sem artigo, 93 vezes, delas 23 reforçada por tu,_ com o significado de “homem/fÜho de Adão”. A fórmula admite também o plural, bene-adam (aram. bnai-nasa; c£. Mc 3,28),

Foi proposto que “o Filho do homem” seria um tí­tulo messiânico conhecido já antes da era cristã. De fato, falta fundamento suficiente para essa tese. Em Dn 7,13, em contraposição às quatro feras mencionadas antes (7,2-12), aparece “como um füho de homem”, ou seja, uma figura humana. Gramaticalmente, o texto não díz mais, Daniel não vê personagem determinada, dotada de título misterioso, e nem personagem celeste, pois não desce do céu, mas sobe

(cf. L. Alonso Schõkel, Damel, Baruc etc., Los Libras Sa­grados, Ed. Cristiandad, Madrid, 1976, pp. 67-74).

Durante o período intertestamentário, e inclusive an­tes (cf, Dn 7), começou a apontar no pensamento judaico uma escatologia em muitos aspectos diferente da esperança nacional e política que inspirara os profetas. Acentuava o transcendente e sobrenatural, o sobre-bumano. Em corres- pondênaa com essa nova escatologia, e como expressão dela, aparece em vários escritos apocalípticos a crença ou a es­pera de misteriosa figura cbamada “o Homem” ou “o Filho do Homem”. O documento que se costuma aduzir com mais freqüência, como primeira menção desta personagem, é o I Enoc ou Enoc etÍ<5pico, que é compilação de diversos escritos, entre eles um apocalipse de Noé. Das cinco seções em que se divide, a segunda, chamada de “As parábolas de Enoc”, é a que menciona esta personagem.

Segundo os fragmentos encontrados em Qumrã, sua lín­gua original parece ter sido o aramaico, com alguns trechos em hebraico. Ora, foram encontrados fragmentos de todas as seções com exceção da segunda. A ausência de todo vestígio do livro das Parábolas, não só nos fragmentos aramaicos e hebraicos, mas também nos gregos existentes, leva a suspei­tar que este livro seja composição posterior à era cristã. De fato, o seu texto encontra-se unicamente em etiópico, como livro canônico da Igreja da Etiópia, e os manuscritos que o compõem são tardios. Tudo Ísso torna insegura e até improvável datação anterior à era cristã, e argumentação fundada sobre esta obra oferece pouca garantia científica.

Por outro lado, os outros documentos onde aparece “o Homem” escatológíco, nunca o chamam de “o Filho do homem”. Gínhecem-se; os Oráculos S.bihnos (metade do séc. II d.C.), os Testamentos dos Doze Patriarcas (no seu estado atual, sécs. I-II d.C., ainda que provavelmente pro­cedam de documento mais antigo) e o II Baruc ( = Apoca­lipse sírio de Baruc, escrito em aramaico, em 70/90 d.C.). O livro II de Esdras, posterior à era cristã, contém a visão de “o homem que sai do mar” (c. 13), em muitos aspectos próximo de “o Filho do homem” das Parábolas de Enoc.

Inclusive nas Parábolas, único testemunho aduzido da expressão “o Fílho do homem”, é chamado também de “o Homem” (46,l-6;48,2-7 etc.). Além disso, a expressão, em lugar do primeiro artígo, leva o demonstrativo “este/esse Filho de homem” (exceto em 62,7). Embora fílologícamen- te possível que o demonstrativo fosse uma tradução do artí­go definido, normalmente tem caráter anafórico, referíndo-se à primeira menção do termo em um desenvolvimento da visão de Daniel, ou aos muitos termos que a obra usa para designar a personagem: “o Eleito" (40,5;45,3 etc.), "o Justo” (38,2), “seu Ungído” (48,10).

Além da datação insegura do documento, que torna já improvável a dependência literária, é preciso examinar tam­bém o seu conteúdo. As Parábolas apresentam “este Filho do homem” como ser celeste, sem nenhuma preexistência terrestre; ainda que o seu aspecto seja humano, na reali­dade é ser escondido na esfera divína, que deverá aparecer um dia com toda a sua glória perante os eleitos. Sentar-se-á no trono de Deus, participando da glória dívina, e será o juiz universal, de homens e anjos, vivos e mortos; destruirá os pecadores, fazendo desaparecer o mal, e libertará o seu povo (o judeu). Por outro lado, as Parábolas identificam Enoc com o Filho do homem (71,14).

Nada mais alheio à escatologia de Jo e à mentalidade de Jesus que o messianismo apocalíptico de Enoc. Se Jesus tivesse querido apresentar-se como o Filho do homem des­crito nas Parábolas de Enoc, teria obscurecido sua missão, associando-a a elementos incompatíveis com ela.

É preciso ter em conta, por outro lado, que este su­posto título transcendente, tão freqüente nos lábios de Je­sus, nunca suscita em seus interlocutores admiração, opo­sição, nem sequer curiosidade. É explicável também que este título não se aplique nunca a Jesus nas profissões de fé da Igreja apostólica. Ele é cliamado Messias, Filho de Deus, Senhor, Rei, Esposo, Palavra, Cordeiro, Leão de Judá, Servo de Deus, Eleito, Santo e Justo, segundo Adão, mas jamais “o Filho do homem”. Não é impossível, porém, que Paulo se tenha inspirado nesta designação para sua doutrina sobre o segundo Adão (= o Homem); cf. ICor 15,45-49,

0 segundo homem, do céu (cf. Jo 3,13). E tiote-se a tra­dução de “o Filho do homem” (Mc 10,45) por “homem” em ITm 2,5s.

Os ditos em que aparece “o Homem” entendem-se sem dificuldade se a expressão é substituída pelo pronome “eu”, e a equivalência foi indicada pelos próprios evangehs- tas. Em Jo, por exemplo, em 12,32.34.

A tese segundo a qual a expressão “o Filho do ho­mem” ê no evangelho o título de Messias apocalíptico ca­rece, portanto, de fundamento sólido,

c) O Homem em Jo. No evangelho de Jo, a expressão com artigo “o Homem” (o Filho do homem) aparece do­ze vezes: l,51;3,13.14;6,27,53.62;8,28;9,35;12,23.34(bis); 13,31. Sem artigo, com o sentido de “homem”, em 5,27.

O significado da perífrase não é duvidoso se se aten­de aos paralelos que Jo estabelece: A passagem de 6,27: Trabalhai ... pelo alimento que dura ... o que vos darâ este Homem (o Filho do homem); pois a este o Pai Deus, mar­cou com o seu selo (esphragisen), caracteriza “o Homem”. Distingue-se dos outros por estar marcado com o selo de Deus. Este selo é o Espírito, que recebeu em plenitude (1,32-33). O Homem é, portanto, o que possui a plenitude do Espírito. Ora, a visão de João Batista que descreve a descida do Espírit* é a explicação em forma narrativa da afirmação teológica de 1,14: A Palavra/projeto se fez ho­mem (carne) ... temos contemplado sua glória ... plenitude de amor e lealdade. A glória identifica-se com o Espírito (1,32) e sua comunicação é que realiza e caracteriza o Projeto de Deus feito homem ( 1,1c: um Deus era o projeto). O Homem/Filho do homem significa, pois, nos lábios de Jesus, sua própria hiimanidade que possui a plenitude do Espírito, o projeto divino sobre o homem realizado nele, o modelo de homem, o vértice do humano. Ê a realidade de Jesus vista desde baixo, desde sua raiz humana, que se er­gue até à absoluta realização pek comunicação do Espírito, O seu correlativo é o título “o Filho de Deus”, que signi­fica a mesma reahdade vista desde cima, desde Deus, de­signando o que é totalmente semelhante a ele e possui a condição divina.

Estabelecido o significado da perífrase, as outras pas­sagens adquirem o seu sentido. Cinco vezes se referem à morte de Jesus ou à manifestação de sua glória, que é a manifestação máxima do amor, a realízação-limite do dina­mismo do Espírito que constitui o Homem (3,14;8,28;12, 23.34;13,31).

No episódio do cego, a expressão “o Homem/aquele Homem” (9,35) remete a “o barro de Jesus”, sua própria imagem com a qual ele unge os olbos do cego (9,6.11), mostrando o que significa a plenitude humana (9,35b).

Em 1,51, Jesus opÕe o apelativo “o Homem” ao de "o Filho de Deus, rei de Israel”, que lhe aplicou Natanael (1,49). É a mesma oposição que aparece em 12,13.24.34. Enquanto os israelitas concebem o salvador como rei que estabelecerá regime justo, Jesus lhes opõe o modelo de Homem, cujo amor, manifestado em sua morte, os levará à plenitude humana.

Em 3,13, o que desceu do céu está em paralelo com a descida do Espírito que permanece em Jesus (1,32s), pois o Homem acabado não é fruto do esforço humano (cf. 3,4), e sim obra do Pai que por amor comunica a sua vida.

Em 6,53 é a assimilação do modelo de Homem, ou seja, de sua vida e morte, que dá ao homem a vida de­finitiva.

Em 6,62, “subir aonde estava antes” significa a pas­sagem da morte à vida, a vitória da vida sobre a morte, própria de quem possui o Espírito-vida, como o será dos que cumprem a mensagem de Jesus (8,51).

Finalmente, o aramaísmo “o Filho do homem” é tra­duzido nos lábios de Pilatos por “o homem” (19,5: Vede o homem), denominação que no contexto (paralelo com 19, 14: Vede o vosso rei) adquire toda a solenidade e conteúdo ( “o modelo de Homem”) que a expressão “o Homem” tem nos lábios de Jesus. Assim como em 12,13.23.32,34, encontram-se na cena diante de Pilatos os conceitos de Rei, o Homem, o Messias (19,14: vosso rei), e à figura de Mes- sias-rei poderoso (cf. 18,36) se opõe a de “o Homem” que dá a vida para salvar o povo (18,14).

Note-se, além disso, o paralelo, dentro da mesma pe­rícope (19,4-8), entre "o Homem” (19,5) e a acusação “Fi­lho de Deus” (19,7), que correspondem, como se vetá em seguida, aos doís aspectos da figura de “o Filho”.

d) Nos evangelhos apócrifos. A interpretação proposta da expressão “o Homem/o Filho do homem” no evangelho de João aparece em escritos cristãos dos sécs. II e III, como o evangelho apócrifo de Tomé (cerca de 150 d.C.) e o de Fihpe (séc. III) . Assim nas passagens seguintes:

Ev. Tom. 106. Jesus disse: "Quando fizerdes dos dois um, chegareis a ser filhos do homem; e se disserdes: ‘Mon­te, retira-te daí’, ele se retirará”.

Neste texto se propõe como ideal do homem chegar a ser “filho do homem”, equivalente de homem perfeito. O sentido da unidade (dos doís um) explica-se no logion 71: “Quando Eva se encontrava ainda em Adão, a morte não existia. Separando-se dele, a morte começou a existir. Se ela entrar novamente nele e ele a tomar em si, a morte desaparecerá”. Cf. n. 78. Apesar do caráter estranho da ídéía gnóstica, esta unidade de Adão e Eva indica certa­mente a plenitude humana.

No evangelho de Filipe lê-se o seguinte:120. “Existe o Filho do homem e existe o filho do

Filho do homem. O Senhor é o Filho do homem e o fílho do Filho do homem é aquele que foi criado por meio do Filho do homem, O Filho do homem recebeu de Deus o poder de criar e o pode gerar”.

Os filhos do Fílho do homem são, portanto, aqueles que foram criados por ele. Note-se que o Filho do Homem pode criar o homem, ou seja, levar a termo a sua criação, fazendo-o filho do homem como ele. Mas esta criação con­siste em gerar, ou seja, em comunicar a vida, como se ex­plica no n. 30: “Quantos são gerados no mundo o são de modo natural; os outros, porém, mediante o Espírito. Os gerados por ele gritam daí (o mundo) ao Homem para alimentar-se da promessa de cima (o Espírito)”.

“O Homem” equívale a “o Filho do homem” do pa­rágrafo 120. A interpretação decisiva é dada no n. 28: “Os filhos do homem celeste são mais numerosos do que os do

homem terreno. Se os filhos de Adão são numerosos, ainda que sejam mortais, quanto mais os filhos do Homem per­feito, que não morrem, mas que são gerados continuamente”. Aqui aparece claramente a equivalência entre o homem ce­leste (cf. Jo 3,13: 0 que desceu do céu) e o Homem per­feito, que tem filhos, atribuídos no n. 120 ao Filho do homem e no n, 30 ao Homem.

Como no evangelho de Tomé, o Füho do homem é aquele que possuí a humanidade em sua plenitude.

e) Razão da perífrase. Assim como a designação “o Filho de Deus” {1,34.49;5,25 etc.: ho hyios íou Theou), em oposição a "os filhos” (1,12; 11,52: tekna), indica a uni­cidade (3,16,18) e excelência da relação de Jesus com o Pai, que estabelece sua condição divina, a designação “o Homem/o Filho do homem” (1,51;3,13.14 etc. ho hyios tou anthrôpou), por oposição a “os homens” (1,4,6.9 etc.: anthrôpoi), indica a unicidade e excelência de Jesus como modelo e cume da humanidade. Ambas se sintetizam em “o Filho” (3,35.36;5,20 etc.), que resume e unifica a con­dição de Homem-Deus.

E mais: o fato de que neste evangelho se designe Je­sus não só com a fórmula com artigo “o Homem/o Filho do homem”, mas também com a sem artigo “homem/filho de homem" (5,27: hyios anthrôpou), que serve de ponte entre a primeira e o simples anthrôpos (8,40), mostra o sentido da primeira: ser ho hyios tou anthrôpou não separa da humanidade o que é anthrôpos e hyios anthrôpou, mas o insere nela, apresentando-o como modelo do homem e meta de seu desenvolvimento (cf. 9,1.11: anthrôpos; 9,35: ho hyios tou anthrôpou).

Esta designação que Jesus aplica a si reivindica o valor da realidade humana, pois mostra que a deificação do ho­mem não exige renunciar a sê-lo, mas que, pelo contrário, faz culminar o processo de sua humanização; o termo do desenvolvimento do homem em sua qualidade humana é a condição divina, entendida, portanto, não como fuga ou recusa do próprio ser do homem, mas como floração de todas as suas possibiUdades com a força do Espírito. No homem não há dualismo entre o humano e o divino; o

divino é o vértice de sua humanidade. Deus e “a came” são dois princípios, mas no projeto divino confluem em uma só reahdade, o Projeto feito carne, o Homem acabado.

Nesta condição humano-divina, inclusive a debilidade e a transitoriedade próprias da ‘'carne” adquirem valorização distinta; o que pareceria decadência e ruína torna-se sua realização. Este é o paradoxo: a morte, como dom de si mesmo, constitui a máxima realização do homem. Assim, sua vida é caminho para a plenitude,

A morte de Jesus, que torna patente sua condição hu­mana, é, neste evangelho, a chave que interpreta a sua vida. Para muitos foi escândalo e tentaram pôr paliativos na rea­lidade do fato ( gnosticismo, docetismo). Para Jo, porém, a morte de Jesus, dom de sua vida como ato supremo de amor aos homens, é o momento em que Deus-amor se manifesta totalmente e culmina sua obra em Jesus. Ora, onde Deus, o doador de vida, está presente em sua pleni­tude, não é possível a morte. Este é o projeto a que tendia a criação inteira.

Uma passagem de Inácio de Antíoquia, quase contem­porâneo de Jo, confirma que esta mentalidade não era ex­clusiva do evangelista. Em aberto contraste com os gnósti- cos docetas, que negavam a realidade da paixão e morte de Jesus e se escandalizavam da cruz (Efes. 18,1; cf. Esmir. 2,5; Trai 10). Inácio aceitou o martírio como meio para chegar a ser discípulo acabado, dando sua vida à imitação do Mes­tre, o Homem modelo: “Unicamente pela casua de Jesus Messias — a fim de sofrer com ele — aguento tudo, sendo ele mesmo que chegou a ser Homem acabado (tou teleiou anthrôpou genomenou) que me dá fortaleza {Esmir. 4,2; cf. Efes. 15,1).

III. O í homens. Os homens tinham-se negado a reco­nhecer a vida-luz (1,10: o mimdo), que era para eles a única luz verdadeira (1,4.9). A maioria dos homens con­tinuam a mesma opção contrária à luz-vida até depois da sua presença em Jesus (3,19), A maior parte da huma­nidade prefere, pois, as trevas, a ideologia que justiBca um modo de agir perverso (3,19s) (-> Trevas I) .

5 ' Vocabulário..,

“Os homens” procuram “glória” ou honra que se opõe à “glória” que procede de Deus (5,41; 12,45). A opção pela glória humana, que leva consigo a segurança (c£. 15, 19: 0 mundo vos quereria; c£. 12,25), é paralela à op^o pelas trevas (cf. 3,19 e 12,43), Jesus, com sua pessoa e atividade, manifesta a “os homens” a pessoa do Pai (17,6) e sua glória (11,4.40; c£. 12,28) (-> Glória I, V I).

IV. ]esus e o homem. A humanidade é objeto do amor de Deus (3,16) e, portanto, do de Jesus, cujo amor (o Espírito) é o do Pai (l,32s). Daí o fato de Jesus não ex­cluir ninguém da salvação que ele oferece (12,47), nem lançar fora nenhum dos que dele se aproximam (6,37). O seu amor universal fica demonstrado ao anunciar a trai­ção de Judas, a quem oferece ainda demonstração particular de amor (13,36). Jesus preocupa-se com a salvação doe que querem matá-lo (5,34; cf. 5,18); inclusive na vigorosa denúncia que faz do comércio do templo não usa de vio­lência, mas exorta os responsáveis a mudarem de atitude (2,16: Não convertais) e, em outra ocasião, a julgar correta­mente (7,24). Até no último momento na cruz, pede aos que o crucificam um gesto de aceitação (19,28: Tenho sede) que lhe permita comunicar-lhes a vida (cf. 4,10.14).

Jesus conhece o interior do homem e pode medir a qualidade da adesão que lhe é prestada; assim acontece em Jerusalém, por ocasião da primeira Páscoa, onde Jesus não confia nos numerosos partidários que ganhou com sua atua­ção (2,23-25). Paralelamente, desde que escolhe os discí­pulos, sabe quais são os que lhe prestam adesão e quem vai entregá-lo (6,64).

O desígnio de Jesus, que é o do Pai, consiste em dar vida ao homem, comunicando-lhe o Espírito (3,5s;20,22), a vida definitiva que supera a morte (6,39s; cf. 1,4). Daí decorre que nos dois episódios em que Jesus faz uma cura de sentido paradigmático, o do inválido e o do cego, se acumule a menção do termo “homem” (5,5.7.9.12.15;9,1.11.16bis.24bis,30). Em ambos os episódios ressalta também a figura de Jesus “homem” (5,12;9,11.16bis.24). No se­gundo caso Jesus se dará a conhecer como “o Homem” (9, 35: “o Filho do homem”).

V. O destino do homem. Para Jo, o homem, nascido da "carne”, não está ainda terminado; necessita de novo nascimento, ou seja, da infusão do Espírito, princípio vital, que acabe o seu ser (3,6) (-»■ Nascimento I). Este acaba­mento da criação do homem não depende do esforço hu­mano (3,4), mas da aceitação Hvre do amor de Deus, que no Filho único oferece vída à humanidade inteira (3,16). O desígnio de Deus sobre o homem não se limita, portanto, a dar existência a uma criatura débil e mortal (“carne”), mas que se propõe dar-lhe a vida definitiva que supera a morte (-> Criação III, V; Carne I).

O princípio vital (3,6: o Espírito) é a força de amor que procede do próprio Deus e faz semelhantes a ele (4,24). O amor é a única força que desenvolve as capacidades do homem (-^ Espírito Vb), O homem que opta contra o amor (3,19) (—> Luz III) cofltdena-se a morrer para sempre(3,18) (-»• Morte III) .

Manifesta-se, portanto, o homem como projeto de imor­talidade (6,39s), destinado à condição divina (1,1c; 1,12: fazer-se filhos de Deus). São os adversários de Jesus que não admitem esta possibilidade do homem (5,18;10,33; 12,9-11;19,7), reduzindo-o à esfera de "a carne”, do pere­cedouro. Deus, porém, não força o homem, mas faz-lhe sua proposta de amor e vida, que ele deve aceitar livremente. A opção negativa faz malograr o projeto (3,36: não saberá o que é vida) (—>■ Criação Vb; Ressurreição IIc 1).

H ora

Gr. hôra [25]; pl. hòrai [1],

I. A espera da hora. Já no episódio de Caná, onde dá início a seus sinais, Jesus faz men^o de "a sua hora” (2, 4), advertindo que ainda não chegou. Jo cria assim tensão narrativa em espera deste momento. Os acontecimentos de “a hora” são a chave que interpreta os fatos e a atividade de Jesus. Em duas ocasiões de extrema tensão tenta-se em vão prender Jesus porque ainda não chegou "a sua hora" (7,30;8,20); sua chegada não depende do arbítrio de seus

inimigos. Isso faz da “hora” tempo “teológico”: é o mo­mento do Pai, que Jesus £az seu, para o qual se dirige toda sua atividade e que a explica.

II. A chegada da hora. O último período de seis dias antes da Páscoa abre-se depois que o Conselho tomou a decisão de dar morte a Jesus ( ll33 .55;12,l). Mal começa, Jesus faz alusão à sua sepultura (12,7) e, no día seguinte, no meio da aclamação popular, adverte que a hora chegou (12,23; cf. 12,27: esta hora). Nos episódios que seguem repetirá a mesma afirmação ( 13,1;16,32;17,1). O evange­lista a concretiza ao situar a condenação definitiva de Jesus na “sexta hora”, momento em que começava o sacrifício do cordeiro (19,14), A morte de Jesus, o Cordeiro de Deus, põe fim à antiga Páscoa e inaugura a Páscoa definitiva.

III. Conteúdo da hora. Na cena de Caná, Jesus pro­mete implicitamente um vinho seu que será dado em “sua hora” (2,4), a qual culmina em sua entrega e morte, como aparece pelas passagens ]á citadas {7,30;8,20: «5o o prende­ram porque ainda não havia chegado sua hora). Ao indicar ele mesmo a chegada de “a hora”, indica o seu significado; a manifestação da glória do Homem (12,23), explicando imediatamente que essa manifestação se verificará através de sua morte (12,24: Se o grão de trigo, caido na terra ..., morre, produz muito fruto). A conexão da hora com sua morte dá origem à agitação de Jesus e à sua tentação de escapar dela (12,27); contudo, é ela que determina a fina­lidade de sua missão, para ela veio (12,27). Sua morte ma­nifestará a glória-amor do Filho e, por Ísso mesmo, a do Pai (17,1; cf. 12,23.28); daí o fato de, no episódio de Caná, que anunciava e antecipava sua hora, se manifestasse sua glória (2,11). A hora mostra a fecundidade do amor; o seu momento negativo (a morte) deixa de sê-lo pelo fruto de vida que dele deriva (12,24: o grão de trigo; 16, 21: a mulher que dá à luz; 19,30: o Espírito).

IV. A antecipação da hora. A atividade de Jesus não é só caminho para “a hora”, mas antecipação da mesma, assim como o vinho de Caná era amostra do Espírito que

comunicaria (2,9;19,30), Por isso, a hora que se aproxima­va estava presente, inaugurando o novo culto, o amor ao homem (4,23) e dando eficácia à mensagem de vida (3,25). A atividade de Jesus não era só promessa de salvação, e sim salvação em ato, que receberia o seu termo e sua efi­cácia definitiva em “sua hora”, quando desse o Espírito na cruz (19,30).

V. O fruto da hora. A mãe de Jesus, figura do resto de Israel (-» Mãe), compreende a promessa de novo vinho e nova aliança, implícita na frase de Jesus (2,4); fíca, portanto, na espera da hora. Quando chega, é integrada na nova comunidade, representada pelo discípulo a quem Je­sus queria bem, que a recebe em sua casa (19,27). O dis­cípulo é figura do homem novo, da nova humanidade, que supera os particularismos de raça e nação, a nova humani­dade que é objeto do amor de Deus expresso em Jesus(3,16) e que responde ao seu amor seguindo-o até ao fim (18,15) (-» Discípulo IlId ).

VI. A hora dos discípulos. “O mundo" odeia os discí­pulos como odiou a Jesus (15,18), e busca sua morte (12, 10; cf. 11,53). Por isso também para os discípulos chegará “uma hora”, semelhante à de Jesus (16,2), que lhes darão a morte (16,4) e manifestarão também eles a glória de Deus (21,19a); sua fecundidade fará nascer o homem novo(16,21), filho de Deus (1,12). Será ao mesmo tempo a hora dos perseguidores (16,4), que com o seu homicídio pronunciarão sua própria sentença (cf. 16,11;12.31) (-^ Juízo II I) .

I dolatria

Inimigo II; Nascimento IV; Pecado IV; Templo III.

I n im ig o

Gr. diabolos [3]; ho Satanas [1]; ho ponêros, o per­verso [1].

I. Significado e uso dos termos. O termo grego diabo­los traduz o hebr. satan (13,27). Etesígna originalmente o adversário que acusa em juízo (SI 108,6 LXX; cf. IMc1,36), donde passa a significar membro da corte celeste que acusa o homem perante Deus {Jó l,6-12;2,l-7); mais tarde, separado já da corte celeste, se chama “Satanás” a um espírito inimigo do homem, que busca sua ruína e quer destruir a obra de Deus.

“O Perverso” (17,13: ho ponêros) é denominação do Inimigo que indica sua maldade intrínseca e o apresenta como inspirador do “modo de agir perverso” próprio do mundo (7,7; cí. 3,20).

II. “O inimigo’' em Jo. O termo “diabolos*' encon­tra-se em Jo três vezes: a primeira, nos lábios de Jesus, aplicado a Judas Iscariotes (6,70); a segunda, na quali­dade de "pai” dos dirigentes judeus (8,44), do que estes aprendem o homicídio e a mentira (8,40.33); a terceira, como instigador da traição de Judas (13,2).

“Ter por pai o Inimigo” opõe-se a “ter por Pai a Deus” e implica agir de modo contrário ao desígnio divino. Uma vez que “ter por Pai a Deus” opõe-se, por sua vez, a “ser filho da prostituição” (8,41b), que significa a idolatria, a acusação de Jesus aos dirigentes de ter pai distinto de Deus equivale a chainá-los de idólatras. Este paÍ-ídolo é o Inimigo (ho diabolos, Satanás). A acusação de idolatria es­tava implícita na primeira denúncia que Jesus fez no tem­plo: os dirigentes transformaram a casa do Pai em casa de negócios (2,16): o Deus que suplantou o Deus de Israel é a ambição de riquezas. Jo identifica assim o Inimigo homi­cida e embusteiro com o dinheiro: o templo é idolátríco

porque nele se dá culto ao dinheiro. É o Tesouro (8,20) o verdadeiro santuário do templo, onde se aloja o deus e pai dos dirigentes.

O que nasce do Espírito, é “espírito” (3,6), porque Deus é Espírito (4,24), força de amor e vida. Paralela­mente, o que tem por pai o Inimigo, homicida e embus­teiro, é “inimigo”, agente de mentira e morte. A afirma­ção de Jesus de que Judas é inimigo, significa, portanto, que o princípio inspirador de sua conduta é o interesse econômico (12,6: era ladrão) que o leva à mentira (12,5: não porque lhe importassem os pobres) e ao homicídio (13, 21-30). Os que têm por paí o “Inimigo” querem realizar os desejos de seu pai (8,44); Judas secunda o seu desejo, pois era o Inimigo que o tinha induzido a atraiçoar a Jesus(13,2); ao oferecer-lhe Jesus o pedaço de pão “entrou nele Satanás”; Judas não come o pedaço que lhe oferece Jesus, mas “come”, por assim dizer, Satanás, o Inimigo, assimilan­do totalmente o seu modo de proceder homicida (13,27). Levará consigo, porém, o pedaço ( o corpo e sangue de Jesus, a pessoa dele) para entregá-lo (13,30).

III. A figura de Anãs. A figura de Anás representa neste evangelho o “Inimigo”. Ao afirmar que ara sogro de Caifás (18,13), Jo põe em chave narrativa o que se ex­pressou antes (cf, 8,44): por detrás dos dirigentes judeus existe um paí, um princípio de sua conduta que os faz homicidas e embusteiros; a repetida determinação sobre Cai­fás: Era sumo sacerdote naquele ano (11,51;18,14) quer in­dicar precisamente que por detrás dos detentores transitó­rios do poder existe princípio diretor que inspira a conduta de todo o sistema. Â figura do Inimigo-pai corresponde a de Anás-sogro.

Se Judas, instigado pelo Inimigo (13,2) conduzira as tropas que prenderam Jesus (18,3), é o “comandante” com a tropa e os guardas que conduzem Jesus perante Anás (18, 12s). Pertencendo esta figura ao âmbito da autoridade ro­mana, Jo indica que todo poder tem por princípio inspira­dor o proveito próprio, que leva à injustiça e ao homicídio; ele guiará a conduta de Caifás (18,24) e, por fim, a de Pilatos (19,16).

A relação de Anás com “o Inimigo” é indicada em primeiro lugar pelo seu cargo, “sumo sacerdote” (18,15. 16.19), paralelo ao de Caifás (18,24), mas que o designa como autoridade suprema diante da que aparece oficialmen­te; em segundo lugar pela menção do “átrio” (18,15), em relação com a do templo (cf. 10,1), lugar de exploração(10,10); “o átrio” (Sl 29,2;96,8), “os átrios do Senhor” (SI 65,5;84,3;92,14 etc.) transformaram-se em “o átrio do sumo sacerdote”, o outro deus.

Note-se que o termo gr. archôn (chefe) entra na com­posição de vários outros: archierem, sumo sacerdote; hoi archontes, os chefes (3,1;7,26.48; 12,42); ho architrikUnos, o mestre-sala ou chefe do banquete, figura dos dirigentes que recusam a substituição da aliança proposta por Jesus e, finalmente, do “chefe desta ordem” (12,32; 14,30; 16,11); este último representa o círculo de poder, personificado em Caifás, sumo sacerdote em exercício (— Mundo I, IV); mas todos reahzam os desejos de poder superior, o deus- -dinheiro, representado por Anás.

IV. Os discípulos e o Perverso. Em sua oração, Jesus pede ao Pai pelos discípulos: Não te rogo que os leves do mundo, mas que os guardes do Perverso (17,15). Para a co­munidade, que deve permanecer no meio da sociedade existen­te, o perigo procede do Perverso, denominação do Inimigo, o deus-dinheiro. Com esta forma de falar, Jo indica de onde viria o malogro da obra de Jesus; se os seus se deixam arrastar pela ambição do dinheiro e glória pessoal, o seu modo de agir, em vez de ser o veículo do amor do Paí, assimilará a injustiça do mundo, cujas obras são inspiradas pelo Perverso, Seria a apostasia da comunidade; a alusão precedente a Judas (17,12), o ladrão (12,6), ajuda a espe­cificar o seu conteúdo e alcance; significaria abandonar Je­sus para passar para o lado do inimigo, cujos modos de agir Jesus denuncia, atraindo-se o ódio do mundo (7,7: a mim, porém, me odeia, porque acerca dele eu denuncio que o seu modo de agir é perverso). “Não pertencer ao mundo”, ain­da que estando no meio do mundo (17,13.16.18), consiste^ portanto, em não ser cúmplice de sua injustiça, mas denun-

ciá-la, como Jesus, e enttegat-se como ele ao trabalho em favor do homem.

É o Espírito que dá à comunidade a convicção de que o mundo “tem pecado” e de que Jesus tem razão (16,8­10); o Espírito estará vivo no grupo de Jesus para não se deixar atrair pelo engodo do mundo.

V. Inimigo, treva, mundo. A relação que Jo estabelece entre estes três conceitos pode-se expressar da seguinte ma­neira: a) O Inimigo, o deus-dinheiro, está instalado no templo (2,16), o seu santuário é o Tesouro (8,20); ele é pai dos dirigentes e pai da mentira (8,44). Com isso Jo significa que a ambição e culto do dinheiro dá origem a duas reahdades: um círculo de poder e uma ideologia.

b) A ambição cristalizada em grupo dominante que, às custas do povo, busca o seu próprio proveito ( 10,1.8.10: ladrões) e glória (5,40-44;7,18;12,42s). Ê personificado por Jo na figura de “o chefe deste mundo/dessa ordem” ( 12,32;14,30;16,11 ), que sublinha a identidade de moti­vação e unanimidade de objetivos do círculo de poder. Este é tirano homicida, assim como o princípio que o inspira (8,44; cf. 8,40; 11,33); tem a seu serviço guardas e servos(18,18), agentes de sua violência (7,32;18,3.12.22;19,6; cf. 10,1.8; bandidos).

c) O círculo de poder cria uma ideologia que justifica sua posição e submete o povo, inspirada pelo mesmo prin­cípio homicida e falso: o proveito e a glória pessoal. A ideo­logia a serviço do deus-dinbeÍro propõe idéia falsa de Deus (8,44: a mentira) que oculta (1,5: as trevas) o desígnio do seu amor. Apresenta um deus que priva o homem de liberdade submetendo-o a uma Lei e que coloca a observân­cia desta acima do bem do homem. No evangelho, a falsa ideologia é a antiga Lei absolutizada (7,22s; cf, 5,45), se­parada da promessa e da mensagem profética (8,52.53), interpretada pelas escolas oficiais, que não conservam a men­sagem de Deus contida no AT (5,38;7,19) {-> Lei Ilb; Moisés II; Palavra Ilb ). Ensina o povo a não ter opinião própria (7,26) e a submeter-se aos mestres e chefes (7,48); apresenta o plano salvador de Deus em chave de poder e

dependência (o Messias dominador), e não de amor e lí- berdade (2,17;3,2;12,34); exige a observância da Lei pres­cindindo do bem do bomem (5,10.16.18;9,16.24), dita as condições para agradar a Deus {11,56; cf. 7,49); prescreve o culto explorador {2,14-16;10,1.10) (-> Verdade Ile, f; Trevas).

d) O conjunto dos que aceitam a ideologia e aderem ao sistema de poder constitui “o mundo" (7,7;13,18ss), a estrutura social injusta (8,23), a solidariedade do mal, a dos escravos que praticam o pecado (8,34), exercendo opressão que priva o homem de vida (5,3) e o leva à morte defini­tiva. O povo, em sua maioria (5,3: uma multidão) aceita a ideologia do sistema opressor e se encontra, por isso, em situação desesperada (5^3: os enfermos); a adesão do povo à instituição que o oprime é o que torna possível a exis­tência desta; o influxo da ideologia é tão forte, que, apesar do desejo de libertação que experimenta, o povo volta a deixar-se dominar por ela (12,34s.40). Há, porém, homens que nunca deram sua adesão ao sistema opressor, mas que, tendo vivido sempre dentro dele, não conhecem outro hori­zonte (9,lss: o cego que não tem pecado) (-»■ Mundo).

Diante dessa realidade do mal, inimiga de Deus, apa­rece a realidade que Deus cria.

a) O Pai, o único Deus verdadeiro (17,3), é Espírito (4,24), ou seja, força do amor, dom gratuito e generoso de si mesmo (1,14). O seu santuário é Jesus, o Filho, em quem brilha sua glória-amor. Ele infunde no homem o seu Espírito-amor, diametralmente oposto a toda ambição de proveito ou glória pessoal (5,40;7,18).

b) Diante do “chefe desta ordem” (o círculo de poder) está Jesus, o rei que não pertence a esta ordem (18,36), que, em vez de tirar a vida ao homem, dá a sua para sal­vá-lo da morte e comunicar-lhe a vida abundante (19,30: o Espírito; 3,14s: vida definitiva; cf. 6,39.40;10,10b). Este rei não tem guardas (18,36) nem servos, mas amigos (15,13­15). Nele se centra sua comunidade, que não pertence ao mundo (17,16,18),

c) Missão deste rei é dar testemunho da verdade, a do amor incondicional de Deus pela humanidade (3,16) e o

seu projeto sobre o homem (1,4), oposta à mentira do deus que submete o homem; ele é a luz que Uberta das trevas {8,12;9,5;12,35s.46). Faz conhecer a verdade comunicando o Espírito da verdade ( 14,17;15,26;16,13; cf. 19,30), que faz experimentar o amor de Deus e cria a relação Pai-filho; dá ao homem a dignidade e hberdade própria dos filhos de Deus (8,31s); comunica-lhe a vida definitiva (6,63; cf, 4,14;6,40), que o liberta da morte (3,17;6,39) (-»Messias Vc).

d) O conjunto dos que recebem o Espírito de Deus dando sua adesão a Jesus constituí a nova comunidade hu­mana, a sociedade segundo o projeto de Deus, a solidarie­dade do amor, dom de si mesmo expresso no dom do pão(6,11) e no serviço mútuo (13,15.34); a dos filhos que praticam a lealdade (3,21), entregando-se para realizar as obras de Deus em favor do homem (9,4) para que tenha vida definitiva.

I rm ã o

Gr. adelphos [14]; adelphê [6].

I. JJso dos termos. O termo “irmão”, especificado por idios, próprio, aplica-se ao irmão carnal (1,41: ton adelphon ton idion); assim, André é o irmão carnal de Simão Pedro ( 1,40.41;6,8), “Irmãos” podia designar os parentes próxi­mos em linha colateral e, mais amplamente, os irmãos de raça (2,12;7,3.5.10). Sem excluir o parentesco carnal, usa-se no evangelho para indicar a irmandade que cria a pertença à comunidade de Jesus (11,1.2.3.5.19.21.23.28.32,39). Desig­na, finalmente, prescindindo do parentesco, a nova fraterni­dade que nasce entre os que dão sua adesão a Jesus e têm Deus por Pai (20,17); é assim denominação dos membros da comunidade cristã (21,23) equivalente à de “amigo” (11, 11;15,13-15) ( ^ Amor I, IX ),

II. Os “irmãos” de Jesus. Por oposição ao irmão carnal(1,41), designam neste evangelho os irmãos de raça (2,12; 7,3,5.10: seu pessoal). Representam o povo que nega dar

adesão a Jesus (7,5) por estar em boas relações com “o mundo" que o odeia (7,7). Gozando da segurança do sis­tema injusto, rejeitam a Jesus.

Antes da primeira atuação pública de Jesus encontram-se ao redor dele três grupos; caracterizam as atitudes que se apresentarão diante de Jesus durante sua atividade: a mãe (o Israel fíel que espera o Messias), os irmãos (o Israel infiel que aceita o sistema injusto), os discípulos (os israeli­tas que aceitam Jesus como mestre e Messias, dispostos a colaborar com sua obra) (2,12).

Diante da deserção de grande parte dos discípulos de Jesus (6,66); o seu pessoal lhe faz uma proposta irônica, convidando-o a raanifestar-se na Judéia, cora motivo da pere­grinação ao templo, e demonstrar de que é capaz, com o que recuperará os discípulos defraudados (7,3). A frase que em­pregam insinua êxodo contrário ao de Jesus: em vez de ter por meta o Pai, através da manifestação do seu amor, acabaria na capital, fazendo uma manifestação de poder, se­gundo a interpretação dada à sua primeira atuação no templo e na cidade (7,3: ta erga ha poieis; 2,23: ta semeia ha epoiei; 3,2: ta semeia ...ha poieis), Era sua mentalidade, supõem que Jesus aspira a set figura pública (7,3).

A breve aparição dos irmãos de Jesus mostra com cla­reza que parte do povo estava de acordo com a instituição existente; outros, porém, submetem-se apenas por medo(7,13). _

A atitude dos irmãos aflorará de novo na pergunta do discípulo Judas, não o Iseariotes, que não compreende por que Jesus, uma vez passada a prova, não se manifestará ao mundo (14,22). Percebe-se na pergunta o desejo de triunfo.

J osé de A k im a t é ia

Discípulo Xb; Nicodemos III.

João Batista

Gr. lôannês [23].

I. O nome de João. Neste evangelho há somente uma personagem que leva o nome de João (1,6), pois as men­ções com que Jesus chama a Pedro: Simão, o filho do João(1,42) ou Simão de João (21,15-17) não são patronímicos, mas indicam a adesão de Pedro à ruptura proposta por João {-^ Pedro II) . Daí decorre que nunca João venha es­pecificado como “o Batista”.

II. A testemunha da luz. João aparece no prólogo como “um homem” (alusão a 1,4: a vida era a luz do homemjdos homens); é este homem, para quem a vida é a luz, que na antiga era da humanidade se apresenta, enviado da parte de Deus, a fim de dar testemunho da luz (1,6), no meio do mundo em que existem trevas hostis que tentam extingui-la(1,5). Dada a equivalência luz-verdade (5,33: testemunho em favor da verdade), as trevas definem-se como ideologia (8,44: a mentira) que impede o homem de perceber a ver­dade da vida. João, portanto, dando testemunho da luz/ver­dade, desmascara e se opõe à ideologia/mentira, Não era ele, porém, a luz/verdade, ou seja, não se revelava em sua pessoa todo o alcance do amor de Deus, pois não brÜhava nele a plenitude de vida contida em seu projeto. Brilhava como “lamparina acesa” (5,35), tinha recebido a luz que resplandecia nele: sua verdade procedia da missão divina (— Luz I; — Trevas I).

Esta missão formula-se também de outro modo: “batizar com água” (1,33). A conexão entre as duas fórmulas apa­rece pelo significado do batismo com água: ao denunciar a mentira das trevas e propor a verdade da vida, João con­vida a romper com a instituição judaica (as trevas) e sus­cita a esperança de libertação e vida {a luz: o Messias) (-> Agua I) .

Às frases metafóricas não era ele a luz, veio para dar testemunho da luz (1,8) corresponde o testemunho de João perante os delegados de Jerusalém: Eu não sou o Messias(1,20), o que chega detrás de mim (1,27.30). A tríplice negação de João (1,20.21): eu não sou o Messias, nem EUas nem o Profeta (segundo Moisés) corresponde à teologia do evangehsta, para o qual a plenitude do Espírito que Jesus possui exclui qualquer outra personagem que pudesse comu­nicá-lo (cf. 2Rs 2,15: pousou sobre Eliseu o espirito de Elias; Nm 11.16-18.25: participação do espírito de Moisés) (_» Profeta II I) .

Sobre o significado de Betânia, lugar onde Jo batizava (1,28), v. Betânia I.

III, Anúncio do Messias-Esposo. João apresenta cons­tantemente o Messias que vem sob a imagem do Esposo. No prólogo, a comunidade de Jo narra sua experiência da Pa­lavra feita homem (1,14) e vê confirmada por ela as pala­vras de João Batista, que ainda ressoam na própria comuni­dade (1,15): sob o símbolo do direito de precedência (1,15: se põe diante de mim porque estava primeiro do que eu), completado mais tarde pelo da sandália (1,27) e pela men­ção do “varão” (1,30), anuncia-se a futura menção do Es- poso-Messias (3,28.29).

João anuncia, portanto, uma aliança fundada sobre o vínculo de amor entre o Messias e o povo messiânico (es- poso-esposa); será era de fecundidade (3,30: a ele cabe-lhe crescer), em que, pela ação do Messias, nascerão fÜhos para Deus (1,13). João, por seu lado, define-se como "o amigo do esposo”, que prepara as bodas e está a sua disposição. Alegra-se ouvindo sua voz, que torna presente a restauração predita por Jeremias (Jr 33,10s) (-» Bodas II I) .

IV. Natureza e missão do Messias. A missão do Messias é independente de João (1,31.33: tampouco eu sabia quem era); reconhece-o ao ver descer o Espírito e permanecer nele: com esta frase João alude à unção de Daví (iSm 16,13), designando o Messias como o novo Davi, o pastor prometido (Ez 34,23). Ojntudo, não há nenhuma mediação de João:

não se descreve neste evangelho o batismo de Jesus nem se trocam palavras entre Jesus e João.

A missão do Messias é descrita por João de duas ma­neiras complementares: tirar o pecado do mundo {1,29) e batizar cotn Espírito Santo (1,33). O Messias tirará o pe­cado (a opção que priva o homem de vida, impedindo-lhe reahzar o desígnio divino sobre ele; Pecado I I ) batizando com Espírito Santo, ou seja, comunicando ao homem o prin­cípio de vida que completa sua criação e dando-lhe com ele a liberdade Liberdade I; Espírito Vb; Criação III, V).

João testemunha que Jesus £oÍ consagrado Messias pelo Espírito (l,32s) (-^ Messias Illa ); tendo-o recebido em plenitude, é o Filho de Deus (1,34), igual ao Pai, e sua pre­sença no mundo (-» Fé IVa). A este testemunho solene sobre a pessoa e missão do Messias corresponderá o da testemunha que a vê terminada (19,35) ( ^ TestemunhoII, V I).

V. Os discípulos de João. Há três tipos de discípulos de João: 1) os que receberam o seu batismo ( = romperam com as instituições) e escutaram sua mensagem sobre o Mes­sias; estes, ao reconhecê-lo em Jesus, deixam João e seguem o novo mestre, ficando a viver com ele (1,35-39) (-> Discí­pulo I l la ); 2) Simão Pedro, que rompeu com as instituições, mas não escutou a mensagem de João e, portanto, espera um Messias que se oporá às instituições com a violência (1,40-42) {— Discípulo Illb ); 3) aqueles que não rompe­ram com as instituições, mas interpretaram o batismo de João como purificação a mais {3,25). Estes não fizeram caso de sua mensagem e absolutizaram sua figura, considerando-o não precursor, mas o próprio Messias {3,28). Por Ísso con­tinuam chamando João de “Mestre” (3,26: Rabbi; cf. 1,38, onde os do primeiro grupo chamam assim a Jesus) e de­monstram seu despeito pelo êxito de Jesus (3,26).

Judas I scariotes

Gr. loudas Simonos Iskariotou, Judas de Simão Isca­riotes [3]; loudas ho Iskariotes, Judas [o] Iscariotes Jl]; loudas, Judas [4].

Judas Iseariotes 144

I. As denominações de Judas. A diferença de denomi­nações compostas de Judas: “Judas de Simão Iseariotes” (6, 71;13,2,26) e “Judas [o] Iseariotes” (12,4) parece que se deve ao desejo de estabelecer em certos momentos paralelo com Simão Pedro; de fato, nas três ocasiões em que Jo insere o patronímico (de Simão), a menção está próxima de outra de Simão Pedro; isso ocorre depois do discurso sobre o pão da vida (6,68: Simão Pedro; 6,71: Judas de Simão Iseariotes) e duas vezes na Cela ( 13,2.6; 13,24,26). Jo relaciona assim o discípulo que vai entregar Jesus com o que vai negá-lo. A denominação “Judas Iseariotes” (12,4) o distingue do outro Judas, “não o Iseariotes” (14,22). Quan­do a identificação do traidor é clara, chama-o simplesmente de Judas ( 13,29, no contexto de 13,26;18,2.3.5).

II, O traidor, a) E>esde a primeira vez que Judas apa­rece (6,70s) já aflora a causa da traição: é inimigo. Essa qualificação coloca Judas em relação com “o Inimigo”, o deus-dinheiro entronizado no templo, princípio inspirador (pai) do círculo de poder e de sua falsa ideologia (8,44;

Inimigo II) . Judas, portanto, tem também por “pai” o Inimigo, ou seja, adotou como princípio que dirige sua con­duta o proveito pessoal. É a negado viva do modo de pro­ceder de Jesus perante a necessidade da multidão: partilha generosa do pão, que expressa e contém o amor, o dom de si aos outros (6,10,11). Desde o princípio, portanto. Judas recusa a mensagem de Jesus; ele propõe-se açambarcar e não compartilhar.

Judas é “um dos Doze”. Essa precisão é feita somente de Judas (6,71) e de Tomé (20,24). É mencionado também como “um de seus discípulos” (12,4). As duas denomina­ções são equivalentes: os Doze são um grupo de discípulos enquanto destinatários das antigas promessas (cf. 4,37s) ( ^ Discípulo V). Judas, porém, não espera o cumprimento, que se realiza no Messias: professa os princípios do sistema judaico que rejeita Jesus.

b) A segunda menção de Judas encontra-se na ceia de Betânia (12,4ss). O qualificativo “inimigo” (6,71) é com­pletado e explicado pelo de “ladrão” (12,6), em paralelo com o usado por Jesus para dizer os dirigentes (10,1,8.10);

refere-se diretamente ao afã de dinheiro como princípio di­retor de sua conduta. Opõe-se à homenagem que se tributa a Jesus como doador de vida; ele, que não a aceitou, não tem nada que celebrar; pelo contrário, põe preço para o perfume e com ele para Jesus, e quer tirar proveito de sua venda. Judas rejeita o amor, é explorador: não só se apodera do que pertence ao grupo, mas também, sob pretexto de benefi­cência aos pobres, quer aumentar sua riqueza pessoal (12,6); manifesta nesta ocasião outra característica do Inimigo: ser mentiroso (12,6: não ê que lhe importassem os pobres; cf. 8,44).

c) Na Ceia, Judas encontra-se sob a influência do Ini­migo, que o induziu a trair a Jesus; Judas apressa-se a rea­lizar os desejos de “seu pai” (8,44); a ambição o incita (13,2). Jesus alude repetidamente à trai^o que se avizinha; ain­da que lhe tenha lavado os pés, Judas não está limpo (13,11), pois não aceitou a mensagem do amor, o único que purifica (15,3) (-> Água IV ). Indicará a hipocrisia de Ju­das, que come o pão com ele e o atraiçoa (13,18); ele o exclui da bem-aventurança que acaba de pronunciar (13,17): o que rejeita o amor não pode conhecer a felicidade que causa sua presença. Ao se propor a pergunta sobre a identi­dade do traidor (13,25), Jesus, em vez de denunciá-lo, de­monstra-lhe o seu amor até ao final: oferece-lhe o pedaço molhado, sinal de deferência e amizade (13,26), e com de simbolicamente se pÕe em suas mãos. Judas encontra-se pe­rante sua última opção: ou aceitar Jesus assimilando-o e com ele se assemelhando, ou tomar sua vida para entregá-la; em vez de assimilar Jesus, assimila Satanás (13,27), nome teológico do Inimigo, que o designa como inimigo de Deus; sua decisão está tomada: converte-se em homicida, como o pai a quem reconhece (8,44). Sai para a noite, o lugar das trevas, afastando-se para sempre da luz (13,30).

d) No final da instrução sobre a comunidade, Jesus anuncia aos discípulos que “está para chegar o chefe do mundo” (14,31). No horto, está representado por Judas, que chega à cabeça das tropas pertencentes a todos os poderes(18,3); assim faz a entrega de Jesus, Tendo sido mero ins-

tmmento, sua figura desaparece {18,2,3.5). Manifesta-se pek última vez alinhado entre os inimigos de Jesus (18,5).

Judas é o protótipo de “os que vão à perdição” (17,12), por ter rejeitado até ao último momento (13,27) o amor que Deus lhe oferece em Jesus. Ele escolheu as trevas (15,30: a noite), porque suas ações eram perversas (12,6: ladrão). Odeia a luz, porque põe a descoberto o seu modo de agir, suas obras (cf. 3,19s).

J udeus

Gr. loudaios, sg, [3]; Joudaioi, pl. [64]; loudaia (gê), Judéia [6]; pharisaiosf-oi, fariseu(s) [19]; archiereus/-eis, sumo( s) sacerdote( s) [20]; archôn j~tes, chefe( s) [7], de qu^ ho archôn tou kosmou (toutou), o chefe do mundo/ (des­ta) ordem [3]; kypêretês/-tai, subordinado(s), guarda(s) [9].

I, Significado do termo ‘'judeu/judeus” em Jo. O termo “judeu/judeus”, salvo em algum caso que será indicado, não tem em Jo significado étnico, mas ideológico. Distitiguem-se do povo, que os teme (7,13;9,22; cf. 19,38;20,19). Designa genericamente aqueles que dão adesão ativa ao regime políti- co-religioso existente, incluiudo os que nele exercem autori­dade de qualquer espécie. Quando o texto lhes atribui poder para tomar medidas repressivas, significa “os dirigentes” (2, 18;5,10.16,18;9,22 etc.), ou “as autoridades”, se se identi­ficam com os dirigentes supremos ( 1,19;19,7.12); nos de­mais casos, designa os adeptos do sistema polítÍco-relÍgÍoso e eqüivale a “os judeus do regime” (8,31;ll,19;12,ll: em oposição aos “sumos sacerdotes” etc.).

Jo estabelece vários paralelos que evidenciam com pre­cisão o conteúdo do termo. Assim, os sumos sacerdotes e os fariseus (18,3) que enviam guardas para prender Jesus, sem dúvida nenhuma os membros do Ojnselho (cf. 11,47), são chamados de “os Judeus” em 18,12 (as autoridades judaicas). Com efeito, em 18,14, “os judeus” persuadidos por Caifás da conveniência de dar morte a Jesus são os sumos sacerdotes e fariseus membros do Conselho (11,47.50).

Os fariseus de 9,13-17 identificam-se com os judeus de 9,18-23, e continuam sèm nenhuma denominação no resto da cena (9,24-34; cf. 9,27: vô-lo disse, e 9,15), para reaparecer como fariseus (9,40) e ser designados de novo como “os judeus” no final do discurso (10,19: a nova divisão que surge identifica-os claramente com os fariseus de 9,16). São “os judeus” (9,22) ou os fariseus (12,42) os que podem expulsar da sinagoga.

Outra identificação estabelece-se na cena perante Pilatos. Os fariseus estão ausentes, ao passo que “os judeus” (18, 31.36.38b; 19,1.12.14) identificam-se com os sumos sacerdo­tes (18,24.35; 19,6 mais os subordinados), e Jesus chama de "os judeus” os sumos sacerdotes que o entregaram a Pilatos(18,36). Isso permite identificar com os sumos sacerdotes “os judeus” que se opõem a Jesus no templo (2,18) e in­cluí-los no número dos que discutem com ele em outras oca­siões no mesmo lugar (8,22-59;10,22-39), De fato, sumos sacerdotes e fariseus agem de acordo, mas o grupo mais ativo, capaz de pôr em movimento a ação repressiva dos sumos sacerdotes, são os fariseus (7,32;ll,46s), São estes que do­minam pelo temor, inclusive “os chefes” (12,42). Este ter­mo designa os membros do Oanselho (Sinédrio), órgão su­premo de governo, presidido pelo sumo sacerdote. Nicode­mos, fariseu, é um deles (3,1); eles impõem a ideologia ao povo (7,26.48).

As exceções a este significado técnico do termo “ju­deu/os judeus” encontram-se, em primeiro lugar, em 4,9 (bis).22, onde se acha em oposição a outro termo de caráter étnico-reUgioso, “samaritano/a”, e se situa, portanto, em seu campo semântico. Em segundo lugar, nos lábios de não-ju- deus (Pilatos, soldados), o termo situa-se em oposição se­melhante à anterior e conserva, por isso mesmo, a conotação étnico-religiosa ( 18,33.35.39;19,3.19.21bc).

A denominação étnica '‘os judeus” opõe-se à teológica “ Israel ”, o povo da aliança (1,31; 1,47: verdadeiro israelita;1,49; rei de Israel; 12,13: o rei de Israel). “Os judeus”, por causa de sua infidelidade à aliança (v. infra ÍI) , são um povo a mais, como “os samaritanos” (4,39) ou “os romanos” (11,48). Por isso são “judeus” todos aqueles que incorrem

nessa infidelidade, tanto os dirigentes, principais responsá­veis, como os adeptos do regime que eles representara. Daí decorre que a oposição existente entre sumos sacerdotes e fariseus não impeça que ambos os grupos estejam compreen­didos em “os judeus”.

A massa do povo, arrastada pela doutrina dos dirigentes (cf. 12,34), acaba recusando-se a dar adesão a Jesus, e por isso a denominação “o rei de Israel” (12,13) muda-se para “o rei dos judeus” (19,19,21) (— Messias IVa).

Compreende-se assim porque “os judeus” são “o mun­do”, e a ideologia que propõem, deformação da Lei de Moi­sés, são “trevas”. Deixando de ser o povo eleito são como qualquer povo pagão (2,16: templo idolátrico) ( ^ Tem­plo Illb ), são parte do sistema de injustiça que domina a humanidade inteira ( ^ Mundo III) ; sua doutrina, inspi­rada pela ambição, não é melhor do que a dos outros povos (~> Trevas II; Inimigo V). A gravidade particular do caso de Israel está em que sua situação é resultado de apostasia.

Ainda que Israel, ao rejeitar o Messias (12,34), perca o seu caráter de povo eleito, o convite de Jesus fica aberto para os indivíduos (12,44ss), como o estará para os pagãos (cf. 12,21). O resto de Israel, representado por Natanael e a mãe de Jesus, integra-se na comunidade messiânica uni­versal (19,25ss) (-> Mscípulo IIIc; Mãe).

II. O í dirigentes judeus, a) A infidelidade a Deus. Aos dirigentes, que pretendiam ser os depositários da au­têntica tradição e os mediadores entre Deus e o povo, Jesus os acusa de infidelidade a Deus e sua aliança (5,37b-38; cf. 8,47): nunca escutaram a voz de Deus (cf. Ex 19,5.8; 23,22;24,3.7 LXX) nem viram sua figura (cf, Ex 24,27 LXX). Jesus lhes nega, não o conhecimento pleno de Deus, que nem sequer Moisés teve (Ex 33,22), mas inclusive o conhecimento próprio da antiga aliança, que devia tê-los preparados para a plena revelação em sua pessoa.

Em conseqüência, não conservaram a mensagem de Deus (5,38; cf. 8,55) ( ^ Palavra Ilb ) expressa na aliança e renovada pelos profetas: o seu amor para com o homem (Ex 34,6: grande em amor e lealdade; cf. Jo 1,14) e sua

defesa dos fracos contra os opressores (Ex 22,20-26) ( ^ Amor X I). _

Jesus anuncia assim o endurecimento inveterado dos círculos dirigentes de Israel (cf. 10,8) e dá a chave para compreender o caráter opressor de suas instituições.

Ignorando a mensagem de Deus, dedicaram-se à busca da glória humana (3,44; cf. 12,43), ou seja, a posição de priviIég'o e dominação sobre o povo ( ^ Glória V I). Com essa injustiça (7,18) opõem-se ao desígnio de Deus; por isso o seu critério para julgar a origem divina de sua dou­trina não tem nenhum valor (7,17). O seu zelo pela obser­vância da Lei (5,10) esconde infidePdade a ela (7,19.51), pois não aprendem de Moisés que o bem do homem é ins­tância superior à própria Lei (7,22-24). Eles a absolutiza­ram (-^ Moisés II) , separando-a de sua conexão com a promessa (— Abraão I) e da voz dos profetas (8,52.53)

Profetas IV ). Não vêem nos escritos de Moisés uma profecia da obra do Messias (5,46) (-^ Moisés I) . A Lei estática, interpretada por eles (cf. 7,49), converte-se em ins­trumento de opressão (— Lei II I) , impedindo que o povo tenha vida e liberdade (5,3) (-> Templo Illd ).

Sua ambição corrompeu o templo, transformando-o em casa de negócios (2,16) ( ^ Templo Illb ; Festa II) ; os vendedores de pombas são figura dos dirigentes do templo, que exploram em particular os pobres (as pombas, oferta sacrifical dos pobres, Lv 5,7; 14,22,3Os) oferecendo por di­nheiro falsa reconcUiação com Deus (cf. Lv 1,14-17;12,8; 15,14.29 e a oposição entre 2,16: “as pombas", e 1,32: o Espírito-pomba). Substituíram o verdadeiro Deus pelo di­nheiro ( ^ Inimigo II) , cuja ambição é o seu princípio ins­pirador (8,44: POSSO pai) que os torna embusteiros e homi­cidas (8,44; cf, 8,40.55). Dominam as festas, que deixa­ram de ser festas do Senhor (cf. Ex 12,11,48; Lv 23,5; Nm 9,10.14; Dt 16,1; 2Rs 23,21,23; pascha tou Kyriô) para se transformarem em “festa/Páscoa dos Judeus” (2, 13;5,1;6,4;7,1 ;11,55) e assim também os ritos (2,6: a purificação dos Judeus) ( ^ Festa V).

Jesus expressa a mesma infidelidade ao lhes lançar em tosto que não conhecem a Deus (8,35; cf, 8,19;15,21;16,

3), aludindo a Jr 22,15b-17 (LXX) e Os 4,15, onde “não conhecer a Deus” eqüivale a ter por objetivo o lucro e pra­ticar a mentira, assassínio, abuso e opressão: são as mes­mas acusações feitas em 8,44 sob a imagem de “ter por pai o Inimigo”, Daí o fato de Jesus os qualificar de “la­drões e bandidos”, ou seja, de exploradores e opressores pela violência (10,1.8.10).

“A mentira” que lhes inspira o Inimigo (8,44) e que eles propõem (8,5Í) é a Imagem do Deus dominador que põe a submissão à Lei e sua observância acima do bem do homem (-> Deus IV; Trevas I, Ilb; Verdade Ilef).

A infideHdade a Deus, expressa na injustiça para com o homem, é “o pecado” dos dirigentes (—> Pecado IV); eles pertencem a “o que é de baixo” (-^ Céu II) , ao “mundo” ou “ordem injusta” (8,23) (-^ Mundo Id, II I) . Pelo seu pecado, vão eles e levam o povo à ruína (8,21).

Jesus, porém, não os exclui da salvação (cf, 3,17;12, 47), mas lhes oíetece a oportunidade de aceitar o programa do Messias (2,8; levai-o ao mestre-sala, figura representativa dos dirigentes) ( ^ Inimigo II I) e de se corrigirem do seu comportamento (2,16: Tirai isso daqui; 5,34: para que vos salveis). O seu convite a seguir a luz abandonando as trevas é universal (8,12). A última oíetta ocorre na cruz, ao ex­pressar Jesus sua sede, dando-lhes a oportunidade de reali­zar um gesto de solidariedade humana (19,28). Como os anteriores, é rechaçado (19,29: o vinagre) (-^ Juízo I) .

Motivo particular de escândalo para “os Judeus” é A realidade do Homem-Deus: a acusação que repetem contra Jesus e que decidirá sua condenação é a de se fazer igual a Deus (5,18), fazer-se Deus (10,33) ou Filho de Deus (19,7). O mesmo escândalo é expresso por “os Judeus” de Cafarnaum perante as declarações de Jesus (6,41); argu­mentam com sua descendência humana (6,42) para negar sua condição divina (6,41) ignorando o amor de Deus, cava­ram um abismo entre Deus e o homem, sem compreender o projeto criador, a condição divina do homem (1,1c) ( ^ Cria­ção III, IV). Eles, escravos por seu pecado (8,34), acusam Jesus de se arrogar a condição de Filho (18,7; cf. 8,35s),

b) Oí adeptos do regime vigente. Em algumas cenas

aparecem “Judeus” que, sendo partidários da situação, não ocupam contudo postos dirigentes. Assitn os que visitam Marta e Maria para dar-lhes os pêsames pela morte do irmão(11,19.31.33,36). Diante da ressurreição de Lázaro, muitos destes dão adesão a Jesus (11,45); outros, porém, vão delatar o fato aos fariseus, que põem em movimento o círculo dos dirigentes (11,46)',

O fato de Lázaro tem prolongada repercussão entre estes judeus; ainda depois da ordem de prisão de Jesus(12,11), subtraindo-se à dominação dos sumos sacerdotes, que entram em acordo para dar morte também a Lázaro(12,10), muitos lhe prestam adesão (12,11) (-> Ressur­reição V).

c) Atitude diante de João e Jems. Desde o início sus­peitam de João Batista e enviam uma comissão para inter­rogá-lo (1,19) a fim de averiguar que papel se atribui ( ^ João Batista II) . Com os enviados, João transmite a “os Judeus” (as autoridades judaicas) uma advertência que é denúncia: endireitai o caminho do Senhor (1,23), acusan­do-os de tê-lo torcido eles mesmos.

Desde que Jesus se manifesta no templo como Mes­sias e denuncia sua corrupção (2,13-16) (-> Festa II) , ado­tam atitude hostil: pedem-Uie um sinal que autorize o seu gesto (2,18). Começam a persegui-lo (5,16) e buscam ma­tá-lo (5,18;7,1.19.32;8,59;10,31.39) por causa de sua ati­vidade e, em contradição consigo mesmos, aduzem como motivo para dar-lhe a morte precisamente os numerosos si­nais que reaHza (11,47.53).

Estranham o seu saber, independente do que se ensina nas escolas oficiais (7,15). No templo mantêm longa con­trovérsia com Jesus (8,31-59), gabando-se de terem por Pai Abraão (8,33), ao que Jesus responde distinguindo entre o filho livre e o filho escravo de Abraão (8,34s): eles são escravos por praticarem o pecado (8,34) e, portanto, não são filhos livres nem participam da herança: Jesus os exclui da promessa de Abraão e do povo de Deus. Diante da evi­dência da acusação recorrem ao insulto (8,48; cf. 10,20).

No templo (10,2 Iss), querem forçar Jesus a fazer de­claração messiânica que os comprometa (10,24); Jesus não

aceita discussões teóricas, mas os remete às suas obras (10,25), critério que eles não podem aceitar, porque denuncia a injustiça que cometem. Tentam apedrejá-lo pela segunda vez (8,59; 10,31) e prendê-lo (10,39) (v. infra IV ).

III. Os fariseus. Já rta comissão que interroga João aparecem fariseus, mais exigentes do que o resto ( 1,24 ) : não se satisfazem com as perguntas feitas, pedem a João expli­cação não já acerca de sua pessoa (1,19), mas de sua ati­vidade (1,24).

No resto do evangelho, é o grupo fariseu o mais vigilante contra qualquer movimento que pudesse alterar a situação. Assim, Jesus retirar-se-á para a Galiléia, porque os fariseus ficaram sabendo do êxito de sua atividade na Judéia (4,1). Como grupo separado (estão incluídos entre “os Judeus”) intervém sobretudo a partir de 7,32, vigiando as reações da massa e incitando os sumos sacerdotes a tomarem medidas contra Jesus (7,32); são eles que repreendem os guar­das por não terem levado a efeito a detenção (7,45.47). Vêem uma acusação no convite de Jesus a saírem das tre­vas e querem desacreditar o seu testemunho ( 8,13ss ) ( ^ Juízo Ilb ). A eles é levada a notícia da cura do cego, e eles empreendem a investigação sobre o acontecido (9, 13.15.16) e chegam a expulsá-lo (11,34), merecendo o grave vaticínio e acusação de Jesus (9,40s).

Notifica-se também a eles o ocorrido com Lázaro (11, 4é) e, em conseqüência, reúne-se a sessão do ÚDnselho de que participam sumos sacerdotes e fariseus (11,53). Jun­tamente com os sumos sacerdotes emitem a ordem de de­lação e prisão contra Jesus (11,57), Ao verem que, apesar de tudo, o povo anda com Jesus, censuram entre sua falta de eficácia (12,19). Sua influência é tão grande que são te­midos pelos próprios chefes (v. infra V), ou seja, pelos membros do Conselho, pois está em mãos dos fariseus ex­pulsar da comunidade judaica (12,42; cf. 9,22).

Aparecem pela última vez em 18,3, como os que, com os sumos sacerdotes, proporcionam a Judas as forças para prender Jesus (18,3).

Com este grupo fariseu, máximo inimigo de Jesus, con­trasta a figura de Nicodemos, fariseu sincero, que se põe

em contato com ele (3,ls); este, ainda que esteja aferrado à sua mentalidade legalista e por isso não compreenda nem aceite a mensagem de Jesus (3,4.9.12), tacha de injusto o modo de proceder de seus colegas, atraindo os seus insultos (7,30-52) e, não concordando com a condenação, presta a Jesus as últimas honras (19,39-42) (-^ Nicodemos).

IV. Oí sumos sacerdotes. Incluídos também entre “os Judeus’', aparecem pela primeira vez como grupo separado em 7,32, onde, instigados pelos fariseus, mandam deter Je­sus; são figuras secundárias, que não pronunciam palavra; os fariseus levam toda a iniciativa (7,45ss).

A figura de Caifás, sumo sacerdote primaz, destaca-se na condenação de Jesus (11,49.51). É ele quem resolve a situação sem saída, propondo dar morte a Jesus para sal­vaguardar os interesses do círculo dirigente (11,50: vos convém). Sua iniciativa corresponde à acusação de Jesus de que têm por pai o Inimigo homicida (8,44; cf. 8,40).

A proposta de Caifás, que coroa a infidelidade dos di­rigentes a Deus, encerra ao mesmo tempo uma profecia: a morte de Jesus será a salvação do povo (ll,30s). Deus dá a Caifás sua última mensagem, que anuncia a verdade de Deus e denuncia ao mesmo tempo a traição da instituição que representa. Anuncia cegamente o desígnio de Deus sem compreendê-lo; o povo de Deus não se restringirá à raça de Israel, mas abraçará todos os homens de toda e qualquer procedência (ll,51s).

Desde este momento, os sumos sacerdotes tomam a ini­ciativa em perseguir Jesus e os seus (12,10).

Ao longo do processo que desèmboca na morte de Je­sus, desaparecida a menção explícita dos fariseus (mas cf. 18,3.12), entrelaça-se a dos sumos sacerdotes (18,35; 19, 6.15.21) com a de “os Judeus” (18,20.31.33.35.36.38.39; 19,3.7.12.14.19.20.31). “Os sumos sacerdotes dos judeus” são os que negam a Jesus o título de “rei dos judeus”(19,21); tendo a hegemonia sobre o povo, opõe-se ao Mes­sias: representam assim “o chefe desta ordem”, personifi­cação do arculo de poder (12,31; 14,30;16,11; v. infra V). (-» Mundo Id, III) .

Jo apresenta duas figuras individuais de sumos sacer­dotes: Caifás, sumo sacerdote naquele ano ( 11,49.51;18, 14), e Anás, sem nenhuma especificação (18,13.24). Am­bas as personagens estão unidas pelo parentesco de so- gro-genro (18,13). É Anás o mais importante dos dois: tanto os guardas como as tropas do governador enviadas para prender Jesus o conduzem a Anás, reconhecendo-o como a autoridade suprema (18,12s: primeiro a Anás).

As relações entre Anás e Caifás plasmam o que Jesus expressa em 8,44, onde descreve o Inimigo como princípio inspirador da figura dos dirigentes (vosso pai) (—>■ Inimigo II ), Anás, o poder permanente entre bastidotes, dirige Cai­fás, o poder transitório que age publicamente ( 11,49.51;18, 14; naquele ano), representando a este pai (sogro de Caifás) (-> Pai IIIc; Inimigo III) .

V. Os chefes. Encontra-se a menção de “os chefes" ou membros do Conselho (Sinédrio) a partir de 3,1, onde se diz que Nicodemos era um deles. Nunca agem com este título no decurso do relato; de fato são chefes os sumos sacerdotes e os fariseus, que integram o Conselho (11,47). Como o grupo fariseu, porém, desborda em muito sua re­presentação no Conselho e tem força fora dele, pode refe­rir-se a “os chefes’' de outras tendências como grupo diverso (7,48;12,42).

O povo de Jerusalém está pendente da opinião dos chefes (7,26). Segundo os fariseus, nenhum deles deu ade­são a Jesus (7,48), mas, na realidade, muitos Uia deram internamente (12,42; cf, a insegurança manifestada pelos próprios fariseus e “Judeus” em 9,16;10,20s), ainda que, por medo dos fariseus, que poderiam fazê-los expulsar e perder sua posição de privilégio, não o confessem {—> Gló­ria VI ), atraiçoando ao povo e causando sua ruína. Deixam-se arrastar pelos fariseus para o seu próprio pecado (9,41).

VI. A opressão do povo. A opressão que exerce a mi­noria dirigente tem origem em “seu pecado” (8,21;9,41; 15,22,24; cf. 16,8), a ambição da riqueza, glória e domínio (-> Pecado IV; Inimigo V), que se traduz em “fazer o

pecado” (8,34), equivalente da injustiça (c£. 7,18: não ter injustiça; 8,46: não ter pecado), ou em "os pecadas” (8,23).

Exercem a dominação sobre o povo tornando-o depen­dente de suas opiniões {7,26) e por meio da doutrina que ensinam (12,34), ÍmpedÍndo-o de reconhecer o amor de Deus em Jesus (-> Verdade Ile; Trevas Ilb ). Mantêm o povo no temor, não o deixando expressar suas opiniões (7, 11) nem dar adesão a Jesus (9,22; cf. 19,38;20,19), amea­çando com a expulsão da comunidade judaica (9,22; cf. 12, 42). Os fariseus, em particular, desprezam o povo, que con­sideram maldito pelo seu desconhecimento da Lei (7,49).

Os apelativos "ladrões e bandidos” que Jesus lhes apli­ca (10,1.8.10) referem-se à exploração econômica do povo, principalmente através do culto e das práticas rehgiosas (2, 13-16) e da violência que empregam, a qual se manifesta claramente na perseguição e condenação de Jesus e na dos disdpulos depois dele (11,53;15,20;16,2),

A reahdade e os efeitos do domínio dos dirigentes são exemplificados por Jo com o caso extremo dos “subordina­dos” ou “guardas”, agentes de sua violência.

V II. O í guardas e os servos. Os guardas ou subordina­dos dos sumos sacerdotes e dos fariseus (18,3) correspon­dem provavelmente, pelo menos em parte, a “os levitas/ clérigos” enviados de Jerusalém com os sacerdotes para pro­ceder ao interrogatório de João (1,19). Como grupo, os guardas são enviados para prender Jesus no templo (7,32), ordem que não executam por causa da admiração que neles causou o seu modo de falar (7,45.46). Ao expressar esse juízo pessoal sobre Jesus, são imediatamente chamados às ordens pelos fariseus: eles não devem ter opinfâo própria nem lhes convém errar com o povoléu maldito, mas confiar nos chefes e fariseus, os únicos que possuem a verdade, por conhecerem a Lei (7,47-49). Desde então se mostram dóceis aos seus donos: executam a prisão de Jesus (18,12), mantêm-se no nível dos servos (18,18); um deles, que ex­pressa a atitude de todos, demonstra sua obsequíosidade para com o chefe supremo, esbofeteando a Jesus (18,22). Ca­recem de personalidade e juízo próprios; sua identificação

com os chefes os priva de sua condição de homens. Por isso, em 19,6a, unem sua voz à dos seus donos a fim de pedir a morte de Jesus: a manifestação de “o Homem”, livre e rei, mostra por contraste a abjeção em que se encontram.

O círculo do poder, os sumos sacerdotes (“o cbefe desta ordem”), rodeado por seus guardas, agentes de sua violência, é o antagonista do rei “que não pertence a esta ordem”, o que não tem guardas que o defendam, porque rejeita a violência (18,36). Outra oposição entre Jesus e os sumos sacerdotes está na menção de “os servos” (18,18.26). Os que pelo pecado que praticam são escravos (8,34) fazem de seus subordinados escravos (= servos); Jesus, o que está livre de injustiça (7,18), chama os seus não de servos, mas de amigos (15,13-15).

V III. A terra da Judéia. A terra da Judéia (3,22) ou Judéia (4,3,47;7,2,3; 11,7) é o lugar onde é rejeitado e perseguido Jesus (4,1-3) e onde corre o perigo de morrer (7,2; 11,7). Daí o fato de o êxodo simbólico de Jesus con­sistir em atravessar “o mar” da Galiléia (6,1: alusão ao êxodo de Moisés para fora do Egito) ou o rio Jordão (10, 40: alusão à entrada de Josué na terra prometida; cf. Js 3-4), indicando que o território judaico tornou-se terra de opressão. Depois da condenação de Jesus indica-se sua reti­rada a Efraim, uma cidade assim chamada (11,54), alu­dindo desta vez à herança de Josué, o libertador, situada fora dos confins da Judéia (Js 19,49s LXX).

IX . A comunidade judaizante. V. Discípulo IV.

Juízo

Gr. krima, processo [1]; krisis, sentença [11]; krtnô, julgar [19],

I. Salvação e juízo. O Paí não mandou o seu Filho ao mundo para julgá-lo, mas para salvá-lo (3,17; cf. 12,47). Estes textos provam o sentido desfavorável do termo “jul­gar” e derivados. Juízo opõe-se a salvação. Daí decorre que quem dá adesão a Jesus não está sujeito a juízo (3,18), não seja chamado a juízo (5,24). Mas quem se recusa a

dar-lhe adesão já tem sua própria sentença; a quaí o próprio homem a dá a si mesmo com sua opção contra a Itxz-vida e em favor das trevas-morte {3,18-19). Não estar sujeito a juízo eqüivale a ter vida definitiva (5,24; cf. 3,36); ter a própria sentença significa ficar privado da vida, por per­manecer voluntariamente nas trevas-morte, âmbito da re­provação de Deus (3,36),

Sendo o Espírito-amor o princípio de vida, quem age contra o homem (3,19s;5,29) rechaça a vida e se condena a morrer; quem age em favor do homem obtém a vida (-» Vida IIc). Em outras palavras, o projeto de Deus é a realização da plenitude humana (cf. 10,10b); quem, prati­cando o amor, realiza-se a si mesmo e ajuda os outros a se reahzarem, age segundo o projeto e alcança a plenitude de vida; quem age com baixeza (3,19) impede em si mes­mo e nos outros a realização do projeto: nunca saberá o que é vida (3,26) (-» Criação III, IV ).

II. A sentença do Filho, a) O Pai delegou ao Filho todo o poder de dar sentença (5,27), mas a sentença do Filho somente ratifica a que o próprio homem se deu. Dispondo da vida, como o Paí (5,26), sua sentença con­siste em não comunicar vida a quem, por sua opção contra ela, a rejeita.

O Pai delega ao Filho esse poder porque é homem (5,27); portanto, o fato que decide o futuro de cada um é sua atitude perante Jesus enquanto homem, ou seja, pe­rante o homem como tal. Assim, a opção contra a luz, Je­sus (8,12: Eu sou a luz do mundo), o é contra o homem (cf. 3,19: porque o seu modo de agir era perverso). A ati­tude perante o homem é o critério de juízo, também para o passado (5,28s).

A sentença que Jesus dá é justa, porque se baseia no seu conhecimento do desígnio do Pai, a plenitude do ho­mem e sua fidelidade a ele (5,30): ele exclui somente os que se excluíram a si mesmos recusando-se a praticar o amor. Opõe-se à justiça de sua sentença à que dão os seus adversários, que tomam por critério uma fidelidade à Lei que impede o bem do homem (5,10).

b) Os que se identificam com as trevas, âmbito da mendra e da morte, de onde Jesus convida a sair (8,12), consideram o seu convite como sentença contra eles, que se negam a segui-lo (3,19: preferiram as trevas à luz); nes­se caso, a sentença de exclusão que eles próprios pronun­ciam é apoiada pelo Pai (8,16s). Para se eximirem do con­vite que Jesus faz, consideram sem valor o testemunho que dá de sua missão messiânica. Este é o juízo “segundo o humano” (lit, “segundo a carne”), que vê em Jesus somente sua reahdade humana, sem descobrir nela a presença do Espírito (8,15) (—> Carne; Trevas I) .

III. Processo e sentença contra "o mundo”. Jesus veio a fim de abrir um processo contra a ordem presente (9,39), pois sua presença e atividade em favor do homem provocam opção inevitável a favor ou contra. O resultado será duplo: a. libertação dos oprimidos (9,39: oí que não vêem verão a luz que é a vida) e a exclusão definitiva dos dirigentes que, propondo uma ideologia falsa, negam a evidência dos fatos (os que vêem ficarão cegos; cf. 5,36: não saberão o que é vida; lit. não verão a vida).

A morte-exaltação de Jesus pronunciará a sentença con­tra "o mundo”/a presente ordem: o “seu chefe”, que per­sonifica o círculo do poder judaico, e, mais em geral, a todo poder (—> Mundo II I) , será lançado fora (12,31s), Nessa morte ficará patente o ódio deste “mundo” contra Jesus e contra o Pai (15,23-23; cf. 19,28s). “Ser lançado fora” sig­nifica ficar excluído dos bens messiânicos, do âmbito de Deus, o âmbito da vida (3,36), por sua opção contra Jesus Messias,

“O último dia” tem assim dois aspectos, o de salvação para os que dão sua adesão a Jesus, e o de juízo para os que se opÕem à sua mensagem (12,48). É uma sentença presente e contínua na história Escatologia Ia).

O Espírito confirma essa sentença contra o mundo e o seu chefe no seio da comunidade de Jesus (16,8.11); assim, ainda que esta se veja perseguida (15,18ss;16,l-3), não se sentirá culpada.

159 Lázaro

L ázaro

Discípulo IV; Ressurreição V; Vida Ilf.

L e i

Gr. nomos [14]; sabbaton (sg.), descanso de preceito tll].

I. Ujo dos termos. O termo “Lei” (nomos) refere-se quase sempre ao código legal (1,17;7,49.51 ;S,17; 18,31; 19, 7); em duas ocasiões designa textos de salmos (10,34;15, 25); outra vez pode referir-se a textos históricos ou proféti­cos sobre o reíno perpétuo do descendente de Daví (12,34). Pode designar, portanto, qualquer parte da Escritura,

O descanso (sabbaton) significa o descanso de preceito próprio de um día festivo (5,9b;10,16.18;7,22.23bis;9,14.16); em 19,31 menciona-se duas vezes, com duplo sentído: desde o ponto de vista de “os Judeus” é o descanso próprio de sua Páscoa (para que mo ficassem na cruz os corpos durante o dia de descanso), mas o evangelista contrapõe a este outro sentido (pois era solene o dia daquele descanso); o descanso da verdadeira Páscoa, a de Jesus (era solene o dia; cf. 7,39) coincide com o descanso divino terminada a criação (daquele descanso); ao passo que os Judeus preten­dem tirar os corpos para celebrar a Páscoa, que não passará da preparação (19,42), tirar-se-ão (19,38), porém, para começar a páscoa da nova aliança que coincide com a pleni­tude da criação do homem (19,30: Fica terminado).

II. Verdadeiro e falso aspecto da Lei. Em Jo a Leí apresenta dois aspectos: a) Enquanto código legal, pertence à etapa preparatória que termina com a chegada do Messias ( 1,17.45;7,23); e por isso Jesus não a considera sua (7, 19: Moisés vos deixou a Lei; 8,17: em vossa Lei). À Lei externa sucede a Lei ititerna (Jr 31,31; Ez 36,26s), o amor leal (1,17; cf. 13,34; 15,12.17) (-->■ Mandamento II I) , o Espírito (19,30.34), A mudança de aliança e, portanto, de Lei anuncia-se simbolicamente na cena de Caná (2,1-11) (-^ Bodas II; Agua II, III) .

b) Enquanto inclui todo o AT chama-se de “a Escri­tura’' por ser anúncio, preparação ou figura dos dias do Messias Escritura I); quando é chamada de “Lei” ad­quire com freqüência sentido pejorativo: aqueles escritos que tinham validade transitória e visavam ao futuro vieram a ser absolutizados como definitivos e inamovíveis (3,3Iss) (“ Abraão I; Moisés II; Profeta IV ); de mais a mais, interpretados pelos dirigentes, transformaram-se em instru­mento de poder e opressão (3,1-3; o descanso de preceito: 3,9b-10.16,lS;9,14.16; v. infra V); o desconhecimento da Lei reduz o povo à condição de “maldito” (7,49), depen­dente, portanto, dos mestres para alcançar a benevolência de Deus (-> Moisés II) .

O caráter definitivo atribuído à Lei exclui a iniciativa de Deus na história; por isso, quando aparece o Messias, que não corresponde às idéias ensinadas pelos mestres da Lei (12,34), o povo o rejeita; a interpretação proposta pelos di­rigentes o cegou (12,34.40; cf, 7,27); a ideologia basea­da na Lei são “as trevas/mentíra” que impedem de reconhe­cer a luz da vida (—> Trevas I; Luz I) .

III. Os dirigentes e a Lei. Jesus acusa os dirigentes de não cumprirem a Lei de Moisés (7,19) e lhes dta um texto dela no sentido de lhes mostrar a incoerência de suas pró­prias acusações (10,34). Os fariseus desprezam o povo por­que não conhece a Lei (7,49), mas o próprio Nicodemos, fariseu e chefe (3,1), pode devolver-lhes a argumentação: eles próprios que a conhecem não a observam (7,31). Utili­zam a Lei para os seus próprios fins (cf. 7,23) (-^ Nico­demos II) .

Nas mãos dos dirigentes, a Lei se converte em ins­trumento de ódio, até ao ponto de Jesus poder resumir a mensagem (logos) dessa lei deformada na atitude de ódio que causará sua morte (15,25: Odiaram-me sem razão}gra­tuitamente; 19,28: 0 vinagre), É a mensagem oposta à de Jesus e do Pai (14,23s), a mensagem do amor gratuito. Daí o fato de essa Lei prover a acusação inspirada pelo seu ódio contra Jesus (19,7; Nós temos uma Lei, e segundo essa Lei ele deve morrer).

IV. Oposição Lei-Amor. A oposição entre a Lei e o amor leal, levantada no prólogo (1,17), aparece encenada em dois casos: o episódio do paralítico (3,Iss) e o do cego de nascimento (9,lss), Enquanto em Jesus se revela o amor sem limite, tornando presente a atividade do Pai em favor do homem (5,17;9,4), a Lei, representada pelo preceito do descanso (5,9b;9,14) e interpretada pelos dirigentes judeus ou os fariseus, condena essa atividade; faz assím Deus pa­recer inimigo do bem do homem.

A oposição chegará ao seu ponto máximo na condena­ção-de Jesus: aduz-se à Lei perante Pilatos a fim de basear a acusação que exige sua morte (19,7). Jesus rebatera esta acusação com um texto de “a Leí deles’' (10,34), mas mudando o seu conteúdo: enquanto o SI 82,6 chamava “deu­ses” os chefes que tinham recebido de Deus a faaildade de julgar, Jesus aplica o de “Filho de Deus” ao que recebeu a consagração do Espírito para salvar, como o demonstra com sua atividade em favor do homem (19,35-36; cf. 3, 17;12,47).

V. Símbolos da Lei. Jo representa a Lei valendo-se de diversos símbolos. Nas bodas de Caná, com as talhas de pedra (cf. as tábuas da Lei) destinadas à purificação, mas vazias de água (2,6), Mostra assim a incapacidade da IjCÍ para restabelecer a relação do homem com E>eus; e mais: apresenta-a como obstáculo, pois desenha a figura de um Deus severo e exigente que facilmente rompe relações com o homem e cria a contínua consciência de pecado; impede assim a manifestação e a experiência do amor de Deus (2,3: Não têm vinbo) (—>■ Água II; Bodas II; Espírito IV ).

Outro símbolo em conexão com o anterior (2,8;4,7: antleô) é o poço de Jacó, cuja água não mata a sede (4,14) (-> Água III, V).

A Lei, cuja interpretação se ensina nas escolas estabele­cidas nos pórticos do templo, é representada pelos cinco pórticos da piscina (os cinco livros de Moisés) (5,2), A opressão exercida por ela é a que mantém o povo inválido(5,3) e a ponto de morrer (5,5: trinta e oito anos enfermo, alusão à geração que morreu no deserto; cf. Dt 2,14s),

6 - Vocabulário..

Finalmente, é símbolo da. Lei a vasilha cheia de vina­gre que estava ao pé da cruz (em relação com as talhas de Caná); o ódio representado pelo vinagre (oposto ao vinho do amor, cf. 2,3.9.10) responde ao expresso em 19,7: Nóí temos uma Lei, e segundo essa Lei deve morrer (cf. 15,25).

VI. Substituição da Lei. Como estava anunciado em Jr 31,31-34 (nova aliança e Leí interior), texto interpre­tado por Ez 36,26s (infusão do Espírito de Deus que asse­gurará a fidehdade a ele), o Messias realiza a substituição da aliança (2,1-11) (-^ Bodas II) e com ela a da Lei. A promulgação por Moisés é substituída pelo amor leal (1,17), a Lei externa, pela interna, o Espírito (—> Espírito IVc), comunicado por Jesus desde sua morte-exaltação (19, 30.34; cf. 20,22). Por outro lado, Jesus na cruz é a Es­critura nova e definitiva, o novo código para a humanidade inteira (19,20) (—>■ Escritura II I) .

Objetivamente, portanto, o código da aliança é o pró­prio Jesus crucificado, paradigma do amor para com o ho­mem (13,34: Como eu vos tenho amado); subjetivamente, é o Espírito recebido, que interioriza Jesus e identifica com ele (-» Espírito VI; Amor Vc), dando ao homem a capa­cidade de amar e impulsionando-o para a entrega como a de Jesus (—> Agua III) .

Muitas metáforas e símbolos que se aplicam a Jesus impHcara no seu significado a substituição da Lei. Assim, a luz do mundo, que é a luz da vida (8,12; cf. 1,4) (-> LuzII) , opõe-se às falsas luzes (1,9), em particular à Lei (cf. SI 119,105; Eclo 45,17 LXX; Sb 18,4).

Cada um dos membros da fórmula: Eu sou o caminho, a verdade e a vida (14,6) opÕe-se a uma maneira de desig­nar a Lei: como caminho de Deus (Dt 5,33; SI 119,1,5.29. 33), como expressão da verdade de Deus (SI 119,160; cf. Jo 17,17) e como fonte de vida (Dt 32,47; SI 119,37.93. 149,154; cí, Jo 5,39), a qual se encontra era Jesus (5,40) pela assinulação de sua vida e morte (6,53s) (-^ Carne II) .

A observância da Lei, portanto, não é base para o reino de Deus,(-> Nicodemos Ibc), que será realizado pelo Messias infundindo o Espírito (3,3.5.6).

Pode-se descobrir jogo de palavras entre nomos (Lei) e nomê, pasto (10,9); o alimento que Jesus oferece (sua carne e seu sangue, cf. 6,35), expressão do seu amor, subs­titui a Lei (1,17).

L ib erdade

Gr. eleutheros, livre [2]; eleutheroô, libertar, dar a liberdade [2]; doulos, servo, escravo [11]; douleuô, ser servo, escravo [1]; diakonos, servente, ajudante [3]; dia­koneô, ajudar, colaborar, servir [3].

I. Origem e significado da liberdade, a) A verdade faz livres (8,32); por outro lado, a liberdade se recebe do FUho (8,36) e tira da condição de escravo, que é a con­dição própria do que pratica o pecado (8,34).

Estes dados se tornam coerentes ao se compreender o que para Jo significa “a verdade” enquanto conhecida: é a experiência do amor de Deus, que, por intermédio de Jesus, comunica ao homem o seu Espírito, princípio de vida (-» Verdade Ilb ). Ao fazer participar do amor caracte­rístico de Deus (4,24), o Espírito cria a condição de filho, A intimidade e confiança com Deus, que já não aparece como Soberano, e sim como Pai, liberta o homem de todo outro domínio e sujeição, fazendo-o livre e senhor de si mesmo; ao mesmo tempo, ao participar como filho dos bens (herança) do Pai, é senhor da criação (-> Filho II I) .

A experiência de vida e hberdade diante de Deus que o Espírito produz é a única que relativiza os demais vínculos e pode libertar deles; por isso Jesus não se contenta com a adesão de princípio, mas indica a necessidade de opção eficaz em favor do homem, rompendo com o sistema de injustiça (8,23), e praticando o amor conforme à sua men­sagem (8,31); só então é que o homem possuirá “ o Espíri­to da verdade” ( 14,16;15,26;16,13) que o faz livre.

b) Somente a pertença à linhagem de Deus é que faz livres (1,13: nascem de Deus; 3,6: nascer do Espírito); não basta proceder de linhagem humana, ainda que seja a de Abraão (8,31-36). De fato, Isaac, o filho livre, nasceu

em virtude da promessa divina, ao passo que Ismael, ainda que filho de Abraão, era escravo e foi excluído da herança.

c) A liberdade que o Espírito dá supera a liberdade de opção; esta é condição prévia para aderir a Jesus (—> Ver­dade IIc). Uma vez que o Espírito termina no bomem a obra criadora dando-lhe a capacidade de amar até ao extre­mo (— Espírito Vb), ser livre significa ser capaz de ex­pressar sem restrição alguma o amor generoso e fiel (1,17; hê charis kai hê alêtheia) que constitui o dinamismo do ho­mem-espírito (3,6), Sendo o dom de si a exigência e a expressão do amor (10,11.15.17;15,13), o homem haverá de ser senhor de si mesmo e de sua própria vida a fim de poder dar-se inteiramente e haverá de rechaçar toda atadura que o impeça de dar-se aos outros. Daí a condição expressa por Jesus, perder o medo da morte (12,24s), o qual im­pediria uma doação total como a sua.

II. Equivalências e aposições. A condição de "escravo” corresponde à opção pela injustiça (8,34; o que pratica o pecado), A condição de “Hvre” corresponde à opção pelo amor (3,21: o que pratica a lealdade) que faz nascer de Deus (1,13) pelo Espírito (3,5.6).

A esfera do pecado é “esta ordem” (8,23), “o que é daqui de baixo” (8,23), a esfera das trevas (1,5;8,12; 12, 35), que é a da morte (cí. 5,24), e da reprovação de Deus, onde não se conhece a vida (3,34); ser escravo eqüivale, portanto, a viver na condição indicada por qualquer destas metáforas. A esfera de Deus, própria dos filhos Hvres, é “a de cima” (8,23; Céu II) , a da luz (8,12;12,36), que é a da vida (3,36; cf. 5,24;6,39s), a do Espírito ou amor de Deus (3,6-8), onde não existe morte (8,51;ll,25s).

III. A liberdade de jesus. a) Todo o dito acerca da liberdade verifica-se paradigmaticamente em Jesus, o Filho único e herdeiro universal do Pai ( l,14;l,32s;3,35;5,26; 13,3; 17,10), que dispõe de sua riqueza e pode comunicá-la (5,21.26: a vida; 6,39s;17,2: a vida deíínitiva; 7,37-39: o Espírito; 17,22: a glória), Comuníca-a Uvremente sem estar limitado pela Lei (5,21: os que quer). Por isso pode dar a outros a liberdade (8,36).

Cheio do Espírito (l,32s), o amor leal de Deus, Jesus é soberanamente livre para expressá-lo em sua atividade, que chegará até ao dom de sua vida. Assim é “Senhor”, dono de si mesmo e de sua própria vida; pode dispor dela e entregar-se hvremente (10,18: Ninguém ma tira, eu a entrego por decisão própria).

b) Desde o princípio Jesus manifesta sua consciência e aceitação do desenlace (2,4; minha hora), sua condenação à morte por parte das autoridades; isso faz com que se mova em absoluta hberdade. De quando em quando se apresenta em público para intervir com denúncia clamorosa (2,13ss); confronta-se com os dirigentes (3,18), afirmando o refe­rendo divino de sua própria atividade e acusando-os de in­fidelidade a Deus (5,16-47;6,41-59).

Apesar da ameaça de morte que pesa sobre ele, apre­senta-se no templo no meio das festividades e ensina publi­camente (7,l,14ss); convida a abandonar a instituição (7, 30.32,44,43;8,20), pondo-se como alternativa a ela (7,57- 39;8,12). Enquanto o povo, por medo dos dirigentes, não se atreve a expressar abertamente sua opinião sobre Jesus(7,13), o qual fala publicamente, suscitando a admiração do povo (7,23; cf. 18,20). Apesar das tentativas de prendê-lo, faz caloroso debate com os dirigentes (8,21-59), que mais tarde denuncia como cegos voluntários, ladrões e bandidos (9,40-10,13). Sua liberdade manifesta-se ao máximo no dom voluntário de sua vida (10,18), que se expressa no horto, onde se entrega livremente, proibindo a Pedro sair em sua defesa (18,9-10), Diante do sumo sacerdote, Jesus não se submete ao interrogatório e lhe faz ver a incongruência de sua pergunta (18,20s), Adverte Pilatos da responsabilidade que pesa sobre ele (19,11). Não fala nem discute com as autoridades judaicas que pedem sua morte. Finalmente, sai do jogo dos poderes, carregando espontaneamente a cruz e saüido para o lugar do suplício (19,17),

Jesus não é, porém, temerário; a Galiléia é para ele refúgio em momentos difíceis (4,1-3;7,1), bem como a Trans- jordânia (10,40) ou a região de Efraim (11,54), Inclusive na Judéia vive na clandestinidade (5,15;8,59;18,2). Ele

dará sua vida quando julgar que chegou o momento, não antes {—> Hora I),

IV. A liberdade do discípulo. A liberdade, que se ba­seia na consciência do amor do Pai, manifesta-se no des­prezo do perigo no meio do mundo hostil, sabendo que a vida que se recebeu é definitiva; quem, pelo contrário, teme arrostar o perigo, não é livre, mas escravo, e poderá ser submetido à ameaça (12,25).

Este dito de Jesus, dirigido aos discípulos em relação com o fruto que haverão de produzir (12,24), é encenado nos seus dois aspectos, desprezo do perigo e medo da morte, no episódio que se verifica no átrio de Anás (18,15ss). Opõe-se aí a liberdade com que age o discípulo a quem Jesus queria bem (18,15: outro discípulo, v. Discípulo Illd ), que, sendo conhecido como discípulo, entra com Jesus para acompanhá-lo no caminho rumo à morte e movimenta-se com inteira liberdade no meio do perigo, e a figura de Pedro, que, por medo, nega ser discípulo de Jesus e integra-se, como um a mais, no grupo onde estavam os servos (18,18).

V. Jesus chama à liberdade. Os episódios do inválido (5,lss) e do cego (9,Iss) mostram a chamada de Jesus à liberdade.

No primeiro caso, a íigura do inválido representa a multidão destroçada pela opressão que os dirigentes exercem por meio da Lei, utilizada para os seus próprios fins (5,2s) (— Lei V). A submissão à Lei os priva de movimento e vida (cf. 5,21), Jesus lhe dá a força para andar por si mesmo e escolher o seu caminho; não lhe pede que o siga, mas simplesmente lhe dá a liberdade. Ao ver que o homem continua submetido à instituição que os oprimia, Jesus lhe avisa onde está o perigo para ele (5,14). Esta libertação origina a polêmica em que Jesus põe a atividade de Deus criador e doador de vida acima de toda Lei (5,19.30).

O caso do cego (9,Iss) é diferente. Não é homem sub­metido voluntariamente à Lei, mas oprimido antepassado que nunca conheceu a dignidade humana (9,1: cego de nasci­mento); sua situação era de inatividade e dependência (9,8). Também Jesus não o chama a segui-lo; deixa-o enfrentar as

conseqüências de sua nova condição; o homem mostra sua liberdade diante dos dirigentes, rebatendo os seus argumen­tos, até que é expulso (9,34). Então o encontra Jesus (9,35). _ _

O inválido não tirara as conseqüências de sua experiên­cia de vida e liberdade: continuava na antiga sujeição (5, 14); o cego, pelo contrário, não necessita de que Jesus o avise; essa experiência relativiza para ele toda a autoridade e ensino dos mestres. Daí o fato de Jo notar duas vezes que “é maior de idade” (9,21.23). A experiência do Espí­rito (5,7: a água do Enviado) terminou nele a obra cria­dora (—> Espírito Vb; Nascimento II) ,

Jesus, que chama à liberdade, não aceita ser proclamado rei (6,15); não quer dominar o homem. Quando for en­tregue a Pilatos, ele mostrará qual é a natureza de sua rea­leza (18,36; 19,1-3) (-^ Messias IV; Sinal IVc),

VI. Símbolos da liberdade. Sinal de ser homem livre na época de Jesus era comer reclinado à mesa. Jo usa este símbolo para indicar a consciência de liberdade que Jesus produz no homem. Assim, no episódio dos pães, encarrega os discípulos de fazerem com que o povo se reclíne para comer (6,10s); a comida que Jesus reparte é para homens livres e faz homens livres; esta hberdade está em relação com 0 Espírito, como o mostra a indicação; uns cinco mil homens adultos, alusão aos grupos proféticos da história de Elias e EUseu (6,10; cf. IRs 18,4.13; 2Rs 2,7) (-^ Núme­ros V).

O mesmo símbolo é usado na ceia que a comunidade oferece a Jesus em Betânia (12,2: Lázaro era um dos que estavam reclinados com ele à mesa). Também aparece na cena final com os discípulos (13,13.23).

Outro símbolo de liberdade é “a terra” onde termina o êxodo de Jesus (6,21), figura da terra prometida, por oposição à terra de escravidão que abandonou para passar o mar (6,1) (-» Discípulo IXa; Betânia IIc).

V II. O lava-pés. A liberdade insinuada em 6,10 é ex­plicada e explicitada no lava-pés. Jesus, “o Senhor”, ao prestar aos seus serviço próprio de servo (13,4s), os eleva

à categoria de “senhores”, ou seja, de homens livres. Com isso lhes ensina comp haverão de buscar a dignidade e liber­dade dos homens: com o serviço por amor. Cria assím co­munidade de iguais, onde cada um é livre e senhor de si mesmo, precisamente em virtude do serviço que todos se prestam mutuamente, O serviço por amor não se opõe à dignidade nem à liberdade, como o indica Jo ao frisar que Jesus, terminado o lava-pés, volta a reclinar-se à mesa, reto­mando a posição de homem lívre (13,12).

V III. Liberdade e amizade. A liberdade está incluída no conceito de “amígo”, como oposto ao de “servo”; Je­sus exclui que a relação dos seus consigo seja a que medeia entre servos e senhor (15,15); eles são homens livres, cuja adesão a Jesus é de amizade, e não de subordinação. Daí decorre que o serviço que prestam não seja o de servos (douloi), mas o de âiakonoi (2,5.9), o dos que ajudam e colaboram (12,26); o diakonos é o que serve e colabora por amor, e não por obrigação; assim aparece na ceia de Eetânia, onde Marta, uma das figuras da comunidade, de­monstra o seu agradecimento a Jesus servindo à mesa (12,2: diêkonei), traduzindo o amor a Jesus, doador de vida, a serviço de todos. Jesus designa os seus como “o que quiser me ajudar” (12,26: diakoneô, diakonos).

IX. O respeito à liberdade. O respeito de Jesus pela liberdade do homem aparece em muitos episódios. Em pri­meiro lugar, tanto ao paralítico como ao cego oferece a saude, mas espera o seu desejo ou iniciativa para curá-los (5,6;9,7).

O exemplo mais evidente de respeito à liberdade é dado por Jesus diante da traição de Judas (13,21.32), Conhecendo o desígnio deste (13,11.18.21), oferece-lhe a última possibilidade de opção pondo sua própria vída em suas mãos (13,26.30: simbolismo do pedaço de pão molha­do); não révela quem é o traidor a não ser através do gesto de amizade que o faz irreconhecível para o grupo. È o respeito à liberdade até às custas da própria vida.

No interrogatório perante Pilatos Jesus expressa o res­peito de Deus à liberdade do homem (19,11), o mesmo que

ele demonstrou: renuncia a forçar a decisão de Pilatos com declaração de sua origem divina (19,9: não lhe deu respos­ta); diante de sua pretensão de dispor de vida e morte, o faz refletir sobre sua responsabilidade, tanto maior porque Deus respeita sua liberdade e deixa a decisão em suas mãos (19,

11 ).

X. Obstáculos à liberdade. Obstáculo à liberdade é o medo, que aparece na opressão que sofre o povo por parte das autoridades (7,13;9,22). Outro obstáculo é a submis­são às opiniões dos dirigentes, que faz com que o povo acei­te o seu ponto de vista e as doutrinas que propõem (7,25­27). Á sujeição do povo realiza-se principalmente através do ensino oficial da Lei (12,3^), que o cega: (12,35: as trevas), impedindo-o de percel^r em Jesus o desígnio de Deus (12,40) (-^ Trevas Ia).

Luz

Gr. phôs [23]; phainâ, brilbar [2]; phôtizô, ilumi­nar [1],

I, A luz da vida. No sentido metafórico que Jo lhe atribui, a luz é o esplendor da vida (1,4); não existe, por­tanto, luz anterior à vida, é a própria vida enquanto se impõe por sua evidência e pode ser conhecida. A luz-vida precede à aparição das trevas (1,5), agente hostil que pre­tende sufocá-la (1,5). A identificação da luz com a vida mostra a equivalência de trevas e morte.

Apesar da oposição das trevas, a luz-vida foi sempre vi­sível para os homens (1,5: brilha) e tende a difundir-se, a comunicar-se (1,9: ilumina).

A vida que brilha como luz era o conteúdo do projeto de Deus (1,4). O seu brUho foi constante (1,5), ou seja, o homem sempre sentiu o desejo de plenitude a que o cha­ma o projeto divino, do qual o seu próprio ser já é ex­pressão, pois tudo foi criado por este projeto/palavra e a ele responde (1,3). úíntudo, a humanidade em geral o re­jeitou (1,10), ou seja, a maioria dos homens reprimiu o

desejo de vida plena, submetendo-se às trevas (1,5) ou sen­do instrumento delas (-^ Trevas I). Esta rejeição será de­signada como “o pecado do mundo” (1,29; —> Pecado II) .

A vida é a única luz verdadeira para o homem, o ideal que Deus lhe propõe e o guia de seus passos (1,9); opÕe-se às falsas luzes, em particular à Lei, chamada de luz no AT (SI 119,105; Sb 18,4; Eclo 45,17 LXX) e no judaísmo.

No meio da humanidade oprimida pelas trevas, apa­rece João Batista, a testemunha em favor da luz (1,6-8). O seu testemunho pretende despertar o anelo de vida e suscitar a adesão à luz, personalizada no Messias que chega (-» João Batista II) .

A luz eqüivale metaforicamente à “verdade”. Decorre, pois, do que se disse, que para o homem a úníca verdade e a plenitude de vida contida no projeto divino, que mani­festa ao mesmo tempo a realidade do amor de Deus e a plena realidade do homem (—> Verdade Ila, b).

As trevas, por sua vez, que se opõem diretamente à ver­dade (a luz) e dessa forma impedem a vida, são agente de mentira (8,44); ocultando ao homem o projeto de Deus sobre ele e propondo-lhe outros objetivos, tornam-lhe impos­sível alcançar a plenitude a que Deus o destina.

II. Jesus, a luz do mundo, a) A luz-vida. conteúdo do projeto de Deus (1,4), encarna-se em Jesus, projeto de Deus feito homem (1,14). Assím, ele é a luz do mundo, ou seja, a vida da humanidade (8,12; cf. 9,5;12,35.36,46). Ao dar adesão a Jesus e segui-lo, o homem obtém a luz que é a vida e escapa das trevas-morte (8,12;12,36). Uma vez que “a luz” era um modo de designar o Messias, descreve-se as­sim a missão messiânica como comunicação de vida que elimina a morte (cf. 5,25) ( ^ Vida Ilb ),

b) Jesus, o projeto divino realizado, a luz-vida (1,4.9), manifesta-se aos que o recebem fazendo visível sua “glória” ou esplendor do amor leal (1,14). Existe, pois, correlação entre os binômios luz-vida e glória-amor leal. Em ambos os casos, o termo que leva em si o traço de luminosidade (luz, glória) denota a manifestação e a evidência do termo subs­tantivo (vida, amor leal), A luz assim é o brilho da vida;

a glória é o brilho do amor leal, A relação entre os dois binômios é muito estreita; o amor leal, visível na atividade (glória) é o princípio vital que, infundido ao homem, de­senvolve todas as suas capacidades. A vida plena nasce, portanto, do amor (o Espírito; cf. 3,5s) e cresce com sua atividade. A luz, portanto, resplendor da vida, implica a glória, resplendor do amor que é o princípio e a manifes­tação da vida (—> Glória II) ,

III. A luz que julga. No cap, 3 anuncia-se o novo nasci­mento do alto (3,3), em virtude da água-Espírito (3,5,6) que jorra do Homem levantado no alto e que dá vida defi­nitiva (3,14s) àquele que lhe dá adesão (—>■ Céu III) , No final da perícope (3,19-21), expressa-se a adesão em termos de opção entre a luz-vida e as trevas-morte; a oferta de vida (3,16) descreve-se agora como o ponto ou a esfera de luz no meio das trevas a que o homem pode aceder por uma opção pessoal (3,19-21),

Evidencia-se aqui a razão da rejeição da luz-vida enun­ciada no prólogo (1,10: O mundo não a reconheceu): é o modo perverso de agir (3,19), ou, em outros termos, o “agir com baixeza” (3,20), oposto a “praticar a lealdade” ( = o amor leal) (-> Verdade III) . A op^o pelo homem é, portanto, condição para a adesão a Jesus (cf. 8,31).

Aparece assim a qualidade do juízo; é o próprio ho­mem que com sua opção pelas trevas, devida à sua conduta perversa, se dá a sentença. Jesus não fará mais do que con­firmá-la (-» Juízo II) .

IV, A ausência de luz. A ausência de luz, que cons­titui a noite, significa a ausência de Jesus, luz do mundo(9,4). Com relação ao homem, “a noite” indica que ele não se deixa iluminar por Jesus, ou seja, que não percebe o esplendor da glória-amor ou não o recebe em si. A causa de “a noite” é uma ideologia contrária ao amor (trevas), que faz insensível a ele. Em 9,4 anunda-se, em primeiro lugar, um momento em que, por ter chegado a noite, será impos­sível o trabalho com Israel como povo (9,4); a mesma idéia repete-se em 12,35s como advertência à multidão. Contudo, mesmo depois da rejeição que decide a sorte de

Israel, fíca em pé a oferta de Jesus para cada indivíduo (12,46; Eu vim ao mundo como luz; assim, ninguém que me dá adesão permanece nas trevas).

O princípio enunciado por Jesus em 9,4: “de noite ninguém pode trabalhar”, converte-se em princípio válido para todo tempo e lugar, uma vez que Jesus associa os seus discípulos à sua atividade {9,4: Temos que realizar as obras do que me mandou), que continuará no futuro, Não poderão trabalhar sem a presença de Jesus, separados do seu amor (21,3ss; cf. 15,5).

O tema da ausência de luz, identificada com a noite, aparece também em 11,9-10. O sentido físico já é figurado, pois as doze horas de luz representam o tempo da atividade de Jesus. O princípio, porém, será aplicável também aos discípulos no futuro, e a luz adquire de novo o sentido metafórico, designando Jesus, a luz do mundo. "De noite” sem a experiência do seu amor, os obstáculos vêm a ser insuperáveis e o discípulo ficará paralisado pelo medo.

V. O episódio do cego. Ainda que no cap. 9 se men­cione a luz uma só vez {9,4), constitui o tema do episódio inteiro; é apresentada, como contraposta à cegueira, em ter­mos de iluminação {9,10.14.17.26.30); abrir os olhos do cego (-> Visão V I).

O cego é o homem nascido no seio das trevas {a men­tira), que lhe ocultou o projeto de Deus sobre ele. Ao un­tar-lhe Jesus os olhos com “o seu barro” (o homem aca­bado: “carne” com Espírito, 9,6), fá-lo ver o brilho da luz/verdade: a vida contida no projeto divino faz-se luz para ele. Ao aceitar a água do Enviado (9,7), o Espírito, a luz o ilumina e ele recupera a visão; a experiência de vida que lhe comunica o Espírito desvela-lhe a verdade: o Deus-amor que leva o homem à sua plenitude, dando-lhe a identidade (9,9: sou eu) pelo novo nascimento. Esta verdade é sua sabedoria, com ela pode opor-se aos dirigentes, que, ao condenar a ação de Jesus, continuam propondo a menti- tira de um Deus que antepõe o preceito legal à integridade e plenitude do homem (9,16.24). A verdade descoberta o torna incompatível com a instituição, que são as trevas (9,34: E o lançaram fora) (-» Nascimento II) .

Mãe

Gr. hê mêtér ton lêsoujãutou [6]; hê mêter [2]; hê mêtêr sou ( = discípulo) [ 1 ].

A mãe de Jesus aparece neste evangelho em três lu­gares: Caná (24es)j Cafarnaum (2,12) e ao pé da cruz (19, 25-27). £ mencionada também pelos “Judeus” durante o discurso do pão da vida: não conhecemos o seu pai e a sua mãe? (6,42).

Nas duas primeiras cenas não se menciona o seu nome. De fato, é figura representativa do Israel fiel às promessas, do qual Jesus teve sua origem humana (—> Mulher II) . A mesma representação ostenta na cena de Cafarnaum (2,12), onde aparece na companhia dos “irmãos” de Jesus (o seu pessoal), representantes dos seus irmãos de raça que não o aceitam como Messias (7,3ss) {—> Irmão II) , e dos dis­cípulos, os israelitas que deram adesão a Jesus, dispostos a colaborar com sua missão.

Ao culminar “a hora” de Jesus (—> Hora II I) ao pé da cruz, este resto de Israel é integrado em a nova comuni­dade universal, representada pelo discípulo a quem Jesus queria bem (19,26-27), A nova comunidade (o discípulo) reconhecerá sua origem no anügo Israel (Ai tens a tua mãe) e este (a mãe) reconhecerá na comunidade nova a sua ver­dadeira descendência (At tens o teu filho) (— Discípulo Illd ). .

A coerência com o resto do evangelho evidencia que são duas as mulheres presentes ao pé da ouz (19,25); A naãe de Jesus é chamada de Maria de Cléofas (patronímico) e é irmã de María Madalena (a nova comunidade-esposa); parentesco simbólico que, com a identidade de nome (Ma­ria) indica que a antiga comunidade israelita integra-se em a nova em pé de igualdade Mulher II) ; já não existe um povo privilegiado.

Como figura do resto de Israel, a mãe tem o seu pa­ralelo masculino em Natanael ( l,45ss;21j2) {—> Disdpulo l^ c ).

M a n da m en t o

Gr. entolê, mandamento, ordem [11]; rêrnata, exigên­cias [12]; entéllomai, mandar, dar ordem [3].

I. Significado. O termo entolê, ainda que, nos lábios de Jesus, não tenha o sentido de '‘ordem”, mas de “encar­go” (ambos os sentidos já no gr, clássico), traduz-se, po­rém, por “mandamento” a fim de manter a oposição aos da antiga aliança, que nunca em Jo se chamam de entolai nem rêrnata, por terem sido substituídos pelos de Jesus.

II. O mandamento do Pai a Jesus. Existe um manda­mento/encargo do Pai a Jesus: entregar a vida para levar a cabo a sua obra de salvação (10,18). É insinuado em 3,16: Assim demonstrou Deus o seu amor ao mundo, chegando até a dar o seu Filho único, passagem em que se alude ao sacrifício de Abraão. O mesmo encargo expressa-se com a metáfora do “trago” que o Pai manda Jesus beber (18,11).

Por outro lado, o Pai lhe deu um “mandamento” so­bre o que tinha que dizer e propor (12,49). Este manda­mento não é independente do anterior (10,18: entregar sua vida e assim recuperá-la). Significa que Jesus com o seu en­sino e doutrina (cf. 7,16,17) propõe aos outros entrega se­melhante à sua, como a formula no seu mandamento aos discípulos: Como eu vos tenho amado, amai-vos também uns aos outros ( 13,34;15,12.17). Identifica-se assim a dou­trina de Jesus com o conteúdo do mandamento do amor (-» Mestre IIIc; Pai Illb ).

Em Jesus, o amor até ao extremo (10,18;13,1;19,28- 30) dá remate ao projeto divino criador (19,30: Vica ter­minado); sua doutrina/mandamento realiza no homem o de­sígnio do Pai (6,49s), e por isso significa vida definitiva ( 12,50;6,40). Relacionam-se assim como causa-efeito o amor sem peso nem medida e a vida definitiva: quem secunda o impulso do Espírito, a força do amor, possui a vida que vence a morte. Assim o homem se salva, escapando da per­dição (3,17;6,39;12,47) (-> Morte II I) .

A entrega de si mesmo manifesta o amor de Jesus para com o Pai (14,31), ou seja, sua identificação com ele que

O leva a agir como ele em favor do homem; a este amor o Pai responde demonstrando-lhe o seu (10,17). A entrega de Jesus torna visível ao mundo a autenticidade de sua mis­são (14,31); a expressão máxima de desinteresse, renun­ciando à sua própria glória, acredita a veracidade de sua doutrina (7,17) (-?■ Mestre Illb ).

O mandamento do Pai a Jesus diz respeito à sua pes­soa (10,18) e a leva à sua plena realização, completando sua consagração pelo Espírito (17,19). “Os mandamentos” do Pai a Jesus (15,10) desdobram a atividade do seu amor dos homens, realizando as obras do que o enviou (5,36;10, 37s), Não são, porém, separáveis: Jesus vai se realizando a si mesmo em sua entrega ao bem do homem, que culminará no dom de sua vida (—> Obra II) .

III. O mandamento de Jesus aos seus disdpulos. a) Para constituir a nova comunidade humana Jesus promulga um único mandamento, o mandamento novo, que substitui o código da antiga aliança: Como eu vos tenho amado, amai-vos também uns aos outros (13,34); assim como a Lei dava a identidade ao povo de Israel, assim também este preceito a dá à nova comunidade, sendo o seu distintivo perante o mundo inteiro (13,35).

O mandamento de Jesus estende aos seus o manda­mento que ele recebeu do Pai: o do amor que, com o seu, chega até a dar a vida pelos outros (13,34: Como eu vos tenho amado; c£. 15,13). Sendo Jesus o Filho, amar como ele amou constitui os homens em “filhos de Deus”; o man­damento, portanto, iticita a realizar o anunciado no prólogo: os fez capazes de se fazer filhos de Deus (1,12) (—> CriaçãoIII) .

O mandamento não se refere nem a Deus nem a Jesus, mas aos homens. Tal é o amor que responde ao seu amor(1,16); à experiência do amor de Jesus, que identifica com ele, responde-se praticando amor como o seu (—> Obra IV).

O mandamento de Jesus é “novo” (13,34) pela nor­ma que propõe (como eu vos tenho amado) e pelo seu con; teúdo (uns aos outros), que supõem a nova relação com Deus e com da a nova capacidade de atoar (-> Nascimento

I), Pela norma: é o amor do Filho único que possui a ple­nitude do Espírito (1,32s), o que se entrega por seus ami­gos (15,13) e dá a vida pelas ovelhas (10,11). Cessa por ser insuficiente a antiga norma: “Ámarás ao próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18).

Pelo seu conteúdo: na antiga Lei o homem tinha que amar a Deus sobre todas as coisas (Dt 6,4-5), mas com o seu amor e fidelidade humanos; Deus estava “separado” do homem e podia ser “objeto” de seu amor. Agora Jesus comunica o Espírito (-> Espírito Vb, VIb), a força de amor do próprio Pai (15,26; cf. 1,17), que indentifíca com Jesus e com o Pai (14,20) (—> Amor V; Unidade Ia, II I) . Deus não exige que o homem se entregue a si: ele se entrega ao homem como força de amor, pela qual o homem pode, por sua vez, entregar-se aos outros. Os discípulos amam “desde Deus” sendo um com o Paí e com o Filho (17,21­23). Por isso o mandamento de Jesus já não prescreve o amor a Deus, mas o amor entre os bomens.

b) Como no caso de Jesus, ao lado de “seu manda­mento” existem “seus mandamentos” ( 14,15.21;15,10), “O mandamento” constitui a comunidade e, criando a unidade, realiza em seus membros o projeto de Deus (17,23); asse­gura a vivência do amor: o amor de Jesus, que faz livres, experimenta-se no dos irmãos (13,15). “Os mandamentos” desdobram a atividade, são a prática do amor aos homens, o trabalho para realizar as obras de Deus (9,4),

c) Não se pode amar sem se ter a experiência do amor; daí a importância do mandamento. A resposta ao amor ex­perimentado na comunidade é o que se expressa na missão, O mandamento constituí, pois, o fundamento da missão, mas é também o seu termo: é o código vigente na nova sociedade humana a que Jesus dá início, à qual, pela ativi­dade desdobrada segundo os mandamentos, vão se acres­centando mais e mais homens,

O mandamento é, ao mesmo tempo, o protótipo de “os mandamentos”: o amor como o de Jesus, que caracteriza o mandamento, estende-se também aos mandamentos: Jesus, que dá a vida por seus amigos (15,13), entrega-se pela hu-

manidade inteira, objeto do amor de Deus (3,16); o pastor entrega-se pelas “ovelbas” (10,10,15); “as suas” serão aque­les que responderem à oferta universal do seu amor (10, 3.4.26).

d) Notem-se os paralelos seguintes, dois referidos ao amor ititracomunitário, e dois à missão no mundo; 13,15: asíií» como vos fiz a vós, façais também vós; 13,14: Como eu vos tenho amado, amai-vos também uns aos outros; 17, 18: Assim como a mim me envias te ao mundo, também eu os enviei a eles ao mundo; 20,21: Assim como o Pai me enviou a mim, eu vos mando também a vós.

e) Existe paralelo entre o uso de “mandamento/man­damentos” e o de “pecado/pecados” (1,29;8,21.34;20,23). Em ambos os casos o sg. denota a opção fundamental: pelo amor ao homem até a dar a vida (mandamento) ou pelo proveito próprio até a tirar a vida do homem (pecado; cf. 8,44). Mandamento e pecado são, por assim dizer, cons­tituintes: cada um funda uma sohdariedade: o pecado dá existência ao “mundo/esta ordem”, a esfera sem Deus (8, 23: o que é daqui de baixo) \ o mandamento dá existência- à comunidade de Jesus, a esfera de Deus e do Espírito (8, 23: o que ê de cima) (-> Céu II) .

Os grupos criados por essas opções desenvolvem sua atividade a favor ou contra o homem: a ela correspondem “os mandamentos” de Jesus e “os pecados” ou injustiças (—»■ Pecado Illb ). Note-se a oposição entre “praticar a lealdade” (= o amor leal, 3,21), conteúdo do mandamen­to, e “praticar o pecado” (8,34). A ordem (entolé) que dão os sumos sacerdotes e fariseus (esta ordem) tem por obje­tivo dar morte a Jesus (11,57).

“Os mandamentos” estão em paralelo com a mensa­gem de Jesus (14,15.23), que se expressa em “suas pala­vras” (14,24); é a mensagem do Pai (14,24; cf. 5,24.38; 8,55; 17,6), que continua o conteúdo da Escritura: o do Deus que hberta os oprimidos e lhes dá vida (5,38). São mandamentos enquanto norma de atividade, é mensagem en­quanto objeto de testemunho e proclamação (—> Palavra Ilb ).

IV. Os mandamentos e o Espírito. Para cumprir os man­damentos de Jesus comportando-se da maneira dita, é indis­pensável a identificação com Jesus pelo amor (14,15). Isso supõe o dom do Espírito-amor, que identifica com Jesus (cf. 14,19-20) (-> Amor Vc). Assim o mandamento não se cumpre como norma exterior que o homem adota, mas é Lei escrita no coração (Jr 31,31), ou seja, a resposta ao impulso do Espírito (1,16; um amor que responde ao seu amor).

Por outro lado, cumprir os mandamentos secundando o dinamismo do Espírito é a prova da identificação com Jesus (14,21) e o que atrai o amor do Pai (14,23; logos = entolai, cf. 14,15.21); assim permanece o discípulo no âmbito do amor de Jesus, onde ele comunica sua vida (15, 10; cf, 15,4). Permanecer no âmbito do amor do Pai ou de Jesus exige que se corresponda a ele com a atividade em favor do homem (15,10).

V. As exigências (remata) de Jesus. Kêmata, palavras, na LXX sinôtiimo de logoi (hebr. dabarim, cf, Ex 24,4.8) designava também os mandamentos da Lei mosaica (Ex 34,1.27.28; Dt 4,13: os dez mandamentos, ta deka rêmata; 5,22;10,2; cf. 10,4: tous deka logous, o Decálogo).

Na nova aliança, Jesus, o Messias-Esposo (3,28s) e o Filho, herdeiro universal do Pai (3,35), o que vem de ci­ma/do alto/do céu (—>■ Céu I, II) para dar testemunho (3,31-33), toma o lugar de Moisés e de todos os interme­diários da antiga aliança como enviados de Deus.

“As exigências” (ta rêrnata), em paralelo com “os man­damentos” (hai entolai), significam a prática do amor na ati­vidade (1,17: o amor e a lealdade); o homem, pela expe­riência de vida que a prática do amor lhe comunica, conhece de maneira imediata a procedência divina das exigências de Jesus (3,34; cf. 17,8), _

Em 6,63, as exigências, que são Espírito e, em conse­qüência, são vida (o Espírito — o princípio da vida defini­tiva), referem-se às de comer sua carne e beber seu sangue, ou seja, assimUar sua vida e morte a fim de ter vida (6,54s); expressa o conteúdo dos mandamentos (13,34) interpretan­do o sentido da eucaristia.

Quem não cumpre as exigências promulgadas por Je­sus, que são sua mensagem, dá-se ele próprio a sentença (12,47). Isso significa que a úníca possibilidade de vida para o homem é a prátíca de amor como o de Jesus; quem se recusa a amar, condena-se a morrer.

M a r ia M adalen a

^ Bodas III; Mulher IV.

M essias

Hebr.-gr. Messias, ungido [1]; gr. Christos, ungido [19]; epichriô, ungir, untar [2]; hagiazô, consagrar [4]; hagios, consagrado [1], santo, consagrador [4]; basileus, rei (16); hasiletâ., realeza, reínado, reino [15]; basilikos, real, funcionário real [2],

I. Termos e equtvdênciãs. Jo específica que o título Christos corresponde ao hebr. Messias (1,41), o ungído, que se aplicava aos reís de Israel. O título grego refere-se, portanto, à espera messiânica do tempo.

Christos, Messias, é título e função que Joio Batista recusa atribuir-se (1,20.25;3,28). O evangelista o atribui a Jesus desde o prólogo (1,17) e André desde sua primeira entrevista com Jesus (1,41). Ainda que Jesus não pronuncie este título senão em sua oração, no final da Ceia (17,3), identifica-se como tal à samaritana (4,25s) e ela o propõe como pergunta aos seus concidadãos (4,29). Durante o en­sino de Jesus no templo, o povo pergunta-se repetidamente se é o Messias (7,26.27.31.41bis.42; cf. 9,22;12,34). Os dirigentes, exasperados com a atividade de Jesus, pedem-lhe que se defina como Messias (10,24). Reconhecer Jesus co­mo Messias é parte da formulação da fé em Jesus (11,27; 20,31) Fé IV ).

O título de “rei” encontra-se sem nenhuma adição (6, 15;18,37bis;19,12), com a determinação “rei de Israel” (1, 49;12,13; cí. 12,15: rei de Sião), com a de “rei dos ju­

deus” (18,33.39;19,3.19,2lbts), ou com o possessivo “vos­so” (19,14,15: vosso rei); aplica-se também ao imperador romano (19,15).

Basiléia usa-se duas vezes com o sentido de reino/rei­nado de Deus (3,3.5); três vezes para designar a realeza de Jesus {18,36).

Basilikos é título-função que se atribui à personagem que pede a Jesus a cura do seu filho (4,46.49).

II, Equivalências e oposições. O Messias é designado como “o Filho de Deus”, enquanto é seu representante (“ Filho Ilb ), “o Esposo”, enquanto funda a nova aliança (-^ Bodas II I) , “o Consagrado por Deus”, enquanto foÍ eleito e recebeu sua unção Espírito II I) , “o Pastor”, enquanto dirige o povo (“ Pastor I).

Jesus, que evita usar o título de Messias, designa-se como tal com a frase elíptica Eu sou [o que sou] (4,26; 6,20;8,24.28.58; 13,19; 18,5.6,8), contraposta à de João Ba­tista: Eu não sou o Messias (1,20;3,28), Esta autodesíg- nação é adotada também pelo que recebe o Espírito, pelo que participa da unção de Jesus (9,9: Sou eu) e a. ela se opõe a do discípulo que nega Jesus (18,17.25: Não [o] sou).

A Jesus o rei “que não pertence a esta ordem” (18, 36; cf. 8,23) e cria sua comunidade de amor, opõe-se “o chefe do mundo/desta ordem” (12,31; 14,30; 16,11), que personifica o círculo do poder que rege “o mundo”, ordem da injustiça. O contraste entre ambos aparece na discus­são sobre o letreiro da cruz, onde ao “rei dos judeus” se opõem “os sumos sacerdotes dos judeus”. Além disso, diante de Jesus, “o Homem” que sai investido com os atributos reais da burla (19,5), gritam os sumos sacerdotes e os guardas ou subordinados (19,6); é o contraste entre “o chefe do mundo”, que domina pela força, e “o rei” que não tem guardas nem usa da violência (18,36), os seus não são subordinados, e sim amigos (15,13,15) (-^ Mundo IV).

III. O messianismo de Jesus, a) O messianismo de Je­sus afirma-se desde o prólogo (1,17: Jesus Messias), em contraposição a Moisés, o legislador. O Messias não se apóia

ISl Messias,na Lei nem é legislador, mas sua obra está na Ünha da cria­ção e consistirá em fazer com que exista no homem o amor leal (1,17).

Sobre este pano de fundo sobressai João Batista, que nega repetidas vezes ser o Messias (1,20;3,28), ao passo que, por outro lado, anuncia “o que diega atrás dele e se lhe põe adiante” (1,15.30). A consagração messiânica de Jesus é atestada pelo próprio João, que assiste à descida e permanência do Espírito sobre ele (l,32s). Há nísso alu­são a Davi, figura do Messias (ISm 16,13; Ez 34,23s). Desta visão João conclui que Jesus, o Messías, é o Fílho de Deus (1,34; cf. SI 2,7). Quando os seus inimigos colo­cam a Jesus a questão do seu messianismo, Jesus confirma sua condição de Filho de Deus baseando-a nesta consagração e na missio que ela lhe confere (10,36).

A característica do Messias Jesus é ser o portador do Espírito: o Espírito é sua unção e em comunicá-lo consiste sua missão messiânica (1,33; batizar com Espirito Santo); assím realizará a libertação (1,29: o que vai tirar o pe­cado do mundo),

b) O Messias é também Mestre. Assim aparece desde o primeiro encontro com os dois discípulos de João (1,38; Rabbi, Mestre; 1,41: o Messias) e no modo como Natanael reconhece Jesus (1,49: Rabbi!mestre, o Pilho de Deus, rei de Israel) Mestre Ila ). Por isso Nicodemos, após o gesto messiânico de Jesus no templo, chama-o “Rabbí” e o considera mandado por Deus como mestre (3,2) (— Nico­demos I) .

c) A manifestação messiânica de Jesus é o seu pri­meiro ato público e realiza-se no templo, na proximidade da festa da Páscoa (- Festa II) . Os episódios que seguem mostram a má interpretação que se dá ao seu gesto: em Jerusalém, seguindo a interpretação feita pelos próprios dis­cípulos (2,17), muitos lhe dão a adesão como a Messias que pretende reformar e renovar as instituições usando da força (2,23-25) (-^ Profeta I) . Jesus rejeita essa adesão (2,23­25). O fariseu Nicodemos, porém, interpreta Jesus como Messias que haverá de instaurar o reino de Deus impondo a observância da l-ei (3,2: mestre), ao passo que o reinado

de Deus será realidade pela comunicação do Espírito (3, 5-6). Quando a mulher samaritana) que deseja a água de Jesus (4,15: a água, Espírito), renunda à idolatria (4,18s: os maridos) e aceita o novo culto com Espírito (amor) e lealdade, Jesus se lhe revela como Messias (4,25s).

d) Perante o ensino de Jesus, a multi(tóo se pergunta se é o Messias; dependente, porém, dos dirigentes, não se atreve a formular opinião própria (7,26); de mais a mais, criam obstáculo as doutrinas sobre a mardfestação espeta­cular do Messias, que não se vêem cumprir em Jesus (7, 26.27). Alguns, porém, perante a declaração deste, com­preendem que são as obras de libertação o verdadeiro cri­tério para se reconhecer o Messias (7,31).

e) Depois da declaração aberta de Jesus, que se apre­senta como alteríiativa, substituindo o templo (7,37-39), torna a se dividir a multidão acerca de sua pessoa, perguntan­do-se se sua origem corresponde ao anunciado nas profe­cias. Para Jo fica em segundo plano a origem terrena de Jesus; sua verdadeira origem está em Deus (7,28); a per­gunta é colocada pelo povo (7,41s), mas o evangelista não responde a ela. Ê o Espírito recebido quem lhe dá sua iden­tidade e marca sua origem e o seu itinerário (8,14s.l9).

A possibilidade de que o povo venha a reconhecer Je­sus por Messias alarma os fariseus (7,42; 12,19), que vêem em perigo a hegemonia que exercem através da Lei (—>■ Lei; Nicodemos II, IV); os dirigentes decretaram que quem o reconhecer por Messias será excomungado e marginalizado(9,22).

f) As credendais de Jesus como Messias são as suas obras (10,25.27; cf. 5,36), que não consistem em sinais portentosos (4,48), e sim na atividade criadora do Pai em favor do homem (5,17); sua obra-cume será sua própria morte, pela qual dará o Espírito (19,30.34). O evangelho pretende ser testemunho escrito de sinais de Jesus que le­vem a reconhecê-lo como Messias e Filho de Deus (20,31; cf. 11,27), segundo o testemunho de João (1,34). Aderir a Jesus Messias e Filho de Deus dá ao homem vida defini­tiva (20,31) (-^ Sinal V).

IV. O rei. a) Natanael chama Jesus de “o Filho de Deus, rei de Israel” (1,49). O primeiro título, já dado a Jesus por João Batista, expressando com ele a consagração com o Espírito, fica encurtado na frase de Natanael para caber no horizonte nacionalista do segundo, conforme o SI 2,7. Na proximidade da terceira Fáscoa, também a multidão dá a Jesus o título de “o rei de Israel”, aclamando-o como o que chega em nome do Senhor (12,13). Israel é o nome teológico que designa o povo escolhido ( l,31.49;3,10;i2,13), o da antiga aliança. No processo diante de Pilatos, gentio, o título muda para “o rei dos judeus’', de significa­do étnico. A mudança de designação tem razão teológica: depois da rejeição de Jesus como Messias por parte do povo (12,34-40), este deixa de ser Israel, o povo eleito, para transformar-se em povo como os outros, caracterizado por sua raça (cf. 4,40: os satnaritanos; 11,48: os romanos; rei dos judeus: 18,33,39;19,3.19.21; cf. 18,37;19,14.15). De fato, o reino do Messias se estenderá à humanidade inteira: esse é o simbolismo do manto dividido em quatro partes pelos soldados (19,23s); o resto de Israel (a mãe) será integrado na nova comunidade (19,25-27) (-» Mulher II; Mãe).

b ) A idéia de rei, incluída na de Messias, interpreta-se no episódio dos pães (6,15) como a de rei que assegura a subsistência dos súditos (cf. 6,26). É a idéia messiânica do tempo, O povo, submetido à opressão de sistema injusto, espera que o Messias derrube o regime existente para esta­belecer o seu, reino de justiça e paz, Jesus rejeita semelhante concepção e sobe de novo ao monte (6,15), alusão a Moisés que sobe sozinho depois da idolatria do bezerro de ouro (Ex 34,3s). Para Jesus, a concepção do Messias como do­minador está na Hnha daquela idolatria. Na manifestação messiânica antes da terceira Páscoa (12,12ss), o povo mos­tra conceber o Messias como rei terreno que durasse para sempre (12,34). Jesus rechaça essa realeza: ele é o Mes- sias-rei que se pÕe a serviço do homem (6,11) até dar a vida (12,34), para capacitá-lo com o Espírito (19,30), o amor leal (1,17), e para que o homem construa pelo amor e pela entrega a sode^de que Deus lhe destina. Será o amor de todos que salvará, e não o poder de um só (—> Sinal IV ).

V. o Messias libertador, a) A idéia de libertação ex­pressa-se no evangelho sob a figura do êxodo (-> Festa I-IV, V II; Pastor IIIc ), que se formula de diversas maneiras: passagem da morte à vida (5)24), tirar do mundo/desta or­dem, “o que é daqui de baixo”, para pertencer ao “que é de cima” (8,23;15,19;17,6); o momento final do êxodo de Jesus é a passagem deste mundo ao Pai (13,1)) alcan­çando a condição divina junto ao Pai pela entrega total de si mesmo (17,5). O êxodo que tira do “mundo” é, portanto, o começo de caminho, o da prática do amor ao homem, que vai dando a semelhança com o Pai, até ao encontro definitivo. O êxodo da humanidade com o Messias termina na “subida definitiva” com o Pai (3,13;20,17); com esta imagem expressa-se a fase final da criação, chegada â sua meta (—>■ Escatologia IV).

b) O êxodo do Messias não será semelhante ao de Moisés: a obra de libertação não se fará pela violência nem com sinais portentosos que produzam morte e forcem a von­tade dos tiranos, como no primeiro êxodo (4,4S), mas pela comunicação de vida ao homem (4,48.50.53). Este é o sentido do episódio do funcionário, cujo título grego (4,46. 49: basilikos) o põe em relação com o poder real. O pode­roso, que vê a prostração do povo, espera sua salvação da intervenção milagrosa de um poder superior (4,47.49: des­cer a Cafamaum; 4,48: sinais portentosos); mas Jesus pro­põe-se tirar o povo de sua debilidade/enfermidade de morte, comunicando-lhe vida, independentemente da vontade dos que o dominam (4,50). A reação do poderoso há de ser considerar o povo como adulto e igual (4,46b,47.50.53: filho), e não como dependente (4,49.51; pequeno, menino) (-» Füho I); deixando a pretensão de superioridade (poder ■real), sendo “um homem*' (4,50) como o seu fílho, deve estabelecer com ele relação de amor que faz iguais (4,53; pai) em razão de comunicar-lhe toda a riqueza própria (1, 14: a glória/riqueza que um filho único recebe de seu pai) e dar plena liberdade de disposição (3,35; o Pai ama o filho e tudo lhe pôs nas mãos); essa é a obra de Jesus-rei com o homem, manifestando no seu amor o amor do Pai (—>■ Fi­lho Ilb ).

c) O modo de agir de Jésus perante o mundo injusto está compendiado na exposição que £az diante de Pilatos das características de sua realeza (18,33-38). Em primeiro lu­gar, Jesus não usa da força para afirmar o seu direito (18, 36); em segundo lugar, sua missão consiste em dar teste­munho da verdade (18,37). Com estes dois traços descreve seu posicionamento perante “o mundo”. Este é sistema de poder movido pelo afã de lucro e glória pessoal (2,16;5, 41-44;7,18;8,44a; — Inimigo V); suas armas são o homi- ddio ( = a violência ) e a mentira ( = a ideologia que sub­mete o povo) (8,44). Jesus não se opÕe com a violência à violência do poder, mas desmascara “a mentira”, dando tes­temunho da “verdade”. Esta não consiste numa ideologia oposta, e sim na comunicação de vida ao homem, dando-lhe com sua ação a experiência do amor de Deus ( a verdade de Deus) e óa liberdade e dignidade a que Deus o chama (a verdade sobre o homem) (-> Verdade Ilb ). O homem que experimenta a vida conhece a verdade (1,4: a vida é a luz do homem) e abandona o sistema que o oprimia (êxodo, libertação). Essa experiência é dada por Jesus comunican­do o Espírito, o princípio vital que procede de Deus (4,24; 3,16;6,63), donde vem que sua missão libertadora se ex­presse também com a fórmula: batizar com Espirito Santo (1,33).

Jesus constrói assím a sociedade segundo o projeto di­vino, o reino de Deus (3,3,5), o povo messiânico (11,50;18,14), onde a violência é substituída pelo amor e a menti­ra pela verdade. Sua aceitação da morte respondendo com amor inclusive ao ódio mortal (18,28s) rompe a escalada da violência, que nasce da resposta ao ódío com o ódio e a vingança. Somente sobre essa base é que se pode construir a sociedade humana.

VI. A unção messiânica dos disdpulos. Jesus comunica aos discípulos sua unção messiânica, o Espírito (17,17: consagra-os com a verdade; 20,22: Kecebei Espirito Santo), a fim de que eles continuem sua missão messiânica (17,8;20,21). Esta idéia está insinuada no episódio do cego pelo uso do verbo “ungir/untar” (9,6.11 ); ao untar-lhe os olhos

com “o seu barro”, a figura do homem segundo o projeto criador, cujo modelo é o próprio Jesus, faz com que ele compreenda o desígnio de Deus sobre ele, que o leva a receber o Espírito (a água do Enviado, cf. 9,7). E>onde vem que o cego curado possa usar para se designar a mesma ex­pressão que Jesus usa; Sou eu (9,9; cf. 6,20;8,24.28 etc.) (-S- Nascimento II) .

Sobre a associação dos discípulos à missão messiânica, V. Pastor n ig .

A mesma idéia expressa-se na frase: Todo o que se faz rei declara-se contra o César (19,21). O alcance geral da frase (Todo o que) estende a todo homem a possibilidade de “fazer-se rei”, ou seja, de possuir a liberdade, dignidade e independência a que Deus o destina. Daí vem o fato de Jesus declarar ser rei, mas não de modo exclusivo (19,37: Eu sou rei). Ele expressou a mesma coisa na Ceia: sendo “o Senhor”, lava os pés aos discípulos (13,13s); confe­re-lhes assim também a eles a condição de “senhor”, ou seja, dá-lhes a independência e liberdade, pondo-os a seu próprio nível.

Esta idéia é exposta de. maneira plástica na cena da crucifixão (19,17s): os dois crucificados com Jesus slo fi­gura dos discípulos que o acompanharam até ao final do seu caminho, amando o homem até a ponto de dar a vida, Jesus, que na cruz é “o rei dos judeus” (19,19), associa à sua realeza os que morrem com ele e como ele.

Daí vem que Jesus não aceite que “o façam rei” (6, 15); o homem tem que se fazer ele mesmo rei (19,12), chegando à suma liberdade e plenitude por sua entrega total.

Resumindo o que se expressou de diversas maneiras, pode-se dizer que Jesus, o Messias-rei, repudia todo poder e violência; a sua realeza exerce-se comunicando ao homem sua própria força, o Espírito, a fim de que este, pela en­trega ao bem dos homens, como a de Jesus (13,34), al­cance a dignidade, liberdade e plenitude humana contida no projeto divino sobre ele (1,4); em termos teológicos, “fa­ça-se filho de Deus” (1,12).

M estre

Gr. díãaskdos [7]; Rabbi, título do mestre, forma hebraica [8]; Rabboum, forma aramaica [1]; dtdaskô, en­sinar [9]; didachê, doutrina [3].

I. Uso dos termos. O apelativo “Mestre’* aparece no evangelho com o emprego do tratamento 'Rabbi (lit. “Se­nhor meu”) aplicado a João Batista por seus discípulos(3,26) e o resto das vezes a Jesus: pelos seus (1,38,49;4, 31;9,2;11,8), por Nicodemos (3,2) ou pelo povo (6,23). A variante aramaica (Rabboum) é usada por Maria Mada­lena no horto, depois da ressurreição (20,16). O seu equi­valente grego (didaskdos) explica o significado real de rabbi, rahbouni ( 1,38;20,16). Entre discípulos, sem dirigir-se a Jesus, didaskdos usa-se apenas uma vez (11,28), ainda que Jesus o considere o modo ordinário de os discípulos se di­rigirem a ele (com “Senhor”: 13,13.14); isso vem a provar de novo sua equivalência com Rabbi. Nicodemos o aplica a Jesus (3,2) e este, ironicamente, a Nicodemos (3,10).

A “doutrina” (didachê) de Jesus, própria de sua qua­lidade de “mestre” aparece mencionada somente três vezes: duas (7,16-17) no princípio que ele enuncia ensinando no templo e uma no interrogatório perante o sumo sacerdote(18,19).

A atividade própria do mestre, “ensinar” (didaskô) aparece referida a Jesus em Cafarnaum (6,39) e no templo (7,14.28;8,20). Aplica-se ao Pai, que ensina a Jesus (8, 28) e ao Espírito, que ensinará aos discípulos (14,26). Uma vez aparece ironicamente nos lábios dos adversários de Jesus (8,33). Este se referirá ao seu ensino no interrogató­rio perante o sumo sacerdote (18,20).

II, Jesus Mestre, a) Os dois discípulos de Jo que se­guem a Jesus escolhem-no por mestre em lugar de João (1, 38: Rabbi), dispostos a aprender dele e a praticar o seu en­sino, Nesta passagem aparece a união dos conceitos de Mes­tre e Messias (1,38.41). Paralelamente na de Filipe (1,43; convite a ser discípulo; 1,43: descrição do Messias) e Nata­nael (1,49: Mestre e rei de Israel), O próprio Jesus con-

fírma a validade do apelativo "Mestre” que lhe dão os discí­pulos {13,15): ser Mestre é próprio, portanto, de sua mis­são de Messias (cf. 18,37).

Então não há nada de estranho em que Nicodemos, diante do sinal messiânico de Jesus no templo (2,13ss) e os que seguiram na cidade (2,23), identifique o Messias com mestre enviado por Deus. Mas, ao passo que os primeiros discípulos reconhecem Jesus ao mesmo tempo como Mestre e Messias, Nicodemos, porém, circunscreve a idéia de Mes­sias à de mestre (3,2) {-^ Nicodemos I).

b) Jesus chama Nicodemos de "o mestre de Israel”(3,10), título que cabia a Moisés, de quem os dirigentes se professavam discípulos (9,28). Com esta designação, Jesus indica que Moisés foi suplantado; a Lei já não é ensinada segundo o que ele prescreveu (cf. 7,19-24), mas segundo a interpretação dos dirigentes (cf. 3,1: Nicodemos, fariseu e chefe judeu) (-> Lei Ilb ).

c) Os discípulos chamam a Jesus de “Mestre”/ “o Mes­tre” (4,31;9,2;11,8.28). Também o povo, que o reconhe­ceu como “o Profeta” (6,14) (-> Profeta II) , chama-o as­sim em Cafarnaum,

d) É na Ceia que Jesus explica aos seus discípulos em que consiste ser "o Mestre": mostrando-lhes com o seu exemplo o modo como haverão de praticar o amor (13,14s). Não lhes propõe uma doutrina para que a pratiquem (Jo nunca dirá que Jesus ensina a seus discípulos), mas vai na frente, doando-se a si mesmo até à morte, marcando o cami­nho que os seus haverão de percorrer (14,6; cf. 13,34). Daí vem que ser discípulo se identifique com “seguir a Je­sus" {—> Discípulo V II).

e) O termo "Rabbi”, usual para designar os mestres da Lei, aplicado a Jesus tanto pelos seus discípulos como por Nicodemos, muda-se para “Rabbouni” (Mestre, forma aramaica) depois da ressurreição (20,16); “Rabbi” foÍ o ponto de partida, antes de conhecer a Jesus (1,38); “ Rab­bouni”, o de chegada, depois que o seu ensino culminou dando sua vida na cruz. Com a diferença de termos, Jo in­dica que Jesus é Mestre de modo novo, distinto dos do passado. Rabbouni era tratamento que a mulher podia usar

dirígindo-se ao marido (no Targum Onq. e Jerus, I, Gn 18,12, Sara a Abraão). Neste contexto poder-se-ia indicar que o amor entre Jesus-Esposo e Maria Madalena, comuni- dade-esposa, concebe-se em termos de discipulado, ou seja, de seguimento: a comunidade corresponde ao amor de Je­sus praticando amor como o seu ( 1,16;13,34).

IIL Ensino e doutrina de ]esus. a) Somente em dois lugares se apresenta Jesus ensinando, A primeira vez, em uma reunião em Cafarnaum (6,59), onde explica o sinal dos pães reaüzado um día antes (6,Iss), O seu ensino culmina com o anúncio do dom de sua carne (sua humarúdade) a fim de que o mundo tenha vida (6,51) e na exortação a comer sua carne e beber seu sangue (6,53ss); contém as­sim os dois aspectos do mandamento do amor (13,34) ex­presso na eucaristia: o dom que Jesus faz de si mesmo e a resposta do homem: assimilar na sua conduta a vida e mor­te de Jesus (carne e sangue), É assim que o homem se rea­liza, obtendo a vida defmitiva (6,54) que supera a morte (6,58).

b) A segunda vez, Jesus ensina no templo (7,14,28;8,20), centro do ensino oficial, que com a Lei mantém o povo submetido e a ponto de morrer (5,2: os cinco pórticos; 5,3: a multidão), O saber de Jesus causa estranheza nos diri­gentes, pois não estudou nas escolas que eles controlam (7, 15); de fato, Jesus propõe o que o Pai lhe ensinou (8,28), expõe a verdade que aprendeu (êkousa) de Deus (8,40); para isso nasceu e está no mundo (18,37),

A doutrina de Jesus entra assim em conflito com a dos dirigentes, que exercem o magistério oficial, para o qual re­clamam origem divina (9,29: A nós nos consta que a Moi­sés Deus esteve falando) (—>■ Moisés II) . Jesus propõe en­tão a condição indispensável para ser capaz de julgar se sua doutrina procede ou não de Deus; querer realizar o seu desígnio (7,17), promovendo no homem a plenitude de vida (1,4; cf, 10,10b). A doutrina de Jesus coloca-se, portanto, na linha da realização do desígnio criador (cf. 4,34)(-^ Cria­ção III, V); quem estiver em sintonia com ele, compreen­derá que sua doutrina é de Deus. Acusa impUcitamente os

dirigentes, cuja atividade é contrária à vida (7,1.19), e lhes nega autoridade para julgar. A controvérsia anterior com os dirigentes ocorrera motivada pela cura do inválido (5, 16-47) e Jesus colocara sua pessoa e atividade, que é a do Pai (5,17.36) e consiste em dar a vida (5,21.24.25s), acima dos preceitos da Lei. Daí a oposi^o dos dirigentes à sua doutrina.

Jesus acrescenta um critério para distinguir se as dou­trinas são autênticas ou não: toda doutrina que redunda em glória ou prestígio para quem a propõe é invenção huma­na; somente é de se confiar e está livre de injustiça aquele que não busca sua própria glória, mas a daquele que o en­viou (7,18). Jesus aceitará voluntariamente a morte (10, 17s) e, condenado pelos dirigentes, morrerá na cruz para dar vida ao homem (19,30: o Espírito): isso demonstra que sua doutrina é de Deus.

c) O que Jesus dÍ2 e propõe não é idéia sua, mas o Pai lho mandou, e o seu mandamento significa vida defini­tiva ( 12,49s). A relação deste mandamento, que diz respeito ao que Jesus tem que dizer, com o que o Pai dá a Jesus de entregar-se voluntariamente à morte (10,18), mos­tra que a doutrina de Jesus não é senão a proposta aos ho­mens de amar como ele amou (— Mandamento II) , exor­ta-os a realizar como ele o projeto divino (-> Filho II) .

d) O grito de Jesus (7,28.37) compara o seu ensino com o da Sabedoria que censura o povo por sua insensatez (Pr l,21s); continua oferecendo possibilidade de salvação diante da ameaça da ruína (7,33s; cf. Pr l,27s). Apoian- do'Se nas cerimônias da festa, propõe-se a si mesmo como alternativa ao templo e à instituição que representava (7, 37-39) (—> Festa V I); termina com uma declaração mes­siânica, convidando a um êxodo para obter a vida e escapar às trevas de morte, que se identificam com o templo-institui- ção (8,12: Eu sou a luz do mundo etc,). Encerra-se o ciclo do ensino notando que Jesus disse essas coisas ensinando “no tesouro, no templo” (8,20); ou seja, no santuário do dinheiro, deus do templo corrompido (2,16) (-^ Inimi­go II) .

e) Em duas ocasiões o ensino de Jesus produz divisão no meio do povo (7,30s.40-44). Em ambas há os que o reconhecem por Messias com probabilidade {7,31: muitos) ou com certeza (7,41) e outros que tentam em vão pren- dêdo {7,32.44). Na segunda ocasião, há os que, pensando que não realiza os requisitos anunciados para o Messias, vêem nele a íígura de “o Profeta” (7,40.42) (-^ Profe­ta II) .

f) A resposta de muitos ao ensino de Jesus provoca medidas por parte dos fariseus e sumos sacerdotes, que en­viam guardas a fim de prendê-lo (7,32), Contudo, a im­pressão que causa o seu ensino é tal, que estes não se atre­vem a cumprir as ordens recebidas (7,45s). Os fariseus e os chefes são completamente refratários a ele, julgam que extravia o povo e que a adesão dele a Jesus é fruto de sua ignorância da Lei e, portanto, de Deus (7,47-49),

M issão

Gr, apostellô, enviar [ 28 ]; pempô, enviar, mandar [32].

I. Uso dos termos. Apostellô usa-se para designar qual­quer espécie de envio ou missão: João Batista é enviado da parte de Deus (1,6;3,28); a comissão de inquérito que in­terroga João, da parte das autoridades judaicas (1,19,24;5,33); os guardas para prender Jesus, da parte dos sumos sa­cerdotes e fariseus (7,32); Maria e Marta enviam recado a Jesus sobre a enfermidade de Lázaro (11,3); Anás envia Jesus a Caifás (18,24). Principalmente, porém, usa-se de Jesus como o enviado do Pai/Deus (3,17.34;5,36.38;6,29. 57;7,29;8,42;9,7;10,36;11,42;17,3.8.18.21,23.25;20,21): duas vezes para o envio dos discípulos por parte de Jesus: para ceifar o que não semearam (4,38) e conferindo-lhes sua missão messiânica (17,18),

Pempô em Jo é sinônimo de apostellô; indica, com efeito, o envio da comissão de inquérito (1,22; cf, 1,19; apesteilan) e o de João Batista (1,33; ho pempsas me; 1,6: ãpestãlmenos para theou). A fórmula ho pempsas mCj nos

lábios de Jesus, designa a Deus/Pai (4,34;5,23.24,30.37;6, 38.39.44;7,16,18.28.33;8,16.18.26.29;9,4;12,44.45.49;13, 16.20;14,24;15,21;16,5). Usa-se pempô três vezes para di­zer o envio do Espírito, por parte do Pai (14,26) ou de Jesus ( 15,26;16,7); duas vezes para dizer o envio dos discípulos, a primeira como indivíduos (13,20), a segunda como grupo, em paralelo com a missão de Jesus (20,21). Comparando 17,18 com 20,21 aparece claramente a sinonímia de apos- tellô e pempô.

Didômi, dar, encontra-se como equivalente de apostellô(3,16.17) e de pempô (14,16.26). Como correlativos apa­recem erchomai {3,2;9,39; 10,10b; 18,37 etc), hêkô (8,42), exerchomai ek (8,42; 16,28) iapo (13,3; 16,30)] para (16, 27; 17,8), kãtabainô ek tou ouranou (3,13;6,38 etc.).

II. A missão de João. V. João Batista II, III , IV.

III. A missão de Jesus. Jesus afirma freqüentíssimas vezes a origem divina de sua missão (v. supra I) . Crer nele como enviado, que com sua pessoa e atividade faz Deus presente (— Pai II I) , é a fé a que chegam os discípulos (17,6; cf. 16,30) e a que deve chegar o mundo (17,21.23). Jesus revela o verdadeiro rosto de Deus (17,3: o único Deus verdadeiro; cf, 20,17) (->■ Deus II) , mostrando-o como o Pai que ama ao homem e chega a dar o seu Filho para dar-lhe vida (3,16-17).

A tarefa de Jesus como enviado formula-se de diver­sas maneiras: a) genericamente, como dar remate à obra do que o enviou e realizar o seu desígnio (4,34) {-> ObraII, III; Criação II I , IV, V); b) como ordem de Deus Pai, está compendiada nos dois “mandamentos” que Jesus recebe ( ^ Pai Illb ; Mandamento II) ; c) expressando o sentido da atividade de Jesus e de sua morte, como “dar testemunho da verdade” (—> Verdade Ilg); d) consideran­do o seu efeito no homem, como “dar vida” (3,16;6,39.40; 10,10b etc.) (-> Vida Ilb; Nascimento I; Amor IVa),

Toda a atividade de Jesus com o homem, expressa de diversas maneiras, concretíza-se na infusão do Espírito, prin­cípio de vida definitiva (6,63), participação do ser de Deus(4,24). Daí vem que sua missão messiânica tenha como

aspecto positivo "batizar com Espírito Santo” (1,33) e que seja o Espírito entregue o fruto de sua morte (19,30) e o comunique aos discípulos depois de sua ressurreição (20,22) ( ^ Espírito IV).

A naissão de Jesus é a do Messias {—> Messias Illa ). Para ela, Deus o consagra (10,36) comunicando-lbe o seu Espírito/amor (->■ Espírito II, III; Pai Illb ). Jesus apre­senta sua obra messiânica em termos de êxodo da morte para a vida (5,24) ( ^ Messias V; Festa II, III, IV; PastorII I) . A missão de Jesus inclui a de mestre (13,13.14; cf.20,16) (—>■ Mestre Ila ), mas não no sentido que lhe atribuía Nicodemos (-» Nicodemos Ib).

IV. A missão dos discípulos. Jesus confere aos discípu­los a mesma missão que recebeu do Pai ( 17,18;20,21), Daí o fato de ele os associar à realização das obras do que o enviou (9,4) e anunciar-lhes que farão obras como as suas e ainda maiores (14,12) (-> Obra IV ). Como a de Jesus, a missão dos discípulos expressa-se em termos de pastoreio (10,11,14;21,15.16.17) (-> Pastor Illg ).

Os discípulos não são servos de Jesus, mas amigos (15,15), e por isso a missão realiza-se colaborando com ele e sua obra (12,26: o que quiser ajudar-me) (— Amor IX; Liberdade V III; Discípulo II) , e o fruto é também próprio dos discípulos (15,16).

O âmbito universal da missão está incluído na univer­salidade da comunidade futura (10,16;ll,51s), anunciada pela aproximação dos gregos a Jesus (12,21) e simbolizada pelos sete discípulos que participam na pesca ( = a missão); o número doze, referente a Israel (—>■ Números X ), fica substituída pelo número sete, que representa a totalidade dos povos (-> Números V lld),

Esta mudança corresponde à expressa na cena da cru­cifixão, onde o manto do “Rei dos Judeus” (19,19.21)^ símbolo do reino (cf. IRs 11,19-31), é dividido em quatro partes, por estar destinado à humanidade inteira (simbolis­mo dos quatro pontos cardeais, —*■ Números IV).

A missão tem como resultado o fruto em seu duplo aspecto: o objetivo, os homens que recebem a vida defini­tiva, e o subjetivo, o crescimento do discípulo no amor

7 - Vocabulário.. -

{—> Fruto II) . As condições para a missão eocenam-se na cena da pesca (21,1-14) (-> Fruto III, IV ).

A missão, resposta de amor ao amor recebido (1,16), realiza-se a partir da comunidade, lugar onde se experimen­ta o amor de Jesus através do amor dos irmãos (-» Manda­mento II I) . Não existe comunidade sem missão (15.2) nem missão sem comunidade (17,21.22) (-> Unidade IV).

Assim como a missão de Jesus se expressa em termos de testemunho Testemunho IV ), assim também a dos discípulos; eles dão no meio do mundo o testemunho sobre Jesus que recebem do Espírito (15,26) (—> Testemunho V II), o qual os apóia na missão interpretando-lhes “o que há de vir”, à luz da morte-exaltação de Jesus (16,13-15) (-^ Espírito V I).

A missão realiza-se no meio da perseguição camuflada ou aberta (15,18-20), que pode chegar a ser sangrenta (16, 2); são as dores de parto da humanidade nova (16,21) ( ^ Mulher V I).

M oisés

Gr. Môysês [12].

I. Moisésf doador da Lei e profeta do Messias. Moisés foi, sobretudo, aquele por cujo intermédio foi dada a Lei(1,17), que a deixou aos judeus (7,19) e ensinou a prece­dência que tem o bem do homem sobre o preceito da pró­pria Lei (7,22s).

Ele escreveu acerca de Jesus (5,46), pois o êxodo des­crito no Pentateuco era figura do êxodo fínal que o Messias haveria de realizar; em particular, sua ação de levantar a serpente no deserto foi tipo da vida definitiva que havia de comunicar o Homem levantado ao alto (3,14s). Os es­critos de Moisés eram proféticos, anúncio da realidade fu­tura.

Por outro lado, Jo desfaz o mito de Moisés; não tinha visto a Deus (1,18), não foÍ ele quem deu o pão do céu (6,32) e o seu êxodo malogrou, pois os que saíram do Egito não conseguiram ver a terra (6,49,58).

II. Moisés absolutizãdo. Os dirigentes absolutizaram a figura de Moisés Lei Ilb ), úníco mediador da antiga revelação que subsiste para eles. Ao passo que se professam discípulos de Moisés (9,28), cuja voz ressoa sempre (3,31: O que é ãa terra, da terra é e desde a terra fala), Abraão e os profetas morreram (8,52.53), ou seja, foi esquecida a promessa, anterior à Lei, que apontava para o Messias, e a esperança de uma aliança nova, a do Espírito, contida nos profetas (Jr 31,31-34; Ez 36,25-28).

O Moisés que propõem não é, porém, o autêntico. Por um lado, consideram os seus escritos como um todo fecbado, privando-os de sua dimensão profétíca; por ísso, de fato não dão fé ao que Moisés escreveu (5,46-47), Por outro lado, nunca foram fiéis à aliança que ele promulgou nem conserva­ram a mensagem de Deus (5,37b-38) (—>• Palavra Ilb ). Daí Moisés é seu acusador e a esperança que nele depositaram é vã (5,45). A esta deformação alude provavelmente Jesus ao chamar Nicodemos de “o mestre de Israel” (3,10), tí­tulo que se costumava dar a Moisés: na realidade, não é este quem ensina em Israel, mas os fariseus (3,1) que tomaram o seu lugar (-^ Nicodemos Id), Propõem sua interpretado de Moisés atribuindo-lhe autoridade divina fundada no pas­sado (9,29: Sabemos que a Moisés Deus esteve falando); Deus falou então, mas já não fala: não é o Deus da histó­ria, mas o do Livto,

Por outro lado, também não cumprem a Lei (7,19), por não anteporem o bem do homem à letra do preceito (7,22s); e mais; utilizam-na segundo suas conveniências (7,51).

Ao Moisés absolutizado (3,21) opÕe-se “o Filho” em quem Deus continua falando (12,49) e que propõe suas ver­dadeiras exigências (3,31-34) (-> Espírito V; Mandamen­to IV).

M orte

Gr, thanatos [8]; apothnêskô, morrer [27]; apolly- mai, perecer [10]; apôleia, perdição [1]; astheneô, ser dé­

bil, estar enfermo [9] ; astheneia, debilidade, enfermidade[2]; koimaomai, dormir, estar dormindo [2].

I. Uso dos termos. Thanatos, morte, designa em pri­meiro lugar a morte física como fato objetivo comprovável ( 11,13;12,33;I8,32; 21,19); também a morte o?mo expe­riência subjetiva (8,51.52; 11,4). Mas, além disso, significa uma condição de morte que procede da opção pelo pecado(5,24); ela priva o homem da experiência de vída e o con­dena à morte definitiva (5,21.24.23).

Apothnêskô, morrer, denota por si a morte física (8, 52.53; 11,14,16.21.25.32 etc.), conotando às vezes a morte definitiva ( 6,49,58;8,21.23 ) ou referindo-se à morte como experiência (11,26).

Apollymai denota a morte definitiva, a que corresponde ao pecado, como oposta à ressurreição. O que vive era es­tado de morte (thanatos), ao morrer fisicamente (apothnês- kô), perece (apollymai/apôleia); pelo contrário, o que tem a vida (zôê), ao morrer (apothnêskô), continua vivendo (zaò), levanta-se da morte (egeiromai), ressuscita {anista- mai j anastasis ).

Astheneô, ser débil, estar enfermo, é termo muito ge­nérico, que Jo usa ordinariamente em sentido simbólico, para indicar a debilidade radical da “carne” que culmina na mor­te física (11,3.13), ainda que continue a vida definitiva(11,4); indica também outra debilidade/enfermidade que produz o pecado e que acrescenta à morte física a morte de­finitiva (5,5).

Koimaomai, estar dormindo (11,11.12), usa-se meta­foricamente para indicar a morte física que não interrompe a vida.

II. O estado de morte. O texto de Ez 37,1-14, a visão dos ossos calcinados a que Deus infunde vida com o espírito, constitui o pano de fundo do episódio do inválido da pis­cina. Na profecia, os ossos são símbolo do estado em que se encontra o povo (Ez 37,11: estes ossos representam to­da a casa de Israel). A condição da multidão (5,3: os en­fermos: cegos, paralíticos, secos) mais tarde é qualificada como estado de morte (5,21.24.25). Aparece a conexão en­

tre Jo e Ezequiel pelo uso do termo xêros, seco, ressequido (Jo 5,3; xêroi; Ez 37,2.4.11: xéra), e pela comunicação de vida aos mortos {Ez 37,9: emphysêson eis tous nekrous toutous kãi zêsatèsan; cf. Jo 5,21: egeirei tous nekrous kai zôopoiei; cf. Jo 5,24.25.26; Ez 37,5.6) {-» Festa V).

Ainda que não se mencione no texto de Jo, Jesus cura o inválido, liberta-o do seu pecado (5,14), infundindo-Uie o Espírito (cf. 5,21: ho Pater zôopoiei; ho Hyios zôopoiei; 6,63: to pneuma zôopoiei) (-> João Batista IV); tira-o as­sim do seu estado de morte, comunicando-lhe a vida defini­tiva (cf. 5,13: ho de iatheis; 4,47: hina iasêtai; 4,50.51.53: ho hyiosjpais sou zê), que lhe dá a saúde (5,6.11.14.15; 7,23; hygiês) deixando-o curado (5,10: ho tetherapeume- nos); Jesus elimina assim a debilidade (5,5; astheneia) pro­duzida pelo pecado, que teria acabado na morte definitiva. Esse era o seu propósito com o povo (12,40: kai iasomai autous), que foÍ impedido pela ideologia da Lei, as trevas que cegam (12,34.35.40).

A condição para ser curado é escutar a mensagem de Jesus dando fé ao que o enviou (5,24); o homem sai do estado de morte (“carne" com pecado) para entrar no estado de vida ( “ carne ” com Espírito ).

Encena-se, pois, neste episódio o modo como Jesus tira “o pecado do mundo”, a opção por um sistemíi que príva de vida e frustra o desígnio do criador; oferecendo ao ho­mem a integridade e a liberdade. Aparecem as duas opções: a do submetido inváhdo, que aceita a cura e sai do âmbito do pecado, e a dos dirigentes que se obstinam no seu pe­cado (5,14-16),

IIL Morte física e tnorte definitiva. A morte física põe em evidência a astheneia ou debiHdade radical da “carne”: é a manifestação de sua transitoriedade. Em si mesma é acontecimento normal para o homem. Contudo, a qualidade da morte difere segundo este possua ou não a vida definitiva. Quem a possui passa pela morte sem ter experiência dela (8,51;11,26); a morte, superada pela potência da vida, é a ressurreição (-» Ressurreição III) . Pelo contrário, para o que participa do pecado do mundo, a morte física assinala o fim de sua existência; cf. 3,16: oposição entre perecer e

ter vida definitiva; 6,39: entre perecer e ressuscitar; 6,49ss: oposição entre "morrer” (6,49) e “nao morrer” (6,30), “viver para sempre” ( 6,51 ), “ ter vida” ( 6,52 ),

Deus quer evitar que o homem pereça, o seu desígnio é que ele viva para sempre (6,49; cf. 3,16;10,28;17,12;18,9), O protótipo dos “que perecem” é Judas (17,12: o que ia para a perdição); a causa de sua perdição' é ser “inimigo” (6,70), tendo por pal o “Inimigo”, o deus-dinheiro {—> Ju­das II; Inimigo I) .

A perdição tem, pois, por causa o fato de se techaçar o amor (a mensagem de Jesus e do Pai); daí o dito de Jesus: Ter apego à própria vida j a ú mesmo é destruir-se (12,25: ho philôfi tên psychên autou apoUyet autên); o que vive para o seu próprio interesse acaba na morte definitiva. Desprezar a vida (o próprio interesse) no meto desta ordem é conservar-se para uma vida definitiva.

Jesus usa nesta passagem o termo psychê, que eqüivale ao “eu”, à individualidade consciente, a qual se destrói ou supera a morte segundo a opção do indivíduo: praticar a injus­tiça ou entregar-se ao bem dos outros ( ^ Corpo; Vida I) .

IV. Pecado e morte. Pecado II.

V. A morte de Jesus e a do discípulo. Jesus aceita a morte livremente; ele entrega sua vida, mas assim a recupe­ra (10,17s). “Entregar a vida” é símbolo do contínuo dom de si mesmo por amor, que vai realizando em Jesus o pro­jeto de Deus (1,1c) (-^ Vída Ib); sua última e suprema expressão será a aceitação da morte para mostrar o amor que não se desmente nem sequer perante o ódio mortal dos seus inimigos (19,28-30) (—;>■ Qiação IV).

Á morte de Jesus, causada pela Lei (a ideologia/trevas), é aceita por ele como dom de si mesmo à humanidade (12, 33; 18,32) e é garantia de salvação para o povo (ll,50s;18,14). Ela manifesta a glória, o amor do Pai (17,1) e a do Filho (12,23.28) (-^ Glória IVa).

O amor do discípulo haverá de manifestar-se como o de Jesus no dom total (13,34: Como eu vos tenho amado). O desejo de esquivar-se da morte produz a esterilidade (12, 24) e o leva a perder-se (12,25). A liberdade perante a

morte, que faz desprezar o perigo, é própria do discípulo (12,25; df. 18,16) (-> Fruto III) .

Não aceitar a morte como expressão do amor produz a esterilidade do trabalho na missão (21,3; «ão pescaram nada). Somente quando Pedro expressa sua intenção de acei­tá-la (21,7; atirou-se ao mar) é que pode arrastar a rede com os peixes (21,11) (-» Fruto IVa), Com a sua morte manifestará a glória/amor de Deus (21,19).

M u l h e r

Gr. gynê [18].

I. Uso do termo. Encontra-se como apelatim^í^^ porJesus à sua mãe (2,4; 19,26), à samaritana (4^2^ e a Ma­ria Madalena (20,15), Designa també® áÃiamaíítana nos lábios do narrador (4,7.9.11 etc. noslábios dos anjos-mensageiros (20,Lm ^a^ ^ que dá àluz no discurso da Ceia (16,2jl4AOp>

“Mulher” não era ^ektn@gue os fühos usassem ao se dirigirem à sua mãe. Pdo ;tírrrCrário, tem a conotação de "esposa”, “mulher casatk^/v'^

II. A representa o Israel fiel às promes­sas (o resto de-^fea^), enquanto é origem de Jesus (—> Dis­cípulo tanto, figura do povo fiel da antiga alian­ça e, nÊáíe\tóatido, é chamada de Esposa de Deus (2,4; 19,^^^ypter), segundo a concepção da aliança como núp-

3eus e o povo (-> Bodas I). Em Caná, ela, que à aliança antiga, pede aos serventes (figura dos dis-

èulos) que sejam fiéis à aliança nova que o Messias inau- "gurará em “sua hora” (2,5). Ao pé da cruz, a mãe/Israel é acolhida na nova comunidade, representada pelo discípulo, que reconhece nela sua origem (19,26s: m|e-fUho). Mas entra em pé de igualdade, como irmã da nova comunidade representada enquanto esposa por Maria Madalena (19,25; cf. 20,17: meus irmãos) (-> Mãe). O antigo povo (a mãe) termina na cruz, e ali começa o novo (Maria Madalena).

III. A samaritana aparece como a esposa (4,21: mu­lher) adúltera (= idólatra, cf. Os l,2;2,4ss), a quem o

Messias (4,23ss) £ak na solidão e volta ao amor primeiro (cf. Os 2,16) depois da denúncia de suas idolatrias-adulté- tios (4,18); ela torna-se propagadora da boa notícia (4,28.29).

IV. Maria Madalena representa a nova comunidade, quecomeça na cruz, no seu papel de esposa (20,15: mulher). Constituída ao pé da cruz, aparece desorientada diante do fato da morte de Jesus (20,2: não sabemos, figura represen­tativa). Sua busca de Jesus (20,1.1 Iss) retoma o tema nup­cial do Cântico. Sua figura desdobra-se na dos dois discípu­los, a quem transmite o seu alarme e que representam duas posições diante do fato da morte (20,3-10). Assim como no momento da falta de fé, aparece sua figura no momento do encontro com Jesus, para continuar desta vez com a co­munidade toda de discípulos (20,18). '

No horto-jardim (20,15: o hortelão) escuta a voz de Jesus, mas só o reconhece quando a chama por seu nome (20,16; cf. 10,3). A voz da esposa que responde ao esposo (20,1: Maria, Rabbouni/Mestre; cf, 3,29: a v02 do esposo) é sinal da restauração anunciada (-» Bodas II I) . Jesus e Maria Madalena representam o casal primordial que dá co­meço à humanidade nova, Ainda que reconhecer a voz de Jesus impulsione a segui-lo (10,4), e a mesma coisa indi­que o título de “Mestre" que María lhe dá ( ^ Mestre Ile), ela pensa que este primeiro encontro já significa a união definitiva, a etapa final (— Escatologia IV ), Jesus, porém, manda-a a anunciar a sua mensagem (20,17s).

V. Maria, irmã de Lázaro. Na ceia de Betânia (12,ls), a gratidão e o amor com que a comunidade corresponde a Jesus pelo dom da vida manifesta-se no gesto de Maria, que se inspira nos temas do Cântico dos Cânticos (12,3: per­fume = amor a Jesus, cf, Ct 1,3,12; cabelos = amor de Jesus, cf, Ct 7,6b), Maria é figura daquela comunidade co­mo esposa; não é chamada, porém, de “mulher”, porque o sinal de Lázaro somente antecipa o que haverá de ocorrer na morte de Jesus. A figura de Maria, a irmã, antecipa por sua vez a de Maria Madalena, que representará a comunidade nova, fruto do Espírito dado na cruz.

Note-se que todas as figuras femininas que desempe­nham o papel de esposa recebem o nome de Maria (12,3; 19,25): Maria de Cléofas ( — a mãe de Jesus), Maria Mada­lena ( — a irmã da mãe).

VI, A mulher que dá à luz. A mulher que sofre no parto e dá à luz um homem (16,21) representa a nova humanidade, que, começada em Jesus, prolonga-se na sua comunidade. No meio da dor, perseguição e morte (dores de parto) dá à luz para o mundo o homem segundo o projeto divino (-» Fruto II) .

M un do

Gr. kosmos, ordem, adorno, mmido [78]; ho archôn tou kosmou [toutou], o chefe deste mundo/desta ordem[3],

I. Significado. Das várias acepções de kosmos no gr, clássico e na LXX encontram-se em Jo as seguintes:

a) O mundo físico, o universo (17,5.24), a terra, lu­gar onde habita a humanidade (11,9; 21,25),

b) A humanidade que habita o mundo ( 1,9,10,29;3, 16,17.19;4,42;6,14,33,51; 8,12;9,5;10,36; 11,27; 12,46.47; 16,21.28;17,18.21,23;18,20,37), conotando com freqüência sua necessidade de salvação (1,29;3,17 etc.).

c) Grupo humano numeroso: “todo o mundo” (12,19; 14,27). ,

d) A humanidade enquanto estruturada em ordem so- ciorreligiosa inimiga de Deus: “o mundo/esta ordèm” (7,4,7; 8,23.26;9,39;12,25,31;13,1 [dupla acepção, local e social]; 14,17.19.22,30.31;15,18.19;16,8.11.20.33;17,6.9.11 [dupla acepção]; 17,13 [dupla acepção]; 14,15.16,25;18,36) (-> Céu II) .

“O chefe dò mundo” (14,30) ou “desta ordem” (12, 31;16,11) é personificação do círculo de poder que rege “o mundo”, em sua acepção da ordem sociopolítica injusta onde se enquadram os homens.

Este mundo ou ordem injusta tem duplo aspecto; o pri­meiro, dinâmico, enquanto sujeito que odeia e persegue (7,

7;15,18ss); designa o círculo de poder (os dirigentes ju­deus), personificados em “o chefe do mundo/desta ordem”(12,31;14,30;16,n )• O segundo aspecto é estático, e sig­nifica o âmbito social submetido ao poder do “mundo”, composto por homens que lhe dão adesão (8,23;15,19;17,6.14,16), como “o pessoal” de Jesus (7,6s) (—> Irmão II) ; corresponde a “o que é daqui de baixo’', por oposi^o a “o que é de cima” (8,23) (— Céu II) . E o âmbito das “trevas”.

Sobre as relações entre Inimigo, mundo e trevas, v.Inimigo V.

II. Deus e a humanidade. O mundo-humanidade é ob-, jeto do amor de Deus (3,16) e destinatário da missão do Filho (3,17;10,36;16,28;17,18;18,20,37), que consiste, ne­gativamente, em libertá-lo do pecado (1,29) (-> PecadoII) . Jesus não vem para julgar a humanidade (3,17; 12,47), mas para salvá-la (3,17;4,42;12,47), ou seja, para dar-lhe a vida (3,16;6,33.51; cf. 11,23-27) e impedir que pereça (3,16) (“ Criação III; Morte II I) . Jesus é a luz do mun­do (8,12;9,3;12,46; cf. 1,4: a vida ê a luz do homem) que comunica ao homem a luz da vida (8,12).

Antes da vinda da Palavra feita homem, a humanidade, em seu conjunto, ainda que iluminada por essa luz, não quis reconhecer o projeto criador de Deus (1,10); insinua-se aqui o pecado do mundo (1,29) (-> Pecado II I) . Em sua maioria também não o reconhece depois (3,19: os bomens).

A humanidade crerá que Jesus é o enviado de Deus pelo testemunho de amor e unidade do grupo cristão (17,22.23) (-> Mandamento III; Unidade IV).

III. O mundo-ordem injusta. O mundo-humanidade alie­na-se de Deus ao rejeitar o seu projeto criador aceitando a ideologia que o oculta, os falsos valores próprios de sistema de violência e morte, personificado em “o chefe do mun­do/desta ordem” ( 12,31;14,30;16,11), e cujo princípio ins­pirador é “o Inimigo”, o poder do dinheiro (8,44; cf. Ini­migo V).

“O mundo” é a violência insütucionalizada. Ele odeia a Jesus (7,7) e persegue de morte a ele e aos seus discípulos

(15,18-25; 16,2). Aparecem assim em relaçlo com "o mun­do” a perseguição e o propósito de matar Jesus (5,16,18), as tentativas de apedre)á-Io (8,59;10j31s), a decisão de dar-lhe morte sem julgamento nenhum (11,53), a ordem de delação e prisão (11,57), Com respeito ao povo, a re­pressão cria o medo aos dirigentes que impede de falar abertamente sobre Jesus (7,13;9,22) e que ameaça os dis­cípulos (19,38;20,19}. Entra na mesma linha o despre2» que sentem os fariseus pela multidão (7,49), o decreto de ex­pulsão para todo o que reconhecer Jesus por Messias (9,22) e a expulsão do cego (9,34),

Este mundo não só não reconhece a Deus (17,25), mas também odeia a Jesus (7,7; 15,18) e, portanto, ao Pai (15, 23), Não conhece o que enviou Jesus (15^21; 16,3); não pode receber o Espírito da verdade, porque não o percebe nem o conhece (14,17); assim Jesus não se manifestará a ele (14,22).

A denotação universal do termo “o mundo” ultrapassa o sistema judaico, que se apresenta como paradigma dos sis­temas de injustiça, O que caracteriza no evangelho os com­ponentes do “mundo" não é ser judeus de raça, mas ser ini­migos do homem por constituir um sistema opressor basea­do no poder do dinheiro (-> Inimigo II) ,

IV. Jesus e “o mundojesta ordem”. Jesus não pertence a esta ordem, que pratica o pecado (8,21.23.34), a violência e o homicídio (8,44; cf. 10,1: ladrão e bandido); ele per­tence a “o que é de cima”, à esfera de Deus e do Espírito(8,23) Céu II) .

Em conseqüência, Jesus, que é rei (18,37), tem realeza que não pertence a esta ordem, pois não usa da força para defender nem impor o seu direito (18,36). Opõe-se assim a figura de Jesus-rei à do “chefe do mundo” (12,31; cf. 12, 15),

A mesma menção de “o chefe do mundo/desta ordem” acha-se no contexto sociopolítico da aclamação messiânica (12,31; cf, 12,13) e no discurso da Ceia (14,30), quando Jesus vai se enfrentar com Judas, que agirá como delegado e representante de todos os poderes (18,3), A mesma coisa.

na instrução que Jesus dá aos seus sobre a missão, aparece quando menciona “o cbefe desta ordem”, personificando os sistemas de poder que perseguirão os discípulos (16,11).

A sentença que será pronunciada contra a ordem in­justa decorrerá na expulsão do seu chefe (12,31). “Ser lançado fora” da esfera divina, presente em Jesus, significa ficar privado da vida, no âmbito da reprovação divina (3, 36); daí o fato de ter saído condenado (16,11). Será a morte-exaltação de Jesus (12,32) que realizará este juízo e pronunciará esta sentença, pois em “a sua hora” o sistema injusto fará sua opção definitiva, dando remate ao escrito em sua Lei: Odiaram-me sem razão (15,25; 19,28s); mani­festará sua obstinação no pecado (15,22) e este o levará à morte (8,21.23) ( ^ Juízo I, II) .

Efeito da eleição de Jesus ou da entrega que o Pai lhe faz dos discípulos é “tirá-los do mundo” (15,19; 17,6). Por isso eles, como Jesus, não pertencem ao mundo (17,14.16). Esta é uma expressão do êxodo do Messias; o mundo aparece como a terra de escravidão, porque nele se pratica o pecado (8,34). “Tirar do mundo” eqüivale a fazer passar da morte para a vida (cf. 5,25).

Também os discípulos serão objeto do ódio do mundo como Jesus (15,18). Ele os perseguirá e vigiará sua men­sagem, como fizeram com Jesus (15,20), e lhes dará morte, pensando com isso dar culto a Deus (16,2). Na missão no meio do mundo será o Espírito que lhes dará segurança e os confirmará em sua posição (16,7-11).

Jesus não roga pelo mundo (17,9) inimigo de Deus, mas, pelo contrário, vem denunciá-lo da parte do Pai (8,26) e abrir um processo (9,39), que terminará na sentença con­tra ele (12,13) e o seu chefe (16,11) (—?■ Juízo III) .

N a sc im en t o

Gr. genetê [1]; gennaomai [18],

I. Os dois nascimentos. O nascimento natural do ho­mem (1,13: de sangue qualquer etc.} o constitui na condição humana chamada “carne” (3,6; da carne nasce carne), carac­terizada por sua debilidade e transitoriedade (-> Carne). O homem assim nascido ainda não está acabado em sua cria­ção, segundo o projeto de Deus; por isso, a fim de realizar-se como homem e poder participar do reino de Deus, precisa “nascer de liovo/do alto” (3,3) (— Céu II; Água II I) , ou seja, de Deus (1,13) ou, em outros termos, de água e Espírito (3,5: de uma água que é Espírito) , Este nascimento, que completa o primeiro, terminando a criação do homem (20,22: soprou), faz com que o homem seja “espírito” (3,6: do Espirito nasce espirito; cf. 7,39), semelhante a Deus (4, 24: Deus é Espírito) na qualidade de amar (-^ Espírito Vb) e livre como o próprio Espírito (3,8). “Nascer de Deus” capadta para ‘Afazer-se filhos de Deus", sendo semelhantes a ele na atividade do amor (1,12) (-;► Filho III) ; esse setá o sentido do mandamento de Jesus (13,34) (—> Mandamen­to III) . Somente “os nascidos de água e Espírito”, que possuem a nova capaddade de amar, são aptos para entrar no reino de Deus (3,5), formando a sociedade humana se­gundo o projeto divino, cujo código é expresso no manda­mento de Jesus (3,34) e cuja realização cria a perfeita uni­dade (17,11.21.22.23) (-^ Unidade II I) .

II. O episódio do cego (9,lss). A freqüência do verbo “nascer” é máxima nos capítulos 3 e 9 (3,3.4bis.5.6bis,7,8; 9,2.19.20.32.34; cf. 9,1: ek genetês). O paralelo assim esta­belecido entre os dois capítulos deve-se ao fato de Jo exempli­ficar no episódio do cego os dois nascimentos enunciados em 3,6 (oE. 1,13). O homem que nasceu cego é “carne” (— Carne I); é a debilidade própria desta condição que possibilita que seja oprimido antepassado, sem culpa própria nem dos seus pais (9,3): é cego porque os opressores ja­mais lhe permitiram ver.

Este homem não é cúmplice (9,3: ele não tinha pecado), mas vítima do pecado do mundo, neste caso, o dos dirigentes

que exercem a opressão {9,41: vosso pecado) (-» PecadoII I) . É, portanto, a condido de “carne’* que com sua debili­dade toma possível a injustiça de “esta ordem” (8,23). Os pais do cego não tinham pecado, porque não tinham podido dar ao filho condição diferente da sua (3,6: da carne nasce carne), a condição dos fracos submetidos (cf. 9,22: por medo dos dirigentes judeus).

A obra de Jesus com o cego “abrindo-lhe os olhos” (9,10.14.17.21.26.30.32; cf. 10,21;11,37) eqüivale ao se­gundo nascimento. Assim o indica o símbolo que Jesus usa, significando a criação do homem: com a terra (a carne) e sua saliva (o Espírito) faz barro (o homem acabado; carne mais espírito). Ao ungír os olhos do cego com “o seu barro” (9,6: Jesus modelo de homem, cf. 9^35, que pode levar aos outros a plena condição humana), este percebe a luz/verdade: experimenta em si o amor de Eteus manifestado por Jesus e conhece a plenitude humana a que este amor o chama e que Jesus pode realizar nele. Ao aceitar o convite de Jesus e lavar-se (aceitação da água-Espírito) na piscina do Enviado (Jesus, cuja água é o Espírito), recupera a vista. Chegou a nova condição do homem: a do homem nascido do Espírito (3,6), de Deus (1,13).

A nova condição manifesta~se imediatarcente na inde­pendência (9,8: era mendigo) e liberdade de movimentos (9,8: estava sentado), assim como pela identidade encontra­da (9,9; Sou eu) semelhante à de Jesus (cf. 4,26), por ter recebido sua unção (4,25: Christos; 9,6.11: epechrisen). O homem assim criado é livre, perdeu o medo dos dirigentes e os enfrenta (9,13-33); uma vez nascido do Espírito, não pode ser submetido e é incompatível com o sistema opres­sor (9,34).

A transformação que Jesus reaHza no homem expres­sa-se no texto pelas dúvidas dos vizinhos; o que eles conhe­ciam, sendo o mesmo, é contudo diferente (9,9),

III. Novo nascimento e missão. Nasce-se de novo para uma missão (—?■ Espírito V I), a que confere o Espírito-unção (17,17; cf. 15,26;16,13;20,21s) (-s Messias V I). Jerus des­creve a sua como “dar testemunho da verdade” (18,37)

(-^ Messias V; Verdade Ilg ). Exerce-se em ambiente hostil {cf. 12,25); por isso exige esforço e dor, compensados pela alegria do grupo: o homem novo que nasce (16,21) (—> Fru­to II) .

IV. Nascer de prostituição. Com esta metáfora (8,41), proveniente do AT, significa-se a idolatria (cf. Os 1,2). O povo, figurado coletivamente como a esposa legítima de Deus ( ^ Bodas I) , ao trocar o Deus verdadeiro por outros deuses, se prostitui. Jesus acusa os dirigentes de idolatria, porque têm pai que nãò é Deus (8,42), mas um deus falso, o Inimigo, princípio de mentira e morte (8,44) (-> Ini­migo II) .

Opõem-se assim dois nascimentos; o daqueles que têm por Pai a Deus, os quais, por ser o próprio Deus Espírito, nascem do Espírito (4,24) e se tornam '‘espírito” (3,6; cf. 7,39), e o daqueles que têm por pai o deus falso, o ídolo chamado de “o Inimigo” (8,44) e que se transformam como ele era “inimigos” (cf. 6,70s).

Sob essa linguagem figurada, Jesus expõe as opções do homem, Há um nascimento comum para todos, o “da carne”, primeira etapa da obra criadora de Deus. O homem assim nascido, pelo dinamismo do projeto criador, do qual o seu ser é expressão, tende à plenitude de vida (1,4). Deus a oferece a todos em Jesus (3,16), mas o homem precisa optar livremente por ela, A opção positiva, que reconhece o amor de Deus manifestado em Jesus e responde a ele tomando-o como norma de conduta, termina a criação do homem fazendo com qüe ele “nasça de Deus/do Espírito” e dando-lhe a possibilidade de “fazer-se filho de Deus” ( 1,12).

A opção negativa, que rechaça o amor de Deus e adota como norma de conduta a dominação e o proveito próprio, frustra o desígnio criador, e torna o homem inimigo de Deus, situado sob o peso de sua reprovação (3,36).

Assim como Deus é princípio de vida (5,26;6,57 e passim) e de verdade (8,40), o deus falso o é de morte e de mentira (8,44). Dado que a expressão “ter por pai” significa assemelhar-se no modo de agir ao “pai” respectivo

(-5- Filho II I) {cf. 5,19s;8,39.41;10,37), os “filhos de Deus” comunicarão vida e verdade; “os do Inimigo”, morte (8,40) e mentira (8,55).

Existem, pois, dois pólos; Deus, presente em Jesus, e o Inimigo, representado pelo círculo de poder; representam as duas opções extremas: a do que dá vída por amor ao homem e a dos que tiram a vida ao homem (cf. 10,10). Entre estes dois pólos encontra-se a massa do povo, os “nascidos da came” e submetidos à opressão dos agentes do Inimigo (cf. 5,3); uns a aceitam, e têm pecado (cf. 5,4); outros sim­plesmente a sofrem e não o têm (9,lss). Diante da manifes­tação do amor de Deus em Jesus, haverão de fazer sua opção definitiva.

N icodem os

Gr. Nikodêmos [5].

I, A visita a Jesus. Nicodemos é apresentado por Jo como “um homem” aludindo à frase anterior (2,25: ele conhecia o que o homem tinha dentro).

a) Já antes de dar nome à personagem, Jo a caracteriza como fariseu, ou seja, como pertencente ao grupo judaico que esperava a perfeição pessoal e a reforma do povo da estrita observância da Lei mosaica, interpretada segundo a tradição rabínica. Em seguida indica o nome próprio (Nico­demos ~ prov. “vitória sobre o povo"); depois, sua quali­dade de “chefe” judeu, ou seja, membro do Conselho Su­premo (Sinédrio); como fariseu, na qualidade de letrado. É, portanto, estudioso, observante e mestre da Lei (cf. 3,10) e homem constituído em autoridade.

b) Á visita de Nicodemos a Jesus está em relação com o gesto messiânico, a denúncia de Jesus no templo (2,13ss) e com os sinais que prolongaram esse gesto durante as fes­tividades da Páscoa em Jerusalém (3,2). Contudo, Nicode­mos vai “de noite” (3,2); a luz, que é Jesus, não o ilumina(9,4), ou seja, não compreendeu o seu gesto messiânico em chave de amor, e continua no âmbito das trevas: Nicodemos

é partidário da ideologia (a Lei) que submete o povo e o impede de realizar o desígnio divino (—>■ Luz IV).

Dirige-se a Jesus usando o título de “Rabbi" e o consi­dera vindo da parte de Deus como mestre (3,2). A união dos conceitos de Messias e mestre já apareceu antes no evan­gelho (1,38.41) (—> Mestre II) , “Ser mestre” significava para o íariseu estar a serviço da Lei, Nicodemos, portanto, aceita Jesus como Messias-mestre; impondo a observância da Lei ele instaura o reinado de Deus.

Fala em nome de grupo (3,2: Sabemos). Representa, portanto, corrente farisaica; eles dão sua adesão a Jesus co­mo Messias da Lei, opondo-se juntamente com ele à hierar­quia sacerdotal (2,18: “Os Judeus” que dirigem o templo).

c) Diante da afirmação categórica de Jesus: o reino de Deus não se baseia no anterior, mas exige novo começo, “do alto” (3,3.7), Nicodemos se fecha: para ele é impossível começar de novo, o homem é filho do seu passado; inter­preta as palavras de Jesus como de esforço voluntarista de volta atrás (3,4: voltar ao seio de sua mãe); o novo nas­cimento seria igual ao antigo (e nascer de novo).

A resposta que recebe é tão categórica como a anterior (3,3: Pois eu te asseguro). O nascimento de água-Espírito é indispensável pata entrar no reino de E>eus, O reino é a criação terminada e o homem não fica acabado por mero esforço pessoal que nasce de sua debilidade e termina nela (3,6: da carne nasce carne), mas por um princípio vital novo, infundido por Deus, o Espírito, que cria nele a condição de “espírito”, dando-lhe a capacidade de amar (3,6: do Espí­rito nasce espírito). Este produz uma liberdade que orienta a vida; o que segue a ideologia da Lei não entende a ori­gem nem a rota do homem nascido do Espírito (3,7: Não sabes donde vem nem aonde vai).

d) Nicodemos não compreende as afirmações de Jesus(3,9), o qual lhe responde com ironia: Tu, o mestre de Israel, não conheces estas coisas? A denominação “o mestre de Israel” aplicava-se a Moisés; ao aplicá-la a Nicodemos, o doutor fariseu, Jesus insinua que eles suplantaram o verda­deiro Moisés, propondo interpretação da Lei que o falseia (cf. 12,34; Nós temos aprendido da Lei etc,). As realidades

expostas por Jesus e que tanta estranheza causam a Nicode­mos encontravam-se nas promessas do AT (Jr 31,31-34: a nova aliança, a Lei interna; Ez 36,26s; o Espírito); mas, para Nicodemos e o seu círculo, os profetas (3,12: o que é da terra; cf. 3,31) morreram (8,52.53) ( ^ Profeta IV); o seu único mestre é Moisés (9;28), que, todavia, será o seu acusador (5,43) (-> Moisés II) . (^bre a inclusão dos fariseus em “os Judeus”, v. Judeus I). A entrevista ter­mina assim em um beco sem saída.

ÎL A controvérsia com os seus. Na segunda vez que aparece Nicodemos, mostra-o ainda mais fervoroso partidá­rio da Lei (7,51: nossa Lei; cf. 7,19; 10,34: vossa Lei), e em nome dela repreende os seus colegas fariseus pela in­justiça que cometem com Jesus (7,50). Crê que a I ei deve ser para o grupo fariseu instrumento de justiça, sem dar-se conta de que a transformaram em meio de discriminação e dominação sobre o povo (7,49: Esta plebe que não conhece a Lei é maldita; —*■ Lei III) . Recebe em resposta uma frase que pretende ser insulto (7,52: É que também és da Gali- léia?), e lhe recomendam o estudo da Escritura para que ele lhe impeça de dar adesão a Jesus (7,52; cf. 5,39; Es­critura I). A alusão à primeira cena: aquele que tinha ido vê4o no princípio (7,30), pÕe as duas em conexão e mostra Nicodemos como fariseu convencido, que professa de boa fé sua ideologia, sem dar-se conta da finalidade a que ela serve. Foi o seu idealismo que o levou a visitar Jesus,

III. A sepultura de Jesus. A terceira e última cena em que figura Nicodemos é a da sepultura de Jesus (19,39). Leva a enorme quantidade de aromas para sepultá-lo com eles: o homera amante da jusúça quer perpetuar a memória do injustamente condenado; contudo, com José de Arima- téia, figura dos discípulos atemorizados por meio das auto­ridades que deram morte a Jesus (19,38) (-> Discípulo Xb), enterra Jesus “à maneira judaica”, como a família tinha enterrado Lázaro (11,39b), ou seja, pensando que tudo aca­bou com a morte.

IV. A figura de Nicodemos em Jo. Por oposição aos que insultam Nicodemos (7,52), Jo retrata nesta figura um

tipo de fariseu honesto, profundamente convencido da vali­dade da Lei; vendo nela a manifestação definitiva da von­tade divina, é incapaz de aceitar a novidade de Jesus. Cir­cunscrito à Lei, ignora as promessas feitas pelos profetas. Considera o seu dever opor-se à injustiça no interior da insti­tuição em que vive, más o seu protesto é inútil: os que ma­nejam a Lei (7,50-52; 19,7) combinarão dar morte a Jesus sem escútá-lo nem instaurar julgamento em regra (11,52). Sua voz ressoa no vazio; são outros interesses que movem a instituição, que não cumpre a Leí que professa (7.19), Nicodemos contínua “na noíte” (19,39), não che^a à fé em Jesus nem poderá ver o reino de Deus (-> Fé V lIIb ),

N oit e

—?■ Judas Iscaríotes II; Luz IV; Nicodemos I; Obra IV.

NtíMEROS (s im b o l ism o DOS)

O valor e significado dos números em Jo retoma algu­mas vezes o simbolismo que se lhes atribuía na cultura; ou­tras, depende das alusões a determinadas passagens do AT,

I. O um. A unicidade pode vir expressa pelo numeral heis ou pelo adjetivo monos. Assím Deus, o Pai, é o único Deus verdadeiro (17,3: monos; cf. 5,44;20,17). O termo um {heis, hen) não se aplica por Jo a Deus, mas à unidade que o Espírito cria entre o Pai e Jesus (10,30), que há de inte­grar também os discípulos (17,11.21.22.23; cf. 11,52); será um só homem, Jesus, quem com sua morte, manifestação do amor do Pai, realizará esta unidade (11,50,52; cf, 18,14)

Unidade Ic).

II. O dois. Por alusão a Os 6,2: Depois de dois dias nos fará reviver (LXX: hygiasei hêmas, nos dará a saúde), o número dois se aplica à estada de Jesus com os samaritanos (4,40.43), aos quaís comunica a água viva, o Espírito (4,14). Sem embargo, deixa passar dois dias sem ir aonde Lá­

zaro está enfermo (11,6), porque Lázaro, por ser disdpulo, possuía a vída definitiva (-> Dia IV).

Encontra-se com freqüência a menção de "dois discípu­los” (1,35.37.41;20,4;21,2; cf. 12,22), também há dois crucificados com Jesus (19,18) e dois anjos ou mensageiros divinos que estão junto do sepulcro (20,12), possivelmente na qualidade de testemunhas da ressurreição (cf. 8,17: o tes­temunho de dois é válido).

IIL O três. No AT é o número da divindade (cf. Gn 18,2: cs três homens que representam a Deus; Is 6,3: o tríplice santo; a tríplice repetição, marca do superlativo). Em Jo encontra-se indicando os três dias em que Jesus levan­tará o santuário do seu corpo ( 2,19.20.21 ). Referido â mor­te, três, por oposição a quatro dias (v. infra IV ), indicava que a morte ainda não era definitiva, por não se terem apagado os traços faciais. Aplicado à morte de Jesus in­dica, portanto, que nela Jesus continua vivendo, À tríplice negação de Pedro ( “ três ” superlativo ) significa sua renúncia total a ser discípulo (13,38; cf. 18,17.25.27), que será re­parada com a tríplice profissão de amizade com Jesus (21, 15.16.17: to triton).

Uma série de três cenas pode indicar manifestação pro­gressiva de Jesus: em Caná, princípio dos sinais, manifesta sua glória (2,11), No segundo sinal, explicita a primeira como comunicação de vida que liberta da morte (4,54). A cena em que Jesus se manifesta pela terceira vez aos discípu­los, depois de levantar-se da morte (21,14) pode terminar a série; não se tendo numerado as duas aparições anteriores(20,19.26), esta menção da terceira vez parece compendiar e perpetuar os dois sinais: na missão comunÍca-se a vida que lil^rta da morte (4,50.51,53 ); a eucaristia é o banquete das novas bodas onde se bebe o vinho do Espírito (2,9s).

IV. O quatro. O número quatro simboliza a totali­dade indeterminada ou indefinida. Em sentido local indica a extensão indefinida que ocupa a humanidade (os quatro pontos cardeais, os quatro ventos; cf, Ez 37,9; Zc 2,10; 6,5; Dn 8,8;llj4). A^sim o manto de Jesus, que representa

O seu reino pelo Espírito, divide-se em quatro partes pot estar destinado à humanidade inteira (19,23), Em sentido temporal parece indicar duração indefinida que pode re£e- rir-se ao passado (11,17: quatro dias; cf. 11,39: tetartaios) ou ao futuro (4,35: quatro meses), denotando, respectiva­mente, a totalidade do tempo passado ou por vir. Pondo Lá­zaro naquele sepulcro, que é o dos país ( 11,39b; uma gruta; cf. Gn 49,29-32), o introduziram na condição da humani­dade desde sempre, a que constitui a morte sem esperança; os “quatro dias no sepulcro” (11,17) indicariam, pois, a condição humana antes de Jesus realizar o desígnio de Deus; dar vída definitiva (6,40). Referido ao futuro (4^35), indi­caria, de modo semelhante, a duração indefinida da história humana até ao seu fim: os discípulos relegam a salvação a uma época trans-histórica, ao “últímo día” segundo a con­cepção tradicional (11,24); Jesus corrige essa idéia, iüdican- do que a salvação já está presente (4,35).

V. Cinco, cinco mil. O número cinco encontra-se em 4, 18: maridos, tiveste cinco, por alusão aos templos idolátrícos erigidos em Samaria (2Rs 17,24-41). Também em 5,2; os cinco pórticos da piscina representam o templo (pórticos, cf,10,23) que oprime a cidade impondo a Leí (cínco livros, Pentateuco). Em 6,9.13 designa o número dos pães distri­buídos por Jesus; esta cifra está em relação com os cinco mil homens adultos de 6,10. Cinqüenta e seus múltiplos sim­bolizam a comunidade do Espírito ( IRs 18,4.13; 2Rs 2,7; cf. Jo 6,10b). Pondo em relação os cinco pães com os cinco mil homens “adultos” (plenitude humana que o Espírito produz), Jo indica que o Espírito se recebe através do pão, dom com o qual se comunica o amor (cf. 6,33; o pão de Deus é o que desce do céu e vai dando vida ao mundo = o Espírito que se participa de Jesus, cf. 6,35),

VL O seis. Em relação com o sete, a totalidade deter­minada, o acabamento, o seis é a cifra do incompleto, seja por ser ineficaz (2,6; seis talhas que não contêm água desti­nada à purificação) seja porque espera e anuncia a comple- tude: “a sexta hora” descreve a entrega de Jesus no seu aspecto de morte (19,34; hora do sacrifício do cordeiro;

cf. 4,6); V, infra VIL O sexto dia é o da atividade de Jesus que terminará a criação do homem (2,1;12,1) DiaII) ; as seis festas (2,13;5,1;6,4;7,1;10,22;11,55) anunciam a Páscoa definitiva em que se comerá a carne do G>rdeÍro de Deus (19,28-30; cf. 19,31: o dia solene).

V II. O ete. a) O número sete aparece uma só vez, para designar a hora em que se cura o fÜho do funcionário: a comunicação de vida é o efeito da morte de Jesus; por oposi^o à sexta hora, a sétima hora indica a morte de Jesus como obra terrtiinada Obra II) , cujo fruto ê a vida (19, 30; entregou o Espirito).

b) O número sete indicava a totalidade determinada ou definida. O dia sétimo, dia do descanso divino, terminada a obra criadora, não se menciona nunca neste evangelho; o teimo sabbaton (5,9b.l0.16.18;7,22,23;9,14.16;19,31) tem o sentido mais genérico de descanso de preceito, correspon­dente tanto ao sábado como a uma festa (-^ Lei I) .

Jesus não reconhece um descanso que dê por terminada a criação do homem (5,6-18), que não o ficará enquanto ele não comunicar o Espírito, quando então chegará o dia solene do descanso (19,31) (-^ Escatologia Ib).

c) Sete, totalidade determinada, soma dos cinco pães e dos dois peixes em 6,9, indica a totalidade do alimento possuído pela comunidade, representada pelo “menino” ( ^ André).

d) São também sete os discípulos presentes em 21,2 (os Zebedeus são conhecidos pela tradição como dois irmãos). Este número, por oposição à cifra Doze, símbolo de Israel, alude à totalidade dos povos; designa, pois, a comunidade de Jesus não como herdeira de um passado (os Doze, Israel), mas como aberta a um futuro universal.

V III. O oito. O oito era a cifra que simbolizava o mundo definitivo, passada a primeira criação (o sete). A da­tação “aos oito dias” (20,26) indica, pois, o caráter pleno e definitivo do tempo messiânico, era escatológica presente; completa assim o caráter de novidade e princípio indicado por “o primeiro dia da semana” (-> Escatologia II) .

IX . O dez. Aparece somente em “a décima hora” em que os primeiros disdpulos ficam para viver com Jesus ( I , 39), Parece que se deve interpretar em relação com a hora duodécima ou final do dia (11,9), indicando provavelmente que Jesus traz a salvação quando Israel está para terminar sua história, em paralelo com os trinta e oito anos de en­fermidade do paralítico (5,5).

X. O doze. O doze é o número simbólico de Israel (as doze tribos); aparece pela primeira vez enumerando os ces­tos de sobras de pão que se recolhem (6,13), e indica que a partilha deve continuar até satisfazer a fome de todo Is­rael. Aplica-se em seguida ao grupo de disdpulos “os Doze” (6,67.70,71), a que pertencem Judas Iscariotes (6,71) e Tomé (20,24), “Os Doze”, cuja lista Jo nunca apresenta, designam a comunidade inteira de Jesus, como destinatária das promessas de Israel, que se cumprem com o Messias (-> Discípulo V),

XI. Trinta e oito anos. O inváÜdo da pisdna já há trinta e oito anos estava enfermo (5,5); é alusão a Dt 2, 14-16, onde se descreve a duração da caminhada dos que saíram do Egito para acabar na morte; ordinariamente se usava a dfra quarenta (Nm 32,13; Js 5,6; SI 95,10). Sig­nificava, pois, a condição desesperada do povo submetido ao regime da Lei que o priva de vida, do que o inválido é tipo e representante.

X II. Cento e cinqüenta e três peixes. A dfra pode-se interpretar como composta de três unidades de cinqüenta, que, segundo o simbolismo explicado, representam comuni­dades do Espírito (v. supra V), e o multiplicador três, número divino (v. supra II I) e, ao mesmo tempo, sím­bolo de Jesus ressuscitado (2,9). A missão produz fruto em proporção direta da presença de Jesus nela.

X III. Oatras cifras. Quando Jo quer evitar que se atri­bua valor simbólico às dfras, põe valor aproximado; 2,6: duas ou três medidas cada uma (uns cem litros); 6,19; vinte e cinco ou trinta estádios. Um dado pode ser geográfico: Betânia dista uns quinze estádios de Jerusalém (11,18),

mas esta proximidade tem sentido simbólico (-> Betânia Ilb ). Outras vezes, a repetição de uma cifra ( 6,7 : duzentos denârios; 21,8: duzentos côvados) serve para recordar cena passada, quando o fato que se narra tem relação com o an­terior, A cifra trezentos denârios, proposta por Judas como preço do perfume (12,5), recorda as trinta moedas de Zc11,12; cf, Mt 27,9; talvez aludam ao número três como símbolo de Jesus-Deus,

O b r a

Gr. ergofi [6]; erga, obras [21]; ergazomai, trabalhar[8],

I, Significado e uso. O termo ergon pode ter significado ativo (a realização de uma obra) ou passivo (a obra reali­zada).

No singular, existe uma "obra” que Jesus acaba ou a que dá remate t4,34;17,4; sentido passivo); outra obra que ele propõe à multidão da parte de Deus, e que equivale a manter a adesão a ele (16,29; sentido ativo). Nas demais passsa­gens, o sg. representa caso particular das obras que Jesus realiza (7,21;10,32.33).

No plural, “as obras" de Jesus têm sempre sentido pas­sivo (3,20.36;10,25.32.38;14,10.11.12;15,24).

. As obras de Jesus qualificam-se de “excelentes” (10, 32), por oposição às do mundo, que são “perversas” (7,7; cf. 3,Í9.20;8,41). Existe paralelo entre as obras (modo de agir) realizadas em união com Deus (3,21) e as obras de Deus, que Jesus e os seus realizam (9,3.4).

Sobre as obras de Abraão, — Abraão I.

Ergazomai, trabalhar, tem por sujeito o Pai e Jesus (5, 17), Jesus e os discípulos (9,4), o homem que se aproxima da lu2 (3,21); Jesus exorta o povo a trabalhar pelo pão que dura (6,27; cf, 6,28s); dada sua utilização para o tra­balho de Deus, tem sempre o sentido de trabalho criador que favorece a vida.

II, A obra de Deus. Referida a Jesus, “a obra" que Deus lhe encarrega de realizar é o acabamento (teleioô) em si mesmo do projeto criador: o Homem-Deus, Daí provém que as duas vezes que Jesus fala de “a obra" utilize o verbo “dar remate, acabar” (teleioô), implicando que a obra já está começada. De fato, “dar remate à obra de Deus” equi­vale à afirmação de Jesus: por eles me consagro a mim mesmo (17,19). O Pai o tinha consagrado (10,36) com o Espírito (1,32s); Jesus responde a essa obra de Eteus nele completando sua consagração ou seja atualizando toda capacidade divina de amar que é Espírito, com sua atividade

em favor do homem (4,34: realizando o desígnio; 17,4: manifestando a glória-amor do Pai); a obra ficará terminada na cruz (19,30), onde o seu amor até ao extremo (13,1) atualizará plenamente sua condição divina; a cruz será a ma­nifestação plena da glória do Pai (17,1) e o seu fruto será precisamente a entrega do Espírito (19,30), qus realizará no homem o desígnio divino (—> Criação II I) .

Em 6,29, “a obra de Deus/que Deus quer” e que Jesus propõe à multidão tem sentido ativo (6,28: trabalhar) e consiste na adesão constante à sua pessoa. O povo tinha per­guntado pelas obras de Deus (6,28; cf. 9,3), e a resposta de Jesus mostra que é impossível realizar as obras de Deus sem ter o amor de Deus, o Espírito, que se recebe por assi­milação dele (o pão da vida); esse é o sentido da adesão que lhes pede (-> Fé II) .

III. As obras de Jesus. São ações em favor do homem e são as próprias obras do Pai (5,17.36;10,14), pelas quais se realiza o seu desígnio: dar vida ao homem ( ^ Criação IV). Sobressai entre elas a cura do inválido (5,3ss), objeto de controvérsia (5,36), que se prolonga por muito tempo (7,21). As obras de Jesus são “excelentes” (10,32.33), adjetivo que as coloca na ordem da obra criadora (Gn 1, 31). Este adjetivo (kaíos) é o mesmo que se aplica a Jesus, o pastor-“modelo" (10,11.14) que, com sua entrega, realiza a obra criadora (19,30: Fica terminado), e ao vinho de Caná (2,10: o vinho de qualidade), o Espírito entregue por Jesus (19,30), que a realiza no homem, comunicando-lhe o amor que lhe dá a vida definitiva (-> Espírito Vb).

As obras de Jesus são o testemunho do Pai em favor dele (5,36;10,33); por elas se chega à fé em que Jesus é o enviado de Deus (10,35; 14,11). Não fazer caso dessas obras como testemunho delata situação de pecado (15,24). Consistindo as obras em ações que dão ao homem força/li- berdade/plenítude de vida, quem conhecer o Pai ( = Deus que por amor comunica vida) haverá de reconhecer sua ação nestas obras (5,37); quem não as reconhece, não conhece o Pai nem conserva sua mensagem (ibd,). As obras de Jesus são “sinais” (—> Sinal I),

IV. As obras dos discípulos. Realizar o desígnio de Deus nos homens (dar vida, comunicar o Espírito) é o alimento de Jesus (4,34), ou seja, vai acabando nele a obra do que o enviou, o projeto criador (o Homem-Deus; Criação III,IV ); o homem, por sua vez, deve trabalhar ( — a adesão ativa e contínua a Jesus pela entrega de si mesmo aos outros) a fim de obter este alimento (o Espírito) (6,27), com o qual poderá amar como Jesus amou e realizar por sua vez em si mesmo o projeto criador (ser filho de Deus; Filho III) .

Por isso as obras dos discípulos são as mesmas que as de Jesus (9,4: Temos que trabalhar realizando as obras do que me mandou). A situação em que os homens se encon­tram deve estimular os discípulos a realizarem com Jesus obras que manifestem o amor de Deus para com o homem. Essas obras só se podem realizar enquanto Jesus está pre­sente com eles (9,4: enquanto ê de dia); o caso contrário se encena na pesca, onde os discípulos trabalham de noite, sem a presença de Jesus, e o trabalho é infrutuoso (21,3; —>■ LuzIV ). A adesão a Jesus permitirá ao discípulo realizar obras como as suas e ainda maiores (14,12); isso prova que não se trata de “sinais portentosos” (4,48), mas do trabalho pela libertação e vida do homem (-» Fruto II,H I).

V. As obras do mundo. EHante das obras do Pai em favor do homem, Jesus denuncia “as obras do mundo”, qualificadas de “perversas” (7,7: que o seu modo de agir é perverso), próprias de todos os que não se aproximam da luz para que não se lhe lancem em rosto suas ações (3,19) (—5’Luz III; Trevas II I) . São as obras do Perverso (17,15), do Inimigo assassino e mentiroso (8,44: as obras de vosso pai), que personifica a ambição de riqueza e glória (-?• Inimigo II) . “As obras perversas” consistem, pois, no homicídio e na mentira, conduta dos que buscam a glória humana em vez da glória de Deus (5,41-44;7,18: sua pró­pria glória; 12,43) (-> Glória V).

Já antes de conhecer Jesus, o homem pode agir de acordo com o desígnio de Deus (3,21: praticar a lealdade — o amor leal) ou contrariamente a ele (3,20: agir com baixeza). Esta atitude e conduta prévia são as que decidem

sua opção diante da luz: aproximação ou ódío. A atitude e conduta positiva que leva à adesão a Jesus expressa-se tam­bém como “escutar o Pai e aprender dele” (6,45), ou “que­rer realizar o seu desígnio” (7,17) {—> Verdade IIc).

O v elh a s

Pastor.

Pa i

Gr. paíêr, aplicado a Deus [126]; a Abraão [2]; a Jacó [1]; aos patriarcas [5]; a um homem [1]; ao Ini­migo [2}.

I, Uso e significado. O termo “pai” define-se por sua relação a “fiíbo”. Usa-se no sentido genealógico, de Abraão (8,39.56); Jacó (4,12), dos patriarcas ou antepassados dos samaritanos (4,20) ou judeus (6,31.49.58 ;7,22) (-> Abraão I) ,

Em sentido proverbial, de pai típico, aplica-se a Deus em 1,14;5,19. Uma vez se fala de pai humano (4,53) a fim de denotar relação particular com o filho (—>■ Messias Vb).

A relação paí-fílho não se funda exclusivamente neste evangelho na existência dada-recebida, mas na identidade de conduta; o pai ensina ao filho tudo o que ele faz (5,19), e o filho demonstra sê-lo com sua atividade igual à do pai. Neste último sentido, usa-se referido a Deus (5,20ss), mas também a Abraão (8,39) e ao “Inimigo” (8,44; cf. 8,41) (—>■ Inimigo II) .

II. Deus Pai. a) O apelativo “Pai”, aphcado a Deus, é a reinterpretação de “Deus criador” (nunca neste evange­lho). Segundo Jo, o projeto criador sobre o homem não se esgota na idéia de imagem, mas termina e fica acabado na idéia de “Filho”: o Deus criador é o Pai que, comunicando o seu Espírito, infunde sua própria vida.

Em sentido proverbial, Jo caracteriza o pai em relação com seu filho único como aquele que lhe comunica a pleni­tude de sua riqueza e esplendor (1,14: a glória), fazendo-o, portanto, igual a si. O princípio aplica-se imediatamente a Deus era relação a Jesus, a Palavra feita homera. O Pai é então o protótipo do amor generoso e fiel (1,14: charís kai alêtheia), criador de igualdade. Por meio de Jesus, comuni­cará sua riqueza aos outros homens (17,22).

Todo conceito de Deus que não corresponda ao de Pai, tal como se expressou em Jesus, é falso (17,3: O único

Detií verdadeiro; 20,17: Fara o meu Pai, que é vosso Pai, meu Deus e vosso Deus).

b) O apelativo “Pai” transfere a idéia de Deus do âtn- bito do templo para o da família (cf. 4,53; 12,3; 14,2: o lar do Pai). A unidade (17,21-23: que sejam todos um etc.) (-» Unidade II I) , que constitui o termo final do desígnio criador (~> Criação Ve), expressa-se em termos de consti­tuição de família. Depois de ter apresentado o primeiro ca­sal da nova criaçlo, Jesus ressuscitado e Maria Madalena, figura da comunidade ( Mulher IV ), mendonam-se o Pai e os irmãos (20,17). É o Pai o princípio de unidade de toda sua obra, a nova família, e seu ponto de chegada (20, 17).

Tirando Deus do âmbito do sacro, muda o caráter do culto. Jesus, o Homem-Filho de Deus, é o novo santuário, o único em que habita a glória ( 1,14;2,19.21). Eliminam-se os templos (4,21) e muda o culto ritual a Deus pelo culto ao Pai com Espírito e lealdade (4,23-24), que eqüivale à prática do amor leal para com o homem, secundando o dina­mismo do Espírito ( ^ Espírito II, Vd; Templo IV ), fazen­do-se assitn semelhante a Deus, que é Espírito (4,24).

A paternidade de Deus cria comunidade imiversal, eli­minando o particularismo étnico que reconhecia como pai a Jacó (4,12) e a Abraão (8,38.40.42; cf. 8,56: Abraão, o vosso pai).

III. O Pai e o Filho, a) O Pai é Deus que por amor comunica a Jesus tudo o que possui, fazendo-o o seu herdeiro universal, em cujas mãos tudo ele pôs (3,35;13,3): comuni­cou-lhe sua própria vída e a faculdade de dar vida (5,21.26) a todo homem (17,2); também lhe delegou a faculdade de dar vida (5,21.26) a todo homem (17,2); também lhe dele­gou a faculdade de dar sentença (5,27; Juízo Ila) e lhe ensina o critério para dá-la (3,30); ensina-lhe o que ele mesmo faz (5,19-20); assim as obras de Jesus são as do Pai (5,17.36;10,37s) e por meio delas o próprio Pai dá testemunho de que Jesus é o seu enviado (5,32.36s); en­carrega-o também do que tem que dizer e falar (12,50): assim Jesus transmite exatamente a verdade que ouviu do

Paí (8.38.40) e sua doutrina não é sua, mas do que o en­viou (7,16).

O Pai faz de Jesus o seu Filho unico (3,16), o Deus gerado (1,18), comunicando-lhe a plenitude do seu Espírito, que é sua riqueza e glória (l,32s) (-^ Espírito III; Glória III; Filho II) .

Existe desta forma perfeita unidade e mutua identidade entre o Pai e Jesus (10,30.38;14,10,ll;17,llb,21,22), total comunhão de bens (17,10), unidade de desígnío (5,30;6,38) e de ação (3,17,36;9,4;10,23.37s) ( ^ Obra II I) . Esta união faz de Jesus a presença do Pai no mundo (12,45; 14,9: ver a Jesus é ver ao Pai), o seu santuário (1,14;2,19.21). A pes­soa e atividade de Jesus são a explicação do que é o Pai, ele é sua única manifestação plena (1,18).

Por isso não se pode separar o Pai de Jesus: honrar a Jesus é honrar ao Paí (5,23) e odiar a Jesus é odiar ao Pai(15,23). É a atividade de Jesus (5,17; 15,24) que faz pre­sente o amor do Pai para com o homem, é ela que provoca uma ou outra reação: a atitude diante do homem determina, portanto, a atitude diante de Deus.

b ) Deus, o Pai, consagra Jesus para a sua missão (10,36) por meio do Espírito; o Filho é assim o Messias (cf. a alusão a I>avi em l,32s) (-» Espírito III; Messias Illa ), o Filho de Deus (1,34). Expressa-se de maneira equivalente com a metáfora de “pôr o selo” sobre Jesus enquanto é o modelo de Homem (6,27). Na missão messiânica, que cuhni- na com a morte de Jesus, o Pai não o deixa sÓ (16,32; cf,8,29); e mais: o Pai marúfesta a glória do Filho particular­mente em sua morte (17,1.4),

A missão messiânica conferida pelo Pai expressa-se tam­bém na forma de “mandamentos" ou ordens dadas pelo Pai a Jesus. O primeiro se refere à sua pessoa: Eu enírego a minha vida e assim a recupero ... Estâ em minhas mãos en­tregá-la e estâ em minhas mãos recuperá-la. Este é o manda­mento que recehi de meu Pai (10,17s). “Entregar a vida" significa o contínuo dom de si mesmo, que culminará com a morte; eqüivale à prática do amor sem limites, como o do Pai, completando assim a consagração messiânica recebida

(17,19); é a resposta <Je Jesus até ao final ao dinamismo do Espírito, o itinerário de Jesus para Deus (13,3), o Pai ( 14, 28). O seu ato final e total de amor na cruz é o seu encontro: Jesus manifesta na sua morte um amor igual ao do Pai. Existe o projeto realizado: o Homem-Deus, novo Adão que dá começo à humanidade nova (-->■ Criação III, IV ).

O segundo “mandamento” ou encargo recebido por Je­sus tem como termo os bomens; O Pai que me enviou ele mesmo deixou mandado o que tinha que dizer e que pro­por, e sei que o seu mandamento significa vida definitiva (12,49s). Este mandamento encerra “a doutrina que não é sua, mas do Pai” (7,16.17; cf. 8,28), a mensagem que é do Pai (14,23s), os “seus mandamentos”, que correspondem aos “mandamentos” do Paí a Jesus (13,9s). É a mensagem de um amor pelo homem Igual ao seu, o convite a entre­gar-se como ele se entregou (cf. 13,14) (-> Discípulo V II).

“O mandamento” do Pai a Jesus sobre o que tem que fazer tealiza plenamente em Jesus o projeto sobre o bomem (19,30: Fica terminado); o mandamento sobre o que tem que propor convida os homens a realizá-lo (12,50: significa vida definitiva) (-> Mandamento II) . São as exigências que Jesus propõe, com as quais o Pai realiza suas obras (14,10).

O Pai, por amor, tudo põe nas mãos de Jesus (3,34) e lhe ensina tudo o que faz (3,20); diante da resposta de Jesus, demonstra-lhe o seu amor continuamente (10,18). Jesus experimenta continuamente o amor do Paí (15,12: Mantenho-me no seu amor). Expressa-se nestes termos a co­municação contínua do Espírito-amor.

IV. O Pai e a humanidade. O Pai ama a humanidade e a prova máxima desse amor é o dom do Filho único (3,16) (“ Abraão II) . Ensina ao homem a aproxÍmar-se de Jesus (6,45) fomentando nele a aspiração à vida contida no seu projeto criador, de que o homem é realização que tende à plenitude (cf. 7,17) (-» Vida Ild ).

Os que respondem ao chamado do Pai dão sua adesão a Jesus e o Paí lhos entrega (6,37), tirando-os do mundo in­justo (17,6), para dar-lhes vida definitiva (6,38-40) com o dom do Espírito (-> Espírito Vb; Ressurreição II I) .

A união dos discípulos com o Pai faz-se através de Jesus, em quem o Pai está presente (14,20). O Pai quer bem aos discípulos, porque eles querem bem a Jesus e crêem que ele o enviou (16,27); isso faz com que a petição dos discípulos, unidos a Jesus, diríja-se diretamente ao Paí (16,26). Aquele que demonstra amor para cora Jesus cumprindo sua mensagem, o Pai Ibe demonstra o seu amor, estabele­cendo sua morada, com Jesus e em Jesus, no discípulo (14, 23). A presença de Deus e de sua glória, que faz de Jesus seu santuário (2,19.21), comunica-se assim à comunidade(17,22) e a cada um de seus membros (14,23).

Palavra

Gr. logos, palavra, projeto formulado (lat. ratw), dis­curso, dito, mensagem [40],

I. No prólogo. O logos tem no prólogo de Jo sentido complexo que abarca os diversos aspectos do termo grego;a) Palavra-projeto formulado. A Palavra existia antes do princípio da criação; dirigia-se a Deus porque formulava o projeto que Deus se dizia a si mesmo (1,1; identificação /ogtJí/palavras-JopiÃííí/projeto; cf. Pr 8,22-24.27; Eclo 1,1, 4-6.9; Sb 8,4;9,1,9; SI 104,24 LXX e Gn 1,1, segundo Targum Jerus. II e Neophiti). O projeto de Deus dizia respeito era particular à criação do horaem, ao qual, pela comunicação plena de sua própria vida, pretendia dar con­dição divina (cf. 17,24); por ísso, a Palavra era Deus, ou seja, um Deus era o projeto (1,1c).

b) Palavra efkaz, criadora. A palavra não setá apenas a expressão do projeto, mas o veículo eficaz da vontade cria­dora de Deus: por ísso mediante ela existiu tudo, e sem ela não existiu coisa alguma do que existe (1,3s),

c) Pdavra expressiva. O projeto, formulado em Palavra, manifesta o ser de Deus, o seu amor para com o homem.

d ) Palavra comunicativa. A vida, conteúdo do projeto(1,4), dá-se a conhecer como luz que brilha (1,5); ao mes­mo tempo, comunica-se como luz que se difunde e ilumina(1,9). Por ser Palavra que interpela, é a mensagem que ma­

H - Vocabulário...

nifesta a vontade de comunhão de Deus com o homem {1, 9.10.11.12).

e) Palavra normativa. Por ser o projeto a expressão da vontade criadora de Deus, a aspiração a realízá-lo, atingindo a plenitude de vida nele contida, toma-se norma para os ho­mens. Esta palavra corresponderá ao mandamento de Jesus (13,34).

É essa a Palavra que se torna realidade humana (1,14). Jesus assume assim todos os aspectos desta Palavra; ao longo do evangelho, em que Jo expMca o significado da pessoa e atividade de Jesus, vai-se diferenciando em temas comple­mentares:

Jesus, como projeto realizado, que possui a plenitude da vida, é o Homem (o Filho do homem/a expressão suprema do homem) e o Filho de Deus (1,34.51), expressão de Deus, como um filho o é do seu pai (1,14).

Como expressão do projeto de Deus sobre o homem, é a Verdade acerca de Deus (revelando o seu amor para com o homem) e acerca do homem mesmo (revelando a meta que Deus lhe propõe). Torna-se assim norma de com­portamento para o homem (13,34: Como eu vos tenho amado...}.

Como Palavra criadora eficaz, que dispõe da vida e a comunica (5,26), é o doador do Espírito (1,33), que dá a capacidade de fazer-se filhos de Deus (1,12).

Como Palavra que manifesta o ser de Deus, é a ex­pressão de sua intimidade que quer comunicar-se: a mani­festação da glória-amor do Pai, que leva à unidade e co­munhão com ele (17,22; cf. 1,18).

H. No corpo do evangelho, a) Logos-palavra. Usa-se no senddo de palavra ou dito, referindo-se ao seu caráter oral e quase sempre em sentido anafórico: palavras de Jesus (2,22;4,50;6,60;7,36.40 pl.;10,I9 pl.; 15,20a;19,8.32); di­tos ou palavras de Isaías (12,38) ou da Lei (15,25); dos Ju­deus (19,8.13); as que a samaritana diz aos seus conterrâ­neos (4,39); um refrão (4,37); a palavra que Deus dirige aos homens, tal como se acha consignada na Lei (10,35).

b) Logos-mensagem. Existia na antiga revelação um lo-

gos OU mensagem do Pai, que os dirigentes judeus não tinham cotiservado por terem sido infiéis à aliança (3,37s); essa infidelidade eqüivale a “não conhecer a Eteus” (8,55), por buscarem o lucro e praticarem o assassínio e a opressão (Jr 22,15-17; Os 4,ls; Jo 8,44). Este logos único con­trasta com as dez palavras ou mandamentos (Dt 10,4: hot ãeka logoi) da Lei e nele consiste a verdadeira mensagem e mandamento de Deus como Pai: é o amor e a lealdade que inspirou a antiga aliança (Ex 34,6; cf. Jo 1,14) e que, antes dela, levou Deus a escolher os patriarcas e a libertar o povo da escravidão (Dt 4,37;7,7s;10,13). É a verdade de Deus (Jo 17,17), o vinho que faíta em Caná (2,3).

Ê mensagem que é preciso cumprir, como a cumpre Jesus (8,55) e os seus discípulos (17,6: Vêm cumprindo tua mensagem); praclama-se, portanto, com as obras mais do que com as palavras; transmite-se nas palavras e manda­mentos de Jesus (14,24; cf. 14,21;17,14), dos quais é protódpo o seu mandamento novo (13,34; 15,12.17; —> Man­damento II I) . E mais: esta mensagem (logos) do amor de Deus é que se faz realidade humana em Jesus, ao receber do Pai a plenitude do amor e lealdade (1,14); daí o fato de sua obra ser a comunicação desse amor e lealdade, por opo­sição à Lei de Moisés (1,17), e o fato de sua pessoa tomar o lugar da antiga Escritura e Lei, por ser o amor demons­trado na cruz o código da nova aliança (19,19) (— EscrituraII I) . Na carne/humanidade de Jesus expressa-se o próprío Deus, como notícia para os homens (1,14.18). Por isso a esta Palavra-mensagem não só se ouve, mas se vê (1,14: Temos contemplado; 6,40: o que reconhecejvê o Filho). O seu conteúdo e significado, o amor do Pai (1,14) é o seu Espírito (1,23), o próprio Deus como força de vida(5,26) que se comunica. Por ísso, ver Jesus é ver o Pai (12,45;14,9). ^

Se Jesus é a presença do amor do Pai, tal é também o conteúdo de suas palavras e de sua mensagem, que expli­cam sua própria pessoa e vida (14,23.24). São palavra efi­caz, que não transmite só conhecimento, mas força, e por isso suas exigências são Espírito e vida (6,63) (-^ Manda­mento V).

c) Jesus conhece o Pai (1,18;8,55b) e cumpre a sua mensagem (8,55b), ou seja, atém-se em sua conduta ao di­namismo do amor do Pai (o Espírito) que constitui o seu ser e a sua atividade (dar vida; 5,21.26), tornando visível a atividade de Deus em favor do homem (5,5*17); e assím é a explicação do Pai (1,18).

A incapacidade de “os Judeus” reconhecerem em Jesus o enviado de Deus prova que não conservam a mensagem de Deus (5,37.38), e a razão é que não possuem o amor de Deus (5,42ss). Por terem por pai (inspirador e origem de sua conduta) o princípio de assassínio e de mentira, não são filhos do Pai; por isso querem matar Jesus (8,44) e não podem ouvir sua mensagem, que exige a opção pelo bem do homem (8,37.43); pelo contrário, vigiam-no de modo hos- tü (15,20). _

d) Aceitar a mensagem de Jesus eqüivale a aceitar suapessoa como presença do amor de Deus e dar-lhe adesão, e os que assím fazem recebem dele a vída (5,24) que supera a morte (8,51). Por isso, entregar aos seus a mensagem do Pai (17,14) está em paralelo com entregar-lhes a glória do Pai (17,22). Trata-se em ambos os casos da comunicação da mesma realidade sob aspectos distintos: no primeiro caso, entrega-se o amor como objeto de testemunho e proclamação; no segundo, como realidade que resplandece e se manifesta na comunidade. A aceitação da mensagem leva, pois, neces­sariamente consigo a comunicação da presença divina (14,23). ^

Assim, a mensagem é como o âmbito dentro do qual é preciso manter-se (8,31: ater-se = manter-se em, gr. menô), exatamente como Jesus é o âmbito em que é preciso perma­necer (15,4ss: menô), o que significa permanecer no seu amor (15,9: menô). A mensagem assim recebida consagra como unção que penetra no homem (17,17), fazendo-o se­melhante a Jesus, “o Consagrado” (10,36; cf. 6,69) pelo Espírito (l,32s), que se identifica com a glória-amor leal. Aceitar a mensagem é receber a consagração (17,17), fór­mula equivalente a ser batizado com Espírito Santo ( — santo e santificador, consagrador) (1,34).

e) A realização viva da mensagem é Jesus na cruz.

onde se manifesta a presença de Deus que ama até ao es­tremo e o ideal do homem, que responde ao amor de Deus fazendo-o visível com o seu amor até à morte; esta mensa­gem será o que separará os homens: diante da cruz de Jesus os homens farão sua opção ineludível a favor ou contra o amor (12,48); (->■ Escatologia Ic; Juízo III; Lei II I) .

Aceitar sua mensagem de amor significa aceitar Jesus, que em sua morte se entrega como dom à humanidade e fazer dessa entrega a norma da própria vida. Isso sigtiifica comer sua carne e beber seu sangue; é a mensagem que a muitos discípulos parece insuportável (6,60). Contudo, so­mente essa mensagem e exigência é que íaz com que se conheça a Deus e ao homem (a verdade) e dá a este a li­berdade (8,31s). A mensagem assim recebida purifica o ho­mem (15,3), pois ehmina dele o pecado, a cumplicidade com a injustiça (— Pecado V).

f) Assim como a mensagem do Pai faz-se mensagem de Jesus (14,24), também faz-se mensagem dos discípulos(17,20), à medida que estes viverem no amor e secunda­rem em sua atividade o impulso do Espírito, pois a mensa­gem é testemunho de vida (cf. 17,6: cumprir a njensagem) (-> Testemunho V II).

PÁSCOA

Festa I-IV; Hora III; Pastor Ille .

Pastor

Gr. poimên [6]; poimainô, pastorear [1]; poimnê, re­banho [1]; boskô, apascentar [2J; probaton, ovelha [17]; arnion, cordeiro [ Ij; nomê, pasto [1],

I. A metáfora do pastor e das ovelhas. “Pastor” e “ove­lhas”, o coletivo “rebanho”, são termos correlativos. Tanto “pastor” como o verbo “pastorear” pertencem à Unguagem tradicional e designavam os chefes e sua função com respeito ao povo (ovelhas, rebanho). No AT, “pastor” se diz de

Deus (Gn 48,15;49,24; SI 23,1;28,9;80,2; Is 40,10s; Jr 23,3;31,10; Ez 34,11-22) e dos chefes (2Sm 7,7; Is 56,11; Jr 2,8;3,15;10,21;22,22;23,l-4;50,6: Zc 10,3;ll,4-6.16s; 13,7). Designa particularmente Davi (SI 78,70s), e o futuro Davi ou rei que Deus enviaria para tirar as ovelhas da si­tuação em que se encontravam (Ez 34,23s; c£, Jr 23,5;30,9). A denúncia profética contra os maus pastores aparece espe­cialmente em Jr 23,Iss e Ez 34,lss. Em Salmos de Salomão 17,40 é o Messias que vai pastorear o rebanho de Deus (c£. SI 2,9). "O pastor” é, pois, maneira de designar o Messias.

Como o termo “rei”, o de “pastor” adquirirá nos lá­bios de Jesus conteúdo distinto do tradicional.

II. O fio condutor pãstor-ovelhas. Ao longo do evange­lho, o tema do pastor e das ovelhas constitui o fio condutor que reaparece periodicamente no relato, ainda que de di­versas maneiras,

a) O tema n o relato evangélico. Na primeira páscoa (2,13ss), Jesus realiza uma ação profética no templo, expul­sando as ovelhas e os bois; são figura do povo oprimido pela instituição, como o mostra o resto do evangelho.

Em 5,2 reaparecerá o tema das ovelhas na localização da piscina, “em/junto à Ovelheíra”, que relaciona a multidão de enfermos que jazem nos pórticos (5,3, alusão ao templo) com as ovelhas expulsas do templo (2,14.15); a explícita menção deste se encontra em 5,14; quando Jesus encontra ali o inválido curado, avisa-o que não peque mais, ou seja, que saia da instituição representada pelo templo Peca­do IV),

O tema encontra-se desenvolvido na denúncia dos diri­gentes feita por Jesus depois da expulsão do cego curado (9,39-10,21). As ovelhas representam o povo e se menciona pela primeira vez a figura do pastor (10,2.11.12.14.16), contraposta à dos dirigentes contemporâneos. Nunca aparece a designação de “maus pastores” para os dirigentes do povo, mas são designados por Jesus com os epítetos de “ladrões e bandidos” (10,1.8.10), como usurpadores sem nenhum di­reito ao cargo que ocupam. O tema do templo corrompido,

em relação com o das ovelhas, reconhece-se na menção do “átrio” (10,1; cf, 5,3: os pórticos).

O tema pastof-ovelhas apatece implicitamente na cena da primeira negação de Pedro (18,15-18), enlaçada com 10,1 pela menção do “átrio”, aplicado agora ao palácio do sumo sacerdote, símbolo, como o templo, da instituição judaica (— Inimigo III) . Pedro, que deveria entrar com o outro discípulo, para dar sua vida com Jesus, o pastor, nega-se a fazê-lo e declara não ser discípulo.

O tema completa-se em 24,15-19, onde a missão dí) comunidade e do discípulo descreve-se em termos de pasto­reio. Com suas três perguntas, Jesus faz Pedro corrigir-se de ter-se negado a segui-lo, convidando-o a mostrar-lhe o seu amor dando a vida pelas ovelhas. Este compromisso equivale a seguir a Jesus (21,19) (—> Pedro Ille ).

b) Traços e missão do pastor. Á figura do pastor tem três traços fundamentais: entra pela porta porque é reco­nhecido o seu direito (10,2s), tem suas próprias ovelhas(10,3.12), e, finalmente, entrega-se por elas. Jesus é o pas­tor por excelência, o modelo de pastor (10,11.14); enquanto tal caracteriza-o sua entrega pelas ovelhas e o vínculo de in­timidade que as une entre si e com ele (cf. 10,3; chama-as pelo seu nome), equiparável ao que o une com o Pai (10, 14-15). Todos estes traços fazem com que seja Jesus o úníco pastor (10,16: cf. Ez 34,23;37,24) e, de fato, Jo não aplica este termo a nenhum outro.

O objetivo do pastor é tírar as ovelhas/povo da ins­tituição que as oprime (10,3-4), representada pelo átrio do templo (10,1), onde é explorado e sacrificado pelos ladrões(10,10). O pastor chama todas as ovelhas, convidando-as a sair; as que escutam sua voz são “as suas** e o seguem para fora (10,3-4). Nesta missão arrisca sua vida e a dá volimta- riamente (10,18). Em contraste com o ladrão que dá morte, o pastor lhes dá vida abundante (10,10).

c) O 7astor-Mesúas. A união do pastor-ovelbas com os do templo e o Messias aparece em 10,22ss, Liga, pois, o tema do pastor com o da realeza de Jesus. Assim como “o rei de Israel” ou o “rei dos judeus” é "o homem que morre pelo povo” (11,50, com alusão a Davi; 18,14; cf, 11,50:

heis anthrôpos; 10,16; heis poimên; 12,32,34), assim tam­bém o pastor-modelo é o que se entrega pelas ovelhas (10,11.15), Ao se proclamar “o pastor-modelo’', Jesus está, portanto, afirmando ser o Messias, o novo Daví prometido (Ez 34.23s; cf. 37,24; Jr 23,5;30,9), e indicando a exce­lência de sua toissão com respeito às das personagens do passado,

III. Â missão em termos de pastoreio. Valendo-se da imagem do pastor e das ovelhas, Jesus descreve e sintetiza os diversos aspectos de sua missão. Ajudará a compreendê-lo estabelecer as equivalêndas com outras experiências do evan­gelho:

a) O Pastor (10,2,11.15), figura que alude ao novo Davi (v, supra I; cf. 18,3.7; 19,19: o Nazareno), é o rei dos Judeus (18,33,39; 19,19), o rei de Israel (1,49;12,13), o Messias Filho de Deus (cf. 1,34.41,45,49;2,16: meu Pai; 4,25s; 10,24.36; 12,34), o Homem levantado ao alto 12,23. 32.34), a luz do mundo (8,12).

b) As ovelhas (2,14s;5,2;10,lss) são o povo em geral representado pela multidão de enfermos da piscina (5,3; cf, 5,2: junto ãa Ovelheira), os mortos chamados à vida (5,25); os que escutam sua voz tornam-se “suas ovelhas” (10,3,14): são os discípulos, “o que o Pai lhe entregou” (10,29; cf, 6, 37,39;17,2,9,11.12,24).

c) Como Messias, realizará o êxodo definitivo, que o pastor efetua fazendo sair suas ovelhas do âmbito da insti­tuição (10,3s), representada pelo átrio (10,1) do templo, onde se sacrificam as ovelhas (10,10) ou, pelo seu equiva­lente, o átrio do sumo sacerdote (18,15), suprema autori­dade da instituição. Eqüivalem a estes termos “os pórticos” da piscina {em paralelo com os do templo; cf. 10,23) e o próprio templo (5,14; cf, 2,15;8,12), Estes termos insti­tucionais eqüivalem a outro mais geral, “o mundo”, de que Jesus tira os seus (15,19; cf. 17,6) e a que nem Jesus nem os seus pertencem (8,23;15,19;17,14,16); é o lugar onde reinam “as trevas”, a ideologia que oculta e tenta apagar a luz da vida (cf, 8,12: Jesus, a luz, no templo, âmbito das trevas), e dominado pelo círculo de poder judaico que com-

bina matá-lo (11,53). Os seus membros são os ladrões e bandidos (10,1.8,10). A missão de Tesus, descrita nestes ter­mos, consiste em “tirar”, convidando o povo a sair da insti­tuição que o explora e o priva de vida e oferecendo-lhe mna alternativa.

d) Jesus descreve sua alternativa sob a figura de “a porta”; esta, por oposição ao “átrio”, não encerra: quem entra por ela encontra liberdade ( entrar e sair ), e o alimento(10,9), o pão da vida, que é o próprio Jesus (6,35), É a alternativa da vida (5,24: passar da morte à vida; 10,10: para que tenham vida e a tenham em abundância). Em outros termos, o ponto de partida do êxodo é o mundo submetido ao pecado, ou seja, a escravidão causada pela submissão vo­luntária ao sistema opressor, renunciando à plenitude contida no projeto criador ( 1,29 ) ; em concreto, é a instituição que domina o território judaico, que Jesus abandona para realizar o seu êxodo (6,1; cf. 20,19: por medo dos dirigentes judeus). O ponto de chegada é “a terra” (6,21;21,8.9,11 ), que, por alusão, identifica-se com a nova terra prometida ( Discípulo IXa ) ; esta representa a sua comunidade, onde Jesus infunde o espírito {20,22; cf, 1,33: batizar com Es­pirito Santo) criando assim o homem-espírito (3,6;7,39) que possui o amor e a lealdade (1,17); é a comunidade dos nascidos de Deus (1,13), capazes de fazer-se filhos de Deus(1,12) e, portanto, os que, pela prática do amor e a expe­riência da vida, que é a verdade, são livres (8,31s.36) e adultos {6,10;9,21.23; cf. 21,11). O lugar simbólico da comunidade é Betânia (-> Betânia II) ,

e) O pastor levará a cabo sua missão entregando-se pelas ovelhas (10,11.15), dando a vida voluntariamente por elas (10,17s); será o Homem levantado ao alto (3,14s;8, 28; 12,32.34), que dará assim testemunho da verdade (18,37) sobre Deus, mostrando todo o alcance do seu amor, e sobre o homem, mostrando o projeto do amor de Deus so­bre ele. Sua morte será a do Cordeiro de Deus ( 1,29), que é alimento do novo êxodo e inaugura a festa definitiva (a nova Páscoa), libertando com o seu sangue da morte (19, 29; o hissopo).

f) A comunidade conseqüente é o único rebanho com

O Único pastor (10,16), unido a eles pelo conhecimento ín­timo e a identificação (10,15s), comparável com a que tem Jesus com o Paí (10,15s); é o vínculo da amizade com os seus (15,14s), que exclui toda superioridade (13,4-5). Isso se expressa também pela metáfora “estar onde está ele”, ou seja, participar da condição de filhos ( 12,26;14,3;17,24) e contemplar a sua gl6rÍa-amor (17,24; cf. 1,14), participando dela (17,22; cf. 1,16.17); é a mesma coisa que “vê-lo”, ou seja, experimentar sua presença, por participar de sua pró­pria vida (14,19), o Espírito (7,37-39; 15,26;20,22). As­sim se forma a comunidade universal (19,23) que constitui a perfeita unidade (17,11.22.23.24: ser uno) (-> UnidadeII I) , o reino de Deus Deus II) .

g) Jesus, que envia os discípulos como o Pai o enviou (17,18;20,21) e que os consagra fazendo-os participar de sua consagração messiânica (17,17; Messias V I), os as­socia assim à sua missão de pastor: próprio do discípulo será, pois, entrar com Jesus no âmbito da instituição a fim de tirar dela as ovelhas (cf. 18,15: Entrou junto com ]esus no átrio do sumo sacerdote; Templo Ilbd), arriscando a vida no empreendimento (12,25).

Para ter acesso às ovelhas é preciso adotar a atitude de Jesus (10,7: a porta das ovelhas), estando disposto com ele a dar a vida por elas. É a única atitude legítima; quem não a üver, é ladrão e bandido (10,8), ou seja, explorador e homicida (cf. 8,44).

Associar-se à missão de Jesus, descrita como pastoreio (21,15-17: apascenta, pastoreia), é próprio de todo discípulo e eqüivale a segui-lo (21,19); este é precisamente o com­promisso que exige a eucaristia (21,15: Quando acabaram de almoçar; cf. 6,53). Na comunidade formada, que é um único rebanho, formada por homens de origem ética diversa (10,16; cf. 11,52), existe um só pastor, Jesus (10,16), com quem cada um dos membros da comunidade tem trato imediato (10,3: as chama pelo seu nome; 10,14: conheci­mento íntimo e mútuo), e a quem todos seguem porque co­nhecem sua voz (10,4).

Patriarcas

—> Abraão, .

Pecado .

Gr. hamartia [16]; hamartanô, pecar [3]; hamariôlos, pecador [4]; aãikia, injustiça (IJ.

I. Ujo dos termos. Note-se a freqüência do substantivo “pecado” em relação com o verbo (o caso contrário em pisteuô, crer, dar adesão, cujo substantivo, pistis, não apa­rece em Jo),

Hamartia no sing. pode indicar uma situação ( 1,29;8, 21;9,41bis;13,22bis;16,8.9) ou uma ação ou atividade (8, 34.46); no plural sempre indica açÕes determinadas (8,24bis; 9,34:20,23). _

O pecado como situação atribui-se a “o mundo”, a humanidade (1,29); aos dirigentes judeus, aos quais causará a morte (8,21); aos fariseus, por sua cegueira voluntária (9,41); aos representantes do "mundo”, como inescusável depois da atividade de Jesus (15,22.24), demonstrado na oposição a ele (16,9) e objeto da acusação do Espírito (16,8). ...................................

Como ação ou atividade atribui-se aos dirigentes e será causa de morte (duas vezes em 8,24); a eles se atribui a prática do pecado, cujo efeito é a condição de escravo (8,34); eles vêem nos pecados dos pais a causa da cegueira do homem curado por Jesus (9,34; nasceste no pecado, lit, “em pecado"; cf. SI 51,7); Fílatos comete pecado compara­tivamente menor do que o de “os Judeus” (19,11). “Os pecados” designam a conduta passada dos que são admitidos na comunidade (20,23). .

Hamartanô, pecar, tem por sujeito o inválido curado (5,14: Ntío peques mais) e se nega do cego e dos seus pais (9,2.3): significa opção má que produz a invalidez. Os diri­gentes não “pecam”, mas “têm pecado” (8,21;9,41) ou o praticam (8,34).

Hamartôlos, pecador, nos lábios dos dirigentes, designa o homem que não está de bem com Deus (9,16.24.25.31).

Adikia, injustiça, é equivalente de pecado, como aparece comparando-se 7,18; e nele não hâ injustiça, com 8,46: Quem de vós poderá lançar-me em rosto algum pecado?

II. O pecado do mundo. Existe “o pecado do mundo” anterior à vinda de Jesus, cuja missão é tirá-lo/eliminá-lo (1,29), batizando com Espírito Santo (1,33). Opôem-se assim a situação de pecado e a presença do Espírito: este é o principio da vida definitiva (3,6;6,63), que leva a termo a criação do homem, segundo o desígnio de Deus (1,4: Ela continha vida); o pecado, o seu contrário, é, portanto, opção que frustra o desígnio divino sobre o homem, privan­do-o da vida. O pecado cria assim uma situação de morte: o homem que faz essa opção condena-se cDm ela à morte. A debilidade/enfermidade (astheneia) própria da “carne” (-> Carne I) , cuja última conseqüência é a morte física, converte-se, pelo pecado, em outra enfermidade (5,5), que faz da morte física morte definitiva (—?■ Morte II I) . O êxo­do do Messias, tema implicado na denominação de “o Cor­deiro de Deus” (1,29), consistirá, portanto, em tirar o ho­mem da situação de morte causada pelo pecado, a fim de levá-lo à vida (5,24).

Este pecado que aflige a humanidade (o mundo) insi­nua-se no prólogo com a afirmação: O mundo não a reconhe­ceu (1,10), ou seja, não se deixou guiar pelo projeto divino sobre o homem nem colaborou com ele. Manifestação do pe­cado do mundo é o fato de “os seus” não acolherem a Jesus (1,11; cf. 4,44). Daí vem que a segunda menção do pecado se faça em rekção com “os Judeus” e seja uma exortação a sair dele, a fim de evitar a morte individual e coletíva (8, 21) .

II I. O pecado e os pecados, a) “O pecado” ou opção que frustra o projeto criador é feita pelo homem quando aprova os princípios (a ideologia/trevas, Trevas I, II I) que regem a ordem social injusta e quando a apóia integran­do-se nela. Isso eqüivale a “pertencer ao que é daqui de baixo”, a esfera fechada ao amor de Deus (-> Céu II) , ou a “esta ordem” (8,23), a estrutura social injusta (—>■ Mun­do II I) .

Nesta ordem social existem os dirigentes, círculo de po­der {"os Judeus”) e a massa dominada (5,3: uma multi­dão). Para se obter maior clareza, é preciso colocar “o peca­do” no conjunto simbólico usado por Jo para descrever a sociedade inimiga de Deus. Brevemente se pode resumir as­sim:

Há um grupo humano que tem por princípio inspira­dor (8,44: pai) o proveito pessoal (raiz do pecado), con­cretizado na ambição de riquezas (8,44: o Inimigo ~ o deus-dinheiro, cujo santuário é o Tesouro, 8,20; Inimi­go II) e de glória humana (4,44;7,18;12,43). Esse princípio se traduz numa ideologia que justifica a dominação e a ex­ploração dos outros ( 1,5;3,19;8,12;12,35: as trevas; 8,44: a mentira) ( ^ Trevas I) e se objetiva numa estrutura social (8,23;9,39; 12,25.31: esta ordem/o mundo) dirigida por um círculo de poder ( 12j31;14,30;16,ll: o chefe desta ordem/ do mundo) (—> Inimigo V), Com o ensino persuade o povo a dar adesão à ideologia e aos valores do sistema injusto que o priva da liberdade (7,26,49;12,34); com os seus meios coercitivos o mantêm no meio (7,13;9,22; cf, 8,44: homicida), A existência do sistema injusto depende, portan­to, da submissão voluntária do povo à ideologia e dominação dos dirigentes. Essa opção pelo sistema que o domina reduz o povo à situação de invalidez, como mortos em vida (5,3.21) (— Morte I I ): renunciaram a realizar o desígnio divino e se condenaram à morte definitiva (5,5.21,24,25).

b) “Os pecados” (8,24;20,23), açÕes iteradas, equiva­lem às obras perversas (3,19;7,7: o modo de agir perverso; cf, 17,13: o Perverso), ou a “as obras de vosso pai” (8,44: do Inimigo, obras inspiradas pelo afã de lucro, homicídio e mentira); também a "agir com baixeza” (3,20; 5,29: phaula prassein), oposto a “praticar a lealdade” ( = o amor leal,3,21), É de se notar a oposição entre 3,21: “o que pratica a lealdade (ho poiòn tên alêtheian) e 8,34: “o que pratica o pecado” (ho poiôn tên hamartian; “pecados” são, pois, açÕes contrárias às que o amor inspira ao homem, que se opõem ao seu bem (cf. 5,29: “os que praticaram o bem”, hoÍ ta agãthã poiêsantes), que causam dano ao homem. Concreti­za-se em enganá-lo com “a mentira” (8,44), despojá-lo dos

seus bens (10,1.8.10: ladrões) e privá-lo de vida (8,44: homicida; 10,10; sacrificar e destruir).

Quem “pratica o pecado” (a injustiça) reduz-se à con­dição de escravo (8,34). Rejeitando o Espírito, que dá a experiência do amor do Pai e da própria qualidade de filho, não conhece a verdade que os faz livres (8,32).

c) “O pecado”, a integração numa ordem injusta ado­tando como princípio Ínspiradoí o proveito pessoal e acei­tando a prática da injustiça, é a opção “constituinte” da so­lidariedade do mal, “o mundo/esta ordem”, que desdobra sua atividade na opressão e na mjustiça (os pecados).

A essa solidariedade no mal opÕe-se a solidariedade do bem, criada por Jesus: o seu princípio inspirador é o Espí­rito, o amor do Pai; a opção “constituinte” é “o manda­mento” de Jesus (13,34), que cria a solidariedade do amor centrada em Jesus, que desdobra sua atividade em “as obras do Pai” (9,3s), expressas em “os mandamentos” de Jesus (—>■ Mandamentos Ille ).

IV. O pecado dos dirigentes, a) “O pecado” dos diri­gentes é uma idolatria: substituíram o verdadeiro Deus pelo lucro (2,16); servem ao deus-dinheiro, que os faz homici­das e mentirosos (8,44; cf. 8,40,55). Jesus descreve em con­creto “os pecados” dos dirigentes, que derivam de sua ati­tude radical (“o pecado”): são ladrões e bandidos (10,1,8), ou seja, despojam o povo explorando-o economicamente (de­sejo de lucro: culto do deus-dinheiro) e usam da violência contra ele; mostram sua capacidade de dar morte na ma­neira como tratam as ovelhas (10,10); culminará na morte de Jesus e na perseguição aos discípulos (15,18ss;l6,1-3).

b) A exploração do povo faz-se através da instituição religiosa (10,1: átrio; 10,10: sacrificar), denunciada por Je­sus desde sua primeira atuação em Jerusalém (2,13ss). Por isso, ao encontrar o inválido curado por ele dentro do re­cinto do templo, ou seja, sem ter abandonado a instituição que o oprimia, Jesus o avisa que não peque mais, a fim de que não lhe aconteça algo de pior, a morte (5,15). Há oprimidos, porém, que não têm pecado, por não terem tido jamais a possibiÜdade de opção (9,2s: cego de nascimento;

Nascimento I I ).

c) Os fariseus são capazes de perceber que a atividade de Jesus é conforme ao desígnio de Deus (9,41: Se fósseis cegos, não terieis pecado), mas se opõem a ele, extraviando o povo: por isso o seu pecado persiste (9,41). “Os chefes”, conscientes da verdade de Jesus, não a confessam, para não pôr em perigo sua própria posição; assim provocam a ruína do povo ( 12,42s).

d) O Espírito lança em rosto ao mundo o seu pecado, que se manifesta em não se dar adesão a Jesus que liberta e dá vida ao homem (16,8s), As palavras e a atividade de Jesus puseram de manifesto a obstinação dos dirigentes no pecado, e o tornaram inescusável ( 15,22;9,41) e mostraram que o ódio a Jesus é ódio ao próprio Deus (15,24).

e) Na condenção de Jesus, “os Judeus” têm pecado maior do que o de Pilatos, pois este, para dar morte a Jesus, invoca sua própria autoridade e comete injustiça pessoal (19,11); eles, porém, que não têm essa autoridade e de mais a mais têm o mandamento explícito de “não matar” (18,31), querem dar-lhe morte por mãos do governador, invocando a sua Lei (19,7), e, com isso, atribuem ao próprio Deus a sua própria injustiça, fazendo-o cúmplice do seu crime. O seu pecado procede, de mais a maís, de sua má fé (9,41; 15,22.24); pretendem com ele conservar sua dominação so­bre o povo (11,48) e o arrastam à mína (8,21).

V. Sair do pecado, a) Para sair do pecado é preciso aceitar como Messias a Jesus (8,23; Se não crerdes que sou o que sou etc.), o que vai dar sua vida por amor ao homem (8,21; ir aonde ele vai), para estar onde ele está, na con­dição de filho de Deus (7,34) e pertencer “ao que é de cima”, a esfera de Deus oposta à ordem injusta (8,23). Requer, portanto, a opção e a atividade em favor do homem, pela qual se recebe o Espírito de Deus (8,31s; — Verdade I I c ) .

b) A comunidade de discípulos liberta dos seus peca­dos aquele que se aproxima para dar adesão a Jesus (20,23). Pelo fato de buscar a Jesus, esse homem já rompeu com “o pecado”, a adesão ao sistema injusto; “os seus pecados” são as injustiças a que o levou a pertença a ele. Sua ruptura.

porém, não será eficaz; enquanto não encontrar o grupo alter­nativo em que possa tornar-se independente do mundo in­justo e viver na atmosfera do amor: a comunidade, que lhe oferece essa alternativa, IÍberta-o da prática da injustiça; esta libertação fica selada por Deus (ficam livres) ao lhe ser con­cedido o Espírito, que lhe dá a experiência da vida e lhe assegura sua fidelidade ( Santo ).

Pelo contrário, os que rejeitam a mensagem de Jesus e se obstinam na sua injustiça, a comunidade, como o pró­prio Jesus (9,41), lhes declara a persistência do seu pe­cado (20,23: a quem os imputardes) e Deus confirma esse veredicto (ficar-lhe-ão impulados. Por se negarem a fazer caso do Filho Jamais saberão o que é vida, e a reprovação de Deus ficará sobre eles (3,36).

P edro

Gr. Simôn [1]; Simôn ho hyios lôannou [1]; Simôn lôannou [3]; Simôn Petros [17]; Petros [17]; Kephas [1],

I. Uso diferenciado dos apelativos. O nome próprio deste discípulo aparece sem acréscimo era 1,41: Simão. Este recebe duas espécies de especificação: Siraão, o filho de João (1,42) ou simplesmente Simão de João (21,15. 16.17), somente nos lábios de Jesus, e Simão Pedro (1,41; 6,8.68; 13,6.9.24.36; 18,10. 13.23; 20,2.6; 21,2.3.7.11. 15). Com a mesma freqüência que o composto “Simão Pedro” aparece o simples Pedro ( l,42.44;13,8.37;18,11.16bis,17. 18.26.27; 30,3,4 ;21,7.17.20.21), cujo original aramaico Kephas (Kephâ, pedra) é usado por Jesus ao íhe anunciar o sobrenome pelo qual será conhecido (1,42). Jesus nunca usa o apelativo “Pedro” para dirigir-se a este discípulo; o evangelista, porém, a partir do dito de Jesus, nunca omite o sobrenome,

II. Simão, o filho de João. A diferença entre este apa­rente patronímico e o consignado por Mt 16,17: Bariona (fJho de Jonas), unida ao fato de que os patroníraicos não costumam levar o artigo (cf. Is 1,1;2,1; Jr 1,2,3; Ez

1,3; Sf 1,1; Zc 1,1 e passitn; de mais a mais, Jo 1,45: filho de José), faz suspeitar que não se trate de verdadeiro patronímico, mas de denominação com que Jo indica al­guma característica de SimSo.

Analisando o texto, observa-se o seguinte;

a) O nome de João em 1,42 faz inclusão com o prin­cípio da perícope (1,35: De novo tinha se apresentado João com dois de seus discípulos) e com 1,40, onde se encontra a primeira menção de Simão Pedro (Vm dos que escutavam a João ... era André, o irmão de Simão Pedro).

b) A expressão semítica “filho de” tem significado muito diversos, entre os quais o de “adepto”, "discípulo”, “partidário” (—> Homem II) . Neste caso, a prévia menção de João e o significado semi tico da expressão "filho de” sugerem que Jesus caracteriza Simão como adepto/discípulo de João Batista.

c) A presença do artigo (o filho de João) confirma esta interpretação: uma vez que neste caso não eqüivale a vo- cativo (a fórmula tem função de predicado), a fórmula com artigo designaria fÜho único (cf. 1,34: ho hyios tou Theou), coisa impossível sendo irmão carnal de André (1,41: ton adelphon ton idion).

O artigo pode-se usar para indicar excelência (1,51: ho hyios tou anthrôpou, o Homem por excelência, o modelo de homem); segundo este uso, Jesus qualificaria Simão de “adepto entusiasta/por excelência de João”, A escolha da fór­mula ho hyios em vez de “o discípulo” pode ser devida a que Pedro, na realidade, não aprende de João (1,40: os que escutaram a João), somente é partidário acérrimo da ruptura que ele propõe.

ExpUca-se que o evangelista, uma vez estabelecido em1,42 o valor da fórmula, a simplifique em 21,15-17 (Simão de João).

n i. Significado do sobrenome, a) O aramaico kephã não é nome próprio, mas comum, e significa “pedra”, o mesmo que o grego petros (cf. 2Mc 1,16;4,41: pedras que se atiram). O sentido do sobrenome estará em relação com este significado.

Note-se de passagem que não se trata de mudança de nome, mas de sobrenome. Já se notou que Jesus contínua chamando exclusivamente “Simão” (21,15-17); mas, além disso, no AT, as fórmulas usadas para mudar o nome são explícitas e indicam substituição que Jesus não expressa (Gn 17,5: kai ou klêthêsetai eti to onoma sou Abram, dVestai to onoma sou Ahraam; cf, 17,15;32,29).

b) O significado do sobrenome se poderá deduzír das passagens em que o evangelista o usa só, sem acompanhá-lo de nome “Simão”. Pode-se afirmar que, nas cenas em que age Simão Pedro (o caso de 1,44 será considerado mais adiante), este é sempre introduzido com nome e sobrenome; quando, durante a cena, manifesta alguma atitude que não corrcsponde ao que Jesus espera dele, chama-o simplesmente de “Pedro”; se mais adiante, na mesma cena, corrige-se de alguma forma, volta a ser chamado de “Simão Pedro”.

Assim, em 13,6, Jesus aproxíma-se de “Simão Pedro” a fim de lavar-lhe os pés; “Pedro” (13,8: primeira menção de “Pedro” depois de 1,44), porém, opõe-se ao gesto de Jesus; no final, “Simão Pedro” cede (13,9).

Depois do anúncio que Jesus faz de sua partida (13,33), “Simão Pedro lhe pergunta aonde vai (13,36), mas, não aceitando o aviso que Jesus lhe dá, “Pedro” (13,37) ouve o anúncio de suas negações.

No horto, “Simão Pedro” saí em defesa de Jesus (18,10), mas este corta em seco a ação de “Pedro”, oposta ao desígnio do Pai (18,11).

O uso do sobrenome aparece concentrado nas cenas das negações: em cada uma ele é introduzido como “Simão Pe­dro” (18,13.25), mas em seguida é sempre “Pedro” quem atua e nega a Jesus (18,16bis.l7.18.26.27).

Estas passagens bastam para estabelecer que o sobreno­me denota a obstinação do discípulo. Tendo em conta a in­dubitável e fervorosa adesão que este demonstra para com Jesus, mas que Jesus não aceita (13,36-38), conclui-se que Pedro se obstina em dar a Jesus adesão equivocada, que não corresponde à do verdadeiro discípulo. O seu erro nasce de sua falsa idéia do Messias (-^ Discípulo Illb ), que concebe como caudilho a quem os súditos devem absoluta lealdade.

Sua ruptura com a instituição judaica, que o fazia “o grande adepto de João”, crístalízava-se, por não ter escutado João, no desejo de combatê-la com a violência (lS,10s). Adere a Jesus como ao Messias do poder, mas não entende o seu amor nem o aceita, e por isso não admite o seu serviço (13,6) nem compreende o sentido de sua morte (13,37) e quer opor-se a ela (18,10). Vincula-se a Jesus (6,69), e não aos seus companheiros, como o demonstra o seu modo de síngu- larizar-se no grupo (6,68s;13,ó.37s;18,10;21,3.11); sua ade­são a Jesus é amor que não se traduz no amor pelos outros (compare-se 13,34 com 13,3és); ele quer “dar a vida por Jesus” (13,37), mas não morrer com ele pelo povo (18,14; cf. 11,16).

É assim discípulo, mas não “de verdade”, uma vez que não se atém à mensagem de Jesus (8,31), expressa no seu mandamento (13,34) ( ^ Fé Va),

c) A partir destes dados podem-se explicar os casos se­guintes;

Na visita ao sepulcro, depois do aviso de Madalena a “Simão Pedro”, “Pedro” saí com o outro discípulo, mas este corre mais do que “Pedro”; aquele que ainda não com­preendeu que a morte de Jesus é a máxima demonstração do seu amor, não pode ír em sua busca ao mesmo passo que aquele que aceita o seu amor (20,2: o discípulo a quem Jesm queria bem). Contudo, chega “Símão Pedro” seguindo o outro discípulo: malogrado antes o seu seguimento, ao ne­gar a Jesus no átrio do sumo sacerdote ( 18,15ss), ao passo que o outro discípulo continuaria até à cruz ( 19,26s), Simão Pedro segue a este, pensando que assim acerta no seu cami­nho. É o começo de sua correção, mas ainda permanece no exterior; ainda não entendeu a morte de Jesus e não com­preende os sinais da vida (20,6-8),

No capítulo 21, depois da enumeração dos sete discí­pulos (21,2), ao abrir-se a cena da pesca, é “Simão Pedro” quem toma a iniciativa (21,3); a atitude passada de “Pedro que causou a infecundidade da missão (21,3) e o impede de reconhecer a Jesus presente na sua ação, se recorda (21, 7a) no momento em que vai mudá-la (21,7: estava despido), tomando a decisão de servir até a dar a vida, simbolizada

pela veste que “Simão Pedro” se ata e por seu atirar-se ao mar (21,7b). E então será já " Simão Pedro ” o que vai arras­tar a rede com os peixes (21,11).

Explica-se assim a menção de “Pedro” em 1,44: a alu­são à pesca contida no nome “Betsaida” anuncia a atividade dos três discípulos (~> André); a de Pedro já se prevê com caráter negativo (cf. 21,3), em consonância com o sentido do sobrenome nos lábios de Jesus (1,42).

d) Na cena final (21,15-23), Jesus, que na anterior não reagiu aos gestos do discípulo, interroga "Simão Pedro”(21,15). Quando lhe faz a pergunta decisiva, pedindo-lhe a grande reparação do seu passado (21,17: Simão de João, tu me queres bem?), “Pedro” se entristece recordando a atitude de súdito (contrária à de amigo; cf. 15,15) que o levou a negar a Jesus. Depois que Jesus finalmente o convi­da a segui-lo {21,19; cf, 13,36), “Pedro”, que na visita ao sepulcro tomara por guia (20,6) o discípulo íntimo de Jesus (21,20), ainda teme não ser capaz de seguir direta­mente a Jesus (cf. 13,26); ao ver que o outro contínua o seu seguimento, pergunta a Jesus pelo itinerário do discípu- lo-modelo, para que, seguindo a ele, tenha a segurança de seguir a Jesus (21,21). Este rechaça a idéia de “Pedro”, que ainda não percebe a força do seu amor: cada discípulo haverá de segui-lo, ou seja, haverá de aprender a amar dele (13,34: Como eu vos tenho amado); não tem outro modelo, nem sequer o mais próximo de Jesus (21,22: Tu, segue-me a mim). É o único caminho (14,6), que Pedro vai percorrer deixando-se tirar a vida por amor das ovelhas (21,18). Por isso não deve interessar-lhe conhecer o itinerário do ou­tro discípulo, que pode ser diferente do seu (21,22). Ao terminar a perícope com a menção de “Pedro”, fica aberto o futuro: a resposta ao convite de Jesus será dada pela sua história pessoal.

IV. Outras menções de Pedro. A primeira menção (1, 40) faz ver que Pedro é personagem conhecida. Sobre a entrevista de Pedro com Jesus, v. Discípulo IIIc,

É mencionado de novo como irmão de André (cf, 1,40) no episódio dos pães (6,8), depois da pergunta de Jesus a

Filipe (cf. 1,44), e pouco antes da tentativa de fazer Jesus rei, que seguirá à partilha dos pães (6,15). Depois da de­serção de muitos discípulos, Siraão Pedro toma a iniciativa para confirmar a adesão dos Doze a Jesus (— Discípulo V ). Este recebe a declaração com ceticismo (6,70); não basta a adesão de princípio, mas ela deve manifestar-se pelo cumpri­mento de sua mensagem (cf, 8,31),

Pedro não torna a aparecer até ao lava-pés (13,6), já analisado (v. supra, Illb ). Na Ceia é necessário acrescentar o seu desejo de saber da identidade do traidor, para o que se dirige ao discípulo a quem Jesus queria bem (13,24). Era relação com este tema, Jo aproxima em três ocasiões as figuras de Pedro e Judas, por meio da denominação deste como “Judas o de Simão Iseariotes” (6,68,71;13,2,6;13,24. 26). O nome de Simão, comum a ambos, ainda que de ma­neira diversa, insinua certo paralelo entre o traidor e o discípulo que nega a Jesus ( ^ Judas I) .

Porta

->■ Discípulo IX; Pastor Ilbd.

P rofeta

Gr. prophêtês [14]; o Profeta ( 1,21.25;6,14;7,40); os profetas ( 1,45;6,45;8,52,53); o profeta Isaías (1,23;12, 38.41; um profeta (4,19.44;7,52;9,17); EÜas (1,21.25),

I, Elias. Segundo Ml 3,22s, Elias devia preparar a che­gada do “dia do Senhor”, interpretado como o dia da chegada do Messias (Dia, apelativo do Messias). Somente no inter­rogatório feito, a João Batista é que se menciona a figura de EÜas (1,21,25) (v. infra, II I) , mas existem no evangelho outras alusões a este profeta. Em primeiro lugar, o gesto messiânico de Jesus no templo é interpretado pelos discípulos em categorias de “paixão/zelo” (2,17), traço característico de Elias (IRs 19,10.14; 2Rs 10,16s; Eclo 48,1-4). Conce­bem assim a Jesus como o Messias que haverá de combater

com violência as instituições corrompidas (2,14'16). Outra alusão clara a Elias e Eliseu encontra-se no episódio do manto dividido pelos soldados, símbolo do Espírito que Jesus co­munica à humanidade inteira (19,23s; cf. IRs 19,20; 2Rs 2,1-14).

II. *0 profeta. A figura escatológíca do Profeta (6,14: 0 que tinha que vir ao mundo) apóia-se no texto de I>t 18,15.18, interpretado como anúncio de profeta futuro igual a Moisés (Dt 18,15: Um profeta como eu). Sua missão não está bem especificada, Na opinião do povo, o Profeta tinha que pertencer à casa de Davi e podia proceder da Galíléia (7,40-42). Para os fariseus, porém, da GalUéia não podia surgir nenhum profeta ( 7,52 ).

Do sinal dos pães o povo deduz que Jesus é o Profeta que tinha que vir ao mundo (6,14). Esta interpretação está relacionada com a figura de Eliseu, a quem se aludiu ao se mencionar os pães de cevada (6,9.13; cf. 2Rs 4,42-44), A figura do Profeta não é, pois, mera duplicata de Moisés, mas integra em si toda a tradição profética. De fato, Elias é mencionado apenas pelos delegados das autoridades; o povo distingue somente entre o Messias, que havia de começar a era definitiva, o reinado de Deus, e o precursor, o Profeta por excelência (cf, 7,40-42).

IIL A negativa de João Batista. João, respondendo ao interrogatório, dá o seu testemunho negando ser o Messias, Elias ou o Profeta (1,19-21,25). Para o evangehsta, Jesus é o único portador do Espírito (l,32s), e daí concentra em sua pessoa todas as figuras que de alguma maneira se podiam considerar como tais: tanto o Profeta, segundo Moisés, de cujo espírito se teria podido participar (Nm ll,16s,24-30), como Elias, que o comunicou a Eliseu ( 2Rs 2,1-14 ), ficam integrados em Jesus, cuja missão messiânica é precisa­mente a de ser o doador do Espírito (1,33; Ele batizará com Espírito Santo).

Esta síntese de personagens aparece pelo fato de que o próprio Jesus se chama “profeta” (4,44) e pelo paralelo entre 6,14: O Profeta, o que tinha que vir ao mundo, e 11,

27: o Messias, o Filho de Deus, o que tinha que vtr ao mundo. O Profeta fica integrado no Messias,

IV. Oj profetas. Jesus cita um texto de "os profetas” (6,45; cf. Is 54,13); a promessa nele contida (“todos serão ensinados por Deus”) verifica-se em um fato: os que es­cutam o Pai e aprendem aproximam-se de Jesus. Os profetas aparecem assim em luz positiva, indicando o Messias. A frase “ensinados por Deus” (didaktoi tou Theou) opõe-se a 3,10: Tu és o mestre de Israel? (sy ei ho didaskalos tou Israël), com alusão a Moisés enquanto interpretado pelos fariseus (3,1: cf. 9,28: Nós somos discípulos de Moisés) ( ^ Moi­sés II) .

Os profetas representavam a esperança messiânica, de onde vem que “a Escritura” compreenda Moisés e os pro­fetas {— Escritura I). Sua adesão à mensagem profética é que faz com que Füipe reconheça em Jesus o Messias ( 1,45). Mas, para os dirigentes judeus “os profetas morreram” (8, 52.53); com isso renunciaram à esperança messiânica e não esperam nenhuma renovação (cf, 2,10). Tendo separado Moisés dos profetas e absolutízado a Lei (9,28), não podem aceitar Jesus ( ^ Lei Ib, III; Abraão I).

V. O profeta Isaíãs. Três vezes Jo nomeia o profeta Isaías. A primeira, a fim de fundar a denüncia e exortação que João Batista envia às autoridades (1,23: endireitai o caminho do Senhor; cf. Is 40,3). A segunda e terceira, a fim de ilustrar a incredulidade ( 12,38 ) e a cegueira do povo causada pelos dirigentes com o seu ensino da Lei (12,40; cf, 12,34). Isaías tinha contemplado a glória (amor leal) de Deus (cf. Is 6,1), que brilha em Jesus (1,14), e tinha previsto sua rejeição por parte do povo. As citações estão relacionadas: os chefes não retificaram o caminho que ti­nham entortado ( 1,23 ), mas continuam extraviando o povo ( 12,40 ), por preferirem a glória humana a de Deus ( 12,4 3 ).

VI. Jesus, profeta. “Profeta” ou enviado de Deus é de­signação que Jesus aplica a si (4,44) e que os fariseus lhe negam (7,52).

Em duas ocasiões é Jesus reconhecido como profeta: a mulher samaritana, após Jesus ter-lhe feito ver sua situação

de idolatria (simbolizada pelo adultério ou prostituição; cf. Os 1-4 passim; Ez 16), conclui que é profeta (4,19).

O cego curado, interrogado pelos fariseus, expressa sua crença de que Jesus é profeta (9,17), ou seja, de que lhe abriu os olhos por ser enviado de Deus,

Existe paralelo entre as duas cenas: o reconhecimento de Jesus como profeta vai seguido de revelação de Jesus sobre sua pessoa: no primeiro caso, revela-se à samaritana como Messias (4,23s); no segundo, ao cego curado como “o Homem” (o Filho do homem). O título de Messias corres­ponde ao contexto teológico do ciclo das instituições (2,1-4, 46a); a denominação “o Homem” situa-se no contexto an­tropológico do ciclo do homem (4,46b-ll,54). O Messias e salvador (4,42) que Deus envia à humanidade é o modelo de Homem; ao que era “carne” débÜ e sujeita à opressão, Jesus lhe fez ver “o seu barro” (9,6), a plenitude humana de que ele é paradigma, e se revela como tal (9,35) (—> Nas­cimento H ).

Pu r if ic a çã o

Agua II, IV.

R e i

Messias IV.

R essurreição

Gr. anastasis, ressurreição [2], levantar-se em juízo para comparecer [2]; anistêmi, ressuscitar [7]; egetrô ek nekròn, levantar da morte/dos mortos [5], levantar os mortos [1].

I. Termos. O termo anastasis significa “pôr-se de pé” {ana-, para cima) e, contextualmente, “pôr-se de novo de pé” [ana-, re-). Em Jo tem sempre sentido intransitivo: duas vezes denota “pôr-se de pé/comparecer” em juízo a fim de receber a sorte definitiva (5,29); outras duas, “res­suscitar” (pôr-se de pé de novo o que jazia morto, 11,24,25).

O verbo anistêmi, no sentido de “ressuscitar” aparece como transitivo: ressuscitar a alguém (6,39.40.44.54), ou como intransitivo: ressuscitar, sem determinar agente (11, 23.24;20,9). Em 20,9 vai seguido da especificação “da mor­te/dentre os mortos” (ek nekrôn).

Egeirôjegeiromai significa “levantar/-se” em sentido transitivo (5,21: levantar os mortos dando-lhes vida) ou intransitivo (5,8: o enfermo; 11,29: Maria, que estava sen­tada; cf. 11,20), Jesus 0 usa para “levantar o santuário” de seu corpo (2,9; cf. 2,21). Usa-se cinco vezes com o comple­mento “da morte/dentro os mortos”: duas de Jesus (2,22; 21,14; intransitivo) e três de Lázaro (12,1.9,17; transitivo).

II. Levantarfse da morte. Ê preciso distinguir o uso em Jo dos verbos egeirô (levantar/se) e anistêmi janastasis (ressuscitar/ressurreição),

O verbo “levantar/se” está em relação com a astheneia (debihdade/enfermidade). Às duas espécies de astheneia (debilidade) que Jesus distingue: a que leva à morte (5,5) e a que não é para a morte (11,14) correspondem dois tipos de “levantar/se”,

a) O primeiro encontra-se no episódio do inválido da pis­cina. O convite de Jesus levanta-te (5,8: egeire) está em paralelo com curou o homem (9,9a: egeneto hygiês ho an-

thrôpos), por obra de Jesus (5,11: ho poiêsas me hygiê). “Levantar*' eqüivale, portanto, a “dar a saúde/a integrida­de’' ao homem que carece dela.

Em seguida, na controvérsia sobre a cura realizada por Jesus, encontra-se outro paralelo: Da mesma forma como o Pai "'levanta’’ (cf. 5,8) os mortos dando-lhes vida (cf. 5.9. 11), também o Filho dá vida aos que quer (5,21). A refe­rência ao paralítico é clara: infere-se assim que a multidão de enfermos (5,3), de que o inválido era tipo, são “os mor­tos”; estes são, portanto, os homens privados da vida, nos quais está frustrado o desígnío divino (6,40: que tenham vida definitiva), os que, devido a uma situação de “pecado”(5,14), não têm experiência de vida (6,53) e estão desti­nados a morrer para sempre (3,16;6,39;17,12: perder-se, a perdição) (—> Morte II I) .

“Levantar os mortos” significa, pois, tirar o homem da condição de pecado dando-lhe vida definitiva (3,6;6,63); fazer passar da morte à vida (5,24) (—?■ Morte II) .

b) Uma expresão diferente é "levantar/-se da morte/ dentre os mortos”. Aplica-se em primeiro lugar ao “corpo” (soma) de Jesus (2,19-21) ou ao próprio Jesus (2,22;21,14); em segundo lugar, a Lázaro (12,1.9.17). No caso de Jesus está em relação com a destruição/eliminação do santuário do seu corpo, ou seja, com a morte física; no de Lázaro, paralelamente, “levantar-se” segue a uma debili­dade (astheneia) que não é para morte (11,4). Trata-se, pois, de sair/tirar da última debilidade, própria da “carne”, a da morte física, que perdura no homem completado pelo Espírito.

c) Segundo Jo, portanto, o homem tem duas possibili­dades:

1. Nasce como “carne” débil, que por si mesma acaba na morte física (-» Carne I), Perante ele se apresentaram duas opções: secundar a aspiração à vida inerente ao seu pró­prio ser de homem (1,4: A vida é a luz do homem) ou repri­mi-la, apropriando-se de uma ideologia que a extingue (1,5: as trevas; cf. 5,3: cegos; 5,14; não peques mais). A opção positiva leva a receber o Espírito e, com ele, a vida defini­

tiva. A opção negativa (o pecado) priva o homem de vida e o condena à morte definitiva (—> Pecado II) ,

2. Pela opção posiriva, o homem nasce de Deus ( 1,13 ) ou do Espírito (3,5,6), é “carne” mais “Espírito” (íarx mais pneuma) {—> Nascimento I). É a etapa em que o homem colabora com sua própria criação, percorre o caminho para o Pai (14,7), faz-se filho de Deus (1,12). Já tem a vida definitiva que supera a morte físíca, mas coexiste nele o transitório (“carne”, debilidade que o leva à morte física) com o permanente (“espírito”, vida definitiva que leva a superar a morte) ( ^ Vida IIc).

3, Passada a morte, última demonstração da debilidade da “carne”, o “eu” (psyché = homem enquanto individuali­dade consciente), o “corpo” (sóma = homem enquanto in­dividualidade designável, presença e comunicação) entra em fase definitiva.

Segundo esta concepção, o homem é projeto de imorta­lidade (3,16; que tenha vida definitiva e não pereça; cf. 6, 40), que não se realiza sem sua opção e colaboração. Ao projeto realizado corresponde a vida definitiva (zôê aiôntos); ao não realizado, a morte definitiva (apôleia) (-^ Criação Vb; Morte III) .

II I. Ressuscitar. Os termos “ressuscitar/ressurreição” não têm relação com a astheneia, mas com a vída definitiva; “ressuscitar” é o contrário de “perder-se” (6,39), que signi­fica morrer para sempre. A ressurreição consiste, pois, em superar a morte física, na continuidade de uma vida que não se pode destruir,

No discurso sobre o pão de vida estão em paralelo as seguintes afirmações de Jesus: 6,39: que não perca nada, mas que o ressuscite no último dia; 6,40; que tenha vida definitiva e o ressuscite no último dia; 6,44: e eu o ressuscita­rei no último dia; 6,54: o que come... tem vida definitiva e eu o ressuscitarei no último dia; 6,58: quem come ... viverá para sempre.

Em primeiro lugar, é preciso considerar o texto de 6, 39: que de tudo o que me entregou não perca nada, mas que o ressuscite no último dia, à luz de 3,16: para que todo

O que lhe der adesão tenha vida definitiva e nenhum pereça. “Perecer” significa morrer definitivamente, a morte que põe fim à existência do homem {-^ Morte IID . Ora, essa morte definitiva evita-se tanto tendo-se vida definitiva (346) co­mo sendo ressuscitado no último dia (6.39); de alguma ma­neira, portanto, identificam-se vida definitiva e resurreição; as diferentes fórmulas expressam, pois, diversas facetas da mesma realidade.

A equivalência aparece de novo comparando-se os efei­tos de comer o alimento de Jesus (carne e sangue/pão): a dupla formulação “vida definitiva” mais “ressurreição” (6, 34) resume-se em seguida em “viver para sempre” (6,38); esta segunda fórmula, por situar-se no final do d’scurso, não pode ter conteúdo que empobreça o anterior. “Viver para sempre” eqüivale, portanto, aos dois membros da primeira formulação.

A dupla formulação: “vida definitiva” mais “ressurrei­ção no último dia” (6,40.54), inverte a ordem natural dos termos: segundo as crenças do tempo, a vida definitiva, pró­pria do mundo futuro, começava precisamente com a res­surreição. Isso confirma que a ressurreição não passa de um aspecto da vida definitiva.

A ressurreição da morte era própria do “último dia” e restaurava a vida do homem interrompida ou diminuída pela morte. Para Jesus, porém, a ressurreição não repara uma destruição ou diminuição de vida, pois a vida definitiva, a do mundo futuro, exclui a morte, e já a possui o homem que nasceu do Espírito e o recebeu, A ressurreição, portanto, indica somente, por oposição à “perdição”, que o encontro dessa vida com a morte física resolve-se na vitória da vida. Por isso, a comunidade de Jesus, em virtude da qualidade de vida que recebeu, é a dos "ressuscitados da morte” ( 12, 1-3). A ressurreição apresenta-se como posterior à vida defi­nitiva porque a potência desta vida manifesta-se no momen­to da morte que inaugura a etapa final do ser humano (v. supra II) .

Jesus, desde o seu estado de morte-exaltação (“o último dia”) (—>■ Escatologia I) comunica o Espírito (19,30.34; 20,22) e com ele a vida definitiva (3,14s;4,14;7,37'39), a

qual se mantém naquele que “come a sua carne e bebe o seu sangue” (6,54) e, ao chegar o momento da morte, continua (ressurreição), sem que o homem experimente ne­nhum efeito negativo (8,51: Quem cumprir minha mensa­gem não saberá nunca o que é morrer).

As duas formulações se completam; a dupla: “vida” mais “ressurreição” não faz senão explicitar a indestrutibi- lidade da vida definitiva.

IV. Marta e Jesus. A concepção de Marta sobre a res­surreição era a tradicional {11,24: Já sei). Para ela, “o últi­mo dia” situava-se no final da história. Jesus, porém, o situa na história, no dia da sua morte, quando entregar o Espírito (19,30). Daí sua afirmação: Eu sou a ressurreição e a vida ( = eu sou a resssurreição por ser a vida e poder comuni­cá-la) (11,25; cf, 5,26;14,6).

Os dois ditos seguintes explicam-se um pelo outro. O primeiro: o que me dá adesão, ainda que morra, viverá (11,25), afirma que a morte física não é definitiva (cf.: Eu sou a ressurreição); o segundo enunciado (11,26) ex­plica o primeiro: todo o que vive (pas ho zôn ~ com vida definitiva; Vida II) e me dá adesão, não morrerá nunca (cf. Eu sou ... a vidã). O primeiro descreve a experiência desde o ponto de vista dos que constatam o fato da morte física, destruição aparente da pessoa: promete vida depois da morte. O segundo fala desde o ponto de vista daquele que, tendo a vida definitiva, morre: para ele não há nenhuma experiência da morte (cif, 8,51).

Note-se que a expressão grega eis ton aiôna é adverbial, cf. 8,35: ou menei ... eis ton aiôna, menei eis ton aiôna; a forma adjetiva é aiônios, cf. 6,51: zêsei eis ton aiôna; 6,54: echei zôên aiônion. Em orações afirmativas significa semprejpara sempre. Em oração negativa, se afeta um verbo de estado (p. ex., menô, situação durativa), ou ... eis ton aiôna é interruptivo (8,35; não fica para sempre); se afeta uma forma puntual (8,51: ou mê theôrêsê; 11,26; ou mê apothanê, incoativo de estado), reforça a negação anterior, sublinhando que o fato puntual não se verificará em nenhum momento do futuro: “não ... nunca”. A tradução “não mor

rerá para sempre” suporia em grego uma forma verbal es­tática, como o pf,, não o aorísto.

V, Lázaro. O episódio de Lázaro encena os ditos de Jesus: a comunidade de discípulos de mentalidade tradicional (Betânia perto de Jerusalém; Betânia Ilb ) não percebeu o alcance do amor de Deus, que, por intermédio de Jesus, dá ao homem vida definitiva; em conseqüência, está desolada pela morte do Irmão (11,33: pranto igual ao de Maria e dos Judeus). Colocaram este no sepulcro dos mortos ( I I , 38b: Era uma gruta) (—> Número IV ), separando-o com a lousa do mundo dos vivos (11,38.41), Jesus os leva à fé plena, que lhes possibilita ver a glória-amor de Deus (11,40). A comunidade tira a lousa, desata o morto e o deíxa andar para a casa do Pai (11,44). Compreendeu a continuidade da vida através da morte.

Lázaro está presente na cena de Betânia (12,1-3); o morto-vivo continua sendo membro da comunidade, Jesus pede que tenham a mesma fé para o momento de sua morte (12,7: que o guarde para o dia de minha sepultura). Lázaro torna-se assím figura representativa da comunidade, enquan­to esta possuí a vida definitiva que supera a morte (a comu­nidade dos “ressuscitados da morte”) e é objeto de perse­guição pelos sumos sacerdotes (12,9-10),

VI. A ressurreição de Jesus. A ressurreição de Jesus ex- pressà-se duas vezes por “levantar-se da morte/dentre os mortos” (2,22;21,14; cf. 2,20) e uma vez por “ressuscitar da morte” (20,9),

a) “Levantar Jesus o seu sôma ‘ (2,19,21) eqüivale a levantar-se ele próprio (2,22;21,14; v, supra, II) , O “corpo” (soma) significa, portanto, o homem (cf, 19,31: os corpos) enquanto individualidade distinta e identificável, capaz de presença e comunicação. Precisando que o Jesus levan­ta-se da morte, Jo indica que a vida posterior à morte não significa a perda da individualidade; é uma vida do indiví­duo, que permite, ademais, a presença e a comunicação (-> Corpo).

A frase “levantado da morte” significa, como foi ex­plicado (v. supra, II) , que Jesus deixou atrás a última de­

bilidade da "came”, a possibilidade de morte física, a fím de entrar no estádio definitivo de sua humanidade indi­vidual.

A precisão em três dias (2,19) indica breve intervalo de tempo (ainda não se considerava a'morte definitiva, por estarem intatos os traços faciais; cf. 11,17.39: quatro dias). Referido ao sôma de Jesus significa, portanto, que sua pre­sença e comunicação serão perceptíveis pouco depois de sua morte física. O seu modo de presença será, porém, diferente, como o indica a diferença de verbos usados em 16,16: Den­tro de pouco tempo detxareis de ver-me (ouketi theâreite me), mas um pouco mais tarde me vereis aparecer (opses- te me).

b) A expressão “ressuscitar da morte”, usada só de Jesus (20,9), tem o sentido (v. supra, I I I) da permanência da vida através da morte; indica que Jesus é o primeiro a passar essa fronteira; assim o simboliza “o sepulcro novo onde ninguém ainda tinha sido posto” (19,41). O episódio de Lázaro antecipava, portanto, o que havia de acontecer com Jesus.

Era relação com a ressurreição (20,9: anistênat) estão as expressões e símbolos que indicam a permanência da vida de Jesus através da morte. Já na cena de sua entrega (18, Iss), a entrada num horto-jardim, lugar de vida, simbolizava sua passagem deste mundo ao Pai ( 13,1 ), ou seja, sua mor­te. Note-se, de mais a mais, o modo de designar este: “re­clinar a cabeça” como que para dormir (19,30); também, a sepidtura no horto-jardim e o sepulcro novo, por oposição ao sepulcro-gruta de Lázaro, lugar dos mortos (11,38); os panos-lençóis e os aromas nupciais ( 19,39.40). O horto, por outro lado, já se encontrava no lugar onde o crucificaram

(19,41).c) Jesus ressuscitado torna-se presente no centro do

grupo de discípulos, não está sujeito às leis do espaço. Fala aos seus e lhes mostra as mãos e o lado. Estes são sinais de identificação: é o mesmo Jesus que morreu na cruz; frisa-se com eles, portanto, por um lado, a continuidade da vida in­dividual, e, por outro, que sua nova realidade não deixa de ser condição humana, "As mãos” significam o seu poder (3,

34: O Pãi ama o Vilho e tudo lhe pôs em suas mãos; cf,13,3), o lado, o seu amor (19,34: Saiu sangue e água), a presença da glória (sangue— amor demonstrado) e a contí­nua efusão do Espírito (água= amor comunicado), que o constituem em santuário novo e definitivo (2,19-21).

Na terceira manifestação aos discípulos (21,1,14), Jesus continua falando aos seus (21,5,6.10,12,15ss), toma o pão e os peixes e os reparte, evidente símbolo eucarístico. No diá­logo com Simão Pedro {21,15-19) menciona-se uma só vez o nome de Jesus (21,15), dando-se muito mais relevo à voz do que à pessoa; é presença através de sua voz.

R evelação

Verdade II.

257 Sangue

San gu e

Gr. haima [6].

O sangue é símbolo da vída (cf. Lv 17,11.14) e, en­quanto derramado, da morte violenta. Por sinédoque, em paralelo com “carne” e “varão”, denota o homem (1,13: de um sangue qualquer) (-»• Carne J ) .

Nos demais casos designa o sangue de Jesus, como sím­bolo de sua morte violenta voluntariamente aceita, a máxi­ma manifestação do seu amor.

O sangue de Jesus é verdadeira bebida, e, junto com sua carne, que é verdadeira comida (6,53,34,5?,36), signifi­ca a realidade inteira de Jesus como dom, sua entrega até à morte por amor à humanidade (6,53.54,55.56) (-> Carne II); o homem, para ter vida, haverá de assimilá-la. É o alimento do banquete messiânico de comunhão, que substitui a celebração pascal judaica.

O hissopo com que se oferece o vinagre a Jesus (19, 29) alude a Ex 12,21ss; o hissopo usou-se no Egito para aspergir as portas com o sangue do cordeiro que libertou os israelitas da morte; agora retoma o sangue do Cordeiro de Deus que dá ao homem vida definitiva (19,30: o Espírito) libertando-o da morte-perdição (-^ Morte III) .

Na cruz, ao transpassar-se o lado de Jesus, saem sangue e água, símbolos respectivamente do seu amor para com o homem (sangue derramado por ele) e do Espírito-amor que comunica como fruto dessa morte (19,34; cf. 19,30) (-> Amor II I) .

Se g u im e n t o

^ Discípulo I, VIL

Se n h o r

Deus I, IV.

9 - Vocabulário...

Sin a l

Gr. sêtneion [17].

I. Significado. Em Jo, “sinal” ê ação realizada por Jesus que, sendo visível, leva por sí ao conhecimento de realidade superior. Supõe a presença de espectadores (12,37) e à sua visibilidade corresponde neles a vísão do sinal (2,23;6,2. 14.26).

II. O í sinais de Jesus. Nos sinais Jesus percebe-se uma força que manifesta, pelo menos, a assistência de Deus (3, 2); um pecador, por estar separado de Deus, não podería realizá-los (9,31-33).

O Messias renovaria os sinais do êxodo, e daí vem que, diante do gesto messiânico de Jesus no templo, “os Judeus” lhe pedem um sinal (2,18); em conseqüência, a declaração dos dirigentes ao final da atividade de Jesus (11,47; este homem realiza muitos sinais) os acusa a eles próprios (cf. 7,31;9,16;12,37). Em Gifarnaum, a multidão que compreen­de a pretensão messiânica de Jesus lhe pede também um sinal, com menção explicita de Moisés e do êxodo (6,30s).

O sinal messiânico que Jesus propõe aos dirigentes no templo é o de sua ressurreição (2,19: Suprimi este santuário e em três dias o levantarei), que manifestará sua vitória so­bre a morte infligida por eles e a presença do amor de Deus (a glória) acessível nele ao homem (—> Ressurreição V I).

À multidão que lhe pede um sinal messiânico (6,30) Jesus responde que ele já ocorreu: foÍ sua própria entrega a eles no dom do pão. O próprio Jesus é o pão da vida (6,35) e é o sinal: o novo maná (6,32s), Este sinal antecipa sua entrega na cruz, onde dará sua carne e seu sangue, os do Cordeiro da nova Páscoa, para a vida do mundo (6,51.54ss),

João Batista, que não é o Messias (1,20), não realiza nenhum sinal (10,41), o que mostra o caráter messiânico dos sinais de Jesus.

III. Os sinais programáticos. No decorrer de sua ativi­dade, Jesus realiza dois sinais programáticos, que dão chaves aara interpretar a atividade que segue, O primeiro é o das 3odas de Caná (2,1-11), que apresenta o objetivo de sua

missão no âmbito de Israel com o motivo teológico da substituição da aliança: Jesus substituirá a antiga aliança ba­seada na Lei, pela nova baseada no Espírito/amor leal (1, 17) (—> Bodas II; —>■ Água II) . É “o princípio dos sinais” e nele Jesus manifesta sua glória (2,11), o seu amor leal para com o bomem (1,14; Glória II , IV ). Por ser prin­cípio, começo e origem de todos os outros, oferece sua chave de interpretação: em cada sinal é preciso descobrir a mani­festação de sua glórÍa-amor (cf, 11,4,40), A suprema mani­festação de sua glória será sua morte na cruz (17,1), à qual já alude em Caná (2,4: a minha hora): em cada sinal ante­cipa-se o amor até ao extremo (13,1) que Jesus vai demons­trar na sua morte,

O sinal de Caná apresenta assim o programa de toda a vida de Jesus. O seu aspecto teológico, porém, a substituição da aliança, desenrola-se no primeiro ciclo (2,1-4,46a: o ciclo das instituições). Nele irão sendo expostas as diversas subs­tituições que comporta a da aliança: substituição do templo (2,13ss-22), da Lei (3,1-21), dos mediadores de antiga aÜan- ça (3,22-4,3), do culto ritual (4,4-42).

O segundo sinal programático é a cura do filho do fun­cionário real (4,46b-54). O “segundo sinal” continua o “prin­cípio dos sinais”: é explicação deste, em chave antropológica. E>e fato, realiza-se também desde Caná, mas o seu efeito não se produz no círculo da aliança-bodas, mas fora, na humani­dade, sem nenhuma alusão a religião ou raça (Cafarnaum, lugar de povoação mestiça); por isso não requer presença física de Jesus (descer a Cafarnaum), basta a sua mensa­gem de vida (4,50: logos). Neste sinal, Jesus explicita o efeito do amor manifestado em todos: dar vida ao homem enfermo e a ponto de morrer (4,46b-54). Por outro lado, assim como 2,1-11 dava chave positiva para interpretar os sinais (a manifestação da glória), em 4,48 Jesus exclui outra chave de interpretação que falsearia o seu messianismo: a sua glória não se manifestará por meio dos sinais portentosos. Jo orienta assim o leitor sobre a verdadeira índole do que se narra nos episódios seguintes.

IV. A interpretação dos sinais, a) Segundo a disposição de quem os percebe, os sinais podem-se interpretar como

simples fatos (cf. 7,3: Essas obras que fazes) ou como ver­dadeiro sinal. Contudo, as obras de Jesus são sempre sinais, pois dão testemunho de que é o enviado do Pai (5,36).

b ) Nem todas as interpretações que os espectadores dão dos sinais correspondem ao seu verdadeiro sentido, por não se aplicar o verdadeiro critério de interpretação. Assim, dian­te do gesto messiânico de Jesus no templo, que ele denuncia como idolátrico (2,16), os discípulos recordam um texto da Escritura (2,17: a paixão por tua casa me consumirá), que interpretam de zelo com o de Elias: vêem em Jesus um Mes­sias reformador, que utilizará a violência.

Os sinais que Jesus realiza em Jerusalém durante aque­las festas da Páscoa, que continuam o gesto do templo, provocam a adesão de muitos; mas esta adesão, baseada em interpretação falsa (não na chave de glória/amor), faz com que Jesus não confie neles (2,23-25).

O fariseu Nicodemos, por seu lado, deduz dos sinais que Jesus é Messias-mestre (3,2) a serviço da Lei, reforma­dor que se apóia nela. £ incapaz de compreender as pa­lavras de Jesus, que demonstram o propósito do seu amor já expresso em Caná: a comunicação do Espírito ao homem a fim de tÍrá-lo de sua condição de “carne” (3,6).

Os sinais de Jesus com os fracos-enfermos, tirando-os de sua prostração (5,3ss), despertam a esperança de multi­dões que o seguem (6,2). Na proximidade da segunda Pás­coa (6,4), o sinal dos pães intetpreta-se de duas maneiras: uns identificam Jesus com “o Profeta que tinha que vir ao mundo” (6,15), maior do que EHseu (6,9: pães de cevada; cf. 2Rs 4,42-44); outros pretendem fazê-lo rei, segundo a idéia messiânica tradicional de chefe do povo (6,15). Esta segunda interpretação é rechaçada por Jesus, que se retira de novo ao monte (6,15). Mais tarde, a multidão o busca por próprio interesse, e não pelo significado do sinal (6,26); daí a censura de Jesus (6,36).

Na proximidade da terceira Páscoa, a multidão sai de Jerusalém ao encontro com Jesus, atraída pelo sínal que rea­lizou com Lázaro (12,18). Interpreta-o como sinal messiâni­co e aclama em Jesus o rei de Israel, um Messias que há de durar para sempre (12,34); interpretam “a glória do

Homem” (12,25) em chave de podet real e não aceitam o Messias que dá a vida pelo povo (12,32.; cf. 11,50;18,14).

' c) Os sinais de Jesus, todos expressões do seu amor, manifestam o seu desígnio: terminar o homem infundindo-lhe o Espírito, a força do amor (Caná); dar-lhe vida (4,50), integridade e liberdade (5,8s), dar-lhe dignidade e indepen­dência pelo amor que se expressa no compartilhar e no ser­viço mútuo (6,10s); iluminá-lo para dar-lhe o valor, a identi­dade e a independência diante do seu opressor (9,lss): tudo isso incluído no dom de uma vida que supera a morte ( 11,Is), Quer levar o homem ao seu pleno desenvolvimento, segundo o projeto divino.

Pelo contrário, as interpretações qiie se propõem têm por denominador comum a dependência de um líder: o Mes­sias reformador mediante a violência (2,17) ou mediante a Lei; o rei que assegura aos súditos o sustento (6,15); o reí que com sua autoridade muda a situação em favor dos opri­midos (12,12ss). As ideologias, cujo protótipo é a Lei (12,34), fizeram com que o homem renuncie ao desejo de ser livre.

V. O grande únal. Como se anuncia em Caná (2,4: a minha hora), o grande sinal de Jesus será a sua cruz; por isso é objeto de testemunho particular e solene (19,35: O que o viu pessoalmente deixa testemunho). A glória-amor que se manifesta na cruz é simbolizada pelo sangue (o amor demonstrado) e pela água (o amor comunicado, o Espírito) que saem do lado de Jesus. Ê o sinal do Homem levantado ao alto, de que irradia a vida ( 3,14s ). Daí vem que a comu­nidade se identífique com o grupo que contempla sua glória ( 1,14; 17,24) e participe dela (1,16).

A morte-exaltaçlo de Jesus Íntegra e explica os sinais anteriores. Uma vez que o evangelista completou com este último e grande sinal, ele caracteriza sua obra como “livro dos sinais” (20,30).

Su m os sacerdotes

Judeus.

T e m p l o

Gr. to hierotí, o templo [10]; ho naos, o santuário [3]; aulê, átrio [3]; stoa, pórtico [2]; ho topos, o lugar [17]; ho oikos, a casa [2]; proskyneô, tkr culto, adorar [11 ]; proskynêtês, o que presta culto [1].

I, Termos. O templo (to hieron) designa todo o recinto em que estava incluído o santuário (ho naos) ou capela onde se localizava a presença de Deus. O recinto compreen­dia três átrios (aulai) ou pátios sucessivos; ao mais exterior deles tinham acesso os pagãos e era aí onde se instalava o mercado de gado e o câmbio de moedas (2,14-16). Os átrios estavam rodeados por pórticos (stoai), entre os quais se men­ciona o de Salomão (10,22). No AT £ala-se de “o átrio” (SI 29,2;96,8) ou de “os átrios do Senhor” (SI 65,3;84,3; 92,14 etc.), para designar o templo.

Termos consagrados para designar o templo eram “o lu­gar” (4,20;11,48; cí. SI 24,3;26,8;76,2 etc.) e “a casa” (2,16.17; cf. SI 5,8;26,8;27,4 etc.).

O verbo proskyneô significa “prestar homenagem” e se aplicava ao soberano ou a Deus; daí, “prestar culto”, “ado­rar'’; quando se expressa com um gesto, “prostrar-se*' diante , de alguém.

II. O templo de Jerusalém. Era o edifício consagrado ao culto judaico. A ele se ia em peregrinação nas três grandes festas do ano (Páscoa, Pentecostes, Tendas), das quais se mencionam em Jo a Páscoa (2,13;6,4;11,55) e as Tendas (7,1; cf. 7,10) (-^ Festa).

O templo, edificado e dedicado por Salomão (IRs 6-8), tinha sucedido à antiga “Tenda de Reunião", santuário de Deus durante o êxodo (Ex 33,7-10); nele se manifestava “a glória", que revelava a presença de Deus (Ex 40,34-38; ICr5,14). O templo se definia como “a casa onde mora Deus, o lugar onde reside sua glória” (SI 26,8) (-> Glória I).

Era o templo também o lugat onde se reunia o Grande Conselho (Sinédrio) ou governo de Israel, presidido pelo sumo sacerdote (11,47.49), Nos pórticos do templo se en­contravam as escolas da Lei, que atraíam judeus do mundo

inteiro. Era, pois, o centro e símbolo da instituição judaica. A riqueza do templo e do tesouro era considerável.

III. O tema do templo no evangelho, a) O tema do templo volta a se anunciar em todo o evangelho, ou de modo explícito ou por alusão ou contraste cora Jesus, novo templo/ santuário. Está intimamente ligado ao tema da “glória”

Glória I, III) .

Começa no prólogo, com o uso do verbo “acampar”(1,14), que alude à Tenda da Reunião do Êxodo, cheia da glória de Deus (1,14; cf. Ex 40,34-38). Anuncia-se, pois, desde o princípio a substituição do templo pela pessoa de Jesus, a palavra/projeto feito horaem.

b) A primeira menção do templo encontra-se em 2,13. Jesus vê que o lugar destinado a ser “a casa do seu Pai” foi corrompido pelos dirigentes e transformado em “casa de negócios”. Denuncia-o assim como templo idolátrlco, onde o dinheiro (cf. 8,20; o tesouro do templo) suplantou a Deus.

Em relação com o caráter idolátríco do templo está a determinação de “os Judeus”, aplicada à purificação (2,6) e às festas (2,13;6,4;11,55: a Páscoa; 5,1: uma festa; 7,1: as Tendas), contra o uso do AT, onde se fala sempre de “a Páscoa do Senhor” (Ex 12,11.48 etc.; 2,13 nota); para­lelamente, a de “o átrio do sumo sacerdote” (18,15), re­presentante do falso deus (-> Inimigo II I) , por oposição a “o átrio do Senhor” (v. supra I).

De fato, o culto que nele se celebra é exploração do povo (2,14-16: vendedores, cambistas). Daí o gesto messiâ­nico de Jesus, que expulsa as ovelhas, figura do povo (2,15). Torna-se explícita nesta passagem a substituição do antígo santuário por Jesus-homem (o corpo), segundo a alusão feita já em 1,14 (2,19.21), As autoridades do templo, ao lhe dar morte (19,15.16.21: os sumos sacerdotes), conde­narão o seu próprio templo à ruína (2,19; cf. 11,48),

c) No episódio da samaritana anuncia-se a desaparição do culto próprio dos templos, tanto do samaritano como do de Jerusalém, substituídos pelo novo culto com Espírito e lealdade (o amor leal) (4,23,24), V. infra IV.

(9,4: as obras do que me enviou) e que o Pai está presente em Jesus (10,50): Eu e o Pai somos um), o novo templo em que brilha a glória/amor.

Os gregos que iam dar culto em Jerusalém por ocasião da Páscoa desviam-se do seu caminho para encontrar Jesus (12,20s). A atração que este exerce afasta do culto antigo.

Tendas

Festa VI.

Terra

Betânia IIc; Discípulo IX; Liberdade VI.

Te s t e m u n h o

Gr. martyria [14]; martyreô, declarar, dar testemunho [33].

I. Significado dos termos. O significado dos termos mar­tyria, martyreô é “deckração, declarar”. Em certos contextos, a declaração constitui um testemunho a favor ou contra al­guém (5,3Iss; 10,25;7,7: testemunho contra, denúncia) ou expõe a experiência pessoal e direta ( 1,32.34;3,11.32;8,14; 13,21;18,37;19,35;21,24).

A testemunha pode usar como linguagem as palavras (5,31;8,13s etc.) ou as obras; é assím que o Pai dá teste­munho de Jesus ( 5,37 ).

II. O testemunho de João. O primeiro testemunho que aparece no evangelho é o de João Batista ( I,7s.l5.l9.32.34). Em termos metafóricos descreve-se primeiro como “dar tes­temunho da luz” ( l,7s), que, mais adiante, se identifica com o Messias, Jesus. O seu objetivo é que todos cheguem a crer (1,7),

O seu testemunho (1,19) tem uma parte negativa, re­conhecer que não era o Messias, Elias nem o Profeta (l,20s. 25; cf. 1,8: Não era ele a luz), e outra positiva (1,29-34), descrever a natureza e missão do Messias Jesus. O testemu­

nho nasce de sua experiência pessoal (1,32: Contemplei) da descida e permanência do Espírito sobre Jesus (l,32s) e declara em conseqüência que Jesus é “o Filho de Deus"(1,34). Este testemunho continua ressoando na comunidade cristã (1,15), que o vê confirmado pela experiência do amor recebido (1,16).

III. Testemunhas em favor de Jesus. O testemunho de João Batista acerca de Jesus era verdadeiro (10,41) e em favor da verdade (5,34); sendo, contudo, um testemunho humano, Jesus não se apóia nele para demonstrar sua mis­são (5,34).

Outro testemunho em favor de Jesus, que vem do pas­sado, é a Escritura (5,39), à qual se atríbuía autoridade di­vina; de fato, ela contém a mensagem do Pai (5,38), que Jesus cumpre (8,55); isto faz dela testemunha em favor dele. .

Contudo, para demonstrar a origem divina de sua mis­são, Jesus adu2 como único testemunho a qualidade de suas obras, feitas em favor do homem (5,36; 10,25); a elas reme­tem suas palavras ( 10,37s;14,ll). As suas obras são testemu­nho decisivo e último, pois, em virtude de comunicarem a vida e libertarem o homem, são testemunho do próprio Paí(5,37) (-> Pai III) . As obras, que são ao mesmo tempo suas e do Pai, são a voz simultânea de duas testemunhas; assim o testemunho é válido (5,31s; cf, 8,18).

IV. O testemunho de Jesus. Para expressar sua cons­ciência messiânica, o testemunho de Jesus é válido e o úníco possível, pois baseia-se na sua experiência interior pela qual conhece sua origem e sua missão (8,12.14): pelo Espírito que reside nele (1,32), sabe que é o Fílho, herdeiro uni­versal do Paí (3,35; 13,3), que possuí a vida e dela dispõe, como o Paí (3,26); daí o seu convite a segui-lo e partícípar dessa vida (8,12). Ainda que essa consciência de Jesus seja anterior à sua atividade (l,32s.51), para convidar à adesão expressa-a somente depois de ter apelado ao testemunho do Pai em suas obras (5,36s). Um dos modos de descrever sua missão como Messias é “dar testemunho da verdade”: em sua pessoa e atividade manifesta a verdade de Deus, o seu

amor incondicional ao homem, e a verdade do homem, a obra do amor de Deus que realiza nele o seu projeto criador(18,37) (-^ Verdade Ila).

Por contraste, as obras de Jesus constituem denúncia das obras perversas do “mundo” (7,7)- Jesus confirma a denüncia com suas palavras (2,16;8,28.40ss;9,39-10,13) (-> Obra V).

V. Resistência ao testemunho de Jesus. Á maíoría dos homens não aceita este testemunho (3,32), em particular os fariseus, partidários da Lei (3,11). Aceitar o testemunbo de Jesus leva ao compromisso em favor do homem (—>■ Manda­mento V). A veracidade do testemunho de Jesus é confir* mada pela experiência do Espírito, princípio de vida, que a prática de suas exigências comunica sem medida (3,34) (“ Espírito Ve). A experiência de vida dá a quem as aceita a certeza de que Jesus é o enviado de Deus; reconhecendo a lealdade do amor de Deus, torna definitiva sua adesão (3, 33;17,8).

VL A testemunha da glória. Ao pé da cruz, a teste­munha dá testemunho solene do “que viu” (19,35), Declara assim ter-se cumprido a missão do Messias anunciada no princípio por João Batista (1,29.34). “O que viu” é o san­gue e a água que brotam do lado de Jesus (19,34): des­creve com estes símbolos sua experiência do amor de Jesus (sangue) e a força do amor que Ibe comunica (água-Espí- rito). Deixa o seu testemunho a fim de que outros venham a crer.

A comunidade que lê este evangelho faz-se garante do testemunho do evangelista, que abrange a obra inteira (21, 24). Com isso testemunha sua aceitação da mensagem trans­mitida por ele e os efeitos que experimenta. Também ela dá testemunho de sua própria experiência.

Vn. O Espírito e os discípulos, testemunhas de Jesus. Na comunidade, o Espírito dá testemunho de Jesus (15,26) Messias e Filho de Deus (cí. 20,31). Os discípulos, por sua vez, o dão no meio do mundo (15,26); a condição é “estar com Jesus desde o princípio”, ou seja, aceitar sua vida e seu itinerário terrenos e tomá-los como norma (15,27).

O conteúdo do testemunho não é enunciado de verdade, mas a própria pessoa de Jesus vivo, cuja presença percebe-se por “suas obras”: a transformado que produz com o Es­pírito nos que lhe dão adesão (3,6).

A experiência é intransferível: a testemunha não pode impor a sua própria, mas apenas convidar e encontrar-se com Jesus para participar dela.

“O inundo” oferecerá a tnesma resistência ao testemu­nho/mensagem dos discípulos que tinha oferecido ao de Je­sus (15,18-16,4.33).

To m é

Gr. — aram., Thomas [7]; trad. gr. Didymos, Gêmeo[3].

Dos quatro momentos em que aparece Tomé no evan­gelho ( 11,16;14,5:20,24.26.27.28;21,2), em três se traduz o seu nome: “Gêmeo” (11,16;20,24;21,2). Isso indica uma intenção teológica do evangelista. Tomé é aquele que repro­duz os traços de Jesus por sua prontidão a morrer com ele(11,16). Julga, porém, que a morte é o fim de tudo (14, 5), não sabe que a de Jesus é sua passagem ao Pai (13,1). Daí sua incredulidade na ressurreição, que lhe testemunha a comunidade (20,25). Para aceitar a identidade do ressusci­tado com o Jesus que ele tinha conhecido exige prova pes­soal e exclusiva. Não é capaz de distinguir na nova condição da comunidade a ação de Jesus vívo e presente, não reconhe­ce nela a obra do Espírito (cf. 20,22.)

Nesta ocasião (20,24) é chamado de “um dos Doze" ( Discípulo V ), indicando-se assim que permanece na épo­ca anterior à morte de Jesus (os Doze = a comunidade en­quanto herdeira de Israel), ignorando o horizonte que esta abriu e os efeitos uníversalistas do dom do Espírito (19, 23-24; cf. 21,2: os sete, a comunidade enquanto aberta a todos os povos). Espera encontrar um Jesus como o que co­nheceu antes da morte, e não o Jesus exaltado na sua morte e doador do Espírito.

Jesus, presente na comunidade, aceita submeter-se à ex­periência que pedia Tomé (20,27), mas lhe faz uma cen­

sura: sua experiência tem menos valor do que a daqueles que são capazes de descobrir a presença de Jesus no amor fraterno (20,29) (-^ Visão V). A fórmula que Tomé usa: Senhor meu e Dem meu (20,28), sintetiza a fé da comu­nidade, descrevendo Jesus como o Homem (Senhor meu) e o Deus gerado (1,18) em quem está presente o Pai (Deus meu; cf. 20,17) (-^ Deus IV).

O que era “um dos Doze” (20,24) aparece em se­guida integrado no grupo dos sete (21,2) (—> Números V lld). Continua sendo “o Gêmeo", disposto a morrer com Jesus, mas sabendo já, graças à sua experiência anterior, que a vida supera a morte, e que o povo messiânico ultrapas­sa os limites de Israel.

Tkevas

Gr. sÂotía [8]; sÂotos [1]; fiyx, noite [6].

I. Significado da meia fora. “As trevas” não significam em Jo mera ausência de luz, mas sempre têm cunho de maléfi­co e apresentam dois aspectos: a) As trevas como entidade ativa e perversa que pretende extinguir a luz da vida (1,5) e assim impedir a visão do projeto de Deus sobre o homem (1,4: o projeto continha vida). As trevas opõem-se à vida na linha do conhecimento (luz = verdade; cf. 1,7: dar testemu­nho da luz; 5,33: da verdade); define-se, portanto, como ideologia contrária ao desígnio criador e que, ao ser aceita, sufoca no homem a aspiração à plenitude de vida. Identifi­ca-se assim com “a mentira” (8,44), a ideologia proposta pelo círculo de poder e que nasee da ambição de riqueza e do afã de glória humana. As trevas produzem no homem a cegueira (ocuUamento do desígnio de Deus), impedindo-lhe de realizar-se. O desígtiio de Deus é a expressão do seu amor ao homem: as trevas deformam a imagem de Deus, propondo um deus exigente, que não ama o homem, mas o submete.

b) As trevas como âmbito de obscuridade ou cegueira criado por sua ação, onde o homein se encontra privado da experiência da vida e não conhece o desígnio de Deus sobre ele (5,3: cegos, 9,Iss).

Sobre a relação entre Inimigo, mundo e trevas, v.Inimigo V.

II. Correspondências e equivalêndas. a) Os dois aspec­tos, ativo e local das trevas correspondem aos do "mundo/ ordem injusta” Mundo Id). As trevas indicam a ideolo­gia que impõe uma ordem injusta e a justifica: é a mentira institucionalizada; “o mundo/esta. ordem”, ou estrutura so­cial em que ela se apóia, é a violência institucionalizada. No seu aspecto local, as trevas indicam o âmbito onde a aspiração de vida está reprimida pela mentira; o mundo, onde o está pela força.

Tanto “o mundo” como “as trevas” têm conotação uni­versal. Por isso, ainda que no evangelho se apliquem à si­tuação judaica, valem igualmente de todo sistema opressor.

A estes significados de “trevas” e “mundo” correspon­dem no evangelho diversas expressões ou fatos narrados.

b) Pertence às trevas ( 12,35) ou à mentira a concepção de um Messias dominador que usa da força para implantar o reinado de Deus. Essa é a interpretação dos mestres da Lei (12,24); com ela cegam o povo ( 12,40), impedindo-o de reconhecer como Messias e dar a adesão a Jesus ( 12,34.37), em quem se manifesta o amor salvador de Deus (12,23.32. 37). O cego de nascimento representa o homem que viveu sempre no âmbito das trevas/mentira e nunca descobriu o projeto de Deus sobre ele; enquanto o cego não era culpado de sua situação (9,2-3), são os fariseus/judeus (cf. 9,14.18) os culpados (9,43 ); o seu pecado consiste preósamente em propor “a mentira”, ou seja, o conceito de mn Deus que em nome da Lei opõe-se à integridade do homem (9,16.24); é mentira consciente, pois tinham a possibÜidade de ver (9,41), já que na Escritura estava contida a mensagem de Deus em favor do pobre e do oprimido, a que eles foram infiéis (5,37s) (-^ Palavra Ilb; Pecado IVc). Também a menção de “cegos” na multidão de enfermos na piscina (5,3 ) remete às trevas/mentira: a do templo (5,2: pórticos) que domina o povo com o ensino da Lei (5,2: os cinco pórticos). Expressa-se de outro modo a mentira que propõe o sistema opressor nas acusações contra Jesus: fazer-se igual a Deus

(5,18), fazer-se Deus (10,33); fazer-se filho de Deus (19,7): ao considerar tais expressões como blasfêmia (10,36), opõem-se diretamente ao projeto criador ( 1,1c: um Deus era o projeto). Sobre outros casos de mentira, v. Verdade IIc.

III. A opção entre a luz e as trevas. A luz-vida (Jesus) e as trevas-morte (a ordem injusta) são campos irreconci­liáveis, entre os quais o homem tem que optar (3,19;8,12).

O homem que vive nas trevas, ao descobrir a luz (a verdade: Deus-amor, visível em Jesus, que comunica vida ao homem), pode optar por ela ou preferir ficar no campo das trevas (a mentira: o deus que se desentende do homem e permite ou justifica a opressão). A opção det>ende da conduta anterior do homem: quem “pratica a lealdade” ( = o amor leal) para com os outros abandona as trevas e se aproxima da luz, com a qual já estava em sintonia pelo seu modo de agir (3,21); quem “agia com baixeza*', pelo seu modo de agir perverso, não se aproxima da luz para que não se descubram e se condenem suas açÕes, chegando a odiar a luz; ou seja, prefere o campo onde os homens es­tão cegados pela falsa ideologia e não se dão conta de sua injustiça (3,19s); essa opção é sua própria sentença de mor­te (3,18s) (— Pecado Illa ; Juízo I). Em outras pala­vras, quem está a favor do homem está preparado para dar adesão a Jesus; o opressor ou explorador do homem lhe negará adesão (-> Fê V lIIa).

Para sair da esfera das trevas-morte é preciso seguir a Jesus, a luz do mundo (8,12; 12,46); o seguimento acrescen­ta à adesão a atividade em favor do homem {— Discípulo V II); o que o segue terá a luz da vida, ou seja, possuirá a vida e ela será sua luz (1,4). A mesma realidade expres­sa-se como “passar da morte à vida" (5,24) ( ^ Messias Va).

Os discípulos que se deixam capturar pelas trevas dei­xam de seguir a Jesus (6,17: os que pretendem fazê-lo rei recusando o amor de Deus que Jesus mostrou no seu serviço; cf. 6,11). Quem caminha nas trevas está cego e não sabe aonde vai (12,35), sem o saber é levado à morte. É o Es­pírito que indica ao homem o seu itinerário (3,8).

Maria Madalena, figura da comunidade, por crer que Jesus está morto (não conhece a Deus doador de vida), caminha nas trevas, ainda que seja já de manhã (20,1).

IV. A noite. Luz IV.

U n id a d e

I. (Expressões da unidade, a) Para designar a unidade Jo usa várias expressões. Em primeiro lugar hen einai (ser um), to hen (o uno/a unidade); “ser um” se diz de Jesus e do Paí (10,30: Eu e o Pai somos um); a mesma unidade há de existir também entre os discípulos (17,11: ^ue sejam todos um) e é igual à que existe entre Jesus e o Pai (17,11; Para que sejam um como o somos nós); nela consiste a reali­zação dos discípulos (17,23: Para que fiquem realizados al­cançando ã unidade; gr, eis to hen).

Esta unidade explica-se com uma fórmula correlativa, 17,21: que sejam todos um — como tu, Pai, estás identifi­cado comigo e eu contigo (gr, kathôs sy, pater, en emoi kagó en soi), onde a compenetração espacial que se indica (lit, tu em mim e eu em ti) expressa a unidade como a identifi­cação que produz o amor, a comunidade de Espírito (->■ Amor V), Assim em várias ocasiões; 10,38;14,10.11. Descreve-se também a identificação em forma escalonada: Eu identificado com eles e tu {o Pai) com eles (17,23), A fórmula mais completa encontra-se em 14,20; Naquele dia fareis a expe­riência de que eu estou identificado com o meu Pai, vós co­migo e eu convosco. Decorre daí que Jesus é o centro onde se verifica a unidade de Deus com os homens (cf. 1,51),

“O um” é a expressão que substitui em Jo a expressão o “reino de Deus”, usada somente em 3,3.5 (— Deus II) .

b) Já desde o encontro de Jesus com os primeiros discípulos se insinua esta unidade pelo uso do verbo menô (ficar, habitar, viver). Assim como o Espírito fica em Jesus (1,32: emeinen ep’auton; 1,33; menon ep’auton), os discí­pulos perguntam a Jesus onde ele mora (1,38: pou meneis); eles, por sua vez, ficam para viver com Jesus (1,39: emei- nan par’autô); ou seja, o Espírito, presença do Pai, perma­nece em Jesus ( — o Pai identificado com Jesus), Jesus permanece no Espírito ( — Jesus identificado com o Pai), os discípulos permanecem com Jesus ( = identificados com Jesus) (—> Discípulos Illa ; André),

c) Esta unidade é o fruto da morte de Jesus (ll,51s: Profetizou que Jesus ia morrer pela nação; e não só pela

nação, mas também para reunir em unidade [lit. "em um”, gr. eis to hen ] os filhos de Deus dispersos), o único homem que morre pelo povo (11,50; 18,14), o único pastor que assim constitui o único rebanho (10,16).

O “um” que é o fruto da obra de Jesus expressa-se em Jo com expressão neutra: “tudo o que o Pai me entre­gou” (6,39; 10,29; 17,2.1 lb,12.14), que denota a comutii- dade (cf. 17,9; 18,9) como um todo indivisível; está em pro­vável relação com o neutro pneuma, “ homem-espírito ” que nasce do Espírito (3,6; to gegennêmenon ek tou pneumatos pneuma estin; cf, 7,39: oupô ên pneuma). Uma expressão de unidade dos discípulos com Jesus em contexto de petição é “em união comigo” (gr. en tô onomati mou: 14,13,14;15, 16:16,23.24.26).

II. Jesus, uno com o Pai. A unidade de Jesus com oPai (10,30), sua identificação com ele (10,38), está de­monstrada pela sua atividade, que é a do Pai (10,38), cujas obras realiza (5,17.30.36;10,25). Esta unidade pro­cede da comunidade de Espírito ( l,32s), dinamismo comum de amor que unifica sua atividade com a do Paí (-» Amor IVb), ,

II I. A unidade dos discípulos em Jesus. O objetivo úl­timo da oração de Jesus é que os discípulos sejam um de modo comparável a como o são ele e.o Pai (17,11.21.22,23), Para isso, comunica-lhes “a glória” que ele tinha rece­bido (17,22), o Espírito (o amor leal) ( ^ Espírito IV; Glória V); este produz a união de amor que leva à iden­tificação com Jesus; como ocorre nele com respeito ao Pai, a identificação traduz-se na comum atividade (cf. 9,4).

A utiidade que devem alcançar os discípulos significa sua plena realização (17,23): esta não pode chegar ao seu termo a não ser no seio da unidade, O projeto de Deus não se limita, portanto, à realização do indivíduo, mas, como conseqüência lógica do dinamismo do amor que realiza cada um, acaba na constituição da unidade perfeita entre os ho­mens,

Jesus unifica a comunidade sendo o seu centro, donde irradia a glória/Espírito do qual todos participam (17,24)

Expressa-se esta uníão mediante a imagem da videira, símbo­lo da nova comunidade hrnmna que substitui o antigo povo {Í5,Í: a pideira verdadeira), na qual todo membro recebe a vida diretamente de Jesus (15,5), Permanecer unidos a Jesus (15,4) significa permanecer no âmbito do seu amor (15,9) pela atividade em favor do homem (15,10: os seus mandamentos) (-» Mandamento IV).

A identificação entre Jesus e os seus é ao mesmo tempo união com o Pai que é um com Jesus ( 10,30; 17,22) e é identificado com ele ( 10,38; 17,23 ). O Espírito dará aos discípulos a experiência interior desta unidade (14.20). A nível individual, expressa-se como a companhia do Pai e de Jesus na vida do discípulo (14,23) (-»■ Amor Vc).

IV. A unidade como missão. A uuidade dos discípulos é que permitirá ao mundo vir a crer que Jesus é o enviado de Deus (17,21) e que o seu amor está presente na huma­nidade (17,23). A existência da unidade, ou seja, da comu­nidade onde reina o amor sem limite, é, portanto, elemento primário da missão. Desde Jesus, centro da connanidade, irradia a glória ( 17,22 ), ou seja, a presença ativa do Pai; associando-se a essa força de amor, a comunidade continua em união com Jesus a atividade do Pai em favor do homem (9,4: Temos que trabalhar realizando a obra do que me mandou); dela nasce a fé do mundo (-> Obra IV; Fruto I I I ).

V erdade

Gr. alêíheia [25]; alêthês [14]; alêthinos [9]; dê- thôs [7].

I. Significado dos termos. O termo dêtheia corrcsponde ao hebr. ’emet, cujo sema central é o de “firmeza, segurança’', e adota suas mesmas acepções. Segundo os contextos, signifi­ca “verdade” (8,32;18,37) ou “fidelidade/lealdade” (1,14. 17;4,23.24); este último significado encontra-se, sobretudo, quando forma hendíadis com outro substantivo (1,14.17: charis; 4,23,24: pneuma); v, infra, III.

Correspondentemente, o adj, dêthês pode significar “verdadeiro” ( 10,41;19,35;21,24), “leal/fiel” (3,34: de uma conduta), “válido” 5,31,32: de um testemunho).

O adj. dêthinos, “verdadeiro, autêntico”, pode-se usar para indicar a excelência de uma realidade em comparação com outra que é só figura, anúncio ou antecipação da pri­meira (1,9: a luz; 4,23: os adoradores; 6,63: o pão do céu; 15,1: a videira); em outros casos, opÕe-se simplesmente a “falso” {4,34: refrão; 8,16: juízo; 17,3: Deus; 19,35: tes­temunho ).

O adv. dêthôSf como dêthinos, opõe-se a “falso” (1, 48;4,42;6,14;7,40;8,31 ) ou tem sentido intensivo (7,26; 17,8: com ginoskô).

II. AÍêtheia — verdade.a) Conteúdo. “A verdade” designa, em primeiro lugar,

a realidade divina enquanto se manifesta e pode ser conhe­cida pelo homem, O que o homem percebe dela é amor sem limite (3,16: Assim demonstrou 'Deus o seu amor ao mun­do, chegando a dar seu Filho único); este amor é, portanto, a verdade de Deus, A isso corresponde a definição: Deus é Espírito (4,24), ou seja, força e atividade de amor (-^ Es­pírito II) ,

O amor leal (1,14) ou Espírito, que é a verdade de Deus, é a atividade vivificante (6,63) própria da vida: a realidade divina é, portanto, vída que se define pela ativi­dade de amor e se manifesta nela. Assim é a verdade, como o seu símbolo “a luz”, o esplendor, a evidência da vida (1,4).

Objeto primário do amor de Deus à humanidade é

Jesus, a quem coinunica a plenitude de sua glória ( = amor leal, Espírito) {-> Glória II) . Esta comunicação realiza em Jesus o projeto divino sobre o homem {1,1c; 1,14: a Pala­vra/o Projeto se fez homem) {— Criação IV ), fazendo dele o modelo de Homem {o Filho do homem) (-^ FilhoI I ), e assim o FÜho de Deus (1,34).

Jesus é a verdade (14,6) em virtude de nele residir plenamente a realidade divina (o Espírito-amor), que reali­zou nele a plenitude da realidade humana. Com sua ativi­dade em favor do homem (10,37s), que manifesta o amor de Deus, revela ao mesmo tempo a verdade sobre Deus e sobre o homem.

Mas é na cruz, o momento (“a hora”) de sua obra suprema, que ocorre a revelação plena (Jesus lugar da teo- fania; cf. 12,28) (-^ Glória IV ). Sua morte voluntária manifesta quem é Deus: o Pai que ama gratuitamente (cha­ris) e até ao extremo (alétheia) o homem; ao mesmo tempo revela o que é o homem segundo o projeto de Deus: o Filho que é capaz, como o Pai, de amor gratuito até ao limite (dar a vida, 15,13; cf. 1,17: hê charis kai hê alêtheia). Á “verdade” ou realidade de Deus e do homem é, portanto, a mesma: o amor gratuito e fiel. A alêtheia é assim a fideli­dade do amor; sobressai nela o seu sema fundamental “fir- me2a”, “segurança”: a firmeza e segurança última é a fideli­dade do amor de Deus (o Pai), manifestada na morte de Jesus (o Filho) (-h*- Criação IVb).

b) Conhecimento da verdade. Sendo a verdade a vida divina presente e ativa (amor leal) em Jesus (5,26), para conhecê-la, o homem precisa entrar em contato com ela, experimentando em si mesmo os efeitos deste amor. Assim, a verdade, desde o ponto de vista do que a conhece, identifi­ca-se com a experiência de vida que produz nele o Espírito (princípio de vida) recebido de Jesus, enquanto essa expe­riência é consciente e de alguma maneira formulável (8,32). Ela descobre ao homem a verdade sobre Deus, a quem co­nhece como o Pai que o ama sem Hmite, e a verdade sobre si mesmo, compreendendo a meta a que o chama o projeto

do seu amor, realizado em Jesus. Essa é a iluminação que produz conhecer a verdade.

O Espírito que Jesus infunde é “o Espírito da verdade” (15,26; cf. 14,17;16,13;20,22) ou “da lealdade” (o amor leal) segundo o duplo sentido do termo alêtheia (cf. 4,23.24): a verdade identifica-se com o amor; ele produz essa experiência de vida que ilumina o homem; sendo recebido de Jesus, e transmitindo o que procede dele (16,14), iden­tifica com Jesus, a Verdade (14,20),

A verdade, experiência do Espírito, é experiência de Deus (4,24); E>eus não é objeto de conhecimento abstrato, mas só é conhecido como sujeito de relação pessoal de amor (Pai) (17,3) (-> Conhecimento II; Vida Ilb ). Este vínculo de amor, o Espírito, faz do homem füho de Deus. Sua ação no homem manifesta a gratuidade e fidelidade do amor do Pai; por isso o que aceita o testemunho de Jesus e, em conseqüência, experimenta sua ação (1,12), reconhece que Deus é leal (3,33).

c) A condição para conhecer a verdade. A condição pa­ra conhecer a verdade é ater-se à mensagem de Jesus (8,31s), a mensagem do amor demonstrado era atividade como a sua (cf, 9,4; 13,34), o que supõe a ruptura cora o pecado (8, 21), que é a pertença “a esta ordem”, o sistema de injustiça (8,23) (-> Pecado IlIa ). Quem adere assim a Jesus (8,31: para serdes de verdade meus discípulos) recebe o Espírito e faz essa experiência de vida.

Em outros termos, não pode fazer a experiência do amor de Deus quem não está disposto a amar. Aceitar o amor de Deus manifestado em Jesus supÕe responder a esse amor com a prática do amor (a mensagem) (cf, 1,16),

A mesma condição expressa-se de diversas maneiras no evangelho. Assim, para conhecer se a doutrina de Jesus procede de Deus, é preciso ter a vontade de realizar o seu desígnio, estando em favor do homem e da vida (7,17; 6,39s) (-> Criação II I) , Para conhecer que Jesus é o en­viado de Deus e que tudo o que ele tera procede do Paí, é preciso aceitar as ex^ências do Pai transmitidas por Jesus, o que eqüivale a cumprir sua mensagem (17,6-8), a men­sagem do amor ao homem (—»■ Mandamento V), Ou seja.

não há conhecimento de Deus nem da verdade sem pré­via opção pela vida e pelo homem. Por isso Jesus afirma que os seus inimigos, os opressores do homem, não o conhe­cem nem a ele nem a Deus, o Paí {5,37-38;8,19.54s; 13,21;16,3).

d) A verdade faz livres. Liberdade L

e) Verdade e mentira. Quando Jesus diz a verdade aos dirigentes (8,40.45), expõe que Deus é Pai e doador de vida (5,17,21), opondo-o ao deus deles, princípio de mentira e morte (8,44) ( ^ Inimigo II) .

Se a verdade é a realidade divina manifestada no amor que dá vida, a mentira, própria dos que não procedem de Deus (8,47.55), mas do pai da mentira (8,44), é a imagem de um deus que impede ou diminui a vida do homem. A verdade é o Deus-amor (3,16), o Pai (17,3) que gera filhos livres (8,36), comunicando-lhes o seu mesmo Espírito (1,13;3,6); a mentira é o deus-temor que submete o ho­mem e o mantém na condição de escravo. A mentira submete o homem em nome de Deus, eliminando sua liberdade; coarctando a vida humana, causa morte (8,44: homicida); impedindo a experiência do amor de Deus e, portanto, a do seu Espírito, priva o homem da vida definitiva e o condena à morte definitiva (a perdição; cf, 3,16;6,39;17,12;18,9) (-^ Morte II I) .

Assim como “a verdade”, que responde ao projeto cria­dor, surge do interior do homem, como experiência de vida conhecida e formulada, assim também “a mentira”, que se opõe à aspiração de vida e plenitude posta por Deus no homem (1,4,9; ^ Vida Ild ) se impÕe desde fora; é dou­trina que propõe como plenitude o que é de fato privação de vida, que chama de vida o que é morte,

A origem da mentira é o Inimigo (8,44: o pai da mentira), a ambição de riqueza e glória ( ^ Inimigo II) . O culto ao dinheiro, deus do templo, é que leva a deformar a imagem do verdadeiro Deus: em vez de ser um Pai que dá vida e liberdade, faz-se dele um Deus exigente que apóia a dominação e a exploração (2,13ss). O Inimigo nunca es­teve na verdade, porque nele não há verdade; ou seja, a

ambição é totalmente alheia ao amor que procede de Deus (cf. 5,42), porque nunca esteve nem está em favor do ho­mem, e por isso o que afirma é inevitavelmente falso (8,44).

f) Exemplos de "a mentira’ no evangelho. São nume­rosos no evangelho os episódios que denunciam "a mentira”, ou seja, a falsa imagem de Deus, que aparece como inimigo do bem do homem.

Em Caná, a Lei da purificação (2,6) promete reconci­liação com Deus que é incapaz de realizar ( as talhas vazias ), e apresenta a imagem de um Deus susceptível e rancoroso, que rompe facilmente sua relação com o homem. Essa Lei impede assim a experiência do amor de Deus (2,3; Não têm vinho) e, portanto, a experiência de vida ( ^ Agua II) .

O culto legal do templo, que é na realidade exploração do povo, faz recair sobre Deus a odiosidade da opressão (2, 13ss) (-^ Templo Illa ).

No episódio do inválido, o descanso de preceito (5,10), símbolo e resumo da Lei, opõe-se em nome de Deus ao bem do homem; os dirigentes o invocam a fim de condenar a atividade de Jesus, que realiza o projeto criador (5,16-18) ( ^ Lei IV ).

Mentira é considerar como blasfêmia digna de morte, em nome da Lei, o fato de Jesus chamar a Deus de seu Pai e assitn se fazer igual a Deus (5,18; 10,33; 19,7), quando é esse precisamente o projeto divino (1,1.18). Apresentara as­sim um deus zeloso de seus privilégios, em vez do Deus-amor que eomunica sua própria glória (1,14) (— Criação IV).

Outro exemplo é a atuação dos dirigentes, que depois de terem constatado a cura do cego, concluera em nome da Lei (9,16) que Jesus é pecador, ou seja, que age contra o desígnio de Deus, e assim o propõem ao cego (9,24.41).

Também, o ensino sobre o Messias, que baseiam na Lei(12,34) e com o qual cegara o povo (12,40) impedindo-o de reconhecer o desígnio de Deus em Jesus (-> Messias IVb).

É, portanto, nas mãos dos dirigentes, o grande instru­mento da mentira, que deforma a imagem de Deus e, fazendo o homem escravo, impede a realização do seu desígnio.

g) A missão como testemunho da verdade. A missão de Jesus é dat testemunho em favor da verdade (18,37), ma­nifestando na sua pessoa e atívidade o amor de Deus ao ho­mem. Este testemunho acha sua expressão suprema em sua morte voluntária, pela qual entrega o Espírito que termina a criação do homem.

João Batista deixou um testemunho em favor da ver­dade (5,33), anunciando o Messias, a luz do mundo (1, 7s;8,12). De fato, ao se apresentar Jesus, constatou-se que tudo o que João tinha dito dele era verdade (10,41).

Os discípulos, que têm a mesma missão de Jesus (17, 17;20,21), dão testemunho dele, que é a Verdade, graças ao Espírito da verdade recebido dde (15,26s), Este teste­munho será dado mediante a atividade em favor do homem, seguindo o impulso do Espírito, realizando obras como as de Jesus (9,4) e ainda maiores (14,12).

h) O Espírito e a verdade. O Espírito guiará os discí­pulos em toda verdade. Este trabalho não visa o passado, como o ensino, que recorda e faz penetrar em tudo o que Jesus tinha dito (14,26); refere-se, pelo contrário, ao futuro (16,13: 0 que hâ de vir), interpretando o que significa na história a obra de Jesus, a fim de orientar os discípulos na missão.

Para ela, Jesus pede ao Pai que consagre os discípulos com a verdade (17,17); uma vez que essa nasce da experiên­cia do Espírito e se traduz no amor leal (v. supra Ila ), eqüivale à consagração com o Espírito (Santo = consagra­ção). A experiência de vida e amor os capacitará para en­frentarem o mundo hostil.

Ao se afirmar que a verdade é a mensagem do Pai (17, 17), a mensagem do amor, identificam-se verdade (alêtheia), mensagem (logos) e Espírito Santo (pneuma hagion). De fato, a mensagem que se comunica não é mera doutrina, mas a formulação da experiência do Espírito-amor, que é a verdade; é por isso testemunho, e não ensino (21,24) (->■ Testemunho V II).■ i) Símbolos da verdade. O grande símbolo da verdade

é a luz, que também se identifica com a vida (1,4: a vida era a luz do homem) (—>■ Luz I) .

Outro símbolo que aparece no evangelho é “o barro" que Jesus passa nos olhos do cego. Este barro (9,6: seu Barro, o de Jesus ) formado com a terra e a saKva ( = for­Ça/Espírito) de Jesus é imagem do homem acabado que Jesus pode criar, e cujo modelo é ele próprio (9,6.35) (~> Nasci­mento II) . O cego descobre assim a verdade sobre Deus (o seu amor) e sobre o homem (o projeto a i^o r); esta é

sua iluminação.

III. Alêtheia ~ lealdade/fidelidade. Quando dêtheia vem unida a outro substantivo ( 1,H.17;4,23.24), constitui o termo adjetivado de uma hendíadis, e significa “lealdade/ fidelidade*' ou, em forma adjetiva, “leal/fiel”.

A frase grega de 1,14 (plêrês chantos kai dêtheias) tem o mesmo sentido que a hebraica que traduz (Ex 34,6: rah hesed we-emet), “cheio/grande de amor e lealdade/fideli­dade” (—>■ Amor II) ,

A alêíheia, segundo termo da hendíadis, pode aparecer só, subentendendo o primeiro. Assim ocorre quando se apre­senta a dêtheia como algo que se pratica; significa então a lealdade própria do amor (3,21: o que pratica a lealdade = o amor leal; a mesma coisa em 17,17, v. supra Ilh ); opõe-se a “agir com baixeza(3,20: pas ho phaula prassôn) e a praticar o pecado (3,21: ho poíôn tên alêtheian; 8,34: ho poiôn tên hamartian).

V ida

I. A Vida física.a) Significado de "psychê . Não existe em Jo termo

abstrato para designar a vida física. O termo psychê [10] é um concreto que denota o indivíduo humano enquanto vivo e consciente; daí vem que com freqüência equivalha no uso ao pronome reflexivo ( 10,11.15.17.24;12,25.27;13,37. 38;15,13).

b) A entrega da vida. A psychê aparece em Jo como objeto de entrega (6 vezes como complemento de tithêmi, pôr, entregar), significando que o homem entrega-se ou en­trega a própria vida. Jesus, como pastor-modelo, o faz por suas ovelhas (10,11.13.17); como amigo, entrega-se por seus

amigos (15,13). Todo discípiilo haverá de estar disposto a arriscar a vida no meio do mundo hostil, e assim é que ele se conserva para a vida definitiva (zôê) (12,25). Isso não se faz sem repugnância natural (12,27). Contudo, o apego a si mesmo leva à.ruína (12,25), pois tira a possibilidade de amar cxtmo Jesus (13,34: Como eu vos tenho amado).

Paradoxalmente, a entrega de si mesmo faz com que o bomem se recupere com uma nova qualidade de vida (10,17;12,25). Esta entrega não é um ato único e final, mas um processo (10,11.15.17.18: me entrego presente). “Entre­gar-se” ou “morrer” significam o dom total de si a que leva sem cessar a exigência do amor (o Espírito); a expe­riência de "recuperar a vida” também se verifica em cada ocasião; ao entregar-se, o homem volta a encontrar-se com sua nova identidade de filho de Deus; a entrega própria do amor gratuito o faz semelhante ao Pai ( Filho I I I ).

A capacidade de entregar-se ou entrigar a própria vida (sinônimos) supõe que a pessoa seja dona dela (10,18: está nas minhas mãos entregá-la e está em minhas mãos re­cuperá-la), tanto no caso de Jesus como no do discípulo ( ^ Liberdade I) .

O dom de si mesmo expressa-se mediante a imagem do grão de trigo que cai na terra e morre; esta morte, no sentido antes explicado, é a condição para o fruto (-^ Fruto II I) . Um gesto simbólico para expressar a entrega de si mesmo como serviço aos outros é o de Jesus ao tirar o manto a fim de lavar os pés aos discípulos (13,4-5).

Jesus rechaça a intenção de Pedro de dar sua vida por ele, como um súdito disposto a morrer pelo líder (13,37). O discípulo deverá continuar o serviço de Jesus ao homem, dando a vida com ele (11,16) e como ele (13,34;15,12.13). Ao atirar-se à água, Pedro simboliza sua aceitação dessa exi­gência de Jesus (21,7). A mesma expressará Jesus mediante a imagem do pastoreio (21,15ss) (-» Pastor II I) ,

II. A vida definitiva (zôê).

■ Gr, zôê [36]; viver [17]; zôopoieô, vivificar, dar vida [3], Note-se a frase: zôê aiônios, vida definitiva [17];

zôên echô, ter possuir vida [14]; xaô ets ion aiôna, viver para sempre [2].

a) Significado. O tertao zôê, acompanliado ou não do adjedvo aiônios, nunca denota em Jo a mera vida física, mas qualidade de vida que é definitiva, e, sendo assim, não está sujeita à morte. A expressão “vida definitiva” {zôê aiônios; cf. Dn 12,2) é abreviatura de “a vida do mundo vindouro” {héot. hayye ’olam ha-ba), diferente por sua natureza e qua­lidade da que é própria deste mundo. É a vida que corres­ponde ao iâomem-espirito (pneuma) Espírito Vb).

b) A criação e a vida. Desde o princípio Jo situa o seuevangellio em diave de criação (1,1-10), que equivale àcomunicação de vida por parte de Deus (—>■ Criação II) . O seu projeto era dar vida (1,4:: ela continha vida) e a vida é a Iu2 do homem (—>■ Verdade lia ). Diante do projeto de Deus concebido em termos de vida levanta-se um mundo de trevas, que, por oposição à vida-luz, é a morte do homem. Se a vida responde ao projeto criador, as trevas-morte opõem-se a ele, é a antl-crlaçâo (—> Trevas I).

A vida encontra-se em Deus (5,26;6,57), que se chama Pai por ser o seu princípio último e comunÍcá-la ao homem por melo do Espírito ( Pai II ), princípio vital divlno ( 4,24: Deus é Espirito) ( ^ Espírito Vb).

Jesus, que recebe a plenitude do Espírito (1,32s), pos­sui a plenitude da vida dlvitia e dispõe dela, como o Pai (5,21.26;17,2), É missão sua comunicar vida ao homem e vida em abundância (10,10), vida definitiva (10,28;17,2). Por isso Jesus é a Vida (14,6), porque a possui em pleni­tude e pode comunicá-la.

O mandamento/encargo do Pai a Jesus sobre o que tem que dizer e propor significa vida definitiva (12,50) {—*■ Pal lïlb ; Mandamento II) .

O Espírito comunica vida ( 6,63 ) ; sendo a força do amor do Pai, é o princípio vital que ele comunica por melo de Jesus (5,21;19,30;20,22; cf. 19,34) Espírito IVa).

c) A vida comunicada. A condição para receber a vida e posui-la e a adesão a Jesus em sua condição de Homem levantado ao alto (3,14s) e de Fllho ünico de Deus (3,16). Reúnem-se nesta condição vários aspectos complementares:

O Homem levantado ao alto é o modelo de homem que dá

sua vida a fim de salvar os homens da moíte (3,14: Assim como no deserto Moisés levantou ao âlto a serpente, assim também tem que ser levantado este Homem); ele é o Filho único' de Efeus, o dom que prova o amor de Deus para com a humanidade (3,16).^A condição para receber a vida éy portanto, reconhecer o amor de Deus expresso na morte de Jesus e, vendo nele o modelo de Homem, o FUho único de Deus, tomar este amor por norma da própria vida (cf. 13,34)./ _

Esta aceitação e adesão expressa-se no evangelho com diferentes metáforas: escutar a voz do Filho de Deus (5,25), aproximar-se dele (6,37ss), aceitar as suas exigências (6, 63.68), comer o pão da vida (6,35.53s), comer a sua carne e beber o seu sangue (6,54) (-» Fé II) .

A opção em favor do homem, requisito para aderir a Jesus, é também a norma de salvação para os mortos do passado; os que tiverem praticado o bem terão vida definiti­va; os que tiverem agido com baixeza terão a sentença, a morte definitiva (5,29) (-> Juízo Ila).

O princípio da vida definitiva é o Espírito, simbolizado pela água viva (4,14;7,37-39) (—>■ A ^a II I) . O Pai e o Filho, que dão vida (5,21), fazem-nos infundindo o Espírito vivificante (6,63).

O Espírito é princípio de vida contraposto a “a carne”; ele faz “nascer de novo” (3,3,5,6) ou “nascer de Deus”(1,13). A vida definitiva começa, pois, com um “nascimen­to” que se identifica com a comunicação do Espírito; com ele se dá ao homem a capacidade de amor generoso e fiel (1,17: o amor e a lealdade), cuja prática desenvolve todas as suas potencialidades. A vida cresce pela prática do amor, ou seja, das exigências de Jesus, pois o amor praticado é fonte ines­gotável de Espírito (3,34;6,63.68). Assim o homem vai se fazendo “filho de Deus” (1,12), O amor (o Espírito) é, portanto, o princípio de vida e a manifestação da vida, sua verdade (-!>■ Verdade II; Espírito Vb).

d) A vida, luz do homem. A relação entre vida e luz/ verdade está indicada desde o prólogo (1,4: A vida era a luz do homem). Para o homem, a única luz ou verdade é a

vida mesma; não existe uma luz/verdade anterior à vida, que leve ao conhecimento da vida; a luz, como a verdade, é o esplendor da vida. Desta afirmação de Jo se concluí que Jesus não vem revelar uma verdade independente da vida. Jesus revela a verdade comunicando vida, cuja experiência e evidência constituem a verdade Verdade Ilb ).

O homem, por ser ele mesmo realização do projeto cria­dor, leva em si a aspiração à plenitude de vida (1,4: ela continha vida) (— Criação Vb). A vida e plenitude a que aspira é o seu guia, e ela é o seu critério para distinguir o bem do mal, que toma o lugar da antiga Lei (1,9: Era esta luz a verdadeira) (— Luz I) , Essa é .a experiência do cego curado, que, apoiado nele, é capaz de opor-se aos dirigentes quando estes lhe propõem uma teologia baseada na Lei, que condenava a ação de Jesus (9,24-25') ,-

Jesus é a encarnação da luz-vida (8,12: Eu sou a luz do mundo; 11,25: Eu sou a ressurreição e a vida; 14,6: Eu sou o caminho, a verdade e a vida), e por isso ele substitui a Lei (-> Luz I ). Assim como a aspiração à plenitude era a luz do homem, assim também a experiência da vida; terá a luz da vida (8,12). É luz que brilha (1,5), manifestando a plenitude da vida, e que ilumina (1,9), comunicando-a.

É ilusório buscar a vida no estudo da antiga Escritura, mas esta, com o seu testemunho, ou seja, pela mensagem que contém (cf. 5,38), manifestando a ação de Deus em favor do oprimido, leva a Jesus o doador de vida (5,39s) (—> Es­critura I).

A identificação entre vida e Verdade faz com que se possa definir a vida definitiva em termos de conhecimento: conhecer o Pai, único Deus verdadeiro e o seu enviado, Jesus Messias (17,3), O conhecimento de Deus como Pai supõe a condição de filho, ter nascido dele recebendo o Espírito, A experiência do amor do Pai que comunica vída é a base deste conhecimento, Jesus Messias, o enviado de Deus, é o lugar da presença divina (1,14); não se pode conhecer pessoalmente o Pai a não ser em Jesus, o Messias consagrado pelo Espírito e o Filho de Deus, por quem se comunica o Espírito (19.30.34;20,22) (— Conhecimen­to II) .

Este conhecimento pessoal denota, portanto, a relação pessoal de iíitimidade e amor. A mesma relação expressa-se em 10,14s, onde a relação de Jesus com os seus equipara-se à sua com o Pai. O mesmo conhecimento expressa-se tam­bém em termos de visão (14,19; cf. 14,9). É precisamente a sintoma de vida com Jesus que permite “vê-lo”, ou seja, experimentar sua presença (14,19) Visão II I) .

e) Aspectos da vida. Os aspectos da vida que Jesus co­munica desenvolvem-se no “ciclo do homem” (4,46b-ll,54). O seu episódio programático, o do funcionário real (4,46b- 54), introduz o tema da vida perante a morte (4,49-50). Explicita-se nos episódios seguintes, onde a vida aparece co­mo força e liberdade (5,3-9a), amor demonstrado na parti­lha (6,5-13), obra criadora terminada pelo Espírito (9,6-7; — Nascimento I I ). Finalmente, o episódio de Lázaro mostra o seu agradecimento a Jesus, doador de vida, estando pre­sente Lázaro, o morto-vivo (12jlss). A inclusão que abarca o ciclo do homem é formada pelas palavras de Jesus ao fun­cionário: Teti filho vive (4,50), pronunciadas antes que o indivíduo morra, e as que dirige a ]\íarta: Teu irmão ressusci­tará (11,23), que se referem à vida depois da morte. Am­bas as afirmações se retomam em 11,25: Eu sou a ressurrei­ção e a vida. Assim o episódio de Lázaro aparece como a culminação da atividade de Jesus enquanto doador de vida, anunciada em 4,46b-54 Ressurreição V).

f) A vida definitiva. A vida definitiva é aquela que, por sua natureza, supera a morte física. Assim Jesus afirma que quem cumpre sua mensagem não saberá nunca o que é morrer (8,51). O estado de morte é próprio daquele que se encontra fora da esfera de Deus (3,36) (—> Céu II); fazendo sua a mensagem de Jesus, o homem passa da morte para a vida (5,24); esse é o êxodo do Messias Pastor IIIc, d, e; Morte II I) .

Esta passagem ao estado definitivo explica que quem recebeu a vida pela adesão a Jesus, Filho de Deus, não está sujeito a juízo (3,18;5,24) ( ^ Juízo I).

A permanência da vida através da morte é o que se chama de “a ressurreição”. Jo adota este-termo tradicional

para afirmar esta permanência diante do fato objetivo da morte física; na realidade, esta morte não interíxjmpe a vida. Daí vera que em 11,25-26, onde trata explicitamente do tema, apresente duas formulações: quem me dâ adesão, ainda que morra, viverá (ressurreição) e 11,26: todo o que vive e me dá adesão não morrerá nunca (permanência na vida ) : desde o ponto de vista do sujeito não existe a morte

> Ressurreição III) .

No episódio de Lázaro corrige-se precisamente a con­cepção antiga da realidade da raorte que consistia na es­pera de uma ressurreição relegada ao futuro longínquo (11, 24; Já sei que ressuscitará na ressurreição do último dia); como o último dia está presente na morte de Jesus (-^ Es- catologia I) , assim também a ressurreição realiza-se neste dia (6,39.40.44.54), com o dom do Espírito (-» RessurreiçãoIII) . A solução que Jesus oferece à enfermidade e à morte é radical: não vem curar taumaturgicamente o enfermo (11, 6.2\sô2), mas libertar o homem da morte. Este desígnio de Deus é que manifesta o seu amor pelo homem (11,4.40: a glória) (—> Criação III, V). Isso é que a comunidade ha­verá de compreender; em vez de colocar o falecido no se­pulcro dòs mortos, haverá de tirar a lousa, desatá-lo e deixá-lo ir-se com o Paí (ll,4.39.41.43s) (-> Ressurrei­ção V).

O horto-jardim onde Jesus é sepultado (19,41; cf. 18, 1;20,15) e os panos-lençóís postos no leito do sepulcro (20, 6 ) são símbolos da permanência da vida através da morte.

g) A missão e a vida. O fruto da missão dos disdpulos é levar o homem à vida definitiva (4,36); o seu trabalho a favor do homem põe este em contato com o amor do Pai em Jesus; quem reconhece o amor e a adesão a Jesus recebe o Espírito (— Fé V II).

V isão

Gr. theoreô [24], ver, contemplar; theaomai [6], ver, contemplar; blepô [17], ter faculdade da visão, ver, olhar; horaô [65], no fut., aor., e pf.

I, Uso dos verbos. O presente horaô, ausente em Jo, é substituído por theoreô {22 vezes no pres.) e por blepô (sempre no tema de pres.). Este último, usado como intran­sitivo, significa ter a faculdade da visão (9,7.15.19.21.25. 39ter.41 ); como transitivo, sem sema de voluntariedade, sig­nifica “ver” ( 1,29;11,9;20,1.5;21,9.20), ou com este sema, “ver”, “olhar” (5,19;13,22).

Theoreô (23 vezes em Jo) denota neste evangelho a percepção de uma realidade cuja presença {física ou não)/ evidência se impõe ao sujeito. A não ser que o contexto o neutralize, contém um sema de reconhecimento. Não pré- julga sobre o grau de penetração nesta realidade. Pode-se traduzir, segundo os contextos, por perceber, presenciar, ser testemunha de, constatar, ver presente, ter diante.

Referido a pessoas ou outras entidades: 6,19: a Jesus; 6,40; ao Filho; 10,12: ao lobo; 12,45: a Jesus, ao Pai; 14, 19 (cf. mais abaixo, frases negativas); 20,6; aos panos (sem compreender o seu significado); 20,12: a dois anjos; 20,14: a Jesus ( sema de reconhecimento neutralizado pelo con­texto ).

Referido a fatos: 2,23: sinais, percebidos como tais, mas mal interpretados; 4,19; a Jesus como profeta; 6,12: sinais que suscitam seguimento; 6,62: constatar que sobe da morte; 8,51: a morte (experimentar); 9,8: o cego como mendigo; 12,19; constatar que sua atividade em nada apro­veita; 17,24: a glória-amor (o contexto parece acrescentar um sema de participação, cf. 17,22).

Em frases negativas, nega-se o primeiro passo, a percep­ção: 15,17: do Espírito (por incapacidade do mundo); 14, 19: de Jesus, porque ele não se faz presente ao mundo, mas sim aos discípulos (experiência); 16,10.16.17.19: ne­

. ga-se a presença física de Jesus, substituída por outra espécie de visão (16,16.17.19: opsesthe).

Theaomai usa-se quase sempre no aoristo (1,14.38;4, 35;6,5; 11,45); só uma vez no pf, (1,32).

O fut. opsomai [10] pode-se chamar “profético”, por referir-se a realidades da esfera divina (1,39,50; cf. 11,40: a glória de Deus; 1,51, cf, 19,34: ho heôrakôs, da glória simbolizada pelo sangue e pela água, e 19,37: opsontai, do

Transpasaado). Na cena anuncia a experiência de Jesus res­suscitado {16,16.17.19.22).

O aor. eidon [36] cobre todos os sentidos da visão, desde o ordinário “ver” (6,22.24;9,1;18,26;19,6) com ter­mo a Jesus ( 1,46;4,29; 12,21), o Espírito (1,33), ou a gló­ria {12,41); usa-se da visão que leva à fé (20,8), dos sinais (6,14.26.30; cf. 6,2; theôrountes ta sêmeia) do dia do Mes­sias (8,56); de Jesus ressuscitado (20,20,25,29). Por in­fluência hebraica pode ter o sentido de "fixar-se em”, “es­colher” (1,48.50; cf. Os 9,10).

O pf. heôraka [19] significa uma visão ou experiência pessoal e imediata ( 1,18,34;3,11.32;4,45;5,37 [neg.]; 6,36. 46bis;8,38.57;9,37;14,7.9;15,24;19,35;20,18.25.29).

Os verbos de visão usam-se com freqüência em sentido metafórico para designar um conhecimento por experiência não visual, como se verá nos pontos seguintes.

II. A visão em ]esus. Jesus vê e contempla Deus com visão exclusiva e sem precedente (1,18); tem experiência direta (heôraka) de Deus e sua mensagem (3,32;8,38.55), do Pai (6,46) e de sua atividade (5,19s), O que Jesus co­munica e aquilo de que dá testemunho procede dessa expe­riência imediata do Pai (3,2), que ele torna visível na sua pessoa e obra (1,18: ele tem sido a explicação; 14,9-11); este é o seu principal testemunho (5,36;10,26.37),

III. A visão nos discípulos. Para o disrípulo, ã experiên­cia da esfera de Jesus chama-se visão (1,39: vinde e o vereis; cf. 1,46;9,37;12,21). Também a experiência do ressuscitado expressa-se em termos de visão pessoal e imediata (20,18.19.20,25); funda-se na comunidade de vida entre Jesus e os seus (14,18), ou seja, na participação do mesmo Espírito; a ela corresponde a manifestação pessoal que Jesus fará a cada um (14,21), Não se trata de uma visão física, como o indica o verbo usado (16,16.17.19.22: opsesthe, opsomai).

A visão de Jesus morto-exaltado, que se perpetua no ressuscitado (20,20.27: mãos e lado abertos), eqüivale à visão ou contemplação da glória (1,14;17,24) ou amor leal(1,14); esta “visão” inclui a participação na glória-amor que se contempla; descreve-se com ela a contínua comunicação

do espírito de Jesus aos seus, a experiência do seu amor que se traduz em dom (1,16); é própria daqueles que “estão onde está ele’', ou seja, que, por terem recebido o Espírito, nasceram de E>eus ( 12,26;14,3;17,24) Glória V),

É a visão que Jesus anuncia à comunidade cristã ape­gada à tradição judaica, representada por Natanael (1,50: coisas maiores verâs), que se cumpre na pessoa de Marta, outro representante da mesma comunidade (11,40; Náo te disse que, se creres, verâs a glória de Deus?). A visão refe­re-se ao amor de Deus que comunica ao homem a vida que supera a morte (11,44: o morto vivo), Esta visão ficará incluída na que Jesus promete para todos os seus (1,51: Vereis o céu ficar aberto etc,); cumpre-se na cruz, onde a testemunha vê pessoalmente a efusão de sangue e água do lado, símbolos do amor demonstrado e do amor comunicado, a glória (19,34), e cita a profecia de Zc 12,10: “Verão (opsontai) aquele que transpassaram”, com alusão ao lado donde sai sangue e água (19,37) (-^ Amor V I),

A esta visão da glória-amor que comunica vida opÕe-se a não-visão dos que não dão adesão ao Filho (3,36: quem não faz caso do Filho não saberá (ouk opsetaí) o que é vida; não, a reprovarão de Deus fica sobre ele (menei ep’autô, opos, à permanência do Espírito, l,32s). Frase equivalente é 3,3: Se alguém não nasce de novo não pode vislumbrar o reino de Deus. A vida que o discípulo recebe elimina, pelo contrário, toda experiência de morte (8,51: Quem cumprir minha mensagem não saberá [ou mé theôrêsê] nunca o que é morrer) (-» Ressurreição II I) .

Como coletividade inimiga de Deus, “o mundo” não tem experiência do Espírtio nem o conhece (14,17); em conseqüência, não tem experiência de vida (—> Mundo III) .

IV. A visão e o testemunho. Os dois testemunhos so­lenes que aparecem no evangelho de Jo baseiam-se em duas grandes visões: João Batista contempla o Espírito descer do céu e permanecer em Jesus (1,32); conclui e deixa testemu­nho de que Jesus é o FÜho de Deus (1,34), o que vai bati­zar com Espírito Santo (1,33), eliminando assim o pecado do mundo (1,29) (-> Pecado II) . O discípulo, sob o sím-

bolo da água, vê descer de Jesus o Espírito que o seu amor (sangue) comunica aos bomens { ~ batizar com Espírito Santo) e nessa visão baseia o seu testemunho (19,35); dele conclui qüe Jesus é o Messias, o Filho de Deus (20,31) (-»Fé IV; Glória V). '

A experiência pessoal (visão) que funda o testemunho de Jesus funda também o dos disdpulos (3,11) e se traduz numa atívidade comum a Jesus e aos discípulos (9,4: tiós temos que trabalhar realizando as obras do que me mandou). Paralelamente, a imediaticídade e intimidade que Jesus tem com o Pai (1,18: eis ton kolpon), tem-na o discípulo com Je­sus (13,23: en tô kolpô). É através dele que os discípulos vêem o Pai (12,45; 14,7.9); daí vem que às afirmações de Jesus sobre sua experiência de Deus (heôraka, cf. 1,18;3,32; 6,46;8,38) correspondam as dos discípulos sobre sua expe- riênda do ressusdtado (20,18.25).

V. Fê e visão da glória. A adesão a Jesus baseia-se na percepção da glória-amor manifestada (2,11). Contudo, esta adesão primeira supõe necessariamente a plena compreensão do amor de Deus, e não será completa enquanto o discípulo não tiver compreendido todo o alcance dessa glória: que Deus, por Jesus, comunica ao homem a vida definitiva que supera a morte (11,40; cf. 6,39s;8,51; 11,25),

Esse é o caso de Tomé. Este, tendo dado sua adesão a Jesus e disposto inclusive a acompanhá-lo na morte (11,16), não compreende o alcance da glória, não sabe que essa morte não interrompe a vida, mas que é a passagem para o Pai (14,5). Daí o fato de não aceitar que Jesus esteja vivo (20,25ss) (—>■ Tomé).

A isso se deve a bem-aventurança de Jesus; Bem-aven­turados os que, sem terem visto, chegam a crer (20,29), censurando a Tomé por ter invertido os termos: se existe a nova realidade de amor na comunidade, é porque Jesus está vivo e presente nela. A experiência do amor de Jesus durante sua vida (a manifestação da glória) fundou a fé indpiente dos discípulos (2,11; cf. 16,31); a presença do amor na comunidade (20,22: o Espírito), fruto da morte- exaltação de Jesus, demonstra que venceu a morte. A ex-

periência desse amor (sem terem visto) haverá de levar à fé em Jesus vivo (chegam a crer); ao aceÍtá-lo como norma de vida, o discípulo terá a experiência/visão pessoal de Jesus (14,21; cf, 13,17: Felizes de vós se o praticardes).

Jo volta a enunciar aqui o princípio repetido no evan­gelho: que a aceitação e prática do amor precedem à expe­riência de Jesus; cf. 7,17: a vontade de realizar o desígnio de Deus leva a conhecer que a doutrina de Jesus é de Deus; 8,31: a prática da mensagem leva ao conhecimento da ver­dade; 17,6-8: a prática mensagem do Pai e a aceitaç de suas exigências levam a conhecer a origem divina Jesus e a crer nele como enviado de Deus. Não é a ej peránCO cia extraordinária (Tomé), mas a prática do am< a base sólida da fé (—> Verdade IIc). <;\\

VI. Visão e iluminação. No episóc& uÊ)j^go curado acumulam-se os verbos de visão39ter.41; anablepô: 9,11.15,18bisyípe^(íleíj; 9,37; abrir [anoigô] os olhos ao cego: 9 , - 2 6 . 3 0 . 3 2 ; cf. 10, 21; 11,37). O sentido dessá^i^^^não é puramente físico,A cegueira física, como apareo^^r 9,39, é símbolo de outra.

O nascido cego,/sõ^ culpa própria nem de seus pais (9,3), represen \á:;sQ5^ ã o do homem “carne”, por opo­sição a “e^írito\x^^ 3,6: da carne nasce carne, do Es­pirito ( ^ Nascimento II) . Somente a ex-periênciacáo^^pírito, que termina a criação do homem, lhe dá a/wMí^^ra visão, fazendo com que conheça por expe-

_ realidade de Deus (o seu amor expresso no seu >e do homem (a nova dignidade, liberdade e indepen-

icia que lhe comunica o Espírito-amor), segundo o pro­jeto criador simbolizado pelo barro que faz Jesus (9,6) ( ^ Luz V).

A aquisição ou a perda de visão será o resultado do processo que Jesus vem abrir contra a ordem presente (9, 39). Aparece aqui o sentido metafórico da cegueira e da visão: há os que não vêem (não puderam conhecer a lu2-vida nem optar por ela: o caso do cego) porque nunca os deixa­ram ver (9,3: não tem pecado; 9,41: vosso pecado) e a estes Jesus oferece a visão, dando-lhes a iluminação do Es-

pífito (9,7;9,10; abrír-Uie os oUios). Há, porém, os que vêem, ou seja, os que, conhecendo a mensagem de Deus, podem optar pela luz, mas não obedecem a Deus nem con­servam a sua mensagem (5,37s); estes, que sem excusa re­jeitam a Jesus (15,22) e chamam de visão a mentira (9,41), ficarão cegos, ou seja, fechar-se-ão definitivamente ao Espíri­to de Deus.

V II. Ver O í sinais significa ver nos fatos o amor de Deus manifestado em Jesus (—> Sinal III)-