17
3 CAPÍTULO UM VOLTA ÀS AULAS – Para trás, seu monstro. Para trás! Vulgar, o viking, sacou sua espada, brandiu-a no ar e obrigou a serpente marinha, que havia surgido inesperadamente na lagoa do vilarejo de Lorota, a recuar. Ao seu redor, os habitantes locais corriam, desesperados, chorando aos berros em busca de um lugar seguro. Vulgar, por sua vez, não saiu de onde estava. Segurou

VOLTA ÀS AULAS - media.brinquebook.com.brmedia.brinquebook.com.br/blfa_files/vulgar_o_viking_e_o_show_de_ta... · VOLTA ÀS AULAS – Para trás, seu monstro. Para trás! ... Quero

  • Upload
    builien

  • View
    223

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

3

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

CAPÍTULO UM

VOLTA ÀS AULAS

– Para trás, seu monstro. Para trás!Vulgar, o viking, sacou sua espada,

brandiu-a no ar e obrigou a serpente marinha, que havia surgido inesperadamente na lagoa do vilarejo de Lorota, a recuar.

Ao seu redor, os habitantes locais corriam, desesperados, chorando aos berros em busca de um lugar seguro. Vulgar, por sua vez, não saiu de onde estava. Segurou

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

4

com força sua espada e encarou o monstro diretamente nos olhos.

– Você acha que pode desafiar um viking de verdade? – perguntou Vulgar. Ele jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada. – Essa eu pago para ver!

Sibilando de raiva, a serpente se ergueu e mostrou toda a extensão de seu corpo. Era muito maior que ele, bloqueava até a visão do sol. Sua boca assustadora se abriu. O cheiro de carne podre se espalhou pelo ar antes de a criatura dizer com sua voz trovejante: – Vamos acordar, dorminhoco.

Vulgar piscou e baixou a espada.– Hã? Quê?

Alguma coisa sacudiu

seus ombros, e a serpente desapareceu em uma névoa rodopiante.

5

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

Vulgar abriu os olhos e viu o rosto de sua mãe inclinado sobre o dele. Era só um pouquinho menos assustador que a carranca do monstro marinho.

– Sonhando de novo? – perguntou ela.

Vulgar confirmou com a cabeça, sonolento. Ele deveria ter imaginado que era só um sonho. Nunca acontecia nada de emocionante em Lorota. A coisa mais perigosa que havia no vilarejo devia ser a comida de sua mãe.

– E o que foi dessa vez? A serpente marinha ou o capacete que explodia?

– A serpente marinha – respondeu Vulgar. Ele tentou contar como tinha sido o sonho, mas se deu conta de que já estava

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

6

quase se esquecendo. Ele bocejou e se enrolou no cobertor. Talvez se voltasse a dormir por um tempinho...

– Nem pensar. Você já está atrasado – disse sua mãe. Helga era a mulher mais alta e mais robusta de Lorota.

Era mais forte, inclusive, que a maioria dos homens. Com

apenas uma das mãos, ela virou a cama de Vulgar.

Ele gritou de susto ao tombar no chão

de pedra gelado.

7

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

Vulgar olhou para cima bem no instante em que a túnica cinza caiu sobre sua cabeça.

– Vista isso – mandou Helga. – Quero que você esteja bem arrumado no primeiro dia de aula.

Cinco minutos depois, Vulgar apareceu na cozinha e desabou sobre o banco em frente à mesa. Harald, seu pai, já estava lá, passando manteiga de cabra em uma fatia de pão torrado.

Os farelos pretos voavam pelos ares antes de se instalarem em sua barba rala e cheia de falhas.

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

8

– Bom dia, Vulgar – cumprimentou Harald, com sua voz aguda. – Está animado com a volta às aulas?

Vulgar não precisou pensar para responder.

– Não – suspirou ele. – Não mesmo.Um pedaço preto de pão carbonizado

caiu diante dele, fazendo um tremendo barulho.

– Coma depressa – mandou Helga. – Você não vai querer chegar atrasado à escola, não é mesmo?

9

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

– Bom, na verdade... – começou Vulgar.– Ah! A escola! Os dias mais felizes da

vida – interrompeu-o Harald.Vulgar estremeceu. Ele esperava

realmente que aquilo não fosse verdade.– A gente aprende tanta coisa –

continuou Harald, com a boca cheia de pão torrado. – Como ler e... as outras coisas. Eu não estaria onde estou hoje se não tivesse me esforçado bastante na escola.

– Você limpa latrinas, pai – argumentou Vulgar.

– Exatamente! – gritou Harald. – E, se você se esforçar bastante na escola, quem sabe um dia também não consegue um emprego de limpador de latrinas?

– Mas eu não quero ser um limpador de latrinas. Quero ser um viking de verdade. Quero saquear e pilhar, não esfregar e... esfregar mais um pouco.

Harald pareceu ofendido.– Não é só esfregar – resmungou ele.

– Tem o polimento também.

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

10

– Uma escola viking deveria ensinar coisas de vikings – suspirou Vulgar. – Vai dizer isso para o meu professor.

– Coma – repetiu Helga, quebrando um pedaço de pão e enfiando na boca de Vulgar. – Dagmar Desanimado é o professor oficial de Lorota há mais tempo do que eu consigo me lembrar. Não tem nada de errado com ele.

– Claro que tem – rebateu Vulgar, ainda mastigando. – Ele é um tédio.

– Bom, sim – admitiu Helga. – Mas também é muito... confiável.

“Pois é, sempre dá para confiar que ele vai ser um tédio”, pensou Vulgar, mas sua boca estava cheia demais para poder falar qualquer coisa. Um puxão violento em seu cabelo o fez gritar de modo que uma chuva de farelos de pão voou sobre Harald. Ele tentou virar a cabeça, mas o aperto de sua mãe era implacável.

– Não se mexa, ou vou acabar furando seu olho – avisou ela, segurando na

11

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

mão um pente caseiro feito de chifre de rena. Helga desmanchou os muitos nós do cabelo comprido e seboso de Vulgar, mas um deles se recusou terminantemente a ceder, e ela foi obrigada a admitir a derrota.

– Acho que já está bom – comentou ela com um suspiro e entregou o capacete para que ele o colocasse. Helga tinha polido os chifres para que ficassem bem brilhantes.

– Muito bem, agora vá para a escola – mandou ela. – E nada de aprontar!

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

12

– Vou tentar – respondeu Vulgar. Ao levantar da mesa, ele quase tropeçou em Ranzinza, seu cachorro carcomido pelas pulgas, que estava dormindo no chão da cozinha. – Desculpa aí, Ranzinza – falou ele e saiu da casa seguindo pelo caminho estreito do jardim.

Ao ver Knut, seu melhor amigo, esperando encostado no portão, fez um aceno de cabeça para ele. Vulgar era, em

geral, bem desalinhado, mas Knut sempre conseguia ser pior. Andava todo

encurvado, e suas roupas tinham se deformado para se ajustarem melhor aos seus ombros caídos. Seu

capacete era grande demais, e um dos chifres apontava

13

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

para o lado errado, pois tinha quebrado e sido colado de volta de cabeça para baixo.

Comparado a Knut, com o cabelo penteado e os chifres polidos, Vulgar parecia um príncipe.

– Está ansioso para a volta às aulas? – perguntou Knut.

– Não – respondeu Vulgar. – E você?

Knut fez um sinal afirmativo com a cabeça.

– Ah, estou sim.Vulgar ficou de queixo caído.– Quê? Sério mesmo?– Não, na verdade, não –

respondeu Knut, aos risos, e eles tomaram o caminho da escola, andando devagar, lado a lado. Estavam na metade do caminho quando ouviram um latido atrás deles.

Vulgar se virou e viu que Ranzinza os seguia, balançando o rabo, todo alegre.

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

14

– Vai para casa, Ranzinza – disse Vulgar. – Eu preciso ir para a escola, mas você não. Corre. Foge enquanto é tempo.

O rabo de Ranzinza parou de balançar.Ele olhou para Vulgar, depois para Knut e de novo para o seu dono. No fim, acabou dando meia-volta e tomou o caminho de casa.

– Bem que eu queria ir para casa – comentou Knut.

– Pois é – concordou Vulgar. – Eu também.Poucos minutos depois, eles chegaram.

A escola era uma pequena construção de pedra com telhado de palha e um descampado cheio de lama do lado de fora que fazia as vezes de pátio. Só havia uma sala de aula. Mais de uma dezena de crianças vikings estava reunida ali. Algumas estavam sentadas nos bancos. Outras estavam apoiadas nas paredes. Todas pareciam tão infelizes quanto Vulgar.

Ou melhor, a maioria delas. A princesa Freya, filha do rei Olaf, governante de Lorota, saltitava alegremente de um lado

15

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

para o outro. Seu longo cabelo loiro estava preso em tranças perfeitas. Seu vestido branquinho e rodado revoava em círculos cheios de babados quando ela girava sem sair do lugar.

Freya segurava um barquinho viking de madeira e tagarelava para quem quisesse ouvir:

– Não sei quanto a vocês, mas eu passei a maior

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

16

parte das férias viajando pelos fiordes – contou ela. – Foi fantástico. Incrível. Maravilhoso!

– Que chatice! – comentou Vulgar, bocejando.

– Você está com inveja, isso sim – rebateu Freya. – Só porque nunca andou em um barco viking de verdade.

Ela passou seu barquinho de madeira bem diante dos olhos dele.

– Uau, deixe-me ver isto – disse Vulgar, tomando-o da mão dela. Ele o segurou e o examinou de perto. Um dia, ele teria um barco como aquele. E de verdade, não de brinquedo.

– Devolve isso aqui – ordenou Freya. Ela tentou pegar o barquinho, mas Vulgar o mantinha longe de seu alcance.

– Eu só estou olhando – argumentou Vulgar, mas Freya não quis nem saber. Ela avançou sobre ele e tomou o brinquedo de suas mãos. Logo em seguida, mostrou a língua e abriu um sorrisinho

17

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

presunçoso. Vulgar fez menção de pegar o barquinho novamente, mas uma voz bem conhecida o deteve.

– Certo, pessoal, já chega de brincadeiras – repreendeu-os Harumf, o viking ancião e conselheiro do rei Olaf.

Vulgar se virou bem a tempo de ver a longa barba de Harumf passar pela porta, seguida logo depois pelo restante

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

18

do corpo. – Vocês pensaram que Dagmar seria o professor, não é? – ele fez uma pausa dramática. – Pois erraram – continuou Harumf. – Ele não vai vir, entre outros motivos, porque foi atropelado por um alce.

Um murmúrio de empolgação percorreu o grupo inteiro. Dagmar era o único professor de Lorota.

– Então, a gente pode ir para casa? – perguntou Vulgar, cheio de esperança.

– De jeito nenhum – respondeu Harumf. – Nós temos um substituto.

– Não é você, né? – quis saber Vulgar.

– Como se vocês merecessem tanta sorte. Não, é outra pessoa. Alguém que não vai tolerar esse seu falatório.

19

VULGAR, O VIKING, E A EXCURSÃO ESCOLAR ASSUSTADORA

O filho mais ilustre de Lorota. Temido em todos os dez países do mundo. O primeiro, o único...

Harumf começou a batucar com os dedos na mesa do professor.

– Quem? – murmurou a classe.– ... Otto Quebra-Ossos!Vulgar abriu um sorriso de orelha a

orelha. Otto Quebra-Ossos era um viking de verdade. Provavelmente o maior de todos os tempos.

Uma figura robusta com um capacete de chifres enormes se agachou para passar pela porta. “Agora sim!”, pensou Vulgar, talvez a escola não fosse tão ruim, no fim das contas.