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VOLTA REDONDA NA ERA VARGAS 1941-1964 (História Social) WALDYR BEDÊ

Volta Redonda

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VOLTA REDONDA

NA

ERA VARGAS

1941-1964

(História Social)

WALDYR BEDÊ

Waldyr Bedê2

© Direitos reservados ao autor.

Capa: Pedro Marins Bedê

Revisão: Profa Ana Maria Bentes Brum

Diagramação, fotolitos, impressão e acabamento:Nova Gráfica e Editora - Volta Redonda - RJTel.: (24) 3341-1254 [email protected]

As fotos deste livro pertencem ao acervo daSecretaria Municipal de Cultura da PrefeituraMunicipal de Volta Redonda.

Ficha catalográfica

Bedê, Waldyr AmaralB358v

Volta Redonda na Era Vargas (1941- 1964)/Waldyr AmaralBedê. - Volta Redonda: SMC/PMVR, 2004.

144 p.

1.Volta Redonda - história social; 2. Volta Redonda -desenvolvimento industrial; 3. Cotidiano e mentalidades.I. Título

CDD 306.098153

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ODE AOS CICLOPES, Canto III. Waldyr Bedê.

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- ÍNDICE -

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES .......................................................... 13

INTRODUÇÃO .................................................................................................... 17

O MODELO AGRÁRIO E A INDUSTRIALIZAÇÃO DE BASE ........ 23

A crise econômica mundial de 1929 e a Velha República ................................ 23

A “Revolução” Oligárquica de 1930 e a Nova Ordem Nacional:

o Estado Novo ....................................................................................................... 25

Nasce Volta Redonda. ............................................................................................ 33

A epopéia da construção da usina de aço de Volta Redonda ......................... 40

A SOCIEDADE URBANO-INDUSTRIAL DE VOLTA REDONDA. 55

A nova sociedade urbana de Volta Redonda: um ensaio de colonialismo cultural ... 55

A formação social: cotidiano e mentalidades ..................................................... 60

A Cidade Operária Planejada ................................................................................ 60

O Conforto - um bairro típico da Cidade Operária ........................................ 66

As relações do cotidiano e o paternalismo da CSN ......................................... 73

Breve notícia sobre o trabalho feminino na Usina de Aço .............................. 80

Esportes, lazer e entretenimento ........................................................................... 81

As transformações sócio-culturais ........................................................................ 91

A EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DE VOLTA REDONDA ..................... 95

A LUTA SINDICAL DOS METALÚRGICOS DE VOLTA REDONDA ... 103

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Os primeiros momentos do Sindicato dos Metalúrgicos .............................. 103

A hegemonia da "Chapa Independência" (1957-1963) .................................. 107

O Sindicato dos Metalúrgicos e o Plano de Educação Primária de VoltaRedonda .................................................................................................................. 116

João Alves dos Santos Lima Neto, "o Breve" ................................................. 118

VOLTA REDONDA E O GOLPE MILITAR DE 1964 ......................... 121

EPÍLOGO ............................................................................................................. 137

ODE AOS CICLOPES - poema. ..................................................................... 139

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................143

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CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Este livro originou-se de um despretensioso trabalho acadêmicoapresentado pelo autor, em 2001, ao Curso de Pós-graduação deEspecialização em História Social da Faculdade de Filosofia, Ciênciase Letras de Volta Redonda, sob o título: "O Desenvolvimento IndustrialBrasileiro na Era Vargas e seus Desdobramentos Sociais em VoltaRedonda".

A princípio, a publicação deste livro não fazia parte dos planosimediatos do autor, que pensava realizar outros projetos como escriba.Nisso, chegou o momento das comemorações do Cinqüentenário doMunicípio de Volta Redonda, em que o autor foi convocado a darentrevistas e prestar depoimentos à mídia e a muitos estudantes dediferentes níveis de ensino que o procuraram, a propósito dessaefeméride. Foi quando vários amigos - justamente alguns doshomenageados nas primeiras páginas desta obra - cobraram-lhe,literalmente, a produção de um livro sobre a História de Volta Redonda.Outros amigos e alunos também argumentaram que, tendo o autorchegado a Volta Redonda em 1944, o que lhe permitiu, portanto,tornar-se uma testemunha viva da história da Cidade e dastransformações sociais, econômicas, políticas e culturais por que elapassou, seria seu dever - sobretudo, na condição de professor de históriae de sociólogo profissional - deixar um registro, para as geraçõesvindouras, do que viu e viveu.

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É aqui que as coisas começam a se complicar. Por isso mesmo,passo a escrever na forma da primeira pessoa, à maneira de quempresta um depoimento - experiência que este autor viveu, por váriasvezes, como um dos "suspeitos de costume", tal como no famosofilme "Casablanca"...

Sou um professor de história, e o fui, nos últimos 35 anos. Souum contador de histórias, o que é bem diferente de um historiador, quepesquisa, escarafuncha, convive com fungos e leptospirose, fazanotações, ficha livros, compila, organiza arquivos e, depois, escreve.O historiador é, antes de tudo, um rato de bibliotecas e de arquivos.Minha praia - onde me dou bem e me sinto inteiramente à vontade - éoutra: a sala de aula.

Sempre tive muita vontade de - e paciência para - lerpraticamente tudo o que me caía às mãos - dos velhos gibis de históriaem quadrinhos aos clássicos. Alfabetizado somente aos nove anos -porque meu pai era um mestre eletricista nômade, que vivia pulando decidade em cidade, para montar torres de linhas de transmissão de altavoltagem, até descobrir seu Eldorado (Volta Redonda) - tomei-me depaixão pela História, aos doze anos, quando uma prima, já adulta, mepresenteou com o livro "História do Mundo Para Crianças", do velho esempre bom Monteiro Lobato. De lá para cá, não parei de ler história.Confesso que nunca fui muito estudioso, desses que anotam tudo, fazemfichas, esquemas, resumos e outras coisas do gênero. Parabenizo a quemo faça. Eu apenas leio, leio muito, como o povo, no prólogo do "Fausto",de Goethe: "Não anda o povo afeito a mãos de mestre. Mas lê, lêmuito. Um ler que mete medo".

Dito isso, tomei a seguinte resolução: como professor de História,relataria o que vi e vivi, no meu tempo, muitas vezes como testemunhaprivilegiada, outras, como personagem menor, e procuraria analisar tudocomo sociólogo, segundo o meu entendimento das coisas. Esse foi o

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filme que eu vi, da forma como entendi que deveria vê-lo, principalmenteporque, também, fui um de seus protagonistas. Trata-se, portanto, deuma visão pessoal. Ao melhor estilo de Voltaire, respeitarei, obviamente,as vozes discordantes. Certo, porém, de que me concederão a gentilezada reciprocidade.

Não abordei, neste livro, a história de Volta Redondaanteriormente a 1941. Primeiramente, porque outros já o fizeram, pensoeu, com muito mais propriedade; em seguida, porque, para mim, VoltaRedonda somente passa a ter importância, para os destinos do Brasil, apartir da construção da Usina de Aço.

Procurei situar a História de Volta Redonda, dentro do contextoda História do Brasil, na Era Vargas. Assim, minha abordagem específicasobre Volta Redonda abrange o período entre 1941 e 1964.

Volta Redonda, Jardim Europa, Inverno de 2004.

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INTRODUÇÃO

Segundo os autores que tratam do desenvolvimento industrialbrasileiro, a Era Vargas representa o momento mais expressivo dodesenrolar desse processo. A construção da usina de aço da CompanhiaSiderúrgica Nacional, em Volta Redonda, ao implantar a indústriapesada, ou de base, no Brasil, constitui o marco histórico da passagemdefinitiva do País para a etapa da industrialização em larga escala. Umtal processo, ao transformar um país de economia agrícola em outro,definitivamente industrial e urbano, produz mudanças sócio-culturaisprofundas na sociedade brasileira. Uma questão básica consiste em seconhecer como se processaram essas mudanças e qual a sua verdadeiraimportância para a sociedade brasileira, em geral, e para a de VoltaRedonda, em particular.

A Era Vargas1 marca o momento histórico da construção dausina siderúrgica de Volta Redonda - matriz do processo deindustrialização pesada do Brasil - e sua inserção no cenário político,econômico, diplomático, militar, estratégico, social e cultural do Brasil.Uma presença tão expressiva, mormente a partir de 1941, quando se

1 Entenda-se, aqui, por "ERA VARGAS" o período que vai de 1930 (início da Revolu-ção Oligárquica liderada por Getúlio Vargas) a 1964 (ano da queda do presidenteJoão Goulart, herdeiro político de Vargas, por força do Golpe Militar de 1º de abrilde1964).

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iniciam a construção e a montagem da usina de aço, que seu nome figuraabundantemente nos documentos históricos relativos à época: noticiáriofalado e escrito, jornais cinematográficos, correspondências diplomáticas,atos oficiais, relatórios técnicos, revistas, livros, cartas etc. Contudo,esse considerável acervo documental não retrata, em sua real extensão,o lado humano e a fácies sócio-cultural da jornada de construção dausina da Companhia Siderúrgica Nacional, assim como as mudanças eas transformações que se operam nas relações sociais, no comportamentoindividual e coletivo e nos elementos componentes da cultura do povobrasileiro, ao longo das três décadas que se lhe seguiram.

Volta Redonda sofre diretamente as mudanças sócio-culturaisdecorrentes do processo de industrialização, não somente por sediar ausina de aço da Companhia Siderúrgica Nacional, como também pelaprivilegiada circunstância de se localizar a meio caminho entre as duasmaiores metrópoles brasileiras e, por isso mesmo, dois dos centros culturaismais expressivos do Brasil: São Paulo e Rio de Janeiro. É exatamente essadimensão humana que avulta da história social de Volta Redonda: mesclam-se, num mesmo lugar, milhares de pessoas, que deverão viver juntas,fazendo o mesmo trabalho, ainda que em atividades distintas, sofrendo asmesmas privações, dividindo os mesmos anseios, somando as mesmasesperanças. De diferentes origens, culturas e profissões, com suas históriaspessoais, seus dramas e idiossincrasias, essas pessoas elegem um mesmoobjetivo: fazer de Volta Redonda o seu Eldorado.

As vinte e uma páginas do relatório final da Comissão Executivado PLANO SIDERÚRGICO NACIONAL, de agosto de 1941,encaminhado ao presidente Vargas, não se referem - em uma única linhaque seja... - aos imensos recursos humanos de que o Brasil necessitariapara executá-lo: não obstante, todos os demais aspectos - financeiros,técnicos, estratégicos - lá estão contemplados. O documento não fala,por exemplo, de onde poderia vir a verdadeira massa humana que apeouna velha estação da Central do Brasil, em Volta Redonda. Mas os ciclopes2

2 Os ciclopes, que na mitologia greco-romana são os operários das forjas de Vulcano,figuram no brasão do Município, simbolizando os trabalhadores de Volta Redonda. Ecom essa denominação, "Ciclopes", serão referidos várias vezes neste texto.

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vêm e, sem se darem conta, passam a se movimentar como peões numtabuleiro de xadrez, ocupando as posições que o Estado Novo lhes destina,nos termos de um Projeto Nacional que contempla a construção de umnovo homem brasileiro, para atuar no cenário de uma nova sociedade,moderna, industrial, urbana. Logram fazê-lo em parte, eis que o "homovolta-redondensis" encarnaria, pelo menos até o término da Ditadura Militar(1984), o modelo pretendido pelo Estado Novo: nessa relação de criador-criatura, que ele mantém com a Siderúrgica, seu comportamento se revelacoerente com o padrão que, durante tantos anos, o Estado Novo lheinculcou. Fazer greve na CSN, por exemplo, se lhe afigura uma traição ou,no mínimo, uma prevaricação contra o patrimônio nacional...

Contudo, as contradições resultantes do alinhamento da DitaduraVargas com as democracias ocidentais, na luta contra o totalitarismo doEixo, atropelaram as projeções dos ideólogos do Estado Novo. Comose constataria mais tarde, algo saíra errado do caldeirão desses aprendizesde feiticeiro: embora se mantivesse, por um bom tempo, ainda, sob ofascínio da figura do velho Caudilho, esse novo homem nasce com umpequeno defeito de fabricação: ele pensa! E, porque pensa, pleiteia,reivindica e se põe a lutar por seu espaço e por mais direitos. Nessecontexto, em que ele busca refazer seus caminhos, ver-se-á presa denovas contradições: numa ordem econômica capitalista, conduzida, viade regra, pelo oportunismo de uma elite imatura e inepta, ele se deixaseduzir pelo canto de sereia do populismo político e do "peleguismo"sindical, que ainda tenta sobreviver. Levaria muito tempo, ainda, paraque esse novo homem brasileiro, vivendo numa nova sociedade urbano-industrial, de economia de mercado, encontrasse o seu caminho ealcançasse o aceitável grau de consciência política que, atualmente,demonstra possuir.

Aqui, portanto, se aborda uma das passagens mais importantesda história do Brasil-República: aquela em que o Brasil se torna um paísadulto, ao realizar seu primeiro grande salto tecnológico. E esta obra foiescrita, em sua maior parte, calcada nas observações do próprio autor,testemunha pessoal da grande epopéia que foi o processo histórico da

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construção da Companhia Siderúrgica Nacional e da formação socialque se verificou ao redor da usina de aço de Volta Redonda, com osaspectos humanos e sócio-culturais inerentes à aglomeração, quase queabrupta, de milhares de pessoas, de diferentes origens e culturas, nummesmo "locus" - fato inédito na História do Brasil, em termosestritamente urbanos3, o que somente aconteceria, outra vez, quandoda construção de Brasília, já na segunda metade dos anos cinqüenta.

Mesmo correndo o risco de reproduzir, neste trabalho, ofenômeno que a Sociologia de cunho positivista chama de "bias4", oautor não hesitou em analisar a natureza dos fatos que aqui relatou,como testemunha privilegiada que foi. Até porque o envolvimento doobservador com a realidade que observa - o fenômeno social - seriaconsiderado normal à luz da Sociologia Crítica, circunstância que podeconferir mais peso, ainda, à observação: a distância entre o observadore o objeto já não é mais "olímpica", eis que a proximidade faz oobservador sentir as interações humanas, em toda a sua intensidade,como efetivo, e inevitável, partícipe. Destaque-se, também, a dificuldadede se encontrar uma bibliografia específica sobre a história de VoltaRedonda, relativa a esse período, de caráter mais analítico do quedescritivo, que pudesse respaldar a análise dos episódios aquireproduzidos e criticados, para cujo relato o autor precisou recorrer,inevitavelmente, à própria memória. Ressalve-se, por outro lado, queapenas recentemente é que essa bibliografia começou a ganhar algumasubstância, com a produção acadêmica de monografias, dissertações eteses - a maioria ainda inédita. Presume o autor, contudo, que essainevitabilidade terá conferido mais peso específico aos fatos, ainda, osquais, repetindo um verso de Olavo Bilac, jamais foram "com tanto ardor,contados...".

3 A construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, a "Ferrovia da Morte", naRepública Velha, reuniu mais de 20.000 pessoas, mas em períodos diferentes e emvárias frentes de trabalho espalhadas pela selva amazônica (nota do autor).

4 Bias: uma suposta visão deformada da realidade, por ser o observador parteintegrante dessa realidade (nota do autor).

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raVargas

21 1945 - Os "Ciclopes" num comício do PCB, em Volta Redonda.

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O MODELO AGRÁRIO E O PROCESSO DEINDUSTRIALIZAÇÃO DE BASE

A crise econômica mundial e a Velha República

A Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, marca otérmino da chamada "República Velha" no Brasil e o começo do fim doseu modelo econômico agrário, de monocultivo de exportação - ummodelo de economia dependente e periférica ou "satellitic", naexpressão intraduzível de Rostow5.

Desde o fim da Grande Guerra (1914/1918), o Brasil apresentavasucessivas marcas de superprodução de café - responsável por mais de85% de nossa receita externa - mas os preços do nosso principal produtode exportação achavam-se em queda nas praças de Londres e NovaIorque. O Brasil era refém de um modelo econômico imposto peloimperialismo das grandes potências mundiais às naçõessubdesenvolvidas, quer por não possuir recursos próprios (poupançainterna) suficientes para investir na indústria pesada - isto é: de base,como a siderurgia - como também pelo fato de não dominar tecnologias,

5 Rostow, Walt p., "Stages of the Economic Growth".

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métodos e processos industriais de porte. Estávamos condenados a umaeconomia primária de exportação (agricultura, pecuária e extrativismo),cujos preços eram estabelecidos pelos importadores...

Com a imigração sistemática iniciada, a partir de 1847, sob osauspícios do senador do Império Nicolau de Campos Vergueiro6, muitosimigrantes, que não eram agricultores em sua terra de origem, masoperários qualificados, e outros, que traziam consigo algumas economias,contribuíram para o desenvolvimento de uma incipiente industrializaçãourbana, sobretudo em São Paulo e seus arredores. Nessa etapa, aindustrialização concentrava-se na produção de alimentos (panificação,refinação de açúcar, óleos vegetais e gorduras animais, conservas,massas, bebidas, torrefação e moagem de café), tecidos, calçados,mobiliário, e numa razoável gama de artigos de metalurgia, tais como:ferramentas, suprimentos agrícolas e utensílios domésticos. Algunsdesses imigrantes, simples artesãos, deram origem a alguns dos atuaisimpérios industriais privados.

Essas pequenas indústrias, localizadas principalmente nasgrandes capitais brasileiras, como: Rio de Janeiro, São Paulo, PortoAlegre, ou em cidades do interior, como Bauru, Sorocaba, Juiz de Fora,Monlevade, Uberlândia, Uberaba, Valença, Barra Mansa, Joinville,Blumenau, Caxias do Sul, Ponta Grossa, propiciaram a formação deuma burguesia nacional mínima, composta, em parte, por estratos daaristocracia rural e por imigrantes e seus descendentes enriquecidos,cuja acumulação serviu para financiar esse começo de industrialização.Paralelamente, a construção de ferrovias e de pequenas usinas termo ehidroelétricas, assim como a implantação das linhas de transmissão deenergia elétrica e dos sistemas de comunicação por telégrafo e telefone,implicava a criação de grandes oficinas de manutenção, reparos ereformas de equipamentos. Junto a essas oficinas, aparecem,necessariamente, as primeiras escolas profissionais voltadas para esses

6 Fausto, Boris, "História do Brasil", (205,206)11ed, Edusp, S.Paulo, 2003.

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setores produtivos. Elas constituiriam as matrizes de instituições, comoo SENAI (Serviço Nacional de Amprendizagem Industrial), que, a partirde 1942 iriam integrar o projeto de industrialização sistemática do Brasilna Era Vargas. Dá-se, então, no final do século XIX, o surgimento dasprimeiras gerações de trabalhadores urbanos qualificados: mecânicos,torneiros, ajustadores, eletricistas, montadores, fundidores, soldadores,carpinteiros, serralheiros etc.

O modelo econômico baseado no monocultivo de exportaçãodo café já não mais atende às aspirações econômicas, sócio-culturais epolíticas de uma burguesia "pré-industrial", em início de ascensão nasociedade brasileira, mas, por algum tempo, ainda, em processo depassagem, do campo para as cidades. A crise econômica mundial de1929, que marca o início da Grande Depressão dos anos trinta, flagrao Brasil no pico histórico de sua produção cafeeira, com milhões detoneladas excedentes em estoque e sem qualquer possibilidade decolocá-las em um mercado fortemente retraído. Disso resulta, noBrasil, um quadro de desorganização da vida econômica nacional,com o endividamento em massa de fazendeiros, as falências econcordatas de bancos, atacadistas exportadores e de empresasurbanas, industriais, comerciais e de serviços, em razão de suaacelerada descapitalização e em face da situação fortemente recessivados mercados interno e externo.

A "Revolução" Oligárquica de 1930 e a Nova OrdemNacional: O Estado Novo

Em outubro de 1930, o Estado do Rio Grande do Sul, cujopresidente, Getúlio Vargas, fora derrotado nas eleições para a presidênciada República, levanta-se, em armas, com o apoio de Minas Gerais, contrao governo de Washington Luís, que é deposto pelos seus próprios chefesmilitares. Iniciava-se, então, a Era Vargas, cuja primeira fase duraria de1930 a 1945.

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A Grande Depressão, que atingira a economia mundial em 1929,estendeu-se por toda a primeira metade dos anos trinta e propiciou aproliferação, em todo o Mundo, de regimes políticos totalitários - queresultavam da descrença nos ideais democráticos e da suposição de queos governos autoritários seriam o instrumento adequado para a restauraçãoda ordem ou para a imposição de uma Nova Ordem, como aconteceria naItália, na Alemanha, na Espanha e... no Brasil. A década de trinta assinalauma forte interferência do Estado na vida econômica, através do severocontrole da moeda, do câmbio, do crédito e dos juros, controle inspiradonas idéias de Keynes7, mesmo em países democráticos, como Inglaterra eEstados Unidos. Com efeito, Franklin Roosevelt, presidente dos EstadosUnidos (1933/1945), adota uma política de forte intervenção estatal naeconomia norte-americana, com a criação do "New Deal" - seu programade governo para tirar os Estados Unidos da Depressão. O "New Deal",na verdade, é um projeto autoritário, tanto na concepção, quanto naexecução, que tem como característica básica o fortalecimento do poderdo Estado sobre a vida econômica norte-americana.

Em 10 de novembro de 1937, Vargas dá o golpe de Estado eimplanta um regime ditatorial, com a introdução de uma ordem política,com o nome de Estado Novo. Tratar-se-ia da versão "tupiniquim" do"New Deal8" segundo a concepção de alguns autores da época,apologistas de uma política de aproximação do Brasil com os EstadosUnidos, embora a semelhança entre um e outro projeto de governo selimitasse somente ao papel do Estado, em ambos os casos, como gestorda economia nacional: nos Estados Unidos, pela retomada do plenoemprego; no Brasil, como agente indutor do processo dedesenvolvimento econômico e social.

Mais que um projeto nacional - que tomaria forma no final dosanos trinta -, Vargas detém uma orientação de governo centrada na idéiada implantação da indústria de base (ou pesada), como ponto de partida

7 Keynes, John Maynard, "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", Londres, 1936.

8 Jobim, Danton, in "A Experiência Roosevelt e a Revolução Brasileira", Rio, 1940,defende a comparação.

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para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Essa idéia aparece,em nítidos contornos, no discurso de Vargas, em sua primeira viagem aBelo Horizonte, poucos meses após o começo do seu governo, em 1931:

"Mas o problema máximo, pode dizer-se, básico danossa economia, é o siderúrgico. Para o Brasil, aidade do ferro marcará o período da sua opulênciaeconômica. No amplo emprego desse metal, sobretodos, precioso, se expressa a equação do nossoprogresso. Entrava-o a nossa míngua de transportese a falta de aparelhamento indispensável àexploração da riqueza material que possuímosimobilizada." ( SODRÉ, 1977.)

A deficiência dos transportes e a falta de aparelhamento nãosão, todavia, os únicos problemas que Vargas irá enfrentar: não há, naburguesia nacional, mesmo se consorciados, empresários com capitalsuficiente para bancar a implantação de uma usina siderúrgica de grandeporte (no caso, que fosse capaz de produzir, pelo menos, meio milhãode toneladas de aço por ano, em chapas e perfis); não dispomos, muitomenos, de "know how" específico para a produção de aço, edependeríamos - como, de fato, ocorreu - da transferência de tecnologia,que, obviamente, país algum jamais promove por mera gentileza.

Ao longo da década de trinta, Vargas cria novos institutos deaposentadoria e pensão para as diferentes categorias de trabalhadoresurbanos: industriários, marítimos, comerciários, bancários, ferroviários,rodoviários, servidores públicos. Esses institutos recolhiam,compulsoriamente, ao Banco do Brasil, o montante das contribuiçõesprevidenciárias de empregados, patrões e, teoricamente (apenasteoricamente...), do governo federal. Grande parte desses recursosentesourados no Banco do Brasil constitui o capital inicial daCompanhia Siderúrgica Nacional, criada em 9 de abril de 1941. Alémdisso, o próprio banco estatal subscreve milhões de ações da novaempresa - que marcaria o começo da indústria de base do Brasil.

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1941-Vista aérea do local exato em que seria construída a Usina de Aço da CSN.

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Restava a parte mais difícil: a transferência de tecnologia e oaparelhamento da usina siderúrgica - ações que demandavamfinanciamento externo.

Na leitura do segundo volume do "Diário" de Getúlio Vargas(1995), fica patente que, desde que assumira o poder, em 1930, ocaudilho gaúcho não apenas possui um projeto de desenvolvimentoindustrial para o Brasil, como cuida, pessoal e diuturnamente, paraque ele se concretize: no seu "Diário", o presidente Vargas registrainúmeros encontros com os técnicos encarregados da elaboração doPlano Siderúrgico Nacional, como o major Macedo Soares e oeconomista Jesus Soares Pereira, e, mais tarde, com o presidente daentão recém-criada Companhia Siderúrgica Nacional, o empresárioGuilherme Guinle. O "Guia da Nacionalidade" - como ocognominavam os áulicos palacianos - tudo quer saber e a tudoacompanha, em seus mínimos detalhes, desde o treinamento e oaperfeiçoamento dos técnicos brasileiros na França, na Alemanha enos Estados Unidos, até a construção da própria usina, cujos canteirosde obras inspeciona por diversas vezes, até a sua queda, em outubrode 1945. Em uma dessas visitas, Vargas vaticina:

"Volta Redonda será um marco da civilizaçãobrasileira, um exemplo tão convincente, que afastarátodas as dúvidas e apreensões acerca do seu futuro,instituindo no Brasil um novo padrão de vida e umnovo futuro, digno de suas possibilidades". 9

A revista "EM GUARDA" (op.cit., 22 e 23), editada pelo Bureaudo Coordenador de Assuntos Interamericanos do Governo dos EstadosUnidos, e publicada durante toda a Segunda Guerra Mundial, deu grandedestaque à obra da Usina da CSN e assim se expressou acerca doempenho do presidente Vargas em construir Volta Redonda:

"Datam de mais de vinte anos os primeiros planos

9 "EM GUARDA", nº 3 - Ano III, Bureau de Assuntos Interamericanos,Washington,1944.

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para a utilização industrial do minério de ferrobrasileiro, cujos depósitos são considerados os maisricos do mundo. Pouco, entretanto, se fez dedefinitivo, sob um plano verdadeiramente nacional,até o Presidente Vargas haver encarado o importanteproblema com a disposição de dar-lhe a solução maisadequada e mais pronta possível.

"Foi assim que, sob seus auspícios, o grande projetosiderúrgico de Volta Redonda, o de maior vultoindustrial levado a efeito no Brasil, entrou emexecução e está agora em vias de conclusão, paradar início à produção prevista para supririmediatamente as necessidades nacionais. Comoresultado dessa grandiosa iniciativa, novas indústriassurgirão, ampliando e abrindo novos horizontes deprodução e de consumo, aumentando a rendapública e particular e, conseqüentemente, elevandoo padrão geral de vida do país.

"O grande centro metalúrgico de Volta Redondaestá sendo construído pela Companhia SiderúrgicaNacional, financiado em parte pelo governo. Partedo capital, em ações lançadas à subscrição pública,foi coberta rapidamente.

"A fim de cooperar com o Brasil na defesa doHemisfério Ocidental e, ao mesmo tempo, auxiliaro pais seu aliado na guerra contra o Eixo, os EstadosUnidos estão contribuindo com assistência técnicae, por intermédio do Banco de Exportação eImportação de Washington, com um crédito no valorde 45 milhões de dólares, para a aquisição demaquinismos e equipamento. Esse crédito seráamortizado em dez anos."Volta Redonda está localizada num ponto central

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entre os depósitos de minério de ferro e as minasde carvão, e os centros consumidores de aço, Rio eSão Paulo. Das minas de Teresa Cristina, em SantaCatarina, o carvão é transportado num percurso de70 quilômetros de estrada de ferro de bitola estreita,para o porto de Laguna. Ali é então posto em navioscargueiros que o transportam para o Rio, de ondesegue, por via férrea, para a usina. O minério deferro, o manganês e o calcário são extraídos pertode Belo Horizonte e transportados por via férreapara Volta Redonda. Uma estrada de ferro de bitolaestreita faz a ligação entre a usina e o porto de Angrados Reis, na costa do Estado do Rio. Este porto étambém usado para alguns dos embarques docarvão procedente de Laguna.

"Grandes melhoramentos já estão sendo realizadosnas vias de transportes brasileiras para atender aotráfego de ida e volta para usina. Novos vagões,novas estações e sistemas de sinais foramconstruídos. A Estrada de Ferro Central do Brasilestá sendo eletrificada no trecho entre o Rio eLaguna, e está se procedendo ao alargamento devários túneis. Docas e armazéns no Rio de Janeiro eem Laguna estão sendo aumentados e numerososnavios cargueiros acham-se em vias de acabamentonos estaleiros nacionais.

"A usina foi projetada para produzir a quantidade eo tipo de material que o Brasil mais necessita - ferrogusa, estruturas metálicas, barras e vergalhões,inclusive billets, perfis médios e pesados, folhas deFlandres, trilhos e acessórios e vigas. O coque seráproduzido numa bateria de 55 fornos em conjunçãocom a fábrica de subprodutos, dentre os quais se

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destacam: sulfato de amoníaco, alcatrão, benzol,toluol, xilol e nafta. Quando for necessário, outros55 fornos adicionais entrarão em operação. A usinacomeçará a funcionar com um alto forno. Maistarde, outros entrarão em funcionamento, de acordocom as exigências do consumo. Um total de 368.000toneladas de lingotes será transformado em 267.000toneladas de peças e de material para o consumo,anualmente. A capacidade da usina é de 750.000toneladas de lingotes e de 550.000 toneladas deprodutos, mas essa capacidade não será atingidano começo da produção, que deverá começarbrevemente".

Em busca de recursos externos, Vargas negocia, a princípio, como governo alemão, mais tarde, com o governo americano. A eclosão daSegunda Guerra Mundial, com o conseqüente bloqueio do AtlânticoNorte pela Armada britânica, inviabiliza, na prática, o fornecimentoalemão de uma usina siderúrgica, para o qual o Terceiro Reich se dispunhaa emprestar 300 milhões de marcos-ouro ao Brasil, conforme consta dedocumentos diplomáticos alemães apreendidos pelos Aliados, ao términodo conflito10. Entretanto, a emergência dos interesses militares dosEstados Unidos precipita a condução do processo de negociação dofinanciamento a um desfecho favorável. Não se celebrou - que se tenhanotícia - um tratado específico, entre o Brasil e os Estados Unidos, paraa construção da usina siderúrgica de Volta Redonda. Mas, após a visitado presidente Roosevelt ao Nordeste do Brasil e o nosso decorrentecompromisso de cedermos espaço para a localização de bases militaresaeronavais em Recife, Natal e Fernando de Noronha, conseguimos umfinanciamento de 30 milhões de dólares e o contrato com a UnitedStates Steel Company para a compra e a instalação dos equipamentosda usina da Companhia Siderúrgica Nacional.

10 "O III Reich e o Brasil", volume II, págs. 68 e 69, Laudes, Rio, 1968.

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Nasce Volta RedondaAntes do advento da Siderúrgica de Volta Redonda, a vida

econômica da região sul-fluminense e, também, do restante do Estadodo Rio de Janeiro, tresandava a profunda decadência. Tudo aconteceraem razão, sobretudo, da inércia de uma elite inepta, voltada para opassado e pressurosamente agarrada às reminiscências de um fausto ede uma opulência, que se perderam com o fenecimento da lavouracafeeira, os quais a pecuária não lograra trazer de volta. Ademais, haviauma resistência, motivada, possivelmente, pelo esgotamento do solo, àbusca de alternativas agrícolas ao cultivo do café. Desse modo, as áreasde antigos cafezais transformaram-se em pastos e foram vendidas ouarrendadas a pecuaristas mineiros.

Graças à poderosa influência política do então Interventor doEstado do Rio de Janeiro, Comandante Ernâni do Amaral Peixoto, genrode Getúlio Vargas, Volta Redonda, o 8º Distrito do Município de BarraMansa, é escolhida como o lugar que vai abrigar a futura Usina de Açoda Companhia Siderúrgica Nacional. Trata-se de uma escolhaeminentemente política, visto que contraria consideráveis conveniênciastécnicas, como a desejável proximidade das fontes de matérias primasou de um porto fluvial ou marítimo. Mas possui eletricidade e água emabundância - vitais para a produção siderúrgica e é servida por umaestrada de ferro, ainda que em deploráveis condições.

Até 1941, Volta Redonda era, apenas, um ponto insignificante nomapa do Estado do Rio de Janeiro, e tão importante para a vida econômica,social, política e tecnológica do Brasil, quanto o seria qualquer diminutovilarejo interiorano. Ademais, nem se poderia incluí-la no circuito das"cidades mortas" do Vale do Paraíba - de que tratara Monteiro Lobato,em livro homônimo - já que nem sequer uma simples cidade o foraVolta Redonda, mesmo nos áureos tempos da opulência do café . Comofoi o caso de Bananal, em São Paulo, por exemplo.

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1941 - Fazenda Santa Cecília, em cujas terras foram construídas aUsina e a Cidade Operária.

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Tratava-se tão-somente de um distrito (o 8º) do Município deBarra Mansa, tal como Quatis, Falcão ou Amparo, àquela época. Excetopela chaminé do Engenho de Aguardente, datada de 1903, e das sedesde algumas fazendas, admiravelmente bem conservadas, muito poucorestou de vestígios históricos da velha Santo Antônio de Volta Redonda.Até mesmo a igreja do seu padroeiro, no bairro Niterói, ficoudescaracterizada, arquitetonicamente falando, quando da sua reforma,na segunda metade do século XX.

Embora sua primitiva história, como vila, remonte ao séculoXVIII, Volta Redonda somente ingressa no mapa e na História, de formarelevante e significativa, quando o governo do Estado Novo se decidepor sua escolha como local para a construção da primeira grande usinasiderúrgica do Brasil. Antes de 1941, não havia nada em Volta Redondaque pudesse apresentar alguma relevância ou significado, de modo ainseri-la no mapa, como um “locus” importante, mesmo no âmbito restritoda história fluminense. A "Velha Província" - como era chamado,pejorativamente, o Estado do Rio de Janeiro - tornara-se, no últimoquartel do século XIX, economicamente atrasada, medíocre e decadente.Apenas sobrevivia graças aos favores políticos e à vizinhança do PoderCentral, sediado no Rio de Janeiro, a apenas meia hora de travessia debarco de Niterói.

No Natal de 1941, dezoito dias após o ataque japonês a PearlHarbour, no Hawaii, território dos EEUU, topógrafos e agrimensores,acampados nos laranjais da Fazenda Santa Cecília, na Vila de Santo Antôniode Volta Redonda, 8º Distrito do Município de Barra Mansa, já haviamesquadrinhado o terreno às margens do rio Paraíba do Sul, onde se ergueriaa maior usina de aço do hemisfério sul. Os Estados Unidos ingressavam naSegunda Guerra Mundial; o Brasil, na era da indústria pesada.

Em agosto de 1942, o Brasil declara guerra às potências do Eixo(Alemanha, Itália e Japão), em virtude dos ataques de submarinos àsembarcações brasileiras, na maioria dos casos em águas territoriais deum país que se anunciara neutro. O alinhamento do Brasil com as naçõesaliadas transforma a construção da usina de Volta Redonda em objeto

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de interesse militar estratégico, o que viabiliza o fornecimento imediato,pelos americanos, de equipamentos à Companhia Siderúrgica Nacional,em pleno esforço interno de guerra dos Estados Unidos e a despeito detodos os problemas de navegação num Atlântico infestado de submarinosalemães. Juntamente com os equipamentos siderúrgicos, mais de vintetécnicos americanos desembarcam no Brasil e passam a prestar assistênciadireta ao processo de montagem da usina de aço, alguns dos quais somenteretornaram aos Estados Unidos no início da década de cinqüenta.

Ainda em 1942, instalam-se várias empreiteiras para as obras deconstrução civil da planta da siderúrgica e da vila operária. O terrenoescolhido à margem direita do rio Paraíba do Sul exige o aterro de umaárea com aproximadamente 11 km2 para acolher os seis grandes setoresde uma usina siderúrgica completa: coqueria, alto-forno, aciaria,laminação, oficinas de manutenção e pátio de minérios. Além disso, ausina abrigaria, também, uma central termoelétrica, uma grande fundiçãoe uma estação de captação e tratamento de água.

Nesse mesmo ano, a Companhia Siderúrgica Nacional abre orecrutamento de mão-de-obra para a construção de sua usina de aço.Dezenas de agentes de recrutamento deslocam-se para o interior dosEstados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais para o alistamentode trabalhadores, que eram transportados de caminhão até a estaçãoferroviária mais próxima, onde embarcavam no trem para Volta Redonda.

Em sua maioria, esses milhares de homens procediam daslavouras e da pecuária, acostumados à enxada e ao trabalho "de sol asol" - como se dizia à época. Analfabetos e sem qualquer qualificaçãoprofissional que os habilitasse para o serviço na indústria, muitos delessão encaminhados ao trabalho braçal da construção civil, no formigueirohumano dos canteiros de obras. No dia-a-dia do trabalho pesado, vãoconhecendo novas ferramentas, além da pá, da enxada e da picareta, eaprendem como manipulá-las, com uma rapidez que surpreende seusmestres de obra. Seu aprendizado, muitas vezes no "fazer, fazendo",inclui o conhecimento do sistema inglês de medidas, de que a unidadede uso mais comum é a polegada - largamente empregada nasespecificações de máquinas e equipamentos importados pela CSN.

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37 1941- V. Redonda: primeiros movimentos de terraplanagem.

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1941- E. F. Central do Brasil vista do Viaduto da Usina da CSN.

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39 1943 - A Usina em construção vista do futuro bairro Laranjal.

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Paralelamente à construção da usina de aço da CSN, a empresaimplanta uma "escola profissional", destinada à formação de mão-de-obraqualificada, que usa a metodologia do SENAI. A "Escola Profissional",mais tarde denominada "Escola Técnica Pandiá Calógeras", cumpririaum papel histórico na formação, no aperfeiçoamento e na especializaçãode mão-de-obra para a Usina da CSN. Ressalte-se, contudo, que algunsmilhares, dos quase dez mil trabalhadores engajados na construção deVolta Redonda, são profissionais qualificados, que se habilitaram nasindústrias urbanas, nas ferrovias, nas companhias de energia elétrica enas próprias escolas industriais que essas empresas mantinham comsubsídios governamentais (parte da contribuição compulsória destinadaao SENAI poderia ser aplicada pelas próprias empresas, na qualificaçãodo seu pessoal - uma alternativa legalmente admitida).

A epopéia da construção da usina de aço de Volta Redonda

Para o autor, os Ciclopes - operários das forjas de Vulcano,segundo a mitologia - simbolizam os milhares de trabalhadores anônimosque, "vindos de todos os cantos, de Minas, São Paulo e de todos os santos...",aqui deram corpo a um sonho, construindo a maior usina siderúrgica daAmérica Latina, a maior do hemisfério Sul.

Os Ciclopes, de "pés descalços, carcomidos, tresnoitados e abatidos",junto com o sonho e "a esperança de um bom e novo lugar para se viver etrabalhar", nada mais traziam consigo, além do analfabetismo, daignorância, da miséria, da subnutrição e das mãos calosas do cabo daenxada. Pois essa estirpe de gigantes sem estirpe é que faz surgir umaimensa fábrica, como jamais fora vista no Brasil. Muitos simplesmentenão acreditavam no que viam, mesmo quando tinham diante de si asvigas e colunas de concreto brotando das formas de madeira e que setransformavam em enormes edifícios.

Segundo o relato do técnico mecânico Isidório Ribeiro, outrostrabalhavam com o entusiasmo e a convicção daqueles que sabem estarerguendo uma catedral:

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41 1946 - Trabalhadores fazem sua refeição na Ala de Carga da velha Aciaria SM.

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"Muitas vezes, nem nos dávamos conta de queescurecera e a noite já ia alta. Acontece quetínhamos um trabalho a realizar, uma missão acumprir, e, como bons soldados, somente parávamosquando recebíamos ordem para cessar tudo".

"Muitos companheiros, alguns muito simples e de'pouca leitura', inclusive, tinham uma noção bemnítida da importância da obra que ajudavam aconstruir, e associavam a relevância da usina de açocom o futuro de seus filhos."

O afluxo de brasileiros, de quase todos os cantos do País paraVolta Redonda, transforma-a num cadinho, em que se mesclam os traçosculturais de diferentes regiões brasileiras. Nos primeiros anos de vida danova cidade que se forma, a grande maioria da população volta-redondenseobviamente constitui-se de forasteiros. Mas o intercâmbio cultural,propiciado pela convivência forçada de contingentes humanos dediferentes procedências, promove uma mescla de usos, costumes e traçosculturais que essas pessoas traziam de seus lugares de origem. As trocasculturais processam-se principalmente nos campos da culinária, doslinguajares, das manifestações folclóricas reproduzidas, por exemplo,pela dança e no uso comum de objetos (por exemplo: a rede de dormir,da cultura indígena, usada tanto pelos gaúchos, como pelos nordestinos,passa a ser utilizada pelos mineiros, no lugar da cama, em razão daspéssimas acomodações dos alojamentos de operários); a culinária dacolônia mineira - maioria esmagadora entre os forasteiros chegados aVolta Redonda - foi rapidamente absorvida pelos demais segmentosforâneos: o angu de fubá, o tutu de feijão, o torresmo, a lingüiça deporco e a couve picada e refogada - todos eles de simples elaboração -se tornam a comida diária de paulistas, gaúchos, capixabas, baianos,cearenses, pernambucanos e mineiros. Nessa época, a piscosidade dorio Paraíba do Sul é alta e variegada. Mas, por absoluta falta de tempopara a pesca, só ocasionalmente o peixe de água doce entra na dieta dos"arigós" - como, então, são chamados os pioneiros da construção dausina de Volta Redonda.

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1945: Gigantes de concreto: Edifícios das Oficinas de manutenção elétrica e mecânica; Almoxarifado eCasa de Óleo. À direita, no alto, o elegante Bairro Laranjal.

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Os edifícios da Usina são erguidos em concreto armado, porquenão havia vigas de aço disponíveis para a construção civil, naquelestempos de guerra. Muitos, mesmo trabalhando no local, não acreditavam,quando viam os prédios aflorando do desmonte das formas de concreto.

É "um difícil começo" - como no verso da canção de CaetanoVeloso - o dos "Ciclopes" chegados a Volta Redonda, nos idos de 1942,1943 e 1944. Alojados em barracões de madeira - os "acampamentos" -, com mínimas condições de limpeza e higiene, os operários, muitasvezes, fazem suas refeições no próprio canteiro de obras, servidas emmarmitas levadas ao local através de furgões popularmente conhecidoscomo "amélias" - numa alusão, é claro, à heroína do samba "AI QUESAUDADES DA AMÉLIA11". Nas poucas horas de folga, à noite,centenas de trabalhadores vão às oficinas da Escola Profissional da CSN,mais tarde, rebatizada como Escola Técnica Pandiá Calógeras - até hoje,uma referência nacional de excelência no ensino técnico industrial. Ali,aprendem os fundamentos de diversos ofícios demandados pela indústriapesada: tornearia, eletricidade, mecânica, caldeiraria, serralheria, soldaelétrica e a oxigênio, fundição, carpintaria. Outros simplesmente sedirigem às escolas de alfabetização, em busca do tempo perdido.

Rapidamente, a CSN passa a construir alojamentos para asfamílias. Milhares delas vêm juntar-se aos seus pais. E essas primeirasfamílias pagam pesado tributo aos sonhos de seus chefes: os alojamentossão precários, sem instalações sanitárias e sem água corrente em cadamódulo de habitação familial; as privadas, os chuveiros (de água fria) eos tanques de lavar roupa são públicos, de uso coletivo, portanto. Nessequadro, vale lembrar que os penicos adquirem indispensável serventia,tanto para os crianças, como para os adultos... Morando num dessesbarracos, na área denominada "Laminação", uma das obrigações doautor, quando menino - a exemplo de muitas crianças do alojamento da"Laminação" - consistia em lavar e arear os penicos da família no córregoSecades, que banhava os fundos daquele núcleo residencial provisório.Os pés descalços naquelas águas poluídas causam muitos casos de tifo,verminose e anemia. As condições de higiene são precárias, naquelesprimeiros tempos de pioneirismo, e ceifam muitas vidas.

11 Samba de Ataulfo Alves e Mário Lago, vitorioso do Carnaval de 1942 (apud ALENCAR,Edigar de. "O Carnaval carioca através da música", F. Alves, 4ed., Rio, 1980).

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Em 1945, a usina de Volta Redonda encontra-se na fase final demontagem, em que os operários trabalham febrilmente, cumprindo de12 a 15 horas diárias de serviço. À medida que a usina adquiria contornosmais nítidos, com a montagem da Coqueria, do Alto-Forno, da Aciaria eda Laminação, um "entusiasmo contagiante, cheio de ardor cívico,envolvia os trabalhadores", segundo Isidório Ribeiro. Esse entusiasmoleva uma "brigada" de 2.000 trabalhadores ao Rio de Janeiro, para desfilarperante o presidente Vargas, no dia 1º de maio de 1942, trajando"macacões" de serviço, como se fossem - e, certamente, o eram... -soldados engajados na produção.

"Na ocasião, as palavras do presidente da Repúblicareforçaram a identificação entre 'soldados' e'operários', antecipando de certo modo o clima deesforço de guerra e de mobilização que envolveriaa construção da usina .

"Mas a participação dos operários da CSN no desfilecontribuiria também para reforçar toda uma místicadesenvolvida pelo DIP em torno da criação da usina".(Moreira, Regina da L., “CSN - Um sonho feito de aço eousadia”, IARTE, Rio, 2000)

Indagado sobre se os operários tinham, realmente, uma noçãoclara da importância da CSN, para eles e para o Brasil, relata, ainda, otécnico mecânico Isidório Ribeiro:

"Tinham. Havia no trabalho que fazíamos um amormuito grande pela CSN. Era uma experiênciadiferente, porque estávamos construindo algumacoisa de positivo..."

"... trabalhávamos, às vezes, vinte e quatro horaspor dia... Naquela época, quando a Usina começou,eu fiz uma jornada de quarenta e oito horas detrabalho. Eu fazia a parte de uma peça num tornomecânico e o outro companheiro, a outra. Umdormia, enquanto o outro fazia a parte dele, e assimnos revezávamos.”

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47 1944 -Operários almoçando no "R.U." - Refeitório da Usina.

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1942 - Acamp. Central: barracões p/famílias dos perários.

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49 1945- Vista aérea da Vila Santa Cecília, no alto; o velho Escritório Central, no meio e o prédio da Laminação, embaixo.

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"Quarenta e oito horas, direto, sem sairmos daUsina. Então, aquilo nos dava uma força interior, umaresistência, uma garra, para suportarmos osproblemas.Vivíamos uma época de racionamento:às vezes, faltava carne, açúcar, pão... Veja que coisainteressante: apesar do mundaréu de gentetrabalhando junto e da brutalidade do serviço a serfeito, a criminalidade era baixa. Quase não haviacrime de morte. Trabalhava-se muito e quase nãohavia tempo para o lazer."

Em 7 de maio de 1943, o presidente Vargas, em visita a Volta Redonda,assim se expressa, num discurso laudatório à siderúrgica em construção:

"Diante do empreendimento de tamanhamagnitude, como o que estamos aqui realizando, nãoposso ocultar o meu entusiasmo patriótico e a minhaconfiança na capacidade dos brasileiros.

“O que representam as instalações da usinasiderúrgica de Volta Redonda, aos nossos olhosdeslumbrados pelas grandiosas perspectivas de umfuturo próximo, é bem o marco definitivo daemancipação econômica do país. Aqui ele estáplantado, em cimento e ferro, desafiando ceticismose desalentos [...].

"Esta cidade industrial será um marco da nossacivilização, um monumento a atestar a capacidadeda nossa gente [...]" (MOREIRA,54).

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51 1942 -Operários de V. Redonda no desfile de 1º de Maio no Rio de Janeiro.

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1944 -Trabalhadores no Pacaembu, S.Paulo; veja a faixa inferior na foto.

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53 1945- A Aciaria em fase final de montagem.

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A SOCIEDADE URBANO-INDUSTRIAL DEVOLTA REDONDA

A nova sociedade urbana de Volta Redonda: um ensaio decolonialismo cultural

A partir de 1946, com a eleição do general Dutra para presidenteda República, a política externa do Brasil se alinha abertamente àorientação dos Estados Unidos, fato que acarretaria diversosdesdobramentos na vida interna do país: a despeito de a Constituiçãode 1946 assegurar, formalmente, direitos e garantias individuais aocidadão, inclusive a liberdade de idéias, o Partido Comunista é colocadona ilegalidade, com o que se inaugura, então, a temporada de "caça àsbruxas", no caso, os comunistas e os simpatizantes do marxismo; osEstados Unidos tornam-se nosso maior parceiro comercial, com o qualesbanjamos, em menos de dois anos, quase um bilhão de dólares (emvalores da época) na importação de artigos de consumo supérfluos:uísque, artefatos de matéria plástica (uma grande novidade do pós-guerra), calçados, roupas de tecidos sintéticos, automóveis de luxo,cimento para a construção de 45 km de pistas duplas da RodoviaPresidente Dutra; e pagamos a indenização pela desapropriação daEstrada de Ferro Leopoldina, quando faltava apenas um ano para queaquela ferrovia revertesse gratuitamente ao patrimônio da União, porforça do término do contrato de concessão.

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Juntamente com os bens de consumo que importávamos, chegamos artigos da indústria cultural - os filmes de Hollywood, que são exibidosem mais de três mil cinemas existentes em todo o Brasil.

"Torna-se obrigatória a copiagem de filmesestrangeiros em laboratórios brasileiros. Poucodepois se reduz esta obrigação à metade paraatender à pressão dos exibidores, que introduzemno Brasil mais de quinhentos filmes por ano".(Ribeiro, Darcy, “Aos Trancos e Barrancos”, Guanabara,Rio, 1985)

Os efeitos dessa invasão, em termos de influência cultural, emcima de uma população inculta, semiletrada, vão mais além do que ummero ou episódico modismo. Exemplificando, nossos artistas de rádio ecinema adotam nomes artísticos americanizados: "Bob Nelson", "CyllFarney", "Blackout", "Dick Farney", "Stella Egg", "Mister Eco" etc.Até mesmo um jornalista, comentarista político do rádio, assina seusartigos com o pseudônimo "Al Neto"...

Assim, do mimetismo em relação ao que se torna atraente, pelaforça desse poderoso veículo de comunicação de massa que é o cinema,segue-se que crianças brasileiras são batizadas, aos milhares, com nomesde astros e estrelas do cinema e de personagens que interpretaram.Contudo, essa é a mais suave e menos nociva conseqüência desseprocesso de colonialismo cultural.

O hábito de fumar, por exemplo, exibido com glamour pelosfilmes americanos, alavanca de tal forma a indústria nacional de tabaco,que multinacionais do ramo, como a "British-American TobaccoCompany", açambarcam tradicionais fábricas brasileiras de cigarros eimpõem ao consumidor brasileiro marcas norte-americanas, por cujautilização pagamos, até hoje, elevados royalties. Volta Redonda não escapadesse abominável processo de colonialismo cultural - a "americanalhização"do Brasil, na feliz expressão atribuída ao humorista Sérgio Porto, o "StanislawPonte Preta", como era conhecido nos anos sessenta.

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57 1946 - Cine Santa Cecília, o famoso "Poeirinha", primeiro cinema de Volta Redonda.

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A usina de aço, planejada, construída e organizada segundo padrõestécnicos norte-americanos, configura o exemplo mais eloqüente dacooperação entre os Estados Unidos e o Brasil, à parte a circunstância dapresença, em Volta Redonda, de técnicos estadunidenses, por mais de umadécada, e do permanente intercâmbio com a United States Steel Company,para o treinamento de centenas de técnicos metalúrgicos brasileiros. Esseintercâmbio e o fato de que dependíamos de desenhos, esquemas, manuaise de literatura técnica norte-americana para fazer a usina funcionar,concorrem para que, desde o início da construção da usina, o Inglês setorne, depois do Português, a língua mais falada em Volta Redonda.

Ao ingressarmos na década de cinqüenta, o processo deindustrialização sistemática do Brasil, deslanchado com a CompanhiaSiderúrgica Nacional, passa a exigir investimentos cada vez mais amplos,para o que não dispomos de poupança interna suficiente.

Afinal, o governo Dutra havia esbanjado, em um consumismo quaseabsurdo, as preciosas reservas em divisas estrangeiras, que amealháramosdurante a Segunda Guerra Mundial, em face do fornecimento de matériasprimas estratégicas aos Aliados e mercê de imensas privações e sacrifíciosda população brasileira, ao longo daquele conflito.

Não obstante o quadro de dificuldades por que o país atravessa,durante todo o segundo governo de Vargas (1951/1954), a Exposiçãodo IV Centenário da Cidade de São Paulo, no Parque Anhangüera, em1954, revela um novo Brasil. O setor industrial se diversificara e jáoferece um leque de bens de consumo a um mercado interno emexpansão, o qual, ainda nessa mesma década de cinqüenta, viria adesfrutar da produção nacional de automóveis e de eletrodomésticos.Nesse mesmo ano de 1954, a Companhia Siderúrgica Nacional dáprosseguimento às obras de expansão de sua usina de aço, com ainauguração do Alto-Forno nº 2.

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1946 - Os novos "atores" no cenário brasileiro do pós-guerra: artistas de Hoolywood, artigos de consumo importados dosEEUU e a figura do presidente Dutra ("BRASIL, DE VARGAS A GETÚLIO", desenhos de Clécio Penedo e texto de Waldyr

Bedê, no Memorial Getúlio Vargas, em Volta Redonda).

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A Formação Social: cotidiano e mentalidades

A Cidade Operária Planejada

A partir de 1943, ao redor da Usina de aço, vários bairros, commilhares de casas em alvenaria, vão invadindo e modificando a bucólicapaisagem de laranjais e eucaliptos, definindo a Cidade Operária da CSN,"setorializada": área comercial no centro, igreja num alto de colina, áreade lazer noutro canto, áreas para localização de escolas, diversos tiposde moradias, que variam de acordo com o “status” funcional doempregado, tudo colocado num "locus" adrede concebido e elaboradona prancheta do arquiteto Atílio Corrêa Lima - um dos grandesplanejadores de Vargas. Seu trabalho é minuciosamente relatado ecomentado pelo arquiteto Alberto Lopes, em "A Aventura da Forma- Urbanismo e Utopia em Volta Redonda", publicado em 2003.

Segundo Lopes, o arquiteto Corrêa Lima apresenta sua"Proposta para o estudo do Plano Regional de Urbanismo paraVolta Redonda, no Vale do Paraíba, onde será instalada a UsinaSiderúrgica", em 25 de dezembro de 1940, ao Major Hélio MacedoSoares, Secretário de Viação e Obras Públicas do Estado do Rio deJaneiro. Ali consta, como um dos seus itens de destaque:

"- Projeto de uma cidade operária tipo, para VoltaRedonda, tendo em vista o máximo de rendimentoe conforto admissível para o caso, para um mínimode despesa e manutenção, categorias e tipos dehabitação, campos de esportes, playgrounds,escolas, pequeno centro comercial, água e esgoto"(Lopes, op. cit. 71).

A Cidade do Aço já nasce socialmente estratificada: o bairro Laranjalse destina à elite de funcionários da empresa: engenheiros e técnicosespecializados; a Vila Santa Cecília, para o estamento de chefesintermediários (a quem os operários, debochando, chamavam de "arigós depenacho”) e os bairros do Rústico, Jardim Paraíba, Monte Castelo, Sessentae Conforto, para os trabalhadores em geral - os chamados "arigós de usina".

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Em meados de 1948, Volta Redonda, já é a "Cidade dasbicicletas" - o meio de transporte utilizado pela maioria dos seushabitantes. Naquele ano, a CSN importa da Inglaterra e revende aosseus empregados as famosas bicicletas "Phillips" e "Raleigh", que são oorgulho e um sinal de "status" dos seus proprietários.

Na segunda metade dos anos quarenta, no imediato pós-guerra,o rádio e o cinema estabelecem a ligação dessa incipiente sociedadeurbano-industrial com as atrações do mundo moderno, ao mesmo tempoem que, como conseqüência natural desse contato, definem-se, também,os padrões de consumo possíveis.

E, como costuma ocorrer em um processo de transculturação12

- em que traços, padrões e valores de uma dada cultura são absorvidospor outra -, passamos a receber a transferência desses elementos dacultura norte-americana, que incluem moda, bebidas, cigarros, objetosde uso pessoal, veículos; a absorver expressões idiomáticas e, até, afazer imitação de comportamentos de artistas de cinema. É umfenômeno típico do pós-guerra, característico da hegemonia militar,política e econômica dos Estados Unidos sobre os vencidos e, também,sobre seus aliados satélites.

Enquanto isso, em Volta Redonda, na Cidade planejada pela CSN,a hierarquia funcional da empresa se reproduz na organização de umasociedade local estratificada em "castas", de acordo com o "status"funcional do chefe de família. Essa estratificação se faz presente nosaspectos mais prosaicos do cotidiano da Cidade: não somente na qualidadeda moradia ou na sofisticação do tipo de urbanização do bairro em que semora; como também nas relações sociais, no lazer e no entretenimento.Por exemplo: uma briga dentro de um dos clubes de empregados poderiarefletir-se negativamente sobre o futuro profissional dos contendores...

12 Herskovits, Melville, "O Homem e suas Obras", Mestre Jou, S.Paulo, 1963.

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1945 - Vila Santa Cecília - uma rua transversal.

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63 1942- O Rústico em construção. Ao fundo: Usina.

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A CSN assume o papel do "Grande Irmão", da ficção criadapor George Orwell, em sua famosa obra "1984": tanto provê, comovigia e controla a vida dos seus empregados, valendo-se do serviço sociale da "Polícia Administrativa" da empresa.

Volta Redonda cumpre um papel fundamental, ao tentarrealizar, junto com a produção de aço de seus fornos, o ideal aneladopelos teóricos do Estado Novo, de um novo homem brasileiro,menos que um cidadão, mas um súdito do regime, trabalhador,cordial, ordeiro, hígido, protegido, amparado e policiado pelo PoderPúblico, soldado da construção do futuro nacional. A respeito, assimcomenta Moreira (op.cit.54):

"... todo o empreendimento tornou-se espelhoda ideologia for jada pelo Estado Novo devalorização do trabalho e de reabilitação dotrabalhador nacional, traduzida em uma políticasocial que incluía não apenas medidas deproteção à saúde física e mental do homembrasileiro, mas também de incentivo à suacapacidade produtiva. Nesse sentido, asatisfação de necessidades básicas comohabitação, alimentação, saúde e educação, assimcomo o amparo à família, acabariam por tornar-se pontos primordiais da política estadonovistade proteção ao trabalhador e ao próprioprogresso material do país".

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65 1946 - A Polícia da CSN: os "Cabeças de Tomate".

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O "Conforto"- um bairro típico da Cidade Operária

A área principal do Bairro do Conforto é formada por duasavenidas paralelas, distantes cerca de cem metros uma da outra, que nascemnas proximidades do Escritório Central da CSN, na Vila Santa Cecília,passam pelo pioneiro Bairro Rústico e se estendem por aproximadamentedois quilômetros, no sentido leste-oeste, na direção de Barra Mansa. OConforto foi construído em frente aos barracões de alojamento das famíliasda área da Laminação. E à medida que as casas iam sendo erguidas, muitosmoradores dos barracões provisórios exclamavam: "Mas que conforto, odessas casas!". O nome ficou. E ali passaram a residir mais de quatro milpessoas em, aproximadamente, oitocentas residências, confortáveis, sólidase espaçosas, com jardins e quintais. O aluguel era simbólico e os inquilinosnão pagavam água, nem energia elétrica. Este último detalhe desencadeouuma verdadeira "febre" de fogões, fornos e fogareiros elétricos, fabricados,em sua quase totalidade, pelos próprios operários, com chapas que"desapropriavam" do estoque da CSN, já que não havia desse eletro-doméstico disponível no mercado, dado o seu elevado custo. E, nessaépoca, tampouco existia o gás de cozinha em botijão. Ademais, os fogõesa lenha feitos de chapa em ágata, com que a CSN montara as casas, eramde péssima qualidade. Assim, praticamente quase toda casa passou apossuir um forno-fogão elétrico improvisado...

Até meados dos anos cinqüenta, não havia feira-livre noConforto. Em compensação, na maioria das casas das trinta ruastransversais, cujos quintais eram bem espaçosos, as famílias cultivavamfrutas, hortaliças e legumes, e criavam galinhas, suprindo, em boa parte,a ausência da feira-livre, que somente acontecia aos domingos, na áreacomercial da Vila Santa Cecília, no centro da Cidade Operária. Emboraa terra (saibro) não fosse a mais apropriada, para esse tipo de cultivo, edependesse do esterco de gado, trazido pelos moradores da "Fazendado Alemão13", o volume cultivado formava um pequeno excedente, queentrava num intercâmbio entre vizinhos, trocado por aves e ovos.

13 Tratava-se da fazenda da família Haasis, distante 4 km a sudeste do Conforto (notado autor).

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As casas não possuíam grades e seus jardins eram abertos eentremeados de pequenas alamedas. As varandas, em sua maioria,mobiliadas com mesas e cadeiras de vime, metal ou madeira, podiamser vistas por quem passasse pelas calçadas, tanto na Rua Dois, comona Quatro. Nas vias transversais, entre essas ruas, formaram-se pequenascomunidades, cujos integrantes estreitavam laços de uma crescentesolidariedade vicinal. É claro que isso não excluía eventuais problemasde relacionamento e seus conflitos, de resto, inevitáveis nesse tipo deconvivência. Contudo, no geral, prevaleciam a amizade e o envolvimentoemocional, próprios da vida em comunidade.

No final do Conforto, há um barracão, atualmente um depósitode uma distribuidora de bebidas, onde, até meados dos anos cinqüenta,funcionou a Escola Tenente Melo Morais, da professora Araci GuerraEvaristo, conhecida como "Dona Ceci". Essa escola era o grande (e,aliás, único!) espaço cultural do bairro. Uma vez por semana, à noite,funcionava um cinema, com um único projetor de 16mm, que exibiafilmes antigos, muitos deles ainda do cinema mudo, como os seriadosde faroeste do Tom Mix.

Aos sábados, promoviam-se brincadeiras dançantes e, aosdomingos, missa matutina celebrada pelo padre jesuíta HumbertoDunkel, que desenvolvia um árduo trabalho missionário para a IgrejaCatólica, em Volta Redonda, oferecendo assistência religiosa àpopulação, que era visitada por ele, bairro por bairro.

No Conforto, na direção sul, formam-se vários pequenos eixosviários, que partem da Rua 4 (atualmente, Av. Nossa Senhora daConceição) e deixam a Cidade Planejada rumo a áreas "livres": as ruas207 e 209 dão origem ao Bairro São Lucas; as ruas 223 e227 abremcaminho para o Eucaliptal; e as ruas 243, 245 e 249 rompem os caminhosque irão formar o Morro de São Carlos (inicialmente, Morro dosAtrevidos), a Minerlândia, o Bairro 249, o Jardim Ponte Alta e a

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Mangueira. Nesses grotões, sujeitos, com o passar do tempo, à ganânciados especuladores imobiliários e à ocupação desordenada do solo,constituíram-se comunidades com identidade própria, a despeito de,nos seus primeiros anos de vida, se encontrarem abandonadas pelogoverno municipal e completamente desaparelhadas, em matéria deequipamentos públicos. A vida, no entanto, fluía: o carnaval e o futebolseriam os aspectos culturais que lhes permitiriam construir a identidadecomunitária de cada grota.

"Unidos de São Lucas", "Escola de Samba Chico Viola", do"Eucalipal" (corruptela popular de "eucaliptal"), "Escola de SambaPrincesa Isabel", da Rua 208, e a "Escola de Samba Unidos doAcampamento", do Acampamento Central (um bairro pioneiro, anordeste da Usina, composto de barracos de madeira, cuja área foiposteriormente ocupada pela CSN), formam um "espaço" imagináriode lazer, que se concretiza no leito da própria rua, já que não dispõemde quadras ou galpões para os seus ensaios carnavalescos. Obviamente,em cada comunidade, sempre havia um líder para colocar ordem nascoisas. Dois deles foram realmente notáveis, pelas diferenças detemperamento e de métodos de ação, embora com o mesmo objetivo:fazer uma escola de samba de bairro desfilar na Rua 14, a principal viado centro comercial da Vila Santa Cecília.

No Acampamento Central, ninguém discutia a liderança deDjalma de Assis Mello, que organizava a escola de samba do bairro,contando com a cooperação quase unânime da comunidade local. "Seu"Djalma, sisudo, contido e discreto, jamais se fantasiava. No entanto,acompanhava o desfile de sua escola, na apresentação principal,caminhando ao lado do grupo, em "mangas de camisa", como secostumava dizer, e de chapéu de feltro. Respeitado na comunidade,Djalma de Assis Mello foi suplente de vereador, em 1960, e suplente evereador, de 1968 a 1972.

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69 Escola de Samba de Volta Redonda nos anos cinqüenta.

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No Bairro São Lucas, Jacy de Jesus, conhecido e acatado "Paide Santo", liderava a "Unidos de São Lucas". Jacy, carnavalesco, eramais solto, comunicativo e gostava de desfilar, devidamente fantasiadocomo "diretor de escola de samba".

As grotas próximas ao Bairro do Conforto produziram váriostimes de futebol. Alguns, de existência efêmera, como o "enjoadíssimo"esquadrão do "Estrela de Ouro F.C.", da Rua 208; outros, de vida maislonga, como o “Industrial E.C.”, criado, também, no Conforto, com oapoio da antiga FORNASA, uma indústria de tubos de aço, que aindafunciona no bairro, e o aguerrido “América F.C.”, na Comunidade dopequeno Bairro Rústico.

Ainda acerca da vida nas grotas das Ruas 208 e 249 - a primeira,conhecida como "Boca da Cobra" e a segunda, como "Boca da Onça" -e do Eucaliptal, não se pode prescindir da deliciosa lembrança de algunsdos seus botequins e freqüentadores habituais, bebedores convictos econsumidores fidelíssimos de "Colar de Pérolas", "Paraty", "Taça deCristal", "Imbuhy", "Praianinha" e outras aguardentes menos bebidas.Alguns "batiam o ponto" diariamente, outros eram "biriteiros" de fimde semana. Em sua maioria, eram trabalhadores, pais de família, queapenas espaireciam, entre um e outro gole de pinga, enquantocomentavam algum fato acontecido na Usina, discutiam política, futebole mulheres ou contavam "causos" de sua terra natal.

Afora os cinemas "Nove de Abril", "Avenida" e "Santa Cecília",que ficavam fora do bairro, não havia muitas outras opções de lazer.Então, os jogos de malha, que se serviam das próprias ruas como raiasimprovisadas, além do dominó, da dama e dos jogos de cartas, tornaram-se alternativas de entretenimento, junto com o pequeníssimo Cine Marly,de cento e vinte lugares, inaugurado na Rua 208 (mais tarde, RuaFernando Tedesco), e que funcionou como uma agradável opção dedivertimento, na verdade, responsável pelo despertar do gosto de muitosmoradores do bairro pela "Sétima Arte".

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71 1945 - O Conforto visto do Morro da Viúva, na R. 249.

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1967 - Alunos da E.E.Pres. Roosevelt desfilando na Rua 4, atual Av. Na. Sra. da Conceição, no Conforto.

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Na segunda metade dos anos cinqüenta, a recepção da imagemde televisão em Volta Redonda começou a produzir uma lenta, masprofunda, transformação nos hábitos, costumes e comportamento dapopulação - como ocorreria, também, em todo o Brasil, a exemplo doque afirmara McLuhan, que "a televisão produz sua própria cultura".Aos poucos, a vivência comunitária cedeu lugar ao isolamento de cadaqual em seu lar. As cadeiras nas calçadas ou nas varandas cedem lugaraos sofás e às poltronas estofadas da sala de estar, em que adultos ecrianças se aboletam para render tributo ao novo totem recentementeentronizado nos lares - a TV, graças ao serviço do "Reembolsável" doClube de Funcionários da CSN, que vendia receptores aos milhares, emmódicas prestações mensais. Assim como outros três mil cinemas detodo o Brasil, o Cine "Marly", do bairro do Conforto, tentou resistir àconcorrência da televisão, mas acabou por fechar suas portas. Era ocomeço do fim de uma época.

As relações do cotidiano e o paternalismo da CSN

A urgência e a determinação com que o Estado Novo, a partirde 1941, se atirou ao grande projeto de construção da Usina Siderúrgicade Volta Redonda ficavam patentes na mobilização dos recursos materiaise humanos necessários ao empreendimento, assim como na forma deadministrá-los: uma mistura de postura autoritária com disciplina decaserna, que se desdobrava, de cima a baixo, na hierarquia dos canteirosde obras e nas quase cem salas dos barracões do provisório EscritórioCentral da CSN. Ademais, algumas das figuras-chave na execução doempreendimento estatal procediam da caserna e aplicavam seu modopeculiar de tratar as pessoas às relações do cotidiano com os empregadosda empresa. Mesmo entre esses, distinguia-se o operário da obra - nãoimportando se era mestre, artífice ou aprendiz -, do burocrata, de ternoe gravata, que se intitulava "funcionário de escritório" e "se dava aresde importância", diante daquele a quem chamava, pejorativamente, de"arigó de obra" e, mais tarde, "arigó de usina". Essa postura é compreensível

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numa sociedade que atribui enorme valor ao vestuário como indicativode “status” social, a ponto de os homens usarem ternos (calça, colete epaletó) de lã inglesa, em plena canícula de um país tropical...

Em grande medida, a forma dessas relações burocráticas traduziao legado de uma postura rançosa daquela sociedade decadente que, noImpério e na República Velha, sobrevivera agarrada às benesses do poderoficial. Houve, de fato, uma transposição, ainda que parcial, para asrelações funcionais da empresa, das práticas do Serviço Público: atémesmo as "Normas de Correspondência e Arquivo", o Regulamento dePessoal e outros procedimentos de que a CSN se valia, na sua rotinaadministrativa, provinham do DASP, o antigo DepartamentoAdministrativo do Serviço Público do governo federal.

Não obstante o rigor que a Nova Ordem pretendera impor àorganização e ao funcionamento da CSN, sucedia que, no tocante aosescritórios, acompanhara, também, essas práticas, toda uma culturatípica de repartição pública do Rio de Janeiro, o então Distrito Federal,distante 145 km de Volta Redonda, pela Estrada de Ferro Central doBrasil. "Maria Candelária", a funcionária classificada na letra "O",uma vigarista, imortalizada pelo cantor "Blecaute", no Carnaval de1952, constitui uma caricatura do tipo humano representativo dessa culturaburocrática, tipicamente carioca, de cuja influência Volta Redonda nãoescapou ilesa. É bem verdade que os chamados "vôos14" eram severamentepunidos, quando flagrados pela "Gestapo15" do Departamento de Pessoal.Ainda assim, ocorriam com funcionários do Escritório Central, emboraem escala incomparavelmente menor com os operários da Usina, ondeuma eventual ausência, na operação de um equipamento, seria facilmentenotada e reclamada pela equipe de produção.

14 No jargão típico dessa cultura burocrática, o "vôo" era a ausência temporária doserventuário, da repartição em que trabalhava.

15 GESTAPO: abreviatura de "Geheime Staats Polizei" ("Polícia de Segurança doEstado" da Alemanha nazista) e nome adotado pelos empregados da CSN para desig-nar, pejorativamente, os fiscais do Departamento de Pessoal.

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75 07/10/1954: Um dia de rotina no velho Escritório Central.

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Essa cultura incluía, também, uma presunção, um certo"aplomb", com que as pessoas se revelavam, no trato com subalternos,ao serem guindadas a posições de chefia - mesmo quando no exercíciode funções de nível hierárquico inexpressivo - e que ocorria, emespecial e com mais intensidade, nos serviços de escritório. Essaatitude, compreensível para os costumes da época, tornava-se quaseque uma regra geral e parecia reproduzir, no âmbito inteiramentenovo do mundo urbano-industrial, o mandonismo típico dos antigossenhores rurais. Na "Operação" da Usina, embora também fizesseparte das relações do cotidiano de trabalho, essa atitude era maisatenuada, o que poderia ser observado, inclusive, pelo linguajar maissolto, descontraído e, não raro, repleto de palavrões. Ademais, nointerior da Usina, o risco de uma ferramenta transformar-se,repentinamente, em tacape, nas mãos de um "arigó" enfurecido, erauma possibilidade que nenhum chefe sensato descartaria. Daí umcerto respeito pelo outro, na arrogância contida.

Esse padrão de comportamento, de viés autoritário, perdurariaquase que somente pelo tempo em que a primeira geração deempregados permanece na Companhia, não fosse a recidiva azeitadapelos "Anos de Chumbo" da Ditadura Militar. Quando chegou a suavez de entrar em cena, a segunda geração de empregados eracertamente mais informada, mais crítica e menos atávica em relaçãoà CSN. Contudo, os militares ocuparam a estatal, ocuparam todos ospostos possíveis e fizeram recrudescer o mandonismo, já então maisarrogante, porque exercido em nome da novíssima "doutrina dasegurança nacional", que justificaria todos os excessos e extrapolariatodos os limites.

A despeito de tudo, "a Companhia é uma mãe", no dizer dos seusempregados. Em 1946, quando a Usina entrou em funcionamento, oEstado Novo se extinguira com a instalação da democracia formalestabelecida pela Constituição de 1946. Mas o padrão governamentalde relações trabalhistas da Ditadura Vargas prosseguia intacto na empresa

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estatal. Durante a Segunda Guerra Mundial, com o racionamento degêneros essenciais dela decorrentes, a CSN gerira a distribuição decarne, pão e açúcar. Agora, aquele padrão criado pelo Estado Novo,que incluía uma política de assistência social fortemente paternalista,começava na distribuição gratuita de brinquedos aos filhos dosempregados, na época do Natal, e na de leite no Centro de Puericultura,passando pela instalação, através do SESI (Serviço Social da Indústria),de postos de venda de gêneros alimentícios, a preços reduzidos; pelaassistência médica pré-natal e materno-infantil; pela assistência médico-hospitalar-odontológica; pela farmácia do Hospital da CSN; pelogerenciamento da distribuição de moradias, e terminando pelaadministração de conflitos conjugais, familiares e vicinais, sempre coma intervenção mediadora e de aconselhamento de assistentes evisitadoras sociais. Além de tudo, o funcionário ainda poderia adquirir,a preços para além de módicos, aves, ovos, lingüiças e leitoas, naFazenda Santa Cecília: desfrutar do serviço reembolsável para aaquisição de bicicletas e, mais tarde, de aparelhos de televisão, oulevar a família para um almoço domingueiro no restaurante dosofisticado Hotel Bela Vista, sem gastar muito e com direito a descontoem folha de pagamento. O "facilitário" da empresa compreendia,também, a aquisição financiada de ações da CSN pelos seusserventuários, sempre que a estatal decidisse promover o aumento doseu capital.

Nem tudo, porém, eram flores. Embora dispusesse de umacasa, cujo aluguel era simbólico, o empregado da CSN nãopoderia, por exemplo, mudar a cor da pintura externa da suamoradia, nem trocar uma porta de entrada ou uma simplesesquadria de janela. Não obstante isso, a CSN lhe assegurava umareforma geral, com pintura externa e interna (esta, sim, com ascores de agrado do inquilino).

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Quatro bairros: Laranjal, acima à esquerda; Monte Castelo, acima à direita; Vila Sta. Cecília, abaixo, à esquerda eBairro Sessenta, abaixo à direita.

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Por muitos anos, ainda, as ruas dos bairros operários (JardimParaíba, Monte Castelo, Sessenta, Rústico e Conforto) permaneceramsem pavimentação, transformando-se em mais um motivo de sofrimentoe sacrifício para os trabalhadores e suas famílias. Somente as ruas doelegante bairro do Laranjal e as da Vila Santa Cecília eram calçadascom paralelepípedos.

No final dos anos cinqüenta, uma carta-sugestão do engenheiroJosé Domingos de Andrade de Azevedo, da Superintendência de Custosda CSN, conseguiu sensibilizar a diretoria da empresa para apossibilidade de venda das casas aos seus empregados. O engenheiroDomingos, valendo-se de um relato de situação semelhante, ocorridanuma vila operária de uma empresa norte-americana, e publicado narevista norte-americana "Seleções", procurou demonstrar que alémda conveniência de manter uma elevada política social empresarial, aCSN teria consideráveis vantagens financeiras com a alienação daquelesimóveis, como também se isentaria das despesas de manutenção e dopagamento do antigo Imposto Predial (hoje, IPTU). Além do mais, selivraria, para sempre, da administração de ocupações, permutas,cessões, despejos de inquilinos e filas intermináveis de candidatos àmoradia, tarefas das mais desgastantes dentre os procedimentospaternalistas da empresa.

A questão da venda das casas arrastou-se por toda a década desessenta, não obstante o empenho do Sindicato dos Metalúrgicos, quebatalhara por uma solução, desde 1956, resolvendo-se somente a partirde março de 1973 (Lopes, op. cit., 171), com a decisão da CSN de sedesfazer de quase quatro mil imóveis residenciais. Essa atitudeconfigurava uma nova orientação da empresa, de cunho marcadamenteliberal e de total ruptura com o paternalismo estatal, iniciada em 1968,segundo informa, ainda, Alberto Lopes (op. cit., 117).

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Breve notícia sobre o trabalho feminino na Usina de Aço.

A Usina da CSN, a despeito do nome feminino, era masculina.Dificilmente algum empregado da Companhia dos anos cinqüentaimaginaria uma mulher trabalhando no interior da Usina que não fossedo setor de Classificação de Folhas de Flandres. E isso somente porque,em outras usinas que produziam esse artigo - por sinal, o mais nobre emais caro dos produtos siderúrgicos -, reconheciam que a mulher possuiuma sensibilidade tátil muito mais apurada do que a masculina, o que atransforma na mão de obra preferida para a classificação e seleção defolhas de flandres. Rendidos a essa constatação, os machistas ficavamboquiabertos com a competência daquela quase uma centena de mulheresfazendo um trabalho tão rápido, que nem sempre os olhos humanosacompanhavam. Não obstante sua indispensável presença naqueleuniverso compreensivelmente (para a época) machista, as áreas detrabalho e de circulação da mulher eram restritas e situadas no extremooeste da Usina, na parte do edifício da Laminação destinada à expediçãofinal das folhas de Flandres.

As "Classificadoras de Folhas de Flandres" - sua nomenclaturaoficial na CSN - eram chamadas, pela vulgaridade machista entãoreinante, de "viralatas", um termo a que reagiam com justificadaindignação. Essa denominação, pejorativa e de mau gosto, não excluía,contudo, o elevado respeito que seus colegas de trabalho tributavam aessas mulheres no trato cotidiano. Ademais, elas também eram pioneiras:desde que a primeira chapa saíra do primitivo estanhamento porimersão, elas já estavam ali para classificá-las, garantindo a qualidadedas latas produzidas pela CSN.

Em sua derradeira visita à Usina de Aço, que hoje leva seu nome,o presidente Vargas foi fotografado ao lado de uma Classificadora deFolhas de Flandres, no momento em que ela explicava o seu trabalho aocriador de Volta Redonda. A cena revela um interesse mais do queprotocolar do Velho Caudilho pelo serviço que lhe era exibido.

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Esportes, lazer e entretenimento

A CSN cresceu sob a presidência do general Sylvio Raulino deOliveira, que a administrou por nove anos, de 1945 a 1954. O periódico"Nove de Abril", de abril de 1991, comemorativo do cinqüentenárioda CSN, assim se referiu à gestão do general Raulino:

"Seu trabalho ultrapassou os simples limites dafábrica, responsabilizando-se pela construção dacidade que surgia ao redor da usina e que, pela suainstalação, passa de 12 mil para 40 mil habitantes.Promoveu a construção de moradias e toda a infra-estrutura de serviços. Inauguração dos Altos-Fornos1 e 2. Usina opera a plena carga. A CSN começa aabastecer de trilhos o parque ferroviário nacionalInauguração do Hospital da CSN, com 140 leitos.Em sua administração, foi instituída a "Girafa",participação dos empregados nos lucros da empresa,sendo a CSN pioneira na adoção desta medida no país.Construção e inauguração do Recreio de Trabalhadore do Estádio Sylvio Raulino.Em sua gestão, o Brasil reduz drasticamente asimportações de aço. Nessa época, jornais do Rio eSão Paulo estamparam publicidade como a de umaempresa imobiliária que anunciava: 'Você tambémnão acreditava em Volta Redonda. E agora?"

Amante dos esportes, Raulino prestigiava todas as promoçõesde eventos esportivos, como: futebol, basquete, vôlei, corridas a pé ede bicicletas. O estádio que leva seu nome, ainda sob sua gestão, recebeugrandes clubes do Brasil, como: Botafogo, Fluminense, Flamengo, Vascoda Gama, São Paulo, Atlético Mineiro e Tupy de Juiz de Fora.

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1954 - O gen. Raulino mostra a Vargas uma máquinana área da Laminação.

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1956 - Gen Raulino, à direita, numtorneio de voleibol no Clube Umuarama.

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O Recreio do Trabalhador "Getúlio Vargas", um complexoesportivo magnífico para a época, acolheu a mundialmente famosa equipede basquete do "Harlem Globe Trotters", que aqui jogou contra umaseleção do Hawaii, em 1954. Além disso, muitas competições atléticas,de natação, de vôlei e de basquete, foram promovidas pela Liga deDesportos de Volta Redonda - um órgão normativo que mereceuconsiderável apoio da CSN e promoveu, de forma altamente produtiva,a realização dos objetivos da empresa, no campo dos esportes, comênfase ao futebol amador e ao basquetebol. Muitas figuras categorizadasda hierarquia funcional da empresa destacaram-se na gestão da LDVR,entre elas: Osório Leme Monteiro, Benevenuto dos Santos Neto e GilsonCarraro de Paula. Especificamente no basquetebol, avulta o nome deLibiano Abiatti, químico, de origem paulista, que se notabilizou comoatleta, técnico e dirigente dessa modalidade, fazendo com que obasquetebol de Volta Redonda alcançasse renome nacional, nos anoscinqüenta e sessenta.

No decorrer dos anos cinqüenta e, ainda, por boa parte da décadaseguinte, muitos moradores de Volta Redonda queixavam-se da falta deopções, em matéria de lazer e entretenimento, já que, fora os cinemas eas eventuais competições esportivas amadoras, não havia aonde ir, naCidade, em busca de distração. É bem verdade que, vez por outra, aSuperintendência de Serviços Sociais da CSN promovia a vinda de algumespetáculo teatral do Rio de Janeiro, como foi o caso da peça "UmDeus Dormiu Lá em Casa", com Paulo Goulart e Nicette Bruno,que levou uma multidão ao ginásio poliesportivo do Recreio doTrabalhador.

Paralelamente, o GACEMSS - Grêmio Artístico e CulturalEdmundo de Macedo Soares e Silva -, tendo funcionários da CSN comosócios, realizava recitais e concertos de música erudita para a sua seletaclientela; também promovia a vinda de peças teatrais do Rio de Janeiro,como "Natal na Praça", com a Companhia Tonia-Celli-Autran, comos astros Tônia Carrero, Adolfo Celli e Paulo Autran, e ainda produzia

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um bom teatro amador, cujo sucesso mais estrondoso foi "O Tempo eos Conways", com expoentes como Maria Thereza Dutra Ponchio eRoberto Sanchez. Ambas as peças foram realizadas no auditório doextinto Grupo Escolar "Trajano de Medeiros" (atualmente, Instituto deEducação Professor Manuel Marinho).

Por muitos anos e graças à sua excelente localização, no centro daCidade, o auditório do Grupo Escolar Trajano de Medeiros tornou-se umdos mais concorridos espaços culturais de que se dispunha. Hoje, o Institutode Educação Professor Manuel Marinho o mantém em funcionamento,prestando um relevante serviço à população.

Um dos pioneiros e grandes responsáveis pelo desenvolvimentodo teatro amador, em Volta Redonda, foi, sem dúvida, Benedito Amaralde Matos, que produziu, montou e dirigiu vários espetáculos teatrais demuito boa qualidade. Nas noites de sábado, no auditório da EPTC- Escola Técnica Pandiá Calógeras - o GACEMSS apresentava as sessõesdo seu Cinema de Arte, com equipamento de 16mm, sempre comexcelentes filmes.

Contudo, essas alternativas, face às limitadas condições de espaçoe de divulgação, não alcançavam a população, restringindo-se a umpúblico específico de associados.

No começo dos anos cinqüenta, não havia bibliotecas públicasnem livrarias em Volta Redonda, exceto a bem montada Biblioteca daCSN, no Escritório Central. Não obstante, desenvolvia-se um comérciolivreiro informal, de mascates, que traziam livros do Rio de Janeiro e deSão Paulo, em viagens mensais. Nos antigos barracões do velho EscritórioCentral da CSN, onde se vendia de tudo (de doces em conserva a roupas"prêt-à-porter"), esses mercadores da cultura transitavam livremente,entregando suas encomendas periódicas de livros aos assinantes da entãofamosa "Coleção Saraiva". Essa iniciativa garantia o acesso aos clássicosda Literatura a um bom número de empregados da empresa.

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87 1944 - Biblioteca da CSN no antigo Escritório Central.

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A CSN mantinha uma notável biblioteca, especializada, todavia,em assuntos de interesse específico da empresa: siderurgia, mecânica,engenharia, química, energia, mineralogia, economia, custos, arquiteturaetc. Na área privada, o GACEMSS começava a desenvolver umabiblioteca para uso dos seus associados.

Um aspecto cultural expressivo consistiu na inauguração efuncionamento da Rádio Siderúrgica Nacional, sob a direção do jornalistaNazer Feres Themes. Embora se tratasse de uma emissora a serviçoexclusivo de uma empresa industrial, a Rádio Siderúrgica caracterizou-se, desde o seu início, por uma programação de bom gosto, de valorizaçãoda música popular brasileira, sem prejuízo da música clássica, quepossuía, também, seu espaço, e com a valorização da educação e dacultura.

O entretenimento e o lazer tinham suas versões populares nos“shows”, nas peças de teatro, nos esquetes e nas domingueiras dançantes,que o antigo Círculo Operário de Volta Redonda, no Conforto e, poucotempo depois, o Clube Náutico Recreativo Santa Cecília, noAcampamento Central, passam a proporcionar aos trabalhadores e suasfamílias. O artista mais popular, num e noutro, era um veterano servidorda CSN, Antônio Marques, depois cognominado o "Coroa BarraLimpa", que promovia programas de calouros, shows e muitasbrincadeiras de auditório.

Nos anos cinqüenta, durante o Carnaval, o pioneiro Hotel BelaVista, atualmente arrendado à cadeia Luxor de hotéis, cedia os seussalões para os bailes do Clube dos Funcionários da CSN, destinado àelite de empregados da empresa e suas famílias, seguindo-se o ClubeUmuarama, que atendia a um segmento dessa mesma categoria. Os bailesde cunho popular aconteciam no Salão do antigo Refeitório dosEngenheiros (o "R.E", como era chamado), perto do velho EscritórioCentral, e, mais tarde, no salão do Aero Clube de Volta Redonda.

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89 Equipe de rádio-show da ZYP-26 - Rádio Siderúrgica Nacional.

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1942 - O antigo "R.E.", Refeitório dos Engenheiros.

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As transformações sócio-culturais

A sociedade de Volta Redonda, independentemente de seusestamentos, mantinha um caráter conservador, com relação a valores esanções sociais, bem como a tabus culturais, como o da virgindade dasmulheres até o casamento. Nos anos cinqüenta, principalmente nascamadas sociais mais pobres, eram poucas as mulheres que ousavamvestir uma calça comprida (por exemplo: nas portas dos temploscatólicos, afixavam-se avisos com esta advertência: "A mulher vestida dehomem é abominável aos olhos de Deus"). Embora, já existissemcontraceptivos como a camisinha, seu uso era pouco disseminado, oque fazia da vida sexual feminina, antes do casamento, uma exceção,com todos os riscos que daí resultavam.

Para os homens, a alternativa concentrava-se nas visitasperiódicas às casas de tolerância, situadas em Barra Mansa, onde sedestacavam os "points" dessa especialidade: o Hotel São Paulo e a boateda Neném. A prostituição feminina em Volta Redonda desenvolveu-secom a primeira expansão da Usina, em meados dos anos cinqüenta, noextremo leste da Cidade, fora da área urbana da CSN, no local conhecidocomo "Coréia", numa alusão à guerra travada, de 1950 a 1952, naquelapenínsula do Extremo Oriente. Ainda assim, tratava-se de uma zona debaixo meretrício, marcada por constante violência e por uma freqüênciada pior espécie.

No cotidiano, a rotina estressante do trabalho na Usina, nosistema de revesamento de turnos para jornadas de oito horas (0/8h, 8/16h e 16/24h) diárias de serviço, aliada a condições de insalubridade ede poluição (com óleos, gases, poeira e barulho), começou a produzirseus estragos. Essa rotina, além de afetar a saúde física do trabalhor,passou a atingir, também, as suas condições mentais e emocionais. Asdispensas médicas cresciam em números preocupantes, ao mesmo tempoem que o volume de trabalho das assistentes e visitadoras sociais semultiplicava, em razão dos desajustamentos conjugais e familiares.

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Um simples passeio pelos bairros de Volta Redonda, quedispensaria qualquer preocupação com pesquisa no cadastro de firmasda Prefeitura, seria suficiente para constatar a impressionante quantidadede bares e botequins em funcionamento na Cidade, circunstância que,em pouco tempo, transformou o comércio de distribuição de bebidasnuma das mais prósperas atividades econômicas do Município.

Grosso modo, o elevado consumo de bebidas alcoólicas,associado ao uso massivo de tranqüilizantes e de outras drogas, jáindicava, ao final dos anos cinqüenta, a existência de uma sociedadeenferma. Não massacrada, mas fortemente pressionada por um novotipo de vida: essa nova sociedade, de caráter urbano-industrial,apresentava, ao nosso "homo volta-redondensis", novos valores, típicos deuma sociedade de consumo, a partir, como se sabe, de necessidadesartificialmente criadas - como se verifica no sistema capitalista.

O advento dos "Anos Dourados", dos tempos de JuscelinoKubistchek, agregou àquelas necessidades o mais sedutor objeto dedesejo da maioria das pessoas: o automóvel.

Obviamente, uma sociedade de consumo, como a nossa, vivede anseios, aspirações, desejos e ambições que a emulam e a tocam parafrente, mas carregam consigo a contrapartida das frustrações pelaeventualidade, sempre plausível, de objetivos e metas não alcançados.O resultado disso tudo pode ser constatado, e até mensurado, por umoutro simples passeio, hoje em dia, ao centro da Cidade, onde o leitorverificará a profusão de clínicas e de consultórios, em cujos corredoresse amontoam médicos de todas as especialidades, além de psicólogos eterapeutas. Eles não estão apenas disputando fatias de uma numerosaclientela: ambos assinalam, com toda a intensidade, a presença de umasociedade repleta de doentes, mas não necessariamente de doenças -segundo a abalizada opinião de vários médicos da Cidade, ouvidos peloautor. Haveria uma carga de desajuste psicossocial, que se teriaacumulado, ao longo dos anos, e que afetou a vida de muitas famílias,chegando mesmo a desagregar algumas delas.

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Ao final dos anos cinqüenta, entrava em atividade a segundageração de trabalhadores da Usina de Volta Redonda. Embora sob forteinfluência paterna, essa geração não alimentava um vínculo com aempresa semelhante àquele até então mantido pelos seus pais. É claroque esses jovens ostentavam um grande orgulho em trabalhar na CSN,mas não puseram os pés no barro, nem arrancaram tábuas das formas deconcreto dos grandes edifícios construídos na Usina. Sua relação com aCompanhia era menos emocional e mais prática. Esse novo trabalhadorreceberia uma longa e bem cuidada formação profissional, seria maisletrado e disporia de muito mais informação do que a geração que oprecedera. Por conseguinte, se tornaria mais crítico com respeito a suavida profissional e com relação a essa nova sociedade urbano-industrialde que fazia parte. Nem por isso, seria menos vulnerável aos efeitosnegativos das demandas e do jogo jogado por esse tipo de sociedade deconsumo.

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A EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DE VOLTA REDONDA

A abordagem detalhada dos lances que movimentaram o processode emancipação política de Volta Redonda não constitui objeto prioritáriodesta obra, cujo escopo abrange a formação social, o cotidiano, as relaçõessociais, culturais e comportamentais de outros personagens da história daCidade: os homens e mulheres comuns que a construíram. Mas que fique,então, este breve registro da emancipação política de Volta Redonda, notranscurso do Qüinquagésimo Aniversário do Município.

No processo da emancipação política de Volta Redonda, tão oumais importante do que a luta aberta travada no plenário da AssembléiaLegislativa fluminense, em que pontifica a figura do então deputadoVasconcelos Torres, autor da lei de autonomia municipal de VoltaRedonda, foi o trabalho realizado nos bastidores. Desde o início dosanos cinqüenta, alguns políticos locais já discutiam a idéia daemancipação de Volta Redonda. Estavam motivados, sobretudo, pelodescaso a que vinha sendo relegado o antigo 8º Distrito, onde se faziammínimos os investimentos de interesse público que o Município de BarraMansa deveria realizar. A insatisfação crescia ainda mais, quando secomparava o volume dos tributos arrecadados em Volta Redonda, porforça de sua pujança industrial, com a pobreza das verbas que lhe eramdestinadas para eventuais benfeitorias e obras públicas. Os poucos bairrosexistentes, como Niterói, Retiro, Santa Rita e São João permaneciamabandonados, sem calçamento, saneamento básico ou iluminaçãopública. As escolas resumiam-se nos excelentes Grupos Escolares "Barãode Mauá" e "Trajano de Medeiros" (hoje, Instituto de Educação"Professor Manuel Marinho"), mantidos pelo Estado do Rio de Janeiro.

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Em 1952, é criado o Centro Cívico Pró-Emancipação Políticade Volta Redonda, com a participação entusiástica de vários cidadãos,cujos nomes a história deve honrar: Lucas Evangelista Teixeira Franco,Chefe da Coletoria Estadual em Volta Redonda; seu colega e sucessornessa repartição pública, Miguel Fonseca Rêgo; Nery Miglioli,despachante oficial; Jamil Wadih Ryskalla, comerciante, político,advogado e professor de história; João Paulo Pio de Abreu, médico esubdelegado de polícia do Distrito; José Botelho de Athayde, funcionárioda CSN, jornalista, poeta e genealogista; Sylvio Fernandes de Oliveira,funcionário da CSN, jornalista, poeta e autor da letra do Hino Oficialde Volta Redonda (havia dois funcionários na CSN, ambos desenhistas,com esse nome. O primeiro participava ativamente da vida política deVolta Redonda. O segundo, embora membro da Maçonaria, levava umavida social muito discreta. Contudo, o segundo Sylvio fora vencedor do1º concurso nacional de filatelia para a escolha do selo comemorativodo Plano de Expansão da CSN para 1 milhão de toneladas de aço, em1954. O segundo Sylvio era, também, um dedicado filatelista e um dosfundadores do Clube Foto-filatélico-numismático de Volta Redonda);Adauto de Oliveira, funcionário da CSN, músico e compositor (autorda música do Hino Oficial de Volta Redonda); José de Paiva Laffitte -cujo nome quase sempre é omitido como um dos obreiros daEmancipação -, funcionário da CSN, membro ativo da Maçonaria e,mais tarde, juiz de paz em Volta Redonda. Alkindar Cândido da Costa,em "Volta Redonda: Ontem e Hoje" - fonte bibliográfica obrigatóriapara os pesquisadores da história da Cidade do Aço - inclui os nomesde: José Lino Solares Gomes, Heitor Leite Franco, Mario Ferreira Netto,Norival de Freitas, Sebastião Rufino Köeller, Wladyr de Castro Ferraz,Wilson de Paiva (depois vice-prefeito de Volta Redonda), Sinval Santos,Orsina Prado de Castro (primeira mulher eleita à Câmara Municipal deVolta Redonda), César Candido de Lemos (segundo prefeito de VoltaRedonda), Celso Fortes de Castro, Genolfo Afonso, Eduardo Dutra deMorais, Aristoclides Ribeiro (conhecido como o "Ary da Farmácia"),Jayme de Sousa Martins (notável educador), Sávio de Almeida Gama(primeiro prefeito de Volta Redonda), Edmundo Rodrigues Campello eCarlos Soares Maia.

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1954 - Sylvio Fernandes de Oliveira, à direita, recebe os cumprimentos de Sylvestre Mesquita Rezende por sua vitória noconcurso filatélico nacional dos Correios sobre a expansão da CSN.

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1957: Sessão da Câmara Municipal. Da esquerda p/direita: o médico Dr. Gutemberg Perrone; Eng. Arnaldo Corrêa, daFornasa e Paulo de Carvalho da White Martins; 2ª fila: Álvaro Guedes, Agente do IAPI, Miguel Fonseca Rêgo, Coletor

Estadual; Wilson de Paiva, vice-prefeito; 3ª fila: Prof. Jayme de Souza Martins, Assessor do prefeito, Dermeval Pereira daSilva, presidente do PTB, Lúcio de Andrade, José Marques Simões, o Zico, gerente do Cine Avenida, e Guilherme Duque

Koslovsky. Os três últimos seriam eleitos vereadores, mais tarde.

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A Maçonaria - sempre envolvida nas lutas libertárias em todo oMundo, em especial, nas campanhas de independência das colôniaseuropéias das Américas, em que despontam figuras ilustres dessafraternidade, como: Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, SimónBolívar, José de San Martin, Bernardo O'Higgins, José Bonifácio deAndrada, Gonçalves Ledo, D. Pedro I - vive, então, seu grande papel esua participação, a bem dizer, decisiva, na história da campanhaemancipacionista de Volta Redonda. As confidências, os conciliábulose as negociações que envolviam as figuras volta-redondenses maispreeminentes, no âmbito da Maçonaria, pareciam fazer reviver aefervescência dos debates e das conspirações maçônicas, que produzirama Independência do Brasil, em 1822. A maioria dos nomes já citadosneste capítulo compunha seu rol de "pedreiros livres", que fizeram aroda da fortuna girar a favor do novo município a ser criado, medianteum labor infatigável, cujas extensão e profundidade dificilmente serãode todo divulgadas. Todavia, um de seus quadros mais atuantes,verdadeira formiga, foi José Botelho de Athayde. Apelidado,carinhosamente, pelos seus colegas, de "Barão", por causa de suasmeticulosas pesquisas genealógicas sobre as famílias fluminenses,Athayde tornou-se um batalhador incansável da causa da Emancipação.Responsável pela Seção de Custo das Balanças (rodoviárias eferroviárias) da CSN16, entre uma e outra tarefa de um setor de serviçosmuito movimentado, aquele homem de baixa estatura, hirsuto, de cabeloliso gomalinado e bigode espesso, à Groucho Marx, fumando um cigarroatrás do outro - um destronca-peitos fortíssimo, chamado "Astória"... -, sempre encontrava uma nesga de tempo, no corre-corre do seu trabalhoburocrático, a fim de alinhavar um artigo, compor um poema17 ousimplesmente diagramar o tablóide que ele criara - o "RevérberoAutonomista Volta-redondense" -, objetivando divulgar a luta pela

16 O autor, ainda adolescente, trabalhou na Seção de Custo das Balanças da CSN, direta-mente com José Botelho de Athayde, como mensageiro de escritório, entre 1953 e 1955.17 Athayde foi um poeta de fina sensibilidade, que produzia beleza até mesmo comtemas tristes, como é o caso do seu poema "Finados": "Caminhai, devagar, amigo/por estas sombrias alamedas./ Aqui amortalhei, na seda/ e no perfume, tudo quebendigo./Repara, nestes paus cruzados,/ que uma flor está nascendo:/ é o sorrisoque vem vindo/ alegrar o meu Finados".

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emancipação da Cidade do Aço. Uma das funções deste historiadorconsistia em levar a matéria elaborada por Athayde para uma gráfica,em Barra Mansa, onde era impresso o pequeno, mas barulhento jornal.Depois, cumpria-lhe a missão de distribuir o tablóide pelas dezenas desalas do primeiro grande Escritório Central da CSN - um Labirinto deCreta, feito de intermináveis barracões de madeira, com corredoresavarandados, cujos porões constituíam imenso repositório de ratos,aranhas caranguejeiras, escorpiões, baratas, pulgas e até cobras.

O "Revérbero Autonomista Volta-redondense - cujo nome forainspirado a Athayde pelo valente jornal "Revérbero ConstitucionalFluminense", de Joaquim Gonçalves Ledo e Januário da CunhaBarbosa, que defendera a independência do Brasil, em 1821 e 1822 -, aexemplo do seu antecessor, teve vida efêmera. Mas foi com ele que JoséBotelho de Athayde contribuiu para construir a emancipação político-administrativa de Volta Redonda.

Outra figura notável da campanha foi o advogado Jamil WadihRyskalla. Eleito suplente de vereador à Câmara Municipal de BarraMansa, Ryskalla assumiu o mandato em face do afastamentotemporário de Bernardo Bemfeito, que se licenciara "por motivo desaúde", e se viu no meio do furacão, quando estreou na vereança,justo quando se fazia mais acesa a discussão da autonomia políticade Volta Redonda.

Adolescente ainda, este autor pôde testemunhar, comparecendoa sessões da Câmara Municipal de Barra Mansa, o desempenhoparlamentar de Jamil Ryskalla, aliás, um tribuno dos mais brilhantes, nadefesa da emancipação do Distrito de Volta Redonda. O Dr. Ryskalla éo único dos Emancipadores que ainda está vivo e pôde participar dasrecentes comemorações do cinqüentenário do Município de VoltaRedonda.

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Em 1955, inaugura-se o Município de Volta Redonda e SávioGama, empresário e fazendeiro, elege-se prefeito da Cidade. Realizauma administração admirável, não obstante as enormes dificuldadescom que se depara, na árdua tarefa de estruturar, organizar e fazerfuncionar os serviços municipais. Sávio Gama conta com a assessoriado contador Olívio José dos Santos, no Departamento de Fazenda, e doprofessor Jayme de Souza Martins, no gabinete político, e deixa ao seusucessor uma prefeitura completamente organizada, no recém-inaugurado Palácio "Dezessete de Julho". A competência demonstradaem sua primeira gestão iria assegurar-lhe um segundo mandato comoprefeito de Volta Redonda, em 1966.

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A LUTA SINDICAL DOS METALÚRGICOS EMVOLTA REDONDA.

Os primeiros momentos do Sindicato dosMetalúrgicos

Cabe, neste ponto, fazer o resgate e a análise - necessária para acompreensão daquele momento histórico - da atuação das liderançassindicais nas relações entre o empreendimento industrial (neste contexto,representando o Estado) e o que o autor chama de"homo volta-redondensis"(uma encarnação do novo homem brasileiro idealizado pelo EstadoNovo), no período compreendido entre 1945(fundação do Sindicatodos Metalúrgicos) e 1964(ano do golpe militar e da intervenção doSindicato pela Ditadura Militar).

É fato por demais estudado que o sindicalismo brasileiro, duranteo Estado Novo, torna-se um apêndice do Ministério do Trabalho e umaponta de lança da realização da ideologia do regime, calcada em"slogans" - mais do que em idéias, embora estas não estejam, de todo,descartadas... - do tipo "pela paz social no Brasil". A tutela do Estadosobre o sindicato produz a figura do "pelego" sindical - "um feltroentre cristais", segundo a definição de Campista18.

O pelego "clássico" seria o promotor, o pretenso agente daconciliação entre o Capital e o Trabalho - os "cristais" - sob a égide do18 Campista, Ary, antigo dirigente do sindicalismo brasileiro, desde a época doEstado Novo.

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Estado, cujo domínio sobre os sindicatos brasileiros estende-se para além dofimdoEstadoNovo(1945)eencontraoseuocasocomaascensãodasesquerdasà liderançadomovimento sindical, no segundogovernodeVargas (1951/1954).

Em Volta Redonda, os fundadores do Sindicato dos Metalúrgicos -sob a liderança de José Vigilato Peixoto e José Calaça Gomes - não militamnas hostes da esquerda. Sua gestão, de caráter marcadamente conciliador,jamais cria qualquer embaraço à Siderúrgica. Todavia, os dirigentes que selhes seguem, à frente do Sindicato, Alan Cruz, Walter Millen da Silva eWôlmerde Andrade, empreendem a conquista de uma série de direitos trabalhistas -que não vinham sendo cumpridos pela empresa - com o apoio integral doMinistério do Trabalho, no segundo governo de Vargas. Alan Cruz,posteriormente aquinhoado com um cartório, abandona a CSN e a militância.Seu sucessor, Walter Millen da Silva, prossegue na direção do Sindicato, comuma política conciliatória, que o torna habitué da residência do então presidenteda CSN, o general Sylvio Raulino de Oliveira, na Fazenda Santa Cecília, como qual negocia as pendências trabalhistas, interpondo-se entre a empresa e ostrabalhadores que representa, como o já citado "feltro entre cristais" ou umpelego de pano colocado entre a montaria e a sela, para não machucar olombo do animal... Esse comportamento conciliador é tolerado pelostrabalhadores, durante algum tempo, por não haver reivindicação de monta ademandar maior mobilização da categoria. Em 1953, a inflação já corrói ossalários e as vantagens anteriormente conquistadas. A carestia do custo devida - artificialmente infladapelosdonosdosmeiosdeprodução, como intuitode desestabilizar o governo de Vargas - produz um descontentamento geralem todo o país. Assim, em 1955, pela primeira vez, refletindo odescontentamento generalizado da categoria, a Oposição vence as eleiçõessindicais, com uma chapa de composição ideologicamente esdrúxula, lideradaporumex-integralista, JoséCláudioAlves, e pordois socialistas: JoséBonifáciode Castro e Nestor Lima. Todavia, a Oposição, mesmo descartando-se, maistarde, de José Cláudio Alves e impondo uma direção exclusivamente deesquerda ao Sindicato, não consegue manter-se na liderança da classe, sendoderrotada nas eleições sindicais de 1957 por um grupo de militantes sindicais- muitos dos quais vinculados ao Partido Trabalhista Brasileiro -, que integramaentãodenominada"ChapaIndependência", cujo líder,OthonReisFernandes,é de corte populista. Todavia, os veteranos ainda estão trabalhando na Usina,com a qual mantêm uma relação de criador com a criatura, pois consideramdever lealdade à CSN e proteção ao patrimônio da empresa.

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1954 - CSN e Sindicato em conversações. Da esquerda para a direita: Paulo Mendes, Diretor da CSN; José Pereira,Wôlmer de Andrade e Walter Millen da Silva, diretores do Sindicato dos Metalúrgicos, e Ferdinando Garcia Pereira,

Superintendente de Serviços Sociais da CSN, reunidos no velho Escritório Central da empresa.

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Por uma ideologia que lhes foi imposta, em anos de autoritarismo,tornam-se avessos a uma liderança que possa conduzi-los, por exemplo,a uma greve - que muitos entendem como uma aventura irresponsável -à parte o fato irretorquível de que um dispositivo supostamente legal,do tempo do Estado Novo - o Decreto-lei nº 9.070 - considera ilegalqualquer movimento de paralisação do trabalho no serviço público enas empresas estatais, sujeitando o infrator à demissão por justa causa...

Logo que a CSN entra em funcionamento e seu quadro deempregados se estabiliza, parte do contingente de trabalhadoresdispensados da obra de construção da usina permanece em VoltaRedonda. Sem poder ocupar as moradias da empresa, os desempregadosvoltam-se para a Volta Redonda "velha" - como era chamada a parte daVila de Santo Antônio, fora dos limites da Cidade Industrial. Na margemesquerda do rio Paraíba do Sul, erguem uma nova cidade, passam atrabalhar em empreiteiras que servem à Siderúrgica, em pequenas oficinasou abrem suas próprias firmas. Não muito tempo depois, uma novageração de trabalhadores, de filhos dos veteranos ciclopes, ingressa naempresa, trazendo uma nova mentalidade - diferente daquela de origempaterna - que norteará suas relações com a Siderúrgica, já não mais a decriador com a criatura...

Com o Alto-Forno nº 2, em 1954, a CSN inicia uma nova fase deexpansão de seu parque produtivo, ao lado do qual cresce, também, aCidade de Volta Redonda, embalada pela autonomia administrativa,conquistada em 17 de julho de 1954, e por inaugurar, no decurso dessadécada, inúmeros equipamentos sociais, como o Hospital da CSN(atualmente privatizado), um complexo desportivo denominado "Recreiodo Trabalhador Getúlio Vargas", o Palácio "17 de Julho" (sede da PrefeituraMunicipal de Volta Redonda), o Estádio General Sylvio Raulino deOliveira, o magnífico Cine Nove de Abril, além de cinco dos seus maisnovos e importantes estabelecimentos de ensino: o Colégio MacedoSoares, administrado pelos padres Agostinianos Recoletos; o ColégioNossa Senhora do Rosário, administrado pela irmandade das "EscravasConcepcionistas do Sagrado Coração de Jesus"; o Colégio Paulo MonteiroMendes, do Círculo de Trabalhadores Cristãos; o Instituto Batista

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Americano, mantido pela Igreja Batista Central e a Escola EstadualPresidente Roosevelt. Os dois primeiros colégios citados foram construídospela Companhia Siderúrgica Nacional, aparentemente para os filhos dosseus empregados, mas, na verdade, destinados às crianças da elite daempresa, cabendo à Escola Técnica Pandiá Calógeras - que logo se tornariauma referência nacional em matéria de ensino técnico-industrial -, erguidae sustentada pela CSN, com verbas da contribuição social devida aoSENAI, a missão de absorver os filhos dos trabalhadores em geral, comvistas à reposição do contingente de reserva de mão-de-obra qualificada.Todavia, parece que ninguém informou aos jovens volta-redondenses essasintenções: em pouquíssimo tempo, crianças procedentes de escolasprimárias da rede pública - que, àquela época, possuíam um ensino demuito bom nível - acabaram conquistando o seu próprio espaço nessasinstituições privadas, apoiadas pelos pais, que não mediam esforços,visando a proporcionar um ensino médio de qualidade para seus filhos.

Por outro lado, muitos jovens, originários das classes média e alta,procuram a Escola Técnica Pandiá Calógeras, em busca de uma formaçãoque lhes abrisse o rumo para a área das tecnologias industriais. Em suma,eram os novos volta-redondenses, filhos e netos dos ciclopes, que agora abriamo seu próprio caminho, à revelia das projeções dos planejadores da CSN...

A hegemonia da "Chapa Independência" (1957-1963)

Nos chamados "Anos Dourados", do presidente JuscelinoKubistchek de Oliveira, no qüinqüênio do desenvolvimento, VoltaRedonda transforma-se em vitrine de uma nova sociedade brasileira,urbano-industrial, que adquire novos e diversificados padrões deconsumo e é exibida pelos governantes como exemplo de um Brasilnovo. Além disso, a Companhia Siderúrgica Nacional transforma-se emmatriz tecnológica e exporta os técnicos que irão contribuir para aconstrução da Companhia Siderúrgica Paulista e da Usiminas.

A antevisão de Vargas, de que Volta Redonda seria "um marco dacivilização brasileira (...), instituindo no Brasil um novo padrão de vida e umnovo futuro, digno de suas possibilidades", começa, então, a se concretizar.

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1957 -Expansão da Usina.Técnicos juntos ao novo Alto-forno.

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A posse do Sindicato dos Metalúrgicos, pela ChapaIndependência, em 1957, coincide com a euforia dos Anos Dourados,de que o presidente Juscelino Kubistchek, o "JK", era o ícone maisexpressivo. Egresso do Departamento de Pessoal da empresa, OthonReis Fernandes, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, leva para aentidade uma considerável bagagem, em termos de experiênciaadministrativa. O novo dirigente sindical reorganiza o órgão de classe,reestruturando seu setor assistencial, com farmácia, ambulatório médico-odontológico, cursos de datilografia e corte & costura; e mantém reuniõespermanentes com o grupo de militantes da "Chapa Independência",que se transformam em delegados sindicais, para atuar nos diferentessetores da Usina da CSN e em outras empresas metalúrgicas.

A princípio, as relações da CSN com a nova diretoria do Sindicatodos Metalúrgicos são marcadas por uma grande tensão, que se desdobrará,ao longo dos anos seguintes, num jogo entre a diretoria da CSN, presididapelo general Edmundo de Macedo Soares, e a diretoria do Sindicato,liderada por Othon Reis, em que se fazem presentes informação e contra-informação, através do rádio, de jornais, de panfletagem nos portões e atédo boletim diário de serviço da CSN, visando, cada qual à sua maneira, aocontrole da opinião dos trabalhadores. Essa disputa, que se originara deum incidente político19 envolvendo Macedo Soares e Othon ReisFernandes, acarretaria uma permanente atitude de má vontade e deendurecimento da CSN nas suas relações com o Sindicato, e que somenteterminaria com a mudança da direção da empresa, ao final do governo deKubistchek. O diretor-secretário da CSN, o médico Paulo MonteiroMendes, responsável pelo desenvolvimento e ações dos serviços sociaisda empresa e seu principal negociador, nas discussões com o Sindicato,executava, nesse mister, as ordens procedentes da diretoria liderada pelogeneral Macedo Soares, desafeto de Othon, pelas circunstâncias jáesclarecidas. Além disso, o poder e a influência do diretor-secretário daCSN eram consideráveis e se estendiam a vários setores: educação, cultura,esportes, lazer, saúde, habitação e assistência social.

19 Quando da visita do presidente Juscelino a Volta Redonda, em 1957, Othon ReisFernandes pede a substituição de Macedo Soares na presidência da CSN, num dis-curso proferido em banquete de homenagem a JK (nota do autor).

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A despeito de todas as dificuldades, que incluíam, ainda, a cooptação,pela direção de serviços sociais da CSN, do Círculo Operário de VoltaRedonda20 (posteriormente, Circulo de Trabalhadores Cristãos), comoinstrumento de ação diversionista junto aos operários, o Sindicato avançouem algumas conquistas junto à empresa, que valeram a reeleição de OthonReis Fernandes e seus companheiros para o mandato seguinte, de 1959 a1961. Dentre essas conquistas, as três mais notáveis foram: a criação (inédita)de uma Comissão Mista de Pesquisa de Custo de Vida CSN-Sindicato21, para aferição da carestia de vida e da inflação locais; a correçãotrimestral dos salários, toda vez que a inflação fosse igual ou superior acinco por cento no trimestre; e, em 1962, a inclusão de cláusula, no acordosalarial, que assegurava a igualdade de proporcionalidade naparticipação dos operários nos lucros da empresa, uma questãoque ocasionara enormes polêmicas em toda a cidade de Volta Redonda, emrazão dos critérios até então adotados, que privilegiavam, de maneiradesproporcional, alguns empregados mais qualificados e a hierarquia daCSN. Othon Reis Fernandes criou, também, o Banco Popular de VoltaRedonda, uma sociedade cooperativa, com o propósito de combater aagiotagem que grassava no interior da Usina da CSN, pelo oferecimento deempréstimos a juros mais baixos aos trabalhadores.

Na campanha presidencial de 1960, os candidatos à presidênciada República - entre eles, o da Oposição, Jânio da Silva Quadros -assumiram, publicamente, nos comícios realizados em Volta Redonda,que nomeariam um diretor-operário para a diretoria da CSN.Imediatamente após a posse de Jânio Quadros, em 31 de janeiro de1961, o Sindicato dos Metalúrgicos cobrou-lhe a promessa e recebeu osinal verde para promover a indicação de uma lista tríplice de nomes de

20 Nessa época, o Circulo Operário de Volta Redonda era presidido por ValentimMarques de Castro, Chefe da Divisão de Expediente da Superintendência de ServiçosSociais da CSN, cujo titular era o dentista Ferdinando Garcia Pereira, tendo comocolega de diretoria, no Círculo, Alípio Jacintho Pereira, um dos assessores de confi-ança do Diretor-Secretário da CSN, o médico Paulo Monteiro Mendes (nota do autor).

21 O autor participou dessa Comissão, em 1960/61, eleito em assembléia dacategoria para representar o Sindicato dos Metalúrgicos.

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operários, da qual o presidente escolheria o futuro diretor-operário daCSN. Primeiramente, Othon convocou uma assembléia geral, para queos candidatos se apresentassem e se inscrevessem para uma eleição.Em seguida, como fazia nas eleições sindicais, o Sindicato instalou seçõeseleitorais com urnas em todos os setores da Usina, após um breve períodode ampla liberdade de campanha eleitoral para todos os candidatos.

Othon obtém o primeiro lugar, com quase cinco vezes a votaçãodo segundo colocado, que era um conceituado médico-cirurgião doHospital da CSN, José Joaquim de Figueiredo Filho. A lista tríplice foi,então, enviada à presidência da República, com a expectativa de que,na assembléia geral ordinária dos acionistas da CSN, em abril de 1961,o governo finalmente indicasse o diretor-operário na nova diretoria daempresa a ser eleita. Tudo indicava que seria Othon o escolhido, emface da expressiva votação que recebera. Contudo, nesse ínterim,acontece um incidente que viria reverter todas as expectativas doseleitores de Othon e até do mais cético dos seus oponentes: algunsfuncionários do setor de Hollerit (antigo sistema de processamento dedados com cartões perfurados) da CSN fazem chegar ao Sindicato adenúncia de que a "girafa" - a participação dos empregados nos lucros -estava sendo calculada, de novo, no velho critério desproporcional, quepremiava os altíssimos salários com gratificações que iam ao dobro oumais, enquanto que os salários menores recebiam uma participação de1.3 a 1.5 da remuneração mensal - o que contrariava outra promessa decampanha da totalidade dos candidatos à presidência da República: ade uma "participação nos lucros justa para todos". Othon reageenergicamente e denuncia o fato. O governo Jânio Quadros mandarecalcular a “girafa”, mas opta pelo segundo nome da lista tríplice - odo Dr. José Joaquim de Figueiredo Filho. Muito popular entre ostrabalhadores e suas famílias, circunstância que, mais tarde, ajudaria nasua eleição para deputado federal, o Dr. Figueiredo procurou harmonizaras aspirações dos trabalhadores com os interesses da CSN, com umdesempenho sério, porém sóbrio. Em todo caso, sinalizou para a diretoriado Sindicato dos Metalúrgicos que buscava o diálogo, chamando paraauxiliá-lo na Direção de Serviços Sociais da empresa o então diretor-secretário do órgão de classe, Dercide Monteiro Guimarães, pessoa daconfiança direta de Othon Reis Fernandes.

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Em 7 de setembro de 1961, com a posse de João Goulart napresidência da República, reacendeu-se a esperança de Othon ReisFernandes e de seus seguidores, de que o líder sindical, finalmente,assumisse o cargo de Diretor de Serviços Sociais, já que eracorreligionário político do presidente da República recém-empossado.E, de fato, Othon tomou posse em maio de 1962.

Exceto pelo fato de que a classe dos metalúrgicos dispunha,agora, de um porta-voz, com voz e voto, dentro da direção da CSN, suapresença, contudo, fazia-se solitária e isolada nas reuniões da diretoria,em que, quase sempre, era voto vencido.

Na verdade, a figura do diretor-operário22, além de se apresentarcomo totalmente esdrúxula, naquele contexto sócio-político-empresarial,não tinha ele como defender, sozinho, as reivindicações de interessecoletivo dos metalúrgicos da empresa. Em pouco tempo, tornou-se umassistente social de luxo, condenado à limitada tarefa de atender aintermináveis filas de empregados da CSN, com seus problemasindividuais, de ordem social ou trabalhista.

Em 1961, a Chapa Independência foi novamente eleita, paracumprir o biênio 1961/1963. Na expectativa de ser nomeado diretor daCSN, Othon figurou na chapa apenas como candidato a representantedo Sindicato junto a Federação, abrindo espaço para que Samuel Antôniode Paula Reis, diretor-tesoureiro no mandato anterior, concorresse àpresidência do órgão de classe dos metalúrgicos. A eleição para o cargo,pelos empregados da CSN, seria extinta pelo Golpe Militar de 1º deabril de 1964.

22 Em 1962, o autor, na época, dirigente metalúrgico, conheceu o sistema alemão deco-gestão administrativa nas siderúrgicas, na usina da Siderúrgica Thyssen, emDuisburg: um colegiado composto por dez representantes dos acionistas e dez dostrabalhadores, com amplos poderes na gestão das políticas de produção e de pessoalda empresa e de eleição, por comum acordo, do 21º membro, de qualquer dos lados,para presidir o "Comitê dos 21" (nota do autor).

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113 Ao centro, Othon Reis, lider dos Metalúrgicos.

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Nesse período, que se estende de 1957 a 1963, o Sindicato dosMetalúrgicos se destaca na Cidade e na Região Sul-fluminense, conquistandoconsiderável prestígio junto à população e se fazendo presente em todos osgrandes eventos que marcam a vida de Volta Redonda, graças à seriedadecom que o órgão de classe se conduz na defesa dos seus associados e nasrelações com autoridades e instituições do Município.

Nessa mesma época, instala-se em Volta Redonda uma Junta deConciliação e Julgamento do Trabalho, que se constituía numa grandeaspiração dos trabalhadores da Cidade do Aço e de toda a Região Sul-fluminense alcançada pela jurisdição daquela corte da Justiça Trabalhista.

Samuel Antônio de Paula Reis procurou estabelecer a"despartidarização”do Sindicato, segundo Monteiro23, muito emboraalguns dos membros da diretoria se mantivessem vinculados ao PartidoTrabalhista Brasileiro. "Isto não o impediu de participar ativamente da"Campanha da Legalidade" que, em 1961, garantiu a posse de JoãoGoulart na Presidência da República, após a renúncia de Jânio Quadros,em agosto daquele ano"(Monteiro, op. cit.41). O Sindicato, na direçãode Samuel Reis, obteve significativas conquistas, como: "licença-prêmio,qüinqüênio e promoção por tempo de serviço" (Monteiro, op. cit. 41).

Nas eleições sindicais de maio de 1963, em face da iminência deuma quarta vitória da Chapa Independência, a Oposição, liderada porJoão Alves dos Santos Lima Neto, tumultua o pleito, alegando supostasirregularidades, e obtém sua anulação pelo Ministério do Trabalho. Omandato de Samuel de Paula Reis é prorrogado por mais sessenta dias,quando se dá nova eleição, da qual sai vencedora, por reduzida margemde votos, a chapa de Oposição, derrotando Othon Reis Fernandes, que,ainda como Diretor da CSN, encabeçava, de novo, a Chapa Independência.O fato é que, dentro da Usina da CSN, Othon vencera Lima Neto, masperdera para este nas extensões de base da Metalúrgica Barbará e daSiderúrgica Saudade, em Barra Mansa. João Alves dos Santos Lima Netoe seu grupo tomam posse em setembro de 1963.23 Monteiro, Geraldo, “50 ANOS BRASILEIROS”, Sindicato dos Metalúrgicos de V.Redonda, Rio, 1955.

VoltaRedonda

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1962 - O Pres. Goulart no comício de 1º de Maio, na PraçaPandiá Calógeras, em Volta Redonda.

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O Sindicato dos Metalúrgicos e o Plano de EducaçãoPrimária de Volta Redonda

Um dos fatos pouco conhecidos da História de Volta Redonda é o daparticipação do Sindicato dos Metalúrgicos na criação do Plano de EducaçãoPrimária de Volta Redonda - o PLEP-VR. A respeito desse episódio, o autordeste livro fez umrelatode improvisona46ªReuniãoPlenáriadoConselhode Reitores das Universidades Brasileiras24, realizada em Florianópolis,SC, no Painel sobre o Ensino Básico, na sessão plenária de 9 de março de1988, como expositor convidado, e que retrata o acontecido:

"Em 1963, em Volta Redonda, um falecido dirigentesindical metalúrgico, que nada tinha a ver com a área daeducação,verificandoascontribuiçõesdoSalárioEducaçãoda Companhia Siderúrgica Nacional, constatou que acontribuição (...) era mais do que o dobro do orçamentomunicipal (de Volta Redonda) para a educação.

"Othon Reis Fernandes, então diretor de serviçossociais da CSN, propôs ao prefeito, ao presidente daAssociação Comercial, ao presidente da CSN e àInspetoria Estadual de Ensino, a idéia da realizaçãode um convênio para a utilização plena do SalárioEducação em Volta Redonda. A idéia rolou por maisde um ano, até que veio o golpe militar de 1964. Masa idéia era interessante, porque, acima de ideologiase de interesses políticos, havia o interesse da Cidade,a comunidade querendo resolver seu problema deescolas. E então o convênio se fez, com o MEC, aSecretaria Estadual de Educação, a Prefeitura, a CSN(o maior contribuinte local do Salário Educação) euma representação do Sindicato dos Metalúrgicos -já a essa altura, sob intervenção federal.

24 ESTUDOS E DEBATES 15 - A CONSTITUIÇÃO E O PLANO NACIONAL DEEDUCAÇÃO, do CRUB - Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras,Brasília, 1988, págs. 37 a 49.

Volta Redonda na Era Vargas 117

“Durante nove anos, um momento mágico aconteceuem Volta Redonda. Foram construídas 303 salas deaula. As escolas eram mantidas limpas, enceradassemanalmente, com vigias, com todos os instrumentospedagógicos necessários ao ensino de 1º grau, comprojetores de eslaides, geladeiras (...), merenda farta,reforma do material e manutenção permanente dasescolas. Pintura de dois em dois anos, reparos diários(de emergência) por uma equipe que apelidávamosde "SWAT"25 , que tinha bombeiro hidráulico,carpinteiro, vidraceiro, pedreiro, eletricista, e que,quando chamada, comparecia às escolas como umatropa de choque. Qualquer conserto era feito comrelativa facilidade e grande rapidez.

"(...) Nesses nove anos, não houve falta de vagas(nas escolas primárias) de Volta Redonda. A evasãoera residual. A qualidade do ensino, altíssima, aponto de os pais retirarem seus filhos das escolasparticulares e os colocarem na rede pública, porqueela funcionava bem.

"Dois anos depois de terminado o convênio (...),ainda havia vagas. O crescimento vegetativo dapopulação escolar não chegou ao excedente, porquehavia reserva de vagas nas escolas construídas nospontos nevrálgicos de elevada demanda escolar. Foi,então, aquele momento mágico, em que acomunidade, por suas figuras expressivas, tomouconta, geriu os fundos públicos destinados àeducação. E o fez com rara felicidade, comcompetência. Portanto, não é, ao contrário do quemuitos supõem, uma utopia, a municipalização doensino. Tudo depende do fundamental."

25 "SWAT" - Sigla referente a uma tropa de choque da polícia civil norte-americanaque aparecia em famoso seriado da TV, à época (nota do autor).

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É justo ressaltar que grande parte do êxito do Plano de EducaçãoPrimária de Volta Redonda se deveu à organização de sua estruturaadministrativa, simples, enxuta, e cujos integrantes eram remuneradospelas próprias instituições convenentes, de onde procediam, e, também,à tenacidade, à capacidade de trabalho e à rigidez de princípios do seudiretor-executivo, Luiz Gonzaga de Souza Clímaco, cirurgião-dentista,professor universitário e antigo vereador à Câmara Municipal de VoltaRedonda, pela extinta UDN, União Democrática Nacional - um partidode centro-direita, que reunia as preferências políticas da classe médiabrasileira. Contudo, aos novos donos do Poder, não agradava, obviamente,a idéia de se vincular a criação do PLEP-VR à figura polêmica de OthonReis Fernandes - um dos seus verdadeiros idealizadores - por todos ostítulos, maldita aos olhos dos militares e aos da pseudo-elite de chefes echefetes da CSN, a cujas tendências políticas ele se opusera a vida inteira.Em que pesem suas realizações em prol da universalização doatendimento com escola pública à infância de Volta Redonda, a instituiçãodo PLEP-VR refletia, porém, o caráter autoritário, estatal, centralizador ede tutela daquela época: não havia participação de qualquer instituiçãopopular nas decisões de sua administração, sobre onde, como, quando,por quem e por quanto construir tal ou qual escola.

Hoje, Othon Reis Fernandes é nome de uma escola públicamunicipal e de um CIEP - Centro Integrado de Educação Públicaestadual, ambos em Volta Redonda.

João Alves dos Santos Lima Neto, "o Breve".

Qualquer ativista sindical dessa época, em Volta Redonda,poderia lembrar-se de que João Alves dos Santos Lima Neto jamaismilitara ativamente entre os metalúrgicos, nem figurara, antes, naOposição sindical. Contudo, Lima Neto assinava uma coluna numsemanário local - "A Chibata" -, em que acionava uma autêntica

Volta Redonda na Era Vargas 119

metralhadora giratória, atacando a tudo e a todos, na Cidade do Aço.Voltando-se, por algum tempo, contra a diretoria do Sindicato dosMetalúrgicos, Lima Neto atraiu o interesse da Oposição sindical, cujolíder, José Bonifácio de Castro, achava-se desgastado por três derrotasconsecutivas (em 1957, 1959 e 1961) para a Chapa Independência. Aascensão de João Alves dos Santos Lima Neto ao cenário sindical deVolta Redonda, onde jamais figurara antes, resultou de um lance demero oportunismo. Na verdade, sua breve liderança conformava-sena ação desenvolvida pelos verdadeiros militantes sindicais deesquerda: José Bonifácio de Castro, Odair Benedito de Aquino e Silvae Nestor Lima.

A posse de Lima Neto assinala a retomada do Sindicatodos Metalúrgicos pelas forças de esquerda, que alinham o órgão de classeao CGT - Comando Geral dos Trabalhadores, o braço sindical do PCB,criado para mobilizar o povo brasileiro em defesa do presidente JoãoGoulart e da realização das chamadas Reformas de Base. Esse é ummomento de crise na vida de Volta Redonda, que sofre, como todo oresto do Brasil, os sintomas da instabilidade do momento políticonacional. Os alimentos escasseiam e se sucedem as greves, passeatas,quebra-quebras e saques a armazéns, tudo refletindo um impasse entreas forças políticas em confronto: de um lado, a militância sindicalpressionando o governo de Goulart e o Congresso Nacional, para queaprovem as reformas de base, entre as quais: a eleitoral, a tributária, aprevidenciária, a educacional e a agrária; do outro, as chamadas "classesconservadoras" - entre elas, grupos econômicos nacionais aliados ainteresses externos26 - apavorados ante a possibilidade da implantaçãode uma suposta "república sindicalista" no Brasil, de inspiraçãocomunista; no meio disso tudo, um povo perplexo, sem perspectivas eatormentado pela carestia do custo de vida, pela falta de abastecimentode gêneros de primeira necessidade e pela estagnação da atividadeeconômica.

26 O fato já havia sido denunciado pelo presidente Getúlio Vargas, em sua Carta-Testamento, de 24 de agosto de 1954 (nota do autor).

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Nessa época - que abrange os sete meses entre a posse de LimaNeto e o Golpe Militar de 1964 -, a crise do desabastecimento tambématinge Volta Redonda, onde o açúcar, por exemplo, era o gênero maisescasso. Espalhou-se, então, o boato de que os donos de armazénsestariam escondendo o produto, supostamente para forçar a alta do preço,o que indignou boa parte da população. Entre discursos ameaçadores,segundo os quais, "esses açambarcadores (os donos de armazéns)deveriam ser dependurados nos postes das vias públicas", Lima Netoimprovisou um comando de militantes "para busca e apreensão do açúcarsonegado ao povo". Jamais encontraram um grama, sequer... O episódio,contudo, serviu apara acirrar ainda mais os ânimos, levando algunsempresários locais, dentre os quais, comerciantes e fazendeiros, a umamobilização, que incluía a aquisição e a estocagem de armas, para resistira um provável golpe esquerdista. Essa mobilização uniu, na mesmaconspiração, as chamadas classes conservadoras, setores ligados à altadireção da CSN, o comando da guarnição local do Exército - o extinto1º BIB - Batalhão de Infantaria Blindada -, além de políticos ligados àUDN - União Democrática Nacional. Quando o Golpe Militar de 1964estourou, essas forças agiram rapidamente, em Volta Redonda,apanhando a militância de esquerda totalmente desprevenida, efetuandoprisões de ativistas e intervindo nos sindicatos, com uma eficiência euma rapidez somente concebíveis como resultantes de um planejamento.Eram como os componentes de uma orquestra exaustivamente ensaiada:as pessoas envolvidas com os responsáveis pelas ações locais, vinculadasou decorrentes do Golpe Militar, pareciam saber exatamente o que fazer,como se já estivessem esperando por ele e pelo momento de agir,ocupando espaços, intervindo nos sindicatos, expedindo ordens eintimações de legalidade questionável, de acordo com um plano adredepreparado. Em suma: algumas figuras da elite conspiravam, já haviaalgum tempo, na calada da noite, na Cidade do Aço. E quando asmáscaras de algumas pessoas caíram, certas dissimulações e algumasatitudes que, partindo delas, antes pareciam estranhas e descabidas, agorase tornavam óbvias aos olhos de suas vítimas - os militantes punidospela Ditadura Militar.

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VOLTA REDONDA E O GOLPE MILITAR DE 1964

A intervenção das Forças Armadas na vida política brasileira éuma constante histórica: iniciou-se com a Independência, em 1822. Noveanos mais tarde, em face de uma sublevação militar, o imperador D.Pedro I abdicou do trono. Em 1891, seu filho e sucessor, D. Pedro II, foiderrubado por outra quartelada, sob o comando de Deodoro da Fonseca.Durante a República Velha, os militares envolveram-se em levantescontra o governo, em 1922, 1924, 1925 e 1926, na seqüência conhecidacomo "Tenentismo", até que, em 1930, os ministros militares depuseramWashington Luís e abriram caminho para a ascensão de Getúlio Vargas.Em 1945, afastaram Vargas do cargo; em 1954, levaram-no ao suicídio.Em 1955, tentaram impedir a posse de Juscelino Kubistchek, repetindoa mesma tentativa em 1961, desta vez, contra João Goulart, a quem,finalmente, derrubaram em 1964.

O Golpe de 64 - a que os militares da época chamaram"Revolução de 31 de Março" - começou bem antes dessa data. Ascircunstâncias que levam ao golpe militar relacionam-se com a ascensãodo, então, jovem político gaúcho João Belchior Marques Goulart ao cargode ministro do Trabalho do governo Vargas, em 1954. Ao assumir oMinistério do Trabalho, Jango - como era conhecido - estabeleceu umarelação de boa convivência com as lideranças sindicais, passando a apoiarsuas reivindicações e a incentivar os trabalhadores a se sindicalizarem,

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com o objetivo de fortalecerem os sindicatos de trabalhadores em suasluta com a classe patronal. Em meio a esse processo, Jango defendeu arevisão do Salário Mínimo, que foi reajustado em nada menos que 100%(cem por cento), em 1954. Isso foi mais do que o suficiente para provocara ira das classes conservadoras e acirrar os ânimos, num momento críticoda vida nacional, em que, a despeito da inflação que "corroía os valoresdo trabalho" os empresários reagiram negativamente à alternativa deremunerar, no dobro do valor, o trabalho dos seus empregados. Daí emdiante, João Goulart passou a arrostar todos os ódios dessas mesmasclasses, ao mesmo tempo em que vários setores do empresariado oacusavam de pretender implantar uma "República Sindicalista" noBrasil. Por menos plausível que fosse, essa suposta república sindicalistatornou-se um fantasma, que passou a assombrar não apenas as chamadaselites, como também consideráveis estratos de nossa incipiente classemédia, envenenada por uma mídia hostil ao governo. Afinal, o governoe as empresas norte-americanas temiam a ascensão de uma liderançapopular simpática aos comunistas. Não obstante toda a reação contrária,açulada, também, pela propaganda anticomunista do macartismo27,Jango elege-se vice-presidente da República28, na chapa de JuscelinoKubistchek, em 3 de outubro de 1955. Cinco anos mais tarde, repete adose, com expressiva votação, como vice-presidente de Jânio Quadros.Com a renúncia de Jânio, em 25 de agosto de 1961, os ministros militares,aproveitando-se da ausência de João Goulart, em viagem oficial àRepública Popular da China, fazem um pronunciamento contrário àinvestidura de Jango na presidência da República, como substituto legaldo presidente renunciante.

Entre 26 de agosto e 6 de setembro de 1961, o então governadordo Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola, cunhado de Jango,mobiliza o que ele mais tarde denominaria de "forças populares",

27 MACARTISMO: Movimento anticomunista inspirado pelo senador norte-americano Joseph McCarthy, presidente da Comissão de Atividades Anti-americanas do Senado dos EEUU.28 Naquela época, o voto para vice-presidente era separado do de presidente (notado autor).

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através da "Rede da Legalidade", de resistência aos generais golpistase em favor da posse de João Goulart. O impasse foi resolvido com umaemenda constitucional que instituía o sistema parlamentarista degoverno, podando-se, assim, os poderes do presidente, que passava aser uma figura decorativa, eis que o poder executivo seria exercido porum primeiro-ministro.

Em 1963, o presidente Goulart readquire seus poderes comochefe do Executivo e inicia um governo de caráter populista,identificado com os sindicatos e os diversos setores da Esquerda.Contudo, o governo não deslancha, porque se estabelece um impassepolítico no Congresso, onde as forças da Reação, azeitadas comrecursos financeiros provenientes de uma suspeitíssima instituição decaráter político denominada IBAD29, formam uma barreira parlamentarintransponível às proposições do Executivo, visando às reformas deque o País necessitava. A inflação ameaça disparar; desaparecem osinvestimentos externos e se sucede uma crise de abastecimento degêneros de primeira necessidade. O governo de João Goulart revela-seinepto, em face do quadro de quase estagnação da vida nacional,enquanto as greves pipocam por todos os cantos do Brasil. Parte, comoreflexo da instabilidade social e econômica, parte como resultante daação desencadeada pelo oportunismo canhestro de uma Esquerdadesorganizada e irresponsável. A situação chega ao clímax em marçode 1964, os chamados "Idos de Março30": o Comício das Reformasde Base, na Central do Brasil; o movimento dos marinheiros, queestavam homiziados na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio deJaneiro, e o fatídico encontro do presidente Goulart com os militaressubalternos da Associação dos Subtenentes e Sargentos, no AutomóvelClube do Brasil.

29 IBAD: Instituto Brasileiro de Ação Democrática.30 A frase é uma alusão à conspiração de patrícios romanos para o assassinato deJúlio César, em 15 de março de 44 a.C.

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Desferido o Golpe militar - uma "quartelada", segundo CarlosHeitor Cony, in "O Ato e o Fato" - os dirigentes sindicais da Cidade doAço tentam mobilizar os trabalhadores para uma greve geral de apoioao presidente João Goulart: por volta das seis horas da manhã de 1º deabril de 1964, Othon Reis Fernandes coloca no ar a Rádio SiderúrgicaNacional e conclama os trabalhadores para uma vigília de apoio a Jango.Lima Neto chega à emissora e vai ao ar convocando uma greve geral naCSN, "em defesa da democracia", como, então, afirma. Ainda antes dassete horas, uma guarnição do 1º Batalhão de Infantaria Blindada,comandada por um capitão, ocupa a emissora e a retira do ar, "em nomedo Comandante do 1ºBIB". O episódio inteiro foi, no mínimo, patético,porque a Cidade inteira sabia que a Rádio Siderúrgica somente entravano ar a partir das oito horas da manhã. Por isso mesmo, provavelmenteninguém a sintonizara, antes daquela hora. Os que a colocaram no arfalaram ao vento...

A CSN não parou no dia 1º de abril de 1964. Ao contrário, suausina de aço quebrou um recorde histórico de produção nesse dia, o queensejou, através da televisão, comentários jactanciosos do general Costae Silva, membro do auto-intitulado "Alto Comando Revolucionário".Antes do meio-dia, começaram as prisões de dirigentes e militantessindicais. João Alves dos Santos Lima Neto, presidente do Sindicato,foi preso no interior da Usina Presidente Vargas. Othon Reis Fernandes,diretor de Serviços Sociais da CSN, foi apanhado em sua residência poruma patrulha do Exército. As prisões de suspeitos de subversão e,também, a busca e a apreensão de "material subversivo" prosseguirampor todo o mês de abril.

O Exército instaurou dois "Inquéritos Policiais Militares" - osfamigerados "IPMs" - de resto, um instrumento judicial específico davida militar - "para apurar as atividades subversivas" na região do suldo Estado e, especificamente, na CSN. O primeiro foi tocado peloBatalhão e o segundo, pela Academia Militar das Agulhas Negras - aAMAN. Na Companhia Siderúrgica Nacional, seu Diretor Industrial

Volta Redonda na Era Vargas 125

mandou instaurar inquérito administrativo para apurar "atividadessubversivas ocorridas no âmbito da enpresa". Muitos empregadossofreram diversos tipos de punição. Outros foram sumariamentedemitidos, sem justa causa. Ao final do inquérito administrativo, a CSNdemitiu ou afastou do trabalho mais de cem servidores, sob acusaçãode atividades subversivas. Muitos dos que eram empregados estáveisforam constrangidos a uma demissão mediante acordo de indenizaçãonegociada, com a "assistência31 do Sindicato", que se achava sobintervenção32, dirigido por servidores categorizados, indicados pelaprópria CSN, que assumem a intervenção, por ordem do "ComandoRevolucionário". Em Volta Redonda, a temporada de "caça às bruxas",dos tempos do macartismo, apenas estava recomeçando...

Ao mesmo tempo em que a perseguição se desenrolava na Usinae no Escritório Central da CSN, instalava-se na Cidade um autênticoEstado Policial: a denúncia anônima, a delação e a bajulação aos novosdonos do poder - os militares - moldavam o comportamento de partedas pessoas, enquanto a maioria da população, entre silenciosa eestarrecida, seguia "falando de lado e olhando pro chão", como na cançãode Chico Buarque.

A Policia Administrativa da CSN, criada e organizada em 1942pelo capitão Edgard Magalhães da Silva, já não era mais aquela dos"cabeças de tomate", com homens rudes, que batiam primeiro e depoisfaziam perguntas. Aperfeiçoara-se, sob o comando do coronel José daCunha Menezes e, mais de um ano antes do Golpe Militar de 64, sob asmãos do general Ene Garcês dos Reis, criou-se um "serviço secreto"para a prática de espionagem, através de infiltração em reuniões e

31 Ainda não havia o FGTS e a demissão de empregado estável, sem justa causa,somente ocorria com a assistência do sindicato, de acordo com o art. 500 da CLT(nota do autor).32 Na tradição sindical, o interventor somente pratica atos administrativos referen-tes à gestão interna do sindicato, porque não está investido de mandato eletivo quelhe dê autoridade representativa para, por exemplo, homologar demissões (nota doautor).

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assembléias sindicais. Os esbirros do serviço secreto da PolíciaAdministrativa eram pessoas semiletradas, que beiravam a boçalidade,mas capazes de uma atuação suficientemente nefasta na delação e naprodução de provas forjadas. Todos os empregados acusados deatividades subversivas, por esses agentes secretos de roça, ainda quedenunciados à Justiça Militar pelo coronel presidente do Inquérito PolicialMilitar instaurado na Academia Militar de Agulhas Negras, foramexcluídos da denúncia, por iniciativa do próprio promotor militar, que aconsiderou inepta, em face da incompetência das "provas" apresentadase originariamente produzidas pelos agentes secretos de fancaria da CSN.Não obstante, o mal já estava feito e todos, demitidos ou afastados doemprego. Apenas um foi reintegrado ao serviço da empresa, o Mestrede Aciaria Odair Benedito de Aquino e Silva, diretor-secretário doSindicato dos Metalúrgicos na brevíssima gestão de João Alves dosSantos Lima Neto. Muito doente, Odair de Aquino morreu, alguns anosmais tarde, não sem antes experimentar o gosto de retornar à velha AciariaSiemens-Martin (àquela altura, desativada), nem que fosse paraperambular por sua Ala de Carga, como um fantasma perdido... Seuregresso, ainda que aparentemente inglório, revelou-se como um símbolode esperança para muitos injustiçados. Odair Benedito de Aquino Silvafoi um operário exemplar, querido e respeitado como companheiro detrabalho, vitorioso na profissão de metalúrgico. Apenas, como tantosoutros, não tolerava injustiças e lutou contra elas.

Numerosos foram os casos de injustiça provocados pelas"investigações" dos agentes da "GESTAPO" da CSN. Piores, contudo,se revelaram aquelas injustiças resultantes da delação, da intriga ou dadenúncia anônima, muitas vezes motivada por inveja no ambiente detrabalho. Aqui, os famosos Sacco & Vanzetti se transformam em Bicca& Fritsch.

Luiz Bicca de Alencastro e Pedro Eloy Fritsch trabalhavam naSuperintendência de Projetos e Obras da CSN. O primeiro, como técnicoindustrial e o segundo, como auxiliar de engenheiro. Eram empregadosveteranos - o primeiro, com quinze anos e o segundo, com mais de vinte

Volta Redonda na Era Vargas 127

anos de serviços prestados à CSN, mais do que exemplares - e nãoexerciam qualquer militância sindical ou política. Bicca, magro, alto,claro, de olhos de um tom verde-cinza, com cinqüenta anos,aproximadamente, era a própria imagem do homem educadíssimo, deíndole pacífica, humilde, tranqüilo e possuidor de um olhar de tocantedoçura humana; amava a doutrina espírita, seu assunto predileto nasconversas que mantinha com os colegas, nos intervalos para o café; nãose tem notícia de qualquer atrito, desavença ou desentendimento, daparte dele, com quem quer que fosse, dentro ou fora do ambiente detrabalho. Pedro Eloy Fritsch, magro, baixo, claro, cabelo ralo, olharinteligente e penetrante, mostra mais agitação no falar e no andar. Suapaixão é a Maçonaria, a cuja grandeza se dedica, de corpo e alma. Notrabalho, é conhecido pela franqueza com que emite suas opiniões, semreceio de desagradar aos chefes, sendo, porém, um colega de trabalholeal e sincero para com todos. Por um desses absurdos, mesmo em umregime político de exceção, ambos são denunciados às autoridadesmilitares como elementos "agitadores" e "subversivos", cujapermanência em serviço, na CSN, era considerada nociva e contrária àsegurança da empresa e aos interesses nacionais. Logo em seguida, sãosumariamente afastados do trabalho. A exemplo do que acontecera como autor destas linhas, então, um jovem militante sindical metalúrgico,Bicca e Fritsch, humilhados por uma execração pública, perante seuscolegas de trabalho, vizinhos, amigos e familiares, sofrem, ainda, a perdade todas as suas regalias e prerrogativas como empregados da CSN,com restrições ominosas - como a cessação da assistência médico-hospitalar - que alcançam, inclusive, seus dependentes diretos.Obviamente, essa perda de regalias e prerrogativas se estende, também,a mais de cem companheiros da CSN, sediados em Volta Redonda e emoutros setores regionais da empresa, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.

Por conhecer apenas superficialmente outras injustiças do regimede exceção para com empregados da CSN que não eram militantessindicais ou políticos, o autor restringe seu relato a estes dois casos jámencionados, como ilustração do ambiente deplorável, de perseguição,medo e insegurança, que se instalou na empresa, a partir do Golpe Militarde 1º de abril de 1964.

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Luiz Bicca de Alencastro jamais se recuperou da dor pela terrívelperseguição que sofrera e faleceu em 25 de julho de 1980. Pedro EloyFritsch dedicou toda a sua energia, durante vários anos, como umautêntico paladino, visando a corrigir, por ele e seus companheiros, ainjustiça de que foram vítimas.

Na luta que empreendera, Fritsch recorreu aos seus irmãos deconfraria maçônica, moveu céus e terras, num trabalho insano, paraconseguir o "retorno e a reintegração ao quadro ativo da CSN", comopleiteara, por fim, em 20 de outubro de 1985, ao Presidente José Sarney.Fez mais: com a ajuda e a boa vontade e toda a disposição do advogadoEljo Cândido de Oliveira, então Superintendente de Recursos Humanosda Companhia Siderúrgica Nacional, Fritsch procedeu a um minuciosolevantamento da situação funcional e de salários de todos os ex-empregados da CSN, demitidos por força dos Atos Institucionais Nº's 1e 5, da Ditadura Militar, bem como os nomes das viúvas e herdeirosdaqueles já falecidos, a fim de que pudessem receber os benefícios daAnistia concedida pela Emenda Constitucional Nº 26, de 28 denovembro de 1985.

Reproduz-se aqui a lista mimeografada pelo próprio Fritsch eanexada à referida petição ao Presidente José Sarney.

EMPREGADOS DA CSN DEMITIDOSPELO GOLPE MILITAR

Gentil NoronhaMarcello de Mendonça Pinto

Cid Pereira Buarque de GusmãoHélcio Teixeira

Justino Ferreira GomesJosé de Moura Villas BoasDarley de Lacerda Arneiro

Volta Redonda na Era Vargas 129

Francisco Carvalho de CastroHjalmar Astácio Rios

Joel Braga de MendonçaEstanislau Torres

Marly do Santos ChavesChristiano Leal de Moraes

Dilma Lourdes Botelho FerreiraRonaldo Pereira Ferreira

Antônio Luiz de Aragão MirandaJosé Paulo Vieira da Cunha

Hélio Gonçalves NevesLuiz Bicca de Alencastro (+250780)

Adalto Heleno PereiraWilly do Nascimento Sales

João Batista de AbreuLuiz Ferreira BrumFernando Parreira

João Ferreira de SouzaBenedito Garcia de OliveiraJosé Luiz Manhães Gesualdi

Domingos MagalhãesLuiz Gerardo de Seixas Bona

Jorge GonzagaJoão Domingos

Darcy de OliveiraJoaquim Antônio Sales

Aldemy Gomes de OliveiraPedro Eloy Fritsch

Wilton de Araújo MeiraWanildo de Carvalho

Walmir Barbosa de Menezes BritoGuilherme Carlos Köhler

Nelson SilvaJosé Machado Feitosa

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Natnael José da SilvaWaldyr Amaral Bedê

Ubirajara Alves RamosMarinho Santiago (+201089)

Joacyr PatriotaAdy Gigante (+210489)

Eurípedes EstrellaJosé Gonçalves Paulino (+010570)

João Clímaco FilhoJosé Amâncio da Silva (+121082)

José Bonifácio de CastroOtto Gibson de Carvalho (+140385)

Francisco Chagas LopesJoão Ignácio da SilvaJosé Emílio da Silva

Fidelis Pereira CôrtesJorge Fernandes

Manoel Izaac de Carvalho LimaFrancisco Gomes de Assunção

Gerson da Cunha BastosFeliciano Honorato Wanderley

José Ferreira de AraújoArgenil Mendes de Sá

Nilton Carraro MachadoOdair Benedito de Aquino e Silva (+070690)

Gustavo Alves de Lima (+210487)Florivaldo Ciarelli

Israel Sant'Ana (+100583)Alberto Almirante Barbosa

Geraldo MarcelloOthon Reis Fernandes (+050371)

Inaldo Albuquerque de Carvalho (+080874)Antônio Nascimento da Silva (+280687)

Volta Redonda na Era Vargas 131

Genival Luiz da SilvaEly da Silva Aguiar

João Alves dos Santos Lima Neto (+020284)Benedito Matos da Costa

Nestor LimaJoaquim Martins Bastos (+260180)

Vicente Francisco de Carvalho (+270784)José Garcia de Souza

Pedro Celestino de MatosFrancisco Aranha Viriato

Querubino Dias Leão (+080166)Nilson Costa (+011177)Lenine Abdiel de Souza

Adelino Pereira Palmeira (+150785)Anaximandro RattesCarlos Carbalo Prieto

Francisco Aguiar Guimarães (+)Iracindo Miranda (+ 211174)Joaquim Felipe de Barros (+)Joaquim Leocádio (+151265)

Rubem ProtaSebastião Vilela de Andrade

Wandyr de Carvalho (+260287)

O INSS, então encarregado de aplicar os benefícios da Anistiaaos aposentados, considerou a aposentadoria ou pensão excepcionalcalculada sobre o valor hipotético da remuneração a que esses servidoresteriam direito, como se estivessem em efetivo exercício, à data da referidaEmenda Constitucional. Todavia, depois de algum tempo, e principalmenteapós sua privatização, a CSN deixou de fornecer as informações individuaissobre a posição salarial de cada anistiado - o que acarretou uma defasagemnos proventos de aposentadoria, corroída pela inflação.

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Analisando-se os dados pessoais de cada um dos cem ex-empregados da CSN aqui arrolados, constata-se que:

1) ao serem afastados, 61% do total desses ex-servidoresacumulavam mais de dez anos de serviço na CSN;

2) desses, 30% tinham mais de vinte anos e 31%, entredez e dezenove anos de trabalho; outros 28% já haviamchegado, pelo menos, aos cinco anos de serviço;

3) dos 100 listados, pelo menos setenta e seis eramservidores qualificados, com funções especializadas eresponsabilidade técnica na vida da CSN, sendo que:

4) desse número, pelo menos nove possuíam grauuniversitário e vinte e cinco detinham nível médio deensino.

Toda essa gente recebera os chamados "prêmios qüinqüenais"(um mês de remuneração, a cada período de cinco anos de trabalho,com menos de seis faltas por ano, ou o dobro, no caso de cinco anostrabalhados sem faltas ou atrasos), além de distintivos de ouro, comrubi ou esmeralda, de dez e de vinte anos de bons serviços, "por haver,com seu esforço, dedicação e exemplar conduta, muito contribuídopara a realização do programa da Companhia SiderúrgicaNacional", como consta, aliás, do "DIPLOMA DO DISTINTIVODE BONS SERVIÇOS CSN" concedido a este autor, ironicamente,no dia 9 de abril de 1964, quatro dias antes de sua prisão, por ordem dopresidente do Inquérito Policial Militar da AMAN.

A apresentação dessas informações vem a propósito dasseguintes questões, suscitadas pela situação desses cem homens euma mulher demitidos da CSN: como e por que razões, essas pessoas,de um momento para o outro, se transformariam em "agitadores","subversivos" e "elementos nocivos" à segurança da Companhia?

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De que maneira um simples auxiliar de escritório poderia "esfriar osfornos da CSN", a exemplo do que está escrito na acusação formalfeita pelo Comando Revolucionário a este autor, e que lhe fora lidadurante a tomada de seu depoimento, no IPM da Academia Militarde Agulhas Negras?

Até o Golpe Militar de abril de 1964, muitos dos nomes, dosservidores que viriam a ser demitidos, não eram do conhecimentodas autoridades militares, até que seus prontuários funcionais lhesforam entregues pela CSN, “enriquecidos” com os relatórios dosbeleguins do serviço secreto da Polícia Administrativa da empresa ecom denúncias anônimas de uns poucos colegas. Estas, certamenteinspiradas por sentimentos menos nobres, como a desforra, a inveja,o ciúme e a ambição.

Significativamente, entre os demitidos, havia dez desenhistastécnicos, todos lotados na FEM - Fábrica de Estruturas Metálicas. Seuchefe fora designado para presidir a Comissão de InquéritoAdministrativo, constituída para apurar "atividades subversivas" noâmbito da empresa. Coincidência ou não, meses antes do Golpe Militar,Othon Reis Fernandes - o então Diretor de Serviços Sociais da CSNeleito pelos empregados - interpelara esse mesmo chefe, no intuito deque ele explicasse à Diretoria como e por que a FEM perderadeterminada concorrência pública de obras em estrutura metálica. Aindapor coincidência ou não, a Fábrica de Estruturas Metálicas, um dos setoresmais polítizados da Usina Presidente Vargas, foi a primeira a tentar paralisarsuas atividades no dia 1º de abril de 1964, embora sem êxito e, por issomesmo, a unidade que mais contribuiu para o rol de mais de trezentasdemissões (anunciadas em boletim da CSN, como "por conveniência deserviço"), ocorridas nos meses subseqüentes ao Golpe Militar. Nenhumdos demitidos havia cometido qualquer ato de natureza material, quepudesse colocar em risco a integridade patrimonial da CSN. Constatou-se, na hora da verdade, nos tribunais militares, que esses cidadãos apenasteriam cometido, quando muito, um suposto delito de opinião, num paísem que, até a ocorrência do Golpe Militar, a liberdade de opinião e de

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expressão era assegurada pela Constituição de 1946. Contudo, a vingança,como um prato frio, fora sorvida com mão pesada pelos senhores dasituação - pretensos "donos" da grande Usina de Aço...

As ruas passaram a ser patrulhadas por viaturas do Exército33,com soldados de uma unidade denominada "PELESP" - PelotãoEspecial, do 1º Batalhão de Infantaria Blindada. Isso perdurou algunsanos. Nos clubes, nas festas - ainda que particulares - e nos eventosescolares, os militares eram recebidos com todas as honras e rapapés,como se, em Volta Redonda, estivesse em curso um açodado torneio,tácito, mas cínico e oportunista, para ver quem mais agradava aos novossenhores da situação.

Em algumas ocasiões, certas atitudes dos novos donos do poderultrapassaram o limite do ridículo: madames de oficiais iam às compras,escoltadas por soldados armados com pistolas automáticas ou revólverescalibre 45. Algumas vezes, o próprio comandante do extinto 1º Batalhãode Infantaria Blindada chegou a ir ao Cine "Nove de Abril" com umaescolta de quatro soldados armados "até os dentes". Meses depois,quando constataram não existir qualquer ameaça de subversão,sabotagem ou coisa semelhante (jamais se saberá o que deveria ir pelacabeça dessas pessoas...), voltaram a ser mais discretos. Discrição essa,diga-se, a bem da verdade, seguida à risca por todos os demais oficiaisque assumiram o comando daquela unidade, até sua extinção.

Da ominosa perseguição humana ocorrida na CSN, em 1964,compreende-se que muitas pessoas que se prestaram ao papel dedenunciar companheiros de trabalho, foram movidas por ódio, invejaou, simplesmente, pela ambição de aparecerem como guardiães dasegurança da empresa. Excederam-se nas informações distorcidas ena produção de provas de validade discutível, embora mais que

33 Pouco tempo depois do golpe militar, a CSN doou ao 1º BIB cerca de dez veículosutilitários, "em reconhecimento pelos serviços prestados em defesa da democraciae da Companhia Siderúrgica Nacional", conforme divulgou a imprensa local, naépoca (nota do autor).

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suficientes para interromperem a carreira profissional de companheirosde trabalho, dignos e sem culpa. Mas, em tudo e por tudo, predominouo medo, em face de um novo tempo de autoritarismo, que jogava,abertamente, com a perspectiva de uma revolução comunista no Brasil,embora as condições objetivas para um empreendimento dessaenvergadura - na verdade, qualquer movimento armado - fossemtotalmente inexistentes. Aliás, os focos isolados de luta armada, quetiveram curso nos anos setenta, apenas confirmaram esta assertiva.No entanto, o espectro do comunismo prevaleceu, ainda, por muitotempo, como instrumento da propaganda reacionária. E muitos creram,piamente, que tal perigo existisse, de fato.

Enfim, nossa Cidade de Volta Redonda - esse Eldorado comque, um dia, tantas pessoas sonharam - perdera, de vez, sua inocência.Marchava-se ao compasso de uma ordem unida: a da Nova Ordemimposta pela Ditadura Militar...

Então, parodiando Maritain34, "uma longa noite de agonia", queduraria vinte anos, se abateu sobre o Brasil - a "Noite dos Generais".

Encerrava-se a Era Vargas em Volta Redonda.

34 MARITAIN, Jacques, "Noite de Agonia em França", Rio, 1941.

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EPÍLOGO

Este livro termina aqui. Não, obviamente, a história de VoltaRedonda. Há muito a ser escrito a respeito dos últimos quarenta anos:as duas últimas gerações de ciclopes fizeram desta Cidade uma autênticametrópole, e sua saga, entrecortada de dramas e comédias, merece sercontada. Certamente, outras histórias virão.

Para finalizar, ofereço, ao leitor e à leitora, que tão generosamenteme acompanharam por estas páginas, um poema dedicado àqueles queconstruíram Volta Redonda. Para compô-lo, dispensei-me dos rigoresda forma poética e mergulhei fundo nos meus sentimentos, a exemplodo que fiz, ao longo de todo este livro. Ao vê-lo, e ouvi-lo, declamadoem diversos jograis formados por estudantes de várias escolas de nossaCidade - muitos deles moradores da periferia - , percebi que meu cantofoi ouvido, sentido e aceito pelos meus concidadãos. Permitam-me, pois,registrá-lo, a seguir, nos escritos deste livro, eis que ele não mais mepertence, mas ao povo de Volta Redonda, a quem rendi essa singelahomenagem.

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ODE AOS CICLOPES

(Aos Trabalhadores de Volta Redonda)

PRÓLOGO

Na curva que o rio faz, dobrado pelo raio,Nas terras dos Coroados, os Ciclopes chegaram...

Pés descalços, carcomidos, tresnoitados e abatidos,Em busca de um Eldorado, os Ciclopes chegaram...

Na volta de Volta Redonda.

CANTO I - DO ÊXODO

Maria-fumaça, apito estridente,Cortando o silêncio da noite fria,

Lembrando saudades, lembrando o diada sinhazinha, do coroné, da fazendinha

E do café. De Severina, de Joana ou de Maria,Que ficaram lá atrás. Ficaram pra trás...

Será que vou ver? Será que vou ver?Será que vou ver? Acho que não...Acho que não... Acho que não...Jacá de queijo. Queijo mineiro

Com pão dormido, inté bolorento.E o bule sujo, com chocolate,

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Alimento do dia, pesadelo da noite,Enquanto maria-fumaça, Maria,

Transporta lembrança, leva agoniaE carrega a esperança de um novo dia...

CANTO II - DA TERRA PROMETIDA

Na velha estação, madeira podre,Caindo aos pedaços, eles chegaram...Apearam os ciclopes, mineiramente,

Desconfiados. Dos "cabeças de tomate",Guardas armados, que davam ordens,Aqui e ali, na manhã cinzenta. Manhã

Imprópria para quem chega a um Eldorado...Tratores gigantes cortavam a terra

Que os basculantes descarregavam.Gente pra cá, gente pra lá,

Concreto na forma, entrando em forma,Buraco de lama, poeira por cima,

Marreta empenando as pontas dos ferros,Até que a sereia tocava o fim

De mais um dia, começo de outro,De muitos outros...

Até que a agonia chegasse ao fim.Agonia imprópria para quem veioNa esperança de um Eldorado...

No caos ordenado, chegaram as máquinas.Tão grandes que eram, faziam assustar!

Enquanto isso, na velha Europa,Na Ásia e na África, o Mundo morria,Um pouco de noite, um pouco de dia...Mas esses caboclos Ciclopes chegadosDe muitos cantos, de Minas, São Paulo

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E de todos os santos, seguiam em frente...De Vulcano, operários, forjavam na terra,

No seio da terra, a nova Terra do Eldorado!Enquanto o Mundo, em sangue, se abria,

De tresloucado... Loucura imprópriaPara quem constrói um Eldorado...

CANTO III - DAS GENTES

Reisado, congada e maxixe,Samba do bom e xaxado,Bumba-meu-boi e baião,

Balanços de corpos trocados...Mulatos, cafuzos, morenos,Louros e negros retintos,Orgia de cores, instintos,

Na mesma tarefa irmanados...Do pai-de-santo à beata,Do candomblé à capela,

Da assembléia à tendinha,Ao mesmo Deus dedicados...No mesmo cadinho jogaramVãs esperanças e amores,Recalques, sonhos e dores.E sorte nova buscaram...

Enquanto o Eldorado não vinha,Da usina de aço crescendo,

Saudades de ontem: dorzinha.Vivia-se aos poucos, morrendo...

Até que o dia chegou,Fé e fornalha aquecidas:Correu o aço na Terra

Do Eldorado das vidas...

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Este poema, composto em 09/10/1980é extraído do livro “A Terra é Azul”

de Waldyr Bedê

CANTO IV - ONDE FICA O ELDORADO?

A casa está pronta, a festa acabada...A angústia insiste, a saudade existe,

A tristeza persiste. O dedo é em riste,Liberdade? Não viste. E a fome é tão triste...

Eldorado? É um chiste..."E agora, José" De Carlos Drummond,

Se repete a pergunta. E agora, João?E agora, Mané?

Na rua cinzenta, a fumaça domina...Nos palácios cinzentos, os homens dominam.

Cinzentamente...E a fome campeia... Não só de comida:

De cores, amores, certezas e flores,De beijos, abraços, afetos e vivências,De canto e falares, poemas e mares,

Ardor e querências...

EPÍLOGO

Ninguém verá Eldorado fora do seu coração.Ninguém viverá Eldorado sem Liberdade à mão!

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