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Volume V Globalização, política e riscos: Segurança, ambiente e saúde Instituto de Ciências Sociais Universidade do Minho Manuel Carlos Silva et al. (orgs) Centro de Investigação em Ciências Sociais (ed)

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Volume VGlobalização, política e riscos:Segurança, ambiente e saúde

Instituto de Ciências SociaisUniversidade do Minho

Manuel Carlos Silva et al. (orgs)Centro de Investigação em Ciências Sociais (ed)

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Globalização, política e riscos:

Segurança, ambiente e saúde

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Índice Globalização e alteroglobalização ........................................................................................................................................... 1 

Integração física e energética na América do Sul .................................................................................................................. 1 Políticas públicas brasileiras concernentes aos direitos socioambientais e à proteção do patrimônio natural ..................... 10 Desafios à Construção de um Projeto Democrático de Sociedade: Entre a Retórica e a Prática ......................................... 20 Os Conselhos Gestores na Modernidade ............................................................................................................................. 27 Cooperativismo e blocos económicos na globalização ....................................................................................................... 33 O Consumo para os Outros: os Presentes ............................................................................................................................ 43 Celulares e computadores “pessoais”: um estudo sobre usos coletivos de objetos tecnológicos nas camadas populares ............................................................................................................................................................................. 48 O Fenômeno da Globalização em um estudo comparativo: Luso-Afro-Brasileiro das feiras e mercados ........................... 58 O Conceito de Lusofonia na Obra de Vamireh Chacon ...................................................................................................... 60 Nativos e forasteiros: índios, brasileiros, gringos... Cumuruxatiba no mundo .................................................................... 65 Notas para pensar a integração entre desiguais no contemporâneo: Alguns apontamentos ................................................. 73 Parque das Nações: uma perspectiva sobre o espaço e o seu consumo ............................................................................... 81 Auto-atribuição de responsabilidade socioambiental na esfera do consumo ....................................................................... 90 A Lógica perversa do consumo, a apatia e depressão como efeitos da globalização ........................................................... 99 O Estado da Alteroglobalização em Portugal .................................................................................................................... 107 Emancipação na América Latina no Séc. XXI: Movimentos e Lutas nas tessituras de uma Contra-Hegemonia .............. 116 Os Jovens e a Internet: novos meios de participação cívica e política .............................................................................. 127 O Fórum Social Mundial e a Internet: possíveis espaços de articulações globais contra-hegemónicas ............................ 132 Globalização: uma crítica epistemológica ao argumento "there is no alternative" ............................................................ 145 El altermundismo como crítica del "pensamiento liberal" ............................................................................................... 152 A Amazônia no século XXI: novos dilemas e suas implicações no cenário internacional ................................................ 161 Cidadania, direitos e populações fronteiriças - Tensionando limites ................................................................................. 171 Jorge Amado: nos territórios livres da fala ........................................................................................................................ 175 O processo de construção da identidade negra em Teresina a partir da estética africana (re)criada: o caso do grupo afro-cultural Coisa de Nêgo .............................................................................................................................................. 179 A construção de relações com tecnologia e letramento digital em um contexto indígena Yawanawá .............................. 189 Intersecções dialógicas na globalização: a Internet como espaço de visibilidade e ações dos microgrupos ..................... 194 Expansão de Negócios: o conhecimento da informação como vantagem competitiva ...................................................... 200 

Política, relações internacionais e segurança ..................................................................................................................... 207 

Apontamentos teóricos e hipóteses empíricas na transnacionalização da política hoje no sul do mundo: anotações sobre o Parlamento do Mercosul ....................................................................................................................................... 207 Alguma coisa está fora da Nova Ordem Mundial: Pós-colonialismo e Relações Internacionais ....................................... 215 Cultura e poder: o papel político do Teatro do Oprimido em Moçambique e sua visibilidade internacional .................... 227 A Politica Europeia de Vizinhança na região do Magrebe : um novo instrumento para a acção da União Europeia? ...... 238 A iniciação de conflito em Angola e o modelo de “Ganância e Reclamações” ................................................................. 254 Cooperação Sul-Sul: A Presença Chinesa em África. ....................................................................................................... 264 Ambiente e Segurança no Darfur: uma Análise Crítica .................................................................................................... 272 O Brasil e a África Lusófona na Nova Agenda de Pequim: o papel do Fórum Macau ..................................................... 279 Espaço Afro-Ibero-Latino-Americano: geopolítica e geoestratégia na perspectiva lusófona ............................................ 289 Potencial estratégico da língua na geopolítica de Portugal ................................................................................................ 295 O valor da imagem: análise comparada da construção da imagem nos exércitos brasileiro e português .......................... 302 A militarização da segurança pública: o emprego do exército como força policial........................................................... 310 Gestão condicional da confiança - A maldição dos recursos e os factores que afectam o conflito.................................... 316 A Emergência da (in)segurança climática global: o caso da Amazônia Brasileira ............................................................ 323 Os estados falidos: novas ameaças e novas oportunidades ................................................................................................ 329 IV Esquadra dos EUA: (in)segurança no Atlântico Sul? ................................................................................................... 334 Islamismo, Fundamentalismo Islâmico e Ocidente ........................................................................................................... 346 “Negócios e trapaças: O lucrativo comércio marítimo ilícito de africanos no município de Macaé (1830-1860)” ........... 355 

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Integração Regional e Política Externa: o caso da Amazônia ........................................................................................... 359 As relações Brasil-Venezuela e o desenvolvimento da Amazônica ................................................................................. 366 Conseqüências da interação do Brasil com os países em que mais se empenhou em operações de paz da ONU ............. 375 

Riscos, ambiente e saúde ...................................................................................................................................................... 388 

Métodos de cenários para mitigação de conflitos socioambientais na gestão de recursos hídricos ................................... 388 Conservação na Amazônia Brasileira: contribuição ao debate sobre o desafio da participação dos saberes e práticas locais em políticas socioambientais ..................................................................................................................... 399 Governação nos países em desenvolvimento: o caso da água em Angola ......................................................................... 413 O desafio de gestão dos recursos hídricos ......................................................................................................................... 417 Mapeamento de programas, projectos e acções de educação ambientalna bacia hidrográfica do Paraná III: a gestão das águas como tema central .................................................................................................................................. 424 Espaços da diversidade e populações em situação de rua: Riscos, ambiente e saúde pública ........................................... 430 Cuidados de Saúde Primários: continuidades e mudanças em curso ................................................................................. 437 Recolocação da mulher como sujeito da assistência no contexto do parto: experiência docente assistencial em SALVADOR-BAHIA-BRASIL. ....................................................................................................................................... 444 FERRO, “CANGA”, MANGUE: Conservação Ambiental e Exploração Mineral na Amazônia Brasileira .................... 451 Modernidade e identidade na apreensão dos problemas sócioambientais na região metropolitana de Natal-RN/Brasil .......................................................................................................................................................................... 462 Anorexia Nervosa reflexo do ambiente ou da sociedade dita desenvolvida ...................................................................... 472 Um saber de experiência feito: conhecer e curar com as plantas da terra em Moçambique nos finais do século XIX ................................................................................................................................................................................... 479 Do risco ao acidente: que possibilidades para a prevenção? ............................................................................................. 492 Comportamentos sociais e eficiência energética – Travões e catalisadores da mudança .................................................. 504 Vulnerabilidades da saúde em Angola: a questão da SIDA .............................................................................................. 514 Lógicas leigas dos riscos em saúde ................................................................................................................................... 525 Discutindo a inteligência cultural diante da percepção socioambiental em contexto de comunidade de aprendizagem .................................................................................................................................................................... 535 O bairro do moinho, Nazaré paulista, São Paulo, Brasil: algumas considerações socio-ambientais sobre riscos e saúde da comunidade ........................................................................................................................................................ 544 Diagnóstico sobre a saúde dos imigrantes em Portugal. O que sabemos até agora? ......................................................... 553 Pobreza e risco de morte prematura na área metropolitana do Porto................................................................................. 558 Qualidade de Vida no Contexto Migratório Internacional: um estudo psicossociológico com imigrantes brasileiros .......................................................................................................................................................................... 568 Autorepresentação e heterorepresentação de condutores de automóveis ligeiros: uma construção de (in)segurança ....... 579 Processos participativos e sustentabilidade local .............................................................................................................. 586 Estudo de viabilidade para a criação de cooperativa de catadores de lixo no Municipio da Matola, Mocambique.......... 598 O saneamento básico na agenda mediática 1970-2000 – estudo de caso .......................................................................... 612 Novas tendências na “publicidade verde”? Estudo comparativo de Portugal, França e Itália ........................................... 622 Sistema conservacionista de produção de tomate em São José do Ubá (RJ/ Brasil) e a consequente redução dos riscos ambientais e de saúde ............................................................................................................................................. 633 Plano de gerenciamento dos resíduos sólidos de serviço de saúde - uma experiência do Hospital Nossa Senhora da Oliveira (HNSO) de Vacaria, RS-Brasil ...................................................................................................................... 640 Breve caracterização dos reclusos por incêndio florestal e das suas motivações .............................................................. 651 Representação Social e Qualidade de Vida no Contexto Imigratório: um estudo com imigrantes africanos na cidade de João pessoa ....................................................................................................................................................... 655 A doença mental nem sempre é doença: racionalidades leigas sobre saúde e doença mental – um estudo no Norte de Portugal ........................................................................................................................................................................ 663 A participação associativa na vivência com doença crónica ............................................................................................. 671 O Futuro é Agora – Autonomia e Justiça .......................................................................................................................... 681 Formação de usuários de serviços públicos de saúde mental para a autogestão de um empreendimento econômico solidário ............................................................................................................................................................................ 688 A dádiva no modelo biomédico ........................................................................................................................................ 699 A educação problematizadora de mulheres no puerpério. Um caminho rumo à cidadania ............................................... 709 Análise da lógica de desconstrução dos direitos na saúde pública .................................................................................... 713 Comportamentos Agressivos e Violentos aos Olhos da Política Criminal Portuguesa ..................................................... 718 A exclusão social do idoso nas sociedades desiguais ........................................................................................................ 724 

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Convergência do Espaço – Tempo e a Autonomia de Jovens na Comunidade da Favela da Mangueira – Rio de Janeiro ............................................................................................................................................................................... 728 Homicídios no Estado da Bahia, Brasil: uma análise descritiva do fenômeno .................................................................. 731 Saúde e vulnerabilidade na adolescência: uma questão da contemporaneidadeI ............................................................... 742 Oficinas de educação ambiental: discutindo temas da agenda 21 com jovens do projeto florir Toledo ............................ 754 

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Novas tendências na “publicidade verde”? Estudo comparativo de Portugal, França e Itália

Sílvia Alexandre Socius/ISEG-UTL [email protected] Ana Horta ICS-UL [email protected]

Resumo: Na actualidade os meios de comunicação têm dado visibilidade a problemas que põem em questão os padrões de consumo característicos das sociedades ocidentais. Quer as alterações climáticas, quer a crise económica internacional, expressa na escalada de preços do petróleo e dos alimentos, tendem a surgir na informação transmitida pelos media como ameaças ao consumo. Neste contexto, importa considerar como está a reagir a estes problemas um outro tipo de discurso veiculado pelos media, a publicidade. Sendo que esta tem por objectivo justamente promover o consumo. Com este trabalho pretendeu-se descodificar e traçar as principais tendências que a publicidade verde revela em três países do Sul da Europa que partilham algumas condições geográficas e culturais: Portugal, França e Itália. Com este propósito foi realizada uma análise de conteúdo da publicidade verde contida nas revistas semanais de informação geral destes três países no primeiro semestre de 2008: «Visão», «Sábado», «Focus» (portuguesas), «L’Express», «Le Nouvel Observateur», «Le Poin» (francesas), «L’Espresso» e «Panorama» (italianas).

As catástrofes ecológicas que têm acontecido nas últimas décadas no nosso planeta têm conduzido a uma crescente consciência da ruptura do equilíbrio do sistema ambiental e têm levado as sociedades em geral a desenvolverem novas estratégias ambientais na procura de uma retoma desse equilíbrio. O movimento ambientalista, minoritário durante muito tempo, e durante algum tempo considerado pelo sector empresarial como uma contrariedade, dado revestir-se de uma atitude contestatária relativamente à sociedade de consumo, tem conseguido implementar-se, beneficiando actualmente de uma aceitação tendencialmente generalizada. Com efeito, em meados da década de 80 desenvolveu-se uma forma de consumismo que conjuga a preocupação relativamente ao impacto ambiental dos produtos e práticas de consumo com a defesa dos direitos dos consumidores. Como notou Anthony Giddens (1992: 131), nas sociedades contemporâneas «há alguma evidência de que

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muitas pessoas dos Estados economicamente avançados experimentam uma «fadiga do desenvolvimento», e bastante evidência de uma consciência geral de que o crescimento económico continuado não vale a pena a não ser que melhore activamente a qualidade de vida da maioria das pessoas.» Efectivamente, os valores da qualidade ambiental têm-se tornado crescentemente populares (Cox, 2006).

Face ao interesse dos consumidores por produtos considerados «amigos do ambiente», a promoção comercial das qualidades «ambientais» dos produtos tornou-se um factor de competitividade. Desenvolveram-se assim novas estratégias de marketing com vista a beneficiar das novas oportunidades de negócio. Trata-se do chamado marketing verde, que se pode entender como «a tentativa de as empresas associarem os seus produtos, serviços e identidade a valores e imagens ambientais» (Cox, 2006: 373). Uma forma muito frequente de marketing «verde» consiste na publicidade a produtos que sugerem ter impactos ambientais reduzidos. Este tipo de comunicação publicitária não só evidencia os desempenhos ambientais do produto, como potencia a imagem da empresa junto da opinião pública e, simultaneamente, como refere Cox (2006), promove a ideia de que, consumindo produtos alegadamente amigos do ambiente, os consumidores estão a contribuir para proteger o planeta.

Embora a «publicidade verde» não seja um fenómeno recente, na actualidade os meios de comunicação têm dado grande visibilidade a problemas que põem em questão de forma acentuada os padrões de consumo característicos das sociedades ocidentais. Quer as alterações climáticas, quer a crise económica internacional, tendem a surgir na informação transmitida pelos media como ameaças aos padrões de consumo. Neste contexto, e na medida em que os media e, mais especificamente, a publicidade têm um papel crucial como fonte de influência dos actores sociais nos seus comportamentos de consumo, importa analisar como a publicidade está a reagir ao agendamento público destes problemas.

Por um lado, a publicidade caracteriza-se essencialmente pelo seu carácter persuasivo, visto que tem como principal objectivo (Brochand, et al., 2000) emitir mensagens que influenciem a consciência e os comportamentos efectivos das pessoas a quem são dirigidas. Neste sentido, além do seu impacto em indivíduos específicos, os anúncios publicitários constituem-se como guias para o que é socialmente valorizado, afectando ideias partilhadas, sentimentos comuns e significados sociais (Corbett, 2006: 164).

Por outro lado, a publicidade pode funcionar como um verdadeiro diagnóstico psicossocial de uma época (Schroder & Vestergaard, 1988; p.119). A publicidade reflecte sempre, o mais fielmente possível, o conjunto de crenças, atitudes, ilusões dominantes numa determinada cultura, a que poderíamos chamar “imaginário colectivo”, que, por sua vez, informa/enforma o imaginário de cada um dos indivíduos que dela fazem parte (Pinto, 2004; p.36). Como diz Juan Martín (1986/87: 80), a publicidade, já não é apenas instrumento comercial, mas também uma forma de comunicação que expressa toda a estrutura social, propondo-se a si própria como mais um objecto cultural.

Deste modo, e talvez porque o conceito de consumo ecológico já foi integrado pelos cidadãos e pelas empresas, estas têm vindo a explorar o crescente interesse e preocupação dos indivíduos pelo meio ambiente. Com efeito, têm vindo a ser desenvolvidos produtos ecológicos, produtos biológicos e a ser incentivada a produção de produtos tradicionais de qualidade (Truninger & Fonseca, 2000; Oliveira, 2005), bem como a ser utilizados argumentos ecológicos nas estratégias comunicacionais. Por outro lado, algumas empresas têm vindo a assumir uma imagem verde ao nível da comunicação institucional (corporate image).

A utilização do ambiente no discurso publicitário

Nas últimas décadas tem-se vindo a assistir a uma alteração significativa da estratégia publicitária, traduzida por um apelo ao consumo mais implícito e subtil e a uma compra mais insinuada e sugerida. Esta alteração relaciona-se com o facto de a satisfação com o produto não se dever tão só às qualidades intrínsecas do próprio produto, mas também a determinadas significações que se lhe apresentam como contextuais. Os produtos tendem a surgir associados a significados sociais, sentimentos e estilos de vida. E a publicidade procura canalizar as necessidades psicológicas e ambições dos indivíduos para comportamentos de consumo de determinados produtos.

Na tentativa de associar aos produtos anunciados determinados sentidos que expressem desejos do potencial consumidor, a publicidade encontra no mundo natural numerosos significados culturalmente valorizados que tendem a estar ausentes da vida de grande parte da população: frescura, pureza, vastidão, solidão, paisagens luxuriantes, o próprio desejo de ligação à natureza, ou ainda as características dos estereótipos culturais associados a determinados animais (Corbett, 2006). Como diz Robert Cox (2006: 374), estes argumentos publicitários associados à natureza assentam em poderosos enquadramentos retóricos.

Julia Corbett (2006) distinguiu quatro tipos de anúncios que expõem características relacionadas com o ambiente. Em primeiro lugar, os anúncios que utilizam a natureza como cenário. Trata-se do uso do ambiente mais comum na publicidade, embora pouco estudado. Nestes anúncios não se sugere a compra de qualquer produto directa e obviamente relacionado com o mundo natural, mas ícones não-humanos, como animais ou paisagens, estão intencionalmente presentes na mensagem publicitária de modo a persuadir os consumidores através das qualidades e características que são associadas a esses elementos. Um segundo tipo de publicidade diz respeito aos produtos que se apresentam com atributos ambientais. Nestes anúncios incita-se o consumidor a acreditar que, comprando o produto, está a contribuir para ter um estilo de vida «verde», na medida em que o produto se apresenta como menos prejudicial para o ambiente. Num terceiro tipo de publicidade, não se apela à compra de produtos, procedendo-se antes à apresentação do fabricante como uma empresa

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ambientalmente responsável, chamando-se a atenção para acções da organização que possam ser consideradas pró-ambientais. Uma quarta forma consiste no encorajamento de atitudes ou comportamentos ambientalmente correctos ou de na tomada de partido relativamente a uma questão ambiental publicamente controversa. Neste caso, os anúncios procuram influenciar a percepção pública, promovendo a confiança ou aceitação de determinada posição relativamente a questões ambientais.

A título ilustrativo, um típico exemplo de um anúncio da primeira categoria descrita por Corbett (2006) corresponde à imagem da Figura 1. O segundo tipo de publicidade pode ser ilustrado através da Figura 2. A terceira categoria corresponde a um tipo de discurso como o presente na Figura 3. Embora a quarta categoria seja menos frequente, pode-se incluir aqui o anúncio da figura 4.

Figura 1. Figura 2.

Figura 3. Figura 4.

Metodologia

O objectivo deste trabalho é analisar e apurar as tendências discursivas da publicidade com argumentos ecológicos e/ou que faça alusão a serviços ou produtos ecológicos em três contextos culturais diferentes, ou seja, em três países da União Europeia - Portugal, Itália e França. O período de análise compreende o primeiro semestre do ano de 2008 (01 de Janeiro a 30 de Junho).

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A informação alvo da nossa análise foi recolhida exclusivamente na imprensa escrita, mais concretamente nas revistas generalistas de maior audiência dos referidos países. Este suporte publicitário é o meio que apresenta melhor qualidade de impressão, possibilitando a utilização de uma grande panóplia de cores com grande fidelidade. A análise da publicidade veiculada pelas revistas oferece assim a vantagem de ter como objecto anúncios de alta qualidade, durabilidade e um forte impacto visual (Wiles, et al, 1996). A escolha de revistas generalistas semanais residiu também no facto de se tratar de um meio que atinge um segmento de público bastante alargado e diversificado.

Optámos por analisar a publicidade de todas as edições das revistas Visão (Portugal), Le Nouvel Observateur (França) e L’ Expresso (Itália), naquele período (Anexo 1). Como forma de garantir uma maior representatividade do corpus de análise, optámos por incluir amostras da publicidade veiculada por outras revistas deste género dos mesmos países naquele período. Incluíram-se assim na análise as revistas Panorama (Itália), Sábado (Portugal), Le Point e L’Espress (França) (Anexo 2). Neste sentido, recorreu-se ao método de amostragem estratificada pelos seis meses do período considerado, tendo-se constituído amostras seleccionadas aleatoriamente.

Do conjunto de todas as edições das revistas analisadas, extraímos um total de 4.682 comunicações publicitárias, sendo que 160 foram considerados anúncios «verdes».

Para cumprir os objectivos deste trabalho foi construída e aplicada uma grelha de análise da publicidade com os seguintes vectores fundamentais:

- Identificação do anúncio, país e categoria de produto - Organização espacial e composição do anúncio - Valores veiculados - Benefícios ambientais evocados Os dados foram objecto de análise quantitativa, tendo-se procurado identificar possíveis diferenças entre os países

em análise Para o efeito, foi utilizado o pacote estatístico "Software Package for Social Science".

Caracterização geral

O primeiro elemento de destaque do Quadro 1 é que nos três países em análise, aquele em que foram identificados mais anúncios foi Itália. Significativamente, nas revistas L’Espresso e Panorama, foram contabilizados 2.127 anúncios, quase o dobro do registado nas revistas francesas1 (1.097), tendo as revistas portuguesas apresentado um total de anúncios intermédio (1.458).

No entanto, apesar de serem as revistas italianas que mais publicidade contêm, estas são também as que neste período menos veicularam este tipo de publicidade (2,1%). Pelo contrário, as revistas francesas, que apresentaram metade do total das italianas, registaram o dobro da média (4,5%) de anúncios «verdes» veiculados na L’Espresso e Panorama.

Por seu turno, foi nas revistas portuguesas que encontrámos mais anúncios «verdes» (5,6%), embora seja de salientar uma evidente discrepância entre as duas publicações analisadas neste país (3,5% na Visão e 7,8% na Sábado).

Em termos gerais, apenas 4,1% de todos os anúncios observados eram alusivos a produtos ecológicos ou biológicos ou continham argumentos ecológicos.

Quadro 1. Anúncios registados, por suporte e país

Total de Anúncios

Total de Anúncios Verdes

% de Anúncios Verdes

Portugal Visão 1241 43 3,5%

Sábado 217 17 7,8%

Total 1458 60 Média = 5,6%

França Le Nouvel Observateur

979 51 5,2%

Le Point 69 3 4,3%

L’Express 49 2 4,1%

Total 1097 56 Média = 4,5%

Itália L’Expresso 1584 32 2%

Panorama 543 12 2,2%

Total 60 44 Média =

1

Refira-se que no período analisado as revistas francesas Le Point e L’Express apresentaram um número médio de páginas inferior às restantes publicações do corpus, bem como uma frequência de inserções publicitárias bastante mais reduzida.

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2,1%

TOTAL 4682 160 3,5%

Apesar da reduzida proporção da anúncios «verdes», quando presentes a esmagadora maioria localiza-se na página

da direita (75%), apresentando a dimensão de uma página completa (86%). O que significa que quando apostam neste tipo de publicidade, as empresas estão dispostas a investir num tipo de inserção publicitária privilegiada.

Figura 5. Figura 6.

Tal como podemos visualizar pela leitura da Figura 7, a amostra contempla uma vasta panóplia de categorias de

produtos, com especial destaque para os veículos e acessórios (38%), energia (24%) e electrónica de consumo e electrodomésticos (14%).

Comparativamente com uma análise deste tipo de publicidade realizada no primeiro trimestre de 2004 e que incluía todos os meios de comunicação portugueses, verifica-se que existe uma evolução significativa, na medida em que estas categorias de produtos actualmente mais frequentes, tiveram em 2004 uma expressão marginal (Alexandre & Miranda, 2004). Trata-se certamente de uma tendência ocasionada pelo recente contexto de internacional de crise energética, em simultâneo com uma forte percepção dos problemas relacionados com as alterações climáticas.

Figura 7. Categoria de produto nos anúncios «verdes»

Deste modo, é compreensível que as categorias veículos e acessórios e energia sejam as que tem maior peso na

nossa amostra e que sejam as que mais recorrem a argumentos ecológicos para veicular as mensagens publicitárias. Na verdade o sector dos transportes, devido à utilização dos combustíveis fósseis é um dos principais responsáveis pelas emissões de gases que contribuem para as alterações climáticas. Acresce que o sector dos transportes está em plena expansão na UE, verificando-se um acréscimo do consumo de energia nos transportes muito superior aos outros sectores de actividade (Eurostat, 2004).

Colocação do Anúncio

75%

16%

9%

Página da direita

Página da esquerda

Direita e esquerda

Dimensão do Anúncio

9%

86%

4%

1%

Duas páginas

Uma página

Meia página

Um quarto de página

Alimentação1% Produtos de

limpeza1%

Confecção, complementos e

jóias6%

Serviços públicos com

f ins lucrativos, lazer, viagens

8%

Outros4%

Energia24%

Serviços públicos sem f ins lucrativos

2%

Bebidas não alcoólicas

2%

Electrónica/electrodomésticos

14%

Veículos e acessórios

38%

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Tendo-se procurado categorizar os anúncio «verde» observados, de acordo com a tipologia de Julia Corbett (2006) acima descrita, verificou-se que 51,9% dos anúncios recorriam a elementos naturais, 75,9% promoviam atributos alegadamente ambientais do produto, 28,5% apresentavam uma imagem corporativa «verde» e 15,8% surgiam na defesa de questões ambientais específicas.

Valores veiculados na «publicidade verde»

A medição dos valores dominantes presentes na publicidade constitui a mais interpretativa e menos clara de todas as variáveis (Jhally, 1987). A fim de facilitar o estudo dos valores veiculados por este tipo de publicidade e partindo de um estudo efectuado por Hetsroni (2000) dividiu-se a variável valores em 3 dimensões distintas. A primeira diz respeito aos valores funcionais, relativos à eficiência, qualidade e segurança do produto. A segunda é relativa aos valores hedonistas, ou seja, à alegria, à felicidade, ao lazer e à aventura. E, finalmente, a terceira dimensão consiste nos valores altruístas, sempre que os anúncios apelam à caridade, ao patriotismo, e ao colectivismo.

Na publicidade verde as marcas e os produtos situam-se, sobretudo, em torno da sua função utilitária (Alexandre & Miranda, 2004). É uma publicidade que apela ao bom senso, à lógica, ao cálculo, fornecendo argumentos objectivos, tentando convencer e motivar mais pelo raciocínio do que pelo instinto e/ou intuição. Com efeito, 80,4% dos anúncios analisados evocavam valores funcionais, enquanto os valores hedonistas e altruístas foram observados numa proporção bastante inferior de casos, respectivamente, 25,9 e 27,2% dos anúncios.

Quadro 2. Valores veiculados nos anúncios «verdes»

Valores Veiculados

%

Valores Funcionais 80,4

Valores Hedonistas 25,9

Valores Altruístas 27,2

Na verdade, não é uma publicidade estritamente informativa, porque o objectivo da publicidade não pode ser

reduzido apenas à informação. Como é sabido, em todas as civilizações e culturas, os produtos e/ou serviços ultrapassam o seu mero valor de utilidade prática, tendo sempre algum significado social. Csikszentmilihalyi & Rochberg-Halton (cit. in Sequeira, 2004) demonstram como, com o tempo e a evolução tecnológica, artigos outrora considerados supérfluos ou de luxo, passam a ser considerados numa ordem de necessidades bem mais básica, à medida que se generaliza o seu uso. Em contrapartida, verifica-se também que no contexto actual, a crise energética e crescente consciencialização das alterações climáticas, contribuem para uma valorização da eficiência e racionalidade dos produtos.

Quando ventilados os tipos de valores veiculados nos anúncios por país, verificou-se que a esmagadora maioria (98,2%) dos anúncios publicados nas revistas francesas continham apelos à eficiência, qualidade ou segurança do produto, numa proporção visivelmente superior aos restantes países. Sabendo-se que este tipo de apelos está relacionado com a eficiência energética e alterações climáticas, uma possível justificação para esta discrepância entre os países em questão, poderá ser o facto de a população francesa se mostrar mais sensibilizada para estes problemas ambientais. De facto, como revelam os dados de um Eurobarómetro (2008) muito recente, 71% dos franceses considera que o aquecimento global/alterações climáticas constituem o problema mais sério que o mundo enfrenta actualmente, enquanto que em Portugal e na Itália apenas 47% das populações deram a mesma resposta. Neste caso, fica explícita a forma como os valores presentes num determinado contexto social influenciam a publicidade.

Quadro 3. Valores veiculados nos anúncios «verdes» por países (em %)

Valores veiculados

Portugal

França

Itália

Valores Funcionais

73,3 98,2 70,5

Valores Hedonistas

31,7 26,8 15,9

Valores Altruistas

28,3 23,2 31,8

Há muito que a publicidade deixou de ser meramente informativa, passando a preocupar-se com o posicionamento

dos produtos no contexto social envolvente. Ora, posicionar um produto significa construir em torno deste, um universo

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semântico que lhe atribua um valor. Isso só é possível através da materialidade da linguagem verbal (argumentos utilizados) e da linguagem não verbal (cenário, cor e figura) que compõe o anúncio.

Nos anúncios «verdes» analisados, tal como pode ser observado no Quadro 4, com o intuito de dar significado aos produtos e/ou serviços, utilizam-se maioritariamente os seguintes argumentos: protecção da natureza/amigo do ambiente/respeito pelo planeta (58,8%), eficiência energética (57,6%) e redução de emissões (38,6%). Como já tinha sido observado a respeito de outras variáveis, estes dados indicam a relevância actualmente atribuída às dimensões relacionadas com as alterações climáticas e crise energética, em forte contraste com o observado em 2004 (Alexandre & Miranda, 2004), em que estas dimensões não tinham sequer expressão. Por outro lado, nos anos 90, era muito frequente que a publicidade recorresse a argumentos como “natural”, “biodegradável”, “amigo do ozono”, “protege o ambiente”, “qualidade superior sem fosfatos”, “amigo da Terra”, “sem CFC’s”, “sem agressão do ambiente”, “conservam a camada do ozono”, ou “mantém as suas qualidades naturais”. Na actualidade, alguns daqueles argumentos perderam relevância, como por exemplo a utilização de CFC’s, que foi legalmente interdita. Em contrapartida, outros argumentos como a utilização de energias renováveis ou a evocação da sustentabilidade ganharam uma projecção significativa.

Quadro 4. Argumentos veiculados nos anúncios «verdes»

ARGUMENTOS

%

Protecção Natureza/Ambiente/Planeta 58,8

Eficiência Energética 57,6

Redução de Emissões 38,6

Ligação a Elementos Naturais 37,3

Energias Renováveis 29,1

Redução de Poluentes 15,2

Alterações Climáticas 12,0

Reciclagem 7,6

Sustentabilidade 7,0

Preservação dos Recursos Naturais 5,1

Reutilização 3,8

Agricultura Biológica 3,8

Florestação e/ou Biodiversidade 3,2

Biodegrabilidade 0,6

Figura 8

Verifica-se assim que a noção de verde, ecologia, ambiente, planeta, é ambígua na medida em que não há uma

definição universal quando se fala na defesa do ambiente. A publicidade utiliza-a por conveniência, consoante a percepção do agendamento público das preocupações ambientais.

Por outro lado, argumentos como «amigo do ambiente», ou «respeitador da natureza/planeta», constituindo categorias genéricas e indefinidas, frequentemente utilizadas sem qualquer fundamentação nas características do produto, mantêm-se ao longo do tempo. De facto, na actualidade, 58,8% dos anúncios «verdes» continham este argumento, tendo sido

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observado que na publicidade portuguesa em 2004, esta categoria correspondia a 52,2% deste tipo de anúncios (Alexandre & Miranda, 2004: 34).

O cenário permite identificar os modelos que podem servir de referência aos consumidores, quer sejam referentes a espaços urbanos, naturais, fantasiosos/irreais, entre outros. Este espaço não se resume aos aspectos decorativos, dando significado aos lugares da acção que vão contribuir para reforçar os valores que se pretendem difundir, mostrando em geral locais acolhedores e felizes, que enquadram os produtos e as marcas que estão a ser difundidos, marcando o seu território (Medeiros, 2004). O cenário escolhido poderá ajudar a construir ou a aumentar o imaginário colectivo dos consumidores.

Para veicular as suas mensagens a publicidade «verde», os anúncios recorreram maioritariamente a cenários fantasiosos/irreais (23%). Esta tendência corresponde ao facto de a «realidade» na publicidade consistir numa construção cultural. Como diz Corbett (2006: 167), os publicitários não têm a intenção de mostrar a vida «real», mas sim uma vida «ideal», sublimada, romantizada. A segunda categoria de cenário que surge mais frequentemente nestes anúncios diz respeito a paisagens naturais (19%), o que permite associar aos produtos qualidades culturalmente valorizadas associadas ao mundo natural. Em terceiro lugar, surge o cenário urbano (16%). O facto de a quarta categoria mais frequente consistir na omissão de qualquer referência espácio-temporal (15%), poderá, por outro lado, significar que esta opção pela descontextualização do produto pode contribuir para transmitir a sensação de se tratar de um produto universal, isto é, a descontextualização parece sugerir a evocação do futuro, da intemporalidade.

Figura 9. Cenário dos anúncios «verdes»

As figuras retratadas na publicidade são também um importante veículo para transmitir valores ao público-alvo. No

entanto, os resultados obtidos mostram que em 42% dos anúncios não é possível identificar qualquer figura principal. Isto significa na maior parte dos casos que se optou por centrar a imagem no próprio produto. Isto estará relacionado com o facto de 38,6% dos anúncios analisados publicitarem automóveis. Ora, como dizem Brochand e tal (1999: 283), o enfoque no produto é uma prática corrente na publicidade do sector automóvel.

Quando é possível identificar uma figura principal, a que é mais frequentemente retratada nestes anúncios é a figura humana. A este respeito pode dizer-se que a utilização de figuras humanas permite activar mecanismos de identificação e de aspiração. De identificação quando é mostrado ao público-alvo alguém que como eles, utiliza os produtos e está satisfeito com os mesmos. Também pode fornecer modelos de aspiração associados a determinados produtos, aos quais se associam modelos de atitudes e formas de vida. Na verdade, “os efeitos da publicidade sobre o indivíduo traduzem-se num movimento dialéctico entre a identificação e a projecção” (Gusmán, 1993: 422).

Figura 10. Figura principal nos anúncios «verdes»

Cenário do Anúncio

16%

9%

3%

5%

19%3%

23%

15%

7%Urbano

Interior

Espaço verde

Rural

Natural

Marítima

Fantasiosa/irreal

Omissa

Diversos

Figura Presente no Anúncio

34%

13%9%

42%

2%

Humana

Animal

Objecto

Nenhuma

Vegetal

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A cor é um dos elementos que também oferece inúmeras possibilidades para transmitir símbolos e significados que canalizam a relação produto-consumidor. Como diz Farina (1990), as pessoas tendem a ser atraídas por certas cores, em virtude de alguns factores determinantes. A sua escolha pode estar baseada no seu tipo de personalidade, nas condições circunstanciais da sua vida ou nos seus desejos e processos mentais mais íntimos e até inconscientes. Desde um ponto de vista visual, ela é uma componente vital da imagem servindo para atrair a atenção; representa fielmente os objectos como os conhecemos ou pelo menos pensamos conhecer, fixando desta forma as impressões icónicas na memória do receptor do estímulo.

Para além destas considerações visuais, é especialmente relevante a projecção psicológica das cores. Cada cor tem a sua conotação, elas transmitem, emoção, força, energia, calma, paz, linguagem, símbolos, as mais diversas sensações (...). Na verdade, existe um elevado acervo de investigações que têm procurado identificar nas cores diferentes significados simbólicos e afectivos (Rivas, 1997).

Nesta óptica, as cores predominantes nos anúncios analisados, atingindo uma proporção de quase metade da amostra são os azuis e os verdes (48%), existindo uma ligeira predominância do azul.

Figura 11. Cor dominante nos anúncios «verdes»

O azul é a cor mais utilizada em publicidade. Esta cor é, segundo Pastoureau (1997: 23) “a cor preferida de mais de

metade da população ocidental”. Sendo que, o azul é uma cor muito frequente no mundo natural sendo ainda um reconhecido símbolo do planeta Terra. Por outro lado, o verde parece ser utilizado com o intuito de simbolizar a natureza e a ecologia.

Os tons metálicos e cinzas correspondem a uma categoria muito frequente (14%) de cores utilizadas nestes anúncios, neste caso pensamos que isto se deve, sobretudo, ao forte peso da categoria de produtos dos automóveis na publicidade.

Conclusões

Esta análise permitiu constatar que a publicidade «verde» representa uma reduzida proporção do total de anúncios publicados neste período nas sete revistas destes países. Apesar disso, indicadores como a colocação e a dimensão destes anúncios revelam haver um interesse significativo por parte dos anunciantes relativamente a este tipo de publicidade.

Por outro lado, o facto de haver uma incidência significativa de anúncios com argumentos relativos à eficiência energética, redução de emissões e utilização de energias renováveis, bem como ao combate às alterações climáticas – que em anos anteriores não tiveram expressão na publicidade, mas que actualmente estão fortemente presentes na agenda mediática – sugere a relevância que esta temática adquiriu no discurso publicitário. Este surge assim como veículo destinador e destinatário da agenda pública.

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Cor Dominante

14%

7%

18%

14%3%1%11%

4%1%

16%

3%

8%

Metálicos, cinzas

Brancos, transparentes

Azuis

Verdes

Vermelhos

Amarelos

Castanhos

Preto

Preto e branco

Azul e verde

Verde e amarelo

Indefinido

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Anexo 1

Visão Le Nouvel Observateur

Data da Publicação

Total de Anúncios

Total de Anúncios Verde

Data da Publicação

Total de Anúncios

Total de Anúncios Verde

3 Janeiro 10 Janeiro 17 Janeiro 24 Janeiro 31 Janeiro 7 Fevereiro 14 Fevereiro 21 Fevereiro 28 Fevereiro 6 Março 13 Março 20 Março 27 Março 3 Abril 10 Abril 17 Abril 24 Abril 1 Maio 8 Maio 15 Maio 22Maio 29 Maio 5 Junho 12 Junho 19 Junho

18 18 34 39 33 47 31 34 36 40 62 54 52 47 57 52 56 53 53 60 68 70 70 53 50

0 0 0 1 1 0 0 0 0 1 1 3 1 1 1 3 6 2 3 5 3 5 3 1 2

3 Janeiro 10 Janeiro 17 Janeiro 24 Janeiro 31 Janeiro 7 Fevereiro 14 Fevereiro 21 Fevereiro 28 Fevereiro 6 Março 13 Março 20 Março 27 Março 3 Abril 10 Abril 17 Abril 24 Abril 1 Maio 8 Maio 15 Maio 22Maio 29 Maio 5 Junho 12 Junho 19 Junho

n.d. 14 22 29 25 33 31 35 31 32 66 51 47 58 40 45 59 34 40 48 40 35 50 45 39

n.d. 1 1 0 1 3 3 3 2 2 2 0 2 4 1 2 2 2 2 2 1 1 5 4 1

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26 Junho 54 0 26 Junho 30 3 Total:

1241 Total: 43 Total: 979 Total: 51

Revista L’Expresso Data da Publicação

Total de Anúncios

Total de Anúncios Verde

3 Janeiro 10 Janeiro 17 Janeiro 24 Janeiro 31 Janeiro 7 Fevereiro 14 Fevereiro 21 Fevereiro 28 Fevereiro 6 Março 13 Março 20 Março 27 Março 3 Abril 10 Abril 17 Abril 24 Abril 1 Maio 8 Maio 15 Maio 22Maio 29 Maio 5 Junho 12 Junho 19 Junho 26 Junho

n.d. 19 42 33 39 36 53 58 63 66 85 92 n.d. 84 91 79 108 71 79 78 90 75 65 60 64 54

n.d. 0 1 1 0 1 0 1 0 0 0 1 n.d. 0 4 2 1 2 2 4 3 2 1 3 1 2

Total: 1584 Total: 32

Anexo II

Panorama Sábado Data da Publicação

Total de Anúncios

Total de Anúncios Verde

Data da Publicação

Total de Anúncios

Total de Anúncios Verde

17 Janeiro 21 Fevereiro 6 Março 17 Abril 1 Maio 5 Junho

68 87 90 108 109 81

0 2 0 7 1 2

17 Janeiro 21 Fevereiro 6 Março 17 Abril 1 Maio 5 Junho

22 24 35 43 42 51

0 1 2 4 4 6

Total 543 12 Total 217 17 Le Point L’Express Data da Total de Total de Data da Total de Total de Anúncios Verde

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Publicação Anúncios Anúncios Verde

Publicação Anúncios

17 Janeiro 21 Fevereiro 6 Março 17 Abril 1 Maio 5 Junho

6 5 12 13 14 19

0 0 0 0 1 1

17 Janeiro 21 Fevereiro 6 Março 17 Abril 1 Maio 5 Junho

12 13 6 4 7 7

1 1 0 0 0 0

Total 69 2 Total 49 2

Sistema conservacionista de produção de tomate em São José do Ubá (RJ/ Brasil) e a consequente redução dos riscos ambientais e de saúde

José Ronaldo de Macedo1; Elizabeth Santos Brandão1; Júlio Roberto Pinto4; Fábio Zamberlan6; Lucia Helena Pinto Bastos 2; Armi Wanderley Nóbrega2; Zefferson Silva5,. Silvio Barge Bhering1

Resumo: A cultura do tomate (Lycopersicon esculentum L.) é destaque na produção agrícola do Estado do Rio de Janeiro (RJ) atingindo, anualmente, valores de 200 mil toneladas de frutos para consumo in natura. Porém, a cultura está classificada como de alto risco para a saúde e o meio ambiente devido aos problemas de erosão do solo e ao uso indiscriminado de agrotóxicos. A pesquisa participativa realizada pelo Projeto Gestão Participativa da Microbacia Hidrográfica do Rio São Domingos, financiado pela FINEP, confirmaram os problemas descritos acima. Para reverter este quadro, foi priorizado o desenvolvimento do sistema de produção conservacionista denominado “Tomate Ecologicamente Cultivado”, que objetivou desenvolver um modelo sustentável de produção agrícola, preservando a saúde do agricultor e o meio ambiente. O trabalho foi desenvolvido no município de São José de Ubá (RJ), aliando tecnologias de conservação do solo e água como o Sistema de Plantio Direto em nível na palha, terraceamento, fertirrigação por gotejamento, tutoramento vertical das plantas, manejo integrado de pragas e ensacamento das pencas. Os resultados demonstram que o envolvimento participativo dos produtores para o sucesso do sistema conservacionista foi eficiente na redução de problemas de erosão do solo, na conscientização dos problemas de intoxicação dos produtores, na eliminação de resíduos nos frutos, que ficaram abaixo do nível de detecção e na redução das perdas de frutos. A adoção do sistema conservacionista mostrou-se viável para a produção de alimentos seguros, possibilitando uma vantagem competitiva e diminuindo a exclusão social por meio da inserção dos produtores em um mercado diferenciado.

Introdução

O sistema de produção TOMATEC parte de uma abordagem sistêmica, participativa, integrada e atual dos problemas sociais e ambientais das regiões produtoras de tomate, atendendo e promovendo a extensão, disponibilização e apropriação de conhecimentos e de tecnologias voltadas a inclusão social, do empoderamento dos conhecimentos e tecnologias já adaptadas à realidade local, pela geração de produtos diferenciados e certificados. Esse sistema visa promover a inclusão social dos produtores familiares no agronegócio, a melhoria da qualidade dos alimentos, atuando na segurança alimentar, melhorando a qualidade de vida dos produtores e dos consumidores e, finalmente, melhorando a saúde ambiental devido a redução e otimização do uso dos insumos agrícolas.

A área plantada no Estado do Rio de Janeiro gira em torno de 3.000 ha/ano, sendo os plantios distribuídos durante o ano todo, porém variando em função da região do Estado. Os principais municípios produtores estão distribuídos nas regiões Serrana, Noroeste e Médio Paraíba, destacando-se: Paty do Alferes, Cambuci, São José de Ubá, Vassouras, Sumidouro, São Fidélis, Nova Friburgo, entre outros.

O tomate é uma cultura extremamente exigente em: adubação, calagem, tutoramento, capina e em outros tratos culturais. Além disso, devido a elevada incidência de pragas e doenças, há um uso indiscriminado de agroquímicos, isto é, de adubos altamente solúveis e agrotóxicos (FRUTAS & LEGUMES, 2003 e SILVA et al., 2005), o que gera problemas de saúde pública como intoxicação de produtores e seus familiares (SILVA et al., 2005; OPAS, 1997), contaminação do meio ambiente (solo e água) e altas taxas residuais de agrotóxicos nos frutos (Freitas Leitão, 2006). A realização desordenada dessas atividades causa elevação dos custos de produção, tornando a lavoura de tomate uma cultura de alto risco por causa da oscilação dos preços na época da safra.

A realidade agro-socioeconômica e cultural da agricultura do Estado do Rio de Janeiro faz com que sistemas de uso e de manejo de baixo nível tecnológico estejam sendo adotados há muitos anos, implicando em perdas superficiais significativas de solo, matéria orgânica, nutrientes e, em especial, de água. Nesse contexto, situam-se os Municípios de Paty de Alferes e de São José do Ubá, ambos tendo passado pelos ciclos extrativistas de madeira, agropecuária, café e,