Vontade de Actyos Juridicos

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    219Novos Estudos Jurdicos - Ano VII - N 14 - p. 219-234, abril / 2002

    A vontade nos atos jur dicos

    Wellington Soares da Costa*****

    * Bacharel em Administrao (CRA/BA 6028), Ps-Graduando em Gesto e Desenvolvimento de Seres Humanos,Graduando em Direito, Servidor Pblico da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), [email protected].

    ResumoEste artigo discorre sobre a presena da vontade nos atos jurdicosenquanto pressuposto dos mesmos, a autonomia da vontade e as

    teorias que a explicam, bem como a declarao que da vontade sefaz para a efetivao dos fins naturalmente visados pelo sujeito dedireito.

    Ato Jurdico, Vontade

    This article discourses on the presence of the will in the juridical actswhile presupposition of the same ones, the autonomy of the will andthe theories that explain it, as well as the declaration that from thewill makes for the effectiveness of the purpose of course aimed by theright citizen.

    Palavras chave

    Resumo

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    Juridical Act, WillKey words

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    1. Introduo

    Marcante em cada segundo da vida humana, a vontade toimportante que sobre o tema PERIN JUNIOR se expressa nos

    seguintes termos:Vicente Rao (4) em obra clssica sobre os atos jurdicosidentifica a vontade em todos seus pontos como constituindomatria bsica da teoria do direito e da realidade jurdica.Segundo Rao, a vontade, manifestada ou declarada, possuino universo jurdico poderosa fora criadora: a vontadeque atravs de fatos disciplinados pela norma, determina aatividade jurdica das pessoas e, em particular, o nascimento,

    a aquisio, o exerccio, a modificao ou a extino dedireitos e correspondentes obrigaes, acompanhando todosos momentos e todas as vicissitudes destas e daquelas.

    A vontade tem sua conceituao marcada por matizes multicores.Alinham-se as seguintes constataes filosficas e psicolgicasreferentes vontade:

    a) pode ser designada como a faculdade espiritual, que o homempossui de afirmar os valores intelectualmente conhecidos ou de

    tender para eles (BRUGGER, 1977, p. 438);b) Seu ato fundamental a afirmao de um valor (BRUGGER,op. cit., p. 438);

    c) [] uma atividade inteligente que conhece os fins a atingir, osmeios a empregar, a oportunidade do seu uso, e as conseqnciasa esperar (MONTALVO, 1979, p. 200);

    d) A vontade torna assim o homem livre e ao mesmo tempo

    responsvel, porque senhor de si mesmo (MONTALVO, op.cit., p. 201);

    e) [] Livre disposio do esprito para deliberar e agir por simesmo (NUNES, 1999, p. 1085);

    f) a prpria essncia da personalidade (MONTALVO, op. cit.,p. 203);

    g) uma disposio da personalidade para a ao (CABRAL, 1971,

    p. 383).

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    2. A presena da vontade em quaisquer atos jurdicos

    Acrescenta-se tambm a passagem:

    A forma da atividade pessoal que comporta, na sua formacompleta, a representao do ato a produzir, uma parada

    provisria da tendncia para esse ato, a concepo das

    razes para o realizar ou no realizar, o sentimento do valordessas razes, a deciso de agir como elas o indicam e ochegar execuo ou absteno definitiva.

    A vontade...consiste apenas no fato de que, para afirmarou negar, perseguir ou evitar as coisas que o entendimentonos prope, ns agimos de tal maneira que no sentimosque nenhuma fora exterior nos constrange. DESCARTES,

    Meditaes, IV, 7. (LALANDE, 1999, p. 1.227). [pode-seacrescentar que a fora exterior que, nesse aspecto,constrange o homem a do ordenamento jurdico]

    O artigo que ora se inicia, partindo dos conceitos supracitados,discorre sobre: a) a presena da vontade nos atos jurdicosenquanto pressuposto dos mesmos; b) a autonomia da vontadee as teorias que a explicam (Voluntarista, da Declarao e daConfiana); c) a declarao que da vontade se faz para a

    efetivao dos fins naturalmente visados pelo sujeito de direito.

    A vontade um elemento intrnseco ao ato jurdico lato sensu e, emespecial, stricto sensu (negcio jurdico), o seu requisito primeiro,

    ingrediente primordial e inarredvel, pressuposto, uma vez que,inexis-tente a vontade, o negcio jurdico tambm inexiste. DizLEVENHAGEN (1998, p. 98) que No ato jurdico h sempremanifestao de vontade. RODRIGUES afirma: O ato jurdico fundamentalmente um ato de vontade, visando um fim (1998, p.169). Por sua vez, GOMES faz referncia vontade negocial(1999,p. 367), assim se expressando: Como o negcio jurdico spode ser produzido por declarao de vontade, consoante sua

    prpria definio, claro que o primeiro elemento essencial sua

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    configurao a existncia de uma vontade manifestada no planojurdico (op. cit., p. 364). BITTAR (1991, p. 182) tambm se refere vontade negocial. A seu turno, MONTEIRO assevera que Acaracterstica primordial do ato jurdico ser um ato de vontade.Precisamente nesse ponto se manifesta sua frontal oposio aofato jurdico (stricto sensu) e que a resultante de foras naturaisem geral (1999, p. 182); e logo mais enfatiza: Sem o concurso davontade (...) o ato no se configura (op. cit., p. 184). FIGUEIRA(1995, p. 44) se expressa no sentido de que, para a ocorrncia deum fato jurdico voluntrio [ato jurdico], torna-se indispensvel avontade consciente do homem em caus-lo. Enfim, Os negciosaos quais falta vontade sequer tm existncia jurdica (GOMES,op. cit., p. 416).

    Para a formao dos contratos, por exemplo, imprescindvel seapresenta a vontade das partes. Fala ESPINOLA (1956, p. 10) que,ao tempo do Cdigo de Napoleo e at s codificaes do sculoXX, propugnou-se o princpio da autonomia da vontade, sendo avontade, hodiernamente, sobrepujada pelo interesse social.Tal princpio era tido como dogma, graas ao individualismoproclamado pela filosofia, pela economia poltica e pela concepo

    poltico-constitucional, fundadas tdas [sic] sbre [sic] o liberalismo.Nesse aspecto, a vontade, para o liberalismo, a pedra angulardo Direito Privado (GOMES, op. cit., p. 265).

    WALD (1995, p. 165) tambm denomina os negcios jurdicos dedeclaraes de vontade, do que fica evidenciada a inquestionvelrelevncia da vontade humana nas incontveis relaes que severificam na esfera jurdica.

    O princpio da liberdade contratual ainda o preceitobasilar da teoria dos contratos, com fundamento na autonomiada vontade. Esta, por sua vez, consiste na faculdade que as

    partes ou indivduos tm, dentro dos limites da lei, de fixar,

    de acordo com sua vontade, o contedo dos contratos que

    3. A autonomia da vontade

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    realizarem, de celebrar contratos diferentes dos prescritosna lei (inominados) ou de incluir nos contratos nominados asclusulas que lhes aprouverem. Ao contratar, as partes solivres na medida em que podem seguir os ditames de

    sua razo, sem estarem aprisionadas pelas normas legais.(LOURENO, 2000, p. 174).

    Assim a configurao da vontade no mundo jurdico. Mostra-seautnoma, e no absoluta, a vontade na constituio de atosjurdicos. Em se referindo autonomia da vontade, VIANA (1993,p. 187) diz tratar-se do poder criador de efeitos jurdicos, que, noentanto, sofre o embate das imposies de ordem pblica e,por isso, no ilimitado, mas somente reconhecido em princpio.

    Por outro lado, utilizando a expresso genrica autonomia privada,GOMES afirma ser esta o poder atribudo ao particular departejar, por sua vontade, relaes jurdicas concretas, admitidase reguladas, in abstrato, na lei (op. cit., p. 263); a esfera deliberdade da pessoa que lhe reservada para o exerccio dosdireitos e a formao das relaes jurdicas do seu interesse ouconvenincia (op. cit., p. 265); a vontade da pessoa o elementopropulsor do negcio jurdico, sem o qual no se criam realidades

    jurdicas concretas (op. cit., p. 272). O Cdigo Civil brasileiroproclama a autonomia da vontade, por exemplo, no art. 197:

    Art. 197. A celebrao do casamento ser imediatamentesuspensa, se algum dos contraentes:

    I recusar a solene afirmao da sua vontade;

    II declarar que esta no livre e espontnea;

    III manifestar-se arrependido.Pargrafo nico. (...)

    Como foi dito anteriormente, a vontade autnoma, porque detmum espao no qual age livremente, porm no absoluta, visto quea lei dita-lhe os limites de atuao. Por exemplo, afirma GOMES(op. cit., p. 264) que:

    A lei orgnica do pas, depois de proclamar que a ordem

    econmica tem como base a livre iniciativa, declara que a

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    propriedade deve ser exercida como uma funo social eque o fim de sua explorao h de consistir na valorizaodo trabalho, na sua harmonizao com o capital para aconciliao dos interesses das classes, enfim, para que sealcancem fins sociais juntamente com os objetivos clssicosde toda organizao empresarial. [o autor refere-se aos

    princpios gerais da atividade econmica, consignados naCF/88, Ttulo VII, Captulo I].

    BITTAR (op. cit., p. 183) registra:

    Assim, o elemento nodal da estrutura do negcio jurdico adeclarao negocial, ou conduta qualificada pelo Direito paraa produo dos efeitos desejados pelos interessados. Constituia manifestao mais expressiva da autonomia privada, ou daautonomia da vontade, sendo apta a estabelecer, a preservar,a modificar, ou a por fim a relaes jurdicas, em consonnciacom a inteno das partes.

    Acrescenta LOURENO (op. cit., p. 179):

    Duas caractersticas da autonomia da vontade devem serdestacadas: a) um princpio do contrato e do negcio

    jurdico em geral; e b) inexiste em sua forma mais pura, ouseja, a liberdade de atuao em qualquer negcio jurdiconunca foi irrestrita, mas sempre se rendeu a outros valores,gerando a chamada crise do dogma da autonomia da vontade,numa viso dialtica e valorativa.

    Ciente da existncia de tal crise, pergunta-se: que papel cabe vontade na validao dos atos jurdicos? Trs correntes se

    apresentam no af de explicit-lo:a) Teoria da Vontade, Teoria da Vontade Real ou TeoriaVoluntarista defendida, dentre outros, por Savigny e Windscheid,considera a inteno como o fulcro da vontade expressa e oelemento responsvel pelos efeitos jurdicos que do negcioprovm. Em caso de falta de concordncia entre o que foi intentadoe o que efetivamente se declarou, prevalece a inteno sobre adeclarao, porque na inteno se encontra a fora jurgena do ato

    jurdico estritamente considerado.

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    Sobre a aceitao desse ponto de vista, diz RODRIGUES que podegerar insegurana jurdica, haja vista a possibilidade de uma daspartes querer desfazer o contrato sob a alegao de que o acordadobaseou-se em erro, e que esta concepo (...) atende apenas aointeresse do autor da declarao, ignorando o da sociedade para aqual a declarao se dirige (op. cit., p. 184). Todavia, GOMESentende que prevalece a vontade real: Uma vez que subsiste o

    princpio da autonomia da vontade, determina-se [o contedo donegcio jurdico] conforme o querer das partes, contanto que oobjeto seja lcito (op. cit., p. 369); a exteriorizao da vontadevale apenas na medida em que traduz a inteno dirigida a deter-minadas conseqncias jurdicas (op. cit., p. 273). Para VENOSA(2001, p. 341), vontade real o substrato da declarao.

    Pode-se dizer que BITTAR filia-se ao pensamento doutrinrio queprega a prevalncia da inteno do agente: tem-se a declaraocomo pressuposto de existncia e a inteno como condio devalidade do negcio jurdico (op. cit., p. 196).

    A autora DINIZ (1999, p. 107) filia-se Teoria da Vontade. Damesma forma, apresenta-se MONTEIRO (op. cit., p. 188).

    O legislador ptrio, no Cdigo Civil, adotou a Teoria Voluntarista: Art.85. Nas declaraes de vontade se atender mais sua intenoque ao sentido literal da linguagem.

    LEVENHAGEN (op. cit., p.102) ilustra muito bem a questo de fazerprevalecer a inteno do sujeito:

    Um exemplo simplista, para clarear a regra do artigo 85, oseguinte: Antnio alugava, de h muito, um quarto a Benedito,

    situado na casa onde Antnio residia. Vencido esse contratolocatcio, foi ele renovado e do novo contrato constou: dei dealuguel a Benedito a minha casa, por trs anos, sob o mesmo

    preo da locao anterior.

    No de conceber-se como alugada a casa toda, uma vezque est evidente que o aluguel de apenas o mesmo quarto

    j anteriormente alugado. No possvel que o inquilino, pelomesmo preo que alugava um quarto, passe a alugar a casa

    toda.

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    Assim sendo, embora a expresso minha casa possa dar aentender a casa toda, est evidente que a inteno foi renovaro aluguel do quarto j anteriormente locado ao inquilino.

    A respeito da vontade, acrescenta-se o que Sollier apudLALANDE

    (op. cit., p. 1.226) acentua: Uma das caractersticas dominantes dafilosofia do sculo XIX... foi ser voluntarista, isto , procurar aexplicao ltima das coisas no na inteligncia, mas na vontade...sem que, alis, esta vontade seja previamente bem definida. .Portanto, voluntarismo o designativo das teorias filosficasque pregam a prevalncia da vontade sobre o entendimento -estritamente falando, a tica gnosiolgica [a gnosiologia tratada teoria do conhecimento] e tica (ABBAGNANO, 1982, p. 969)

    das filosofias que levam a designao voluntarista.b) Teoria da Declarao da Vontade sendo Von Bulow um deseus grandes autores, essa corrente d relevncia declaraofeita, ao sentido normal da declarao (GOMES, op. cit., p.275), com vistas estabilidade das relaes jurdicas, e, sedespreza o interesse do emissor da declarao, protege o da pessoaa quem a declarao se dirige (RODRIGUES, op. cit., p. 185).

    A essncia do negcio jurdico constituda pela declarao davontade e no pela vontade em si mesma, e por isso prepondera avontade declarada. Prestigia-se a fora, ou a confiana, na palavradada, ou na atitude de concordncia da parte, at que se prove emcontrrio em ao prpria de anulao (BITTAR, op. cit., p. 219). a teoria para a qual o que conta a declarao, pouco impor-tando que o resultado jurdico produzido corresponda real intenodo declarante (GOMES, op. cit., p. 273). Filia-se a essa correnteo autor NUNES (op. cit., p. 1085), para o qual a vontade declaradaprevalece sobre a vontade real. Erich Danz apudLAHR (1996, p.188) entende que, na interpretao do negcio jurdico, sobrelevamas palavras faladas ou escritas que constituem os elementos defato deste (viso tradicional). LAHR (op. cit., p. 175) completa, aodizer:

    As palavras, enquanto palavras, pura e simplesmente tmfora vinculante (verba ligant omines), na medida em que h

    uma expectativa social, em torno do respeito e da fidelidade

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    palavra dada e s vinculaes resultantes, em vista de umadesejvel estabilidade no campo das relaes econmicas.

    c) Teoria da Confiana, Teoria do Crdito Social ou Teoria daAuto-Responsabilidade prestigia a vontade aparente, se esta

    no destruda por circunstncias que indiquem m f em quemacreditou ser verdadeira (GOMES, op. cit., p. 277); prevalece oque a declarao suscitou, provocando a confiana no destinatrio(GOMES, op. cit., p. 282). Prope a proteo do destinatrio dadeclarao, ainda que o declarante tenha agido de boa f, emrazo da confiana daquele na veracidade da declarao.

    No aspecto concernente confiana gerada no destinatrio da

    declarao de vontade, sabe-se que, na denominada interpretaoobjetiva do negcio jurdico, faz-se presente o princpio da boa f:

    A palavra boa f denota a confiana, a segurana e a honranela baseadas; a ela se refere todo o cumprimento da palavradada; especialmente a palavra f, fidelidade, quer dizer queuma das partes se entregar confiadamente conduta leal daoutra parte, em cumprimento de suas obrigaes, acreditandoem que esta no a enganar. (LAHR, op. cit., p. 190).

    O parecer de PERIN JUNIOR no sentido de que:

    A verdadeira soluo, porm, a intermediria (11). Se, emregra, de preferir-se a vontade real, casos h em que, porconvenincias sociais de segurana nas relaes jurdicas,a vontade declarada deve prevalecer, porque, sendo adeclarao o meio normal de revelao da vontade interna,no devem os que nela confiarem sofrer prejuzo pela diver-

    gncia entre uma e outra (12).

    imprescindvel, alm da existncia da vontade, a sua expressono mundo externo interioridade do agente. Portanto, a declarao

    da vontade, tambm denominada consentimentoou consenso

    4. A declarao da vontade

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    consciente no caso de contratos (GOMES, op. cit., p. 366-367),sendo a nota comum de todo negcio jurdico (GOMES, op. cit.,p. 270), deve fazer-se presente, e seu fim produzir efeitosjurdicos imediatos, e, dada a liceidade do propsito, tais efeitos

    so efetivamente gerados (RODRIGUES, op. cit., p. 170). Deconformidade ao pensamento de Savigny apudGOMES (op. cit.,p. 274), a vontade em si , por si s, importante e eficaz, mas,como fator interior e invisvel, precisa de um sinal exterior que arevele. RODRIGUES (op. cit., p. 171) alinha: como a vontade umelemento de carter subjetivo, ela se revela atravs da declarao,que, desse modo, constitui, por sua vez, elemento essencial.Ruggiero apudVIANA (op. cit., p. 186), ao conceituar o negcio

    jurdico, afirma que Uma declarao de vontade do indivduotendente a um fim protegido pelo ordenamento jurdico, ilustrandoque o cerne do conceito a vontade, que deve exteriorizar-senecessariamente, visando surtir o efeito esperado: o atendimentoao querer do agente. E PEREIRA (2001, p. 307-308) diz: A vontadeinterna ou real que traz a fora jurgena, mas a sua exteriorizaopela declarao que a torna conhecida, o que permite dizer que aproduo de efeitos um resultado da vontade mas que esta

    no basta sem a manifestao exterior. Por fim, cita-se aindaBEVILAQUA (1980, p. 213): claro que a vontade individual spor si no tem fora para criar, modificar ou extinguir direitos; preciso que ela se manifeste segundo a ordem jurdica.

    VIANA (op. cit., p. 187) utiliza, para a expresso declarao devontade, o sinnimo manifestao da vontade, no que contacom a falta de adeso de BITTAR (op. cit., p. 182), que diferenciadeclarao de manifestao, deixando-se esta para indicar qualquerexteriorizao de vontade, e aquela para a externao endereadaa outrem.

    Na declarao da vontade, observa o Direito as causas e no osmotivos que a isso levaram o sujeito, porque estes so estritamentede cunho pessoal, no interessando ao ordenamento jurdico, aopasso que as causas so a razo jurdicarazo jurdicarazo jurdicarazo jurdicarazo jurdica do fenmeno [destaquefeito pelo autor], encerrando uma finalidade econmica ou social

    que o direito garante (VIANA, op. cit., p. 194).

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    A vontade deve ser expressa por agente capaz, tanto que osincapazes so representados ou assistidos na constituio de atosjurdicos, exatamente porque a capacidade jurdica implica na livremanifestao da vontade do sujeito: Na tica do direito, agente

    capaz aquele que alcanou um grau de desenvolvimento mentalideal ou necessrio para que possa expor, livre e conscientemente,a sua vontade (FIGUEIRA, op. cit., p. 45). Com esse entendimento,conclui-se que a vontade do agente, se condizente com os preceitosdo ordenamento jurdico, merece ilimitado respeito, salientando-seaqui a inteno, compreendida como o cerne da vontade. O CC,em seu art. 85, ilustra a necessidade de se promover o respeitoaludido. O art. 1.666 do mesmo diploma legal tambm reconhece odever de respeito vontade do agente: Quando a clusula testamen-tria for suscetvel de interpretaes diferentes, prevalecer a quemelhor assegure a observncia da vontade do testador.

    No que guarda pertinncia ao art. 85 do Cdigo Civil Brasileiro, LAHR(op. cit., p. 178) consigna que o dispositivo apresenta o mesmocontedo do art. 1.156 do Cdigo de Napoleo. Tal artigo do cdigofrancs a seguir transcrito: Deve-se nas convenes procurar-sea comum inteno das partes contratantes, mais do que se ater ao

    sentido literal dos termos (traduo feita por LAHR, op. cit., p. 178).Deve a vontade mostrar-se ntegra e afastar quaisquer errosfundamentais, compreendidos, nesse sentido, como os que sereferem prpria natureza (essncia) do ato jurdico, ao objetoprincipal de que trata a vontade declarada e livre manifestaoda vontade mesma, bem como os erros correlatos falta decorrespondncia entre a vontade e a sua declarao (DINIZ, op.cit., p. 109). Caso a vontade no se mostre ntegra, o ato jurdicosujeitar-se- anulabilidade, sendo exemplos de tais erros (defeitos,consoante o Cdigo Civil ptrio, em seu Livro III, Ttulo I, Captulo II)o erro propriamente dito (tambm chamado ignorncia), a coaoe a simulao, alm do dolo.

    DINIZ (op. cit., p. 107) fala da necessidade de se interpretar adeclarao de vontade para fazer valer no a literalidade do queest escrito, no a vontade declarada, porm a vontade real,

    verdadeira, ante o fato de haver possibilidade de o negcio conter

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    clusula duvidosa ou qualquer ponto controvertido, colocandoem risco o efetivo cumprimento da inteno do sujeito. Essa ainterpretao declaratria do ato negocial.

    MONTEIRO (op. cit., p. 188) alinha: Declarao que no corres-

    ponda ao preciso intento das partes corpo sem alma. Deve serarredado, portanto, entendimento que se apegue to-somente literalidade da estipulao, quantum verba sonant, com total despre-zo da rigorosa inteno dos interessados e dos fins econmicos queos aproximaram.

    Embora a inteno do sujeito deva prevalecer, no pode a declaraode vontade ser desprezada. A ttulo exemplificativo, o Cdigo deDefesa do Consumidor (CDC) reza: Art. 48. As declaraes de

    vontade constantes de escritos particulares, recibos e pr-contratosrelativos s relaes de consumo vinculam o fornecedor (...).Lembra-se, porm, que um dos direitos bsicos do consumidor,consignado no inciso IV do art. 6 do CDC, a proteo contra apublicidade enganosa e abusiva, mtodos comerciais coercitivos oudesleais, publicidade e mtodos esses que impedem a livre expres-so da vontade da parte hipossuficiente da relao de consumo.

    A declarao de vontade se d por linguagem falada, escrita ou

    gestual (so as declaraes expressas; inequvocas, portanto).A vontade pode manifestar-se mediante simples conduta(BITTAR, op. cit., p. 195) do agente ou de forma tcita (declaraotcita, inferida mediante circunstncias), quando o agente d mostrasde sua vontade por esse meio o caso do silncio, a propsitodo qual cita-se o Cdigo Civil:

    Art. 1.084. Se o negcio for daqueles, em que se no costumaa aceitao expressa, ou o proponente a tiver dispensado,

    reputar-se- concludo o contrato, no chegando a tempo arecusa.

    Art. 1.292. A aceitao do mandato pode ser tcita, e resultado comeo de execuo.

    Art. 1.293. O mandato presume-se aceito entre ausentes,quando o negcio para que foi dado da profisso domandatrio, diz respeito sua qualidade oficial, ou foioferecido mediante publicidade, e o mandatrio no fez

    constar imediatamente a sua recusa.

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    Em relao ao silncio enquanto forma de declarao da vontade,VENOSA (op. cit., p. 330) diz:

    O silncio, por si s, no pode ter valor algum. (...)

    O puro silncio s vale se a lei assim o determinar, ou sevier acompanhado de outros fatores externos (...).

    Diz-se que a declarao apresenta duas tipologias: receptcia eno-receptcia (ou, consoante Santoro Passarreli apud GOMES,op. cit., p. 283, declarao endereada e no-endereada), quando,respectivamente, requer o seu conhecimento por parte da pessoa qual se destina ou dispensa essa exigncia, no que pertine efetivao do ato, ou seja, ao surtimento de seus efeitos.

    Exemplificando: na primeira modalidade, tem-se a dispensa doempregado, citada por GOMES (op. cit., p. 283); na segundamodalidade, cita-se o testamento.

    Inexoravelmente, presente se faz a vontade em todos e quaisqueratos jurdicos. Mais que isso, a vontade est em todos os atos doshomens, e, ainda, todos os atos nada so seno vontade (SantoAgostinho apud ABBAGNANO, op. cit., p. 971) seriam atosvoluntrios aqueles nos quais o impulso determinante constitudopor uma atitude de respeito ou de exaltao do Eu em frente de simesmo (ABBAGNANO, op. cit., p. 971).

    Em razo de atuar no campo delimitado pelo ordenamento jurdico, avontade no absoluta, mas autnoma, entendida a autonomiacomo a condio de uma pessoa ou coletividade que determinapor si mesma a lei a que se submete (PERIN JUNIOR, http://www...), sujeitando-se, todavia, aos preceitos do ordenamentojurdico.

    A sua substncia, que o querer interno do agente, a inteno, avontade internalizada, deve sobrepor-se aos termos mediante os

    quais se torna conhecida, ou seja, na interpretao dos atos

    5. Consideraes finais

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    jurdicos, notadamente daqueles denominados stricto sensu ounegcios jurdicos, ao ocorrer o choque entre a vontade declarada ea vontade real, mister dar-se preferncia a esta, sabendo-se quea vontade move a si mesma em funo do fim proposto (MORA,1998, p. 724). Como bem acentua BEVILAQUA (op. cit., p. 215):

    Nas declaraes de vontade, atende-se mais inteno doque s palavras, (3) porque as palavras so simplesmenteos sinais que revelam a resoluo tomada, e, se foram malempregadas, por ignorncia ou descuido, no manifestam avontade como esta existiu no momento de ser celebrado oato. lcito, portanto, buscar a forma da volio em suarealidade, por trs da imperfeio dos smbolos. Potentior estquam vox mens dicentis.

    Entende, pois, o autor deste artigo que, dentre as teorias estudadas,a Voluntarista apresenta argumentos mais fortes, coerentes inclusivecom a inafastvel necessidade de se tornar o ordenamento jurdicono um fim em si mesmo, todavia o meio para o livre agir humanonos parmetros da esperada harmonia social.

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