Voto Min Nancy- STJ- concorrência cônjuge e companheiro

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Superior Tribunal de JustiaRECURSO ESPECIAL N 1.117.563 - SP (2009/0009726-0) RECORRENTE ADVOGADOS RECORRIDO ADVOGADO : SANDRA APARECIDA PENARIOL DUARTE : FRANCISCO CASSIANO TEIXEIRA E OUTRO(S) RENATO OLIVEIRA RAMOS : ROSEMARI APARECIDA AFFONSO : LUIZ JOAQUIM BUENO TRINDADE E OUTRO(S) RELATRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por SANDRA APARECIDA PENARIOL DUARTE em face de ROSEMARI APARECIDA AFFONSO, objetivando reforma de acrdo exarado pelo TJ/SP no julgamento de agravo de instrumento. Procedimento especial de jurisdio contenciosa: de inventrio dos bens deixados por GENSIO LUIZ PENARIOL, pai da ora recorrente e companheiro da recorrida. Atualmente, a filha, ora recorrente, quem exerce o cargo de inventariante no processo. A controvrsia se estabelece em torno da titularidade da herana. O inventariado foi casado, inicialmente, com DIVA APARECIDA ROSALIS PENARIOL, de cuja unio resultou o nascimento da recorrente, sua primeira e nica filha. Aps o falecimento de sua esposa, o inventariado constituiu unio estvel com a ora recorrida, ROSEMARI APARECIDA AFFONSO, junto de quem viveu por mais de trinta anos, de 1973 at a data de sua morte, em 1/3/2006. No perodo anterior unio estvel, o falecido angariou alguns bens, mas a maior parte de seu patrimnio foi constituda no curso de seu relacionamento com a recorrida. A principal parcela da controvrsia ora discutida se estabeleceu em torno da interpretao da regra do art. 1.730, do CC/02. O Juzo de 1 Grau determinou, por deciso, que o patrimnio do falecido, adquirido na constncia de sua unio estvel, fosse dividido da seguinte forma: 50% dos bens se destinariam companheira, por fora da meao (art. 1.725 do CC/02); e o remanescente seria dividido entre ela e a filha do de cujus, na proporo de dois teros para a filha e um tero para a companheira (art. 1.790 do CC/02). Com isso, do montante total do patrimnio no-reservado do de cujus, sua companheira deteria 66,6% e sua filha, 33,3%.Documento: 7683762 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 1 de 14

Superior Tribunal de JustiaAgravo de instrumento: interposto pela filha. No recurso, ela argumenta que a diviso determinada pelo Juzo de Primeiro Grau implicaria interpretao absurda para a norma do art. 1.790 do CC/02, medida que concederia mera companheira mais direitos sucessrios do que ela teria se tivesse contrado matrimnio, pelo regime da comunho parcial, com o de cujus. O Tribunal negou provimento ao agravo, nos termos da seguinte ementa: "SUCESSO DA COMPANHEIRA. Herana. Meao. Inconstitucionalidade do art. 1.790, II, do CC/02. Farta discusso doutrinria, que no justifica a ampliao ou reduo do texto legal pelo intrprete e aplicador do direito. Inconstitucionalidade no ocorrente, na hiptese. Companheira sobrevivente que faz jus meao e mais a metade do que couber herdeira na partilha dos bens adquiridos onerosamente na vigncia da unio estvel. Inteligncia dos art. 1.725, 1.790 II, 1.829, I do CC/02 e do art. 226 3 da CF. Recurso improvido."

Recursos especial: interposto com fundamento na alnea "a" do permissivo constitucional. A recorrente alega violao aos arts. 1.790, II, 1.829, I e 1.725, todos do CC/02, bem como norma do art. 984 do CPC. O recurso especial no foi admitido, na origem. Todavia, para melhor anlise da controvrsia determinei a subida desse recurso por ocasio do julgamento do Agravo de Instrumento n 1.007.964/SP. Recurso extraordinrio: interposto. Medida cautelar: proposta visando atribuir efeito suspensivo ao referido recurso especial (MC n 14.509/SP), cuja liminar foi deferida, em julgamento colegiado, pela 3 Turma, nos termos de acrdo com a seguinte ementa:

"Medida cautelar. Atribuio de efeito suspensivo a recurso especial. Inventrio. De cujus que, aps o falecimento de sua esposa, com quem tivera uma filha, vivia, em unio estvel, h mais de trinta anos com sua companheira, sem contrair matrimnio. Incidncia, quanto vocao hereditria, da regra do art. 1.790 do CC/02. Alegao, pela filha, de que aDocumento: 7683762 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 2 de 14

Superior Tribunal de Justiaregra mais favorvel para a convivente que a norma do art. 1829, I, do CC/02, que incidiria caso o falecido e sua companheira tivessem se casado pelo regime da comunho parcial. Afirmao de que a Lei no pode privilegiar a unio estvel, em detrimento do casamento. Medida liminar parcialmente deferida, apenas para determinar a partilha, no inventrio, da parcela incontroversa do patrimnio, promovendo-se reserva de bens. - O art. 1.790 do CC/02, que regula a sucesso do 'de cujus' que vivia em unio estvel com sua companheira, estabelece que esta concorre com os filhos daquele na herana, calculada sobre todo o patrimnio adquirido pelo falecido durante a convivncia. Trata-se de regra oposta do art. 1.829 do CC/02, que, para a hiptese de ter havido casamento pela comunho parcial entre o 'de cujus' e a companheira, estabelece que a herana do cnjuge incida apenas sobre os bens particulares. - A diferena nas regras adotadas pelo cdigo para um e outro regime gera profundas discrepncias, chegando a criar situaes em que, do ponto de vista do direito das sucesses, mais vantajoso no se casar. - A discusso quanto legalidade da referida diferena profundamente relevante, de modo que se justifica o deferimento da medida liminar pleiteada em ao cautelar, para o fim de reservar os bens controvertidos no inventrio 'sub judice', admitindo-se a partilha apenas dos incontroversos. Medida liminar parcialmente deferida." o relatrio.

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Superior Tribunal de JustiaRECURSO ESPECIAL N 1.117.563 - SP (2009/0009726-0) RELATORA RECORRENTE ADVOGADOS RECORRIDO ADVOGADO : MINISTRA NANCY ANDRIGHI : SANDRA APARECIDA PENARIOL DUARTE : FRANCISCO CASSIANO TEIXEIRA E OUTRO(S) RENATO OLIVEIRA RAMOS : ROSEMARI APARECIDA AFFONSO : LUIZ JOAQUIM BUENO TRINDADE E OUTRO(S) VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

I - Delimitao da controvrsia Cinge-se a controvrsia a estabelecer como se divide a herana na hiptese em que o de cujus deixou companheira, com quem no contraiu casamento, e um herdeiro, advindo de matrimnio anterior. O foco da questo est na interpretao conjunta das seguintes normas: (i) art. 226, 3, da CF, que trata da proteo da Unio Estvel; (ii) art. 1.725 do CC/02, que equipara, quanto aos efeitos patrimoniais, o regime da unio estvel e o do casamento pelo regime da comunho parcial; (iii) art. 1.790 do CC/02, que contm regra especfica sobre a sucesso quando h unio estvel; e, finalmente, (iv) art. 1.829 do CC/02, que regula a sucesso quando h casamento pela comunho parcial, em vez de Unio Estvel. II - A garantia da meao na Unio Estvel Para a soluo da controvrsia, a primeira observao a ser feita a de que o art. 1.725 do CC/02 estabelece, de maneira clara, a comunho entre companheiro e companheira de todos os bens adquiridos na constncia da unio estvel. A unio estvel ora discutida anterior promulgao do CC/02, mas, ainda assim, tal previso mero corolrio do que j dispunha, timidamente, o art. 3 da Lei n 8.971/94 e, de maneira mais ampla, o art. 5 da Lei n 9.278/96, na esteira da interpretao iniciada com a conhecida Smula n 380/STF. Ou seja, tanto na hiptese de casamento, como na de unio estvel, deve ser, sempre, ressalvada a meao ao cnjuge ou companheiro sobrevivente. Com isso afasta-se, de plano, a pretenso preliminarmenteDocumento: 7683762 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 4 de 14

Superior Tribunal de Justiamanifestada no recurso, de retirar da recorrida, companheira do de cujus por mais de trinta anos, o direito de receber metade do patrimnio amealhado durante o longo perodo de convivncia.

III - A sucesso (arts. 1.790 e 1.829 do CC/02) Estabelecida essa premissa, observa-se que h duas normas totalmente distintas para regular a sucesso: Uma, para a hiptese de unio estvel (art. 1.790, do CC/02). Outra, para a hiptese de casamento (art. 1.829, do mesmo diploma legal). Especificamente no que interessa para a hiptese sob julgamento, em que concorrem, na herana, o companheiro sobrevivente e a filha advinda do primeiro casamento do de cujus, o art. 1.790 do CC/02 dispe, quanto companheira, o seguinte:

"Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participar da sucesso do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigncia da unio estvel , nas condies seguintes: I - se concorrer com descendentes s do autor da herana, tocar-lhe- a metade do que couber a cada um daqueles". (...) Ou seja, aplicando-se diretamente essa norma, tem-se que a companheira, aqui, receberia metade de todo o patrimnio amealhado pelo casal durante a unio (meao - art. 1.725 do CC/02). A outra metade seria dividida entre ela e a nica filha do de cujus. A filha receberia dois teros do remanescente e a companheira receberia um tero. A proporo, portanto, seria de 66,6% para a companheira e 33,3% para a filha. Frise-se que essa diviso diz respeito apenas ao patrimnio adquirido onerosamente depois da unio estvel. O patrimnio particular do falecido no se comunica com a companheira, nem a ttulo de meao , nem a ttulo de herana . Tais bens sero integralmente transferidos filha. A irresignao da recorrente est em que tal regra sucessria seria completamente diferente se o de cujus tivesse contrado matrimnio com a recorrida. Para essa hiptese, o art. 1.829, inc. I do CC/02 determina:Documento: 7683762 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 5 de 14

Superior Tribunal de JustiaArt. 1.829. A sucesso legtima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrncia com o cnjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunho universal, ou no da separao obrigatria de bens (art. 1.640, pargrafo nico); ou se, no regime da comunho parcial, o autor da herana no houver deixado bens particulares; (...) A redao ambgua dessa norma tem suscitado muitas dvidas na doutrina, e trs correntes se estabeleceram, interpretando tal dispositivo de maneira completamente diferente. So elas:

III.1) Primeira corrente: Enunciado 270, da III Jornada de Direito Civil

A primeira corrente deriva do Enunciado 270, da III Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho da Justia Federal, que dispe:

Enunciado 270 Art. 1.829: O art. 1.829, inc. I, s assegura ao cnjuge sobrevivente o direito de concorrncia com os descendentes do autor da herana quando casados no regime da separao convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunho parcial ou participao final nos aqestos, o falecido possusse bens particulares, hipteses em que a concorrncia se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meao) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes. De acordo com esse entendimento, a sucesso do cnjuge obedeceria as seguintes regras: (i) se os cnjuges se casaram pelo regime da comunho universal, o sobrevivente no concorre com os filhos na sucesso, j que recebeu suficiente patrimnio em decorrncia da meao (incidente, nesta hiptese, sobre todo o patrimnio do casal, independentemente da data de aquisio); (ii) se o casamento se deu pela separao obrigatria , entendida essa como a separao legal de bens, tambm no concorrem cnjuge e filhos, porque isso burlaria o sistemaDocumento: 7683762 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 6 de 14

Superior Tribunal de Justialegal; (iii) finalmente, se o casamento tiver sido realizado na comunho parcial (ou nos demais regimes de bens), h duas possibilidades: (iii.1) se o falecido deixou bens particulares (a semelhana do que ocorre nestes autos), o cnjuge sobrevivente participa da sucesso, porm s quanto a tais bens, excluindo-se os bens adquiridos na constncia do matrimnio, porque eles j so objeto da meao; (iii.2) se no houver bens particulares, o cnjuge sobrevivente no participa da sucesso (porquanto sua meao seria suficiente e se daria, aqui, hiptese semelhante da comunho universal de bens). Para maior clareza, pode-se elaborar um quadro, demonstrativo das regras gerais de sucesso legtima, conforme a 1 corrente estudada, nas hipteses em que o falecido tenha deixado descendentes e cnjuge/companheiro(a) :

Regimes Unio estvel Comunho universal Comunho parcial Separao obrigatria Separao convencional

Meao Sim Sim Sim No definido No, em princpio

Cnjuge/companheiro herda bens particulares? No No Sim, em concurso com os descendentes. No Sim, em concurso com descendentes.

Cnjuge/companheiro herda bens comuns? Sim, em concurso com os descendentes No No No No h, em princpio, bens comuns.

Tambm corroboram esse entendimento ANA CRISTINA DE BARROS MONTEIRO FRANA PINTO (atualizadora do Curso de Direito Civil de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, Vol. 6 37 Ed. So Paulo: Saraiva, 2009, pg. 97), NEY DE MELLO ALMADA (Sucesses , So Paulo: Malheiros, 2006, pg. 175), entre outros. Frise-se que esse quadro tem, como objetivo, apenas pinar orientaes gerais sobre a matria, sem pretenso de debruar-se sobre as peculiaridades de cada um dos regimes de bens, ou esgotar discusses doutrinrias e jurisprudenciais que cada um deles pode suscitar. de conhecimento geral que a interpretao das novas regras de sucesso, notadamente o art. 1.829, I, do CC/02, tem gerado intensa controvrsia que, por no ser objeto especificamente deste processo, no ser, aqui, esgotada.Documento: 7683762 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 7 de 14

Superior Tribunal de JustiaIII.2) Segunda corrente: Herana sobre o patrimnio total

A segunda e majoritria corrente doutrinria acerca da interpretao do art. 1.829, I, do CC/02, defende uma ideia substancialmente diferente. Os seus partidrios, a exemplo dos defensores do Enunciado 270 das Jornadas, separam, no casamento pela comunho parcial, a hiptese em que o falecido tenha deixado bens particulares , e a hiptese em que ele no tenha deixado bens particulares (sempre considerando a existncia de descendentes). Se o cnjuge pr-morto no tiver deixado bens particulares, o suprstite no recebe nada, a ttulo de herana. Contudo, se o autor da herana tiver deixado bens particulares, o cnjuge herda, nas propores fixadas pela Lei (arts. 1830, 1832 e 1837), no apenas os bens particulares, mas todo o acervo hereditrio. MARIA HELENA DINIZ defende essa tese com os seguintes fundamentos (Curso de Direito Civil Brasileiro , v. 6: direito das sucesses 20a ed. rev. e atual. de acordo com o Novo Cdigo Civil So Paulo: Saraiva, 2006, pgs. 124 e ss.): (i) a herana indivisvel, deferindo-se como um todo unitrio (art. 1.791). Assim, no h sentido em dividi-la apenas nas hipteses em que o cnjuge concorre, na sucesso; (ii) se o cnjuge sobrevivente for ascendente dos demais herdeiros, ter a garantia de 1/4 da herana. Essa garantia incompatvel com sua quase-excluso, na hiptese em que o falecido tiver deixado poucos bens; (iii) o cnjuge suprstite herdeiro necessrio, e no h sentido em lhe garantir a legtima se ele no herdar, no futuro, esse patrimnio; (iv) em um regime de separao convencional , as partes podem firmar pacto antenupcial disciplinando a comunicao dos aquestos, e no obstante o cnjuge sobrevivente os herdar. No h sentido em restringir tal direito apenas na comunho parcial; (v) meao e herana so institutos diversos. No falecimento, a meao do falecido passa a integrar seu patrimnio, no havendo razo para destac-la para fins de herana. Para os defensores dessa corrente, o quadro supra referido restaria da seguinte forma (sempre na hiptese de o falecido ter deixado bens particulares e filhos):Documento: 7683762 - RELATRIO E VOTO - Site certificado Pgina 8 de 14

Superior Tribunal de JustiaRegimes Unio estvel Comunho universal Comunho parcial Separao obrigatria Separao convencional Meao Sim Sim Sim No definido No, em princpio Cnjuge/companheiro herda bens particulares? No No Sim, em concurso com os descendentes. No Sim, em concurso com descendentes. Cnjuge/companheiro herda bens comuns? Sim, em concurso com os descendentes No Sim, em concurso com os descendentes No Sim, se os houver, em concurso com os descendentes

III.3) Terceira corrente: Interpretao Invertida

A terceira corrente que se formou para a interpretao do art. 1.829, I, do CC/02, inverte as ideias defendidas pelas anteriores. Encabeada por MARIA BERENICE DIAS, defende que a sucesso do cnjuge fica excluda na hiptese de o falecido ter deixado bens particulares (Ponto Final, disponvel em: > Acesso