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Pelotas - RS, 06 a 08 de julho de 2016
SBSP - Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção
VULNERABILIDADE E DIVERSIFICAÇÃO DOS MEIOS DE VIDA NOS
ASSENTAMENTOS RURAIS EM SANTANA DO LIVRAMENTO-RS
VULNERABILITY AND DIVERSIFICATION OF LIVELIHOODS IN RURAL
SETTLEMENTS IN SANTANA DO LIVRAMENTO –RS
Jorge Carvalho Carrion; Márcio Zamboni Neske; Deise Maria Silva de Carvalho; Liana
Mendonça Goñi; Vivian Trindade Cardoso
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Campus Santana do Livramento
E-mails: [email protected]; [email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
Grupo de Pesquisa: Fundamentos teórico-metodológicos da abordagem sistêmica
aplicada à agricultura
Resumo
O objetivo do artigo é apresentar uma construção teórico-metodológica para o estudo de
situações agrárias complexas no âmbito dos assentamentos rurais em Santana do Livramento-
RS. O foco da análise recai em demonstrar as potencialidades da abordagem dos meios de vida
para a identificação de fatores que estão subjacentes à formação das situações de
vulnerabilidade e os condicionantes relacionados a adoção de estratégias de reação entre os
agricultores familiares. Fortalecer a agricultura familiar implica na mitigação das situações de
vulnerabilidade, sendo a diversificação dos meios de vida uma via importante, permitindo
maiores de chances de oportunidade e liberdade dos indivíduos.
Palavras-chave: Agricultura Familiar. Vulnerabilidade. Meios de Vida. Desenvolvimento
Rural
Abstract
The objective of this article is to present a theoretical and methodological construction for the
study of complex agrarian situations in the context of rural settlements in Santana do
Livramento-RS. The focus of the analysis lies in demonstrating the approach's potential
livelihoods for identifying factors that underlie the formation of vulnerabilities and constraints
related to the adoption of response strategies among family farmers. Strengthen family
agriculture implies mitigation of vulnerabilities, and the diversification of livelihoods an
important route, allowing greater chance of opportunity and freedom of individuals.
Key words: Family Farming. Vulnerability. Livelihoods. Rural Development
Pelotas - RS, 06 a 08 de julho de 2016
SBSP - Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção
1. Introdução
O município de Santana do Livramento, localizado na região da campanha do estado do
Rio Grande do Sul, é tradicionalmente reconhecido por ser detentor de uma estrutura agrária
constituída pelo latifúndio pastoril. A formação cultural, socioeconômica e produtiva do
município foi forjada pela produção de bovinos de corte, introduzidos pelos colonizadores na
região em meados do século XVIII. No entanto, a partir da década de 1990 o município passou
a vivenciar um processo intenso de transformação da base socioeconômica e produtiva com a
constituição dos assentamentos rurais da reforma agrária. Assim, os assentamentos rurais
representam um fato novo e importante na história recente de Santana do Livramento, onde a
paisagem agrária, antes dominada pelas grandes propriedades, passou a ceder espaço a
propriedades de origem familiar oriundas de outras regiões do estado.
Dentre os direitos estabelecidos pelos projetos de assentamentos, cada família recebeu
um lote de terra, que corresponde em média a 25 hectares por família. No entanto, a conquista
do lote de terra não representa uma etapa final de uma longa jornada de luta pelo direito a terra,
mas significa a abertura de novos horizontes de vida e trabalho. A garantia do recebimento do
lote de terra não significa que a instalação e sobrevivência das famílias na terra conquistada
seja um processo descomplicado. Transformar o lote no lugar de viver não é algo simples e
imediato, mas um movimento constante de apropriação do lugar, passando pela organização
produtiva do espaço, o acesso a recursos, assim como as significações simbólicas e afetivas
associadas ao seu uso.
A condição de assentado apresenta um quadro pouco conhecido no que diz respeito às
condições dos meios de vida. O certo é que essas estratégias de sobrevivência das famílias
representam um processo multifacetado e heterogêneo, e, em certa medida, desigual. As
famílias apresentam disponibilidade e acesso distintos a recursos, o que redunda em trajetórias
diferenciadas de sobrevivência em face ao ambiente hostil que se confrontam.
Assim, os agricultores assentados estão expostos a diversas situações de vulnerabilidade
social, econômica e ambiental. De um lado, na imensa maioria dos projetos de assentamentos,
as condições de infraestrutura (estradas, transporte, educação, saúde, morada, água, energia
elétrica, saneamento, crédito, assistência técnica, etc.) apresentam uma situação deficiente que
impõem restrições às condições de vida das famílias. As primeiras instalações foram
provisórias, onde o estabelecimento da moradia se deu em barracos de lona, ou mesmo na sede
da antiga fazenda, que abrigava diversas famílias no mesmo espaço.
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Atualmente, as condições de vida revelam situações preocupantes de vulnerabilidade
para a realidade de grupos familiares, sendo que diversas famílias apresentam casas inacabadas,
sem saneamento, acesso deficitário a saneamento e à água para consumo humano e dos animais,
desprovimento de benfeitorias, máquinas e equipamentos agrícolas. Como efeito cascata dessa
situação, verificam-se consequências diretas sobre a baixa autoestima das famílias, além de
limitações impostas à produção de alimentos devido a restrições de acesso a água para os
animais ou para irrigação dos cultivos.
Por outro lado, no âmbito das relações de produção, os agricultores familiares estão
sendo submetidos a um processo crescente de especialização ligado à gramática dos mercados
globais e setores agroindústrias da produção de commodities agrícolas, especialmente o
monocultivo da soja. Esse modelo de especialização produtiva tem provocado mudanças
profundas de ordem técnica, socioeconômica e ambiental, conduzindo a um aumento da
fragilização das famílias.
Sendo assim, apoiando-se na abordagem dos meios de vida, o objetivo do artigo é
apresentar uma construção teórico-metodológica para o estudo de situações agrárias complexas
no âmbito dos assentamentos rurais. O foco da análise recai em demonstrar as potencialidades
da abordagem dos meios de vida para a identificação de fatores que estão subjacentes à
formação das situações de vulnerabilidade e os condicionantes relacionados à adoção de
estratégias de reação entre os agricultores familiares.
Além dessa parte introdutória, o artigo está em mais cinco seções. A primeira (1) seção
apresenta algumas contribuições da abordagem dos meios de vida para o estudo das dinâmicas
de desenvolvimento rural. Na seção seguinte (2), destaca-se os aspectos históricos relacionados
a origem e evolução agrária de Santana do Livramento. A terceira (3) seção desta os processos
relacionados a formação dos assentamentos rurais no município. Na sequência, a quarta (4)
apresenta uma proposição metodológica à análise dos meios de vida em assentamentos rurais.
Por fim, na última seção (5) são tecidas algumas considerações finais.
2. Contribuições da abordagem dos meios de vida no estudo das dinâmicas de
desenvolvimento rural
A abordagem dos meios de vida (livelihoods) surge na década de 1990 tendo como
pressuposto evidenciar os processos interativos através dos quais se constroem, reproduzem e
transformam a vida social e, com isso, visando criar ações de intervenção do desenvolvimento
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direcionadas à mitigação das situações de pobreza rural. Conforme Perondi e Schneider (2012),
Chambers e Conway (1992) foram os pioneiros no uso do conceito de "meios de vida
sustentáveis”, e desde o início procuraram conjugar o tema “meios de vida” com o da
sustentabilidade em consonância com o tema em moda na época em função da Eco 92
(Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992).
Atribuindo uma crítica sobre as narrativas e projetos de desenvolvimento top down, Chambers
e Conway (1992) questionam o alcance e as prioridades das atividades para o desenvolvimento,
advogando sobre a necessidade de colocar as pessoas no centro do desenvolvimento.
No entanto, ao longo dos anos a abordagem foi sofrendo adaptações por outros autores.
Frank Ellis (2000) é um dos importantes estudiosos do mundo rural que passou a ganhar
notoriedade no final da década de 1990 e início dos anos 2000. O autor substituí o uso do
adjetivo “sustentável” adotado por Chambers e Conway (1992) por “diversificado”,
procurando, com isso, atribuir aos meios de vida um caráter para explicar a utilidade e a função
da diversidade (PERONDI, 2014).
Ellis (2000) confere aos meios de vida uma concepção com forte influência com a
abordagem das capacitações do economista Amartya Sen. Assim, o desenvolvimento é
entendido como o processo de ampliação das capacidades dos indivíduos, sendo para isso
necessário que os mesmos disponham das condições e oportunidades para realizar o que
desejam, e escolher o tipo de vida que almejam. De acordo com Sen (2010), para que o que
desenvolvimento seja exercido pelos indivíduos, deve-se dispensar atenção aos meios
disponíveis e não direcionar a atenção apenas para os fins. Ou seja, não basta o indivíduo ter
capacidade (oportunidade de escolha) para fazer o que deseja, é necessário que ele disponha
das condições e oportunidades reais para realizar o que deseja.
A discussão sobre meios de vida apresenta proximidade com a abordagem das
capacidades justamente porque visa tirar o foco das ações sobre os fins ou resultados do
desenvolvimento, mas fortalecer os meios que os indivíduos dispõem para lidar com as
adversidades e realizar suas atividades no contexto em que vivem (ELLIS, 2000; SCOONES,
2009). Para Ellis (2000), um meio de vida compreende os ativos ou capitais (natural, físicos,
humanos, financeiro e capital social), as atividades e o acesso a estas que juntos determinam a
vida adquirida pelos indivíduos ou grupo familiar. Segundo o autor, o capital natural refere-se
à base de recursos naturais (terra, água, paisagem) que produz produtos utilizados pelas
populações humanas para a sua sobrevivência; o capital físico são bens relacionados ao
processo de produção econômico, por exemplo, ferramentas, máquinas e benfeitorias; o capital
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humano diz respeito ao estado do nível de educação e saúde de indivíduos e populações; o
capital financeiro refere-se aos estoques de dinheiro e o acesso ao crédito que podem ser
acessados a fim de comprar qualquer produção ou bens de consumo; o capital social está
associado às redes sociais e associações em que as pessoas participam e, a partir do qual eles
podem derivar de apoio que contribui para a sua subsistência.
Desta forma, compreender os meios de vida é entender que a diversificação destes é
uma via importante para minimizar riscos, incertezas e vulnerabilidades dos indivíduos.
Diversificar os meios de vida é, para Ellis (2000), em um processo em que os indivíduos
constroem um portfólio crescentemente diverso de atividades e recursos para sobreviver e
melhorar os seus padrões de vida. Assim, fortalecer os meios de vida implica criar mecanismos
de diversificação das opções e estratégias de trabalho e renda, estimulando assim sua resiliência
para lidar com crises, choques ou vulnerabilidades (PERONDI; SCHNEIDER, 2012).
Os determinantes da diversificação dos meios de vida rurais estão relacionados com a
disponibilidade e acesso a ativos. Podem estar relacionados a aspectos edafoclimáticos, ou
socioeconômicos e produtivos que se manifestam através de situações de sazonalidade, das
migrações, dos efeitos do mercado de trabalho, do acesso ao crédito e a outros ativos (ELLIS,
1999; SCHNEIDER, 2010). Um portfólio diversificado de atividades contribui para a
sustentabilidade de um modo de vida rural que aumenta a sua capacidade de resistência a longo
prazo em face das tendências adversas ou choques repentinos (ELLIS, 1999). Assim quanto
mais diversificada for uma unidade produtiva familiar, maiores serão as chances e
oportunidades dos agricultores para criar estratégias e fazer frente às distintas formas de
vulnerabilidade (clima, doenças, preços) que possam se estabelecer (SCHENEIDER, 2010).
Portanto, na medida que os indivíduos e as famílias rurais possuem diferentes formas de acesso
aos distintos ativos, a própria heterogeneidade do mundo rural e da agricultura se manifesta na
medida em se estabelece diferentes estratégias de enfrentamento e adaptação às diversas
situações de vulnerabilidade que estão expostos.
A construção de sistemas sociais e econômicos diversificados, regulados e controlados,
representa uma alternativa importante à centralização e especialização que diminuem a perda
da autonomia dos agricultores frente às imposições do capitalismo agrário (NIERDELE;
GRISA, 2008; SCHNEIDER, 2010). Assim, entender a diversidade dos grupos familiares
possibilita compreender as opções que estão à disposição dos indivíduos, bem como as
estratégias que estes adotam frente às situações de vulnerabilidade que estão expostos.
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3. Aspectos históricos da origem e transformação agrária do município de Santana do
Livramento
Essa seção retrata aspectos centrais da evolução e diferenciação agrária do município de
Santana do Livramento. Para tanto, estabelece-se uma narrativa histórica apoiada na abordagem
dos sistemas agrários (MAZOYER; ROUDART, 2010). Em cada período histórico destacados,
são observadas mudanças ocorridas no modo dominante que os grupamentos humanos se
utilizaram dos recursos naturais, do espaço apropriado, as técnicas que utilizadas nos processos
produtivos e nas relações sociais e econômicas que estabelecem. São descritos cinco sistemas
agrários distintos, a saber: sistema agrário indígena; sistema agrário estância; sistema agrário
industrial; sistema agrário modernização agropecuária.
Sistema agrário indígena (antes de 1800)
O sistema agrário indígena é caracterizado pela existência dos povos ameríndios na
região do pampa. Antes da chegada dos europeus, a região onde atualmente se localiza o
município de Santana do Livramento já era habitada a cerca de 12 mil anos por grupamentos
indígenas Minuanos e Charruas. A região em questão era considerada pelos colonizadores como
“terra de ninguém”, de difícil acesso e muito pouco povoada. Mas aqui já habitavam ameríndios
com costumes próprios e com sua economia particular recoletora. Esses grupamentos indígenas
eram excelentes caçadores, sendo vistos pelos colonizadores como preguiçosos devido à falta
de variedade de alimentos que compunha a sua dieta alimentar, já que sua alimentação era
dependente da caça e pesca (POTOCO, 2013).
A cultura indígena foi “dilacerada” pelo colonizador, onde muitos índios foram
expulsos, mortos e escravizados. Portanto, a presença dos colonizadores, ao promover a sua
territorialização no território originalmente hábito pelos indígenas, acabou promovendo a
desterritorialização dos mesmos, gerando uma crise no sistema agrário indígena.
Sistema agrário estância (1800 à 1917)
A origem do estado do Rio Grande do sul está relacionada com a criação de gado,
introduzido pelos padres jesuítas em princípios do século XVII. O tratado de Tordesilhas
assinado em 1494 dava direito a Espanha de explorar o estado do Rio Grande do Sul, e os padres
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jesuítas espanhóis acabaram desempenhando um papel importante na missão colonizadora
através da catequização dos índios. Além de assegurar o território definido no tratado de
Tordesilhas, a catequização visava introduzir uma cultura de medo e de subordinação do
conquistador branco europeu sobre os povos indígenas.
O estabelecimento das missões Jesuíticas no noroeste do Rio Grande do Sul, durante o
século XVII, foi um fator importante para formação da atividade pecuária na região da
campanha, pois foi nessa época que as primeiras cabeças de gado foram introduzidas no estado
pelos jesuítas. Porém, as invasões frequentes dos bandeirantes paulistas em busca de índios para
escravizá-los, fez com que os jesuítas abandonem o gado, o qual passa a se reproduzir solto e
de forma livre, na região que ficou conhecida como Vacaria Del Mar, que compreende a atual
região da campanha (AGUIAR; MEDEIROS, 2010).
Nessa época, a região onde está localizado por Santana do Livramento era palco de
disputa entre Espanha e Portugal. Para garantir o direito de posse sobre as terras em disputa,
Portugal ordena a ocupação das terras, tornando essa região de ocupação fortemente
militarizada. Assim, a posse da terra ocorreu através da distribuição de sesmarias, que eram
extensas áreas de terras medindo, cada uma 13.065 hectares. A distribuição de sesmarias acabou
gerando um processo de concentração de terras, formando imensas propriedades rurais
denominadas de estâncias. É importante destacar que, desde formação da propriedade privada
em Santana do Livramento, sempre houve no município a presença de pequenos produtores
familiares (atualmente denominados de pecuaristas familiares), e, embora ocupando uma
posição marginal na estrutura agrária, são atores sociais importantes da história agrária do
município (FERNANDES, 2012).
Então, devido a esses acontecimentos, nesse período da história da região onde
atualmente se localizada Santana do Livramento, tem-se a formação de um novo sistema agrário
denominado de estância. A partir de então, inicia-se o povoamento da região sul do Rio Grande
do Sul, surgindo às primeiras cidades. Para se dimensionar a formação e expansão das estâncias
na região, conforme Potoko (2013), no município que hoje é Alegrete, desde 1806 foram
distribuídas mais de 320 sesmarias. Santana do Livramento pertencia a Alegrete, e fundada a
cidade em 30 de julho de 1823, elevada à categoria de município em 1857. De acordo com
Potoko (2013), o primeiro local escolhido para o povoado de Livramento foi às terras entre dois
braços do Ibirapuitã, cedidas pelo sesmeiro Antonio José de Menezes.
Assim, o sistema agrário estância, segundo Miguel (2010), se deu pela decadência do
tropeirismo e pelo aparecimento das charqueadas. Ao invés de serem conduzidos para o centro
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do Brasil, os bovinos passaram a ser enviados às localidades do Rio Grande do Sul com maior
facilidade de acesso, onde eram abatidos e transformados em charque. Em função das
particularidades desse novo mercado, constatou-se uma melhoria das práticas de manejo da
criação dos bovinos nas estâncias de criação de gado. O trabalho consistia em recolher os
animais para um espaço determinado, marcá-los para identificação e assegurar que se
reproduzissem dentro dos limites da sesmaria (SILVA NETO; BASSO, 2005).
Com as concessões das sesmarias consolida-se uma economia sustentada na produção
do charque, destinado à alimentação dos escravos, mas em seguida o charque se torna um
excelente negócio, muito rentável que dava um novo valor para a carne. Com a compra
garantida, sem depender das flutuações da economia nacional e internacional, houve um
crescimento econômico dos pecuaristas latifundiários, e com isso a formação de uma elite
política de caráter regionalista, militar e conservadora (AGUIAR; MEDEIROS, 2010).
Desenvolveu-se, assim, uma organização social baseada em senhores de terra, gado,
charqueadas e escravos, com relações autoritárias e violentas (PESAVENTO, 1980 apud
AGUIAR; MEDEIROS, 2010).
Em 1904 é instalada a Charqueada Livramento, e conforme Albornoz (2000), em 1911
Santana do Livramento possuía quatros grandes charqueadas, constituindo-se naquele momento
o segundo maior centro de abate do estado, “pois estava no centro da maior região de produção
pecuária do estado e do Uruguai." (ALBORNOZ, 2000, p.76). A Lei de Terras de 1850 acaba
por extinguir a concessão de sesmarias e a terra que antes era gratuita, passa a ter valor
mercantil, e a posse da mesma, entra para os custos de produção. Com a mão-de-obra e a terra
escasseando, as charqueadas rio-grandenses entram em decadência e se restringem a poucos
lugares no estado.
No entanto, com a crise das charqueadas, inicia-se um processo de instalação de
frigoríficos de capital internacional na América Latina, sendo o primeiro instalado em 1883 na
Argentina (AGUIAR; MEDEIROS, 2010). Em seguida, nos princípios do século XX, os
primeiros frigoríficos começam a se instar no estado do Rio Grande do Sul, vislumbrando
grandes possibilidades de investimentos lucrativos, tanto no Uruguai, como na região da
campanha do Rio Grande do Sul. Em princípios de século XX dois frigorífico se instou em
Santana do Livramento, e assim, a economia pastoril do município se reestrutura através da
industrialização de carne, marcando a transição para um novo sistema agrário: industrial.
Sistema agrário industrial (1917 à 1970)
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No ano de 1917 a Companhia Armour dos EUA compra a charqueada Livramento, e
estabelece o Frigorífico Armour. Armour. Em seguida, em 1918, a Companhia Wilson, também
estadunidense, implanta uma unidade para o processamento da carne da região. Conforme
Fernandez (2012) a existência de gado em abundância, mão de obra barata e proteção oferecida
pelo Estado, a malha ferroviária do Uruguai e o gado brasileiro, já adaptado para os padrões
dos frigoríficos, foram os principais fatores que estimularam o estabelecimento destas empresas
em Santana do Livramento.
Com a industrialização, a mudanças tecnológicas também são verificas no âmbito da
produção animal. De acordo com Albornoz (2000), em média, 50% do gado que abastecia o
frigorífico Armour era de Santana do Livramento, sendo que os maiores vendedores eram de
outros municípios, geralmente grandes estancieiros (alguns que possuíam gados dos dois lados
da fronteira), ou compradores que revendiam para o frigorífico.
A partir da década de 1950, com o final da segunda guerra mundial, diversos frigoríficos
entram em crise, alguns fechando, e outro enfraquecendo sua produção local, como e é caso do
frigorífico Armour (FERNANDES, 2012). Ainda segundo a autora, ao tempo em que a
industrialização perde forças no município, a modernização agropecuária a partir da década de
1970, devido às mudanças proporcionadas pela Revolução Verde, começa a marcar presença
na região da campanha, iniciando, assim, um novo sistema agrário.
Sistema agrário modernização agropecuária (1970- Atual)
Esse sistema foi marcado pelo surgimento da revolução verde, ocorreu de forma mais
intensa o processo de modernização da agricultura que envolveu um grande aparato tecnológico
provido de variedades de plantas geneticamente modificadas em laboratório, espécies que
foram desenvolvidas com objetivos de alcançar alta produtividade, foram utilizados
procedimentos técnicos como uso de agrotóxicos, maquinários provenientes da segunda
revolução industrial (MIGUEL, 2010). No Brasil a modernização da agricultura foi dividida
em fases, a primeira na transformação da base técnica, estimulada pelo governo e empresas
norte-americanas, a segunda pela industrialização da produção rural com a implantação de
indústrias, na terceira fase ocorre à integração entre a agricultura e a indústria, e na última fase
a integração de capitais (bancários, industriais, agrários) (SILVA, 1996 apud MATTOS;
PESSÔA, 2011, p. 320).
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Para Chelotti (2005) no município de Santana do Livramento inicialmente o
desenvolvimento de lavouras esteve vinculado às lavouras de subsistência, possuía sua base
pecuária de corte extensiva, porém, após a década de 1970 devido à modernização da
agricultura outras culturas foram introduzidas na região da campanha, como o mono cultivos
de arroz irrigado, soja e uva, através do arrendamento de terras a lavoura expandiu-se para a
região da campanha.
O início da rizicultura no município caracterizou pela lavoura em grande escala, em
extensas áreas, tendo como práticas agrícolas o emprego de irrigação, preparo do solo por meios
mecânicos, fertilizante e uso agrotóxico para o controle de doenças e pragas. Já para o autor
Beskow (1986), a produção do arroz não está associada à produção familiar e nem em
transformar o grande proprietário em capitalista agrícola, mas numa inteiração de categorias
distintas como: o proprietário de terras, o arrendatário e o trabalhador rural. O arrendamento
das terras ocorreu em terras onde antes desenvolvia a pecuária de corte, sendo esse sistema de
parceria com o arrendatário considerado uma alternativa nas crises que ocorreram neste setor
(BESKOW, 1986).
Se a formação do social, econômica e produtiva do município de Santana do Livramento
tem sua origem na pecuária de corte, exercida pela concentração do latifúndio pastoril,
atualmente é possível observar uma mudança neste cenário, visto que o processo de reforma
agrária e a formação dos assentamentos rurais alteraram o quadro da estrutura agrária e
produtiva. Além da formação de pequenos núcleos familiares, a matriz produtiva também se
diversificou, sobretudo através da produção de leite, e de outros cultivos agrícolas, como soja
e milho. A discussão sobre as dinâmicas da formação dos assentamentos rurais no “território
pastoril” será abordada na próxima seção.
4. Territórios em transformação: a formação dos assentamentos rurais em Santana do
Livramento
Nesta seção são apresentados alguns aspectos relacionados às dinâmicas transformações
do espaço rural em Santana do Livramento a partir da compreensão da evolução e do processo
de formação de assentamentos rurais no município. Segundo Chelotti (2005), os municípios
localizados ao sul do Rio Grande do Sul mantêm características que remetem ao início de sua
ocupação, marcadas principalmente pela presença de latifúndios, herança da distribuição de
sesmarias no início do século XVIII. Paralelamente a isso, foram incorporados novos elementos
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a esse espaço regional, como a expansão das lavouras de arroz irrigado, principalmente na
década de 1970, e as lutas pelo uso da terra, nos anos de 1990. Nesse contexto, Santana do
Livramento torna-se palco da instalação de assentamentos rurais por meio da reterritorialização
do espaço agrário, em que áreas adquiridas pelo Governo Federal, passam a ser distribuídas
para a instalação de famílias de trabalhadores rurais. As instalações desses assentamentos no
município geraram significativas transformações no espaço rural, tanto em aspectos produtivos
como socioculturais, como também modificaram a dinâmica econômica e política local.
Segundo estudo realizado por Monteblanco e Medeiros (2014), acerca do surgimento
do Movimento dos Sem Terra, um dos fatores que contribuíram de maneira considerável para
essa mobilização foi o processo de modernização da agricultura, o qual excluiu e marginalizou
uma significativa parcela de produtores rurais. Corroborando com o autor, Chelotti (2005)
destaca que a modernização da agricultura foi o principal combustível dos conflitos na região
norte e noroeste do Rio Grande do Sul, resultando na expulsão dos trabalhadores rurais que
habitavam essas regiões. Frente a esse contexto, forma-se um movimento de pressão sobre as
esferas governamentais, por parte do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o qual
almeja a desapropriações de propriedades rurais consideradas inativas e/ou improdutivas,
visando com isso oferecer terra à parcela da população rural que foi excluída pelo projeto
modernizante implantado no país.
O processo de assentamento de famílias rurais em Santana do Livramento ocorre de
maneira mais intensa a partir de 1990, distinguindo-se das demais formas de ocupação por não
serem precedidos por conflitos, mas sim a partir de desocupações realizadas pelo Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), (CHELOTTI, 2005). Além de não haver
resistência no processo de desapropriação dessas áreas por parte dos antigos proprietários, os
solos ocupados eram férteis e em boas condições para a consolidação de propriedades rurais.
Os colonos que passaram a fazer parte da população de Santana do Livramento são
oriundos, principalmente, da porção mais ao norte do estado do Rio Grande do Sul. Entre os
municípios de origem das famílias estão Redentora, Palmeira das Missões, Constantina, Ronda
Alta, Nonoai, Rodeio Bonito, Entre Rios do Sul, Erechim, Frederico Westphalen, Planalto, Joia,
Guarani das Missões, São Miguel das Missões e Cruz Alta (MONTEBLANCO; MEDEIROS,
2014). Na tabela a seguir são compiladas por MonteBlanco e Medeiros (2014), o total de
assentamentos criados e o número de famílias assentadas no período de 1992 a 2008.
Tabela 1- Número de assentamentos e de famílias assentadas em Santana do Livramento
durante o período de 1992 a 2008.
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Ano Assentamento criado N° de famílias
assentadas
1992 PA* Liberdade no Futuro 62
1996
PA Apolo
PA Joaquim
PA Santo Ângelo PA Bom Será
PA Coqueiro
34
40
16 26
31
1997
PA Jupira/São Leopoldo
PA Recanto PA Posto Novo
PA Santa Rita II
PA Frutinhas
45
23 21
22
20
1998 PA Capivara
PA Pampeiro
22
44
1999 PA Rondeniense
PA Nova Esperança
17
43
2000 PA Esperança da Fronteira 21
2001 PA Nova Madureira 22
2002
PA Rincão de Querência
PA Torrão
PA Paraiso II
PA Roseli PA Conquista do Cerro da Liberdade
4
21
7
57 72
2005 PA Leonel Brizola
PA Fidel Castro
13
57
2006
PA 31 de Março
PA Sepé Tiaraju III
PA São João II PA Herdeiros de Oziel
12
41
33 39
2007 PA Banhado Grande 11
2008 PA Ibicuí 60
TOTAL 30 assentamentos 936
Fonte: MonteBlanco e Medeiros (2014).
*Projeto de Assentamento
É possível visualizar, a partir da tabela elaborada por Monteblanco e Medeiros (2014),
que até o período do levantamento, foram criados 30 assentamentos, nos quais foram assentadas
936 famílias. Seria necessário realizar um novo levantamento para atualização dessas
informações, tendo em vista que no período subsequente a 2008, novos assentamentos foram
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criados e dinâmicas internas ocorreram. Conforme Chelotti (2005), Santana do Livramento
possui a maior concentração de assentamentos no estado do Rio Grande do Sul, em que é
estabelecida nesse território uma criação e recriação dos espaços. Esse processo de recriar um
novo espaço é identificado enquanto uma forma de reterritorialização de centenas de famílias
de trabalhadores, nãos mais sem-terra, provenientes de outras regiões.
Para Chelotti (2005), a ocupação por assentamentos na porção sul do Rio Grande do Sul
significou a junção de duas identidades distintas: o camponês da campanha e o camponês da
colônia. Essa mistura cultural é percebida na maneira de falar, de cultivar a terra, na forma de
construção das casas, no estranhamento com o clima, entre outras particularidades. Essa mistura
produziu e ainda produz novas territorialidades, tanto no meio rural como no meio urbano.
Atualmente, as famílias assentadas, fazem parte da população santanense, é parte do lugar,
constituindo sua história com raízes nesse território. Nas palavras de Chelotti (2005), a
reterritorialização manteve traços culturais significativos daqueles que vieram para esse novo
espaço, mas, sobretudo houve trocas que contribuíram para a geração de certo grau de
hibridismo, resultando em uma adaptação ao novo território pela incorporação de novos
elementos. Exemplo disso, hoje é são identificadas famílias de assentados que se tornaram
pecuaristas, atividade típica do município, propiciado pelas características ambientais do bioma
Pampa e de suas pastagens naturais.
Em síntese, conforme destacado por Medeiros (2002), a criação de assentamentos rurais
na porção sul do estado resulta em um novo desenho do território, rompendo com a hegemonia
de uma área historicamente dominada por latifúndios de pecuária de corte. Com isso a
readaptação a um novo espaço, até então desconhecido, em que o cultivo e as técnicas que
herdaram de seus antepassados e que desenvolviam necessitam ser repensadas e ajustadas.
5. Proposição metodológica à análise dos meios de vida em assentamentos rurais
Essa seção apresenta alguns aspectos relacionados ao uso da abordagem dos meios de
vida no espaço rural, especificamente, tratando da realidade dos assentamentos rurais em
Santana do Livramento. De tal modo, as asserções metodológicas que serão apresentadas
versam sobre uma pesquisa que se encontra em andamento (2016), elaborado junto ao Programa
Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Agroecologia da Universidade Estadual do
Rio Grande do Sul (UERGS).
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Segundo Perondi (2014), a abordagem dos meios de vida é uma ferramenta para a
compreensão do grau de vulnerabilidade dos agricultores e famílias rurais. Assim, um grupo
familiar que se encontra em situação de dependência em relação a um repertório restrito de
fontes de renda e atividades (por exemplo, a especialização na produção de soja), se encontra
em uma situação de maior vulnerabilidade do que as famílias que apresentam um portfólio mais
amplo de possibilidades de incremento de renda e atividades (por exemplo, a produção de leite,
associada à agro industrialização e a produção para o autoconsumo). Frente a fatores como
clima, doenças e preços, o primeiro grupo familiar apresenta menor margem de manobra para
lidar com a situação de vulnerabilidade, e, portanto, seus meios de vida se encontram
fragilizados e o exercício das capacitações limitados.
Sendo assim, como proposição metodológica à análise dos meios de vida nos
assentamentos rurais em Santana do Livramento, a entrada metodológica orienta-se pela
compreensão do contexto de vulnerabilidade que se dá construção de estratégias de
diversificação dos meios de vida, conforme é esquematicamente apresentado abaixo.
Figura 1 - Construção de estratégias de diversificação dos meios de vida
Fonte: Niederle e Grisa (2008).
A concepção mais ampla da noção de vulnerabilidade se refere à exposição a
contingências e estresse, e à dificuldade de lidar com eles, podendo, assim, ser compreendido
por dois lados sobrepostos, o externo (exógeno) que advêm das situações que provocam o
choque, estresse ou riscos, e o lado interno (endógeno) que é a capacidade de reagir frente às
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situações externas impactantes (CHAMBERS, 2006). A vulnerabilidade também está
relacionada à situações de incertezas que interferem e dificultam o desenvolvimento do grupo
familiar, influenciando nas decisões e na forma de reação a essas situações (MATTE, 2013).
Na perspectiva de ELLIS (2000), diante a exposição a uma situação de vulnerabilidade,
os indivíduos reagem desenvolvendo processos de enfrentamento ou adaptação. As estratégias
de enfrentamento são construídas como resposta à ocorrência de crises e choques (secas,
inundações, queda/aumento de preços, etc.) e que se tornam alternativas momentâneas de
sobrevivência (NIEDERLE, GRISA, 2008). Portanto, são estratégias que visam moderar ou
reduzir os impactos negativos de situações que causam vulnerabilidade, ou promover efeitos
positivos para evitar maiores impactos (MATTE, 2013).
Do outro lado, as estratégias de adaptação envolvem a capacidade dos meios de vida
“evoluírem”, visando adaptar-se às situações de riscos ou mudança, ampliando, com isso, as
possibilidades de lidar com as situações de vulnerabilidade (MATTE, 2013), “antecipando”
possíveis crises e choques (NIEDERLE, GRISA, 2008).
Assim, o contexto de vulnerabilidade é o fio condutor da abordagem metodológica, o
que permite a compreensão de como a vulnerabilidade age sobre os meios de vida das famílias
rurais e como essas desenvolvem estratégias para arquitetar mecanismos de reprodução social.
Seguindo a linha metodológica desenvolvida por Matte (2013), a operacionalização da pesquisa
segue três etapas distintas, porém completares: 1) a identificação a plataforma de ativos internos
e externos que são acessados pelas famílias rurais visando à construção de estratégias de
enfrentamento ou adaptação à vulnerabilidade; 2) a identificação dos fatores de vulnerabilidade
e avaliação de seus impactos sobre as capacitações e meios de vida das famílias; e 3) a
identificação das estratégias criadas e adotadas pelas famílias no enfrentamento ou na adaptação
às situações de vulnerabilidades. Trata-se de desenvolver uma pesquisa em uma perspectiva
multidimensional, combinando diferentes dimensões (econômica, social, cultural, politica,
ambiental) e um amplo número de variáveis.
A obtenção e análise das informações, mediante entrevistas seguindo um roteiro com
questões abertas, fechadas e de múltipla escolha, de caráter qualitativo e quantitativo, deve
contemplar as três etapas anteriormente descritas. Para operacionalizar as etapas 1, 2 e 3
procede-se a construção de blocos constituídos pela plataforma de ativos/capitais, os quais
definem distintos fatores de vulnerabilidade, permitindo, ao mesmo tempo, identificar as
estratégias adotadas de enfrentamento e adaptação.
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Tabela 2 – Fatores de vulnerabilidade organizados em blocos.
A – Terra, solo e vegetação
1 Situação fundiária (área insuficiente, arrendamento, compra terra)
2 Relevo
3 Solo (fertilidade, degradação)
4 Vegetação florestal (uso, reservas legais, APP´s)
5 Plantas “indesejáveis”
6 Vegetação arbustiva
7 Campo nativo
8 Arenização
B – Clima e água
1 Período de verão (seca)
2 Período de inverno
3 Disponibilidade de água para família e sistema produtivo
4 Qualidade da qualidade da água
C – Mercado e processo produtivo
1 Acesso aos mercados de venda dos produtos (falta de mercado,
concentração, exigência)
2 Produção agrícola (sistema produtivo, custos de produção, preços de venda,
doenças, tecnologia, manejo)
3 Produção animal (sistema produtivo, custos de produção, preços de venda,
doenças, tecnologia, manejo
4 Tecnologias produtivas
5 Impostos
D – Fatores sociais
1 Ausência de sucessor
2 Contratação de mão de obra
3 Capacitação da mão de obra
4 Opções de entretenimento (lazer e cultura)
5 Organização social
6 População (idade, gênero, número de membros na família)
7 Acesso à educação
8 Acesso à saúde
E – Infraestrutura e fatores institucionais
1 Acesso ao crédito rural
2 Acesso aos meios de comunicação (celular, telefone fixo)
3 Condições das benfeitorias e equipamentos
4 Condições das estradas
5 Condições de habitação
6 Condições de saneamento
7 Apoio da administração pública municipal
8 Acesso às políticas públicas (programas e projetos)
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9 Presença de cooperativas
10 Presença dos sindicatos
11 Presença pesquisa agropecuária
12 Presença das Universidades
13 Presença da extensão rural
Fonte: Adaptado de Matte (2013).
Na sequência de cada bloco, mediante as questões abertas aplicadas a cada fator do
respectivo bloco, abra-se a possibilidade para os indivíduos manifestarem as estratégias
adotadas para enfrentar ou adaptar-se às situações de vulnerabilidade. Na medida em que se
indica o grau de vulnerabilidade a um determinado fator, procede-se sobre estratégias de
enfrentamento ou adaptação adotadas frente a esta situação.
6. Considerações finais
As mudanças sociais, econômicas, produtivas e ambientais derivadas das
transformações societárias em curso no meio rural da região da Campanha do Rio Grande do
Sul, evidentemente, têm impactado o nos meios de vida das famílias rurais oriundas dos projetos
de reforma agrária. No entanto, o alcance dos impactos dessas mudanças ainda são
desconhecidos, e até certo ponto, incertos devido à imprevisibilidade de suas consequências.
A abordagem dos meios de vida tem sido recorrente e central à análise da transformação
social no mundo rural, definindo nos últimos anos uma importante agenda de pesquisa e
orientando a formulação de políticas públicas em diferentes partes do mundo, ganhando
notoriedade nos últimos anos no Brasil, particularmente na região Sul. Apesar dos avanços da
agenda de pesquisa que têm tratado sobre essa abordagem, essa agenda está longe de ser
esgotada, e ainda são prementes estudos que focam dinâmicas de desenvolvimento rural em
contextos localizados com realidades agrárias multifacetadas.
Nesse sentido, ao se propor a abordagem dos meios de vida para o estudo dos
assentamentos rurais em Santana do Livramento, apresentou-se possibilidade teórico-
metodológicas para análises que possam dar conta de identificar situações multidimensionais
de vulnerabilidade que agem sobre os agricultores familiares, e como esses fazem uso dos ativos
que dispõem para a realização dos seus meios de vida, visando, assim, desenvolver estratégias
de enfrentamento às mudanças de contexto a que estão expostos.
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Assim sendo, é possível perceber, por exemplo, que a dificuldade de enfrentar
determinada situação de vulnerabilidade (geração de renda) tem relação com uma restrição de
acesso a um ativo (especialização produtiva) ou a um conjunto de ativos (estradas + assistência
técnica + acesso à água), o que restringe a realização plena das capacitações na busca por novas
oportunidades a partir dos meios de vida das famílias rurais.
Portanto, as situações de vulnerabilidade sobre as famílias rurais tendem a estar
diretamente relacionadas com a consequente perda de autonomia dos indivíduos, no entanto
esta situação pode variar conforme as características dos meios de vida destes indivíduos ou
grupos familiares. Assim, fortalecer a agricultura familiar implica na mitigação das situações
de vulnerabilidade, sendo a diversificação dos meios de vida uma via importante, permitindo
maiores de chances de oportunidade e liberdade dos indivíduos. O ponto inicial e fundamental,
no entanto, é conhecer os meios de vida e as situações de vulnerabilidade.
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