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0 FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSO EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA WANTUIL LUIZ CÂNDIDO HOLZ Campos dos Goytacazes – RJ, Março de 2006.

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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSO

EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA

CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

WANTUIL LUIZ CÂNDIDO HOLZ

Campos dos Goytacazes – RJ,

Março de 2006.

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WANTUIL LUIZ CÂNDIDO HOLZ

EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA

CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito de Campos, na área de concentração “Po-líticas Públicas e Processo”, como requisi-to parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Doutor LEONARDO GRECO.

Campos dos Goytacazes – RJ,

Março de 2006.

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Dedico o presente trabalho a GRAÇA, mu-lher de inigualável garra; IRINEU, exemplo de dignidade; PAULO, irmão em todas as acepções da palavra; e KARLA, esposa, mulher, amiga, companheira.

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“— Em que Estado, sob que domínio prefi-riríeis viver? — perguntou o conselheiro. — Em qualquer parte que não a minha ter-ra — respondeu o companheiro — e en-contrei muitos siameses, tonquinenses, persas e turcos que diziam outro tanto. — Mas — ainda uma vez disse o europeu —, que Estado escolheríeis? — Respon-deu o brâmane: — Aquele em que apenas se obedecesse às leis. — É uma velha resposta — argüiu o con-selheiro. — E não é má — disse o brâmane”.

(VOLTAIRE)

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RESUMO

Trata-se de Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação, nível de Mestrado, da Faculdade de Direito de Campos, na área de concentração “Políticas Públicas e Processo”, sob orientação do Doutor LEONARDO GRECO, relacio-nado à linha de pesquisa intitulada “Acesso à justiça e direitos fundamentais”. Sob o título “Execução por quantia certa contra a fazenda pública”, o presente trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa doutrinária, jurisprudencial e legislativa, toman-do-se como marco teórico a instituição no Brasil de um Estado Democrático de Direi-to, a ser guiado pelo irrestrito respeito aos direitos fundamentais, por força da atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada pela Assembléia Nacio-nal Constituinte em 05 de outubro de 1988. A temática do acesso à justiça, entendi-do como signo da cidadania, é tratada neste trabalho em sua perspectiva de eficá-cia, analisando-se a perplexa sistemática de execução por quantia certa contra a fazenda pública, consubstanciada no que se convencionou denominar “regime de precatórios”. A Dissertação está estruturada em quatro capítulos, a saber: I) “O Es-tado Democrático de Direito e a necessidade de eficaz acesso à justiça”, onde se demonstra o eficaz acesso à Justiça como requisito intrínseco do Estado Democráti-co de Direito; II) “Teoria geral da execução aplicada à execução por quantia certa contra a fazenda pública”, onde é abordada a teoria geral da execução, com foco direcionado à execução contra a fazenda pública; III) “Procedimento de execução por quantia certa contra a fazenda pública”, onde são analisadas as regras positiva-das acerca da execução contra a fazenda pública, com delimitação à execução por quantia certa; e, IV) “O contexto atual e os possíveis caminhos para a eficácia da execução por quantia certa contra a fazenda pública”, onde é demonstrada a não eficácia do atual sistema de execução por quantia certa contra a fazenda pública, bem como a não aplicação das possíveis medidas coercitivas, tais como a interven-ção nos entes federados, adentrando, ainda, pela análise a teoria da reserva do possível, encerrando com alternativas para uma maior eficácia da atuação jurisdicio-nal na execução por quantia certa contra a fazenda pública. A construção teórica tem por premissas a instituição do Estado Democrático de Direito e a prevalência dos direitos fundamentais da pessoa humana, com base no pressuposto de que é na relação dialética entre seus elementos que se possibilita o significativo desiderato constitucional de eficácia do acesso à justiça, em particular, no que se refere à exe-cução por quantia certa contra a fazenda pública. Palavras-chave: Execução por quantia certa; Fazenda pública; Estado Democrático de Direito; Direitos fundamentais; Eficaz acesso ao judiciário.

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ABSTRACT

It is Dissertation of Master presented to the Program of Masters degree, level of Mas-ter, of the Faculdade de Direito de Campos, in the concentration area “Public Politics and Process”, under orientation of the Doctor Leonardo Greco, related to the line of entitled research “Access to the Justice and Human Rights.” Under the title “Execu-tion for right quantity against Public Finance”, the present work was developed by means of research doctrine, judicial decisions and legislative, being taken as theo-retical mark the institution in Brazil of a Democratic State of Right, to be guided by the unrestricted respect to the Human Rights, for force of the current Constitution of the Republic Federation of Brazil, promulgated by the Constituent National Assembly on October 05, 1988. The thematic of the Access to the Justice, expert as sign of the citizenship, it is treated in this work in its perspective of effectiveness, being analyzed the perplexed systematic of execution for right quantity against Public Finance, with foundation in the one that it stipulated to denominate regime de precatórios. The Dis-sertation is structured in four chapters, to know: I) “The Democratic State of Right and the need of effective Access to the Justice”, where the effective access is dem-onstrated to the Justice as intrinsic requirement of the Democratic State of Right; II) “General Theory of the Execution applied to the execution by right quantity against Public Finance”, where the general theory of the execution is approached, with focus addressed to the execution against Public Finance; III) “Execution procedure for right quantity against Public Finance”, where they are analyzed the legislated rules con-cerning the execution against Public Finance, with concentrate to the execution for right quantity; and, IV) “The current context and the possible roads for the effective-ness of the execution for right quantity against Public Finance”, where the non effec-tiveness of the current execution system is demonstrated by right quantity against Public Finance, as well as the non application of the possible coercive measures, such as the intervention in the federated entities, penetrating, still, for the analysis the theory of the reservation of the possible, containing with alternatives for a larger ef-fectiveness of the performance judicial in the execution for right quantity against Pub-lic Finance. The theoretical construction has for premises the institution of the De-mocratic State of Right and the superiority of the Humans Rights, with base in the presupposition that it is in the relationship among its elements that the significant constitutional desideratum of effectiveness is facilitated of the Access to the Justice, in particular, in what it refers to the execution for right quantity against Public Fi-nance. Key-words: Execution for money; Public Finance; Democratic State of Right; Fun-damental Rights; Effective Access to the Judiciary.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................8 CAPÍTULO I � ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E ACESSO A JUSTIÇA....10 1.1. A Carta Constitucional brasileira de 1988.......................................................10 1.2. O significado de Estado Democrático de Direito ............................................12 1.2.1. Estado de Direito ............................................................................................13 1.2.2. Os pilares do Estado de Direito ......................................................................17 A. Princípio da Legalidade ..................................................................................17 B. Princípio da Segurança Jurídica.....................................................................19 C. Princípio do Acesso a Justiça.........................................................................21 1.2.3. Estado Democrático .......................................................................................22 1.3. Responsabilidade Estatal e Eficaz Acesso à Justiça......................................24 1.3.1. Responsabilidade civil do Estado ...................................................................24 1.3.2. Eficaz Acesso ao Judiciário ............................................................................25 CAPÍTULO II � TEORIA GERAL DA EXECUÇÃO APLICADA À EXECUÇÃO

POR QUANTIA CERTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA ............................29 2.1. Jurisdição e Processo.....................................................................................29 2.2. Jurisdição Executiva .......................................................................................32 2.2.1. Cognição e Execução.....................................................................................32 2.2.2. Conceito e Finalidade da Execução ...............................................................33 2.2.3. Execução contra a Fazenda Pública: Natureza Jurídica ................................34 2.2.4. Autonomia da Execução.................................................................................36 2.3. Histórico da Execução contra a Fazenda Pública no Brasil............................38 2.4. Requisitos da Execução .................................................................................42 2.4.1. O Título Executivo ..........................................................................................42 A. Requisitos do Título Executivo .......................................................................46 B. Espécies de títulos executivos........................................................................47 2.4.2. Liquidação de sentença..................................................................................48 A. Liquidação por arbitramento ...........................................................................50 B. Liquidação por artigos ....................................................................................50 C. Liquidação por memória discriminada de cálculo ...........................................51 2.4.3. Condições da Ação Executiva ........................................................................52 A. Interesse de agir .............................................................................................52 B. Legitimidade ...................................................................................................53 C. Possibilidade jurídica do pedido .....................................................................54 2.5. Execução provisória .......................................................................................54 CAPÍTULO III � PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA

CONTRA A FAZENDA PÚBLICA ...................................................................57 3.1. Procedimento diferenciado: Imunidade patrimonial........................................57 3.2. A previsão constitucional da execução por quantia certa contra a Fazenda

Pública............................................................................................................59 3.3. O procedimento de lege lata...........................................................................61 3.3.1. Citação e embargos da Fazenda Pública .......................................................61 3.3.2. Requisição de pagamento (Precatórios).........................................................65 3.3.3. O procedimento de pagamento de precatórios...............................................68 A. Obrigações Alimentares .................................................................................68 B. Obrigações de pequeno valor e proibição de fracionamento dos precatórios 69

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C. O pagamento dos precatórios: Ordem cronológica, inclusão orçamentária, liquidação e seqüestro de verbas ...................................................................71

D. Atualização monetária e juros do precatório judicial.......................................74 E. Prescrição do débito fazendário .....................................................................77 3.4. Execução por quantia certa em Mandado de Segurança...............................80 3.5. Execução de tutela antecipada.......................................................................81 3.6. Sanções pelo descumprimento do pagamento de precatórios .......................82 3.6.1. Sanções sobre o responsável pelo descumprimento .....................................82 Intervenção na entidade pública devedora................................................................83 CAPÍTULO IV � O CONTEXTO ATUAL E OS POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A

EFICÁCIA DA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. .......................................................................................................86

4.1. O contexto atual e a atuação do Judiciário e do Legislativo ...........................86 4.2. A Teoria da Reserva do Possível ...................................................................91 4.3. Propostas de lege ferenda para a eficácia do processo de execução contra a

Fazenda Pública.............................................................................................94 CONCLUSÃO............................................................................................................99 REFERÊNCIAS.......................................................................................................103

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INTRODUÇÃO

A aversão ao autoritarismo, em razão do abuso intolerável dos monarcas, fez

nascer teorias acerca da existência de direitos fundamentais inerentes à pessoa hu-

mana que estariam acima da vontade absoluta do soberano. A descoberta desses

direitos fundamentais desmistificou a divindade dos governantes, de forma que o

Estado deixou de servir ao monarca e passou a ser visto como instrumento a serviço

da sociedade, ainda que de forma incipiente. A até então tradicional sujeição “sobe-

rano – súdito” começa a ser substituído pela relação “estado – cidadão”.

Com o amadurecimento da consciência dos súditos e o aumento da insatisfa-

ção para com as arbitrariedades que advinham da utilização abusiva dos que deti-

nham o poder, viu-se eclodir a instauração do que convencionou denominar de “Es-

tado Democrático de Direito”. Nessa forma de Estado, o Poder está condicionado à

lei, que deve ser produzida pelos representantes do povo, o que lhe confere legitimi-

dade, uma vez que o uso do poder, aqui, só se justifica para o bem da coletividade.

Como garantia de que os titulares do Poder conduziriam suas atividades no

esteio da legalidade, um dos postulados regentes do Estado Democrático de Direito,

surge a necessidade de um órgão com poder de controle, corrigindo ou evitando as

distorções e impondo sanções. No Brasil, onde, por força da Carta Política de 1988,

há instituído um Estado Democrático de Direito, cabe ao Poder Judiciário controlar a

legalidade da Administração Pública, com zelo e independência.

Temos no artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição da República, o princípio da

inafastabilidade do controle jurisdicional, também denominado de amplo acesso a

justiça. Esse princípio assegura a todo aquele que se achar lesado ou ameaçado em

seus direitos o acesso ao judiciário, a fim de resgatá-los ou mantê-los, não podendo

a lei restringir esse acesso. À essa prerrogativa constitucional dos cidadãos corres-

ponde o dever do Estado de prestar uma tutela jurisdicional não apenas formal, mas

verdadeiramente eficaz.

A atividade jurisdicional deve ser eficaz, devendo ir para além da construção

in causu do comando normativo, de modo a garantir sua aplicação no mundo fático,

ou seja, deve fazer com que a decisão ultrapasse as portas do judiciário para erradi-

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ar efeitos práticos no âmbito da sociedade. O cidadão, ao bater às portas do judiciá-

rio, não pretende ter em mãos uma sentença favorável, pretende sim ter a entrega

do bem da vida do processo. Por outro lado, ser condenado e não sofrer os efeitos

práticos da condenação é o mesmo que não ser condenado. A não aplicação prática

da norma jurídica tem o mesmo efeito maléfico de sua inexistência. Essa aplicação

prática da norma concreta é o objeto da execução, assim, o processo de execução

figura como pedra angular na eficaz atuação do judiciário.

No sistema brasileiro, quando a Administração Pública comete determinada

ilegalidade, resultando prejuízo financeiro a um particular, ou mesmo em casos de

responsabilização por danos cometidos por seus agentes, no exercício da atividade

pública, por provocação, o judiciário passa anos movimentando sua gigantesca e

cara estrutura para, ao final de tamanho esforço, em sendo o caso, condenar a Ad-

ministração Pública ao pagamento de prestação pecuniária ao lesado. Ocorre que,

diferentemente de todos os demais procedimentos executivos, a execução por quan-

tia certa contra a Fazenda Pública não contempla atos expropriatórios, limitando-se

a expedição de ofício requisitando o pagamento, sistema esse conhecido por preca-

tórios. Em razão desse regramento, de base constitucional, o cumprimento da sen-

tença pecuniária depende da atuação voluntária da Administração Pública. Trata-se

de uma armadura ao patrimônio público, garantido pela impenhorabilidade absoluta

de seus bens e verbas.

As conseqüências desse paradoxal sistema, que ao mesmo tempo em

que responsabiliza a Fazenda Pública lhe confere imunidade patrimonial, constitui

objeto do presente estudo, que se faz dentro de um contexto de perspectiva de efi-

cácia das garantias fundamentais, do Estado Democrático de Direito e da dignidade

da justiça, tomando como premissa o fato de que é na relação dialética desses insti-

tutos que se alcançará o tão desejado acesso à ordem jurídica justa.

Faz-se uma ressalva acerca da recente edição da Lei 11.232, de

22.12.2005, que estabeleceu uma série de alterações no sistema de execução fun-

dada em título judicial, bem como no procedimento de liquidação de sentença. Limi-

tou-se esse trabalho a fazer algumas ponderações acerca da citada lei, se abstendo

de uma profunda análise acerca de todas as possíveis implicações que trará à exe-

cução por quantia certa contra a Fazenda Pública, tendo em vista que, até mesmo

em razão de ainda estar em sua semestral vacatio legis, haver muitas incertezas.

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CAPÍTULO I

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E ACESSO A JUSTIÇA

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05

de outubro de 1988, em seu artigo 5°, inciso XXXV, prevê expressamente o princípio

do acesso à justiça. Tal princípio decorre do Estado Democrático de Direito, de tal

forma que ainda que inexistisse dispositivo expresso na Carta Magna, estaria implici-

tamente presente no texto constitucional.

1.1. A Carta Constitucional brasileira de 1988

O constituinte de 1988 foi bastante receptivo ao ideário de garantia dos

direitos fundamentais do homem e, conseqüentemente, preocupado com a organi-

zação de um Estado Democrático de Direito, razão pela qual esses dois standards

tornaram-se o paradigma da Carta promulgada em 05 de outubro de 1988.

O objetivo era pôr um definitivo fim ao Estado burocrático-autoritário

que vigia no Brasil desde o golpe militar, perdurando em parte ou completamente

durante as décadas de 1960, 1970 e 1980,1 com a finalidade de resgatar a pretérita

democracia e legalidade anunciada na Constituição de 1946.

A preocupação legalista-democrática era justificada, tendo em vista o

contexto político em que se inseria o Brasil. Os governos militares se mostraram ex-

tremamente autoritários e despreocupados com os direitos fundamentais. O desdito-

so Ato Institucional n° 05, de 13.12.1968, por exemplo, dava ao então presidente

Costa e Silva, bem como aos que lhe sucederam nos dez anos de vigência, poderes

absolutos; nas mãos do presidente passava-se a encontrar poderes como o de de-

cretar o fechamento do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e Câma-

ras de Vereadores; cassação de mandatos; suspensão de direitos políticos de qual-

quer pessoa; suspensão de garantias próprias da magistratura, como a vitaliciedade

e inamovibilidade. Tão grande era o autoritarismo, que chegou a ponto de suspender

1 MORAIS, José Luis Bolzan de. O Brasil pós-1988. Dilemas do/para o estado constitucional. In:

SACFF, Fernando Facury. Constitucionalizando Direitos: 15 Anos da Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 101.

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o Habeas Corpus, em caso de crime político contra a segurança nacional, dentre

outros.2

Como se não bastasse, o AI-5 foi “constitucionalizado” com a Emenda

de 1969 (à Constituição de 1967) que, em seus artigos 181 e 182, excluiu da apreci-

ação do Poder Judiciário todos os atos emanados do comando militar da revolução

de 1964.3

Pondo fim à transição política, em 05.10.1988, foi promulgada a atual

Constituição da República Federativa do Brasil. A partir de então, há uma redefinição

jurídica do Estado brasileiro, representando a ruptura com os regimes autoritaristas,

vigentes de 1964 a 1985, para instituição de um Estado Democrático de Direito,

comprometido com os direitos fundamentais da pessoa humana,4 conforme já se

observa em seu preâmbulo e em seu primeiro dispositivo, in verbis:

Preâmbulo

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supre-mos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.

Título I – Dos Princípios Fundamentais

Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a ci-dadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do tra-balho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político [Grifamos].

A simples leitura do texto constitucional, sem a menor necessidade de

artifícios da hermenêutica, já nos revela o seu comprometimento com os direitos

fundamentais da pessoa humana, que passam a servir de vetor de orientação de

toda a sociedade brasileira, desde os legisladores, passando por juristas e autorida-

des públicas, até a sociedade como um todo.5

JORGE MIRANDA, em referência à Constituição da República Federativa

do Brasil, ressalta que “diversamente de todas as anteriores Constituições, a de 2 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.

136. 3 A norma citada, imposta coercitivamente, era flagrantemente inconstitucional, tendo em vista a ilegi-

timidade de quem modificou a Constituição, a violação a direitos e garantias fundamentais, bem como a infringir norma supralegal do direito de ação.

4 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 328. 5 MORAIS. Constitucionalizando Direitos, ob. cit., p. 111.

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1988 ocupa-se dos direitos fundamentais com prioridade em relação as demais ma-

térias”.6

Materializando toda a argumentação formulada até aqui, tem-se a con-

sagração no texto constitucional de 1988 dos princípios da democracia e da legali-

dade (art. 1°); mais à frente, dentre os direitos e garantias fundamentais, prevê a

Magna Carta o princípio do acesso ao judiciário (art. 5°, inc. XXXV); este último se

fazendo corolário da existência e permanência dos dois primeiros. Como se vê, o

Constituinte de 1988 estava preocupado em reestruturar a sociedade brasileira, de

modo a dotá-la de um ordenamento jurídico voltado para implementação e garantia

do futuro, e não para a conservação do passado.7

Deveras criticada como prolixa, o aparato constitucional em vigência,

com a amplitude de seu texto, nada mais fez do que o necessário para fixar plena-

mente os alicerces democráticos do novo Estado brasileiro, haja vista a infeliz cons-

tatação de que o Brasil não pode confiar em sua tradição democrática. LUIZ ALBERTO

DAVI ARAÚJO acentua que temos que parar de reclamar da extensão e passarmos a

aplicar a Constituição; em 1988 começamos um estado juridicamente novo, com no-

vos valores; é um texto longo, prolixo, detalhado, mas de esperança, pois instaurou

um Estado Democrático no Brasil.8

E foi por garantir a prevalência dos direitos humanos, estabelecendo a

democracia e a legalidade, bem como a garantia de acesso ao judiciário, que Ulys-

ses Guimarães, então presidente da Assembléia Nacional Constituinte, por oportuni-

dade de sua promulgação, em 05.10.1988, adjetivou nossa Magna Carta de “Consti-

tuição Cidadã”.

1.2. O significado de Estado Democrático de Direito

Da expressão Estado Democrático de Direito retiram-se dois conceitos

distintos, contudo, plenamente conciliáveis: Estado Democrático e Estado de Direito.

A reunião dos dois conceitos, segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA, implica num novo

6 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.150. 7 MORAIS. Constitucionalizando Direitos: 15 Anos da Constituição Brasileira de 1988, ob. cit., p.

105. 8 ARAÚJO, Luiz Alberto Davi. Palestra. III Jornada de Direito: Hermenêutica Constitucional. Realiza-

da no auditório da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – Facisa (Centro de Ensino Superior do Extremo Sul da Bahia - CESESB), em 27.04.2005.

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conceito, mais amplo, na medida em que “agrega um comportamento revolucionário

de transformação do status quo”.9

1.2.1. Estado de Direito

As nações são dirigidas por homens e, em razão da natural inclinação

autoritarista inerente ao ser humano, é que não se pode deixá-los livres na condu-

ção do governo. Torna-se necessário, portanto, criar amarras capazes de obrigar os

governantes a seguirem um projeto previamente estabelecido. Esse papel cabe ao

ordenamento normativo.

Um governo, um Estado, só se justifica se for para melhor ordenação e

desenvolvimento dos homens. Só que os homens, deixando-se influenciar por sen-

timentos egoístas, não compreendem esse papel, o qual desvirtuam para atendi-

mento único e exclusivo de seu próprio eu. Interessante se faz trazer à baila o pen-

samento de FRANCESCO CARNELUTTI, inserido em sua pequena grande obra “Arte do

Direito”, onde identifica esse egoísmo como a ausência de amor entre os homens.

Segundo esse jurista italiano, o Estado seria como o arco de uma ponte que, para se

tornar sólido, precisa antes de um serviço de engenharia capaz de lhe propiciar a-

marras suficientes para sustentá-los provisoriamente, até que delas não mais neces-

site para que o arco da ponte mantenha-se erguido. Em suas palavras, CARNELUTTI

afirma que “O Direito é a armadura do Estado. Enquanto a força interior faltar, ou,

sinceramente, enquanto o amor faltar, estará em perigo a vida do Estado sem Direi-

to, como a existência de um arco sem armadura”.10

Durante muito tempo, as civilizações mantiveram-se sob comandos ar-

bitrários e imponentes de governantes tidos como soberanos. Como reação à arbi-

trariedade dos soberanos, as Constituição burguesas inauguram o Estado de Direito,

com o objetivo fundamental de assegurar a legalidade, de modo a tornar o Estado, e

conseqüentemente os governantes, submissos ao ordenamento jurídico que, criado

pelos representantes do povo, tem o condão de assegurar o poder desse.

9 SILVA, José Afonso. Estado Democrático de Direito. In: Revista Forense. Rio de Janeiro, ano 85,

vol. 305, jan.-mar.1989, p. 45. 10 CARNELUTTI, Francesco. Arte do Direito. Tradução de Febe A. M. C. Marenco. Campinas: Edi-

camp, 2003, p. 12.

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O Estado de Direito, contudo, vai mais além do que mera sujeição à

lei.11 Para caracterização do Estado de Direito, portanto, necessário se torna a pre-

sença de determinadas características. JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO identifica

dimensões materiais e formais do princípio do Estado de Direito; dentre as primeiras

estão: a juridicidade, a constitucionalidade e os direitos fundamentais; dentre os for-

mais estão: supremacia da Constituição, divisão de poderes, legalidade na Adminis-

tração Pública, independência dos tribunais, e, a garantia da proteção jurídica.12

JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO, por sua vez, coloca a primazia da

lei, o controle de constitucionalidade, a legalidade da Administração Pública e a se-

paração de poderes como temas fundamentais para a continuidade e estabilidade

do Estado de Direito.13

Vejamos, portanto, alguns dos principais elementos que dão densidade

ao conceito Estado de Direito.

A juridicidade seria a conformação das estruturas do poder político e a

organização da sociedade segundo a medida do Direito, entendido como o “meio de

ordenação racional e vinculativa de uma comunidade organizada”,14 no qual se es-

tabelecem normas, prescrevem-se procedimentos e criam-se instituições. Intrínseco

à juridicidade está, ainda, a dimensão subjetiva do Direito, entendida como o catálo-

go de direitos, liberdades e garantias individuais, perante o Estado e os demais indi-

víduos, não apenas de forma negativa, mas também positiva. Ao Estado de Direito

deve estar, ainda, referenciado uma idéia de justiça, à qual é inerente a justiça social

promovida pelo Estado.

O Estado de Direito pressupõe, ainda, a existência de uma Constitui-

ção, que estruture uma ordem normativa vinculativa de todos os poderes públicos,

inclusive o próprio legislador e todos os atos do Estado, conferindo-lhes forma e me-

dida. A Constituição não deve ser vista como mais uma lei dentro de um sistema

normativo, e sim como o ápice, o anteplano do complexo normativo-estatal, tal como

idealizado na consagrada pirâmide kelsiana. Trata-se da supremacia da constituição,

11 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. O devido processo legal e a responsabilidade do Estado por dano de-

corrente do planejamento. In: Revista de Direito da Procuradoria Geral. Rio de Janeiro: Centro de Estudos Jurídicos. n. 56, 2002, p. 180.

12 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Al-medina, 2003, p. 243 et. seq.

13 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 70.

14 CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, op. cit., p. 243.

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15

onde o Estado de Direito pode encontrar uma primeira e decisiva expressão do Pri-

mado do Direito.15

A estrutura do Estado de Direito deve conter, ainda, uma base antropo-

lógica, constituída por um sistema assecuratório dos direitos fundamentais da pes-

soa humana.

A formulação teórica do Estado de Direito foi posterior a criação da teo-

ria dos direitos fundamentais da pessoa humana. Sem dúvida, o Estado de Direito se

faz conseqüência, inicialmente, da proteção dos chamados direitos de primeira gera-

ção, inerentes aos direitos civis e políticos, que nada mais são do que postulados

normativos de limitação da atuação estatal frente a esfera individual dos cidadãos.

Mas essa base ontológica dos direitos humanos não se limita aos direi-

tos civis e políticos. Acentua NORBERTO BOBBIO que “O elenco dos direitos do ho-

mem se modificou, e continua a se modificar”.16 Contemporaneamente, verifica-se a

existência de cinco “dimensões”17 de direitos, a saber: 1ª Dimensão – Direitos Civis e

Políticos, 2ª Dimensão – Direitos Sociais, Culturais e Econômicos, 3ª Dimensão –

Direitos Coletivos e Difusos, 4ª Dimensão – Direitos da Bioética, e, 5ª Dimensão –

Direitos Virtuais.18

Também devemos destacar o princípio da igualdade que, segundo LÚ-

CIA VALLE FIGUEIREDO, se faz “mola propulsora do Estado de Direito”;19 para a autora

o exercício da função administrativa sem o reconhecimento desse princípio se torna-

ria sem sentido, pois, somente respeitando o princípio da igualdade se concebe es-

tar a Administração debaixo da lei.

Também inerente ao Estado de Direito é a separação de poderes. O

objetivo deste instituto é a estruturação de uma justa e adequada organização das

15 CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, op. cit., p. 245-246. 16 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:

Campus, 1992, p. 18. 17 PAULO BONAVIDES critica a consagrada expressão “gerações de direitos”, decorrente, segundo ele,

de “um eventual equivoco de linguagem”. O correto, na visão de Bonavides, seria a expressão “di-mensões de direitos”, tendo em vista que o termo “geração” vem a induzir uma sucessão cronológi-ca, dotada de uma caducidade entre as “gerações” que, em verdade, não existe (BONAVIDES, Pau-lo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 525).

18 WOLKMER, Antônio Carlos. Novos Pressupostos para a Temática dos Direitos Humanos. In: RÚ-BIO, David Sánchez; FLORES, Joaquín Herrera; CARVALHO, Salo de (Organizadores). Direitos Humanos e Globalização: Fundamentos e Possibilidades desde a Teoria Crítica. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p. 3-19.

19 FIGUEIREDO. O devido processo legal e a responsabilidade do Estado por dano decorrente do planejamento, op. cit., p. 184.

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16

funções estatais, tendentes à limitação recíproca do poder, baseada na teoria do

checks and balances.

Locke foi o primeiro a ressaltar a utilidade de uma separação de pode-

res, todavia, não conseguiu desenvolver uma teoria com clareza suficiente. Coube a

Montesquieu20 a estruturação da teoria da separação dos poderes em seus caracte-

res modernos.21

Condenando os regimes autocráticos e absolutistas, Montesquieu defi-

niu bem a idéia de que com a concentração dos poderes em mãos de um só titular, a

liberdade pública estará em perigo. A idéia central dessa teoria se baseia na des-

concentração de poderes como fator para propiciar a liberdade dos cidadãos, em

outras palavras, as funções estatais devem estar dividas entre vários titulares, evi-

tando-se com isso a concentração em mãos de uma só pessoa, mas não apenas

isso, em cada área de atividade nenhum de seus titulares poderia estar em posição

superior aos seus pares. Trata-se da independência e igualdade entre todos os titu-

lares do poder.

Inicialmente, houve um equívoco na aplicação da teoria da separação

de poderes, na medida em que se estruturou numa rígida divisão das funções esta-

tais: legislativa, executiva e judiciária, de tal modo que cada uma fosse confiada a

um único segmento do Estado e que jamais poderia haver a comunicação entre mais

de uma dessas funções nas mãos de um só setor.

Como expõe BARACHO, essa rigidez inicial não provém de Locke ou

Montesquieu, mas de um equívoco na interpretação e aplicação da teoria montes-

quiana que, oriunda da observação in loco do que se passava na Inglaterra, havia

verificado que aquele sistema se consubstanciava numa constante e estreita colabo-

ração entre os poderes.22

Por tanto, a separação de poderes não importa em absoluta distinção

em poderes executivo, legislativo e judiciário, e sim numa especificação de funções,

de modo que nenhum titular de função estatal esteja em posição superior aos de-

20 A teoria formulada por Montesquieu não derivou de especulações abstratas, mas de uma observa-

ção in loco da prática vivenciada pela monarquia inglesa, analisando a estrutura bicameral do Par-lamento Britânico (A Câmara da nobreza e a Câmara dos comuns) bem como a distribuição de po-deres entre órgãos do legislativo e do governo, a partir da Revolução de 1688, com o objetivo de li-mitar os poderes da coroa.

21 BARACHO. Processo Constitucional, op. cit., p. 31-32. 22 Ibid., op. cit., p. 29-30.

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17

mais. Em razão disso é que há quem prefira dizer separação de funções, ao invés

de poderes.

A rigidez da separação de poderes é incompatível e incompreensível

na dinâmica da sociedade contemporânea, onda cada uma das esferas do poder

acaba desempenhando funções que, inicialmente, não seriam suas;23 uma rigidez

excessiva na divisão das atribuições estatais resultaria num engessamento tal que

inviabilizaria a própria atuação estatal. Ao contrário, a mitigação da separação de

funções é fator de auxílio no controle do poder pelo poder, a exemplo da indicação

dos ministros do Supremo Tribunal Federal pelo Presidente da República e o julga-

mento desse, em crimes de responsabilidade, pelo Senado Federal.

O que importa hoje não é se o juiz apenas julga, o administrador ape-

nas administra e o legislador apenas legisla, e sim se o que cada órgão faz pode ser

feito e se é feito de forma legítima, num contexto de ordenação “controlante-

cooperante de funções”.24

1.2.2. Os pilares do Estado de Direito

Embora, como visto, o Estado de Direito exija uma densidade que vai

além da submissão do Estado ao ordenamento jurídico, tem-se como seu cerne a

Legalidade. Ao lado da legalidade, se revelam como pedra angular do Estado de

Direito a segurança jurídica e o acesso ao Judiciário.

A. Princípio da Legalidade

Mais do que mera determinação normativa constitucional, a legalidade

eleva-se à categoria de princípio, tendo em vista seu elevado caráter valorativo.

“Confere-lhe vida e dinamicidade, porquanto o conteúdo jurídico, por força de sua

natureza valorativa, transcende o mera e esparsante ‘positivado’. Neste caso, a lega-

lidade faz as vezes de valiosíssimo princípio”.25

23 BASTOS. Curso de Direito Constitucional, op. cit., p. 159. 24 CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, op. cit., p. 251. 25 FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais. 2 ed.

São Paulo: Malheiros, 1999, p. 60.

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18

Os Princípios são a estrutura de um ordenamento jurídico, os alicerces

sobre as quais este é construído. Leciona CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO que

princípio é o “mandamento nuclear de um sistema”, a “disposição fundamental que

se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério

para sua exata compreensão e inteligência”, definindo a lógica do sistema jurídico.26

Nesse sentido, violar a legalidade seria como violar a viga mestra do Estado de Di-

reito.

Entre o Estado de Direito e o princípio da legalidade existe uma estreita

e inseparável ligação. Segundo JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “No Estado de Di-

reito, todos poderes sujeitam-se à lei. Qualquer intromissão na esfera jurídica das

pessoas deve, por isso mesmo, justificar-se, o que caracteriza o Estado de Direito

como rechtsfertigender Staat, como ‘Estado que se justifica’”.27

“O Princípio da Legalidade, com todas suas implicações, é próprio do

Estado de Direito”,28 tendo sido erigido à dignidade de garantia fundamental pelo

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.29

Está previsto no rol de direitos e garantias fundamentais da Magna

Carta (art. 5º, II), in verbis: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo

senão em virtude de lei” e está agasalhado, ainda, pela disposição constitucional

prevista no art. 37, caput, não obstante sua previsão em outros dispositivos da Carta

Política de 1988.

O princípio da legalidade dá uma conotação de submissão do poder

público à lei. Enquanto o particular tem a liberdade de fazer tudo o que a lei não pro-

ibir, a Administração Pública tem o dever de apenas fazer o que a lei determinar. A

legitimidade do ato público, portanto, não se baseia no que não está defeso em lei,

mas sim no que está prescrito em lei.

Podemos dizer que os particulares regem-se pela autonomia da vonta-

de; o agente público, pela subsunção da vontade.30

26 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo: Ma-

lheiros, 2002, p. 807-808. 27 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Motivação das Decisões Judiciais como Garantia Inerente ao

Estado de Direito. In: Temas de Direito Processual. 2ª série. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 89. 28 BRANDÃO, Cláudio. Introdução ao Direito Penal: Análise do sistema penal à luz do Princípio da

Legalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 69. 29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1ª T. Recurso Extraordinário n° 118.655/SP. Relator: Minis-

tro Ilmar Galvão. Brasília: STF, J.: 30.06.1992. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 27.08.2005.

30 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 68.

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19

Em razão do princípio da legalidade é que se afirma que o poder da

Administração é um “poder-dever”, ou seja, o poder conferido ao Estado não cami-

nha sem o dever de cumprir a finalidade da lei.

Para DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, a Administração Pública está

na condição de outorgada de poderes conferidos pelo Direito, e, por essa razão,

como qualquer procurador, só deve agir nos limites dos poderes outorgados, com

um gravame, “o exercício do poder outorgado tem sua validade duplamente vincula-

da: à lei, que o cria, e à finalidade, que o justifica”.31

A regra básica é a autonomia da vontade, não a vontade de quem de-

tém o poder, mas do dono do poder. O dominus do poder é o povo, e o poder está

previsto na lei; o administrador público é o mandatário dos poderes do povo, e deve

agir como tal, ou seja, de acordo com o que manda a lei. O administrador é um servo

da lei, a ela deve total obediência.32

Quando o administrador público age em descompasso com a finalidade

legal, ele estará agindo com “abuso de poder”, ou seja, utilizará os poderes adminis-

trativos de forma ilegítima e anormal. O abuso de poder pode ser verificado de duas

formas: 1) sob “excesso de poder”, quando o agente público exorbita sua competên-

cia, agindo fora de suas atribuições; e, 2) sob “desvio de finalidade”, quando o agen-

te público atua no limite de suas atribuições, mas desvia-se do fim previsto em lei.

Tanto faz inexistir qualquer interesse público como o interesse público ser diverso da

norma que determinou a realização do ato administrativo, ter-se-á a ilegalidade.

Seja qual for a forma de desvio de poder, o ato será nulo por vício de

legalidade, impondo sua anulação, pela própria Administração ou pelo poder judiciá-

rio, inclusive.

B. Princípio da Segurança Jurídica

Em todas as suas ações, o homem sempre quer, precisa, escolhe e

busca a segurança, desejando sempre uma vida estável e sem preocupações. Uma

31 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Discricionariedade: Novas Reflexões

sobre os Limites e Controle da Discricionariedade. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 21-22. 32 YUNES JÚNIOR, Faissal. O Controle do Ato Administrativo e o Estado de Direito. In: Cadernos de

Direito Constitucional e Ciência Política. Ano 7, n. 29. São Paulo: Revista dos Tribunais. Out./Dez., 1999, p. 121.

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20

das seguranças indispensáveis à tranqüilidade humana, sem dúvida, é a certeza de

suas relações jurídicas.

Quando a Constituição Federal assegura a todos o direito à segurança

(artigo 5°, caput), está a assegurar não apenas a segurança pessoal e patrimonial,

mas também, e principalmente, a segurança jurídica.33

A segurança nas relações jurídicas é um valor que deve ser buscado

pelo ordenamento positivo, constituindo poderoso fator de paz social; isso porque a

certeza de uma decisão que confirme a pretensão de alguém em detrimento de ou-

trem significa, para ambos litigantes, o final das incertezas que os mantinham em

profunda angústia.34

O direito tem por finalidade a realização da justiça, dentro da qual está

a segurança na estabilidade das relações sociais. A estabilidade e a eficácia da or-

dem jurídica é indissociável do valor justiça. Por isso dizer que “a segurança jurídica

é o valor funcional do direito”.35

PAULO DE BARROS CARVALHO defende o caráter bidirecional passa-

do/futuro no que tange ao princípio da segurança jurídica, assim o descrevendo:

Um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimen-to de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta. Tal sentimento tranqüiliza os cidadãos, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas do direito se realiza. Concomitan-temente, a certeza do tratamento normativo dos fatos já consumados, dos direitos adquiridos e da força da coisa julgada, lhes dá a garantia do passa-do. Essa bidirecionalidade passado/futuro é fundamental para que se esta-beleça o clima de segurança das relações jurídicas. 36

CANOTILHO anota que o princípio da segurança jurídica está estreita-

mente vinculado ao princípio da proteção da confiança, sendo ambos elementos

constitutivos do Estado de Direito. Segundo o mestre lusitano, a segurança jurídica

está associada aos elementos objetivos da ordem jurídica (orientação e realização

do direito), ao passo que a proteção da confiança está vinculada ao componente

subjetivo (previsibilidade dos cidadãos); a junção desses dois daria ensejo ao “prin-

33 GRECO, Leonardo. Eficácia da Declaração Erga Omnes de Constitucionalidade ou Inconstituciona-

lidade em relação à Coisa Julgada Anterior. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Problemas de Proces-so Judicial Tributário. 5 vol. São Paulo: Dialética, 2002, p.

34 DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 223. 35 GONÇALVES, William Couto. Garantismo, Finalismo e Segurança Jurídica no Processo Judici-

al de Solução de Conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 70. 36 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002,

p.146.

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cípio geral da segurança jurídica”, que se resume no direito do indivíduo de confiar

que os atos ou decisões públicas acerca dos direitos individuais estarão pautados

em normas jurídicas vigentes e válidas.37

C. Princípio do Acesso a Justiça

A triste e assombrosa realidade nos revelam a lamentável constatação

de que não se pode confiar cegamente nas instituições governamentais. A não con-

fiabilidade impõe a existência de mecanismos de controle da atuação dos órgãos

estatais.

Não basta a idealização da legalidade, e conseqüentemente da segu-

rança jurídica, é necessário ao Estado de Direito a submissão de todos, inclusive do

próprio Estado, a um controle, que as constituições têm reservado à jurisdição. Po-

de-se lançar mão da já utilizada expressão “sino sem badalo”, para definir Estado de

Direito sem controle jurisdicional.

Necessário se faz um órgão capaz de controlar a legalidade, protegen-

do a liberdade individual, e, por conseqüência, as liberdades públicas. Sem entrar na

ceara de discussão se o ideal é o controle pelo judiciário ou por um contencioso ad-

ministrativo, o fato é que deve haver controle jurisdicional sobre os atos do Estado.

ANA PAULA BARCELLOS é incisiva nesse sentido: “Além da submissão à

lei, é característica essencial do Estado de Direito a submissão de todos à jurisdi-

ção”.38 Para a autora, não basta a consagração normativa, num Estado de Direito é

necessário ainda a existência de autoridade capaz de impor coercitivamente o aten-

dimento aos comandos jurídicos.39

Torna-se imperioso a existência de instrumentos capazes de efetivar a

validade e eficácia do ordenamento jurídico, resolvendo dilemas entre a autoridade e

a liberdade.40

Corroborando com a idéia da ligação entre Estado de Direito e controle

jurisdicional, registra ANTÔNIO-ENRIQUE PÉREZ LUÑO:

37 CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit., p. 257. 38 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O princípio da

dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 149. 39 Ibid., op. cit., p. 293. 40 BARACHO. Processo Constitucional, op. cit., p. 130.

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22

Uno de los presupuestos insoslayables informadores del Estado de derecho es el de la sumisión de la actividad de los poderes públicos al control de tri-bunales independientes. En el Estado de derecho, la garantía jurídica del status de los ciudadanos se desglosa en dos instancias fundamentales: 1) uma estática, conformada por la definición legal de los derechos y deberes cívicos, así como de las competencias y procedimentos operativos de la Administración; 2) y otra dinâmica, que se materializa en la justiciabilidad de la Administración, es decir, en la posibilidad de que los ciudadanos pueden plantear ante los tribunales sus quejas, por eventuales transgresiones de la legalidad por parte de los poderes públicos em aquello que suponga lesión de sus derechos.41

Como instrumento da legalidade, motor do Estado de Direito, surge,

portanto, o princípio do acesso à jurisdição, que voltará a ser tratado ainda neste

capítulo.

1.2.3. Estado Democrático

Não basta que o Estado seja de Direito, é necessário, ainda, que se

qualifique como democrático, sob pena da existência de um ditatorialismo protegido

pela legalidade, onde o Direito acabaria por se confundir com o frio enunciado da lei.

JOSÉ AFONSO DA SILVA registra que “Se o princípio da legalidade é um

elemento importante do conceito de Estado de Direito, nele não se realiza comple-

tamente”.42 O autor justifica essa afirmação traçando o perfil e as conseqüências

práticas dos dois modelos de Estado de Direito, o liberal e o social. No que tange ao

Estado liberal de Direito (formal), afirma o autor, “o individualismo e o abstencionis-

mo ou neutralismo do Estado liberal provoca imensas injustiças”;43 já no que se refe-

re ao Estado social de Direito (material), traz um fato que por si só já demonstra a

sua insuficiência: “A Alemanha nazista, a Itália facista, a Espanha franquista, Portu-

gal Salazarista, a Inglaterra de Churchill e Attlee, a França, com a Quarta República,

especialmente, e o Brasil , desde a Revolução de 30 [...] foram Estados sociais”.44

Torna-se necessário, assim, um plus na qualificação do Estado, o que

se encontra com o adjetivo “democrático”.

41 PÉREZ LUÑO, Antônio-Enrique. La universidad de los derechos humanos y el Estado consti-

tucional. Série de Teoría Jurídica y Filosofia Del Derecho. n. 23. Bogotá: Universidad Externado de Columbia, 2002, p. 72.

42 SILVA. Estado Democrático de Direito, op. cit., p. 46. 43 Ibid., op. et loc. cit. 44 Ibid., op. cit., p. 47.

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23

Abraham Lincoln tornou-se figura inspiradora da democracia moderna,

com sua famosa declaração em Gettysburg: “governo do povo, pelo povo e para o

povo”. Esta formulação ainda hoje reflete a síntese do sentido de democracia.45

Muitos definem democracia como governo da maioria, ou reinado da

maioria. Mas isso não é suficiente para definir o conteúdo de democracia, tendo em

vista que “nenhum governo digno desse nome pode existir ou substituir sem que in-

clua entre suas atribuições essenciais a de promover o bem publico”.46 É exatamen-

te a finalidade pública que distingue a democracia dos sistemas totalitários. O Esta-

do não existe para si, existe para promover a paz e o progresso de seus cidadãos,

nesse sentido, pode-se afirmar que o Estado “é autoridade e é serviço”.47

Democracia é um conceito complexo, que engloba vários outros con-

ceitos. A democracia possui uma faceta positiva, onde se lê efetiva participação polí-

tica do povo, e também uma faceta negativa, onde estão as limitações do poder.

Sem adentrar nos mais diversos sistemas de representação, a demo-

cracia exige participação popular na escolha de seus representantes que, em nome

dos seus pares, deverão exercer as funções públicas limitados pela lei e pela finali-

dade do bem comum, com a previsão de mecanismos de destituição e renovação de

mandatos. Também se inclui na definição de democracia o respeito e a garantia aos

direitos fundamentais, a responsabilização do Estado e o eficaz acesso à Justiça

contra atos estatais.

DARCY AZAMBUJA oferece uma definição bem interessante sobre demo-

cracia:

Democracia é o sistema político em que, para promover o bem público, uma constituição assegura os direitos individuais fundamentais, a eleição perió-dica dos governantes por sufrágio universal, a divisão e limitação dos pode-res e a pluralidade de partidos.48

Democracia, portanto, significa soberania popular, o que não se resu-

me à formação das instituições representativas, muito embora essa seja uma impor-

tante e imprescindível característica, mas no completo desenvolvimento da socieda-

de, surgindo, assim, como garantia geral dos direitos da pessoa humana.

45 CANOTILHO. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, op. cit., p. 287. 46 HOLANDA, Sérgio Buarque. Introdução à Democracia. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/folha/almanaque/sergiobuarque_democracia.htm>. Acesso: 09.Out.2005.

47 MIRANDA. Teoria do Estado e da Constituição, op. cit., p. 214. 48 AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 42 ed. São Paulo: Globo, 2002, p. 331.

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24

1.3. Responsabilidade Estatal e Eficaz Acesso à Justiça

Como conseqüência do Estado Democrático de Direito surge a respon-

sabilidade do Estado por condutas que atinjam a direitos de seus cidadãos, e, ne-

cessariamente, o já mencionado acesso à justiça, agora a ser tratado sob sua pers-

pectiva de eficácia.

1.3.1. Responsabilidade civil do Estado

No absolutismo, reinava a irresponsabilidade estatal, consagrada na

idéia de que o rei não podia errar. A relação estabelecida era de súditos e soberano,

de forma que, quando muito se responsabilizava, era a pessoa dos funcionários e

não o ente estatal quem respondia.49

A ultrapassada máxima The king can not wrong se tornou injustificável

quando se passou da relação soberano – súdito para Estado – cidadão. Hoje não

mais se concebe que possa estar a função administrativa debaixo da lei sem respei-

tar o princípio da igualdade.50

Várias etapas foram percorridas até o presente contexto; da irrespon-

sabilidade estatal se passou pelas teorias civilistas até se chegar à responsabilidade

objetiva do Estado. HELY LOPES MEIRELLES atribui a responsabilidade do Estado às

influências do liberalismo, que assemelhou o Estado ao indivíduo.51

É pressuposto indispensável do acesso ao Direito o respeito, por parte

do Estado, aos direitos subjetivos, quando a esses direitos corresponderem deveres,

obrigações, serviços ou atividades dos órgãos públicos. “O cidadão tem o direito de

exigir do Estado o pleno respeito ao seu patrimônio jurídico”.52

Nem mesmo a finalidade pública (o bem comum) do Estado lhe retira a

responsabilidade por danos causados a seus cidadãos, quando no desempenho das

49 ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade Civil do Estado por Atos dos Agentes dos Pode-

res Legislativo, Executivo e Judiciário. Tomo I. Campinas: Bookseller, 2001, p. 69. 50 FIGUEIREDO. O devido processo legal e a responsabilidade do Estado por dano decorrente do

planejamento, op. cit., p. 184. 51 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 596. 52 GRECO, Leonardo. O acesso ao Direito e à Justiça. In: Revista Jurídica da UNIRONDON. Cuiabá:

Faculdades Integradas Cândido Rondon, n° 1. Mar./2001, p. 11-32.

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atividades institucionais. Anota ÁLVARO CÉSAR DOS SANTOS NETTO que “não seria jus-

to que o prejuízo sofrido por um cidadão, derivado das atividades exercitadas pelo

Poder Público em favor de toda a comunidade, fosse suportado singularmente”.53

Torna-se necessário a contrapartida do Estado, ou seja, sua responsabilização por

atos omissivos ou comissivos que causem prejuízo ao particular. A responsabilidade

do Estado é quesito indissociável do Estado Democrático de Direito.

JORGE MIRANDA afirma que “O Estado não pode, pois, viver à margem

do Direito (nunca é demais insistir). [...] Por ser de homens, a autoridade está tão

propensa a infringir as normas jurídicas como a liberdade humana individual”.54

A mesma segurança jurídica que constitui fundamento para criação do

Direito é que impõe ao Estado o dever de respeitar as leis e a Constituição. E outra

forma de isso garantir não há, senão a sua responsabilidade por seus atos.

E como responsabilizar o Estado? Pelo próprio Estado. Daí a importân-

cia da já comentada separação dos poderes, que impõe o exercício dos poderes por

órgãos distintos e não submissos uns aos outros. Justificadas estão as garantias da

magistratura, tais como a vitalicidade, inamovibilidade e irredutibilidade dos venci-

mentos, bem como a imposição de imparcialidade aos magistrados.

1.3.2. Eficaz Acesso ao Judiciário

Como já comentado em tópico próprio, o acesso ao judiciário (entendi-

do como o acesso à Jurisdição, pois, em nosso sistema cabe ao judiciário seu mo-

nopólio) se faz pilar do Estado Democrático de Direito. Nas palavras de MAURO CAP-

PELLETTI e BRYANT GARTH, “o acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como

requisito fundamental – o mais básico dos direito humanos – de um sistema jurídico

moderno e igualitário que se pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos

de todos”.55

Todavia, não basta que as portas do judiciário estejam abertas aos ci-

dadãos, é necessário que a tutela prestada seja eficaz, ou seja, possua a aptidão

53 SANTOS NETTO, Álvaro César. Direito Administrativo I: Guia de Aulas. Campinas, Komedi,

2001, p. 191. 54 MIRANDA. Teoria do Estado e da Constituição, op. cit., p. 215. 55 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p.12.

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para produzir efeitos práticos, irradiando no mundo real as conseqüências desejadas

pela norma abstrata.

É direito de todos alcançar uma tutela jurisdicional adequada, o que se

retira do princípio constitucional do direito de ação.56

Não há como se cogitar, no Estado Democrático de Direito, da concre-

ção de direitos constitucionais e legais sem uma eficaz tutela jurisdicional. A eficácia

da tutela jurisdicional não é apenas uma garantia, “mas ela própria, também um di-

reito fundamental, cuja eficácia irrestrita é preciso assegurar, em respeito à própria

dignidade humana”.57

Está em voga o tema acesso à justiça, sobretudo acerca dos proble-

mas enfrentados para seu eficaz exercício, as chamadas barreiras do acesso à justi-

ça. E não é sem razão tal preocupação. Segundo MIGUEL REALE, “o Direito corres-

ponde à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois ne-

nhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, de direção e solidari-

edade”.58

O Direito se manifesta por meio das normas jurídicas, designativo para

padrões de conduta e estruturação impostos à coletividade e aos próprios órgãos

estatais. Essas normas jurídicas são dotadas de imperatividade, cuja observância

obrigatória se impõe, quando necessário, por meio de sanções. Expõe EURICO MAR-

COS DINIZ DE SANTI59 que “a norma é jurídica porque sujeita-se à sanção”, de modo

que, se da norma primária lhe retira a norma sancionatória secundária, aquela torna-

se desprovida de juridicidade.

A eficácia da aplicação da lei, pelo judiciário, portanto, se torna impres-

cindível ao Direito, sob pena de vermos nossas normas se tornarem desprovidas de

juridicidade.

Sobre o ponto, assim diria RUDOLF VON IHERING:

A essência do direito é a realização prática.

Uma regra do direito que jamais foi realizada ou que deixou de o ser, não merece mais este nome, transformou-se numa rodagem inerte que não faz

56 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8 ed. São Paulo:

RT, 2004, p. 132. 57 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo. In: Revista Jurídica.

Ano 51, n° 305, São Paulo: Notadez, Mar./2003, p. 61. 58 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 2. 59 SANTI, Eurico Marcos Diniz. Norma, Evento, Fato, Relação Jurídica, Fontes e Validade do Direito.

In: ______ (Org.). Curso de Especialização em Direito Tributário: Estudo Analíticos em Homena-gem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 11.

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mais trabalho algum no mecanismo do direito e que se pode retirar sem que disso resulte menor transformação.60

Em razão dessa necessária eficácia é que podemos afirmar que, quan-

do se prega o “acesso à justiça”, não se faz menção apenas do acesso ao judiciário,

também indispensável, mas à justiça do caso concreto.

A preocupação não mais reside em afirmar direitos, mas em efetivar di-

reitos; NOBERTO BOBBIO já advertia que o “problema grave do nosso tempo, com re-

lação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-

los”.61

Essa eficácia comentada será alcançada sempre que se obtiver, no

plano concreto, os resultados materialmente previstos na lei, ou seja, sempre que se

der plenamente a quem de direito tudo o que o ordenamento jurídico lhe prevê, im-

pondo-se, portanto, um adequado cumprimento das sentenças judiciais, inclusive

contra a Administração Pública. E essa eficácia não pára na sentença, se estende

também sobre a sua execução, afinal, de nada adiantaria dizer que tem direito se-

não fazer valer o direito.

No que tange à eficácia da tutela jurisdicional contra a Fazenda Públi-

ca, inclusive em sua execução, LEONARDO GRECO, utilizando-se de termos constan-

tes na sentença 61/84 do Tribunal Constitucional da Espanha, acentua que “A ga-

rantia do cumprimento eficaz das decisões judiciais não exime a Administração Pú-

blica, que, como qualquer cidadão, ‘está submetida à lei e ao Direito e está obrigada

por isso ao cumprimento das resoluções judiciais’”.62

Sobre o assunto, assim se manifesta RICARDO PERLINGEIRO MENDES DA

SILVA: “E de nada adianta garantir ao cidadão o direito de ação em face da Adminis-

tração Pública, para realização de um direito fundamental, se na execução lhe é ne-

gada uma jurisdição propriamente dita”.63

É preciso, para afirmação do Estado Democrático de Direito, que o or-

denamento jurídico se faça cumprir plenamente, contra todo e qualquer agressor,

seja um particular seja um ente público. Quando se fala em eficaz acesso à justiça

se fala em afirmação da ordem jurídica, em sua completitude, por meio de um pro-

cesso comprometido com o garantismo e com a celeridade. 60 IHERING, Rudolf Von. A Luta pelo Direito. Tradução de Marcos Zani. Leme: Jg, 2003, p. 70. 61 BOBBIO. A Era dos Direitos, op. cit., p. 25. 62 GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo, op. cit., p. 85. 63 SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Execução Contra a Fazenda Pública. São Paulo: Malhei-

ros,1999, p. 17.

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A celeridade é outra viga mestra do acesso à justiça do caso concreto,

pois, nos dizeres de RUI BARBOSA, “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça

qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o di-

reito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade”. 64 A de-

mora na realização da justiça acaba por não permitir a eficácia do direito.65

O princípio do acesso justiça é mais do que uma garantia de resposta

jurisdicional, é a garantia de tutela capaz de ensejar a realização do direito legal-

mente previsto,66 garantindo-se, assim, o respeito aos direitos humanos, bem como

à própria segurança jurídica. O instrumento da prestação jurisdicional é o processo;

nesse sentido é que se fala em eficácia do processo.

O processo, sempre tomando cuidado com a técnica jurídica, deve ser

reformulado, no sentido de aplacar a dor daqueles que têm “fome e sede de justiça”.

Necessário se faz desencadear discussões voltadas para o aperfeiçoamento de

nossas instituições jurídicas, tornando-as mais céleres, contemplando a todos os

cidadãos, e garantindo uma eficaz concretização do desiderato democrático consti-

tucional, sem, contudo, retirar sua essência. A eficácia do processo significa a reali-

zação do direito, bem como a concretização de sua função social.67

64 BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Leme: Jg, 2003, p. 67. 65 MARINONI, Luiz Guilherme. Efetividade do Processo e Tutela de Urgência. Porto Alegre: Fabris,

1994, p. 37. 66 MARINONI. Efetividade do Processo e Tutela de Urgência, op. cit., p. 57. 67 DINIZ, José Janguiê Bezerra. A Efetividade do Processo como Instrumento de Cidadania. In: ES-

COLA SUPERIOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL. Revista Brasileira de Direito Constitucio-nal: Revista do Programa de Pós-Graduação “Lato Senso” em Direito Constitucional. São Paulo: Esdc, 2004, p. 22.

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CAPÍTULO II

TEORIA GERAL DA EXECUÇÃO APLICADA À EXECUÇÃO POR

QUANTIA CERTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

Como visto, a eficaz execução das sentenças é requisito indispensável

para realização de uma ordem jurídica justa, ou seja, comprometida com os direitos

fundamentais. Assim, passa-se ao seu estudo, a começar pela análise da teoria ge-

ral da execução, dando uma abordagem voltada à execução por quantia certa contra

a Fazenda Pública, tema do presente trabalho.

2.1. Jurisdição e Processo

Incumbe ao Estado a difícil tarefa de disciplinar as relações sociais,

tanto no que diz respeito às relações entre particulares (individuais e coletivas) como

entre esses e o próprio Estado. Essa é a função jurídica do Estado, que cinge-se em

disciplinar as relações entre as mais diversas pessoas e dirimir os conflitos que entre

elas possam via a surgir.

A função jurídica do Estado se desenvolve por meio de duas ordens de

atividades, que, embora distintas, encontram-se intimamente relacionadas.68 São

elas a lei e a jurisdição; a primeira, dotada de generalidade, impõe os padrões de

comportamento nas relações interpessoais; a segunda, pertinente aos casos concre-

tos, é a realização prática do comando abstratamente previsto na primeira.

A jurisdição é responsável pela atuação jurídica concreta, dirimindo

conflitos com base no ordenamento pré-existente, pondo fim ao conflito de interes-

ses69 mediante a declaração e efetivação do preceito legal pertinente à situação

68 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 38. 69 A expressão “pôr fim ao conflito de interesses” não retrata bem a realidade. Em verdade, quando se

tem a declaração do direito aplicável ao caso concreto, por meio do exercício da Jurisdição, os inte-resses das partes continuam conflitantes, passando esse conflito, contudo, a ser juridicamente irre-levante: “Quem perde uma ação judicial pode continuar achando que foi lesado, mas não pode mais reclamar” (ADEODATO, João Maurício. Ética e Retórica: Por uma teoria da dogmática jurídica. Sa-raiva: São Paulo, 2002, p. 66).

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concreta.70 Como afirma MOACYR AMARAL SANTOS, a jurisdição pressupõe a lei, na

medida em que ao órgão dotado de jurisdição assiste o poder-dever de compor a

lide segundo o direito objetivo, declarando se a pretensão é ou não assistida pela

ordem jurídica e, no caso afirmativo, realizando a efetivação prática.71 Nos dizeres

de CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, a jurisdição é uma longa manus da legislação.72

Nesse sentido, a jurisdição tem por finalidade assegurar o direito positivo, o império

da lei, e, somente dessa forma, a segurança jurídica.

A jurisdição, a depender da finalidade à qual estiver direcionada, pode-

rá se desenvolver sob três espécies: cognitiva, executiva e cautelar.

Na tutela jurisdicional cognitiva ou de conhecimento, o magistrado e-

xerce uma atividade intelectiva e de império. Sua atividade intelectiva consiste em

duas etapas, uma probatória ou instrutória e outra decisória; na primeira, busca-se a

verdade fática, por meio de exame de provas, na segunda, aplica-se o direito objeti-

vo aos fatos trazidos aos autos, declarando a procedência ou improcedência dos

pedidos formulados. Esta fase tem por momento culminante a sentença,73 que pode-

rá trazer conteúdo meramente declaratório, constitutivo ou condenatório. Mas não se

trata apenas de uma atividade intelectiva, se assim fosse considerada, se equipara-

ria a um mero parecer; a sentença é dotada de uma força que os pareceres não

possuem, essa força é a sua obrigatoriedade,74 por isso se afirmar que a sentença é,

também, uma atividade de império, ou como prefere a doutrina, ato de inteligência e

de vontade do Estado.

Na tutela jurisdicional executiva, a atuação é satisfativa, visando a pro-

dução dos efeitos práticos da norma concreta exarada num título executivo, por meio

de atos coativos exercidos, em regra, sobre o patrimônio do devedor. Tem por fun-

ção tornar real a norma concreta.

Last but not the least, tem-se a jurisdição cautelar. Nesta espécie de ju-

risdição, o objetivo consiste em resguardar provisoriamente um elemento (pessoa,

70 Refere-se à jurisdição contenciosa; a jurisdição ainda pode ter caráter assistencial, autorizando,

aprovando ou homologando atos particulares, a fim de lhes dar validade, por meio da jurisdição vo-luntária.

71 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 20 ed. São Paulo: Sa-raiva, 1998, v. 1, p. 68.

72 CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. Teoria Geral do Processo, op. cit., p. 38. 73 GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, v. 1, p. 158. 74 CÂMARA, Alexandre de Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Lúmen

Júris, 2004, v. I, p. 433.

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coisa ou prova) que será definitivamente regulado na jurisdição de conhecimento ou

na de execução, prevenindo, assim, a eficácia destes.

A jurisdição se desenvolve por meio do processo, assim considerado o

procedimento, ou o conjunto de atos coordenados, envolvendo sujeitos, que se de-

senvolve num ambiente de contraditório e visa a obtenção de determinada finalida-

de. Para cada espécie de jurisdição existe, também, uma espécie de processo; as-

sim é que se pode falar em processo cognitivo ou de conhecimento, processo de

execução e processo cautelar.

Normalmente, cada tipo de jurisdição se desenvolve numa modalidade

de processo, todavia, as atividades cognitiva, executiva e cautelar nem sempre se

concentram em “compartimentos estanques: há casos em que elas se conjugam no

mesmo processo”.75

A divisão estática da jurisdição em processos cognitivos, executivos e

cautelares cada dia está mais mitigada. No direito processual civil brasileiro, a jun-

ção de procedimentos cognitivos e executivos era excepcional, deixado apenas para

uma minoria de procedimentos, como nas ações possessórias, de depósito e de

despejo por falta de pagamento. As Leis 8.952, de 13.12.1994, 10.444, de

07.05.2002, e 11.232, de 22.12.2005, privilegiando a eficácia em detrimento da pu-

reza processual, objetivo próprio da fase instrumentalista do processo, aumentaram

o rol dos processos mistos, provocando um sincretismo da jurisdição cognitiva e e-

xecutiva. A lei 10.444/02 criou, ainda, a fungibilidade entre as medidas cautelares e

as de tutela antecipada, possibilitando, assim, requerimento e concessão de medi-

das cautelares dentro do processo cognitivo.76

Essas alterações, embora tenham ampliado o rol dos processos sincré-

ticos, não tiveram o condão de por fim à divisão entre jurisdição cognitiva, executiva

e cautelar.

75 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro: Exposição Sistemática do

Procedimento. 23 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 3. 76 Para LUIZ GUILHERME MARINONI, a fungibilidade prevista no §7° do artigo 273 do Código de Proces-

so Civil pátrio, por força da Lei 10.444/02, só se concebe nas hipóteses excepcionais em que há dú-vida quanto à natureza jurídica da tutela urgente a ser requerida (MARINONI, Luiz Guilherme. A An-tecipação da Tutela. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 154-155).

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2.2. Jurisdição Executiva

Vista a divisão da jurisdição, pertinente se faz uma maior análise da ju-

risdição executiva, objeto desta dissertação.

2.2.1. Cognição e Execução

Como exposto, na cognição objetiva-se o conhecimento dos fatos verí-

dicos para determinação da norma concreta. Isso, contudo, não é suficiente para

reparar a violação ou impedir a ameaça ao direito do demandante. A sentença con-

denatória passa a exigir uma ação no sentido de tornar real a vontade jurisdicional,

torna-se imperativo a execução, como medida de concretizar o comando contido da

decisão jurisdicional.

Conforme lição de FRANCESCO CARNELUTTI, surgem, então, duas hipó-

teses possíveis: a execução voluntária e a execução forçada, ou seja, a concretiza-

ção do comando contido na decisão jurisdicional ou por parte do obrigado ou contra

ele. Na primeira situação, a execução nada mais é do que o cumprimento da obriga-

ção contida na sentença, conforme o preceito. Na segunda hipótese, há a violação

do comando normativo, de forma que a execução se dará contra o devedor, confor-

me a sanção.77 Essa segunda hipótese se dará por meio de um procedimento exe-

cutivo. Resumindo, o procedimento cognitivo visa a sentença, o executivo visa a

sanção. A execução em sentido estrito se refere à execução forçada, ou seja, contra

a vontade do devedor.

Enquanto na cognição há uma pretensão discutida, na execução há

uma pretensão insatisfeita. Ai está a diferença entre eles, enquanto no primeiro bus-

ca-se a formação do comando, no segundo visa alcançar a efetuação do mesmo.78

Assim, a sentença condenatória, resultado de uma atividade meramen-

te cognitiva, quando não executada voluntariamente, “exige um novo estágio de tute-

la jurisdicional, que se projete na realidade futura a concretização no mundo sensível

da sanção nela imposta”.79

77 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. Tradução: Hiltomar Martins Oli-

veira. São Paulo: Classikbook, 2000, v. I, p. 288. 78 Ibid., op. et loc. cit. 79 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. 1, p. 164.

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A diferença da atuação jurisdicional na cognição e na execução é as-

sim lecionada por ENRICO TULLIO LIEBMAN:

Na cognição, a atividade do juiz é prevalentemente de caráter lógico: ele deve conhecer, isto é, estudar o caso submetido ao seu exame, investigar os fatos, escolher e aplicar as normas legais adequadas, fazendo, em suma, um trabalho intelectual que não difere, sob certos pontos de vista, do que um historiador, quando reconstrói e avalia os fatos do passado. O resultado de todas estas atividades é sempre de caráter ideal, porque consiste na a-firmação da vontade do Estado orientada no sentido de regular as relações entre as partes. Na execução, ao contrário, a atividade do juiz é toda prática e material, visando produzir no mundo dos fatos modificações que tornem a realidade conforme àquela vontade.80

O ideal é que as decisões judiciais sejam cumpridas voluntariamente,

todavia, situações existem que desafiam essas decisões. Em razão disso, JOÃO

MAURÍCIO ADEODATO adverte que “é também preciso ter os meios de violência para

fazer valer as diretrizes institucionalizadas oficialmente”.81 Essa violência, com a

qual neutralizam os desafios às decisões judiciais, fazendo-as cumprir, se dá com a

jurisdição executiva.

2.2.2. Conceito e Finalidade da Execução

A exposição até aqui traçada, acredita-se, já fora o suficiente para de-

terminar o conceito de execução (em sentido estrito), todavia, apenas para melhor

sistematização, descrever-se-á, aqui, de modo sumário, sua conceituação.

A execução é a atividade com a qual os órgãos judiciais visam colocar

em prática, coativamente, o resultado prático que teria sido alcançado com o adim-

plemento da obrigação jurídica.82

A finalidade da execução é “restabelecer e satisfazer, à custa do res-

ponsável, o direito subjetivo que o ato ilícito violou”, como escopo da sanção.83

O objetivo é propiciar ao credor a mesma prestação que receberia com

o cumprimento voluntário da obrigação. Dessa forma, o Estado utiliza-se de uma

série de medidas sancionatórias para satisfação da obrigação não adimplida.

80 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2004,

p. 33. 81 ADEODATO. Ética e Retórica, op. cit., p. 66. 82 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Tocantins: Intelectus, 2003, v. 1, p.

176. 83 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. I, p. 162.

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Na execução forçada, há a sujeição do devedor. Quando possível, o

Estado substitui a vontade do devedor, invadindo seu patrimônio no limite do neces-

sário para o cumprimento da obrigação. Nem sempre, contudo, é possível ao Estado

substituir a vontade do devedor e conceder ao credor exatamente o que lhe é devi-

do. Nessas situações, o processo de execução dá ao credor a alternativa da trans-

formação da prestação originária em perdas e danos, cujo conteúdo será obtido pela

atuação substitutiva do Judiciário, ou da tutela específica, na qual o Estado ao invés

de substituir a vontade do devedor, lança contra ele e seu patrimônio uma série de

medidas de pressão psicológica, levando-o ao cumprimento da prestação originária.

2.2.3. Execução contra a Fazenda Pública: Natureza Jurídica

É de se indagar se a “execução contra a Fazenda Pública” tem real-

mente natureza de execução. Como visto, execução pressupõe atuação sancionató-

ria do estado, substituindo-se a vontade das partes para invadir o patrimônio do de-

vedor e, de lá, retirando o necessário para a satisfação do credor, sem perder de

mente as restrições legais voltadas à valoração da dignidade da pessoa humana.

Essa “invasão” se dá, sobretudo, por meio da penhora e da expropriação de bens do

devedor.

Como será estudado em momento oportuno, contra a Fazenda Pública

não cabem medidas de invasão patrimonial, de forma que a execução sempre de-

penderá da atuação positiva da Administração Pública, o que tem levado, em muitos

casos, à não eficácia do processo judicial de execução.

Diante da impossibilidade legal de penhora e arrematação de bens pú-

blicos, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR afirma que a execução por quantia certa contra

a Fazenda Pública não tem propriamente a natureza de execução forçada, tratando-

se de “execução imprópria”.84 No mesmo sentido, anota VICENTE GRECO FILHO: “tra-

tamento próprio nos arts. 730 e 731 [fazendo referência ao Código de Processo Ci-

vil], que disciplinam uma forma de execução imprópria, porque não têm as caracte-

rísticas de substituição pela atividade jurisdicional da atividade desejada pelas par-

84 THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de Execução. 22 ed. São Paulo: Leud, 2004, p. 413.

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tes”;85 lição essa à qual adere ANTÔNIO CLÁUDIO DA COSTA MACHADO: “trata-se de e-

xecução imprópria porque não há atividade judicial substitutiva da atividade das par-

tes”.86

Sobre o ponto, registra RICARDO PERLINGEIRO MENDES DA SILVA:

A execução contra a Fazenda nos moldes previstos pela Constituição brasi-leira não é verdadeira execução, pois não há invasão do patrimônio do Es-tado pelo Judiciário. O Estado paga voluntariamente, com o que se tem a ‘execução contra a Fazenda’ como um procedimento administrativo, não-jurisdicional.87

Como expõe LEONARDO GRECO, as sanções previstas pelo descumpri-

mento ao precatório-requisitório judicial, tais como crime de responsabilidade, inter-

venção federal no Estado-membro e deste no município, são sanções que exigem

instauração de outro processo, e que fogem à competência do juízo da execução.88

Dentro do processo de execução por quantia certa contra a Fazenda

Pública, portanto, não existe possibilidade jurídica para aplicação de qualquer san-

ção, o que lhe retira a natureza própria de processo executivo, em seu sentido estri-

to, levando, como visto, doutrinadores a chamá-la de execução imprópria.

Seguindo essa orientação, podemos dizer que na verdade não há um

procedimento de execução, mas sim de cumprimento de sentença contra a Fazenda

Pública. Todavia, continuaremos a utilizar a expressão “execução” apenas por prá-

xis.

85 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3, p.94. 86 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado. 4 ed. Barueri:

Manole, 2004, p. 1.093. 87 SILVA. Execução Contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 77-78. 88 GRECO. O Processo de Execução. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, v. II, p. 543-544.

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2.2.4. Autonomia da Execução

De forma geral, execução é o conjunto de atos coordenados, de finali-

dade satisfativa, por meio do qual se visa, em procedimento de contraditório mitiga-

do, a aplicação da sanção. Como visto, cognição e execução possuem campos bem

delimitados de atuação, enquanto um visa à pretensão contestada o outro se dirige à

pretensão insatisfeita. A execução não faz parte da cognição e não é uma conse-

qüência necessária daquele.

Por essa razão, estudiosos do processo civil estruturaram dois proces-

sos distintos, com finalidades, regras e princípios próprios, de forma a se poder ad-

vogar a autonomia entre o processo de execução e o processo cognitivo.

O código processual civil de 1939 incentivava a tese contrária à auto-

nomia do processo de execução, tendo em vista a ação cognitiva condenatória.89

Com a entrada em vigor do código de processo civil de 1973, restabeleceu-se a tese

da completa autonomia da execução. O estabelecimento de processos autônomos,

segundo cada espécie de jurisdição, foi algo festejado pelos processualistas, quando

da entrada em vigor da atual legislação processual civil, tendo em vista o favoreci-

mento da técnica processual, com precisão do objetivo de cada processo e respecti-

vos atos.90

Há de se ressaltar, contudo, que algumas ações de conhecimento não

comportam execução autônoma, tendo em vista a eficácia autoexecutória da sen-

tença, como nas ações possessórias e nos mandados de segurança.91

A atual estrutura de cumprimento de sentença constante no Código de

Processo Civil, advinda com a edição das recentes Leis 8.952/94 e 10.444/02, pro-

vocaram em relação as obrigações de fazer/não-fazer e para entrega de coisa cer-

ta/incerta, respectivamente, a centralização dos procedimentos cognitivos e executi-

vos num só processo. Tal alteração, que vem a atender ao abandono do formalismo

excessivo fundado no cientificismo processual, buscando-se cada vez mais a eficá-

cia do processo, que não mais é visto como um fim em si mesmo, não é capaz, con-

tudo, de por fim à autonomia da execução; esse sincretismo, no máximo, consegue

89 THEODORO JUNIOR. Processo de Execução, op. cit., p. 53. 90 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. 1, p. 165. 91 Ibid. op. cit., p. 166.

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“passar da cognição à execução, sem interrupção e sem nova citação”,92 não tendo

o poder de acabar com a autonomia da jurisdição executiva.

A união dos procedimentos cognitivos e executivos num só processo

nada mais significa do que um aproveitamento da relação processual já instaurada,

como louvável medida de economia processual e celeridade. As finalidades e proce-

dimentos continuam bem delimitados. A execução, mesmo nesses casos, continua

não sendo uma conseqüência necessária do processo de conhecimento, de forma

que, mesmo acabando-se com a autonomia do processo executivo, não se acabará

com a autonomia da jurisdição executiva.

Feitas essas considerações, passa-se à demonstração dos fatores que

levam à afirmação acerca da autonomia da jurisdição contenciosa executiva.

Nem todo processo cognitivo admite execução. A possibilidade de exe-

cução forçada constitui-se efeito tão somente das sentenças condenatórias. Mesmo

nas sentenças condenatórias, pode não haver execução forçada, tendo em vista a

possibilidade de cumprimento voluntário ou desistência pelo credor.

Nem toda execução deriva de uma sentença condenatória, tendo em

vista a existência de títulos executivos extrajudiciais.

A um só tempo, podemos verificar um processo cognitivo e a execu-

ção, correndo paralelamente, sobre o mesmo direito material, o que se dá nas exe-

cuções provisórias.

No que se refere à execução por quantia certa, pelo atual sistema, a

autonomia é plena, abrangendo inclusive o processo, haja vista a necessidade de

nova citação, com a conseqüente formação de uma nova relação processual.

Cumpre ressaltar que a autonomia do processo de execução de sen-

tença condenatória de quantia certa está com os dias contados, tendo em vista a

edição da Lei 11.232, de 22.12.2005, que provoca na execução de sentença por

quantia certa o mesmo fenômeno sincrético já efetivado nas condenações de fazer,

não-fazer e entrega de coisa, ou seja, a unidade processual para as jurisdições cog-

nitiva e executiva. A citada lei, publicada no Diário Oficial da União em 23.12.2005,

possui uma vacatio legis de seis meses.

Como afirmado, e com fulcro em lições de LEONARDO GRECO, embora

as legislações modificativas do Código de Processo Civil tenham unificado os pro-

92 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. 1, p. 168.

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cessos cognitivos e executivos, mantém-se a autonomia da jurisdição executiva

mesmo na ausência de autônomo processo de execução.93

Cumpre ressaltar, no que tange à execução por quantia certa contra a

Fazenda Pública, a execução continuará a se desenvolver por meio de processo

autônomo, dado que a Lei 11.232/05 não revogou o disposto no artigo 730 do código

de processo civil, e nem poderia fazê-lo, tendo em vista a impossibilidade de institui-

ção de penhora sobre seus bens.94

2.3. Histórico da Execução contra a Fazenda Pública no Brasil

Como se verificará na breve exposição que aqui será traçada, a forma

de cobrança das dívidas passivas da Fazenda Pública, no Brasil, sofreu uma forte

mutação ao longo do tempo.

Até 1521, vigora em Portugal e nas suas colônias, dentre as quais o

Brasil, as Ordenações Afonsinas. Naquele ano, foram promulgadas as Ordenações

Manuelinas, que em pouco alteram as anteriores, tendo vigência até em 1603,

quando o Rei espanhol (e também de Portugal) D. Felipe II aprovou as chamadas

Ordenações Filipinas. Estas foram, em verdade, uma atualização das Ordenações

Manuelinas, às quais pouco se adicionou, mantendo-se o respeito às tradições por-

tuguesas, de tal forma que em 1643, com a restauração do trono português, foram

revalidadas pelo Rei D. João IV.95

As Ordenações Filipinas vigoraram no Brasil mesmo após a Indepen-

dência, por força de Lei expedida em 1823 por D. Pedro I.

Segundo narra AMÉRICO LUIS MARTINS SILVA, durante as Ordenações

Manuelinas e Filipinas, a execução contra a Fazenda Pública se processava da

mesma forma como em relação a qualquer outra pessoa, inclusive no que se referia

à penhora.96 JOSÉ AUGUSTO DELGADO afirma, sem expor as razões de tal conclusão,

93 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. 1, p. 167. 94 GRECO, Leonardo. Primeiros comentários sobre a reforma da execução oriunda da Lei

11.232/05. Artigo concedido pelo próprio autor em Disquete. 95 SILVA, Américo Luís Martins da. Do Precatório-Requisitório na Execução contra a Fazenda

Pública. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1998, p.36. 96 Ibidem, op. cit., p. 37.

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que nesse período a execução contra a Fazenda Pública era até mais rigorosa do

que contra o particular.97

A penhora, contudo, sofria restrições. Diversas leis passaram a prever

bens não passíveis de penhora, tais como exemplifica RICARDO PERLINGEIRO MENDES

DA SILVA: “cavalos, armas, livros, roupas de cavalheiros e fidalgos; bois de arado e

semente de lavradores; bens públicos, das paróquias e ordens religiosas; pensões

alimentícias, soldos, ordenados e salários”.98 Os edifícios públicos eram absoluta-

mente impenhoráveis, sendo que o mesmo não se dava em relação aos bens mó-

veis e rendas.99

A Constituição Imperial (1824) atribuiu à Assembléia Geral a regula-

mentação sobre a Administração dos bens nacionais e a decretação de sua aliena-

ção. Assim, a penhora ficou condicionada à existência de decreto autorizador. Em 10

de abril de 1851, o Directorio do Juízo Fiscal e Contencioso dos Feitos da Fazenda

Pública editou instrução que, em seu artigo 14, estabelecia a impenhorabilidade dos

bens da Fazenda Nacional. Posteriormente, os Avisos da Fazenda 120, de 1863, e

395, de 1865, impuseram a impenhorabilidade também aos bens provinciais e muni-

cipais, de forma que todos os bens públicos passaram a ser considerados impenho-

ráveis, o que foi confirmado pela jurisprudência da época.100

Passada em julgada a sentença contra a Fazenda Pública, extraia-se e

levava-se ao cumpra-se do Procurador Fiscal que, não suscitando dúvidas, passava-

se Precatória à Tesouraria a favor do Exeqüente. Expõe AMÉRICO SILVA, que “a dívi-

da pública, ajuizada ou não, parecia formar um conjunto confuso sem previsão de

pagamento”.101 O pagamento, por sua vez, era desprovido de qualquer regramento

acerca de ordem de pagamento, o que gerou o incremento de uma advocacia admi-

nistrativa desmoralizadora da Administração Pública; essa situação se atribui, como

afirma RICARDO PERLINGEIRO, à omissão nas Constituição de 1824 e 1891 acerca do

pagamento das dívidas da Fazenda Pública.102

97 DELGADO, José Augusto. Precatório Judicial e Evolução Histórica. Advocacia Administrativa

Na Execução contra a Fazenda Pública. Impenhorabilidade dos Bens Públicos. Continuidade do Serviço Público. Disponível em: <http://www.cjf.gov.br/revista/seriecadernos/vol23/artigo05.pdf>. Acesso: 11.set.2004.

98 SILVA. Execução Contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 27. 99 SILVA. Do Precatório-Requisitório na Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 40-41. 100 Ibid., op. cit., p. 43-44. 101 Ibid., op. et loc. cit. 102 SILVA. Execução Contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 30.

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Em 1850, logo após a promulgação do Código Comercial, foi editado o

Regulamento 737, destinado, inicialmente a regulamentar as causas comerciais, e,

posteriormente, por meio do Decreto 763, de 1890, às causas cíveis, continuando

regulamentado pelas Ordenações apenas os procedimentos não previstos no Regu-

lamento. O mencionado regulamento manteve a impenhorabilidade dos bens públi-

cos, exceto no que se refere a seus frutos e rendimentos. A Constituição de 1891,

estabelecendo a forma federativa de governo, deu aos Estados a prerrogativa de

organizar sua Justiça e legislar sobre processo. O Regulamento 737, contudo, per-

maneceu em vigência, enquanto da ausência de lei local regulamentando matéria

processual.

Alguns dos códigos processuais dos estados permitiam, em certa me-

dida, a penhorabilidade de alguns bens públicos; a questão, todavia, era bastante

controvertida, haja vista a ausência de norma singular aplicável a todos os esta-

dos.103

Em 1917, entrou em vigor a Lei 3.071/16 (Código Civil), que em seu

art. 67 previa a inalienabilidade dos bens públicos de uso comum do povo, de uso

especial e os dominiais; tais bens só poderiam ser alienados nos casos e forma que

a lei prescrevesse.104 O entendimento foi o de que a inalienabilidade acarretava na

impenhorabilidade daqueles bens.

Com o advento da Carta de 1934, em 16 de julho, que restabeleceu a

unidade processual no Brasil, tem-se, pela primeira vez, a previsão constitucional do

regime de precatório judicial, até então presente apenas nas vias infraconstitucio-

nais. O art. 182 daquele texto dispunha apenas sobre as dívidas da Fazenda Fede-

ral,105 estabelecendo ordem cronológica (inclusive com regra de seqüestro) para os

pagamentos que, após expedição da ordem pelo Presidente da Corte Suprema, fi-

cava a cargo do Poder Executivo, que deveria consignar ao Poder Judiciário. Esse

critério adotado inviabilizava a advocacia administrativa, sobretudo pela necessidade

de observância da ordem de apresentação.

A Constituição Polaca, como ficou conhecida a Carta de 1937, pratica-

mente manteve a redação constitucional anterior, apenas inovando no que se refere 103 SILVA. Do Precatório-Requisitório na Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 49-50. 104 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. v.1. 35 ed. São Paulo:

Saraiva, 1997, p. 159. 105 O Estados e Municípios não estavam vinculados à essa regra, de forma que detinham liberdade

de regulamentar a forma como efetuariam seus pagamentos referentes à dívidas advindas de sen-tenças judiciais.

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à necessidade de inclusão de verbas orçamentárias para pagamento dos créditos

oriundos de condenações judiciais.

O Código de Processo Civil de 1939, que reunificou o sistema proces-

sual civil nacional, previa como impenhoráveis os bens inalienáveis, dentre os quais

estavam os bens públicos, por força do art. 67 do Código Civil de 1916. O CPC/39

reproduziu a regra constitucional acerca da execução contra a Fazenda Pública, es-

tendendo-a para os Estados. Tal regime de precatórios, contudo, somente se aplica-

va à Administração Direta; as autarquias e demais entidades públicas da Administra-

ção indireta estavam sujeitas à execução comum.106

Comprometida com o incremento de medidas de proteção aos direitos

individuais, e com o endereço certo de por fim ao Estado autoritário até então vigen-

te no Brasil, a Constituição de 1946, condizente com os ideais democráticos, segun-

do CELSO RIBEIRO BASTOS, “se insere entre as melhores, senão a melhor, de todas

que já tivemos”.107 Essa Constituição mantinha a regra de precatórios judiciais, com

algumas alterações: passou a alcançar todas as Fazendas Públicas; instituiu crédi-

tos orçamentários e extra-orçamentários destinados à esse fim; recolhimentos dos

valores em cada repartição competente, não mais no depósito público; a requisição

passava a ser expedida pelo Presidente do Tribunal Federal de Recursos, quando

da União, e pelo Presidente dos Tribunais de Justiça, nos demais casos; e, no caso

de preterição da ordem de pagamento, não mais seria ouvido o Procurador-Geral da

República, mas sim o chefe do Ministério Público.

A Constituição de 1967 manteve o regime de precatórios do texto ante-

rior, com duas alterações: impôs o dever de inclusão no orçamento de verba neces-

sária à satisfação do débito e atribuía ao órgão responsável pela sentença a compe-

tência para expedição do precatório. A Emenda Constitucional de 1969, fruto dos

atritos entre Legislativo e Executivo, manteve o sistema ipisis literis.

A atual Constituição brasileira, de 1988, manteve o regime de precató-

rios judiciais para pagamento de dívidas públicas provenientes de condenações judi-

ciais, com inúmeras alterações. Tais modificações serão tratadas em momento opor-

tuno, tendo em vista que o objetivo da presente seção era tratar apenas dos aspec-

tos históricos.

106 SILVA. Do Precatório-Requisitório na Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 57. 107 BASTOS. Curso de Direito Constitucional, op. cit., p. 126.

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Vale ressaltar, contudo, a perplexidade que surge ao verificar a exis-

tência e a permanência de um procedimento executivo contra a Fazenda Pública no

ordenamento jurídico brasileiro atual. É que parece haver uma certa incompatibilida-

de, tendo em vista que num Estado Democrático de Direito, não se cogitaria, num

plano puramente teórico, que o Estado, após percorrer todas as instâncias judiciais e

ser condenada definitivamente, resistisse ao cumprimento da decisão, de forma a

exigir um tratamento constitucional acerca da execução de suas dívidas.

2.4. Requisitos da Execução

Estudar-se-á o requisito específico da execução, o título executivo,

bem como as condições da ação executiva.

2.4.1. O Título Executivo

Como se viu, a execução de uma obrigação pode se dar voluntaria-

mente ou de forma forçada. Quando não desenvolvida voluntariamente, a execução

da norma concreta demanda a atuação do Estado-Juiz, para efetivação da sanção.

Essa segunda atividade jurisdicional poderá ser convocada se o cumprimento da

norma concreta sofrer algum percalço decorrente da inércia do obrigado, por sua

inatividade ou por seu atendimento insatisfatório.108

Todavia, para se exigir a execução forçada contra alguém não basta a

alegação de ser titular do direito, é necessário provar, com algum grau de certeza,

essa titularidade. Isso evita abusos indevidos no manejo de processo com tal carga

de invasão na esfera individual.

ENRICO TULLIO LIEBMAN, expõe que a execução forçada provoca conse-

qüências muito graves no patrimônio do devedor e, por isso, deve a lei se preocupar

em criar mecanismos que evitem todas as formas de abuso, de modo que a execu-

ção só se realize em prol de direitos que se demonstrem efetivamente existentes.

Por outro lado, continua o processualista italiano, é necessário liberar órgão executi-

108 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de Execução: Parte Geral. 3 ed. Coleção Estudos de Direito

de Processo Enrico Tullio Liebman, vol. 42. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 258.

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vo da necessidade de, caso a caso, verificar se o demandante é realmente titular de

um direito insatisfeito.109

O título executivo surge, então, como o documento representativo de

um ato jurídico, com o qual a lei atribui àquele que nele figure como titular o direito

de promover a execução contra o devedor do mesmo.110

E buscando os ideais de certeza e celeridade anunciados por LIEBMAN,

o surgimento do título executivo, como afirma LEONARDO GRECO,111 representa a

busca de um ponto de equilíbrio entre aquelas duas exigências.

Grande celeuma teórico-jurídico se travou acerca da natureza jurídica

do título executivo, em especial entre CARNELUTTI e LIEBMAN.112 Para o primeiro, o

título executivo é a prova do crédito, responsável por gerar a presunção da existên-

cia do direito creditório apto a satisfazer o juízo positivo, no processo executivo, a-

cerca do direito material à execução, dispensando-se, dentro desse, um juízo cogni-

tivo, de forma a ensejar, desde já, o desencadeamento dos atos sancionatórios. Pa-

ra o segundo, o título executivo é o ato jurídico que tem eficácia executiva (isto é, a

sentença condenatória),113 proporcionando certeza e sendo a fonte imediata e autô-

noma do direito do autor; para ele, o crédito é fonte mediata, motivo remoto da exe-

cução, razão pela qual não cabe qualquer discussão sobre o direito material dentro

do processo de execução, devendo ser objeto de ação autônoma.

A teoria de LIEBMAN parece não se adaptar ao sistema jurídico brasilei-

ro, tendo em vista a previsão de títulos executivos extrajudiciais, bem como a aceita-

ção pacífica, pela doutrina e pela jurisprudência, do instituto da “Exceção de Pré-

Executividade”,114 de criação de PONTES DE MIRANDA.

109 LIEBMAN. Manual de Direito Processual Civil, op. cit., v. 1, p. 181-182. 110 SANTOS. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 3,

p. 217. 111 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. II, p. 104. 112 Cf. GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. II, p. 110-120; ZAVASCKI. Processo de Exe-

cução: Parte Geral, op. cit., p. 259-263. 113 LIEBMAN. Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro, op. cit., p. 45. 114 A “Exceção de Pré-Executividade”, por outros chamada de “Objeção de Pré-Executividade”, foi

decorrente de um processo garantístico, preocupado em constituir o processo como instrumento de tutela jurisdicional efetiva de direitos (GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. II, p. 624). Es-se instituto de defesa do executado (sem previsão legal) é manejado dentro do processo de execu-ção, por simples petição avulsa; no início de sua construção, destinava-se ao apontamento de vícios graves, imanentes às condições da ação e aos pressupostos processuais que, se não fossem des-de logo apreciados, levariam contra o executado uma coação ilegal. ALEXANDRE DE FREITAS CÂMARA (Lições de Direito Processual Civil. 8 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, v. II, p. 441) aponta como matérias alegáveis por esse instituto as previstas no art. 741, CPC, exceto os incisos I, V (no que se refere à combinação com o art. 743 inc. I), VI e VII (no que se refere à incompetência relati-va). O Professor GRECO vai mais além no campo de atuação desse instituto, conforme se vê in ver-

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O impacto do processo sobre o direito material não pode ser deixado

de lado por um sistema jurídico cujo princípio motor é o Devido Processo Legal, de

onde decorre o garantismo.

Com razão, expõem MAURO CAPPELLETTI e BRYANT GARTH que o siste-

ma processual “deve produzir resultados que sejam individualmente e socialmente

justos”.115 Por seu turno, WILLIAM COUTO GONÇALVES anota que o processo justo re-

sulta de um “modelo de instrumento em prol da realização de uma jurisdição fincada

e voltada para os direitos fundamentais do homem”.116

Considerando o estágio atual da ciência processual, voltada para efeti-

vação dos direitos materiais, aliada ao desiderato constitucional de proteção da dig-

nidade da pessoa humana, de onde decorre o princípio do devido processo legal, o

garantismo é algo presente e desejável no processo civil, impondo que o mesmo não

se torne apenas um fim em si mesmo, mas um instrumento a serviço do direito mate-

rial socialmente justo, como necessidade de segurança jurídica não apenas dos liti-

gantes como também de toda a sociedade.

Nesse sentido, há de se concordar com LEONARDO GRECO, ao afirmar

que:

No estágio de desenvolvimento em que hoje se encontra o Direito Proces-sual, parece impossível que qualquer modalidade de atividade jurisdicional produza atos decisórios ou modificações no mundo exterior sem que se a-presente configurado, ainda que através do mais tênue juízo de probabilida-de ou verossimilhança, algum direito material.117

Essas as razões pelas quais deve concluir ser o título executivo o do-

cumento que, preenchidos os requisitos legais, atesta a existência do crédito, tor-

nando-se hábil à instauração de um processo de execução.

Outra dúvida que surge é se a existência do título executivo se revela

como pressuposto processual ou como condição da ação. A resposta a essa inda-

gação irá depender da forma como conceitua o interesse de agir. Melhor explicando,

bis: “E se a execução pressupõe a existência de crédito certo, líquido e exigível e o devedor dispõe de prova cabal de fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito material do exeqüente, também deve ser-lhe facultado, pela mesma via direta e incondicionada, argüir essa matéria, evitando desse modo submeter-se a uma execução abusiva” (GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. II, p. 624-625). Como expõe GRECO, a prova deve ser cabal; havendo necessidade de maior pesquisa probatória, não será própria a exceção de pré-executividade (THEODOR JÚNIOR. Processo de Execução, op. cit., p. 455), o que se dá em razão da presunção de certeza quanto ao crédito trazida pelo título executivo.

115 CAPPELLETTI; GARTH. Acesso à Justiça, op. cit., p. 8. 116 GONÇALVES. Garantismo, Finalismo e Segurança Jurídica no processo judicial de solução

de conflitos, op. cit., p. 66. 117 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. II, p. 116.

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como visto, o título executivo é que torna adequada a utilização da via executiva,

assim, para saber se trata de pressuposto processual ou de condição da ação é ne-

cessário estabelecer se a adequação do procedimento ou do instrumento processual

faz parte ou não do interesse de agir.

Para respeitada doutrina, o interesse de agir se materializa em dois as-

pectos: a necessidade da tutela jurisdicional e a adequação dos meios processuais

utilizados;118 dessa forma, o título executivo seria umas das condições da ação (inte-

resse/adequação). Há quem, contudo, defenda que o interesse de agir se refere a-

penas à necessidade, de forma que a adequação seria um pressuposto processual

objetivo.119

Argumenta LEONARDO GRECO que o autor não tem menos necessidade

ou utilidade de invocar a tutela jurisdicional porque instaurou procedimento inade-

quado ou requereu providência inepta,120 de forma que a impropriedade do meio es-

colhido diz respeito à invalidade do processo e não à inexistência do direito à Juris-

dição.121

GIUSEPPE CHIOVENDA afirma que as condições da ação se regulam em

parte pela lei substancial, ao passo que os pressupostos processuais regulam-se

pela lei processual.122 A adequação do meio, portanto, diz respeito a pressuposto

material e não condição da ação.

Optamos pela segunda posição, tendo em vista que a utilização de um

procedimento em descompasso com a lei (processual, é bom frisar), em verdade,

impede a formação de uma relação processual válida, de modo a conduzir à nulida-

de por falta de pressuposto processual, com pena de indeferimento liminar ou extin-

ção do processo sem julgamento do mérito. Isso não significa, contudo, que a parte

não tenha direito à atividade jurisdicional, mas apenas que deverá requerê-la de ou-

tra forma, a forma processual adequada, pois, embora a jurisdição seja una, ela po-

de manifestar-se por diferentes formas.

118 Por todos: CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. Teoria Geral do Processo, op. cit., p. 259;

GRECO FILHO. Direito Processual Civil Brasileiro, op. cit, v. 3, p. 23; CÂMARA. Lições de Direi-to Processual Civil, op. cit., v. II, p. 177. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Pro-cessual Civil. 41 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. I, p. 56.

119 Por todos: SANTOS. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, op. cit., v. 1, p. 170; GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. I, p. 324.

120 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. I, p. 324. 121 GRECO, Leonardo. A Teoria da Ação do Processo Civil. São Paulo: Dialética, 2003, p. 37. 122 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. 3 ed. Tradução: Paolo Capita-

nio. Campinas: Bookseller, 2002, v. I, p. 93.

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Assim, pode-se concluir que o título executivo, considerado o docu-

mento que atesta o crédito e que, preenchidos os requisitos legais, torna apta a exe-

cução, trata-se de pressuposto processual específico do processo executivo.

A. Requisitos do Título Executivo

O título executivo123 é que fundamenta a execução forçada, ou seja, é

o que autoriza a força coativa do estado contra o devedor, por essa razão é que o

título deve estar completo no preenchimento de seus requisitos extrínsecos (forma) e

intrínsecos (conteúdo).

Sob o aspecto formal, o título executivo deve exteriorizar-se como do-

cumentação escrita, capaz de instruir a petição inicial ou o requerimento de execu-

ção. Outros requisitos externos existem, porém, particulares de cada espécie de títu-

lo, como se pode observar no art. 585 do texto atual do código de processo civil.

O título executivo deve conter, ainda, alguns requisitos inerentes ao

seu conteúdo, que, segundo amplamente difundido na doutrina, são eles a certeza,

a liquidez e a exigibilidade.

A certeza é a afirmação contida no título de que a obrigação foi consti-

tuída, ou seja, de que um dia aquele crédito foi formado, podendo ser decorrente de

uma sentença, judicial ou arbitral, de confissão do devedor ou de outro ato objetivo.

Não se trata da indiscutibilidade da dívida no momento da propositura da execução,

e sim de presunção juris tantum de certeza da constituição do crédito. A certeza im-

põe ainda a definição da natureza da obrigação e de seu objeto.

A liquidez consiste na individualização do objeto ou na determinação

do quantum debeatur. Pode acontecer de um título judicial não possuir liquidez, caso

em que não será um título executivo, mas um título hábil a ensejar um procedimento

de liquidação judicial, findo o qual, tornar-se-á um título executivo. Não deixa de ser

líquido um título que não traz o valor determinado, desde que ofereça nele mesmo

os elementos necessários para, em simples cálculos aritméticos, determinar o quan-

tum debeatur.

123 Para ZAVASCKI, o título executivo é uma norma jurídica individualizada, por conter uma relação

jurídica (ato jurídico, obrigação certa, prestação líquida e exigível, e, partes) e uma eficácia típica (autorizar a propositura de ação de execução) (ZAVASCKI. Processo de Execução: Parte Geral, op. cit., p.268).

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O último requisito apontado pela doutrina é a exigibilidade do título. Em

verdade, a exigibilidade não está ligada à estrutura do título executivo; uma nota

promissória será um título executivo mesmo antes de seu vencimento.124 A exigibili-

dade, entendida como a ausência de termo, condição ou qualquer outra limitação, é

que legitima o credor a exigir o cumprimento da obrigação líquida e certa expressada

no título, tornando necessário, em não havendo cumprimento voluntário, demandar

junto ao judiciário pela tutela executiva. Trata-se, portanto, de interesse de agir (con-

dição da ação).

B. Espécies de títulos executivos

Conforme resulte de um pronunciamento condenatório proveniente de

um processo (judicial ou arbitral), ou de fato extraprocessual, os títulos são rotula-

dos, respectivamente, como judiciais ou extrajudiciais.

Dependendo do sistema executivo empregado, o rol dos títulos execu-

tivos poderá ser taxativo ou exemplificativo. Nos sistemas que admitem as chama-

das ações executivas, um misto de cognição sumária prévia e atos executivos, vem

permitindo a expansão dos títulos hábeis à sua propositura, dada a prévia defesa do

réu. Nos sistemas de execução unificada, como no Brasil, a não existência de con-

traditório pleno justifica a taxatividade e interpretação não extensiva do rol dos títulos

executivos extrajudiciais. A importância da classificação, no sistema de execução

unificada, diz respeito às matérias alegáveis em sede de embargo ou impugnação,

restritas quando da execução fundada em título judicial, e ampla, quando fundada

em título extrajudicial.

No que se refere aos títulos com eficácia executiva contra a Fazenda

Pública, dúvida pode surgir em razão da redação dada ao artigo 100 da Constituição

Federal, que em sua redação contém o termo: “em virtude de sentença judiciária”. A

redação, contudo, não foi capaz de causar grande celeuma doutrinário dado que a

doutrina dominante, com razão, tem admitido a execução contra a Fazenda Pública

fundada em título extrajudicial.125 Essa possibilidade está, inclusive, sumulada pelo

124 CÂMARA. Lições de Direito Processual Civil, op. cit., v. II, p. 205. 125 Posições contrárias, como a de VICENTE GRECO FILHO (Direito Processual Civil Brasileiro, op.

cit., v. 3, p. 96), são entendimentos isolados na doutrina brasileira.

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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.126 É que não há constrição patrimonial nessa execu-

ção [imprópria], sendo a Fazenda Pública citada para oferecer embargos (art. 730,

CPC), havendo um contraditório prévio, o que torna possível a aceitação de execu-

ção fundada em título extrajudicial.

2.4.2. Liquidação de sentença

Como visto, sem liquidez não há execução, por uma razão bem sim-

ples: para cobrar alguém é necessário saber o valor da dívida. Caso uma decisão

judicial seja ilíquida, necessário se faz um prévio procedimento de liquidação de sen-

tença, com vistas a preencher esse requisito essencial à execução. Sem a liquidez

há um título judicial incompleto e, portanto, imprestável à execução.

Sentença ilíquida não quer dizer incerta. A sentença deve ser certa, in-

dicando qual o objeto da condenação (indenização por tratamento médico decorren-

te de acidente de trânsito, por exemplo), apenas os efeitos práticos é que podem

precisar de futura liquidação (o valor do tratamento médico que ainda está em an-

damento, no exemplo citado). Caso surja um novo dano em razão do mesmo fato

anteriormente apreciado pelo Judiciário, haverá necessidade de uma nova deman-

da, e não simplesmente de liquidação, pois, por não ter sido objeto do pedido inicial,

falta-lhe a certeza, que a sentença não pode, por questões óbvias, conferir.

De regra, a sentença deve conter todos os elementos da norma jurídica

concreta. Casos excepcionais, autorizados pelo próprio Código de Processo Civil

(art. 286), contudo, inviabilizam a prolação de sentença dotada de liquidez, como

ocorre nas ações universais, quando não for possível determinar, de imediato, as

conseqüências do ato ilícito, e, quando a determinação do quantum depender de ato

a ser praticado pelo réu.

A ação de liquidação, nos moldes atuais, tem o indesejável efeito de re-

tardamento do julgamento da resolução definitiva do julgamento, representando pre-

juízo para ambas as partes, ao autor pela demora no atendimento de sua pretensão,

ao réu por ter que se defender novamente, em outro processo, o que pode represen-

126 Súmula 279, de 21.05.2003, do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: “É cabível execução por título ex-

trajudicial contra a Fazenda Pública.”

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tar um ônus excessivo.127 Em razão disso é que se deve restringir o procedimento

liquidatório para as situações em que se revela impossível, dentro do processo con-

denatório, a fixação do quantum. No sentido de minimizar os maléficos efeitos da

liquidação, tem-se com a Lei 11.232/05, que ainda encontra-se em vacatio legis,

uma maior celeridade em seu procedimento, tendo em vista que transforma a liqui-

dação em procedimento contínuo ao procedimento cognitivo, pondo fim ao processo

autônomo de liquidação; assim irá dispor o art. 475-A do CPC: “quando a sentença

não determinar o valor devido, procede-se à sua liquidação”. A citação do processo

de liquidação será substituída por uma simples intimação.

Deve-se ressaltar que a liquidação não é instrumento recursal e nem

rescisório. Em razão disso, surge, no processo liquidação, o Princípio da fidelidade à

sentença liquidanda,128 pelo qual o objeto da liquidação está limitado pela sentença

liquidanda, não podendo em nada modificá-la (art. 610 do CPC, renumerado pela Lei

11.232/05 para art. 475-G). O objeto, portanto, se consubstancia no quantum debea-

tur existente no interregno que vai até a liquidação, aí podendo alegar pagamento,

prescrição ou qualquer outro fato extintivo ou modificativo do crédito, desde que su-

pervenientes à sentença. Outras verbas, ainda que não expressamente previstas na

sentença, irão compor o objeto da liquidação, como é o caso da correção monetária

que, por sua natureza, não enriquece nem empobrece ninguém (sendo apenas a

recomposição do valor devido); as custas processuais; e os valores devidos a ser-

ventuários da justiça, peritos e tradutores. Pode-se alegar ainda, no caso de obriga-

ções de trato sucessivo, o vencimento de novas prestações.

A liquidação, quando desenvolvida em processo autônomo, será encer-

rada por sentença declaratória,129 de modo que em sendo contrária aos interesses

fazendários, sujeitar-se-á ao duplo grau de jurisdição.

Com o trânsito em julgado, a sentença do processo de liquidação, que

se revela como sendo de mérito, formará coisa julgada material.130 Assim, transitada

em julgada não poderá ser atacada por embargos a execução ou por ação anulató-

ria, mas tão somente pela via rescisória.

127 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., p. 228. 128 ZAVASCKI. Processo de Execução: Parte Geral, op. cit., p. 397. 129 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 37 ed. Rio de Janeiro: Fo-

rense, 2005, v. II, p. 85. 130 THEODORO JÚNIOR. Processo de Execução, op. cit., p. 242.

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Com nova sistemática, que deverá ser imediatamente implementada

com a entrada em vigor da Lei 11.232/05 nos processos já em curso, respeitados os

atos já praticados, o julgamento da liquidação não terá a natureza de sentença, mas

sim a inerentes às decisões interlocutórias, a ser atacada com recurso de agravo de

instrumento (futuro art. 475-H, do CPC). Não haverá que se falar, portanto, em duplo

grau de jurisdição, que só se verifica nas sentenças (art. 475, CPC).

A. Liquidação por arbitramento

Há previsão legal de três formas de liquidação: por arbitramento, por

artigos e por memória discriminada de cálculo. As duas primeiras são desenvolvidas

em processos autônomos; a última, dentro do processo executivo.131

A liquidação por arbitramento é realizada por um expert, podendo re-

sultar da vontade das partes, de determinação judicial em sentença, ou de exigência

da natureza do objeto da liquidação. Deve-se ressaltar que os fatos e provas sobre

os quais o árbitro atuará deverão estar previamente estipulados na sentença, ou se-

ja, devem estar nos autos todos os elementos necessários para o perito declarar o

valor do débito; havendo necessidade de provar fato novo, não se fará liquidação

por arbitramento, mas por artigos.

O procedimento na liquidação por arbitramento consiste numa cogni-

ção sumária, que, em curtas palavras, se restringe à realização da perícia e à mani-

festação das partes sobre a perícia realizada.

B. Liquidação por artigos

A segunda espécie de liquidação, por artigos, será obrigatória quando,

para determinar o valor da condenação, houver necessidade de alegar e provar fato

novo. O critério diferenciador é simples, havendo necessidade de provar fatos que

não constavam como objeto de cognição no processo condenatório (fatos novos),

necessariamente, a liquidação far-se-á por artigos.

131 Com a entrada em vigor da Lei 11.232/05, serão mantidas essas formas de liquidação, em suas

atuais estruturas, que se desenvolverão, contudo não mais num processo autônomo, e sim dentro do processo em que se desenvolveu a cognição.

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O procedimento de liquidação por artigos é de cognição ampla, haja

vista a necessidade de provar fatos não conhecidos no processo condenatório. Es-

ses fatos novos, todavia, devem estar diretamente relacionados ao quantum debea-

tur da ação condenatória. Assim, adotar-se-ão os procedimentos comuns, sumário

ou ordinário, conforme o rito utilizado na cognição.

C. Liquidação por memória discriminada de cálculo

Sendo possível a determinação do quantum por simples cálculo aritmé-

tico, o valor devido surge por afirmação do Exeqüente em sua inicial de execução,

que deverá estar instruída com o demonstrativo de débito atualizado.

Para que seja possível esse tipo de liquidação, todos os elementos ne-

cessários para a base de cálculo devem ser conhecidos e acessíveis às partes, ou

por estarem presentes no título ou por serem publicações oficiais.

Essa regra foi decorrente de feliz inovação trazida pela Lei 8.898/94,

que aboliu o até então existente cálculo do contador do juízo, que se revelava pro-

cedimento inútil e procrastinatório. Mais tarde, com a Lei 10.444/02, resgatou-se a

figura do cálculo pelo contador do juízo em duas hipóteses restritas: quando benefi-

ciário de assistência judiciária gratuita, e em havendo aparente excesso na conta

apresentada pelo credor.

Por essa regra, então, dispensa-se o envio dos autos processuais para

a contadoria oficial, cabendo ao exeqüente a elaboração dos cálculos referentes ao

valor devido, salvo nas duas hipóteses supra mencionadas, dentre as quais destaca-

se a de aparente excesso na conta apresentada pelo credor.

RICARDO PERLINGEIRO MENDES DA SILVA, em sua tese de doutorado, pu-

blicada antes da reforma processual advinda com a Lei 10.444/02, defendeu, em

relação à exatidão do valor na execução, o caráter de norma de ordem pública, ten-

do em vista que a execução pressupõe título líquido. Nessa linha de raciocínio, con-

tinua o autor, o juiz, já ao despachar a inicial, pode exercer controle sobre o quan-

tum, por constituir um pressuposto processual. Assim, em se tratando de execução

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contra a Fazenda Pública, notadamente, o juiz dificilmente não ouviria a contadoria

judicial.132

Assiste razão ao autor, tendo em vista o tratamento dispensado pela lei

processual civil que, em seu art. 618, trata como nula a execução fundada em título

sem certeza, liquidez ou exigibilidade.

Tal entendimento se cristalizou com a introdução do §2° ao art. 604 do

CPC, por força da Lei 10.444/02, que, como dito, dá ao magistrado o poder-dever de

valer-se do contador do juízo quando aparentemente excessiva a memória de cálcu-

lo apresentada pelo credor.

O controle do quantum, em se tratando de liquidação por demonstrativo

de memória de cálculo atualizada, poderá ser realizado como incidente na execu-

ção, com auxílio do contador do juízo, ou por meio de embargos ou impugnação do

executado.

Outra importante inovação está no §1° do art. 604 do CPC, que prevê a

possibilidade de requisição de informações ao devedor ou a terceiro, quando tais

informações forem necessárias para a elaboração da memória de cálculo. Nesse

caso, o Juiz fixará prazo máximo de trinta dias para cumprimento da diligência, findo

o qual, não sempre apresentados por justificado motivo, pelo devedor, reputar-se-ão

corretos os cálculos apresentados pelo credor; sendo a recusa injustificada de tercei-

ro, será considerada desobediência.

2.4.3. Condições da Ação Executiva

A ação de execução, como espécie do gênero ação, também está su-

jeita às condições da ação, quais sejam: interesse de agir, legitimidade e possibili-

dade jurídica do pedido.

A. Interesse de agir

O interesse de agir, na execução forçada, se consubstancia na neces-

sidade de buscar a tutela jurisdicional para afirmação de um direito líquido e certo

132 SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 100.

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que, contudo, não se encontra satisfeito voluntariamente. Não é apenas querer a

tutela jurisdicional, mas necessitar dela, ou seja, não ter outra forma de realizar a

pretensão senão com o poder de império do Estado.

O interesse de agir, no processo de execução, está estritamente rela-

cionado com a exigibilidade do título. Vale dizer, enquanto a obrigação não estiver

livre de toda e qualquer limitação (termo, condição, bilateralidade da obrigação), o

devedor estará em tempo de executar voluntariamente a prestação, existindo, por-

tanto, a possibilidade de concretização da pretensão executiva sem a atuação subs-

titutiva do Estado. Só quando exigível e não adimplido, portanto, haverá necessida-

de de execução forçada, ou seja, interesse de agir.

O não implemento da prestação também se liga ao interesse de agir.

Caso a Fazenda Pública tenha realizado o pagamento administrativamente, em ple-

na conformidade com o título executivo (quantidade, forma e tempo devidos), a co-

brança judicial será indevida e, assim, desnecessária.

A exigibilidade será verificada no próprio título executivo, ou outro do-

cumento que a comprove (como no caso de condição suspensiva operada), que de-

verá instruir a inicial (art. 614, inc. I, CPC), onde à ela o credor deverá fazer referên-

cia; já o inadimplemento, se verificará pela simples afirmativa do exeqüente na peça

exordial. Caso a prestação já tenha sido implementada, caberá ao executado essa

prova, tendo em vista constituir-se fato extintivo do direito do credor.

B. Legitimidade

A legitimidade para a causa, nada mais é do que a pertinência subjeti-

va com a causa, ou seja, ser titular, ativa ou passivamente, da relação jurídica objeto

da demanda. É quem pode e em face de quem se pode demandar a execução for-

çada.

A legitimidade se verifica por afirmação na inicial, que deverá estar em

consonância com o título executivo que a instruir.

Tem legitimidade ativa o credor do título, ou quem a lei processual atri-

buir essa capacidade, por via ordinária (nos casos do credor originário e seus suces-

sores) ou extraordinária (como nos casos específicos do Ministério Público).

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A legitimidade passiva, no procedimento que se estuda, é da Fazenda

Pública. Essa, por sua vez, é entendida como a Administração Pública, financeira-

mente considerada, tendo em vista que os encargos patrimoniais da demanda serão

suportadas por seu erário.133 Há de se frisar que Fazenda Pública, para o processo,

é tida em seu conceito amplo, abrangendo a União, os estados-membros, o Distrito

Federal, os Territórios e os municípios, bem como suas respectivas autarquias.

Não se aplica o regime diferenciado da execução por quantia certa

previsto no art. 100 da CR/88 às empresas públicas e sociedades de economia mis-

ta, haja vista tratarem-se de pessoas jurídicas de direito privado.

Sistematizando, serão beneficiadas pelo procedimento especial de e-

xecução contra a Fazenda Pública todas as entidades cujo patrimônio estiver sujeito

ao regime de inalienabilidade dos bens públicos.134

C. Possibilidade jurídica do pedido

Outra condição da ação é a possibilidade jurídica do pedido, a ser defi-

nido como a conformidade entre o pedido e a o ordenamento positivo. Não é lícito

deduzir pedido vedado pela legislação, isso porque ao magistrado não compete criar

ou modificar a lei, mas aplicá-la. Deferir pedido vedado pelo sistema é atuar com

abuso de poder.

Tem-se por pedido juridicamente impossível, por exemplo, o pedido de

seqüestro de verbas públicas pelo descumprimento do precatório-requisitório, não

adimplido dentro do exercício financeiro fixado pela Constituição.

A conseqüência processual pelo desatendimento dessa condição da

ação é o indeferimento liminar da inicial ou a extinção do processo sem julgamento

de mérito.

2.5. Execução provisória

A princípio, a execução judicial, como medida de sanção, deveria se

restringir aos títulos transitados em julgado, haja vista que enquanto isso não ocor- 133 MEIRELLES. Direito Administrativo Brasileiro, op. cit., p. 661-662. 134 MOREIRA. O Novo Processo Civil Brasileiro, op. cit., p. 258.

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rer, a possibilidade de modificação do provimento judicial torna incerta a obrigação

fixada pelo Judiciário.

Ocorre, todavia, que a lei, “atendendo a considerações de ordem práti-

ca”,135 admite a execução de sentença antes de seu trânsito em julgado, quando o

recurso interposto for recebido em seu efeito meramente devolutivo. Essa ordem

prática, mencionada por MOACYR AMARAL SANTOS, refere-se à excessiva demora na

espera do trânsito em julgado da decisão. Quando isso ocorre, não se pode perder

de vista a possibilidade de modificação do título executivo, razão pela qual a lei atri-

bui uma série de restrições à execução de sentença ainda não transitada em julga-

do. A essa execução dá-se o nome de execução provisória.

As limitações existentes na execução provisória estão presentes no art.

588 do CPC,136 que prevê, ainda, a responsabilidade do Exeqüente por danos ao

Executado, sendo esses dela decorrentes.

Afirma RICARDO PERLINGEIRO MENDES DA SILVA que o regime especial

de execução contra a fazenda Pública não é impeditivo da execução provisória.137

Nesse mesmo sentido se manifestou a 1ª Turma do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

por unanimidade de votos, ao admitir a execução provisória contra a Fazenda Públi-

ca.138 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no Recurso Extraordinário 181.699, também se

manifesta no sentido da admissão da execução provisória contra a Fazenda Públi-

ca.139

HUMBERTO THEODORO JUNIOR assenta que:

Embora não esteja a Fazenda Pública imune à execução provisória (CPC, arts. 587 e 588), quando se tratar de sentença que tenha por objeto a libe-ração de recurso, inclusão em folhas de pagamento, reclassificação, equipa-ração, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive de au-tarquias e fundações, a execução somente será possível após o trânsito em julgado, ou seja, somente se admitirá, na espécie, a execução definitiva (Lei n° 9.494/97, art. 2°-B, com a redação da Medida Provisória n° 2.180-35, de 24.8.2001).140

135 SANTOS. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, op. cit., v. 3, p. 228. 136 A Lei 11.232/05 quase que se limita a renumerar o atual art. 588 do CPC para art. 475-O, trazendo

algumas poucas alterações de redação incapazes de alterar a substância da atual sistemática. 137 SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 83. 138 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 1ª T. Recurso Especial n. 56.239-2/PR. Relator: Ministro

Humberto Gomes de Barros. Brasília: STJ, J.: 15.03.1995. Disponível em <www.stj.gov.br>. Acesso: 02.12.2005.

139 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1ª T. Recurso Extraordinário n. 181.699/AP. Relator: Minis-tro Sepúlveda Pertence. Brasília: STF, J.: 07.02.1995. Disponível em <www.stf.gov.br>. Acesso: 04.12.2005.

140 THEODORO JUNIOR. Processo de Execução, op. cit., p. 417.

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Assim, salvo nas hipóteses nas hipóteses da Lei 9.494/97, o entendi-

mento deve ser no sentido de que nada impede e tudo recomenda que se aceite a

execução provisória contra a Fazenda Pública, sendo, nas palavras do Ministro HUM-

BERTO GOMES DE BARROS, proferidas no voto referente ao recurso especial supra ci-

tado, “aconselhável que assim se faça”, tendo em vista que “se a decisão exeqüen-

da vier a ser confirmada, economizar-se-á tempo, de modo a se tornar menos dolo-

rosa, para o credor a incrivelmente lenta execução contra o Estado”.

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CAPÍTULO III

PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO POR

QUANTIA CERTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

O foco do presente estudo acerca da execução contra a Fazenda Pú-

blica é no que tange às obrigações de pagar quantia certa. Em razão disso é que se

passa a estudar esse procedimento, desprendido das demais espécies de obrigação

a que a Fazenda Pública possa estar sujeita a cumprir.

3.1. Procedimento diferenciado: Imunidade patrimonial

Já manifestamos nossa perplexidade quanto a existência de um proce-

dimento de execução contra a Fazenda Pública, tendo em vista que, num Estado

Democrático de Direito, o Estado deveria cumprir as decisões judiciais definitivas

voluntariamente.

Todavia, o procedimento existe, e não é sem motivo. Aqui reside outra

perplexidade, que é a existência de um procedimento diferenciado para a execução

da dívida passiva da Fazenda Pública, caracterizada pelo incompreensível privilégio

da imunidade de seu patrimônio público.

Como se manifestou MARCELO PINTO, os exagerados privilégios pro-

cessuais fazendários são oriundos de uma fase política autoritária, em que predomi-

nante era o “odioso sentimento de que o Estado devia sempre sobrepor-se nas rela-

ções com o cidadão”,141 sendo, portanto, incompatível com a atual consciência polí-

tica e jurídica nacional.

A ratio da regulamentação procedimental diferenciada está na imuni-

dade do patrimônio público, decorrente de sua impenhorabilidade.142

A execução por quantia certa, no seu procedimento comum, está ba-

seada, regra geral, na responsabilidade patrimonial do devedor. O código de pro-

cesso civil (art. 646) define como objeto da execução por quantia certa a expropria-

141 PINTO, Marcelo. Execução contra a Fazenda Pública. In: OAB/CE. Revista da OAB-CE. a. 26, n.

2, Jul.-Dez./1998, Fortaleza: ABC, p. 111-112. 142 CÂMARA. Lições de Direito Processual Civil, op. cit., v. II, p. 337.

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ção de bens do devedor, para a finalidade de satisfazer o credor que, com a evolu-

ção jurídica e a construção do princípio da dignidade da pessoa humana, responde

por suas dívidas com seus bens, presentes e futuros (art. 591, CPC).

A responsabilidade patrimonial, regra de direito material,143 decorre da

subdivisão do vínculo obrigacional em dois elementos: o débito (aspecto imaterial) e

a responsabilidade (aspecto material). O débito é o comportamento que a lei sugere

ao sujeito passivo da obrigação (devedor), no sentido de satisfazer pontualmente a

obrigação, em conformidade com a vivência honesta; a responsabilidade é o poder

conferido pela lei ao credor para, não satisfeito, excutir bens do devedor por meio de

execução judicial.144

Assim, pela divisão civilista do vínculo obrigacional, em sua concepção

dualista, a não satisfação voluntária da obrigação importa na responsabilidade pa-

trimonial do devedor, ou seja, “o patrimônio do devedor permanece, pois, num ‘esta-

do de sujeição’ enquanto a obrigação não for cumprida”.145

Assim, na execução por quantia certa, em geral, o sistema processual

prevê medida de violência patrimonial, que se inicia com a penhora e finaliza com a

expropriação em hasta pública. Essa medida de violência patrimonial é a sanção

pela não execução voluntária do direito documentado num título executivo.

A sujeição dos bens do devedor à execução, contudo, não é plena,

mas condicionada aos bens suscetíveis de penhora. A penhora, “ato pelo qual se

apreendem bens para empregá-los, de maneira direta ou indireta, na satisfação do

crédito exeqüendo”,146 possui limitações decorrentes da imunidade, em caráter abso-

luto ou relativo, de determinados bens.

Uma das espécies de restrição à penhora, chamada por LEONARDO

GRECO de impenhorabilidade intrínseca,147 decorre da própria natureza inalienável

do bem. Ora, se a expropriação judicial nada mais é do que uma alienação contrária

à vontade do devedor, a inalienabilidade do bem importa em sua impenhorabilidade.

Dentre os bens abrangidos por essa impenhorabilidade intrínseca es-

tão os bens públicos. O Código Civil brasileiro (arts. 100 e 101) traz aos bens públi- 143 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. II, p. 8. 144 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações 1ª Parte. v.

4. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.23-24. 145 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil

Interpretado conforme a Constituição da República: Parte Geral e Obrigações. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 698.

146 MOREIRA. O Novo Processo Civil Brasileiro, op. cit., p. 225. 147 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. II, p. 13.

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cos a peculiar condição de inalienabilidade, da qual decorre a regra da impenhorabi-

lidade.

A inalienabilidade dos bens públicos somente pode desaparecer em

virtude de expressa previsão em lei especial.148 Essa lei especial seria a lei de desa-

fetações que, hoje, não abrange a penhora e a arrematação ou adjudicação judici-

al.149

Em razão da imunidade do patrimônio público, resultante da impenho-

rabilidade intrínseca de seus bens, o que se tenta justificar pela continuidade do ser-

viço público, é que se estabeleceu um procedimento diferenciado de execução con-

tra a Fazenda Pública.

3.2. A previsão constitucional da execução por quantia certa contra a Fa-zenda Pública

O procedimento de execução por quantia certa contra a Fazenda Pú-

blica encontra-se disciplino no artigo 100 da Constituição, com alterações advindas

por força das Emendas Constitucionais n° 30, de 13.09.2000 e 37, de 12.06.2002, in

verbis:

Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sen-tença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresen-tação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a desig-nação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorren-tes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.

§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados di-retamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que pro-ferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilida-des do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.

148 GRECO FILHO. Direito Processual Civil Brasileiro, op. cit., v. 3, p. 93. 149 CÂMARA. Lições de Direito Processual Civil, op. cit., v. II, p. 337.

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§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precató-rios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

§ 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma es-tabelecida no § 3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precató-rio.

§ 5º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste arti-go, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público.

§ 6º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissi-vo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade.

Pela simples leitura da redação constitucional observa-se que a execu-

ção contra a Fazenda Pública, conhecida como regime dos precatórios, nada mais é

do que uma armadura constitucional de proteção aos bens da Fazenda Pública. A

regra constitucional nada mais faz do que limitar a atuação do Poder Judiciário, no

que tange à satisfação dos créditos reconhecidos em título executivo, do qual seja

devedora a Fazenda Pública.

Esse é, nos dizeres de LEONARDO GRECO, “um dos capítulos mais tris-

tes do processo de execução, pois as regras hoje estabelecidas no artigo 100 da

Constituição consagram, por via indireta, uma inaceitável imunidade do Estado ao

cumprimento das condenações que a Justiça lhe impõe”.150

É incompreensível como que o mesmo texto constitucional que impõe

responsabilidade objetiva à Administração Pública e, portanto, uma responsabilidade

civil muito mais severa do que a que rege os particulares, contemple-a com tal imu-

nidade.

O procedimento executivo que se passa a analisar é dependente da

atuação voluntária do Executivo, razão pela qual, como visto, tem sido chamada de

execução imprópria.

Muito embora haja essa previsão constitucional, nada impede que o

Executivo realize o pagamento de suas dívidas extrajudicialmente, se assim qui-

ser.151

150 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v II, p. 536. 151 Ibid., op. et loc. cit.

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3.3. O procedimento de lege lata

O procedimento criado pela lei para a execução contra a Fazenda Pú-

blica, encontra-se prescrito nos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil, que

se transcreve para melhor visualização.

Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras:

I - o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente;

II - far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito.

Art. 731. Se o credor for preterido no seu direito de preferência, o presidente do tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do Mi-nistério Público, ordenar o seqüestro da quantia necessária para satisfazer o débito.

O procedimento que se estudará aqui é aplicável apenas às execuções

por quantia certa, esteja a dívida documentada em título executivo judicial ou extra-

judicial.152 Nas obrigações para entrega de coisa, de fazer e não fazer, adotar-se-á o

procedimento comum.153

3.3.1. Citação e embargos da Fazenda Pública

O primeiro ato processual, como não poderia deixar de ser, consiste na

citação da Fazenda Pública devedora para oferecer embargos. Essa citação deverá

ser pessoal.154

O Código de Processo Civil (art. 730) estipula o prazo de dez dias para

oferecimento de embargos, a contar da juntada do mandado de citação aos autos,

por aplicação analógica ao artigo 738, inc I do CPC. Tal prazo, contudo, foi estendi-

do para trinta dias, por força da Medida Provisória n° 2.180-35/01,155 que acrescen-

tou o artigo 1°-B à Lei 9.494/97.

152 Súmula 279, de 21.05.2003, do Superior Tribunal de Justiça: “É cabível execução por título extra-

judicial contra a Fazenda Pública”. 153 SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 111. 154 SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 114. 155 A Medida Provisória 2.180-35/01 encontra-se em vigência permanente por força da mesma Emen-

da Constitucional n° 32/01, que, em seu art. 2°, assim dispôs: “As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda [12.09.2001] continuam em vigor até que medida provi-sória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação do Congresso Nacional”. Curiosa consta-

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O prazo diferenciado é, para ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, inconstitu-

cional, por afrontar o princípio da isonomia.156 Para o doutrinador, o prazo de dez

dias, antes previsto no CPC, era mais adequado, por dar o mesmo tratamento dis-

pensado aos embargos do executado no procedimento comum. Não há que se falar,

continua o autor, em igualdade de tratamento à luz da execução fiscal, que confere o

prazo de trinta dias para oferecimento de embargos, porquanto lá o título que fun-

damenta a execução foi produzido unilateralmente pelo credor, ao passo que na e-

xecução por quantia certa contra Fazenda Pública, ou o título foi produzido em pro-

cesso judicial eivado de contraditório ou extrajudicialmente com a participação da

executada. A vigência e a aplicabilidade da Medida Provisória supra citada, contudo,

têm sido admitidas pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.157

A citação da Fazenda Pública não é para pagar ou oferecer bens à pe-

nhora, mas para oferecer embargos. Isso se dá em razão do fato de que a Fazenda

Pública não pode pagar, sem utilizar-se do regime de precatórios, e nem nomear

bens à penhora, dado que seus bens são impenhoráveis.

A natureza jurídica dos embargos oferecidos pela Fazenda Pública di-

fere-se dos embargos oferecidos pelo executado no procedimento comum de execu-

ção por quantia certa. É que aquele procedimento é desprovido de instrumentos que

venham a ensejar constrição patrimonial, de modo que não há ato coativo em curso

sobre o qual os embargos possam incidir a fim de bloqueá-los. Assim, os embargos

da Fazenda Pública teriam natureza de ato de defesa.158 A verdadeira finalidade

desses embargos não é a paralisação da execução, mas sim a verificação da legali-

dade e do montante do crédito.159 HUMBERTO THEODORO JÚNIOR chega a afirmar que

diferença substancial não há entre uma ação ordinária de cobrança em face da Fa-

zenda Pública e a execução prevista no artigo 730 do CPC.160

tação: Essa mesma emenda alterou o texto constitucional, em seu art. 62, vedando a edição de Me-didas Provisórias acerca de matéria processual civil.

156 CÂMARA. Lições de Direito Processual Civil, op. cit., v. II, p. 340. 157 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 5ª T. Ementa. Recurso Especial n. 641.828/PB. Relator:

Ministro José Arnaldo da Fonseca. Brasília: STJ, J.: 28.09.2005. Disponível em <www.stj.gov.br>. Acesso: 13.12.2005.

158 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. II, p. 542. 159 Ibid., op. cit., v. II, p. 543. 160 THEODORO JUNIOR. Processo de Execução, op. cit., p. 418.

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Todavia, muito embora esteja mais próximo da contestação do que

propriamente de embargos à execução, a boa técnica requer que os embargos ofe-

recidos pela Fazenda Pública sejam considerados uma ação autônoma.161

O recebimento dos embargos acarretará na paralisação da execução,

ou seja, enquanto pendentes de julgamento os embargos, o magistrado não poderá

requisitar o pagamento por meio dos precatórios. MOACYR AMARAL SANTOS acentua

que esse efeito suspensivo dos embargos é forçoso, quer se tratando de execução

fundada em título judicial quer fundada em título extrajudicial.162 Essa suspensão

poderá, ainda, ser total ou parcial, a depender da abrangência dos embargos.

A Lei 11.232/05, no que se refere ao procedimento comum de execu-

ção por quantia certa, acabará com a figura do embargo à execução, quando funda-

da em título judicial, substituindo-o pela impugnação que não terá efeito suspensivo,

salvo situação manifestamente suscetível de causar ao executado dano grave de

difícil reparação, caso em que o seguimento da execução dependerá de caução su-

ficiente e idônea. O dispositivo deverá coibir a utilização de expedientes procrastina-

tórios. Se, por um lado, essa nova regulamentação reflete avanços na execução, por

outro significa retrocesso no que tange ao tratamento dispensado à Fazenda Públi-

ca, na medida em que mantém o sistema atual de embargos suspensivos na execu-

ção por quantia certa contra os entes públicos, criando mais um injustificável privilé-

gio processual.

No que tange às matérias que podem ser alegadas em sede de em-

bargos a execução, o sistema processual civil pátrio estabelece tratamento diverso,

conforme sejam eles incidentes à execução fundada em título judicial ou extrajudici-

al.

Quando se tratar de execução fundada em título judicial, a matéria ale-

gável em embargos está taxativamente estabelecida pelo CPC, em seu artigo 741,

cujo rol, salvo em seu inciso I (falta ou nulidade de citação no processo de conheci-

mento corrido à revelia), diz respeito apenas a matérias supervenientes à formação

do título executivo; isso se deve à eficácia preclusiva da coisa julgada material que,

segundo JOSÉ MARIA TESHEINER, torna imutável o comando contido na sentença.163

161 SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 114. 162 SANTOS. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, op. cit., v. 3, p. 404. 163 TESHEINER, José Maria. Eficácia da Sentença e Coisa Julgada no Processo Civil. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2001, p. 72.

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As matérias previstas no artigo 741 do CPC, na execução fundada em título judicial,

configuram-se, portanto, como numerus clausus.

O artigo 741 do CPC, com a vigência da Lei 11.232/05, passará a fazer

referência apenas à execução contra a Fazenda Pública, contra quem as matérias

de embargos continuarão sendo as mesmas, quais sejam: falta ou nulidade da cita-

ção, se o processo correu à revelia; inexigibilidade do título; ilegitimidade das partes;

cumulação indevida de execuções; excesso ou nulidade na execução; qualquer cau-

sa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, desde que superveniente à e-

xecução; e, incompetência do juízo, suspeição ou impedimento do juiz.

Diferente, e não poderia deixar de ser, se afigura nos embargos inci-

dentes em execução fundada em título extrajudicial. Aqui, não houve qualquer juízo

cognitivo acerca da formação do título executivo, não havendo, dessa forma, que

falar em preclusão capaz de restringir a matéria dos embargos de iniciativa da exe-

cutada.164 Assim, as matérias previstas no atual artigo 741 passam a ser meramente

exemplificativas, de forma que a Fazenda Pública poderá alegar qualquer matéria

que lhe seria lícito alegar em contestação de processo cognitivo (art. 745, CPC).

No que se refere à Fazenda Pública, não há que se falar em embargos

de segunda fase, haja vista que nas execuções de suas dívidas inexiste arremata-

ção e adjudicação de bens, dada a imunidade patrimonial.

O julgamento dos embargos far-se-á por meio de sentença, por tratar-

se de processo autônomo, embora incidente à execução. A procedência dos embar-

gos acarretará na conversão da suspensão, gerada pelo recebimento dos mesmos,

em trancamento definitivo da execução, que poderá ser total ou parcial, a depender

da abrangência da matéria impugnada ou julgada procedente, ou ainda, na anulação

do processo de conhecimento, quando relativo à ausência ou nulidade da citação

daquele. Contra a decisão que julgar procedentes os embargos, caberá recurso de

apelação, a ser recebido em seu duplo efeito (devolutivo e suspensivo), de forma

que a execução se manterá suspensa,165 pois a apelação não atingirá o efeito sus-

pensivo produzido pelo recebimento dos embargos.166

164 MOREIRA. O Novo Processo Civil Brasileiro, op. cit., p. 293. 165 GRECO FILHO. Direito Processual Civil Brasileiro, op. cit., v. 3, p. 113. 166 MOREIRA. O Novo Processo Civil Brasileiro, op. cit., p. 297.

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65

Em sendo julgados improcedentes os embargos, caberá apelação a ser

recebida em seu efeito meramente devolutivo (art. 520, inc. V, CPC), de forma que,

mesmo pendente de recurso, a execução retornará ao seu curso normal.167

Note-se que a sentença de improcedência dos embargos é contrária

aos interesses da Fazenda Pública executada, o que leva a doutrina a afirmar que a

produção dos efeitos dela decorrentes estará sujeita ao duplo grau de jurisdição,168

de forma que poderia-se concluir que a execução continuaria paralisada. A corte es-

pecial do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no entanto, “pacificou a controvérsia no

sentido de que a decisão que rejeita embargos à execução contra o Estado não se

submete ao duplo grau de jurisdição obrigatório”,169 o que se deu nos Embargos de

Divergência em Recurso Especial n° 233.619/SP.170 Neste recurso, o relator, Minis-

tro HUMBERTO GOMES DE BARROS, em seu voto, argumentou que aceitar o duplo grau

de jurisdição obrigatório no processo executivo seria “homenagear a linha de pen-

samento que enxerga no Poder Judiciário um singelo instrumento de alargamento da

dívida pública”.

Pacificada a matéria na jurisprudência, e com razão, não há que se fa-

lar em duplo grau de jurisdição obrigatório contra decisão que julga improcedentes

embargos executórios da Fazenda Pública. Caberá a ela apelar da decisão, o que

se dará com efeito meramente devolutivo. Portanto, menos uma arma protelatória

para a Fazenda Pública.

3.3.2. Requisição de pagamento (Precatórios)

Não tendo sido opostos embargos executórios ou, em tendo sido inter-

postos, julgados improcedentes, segue, de imediato, a execução contra a Fazenda

Pública na forma disposta no inciso I do artigo 730 do CPC, onde prevê a requisição

167 LUIZ WAMBIER, FLÁVIO ALMEIDA e EDUARDO TALAMINI assinalam que prevalece o entendimento de

que a execução pendente de recurso contra a sentença que julgou improcedentes os embargos continua sendo definitiva (WAMBIER, Luiz Rodrigues (Organizador). Curso Avançado de Proces-so Civil. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, v. 2, p. 139-140).

168 SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 115. 169 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 5ª T. Recurso Especial n. 639.836/SE. Relator: Ministro

José Arnaldo da Fonseca. Brasília: STJ, J.: 28.09.2005. Disponível em <www.stj.gov.br>. Acesso: 14.12.2005.

170 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Corte Especial. Embargos de Divergência em Recurso Especial n.° 233.619/SP. Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. Brasília: STJ, J.: 01.04.2002. Disponível em <www.stj.gov.br>. Acesso: 14.12.2005.

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66

de pagamento dirigida à Administração Pública, o que se dá por intermédio do presi-

dente do tribunal competente. À requisição de pagamento dá-se o nome de precató-

rio judicial.

O processamento dos precatórios dentro do Tribunal seguirá o regi-

mento interno respectivo, que terminará com uma comunicação dirigida ao órgão da

Administração Pública responsável pelo pagamento.

Não havendo irregularidades posteriores, aqui terminará a atuação do

Poder Judiciário que, por todo seu esforço, nada mais é do que um estímulo ao pa-

gamento voluntário por parte da Administração Pública. O prefácio de pesquisa rea-

lizada pelo CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL compara tal procedimento à fábula de E-

sopo, que a narra a história segundo a qual “a montanha contraiu-se, revirou-se, ur-

rou e, finalmente, pariu... um rato, desprezível e impotente”.171 Tal comparação deve

ao fato de que após anos de litígio judicial, o Judiciário profere uma sentença inútil,

na em que necessita da vontade da parte para se fazer cumprir.

Adentrando pelo temerário campo dos precatórios judiciais, imperioso

se faz analisar sua conceituação e desenrolar procedimental.

Respeitável doutrina tem afirmado ser o precatório a requisição dirigida

pelo Tribunal competente para a Fazenda Pública realizar o pagamento.172

AMÉRICO LUÍS MARTINS DA SILVA, por sua vez, afirma que a definição DE

PLÁCIDO E SILVA é “perfeita e demonstra [...] uma rara lucidez”.173 Para este autor,

precatórios são “as cartas expedidas pelos juízos da execução aos Presidentes dos

Tribunais de Justiça, a fim de que, por seu intermédio, se autorizem e se expeçam

as respectivas ordens de pagamento às repartições pagadoras”.174

O procedimento de comunicação à Fazenda Pública para pagamento é

fracionado em dois momentos, a saber: 1°) a formação e expedição do precatório,

pelo Juiz da execução, e, 2°) a emissão de ofício de requisição de pagamento dirigi-

do à Fazenda Pública, pelo Presidente do respectivo Tribunal.175

171 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Execução contra a Fazenda Pública: Razões políticas do

descumprimento às ordens judiciais. Série Pesquisas do CEJ, n° 8. Brasília: CJF, 2002. 172 THEODORO JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil, op. cit., v. II., p. 255. SANTOS. Pri-

meiras Linhas de Direito Processual Civil, op. cit., v. 3, p. 278. 173 SILVA. Do Precatório-Requisitório na execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 101. 174 Apud SILVA. Do Precatório-Requisitório na execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p.

101. 175 É sabido que em alguns estados, como no do Rio de Janeiro, são formados autos de precatórios,

onde, de forma totalmente anômala, se forma um procedimento extralegal que inicia uma nova bata-lha judicial.

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67

O precatório diz respeito ao primeiro momento do procedimento de

comunicação para pagamento, supra mencionado, ou seja, refere-se ao ato pratica-

do pelo Juízo onde se processou a execução. AMÉRICO LUÍS MARTINS DA SILVA chega

a ponderar que o precatório “é quase similar às cartas precatórias, rogatórias e de

ordem”, a diferença estaria na finalidade e no destinatário.176 O precatório segue,

inclusive, modelo análogo ao das cartas precatórias, no que se refere aos requisitos,

formação e tramitação.177

Pode-se- afirmar, portanto, que precatório é o instrumento processual

expedido pelo juízo da execução e dirigido ao Tribunal ao qual está subordinado,

para que, por intermédio do Presidente deste, seja autorizado e expedido ofício re-

quisitório à Fazenda Pública exeqüenda para pagamento da quantia devida.

Como já afirmado capítulos atrás, a execução contra a Fazenda Públi-

ca possui natureza jurisdicional, muito embora seja isenta de atos de coerção patri-

monial, tratando-se, assim, de uma execução imprópria. Como afirma LEONARDO

GRECO, a atividade jurisdicional é aquela exercida pelo magistrado, com funções de-

cisórias, no sentido de assegurar a tutela do interesse privado.178 É exatamente isso

o que ocorre na execução contra a Fazenda Pública, uma atividade de competência

de um magistrado, que a exerce com poder decisório, e que está no exclusivo inte-

resse do particular. A atividade do Juízo da execução é, por tanto, de natureza juris-

dicional. O mesmo, contudo, não se pode afirmar da atuação do Presidente do Tri-

bunal ao qual o Juízo da execução esteja subordinado.

RICARDO PERLINGEIRO MENDES DA SILVA expõe que o Presidente do Tri-

bunal, na execução contra a Fazenda Pública, é desprovido de poder decisório, ten-

do em vista que todos os incidentes da execução são resolvidos pelo Juízo da exe-

cução.179 Em razão disso, é correto afirmar que a atividade exercida pelo Presidente

do Tribunal é de natureza administrativa. Nesse sentido, firmou entendimento o SU-

PREMO TRIBUNAL FEDERAL.180

Após a determinação pelo Juízo da execução, deverá o cartório expedir

o precatório judicial, que assumirá a mesma forma de uma carta precatória, com

176 SILVA. Do Precatório-Requisitório na execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 101. 177 Ibid., op. cit., p. 102. 178 GRECO, Leonardo. Jurisdição Voluntária Moderna. São Paulo: Dialética, 2003, p. 21. 179 SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 116. 180 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, T. Pleno. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n°

213.696/SP. Relator: Ministro Carlos Velloso. Brasília: STF, J.: 26.11.1997. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 19.12.2005.

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poucas alterações. O precatório judicial deverá conter todos os elementos necessá-

rios para individualização do credor e da Fazenda Pública devedora, do valor, ori-

gem do crédito, Tribunal ao qual é dirigido, e instruído com documentos pertinentes.

Após a assinatura do Juiz da execução, o precatório será encaminhado ao Presiden-

te do Tribunal correspondente, onde será distribuído, registrado e autuado. Em se-

guida, o Presidente do Tribunal expedirá ofício requisitório de pagamento à Fazenda

Pública devedora.

Expedido o precatório pelo Juízo da execução ao Tribunal competente,

e emitido ofício requisitório de pagamento à Fazenda Pública devedora, competirá a

esta tomar medidas indispensáveis à abertura dos créditos a serem colocados à dis-

posição da Presidência do Tribunal para os respectivos pagamentos.

3.3.3. O procedimento de pagamento dos precatórios

O pagamento dos precatórios dependerá da atuação voluntária do Po-

der Público, que deverá realizar o pagamento na ordem de apresentação do preca-

tório e à conta do respectivo crédito (Art. 730, inc. II, CPC).

Existe, portanto, uma imposição constitucional de pagamento segundo

a ordem cronológica de apresentação dos precatórios, sob pena de seqüestro da

quantia necessária à satisfação do crédito preterido na ordem. Essa ordem cronoló-

gica é a de registro e autuação dos precatórios no Tribunal, não a de recebimento

dos ofícios requisitórios pelo Poder Público;181 a organização de pagamento é de

competência do Tribunal.

A. Obrigações Alimentares

A redação do artigo 100 da CR/88, já transcrito, excepciona os créditos

de natureza alimentícia da regra de pagamento segundo a ordem cronológica de

apresentação. São créditos de natureza alimentícia aqueles decorrentes de salários,

vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciá-

181 SILVA. Do Precatório-Requisitório na execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 106.

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rios182 e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em

virtude de sentença transitada em julgado (§1°-A, art. 100, CR/88).

A redação constitucional poderia levar a algumas conclusões no senti-

do de dispensa de precatório em dívidas dessa natureza, todavia, o SUPREMO TRIBU-

NAL FEDERAL já firmou entendimento no sentido da necessidade de expedição de

precatórios nessas situações.183 Há, portanto, de se considerar a existência de duas

ordens cronológicas de pagamento, uma ordem privilegiada com os créditos de natu-

reza alimentícia, e outra referente aos créditos de naturezas diversas, de modo que

estes só poderão ser quitados após a satisfação daquela.184

B. Obrigações de pequeno valor e proibição de fracionamento dos precató-rios

A Emenda Constitucional n° 20, de 15.12.1998, que alterou o artigo

100 da Constituição, instituiu em seu §3° a dispensa de precatório para pagamento

das obrigações de pequeno valor, o que se revela, segundo RICARDO SEIBEL DE FREI-

TAS LIMA, concretizador de um verdadeiro princípio de Justiça.185 A determinação do

que venha a ser pequeno valor ficou a cargo da legislação infraconstitucional. Se-

182 O artigo 128 da Lei 8.213/91 dispensava a expedição de precatórios para pagamento de benefí-

cios previdenciários de pequeno valor. Contra tal dispositivo nunca se afirmou ofensa às normas or-çamentárias, chegando até a haver receita e fundo específico, no Instituto Nacional do Seguro Soci-al, para tais pagamentos (SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 131). Tal prática, contudo, foi inviabilizada por decisão do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL que declarou inconstitucional o dispositivo em comento (ADI n° 1.252 Apud SILVA. Do Precatório-Requisitório na execução con-tra a Fazenda Pública, op. cit., p. 106.). LEONARDO GRECO apresenta duras críticas a tal decisão, transcritas ipsis literis: “Não fosse suficiente a chicana sistemática da Fazenda Pública que não pa-ga o que deve aos cidadãos, goza de todos os privilégios processuais e usa impunemente de todos os expedientes procrastinatórios para retardar o processo de conhecimento e a conseqüente execu-ção, tem ela sido extremamente beneficiada pela lastimável jurisprudência recente do Supremo Tri-bunal Federal em matéria de precatórios, guardião inflexível da chave do cofre, que os administra-dores e legisladores arrombam com extrema facilidade, em detrimento da tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos cidadãos: declarou inconstitucional o precatório indexado; declarou inconstitucional prática usual e absolutamente correta de pagamento de benefícios previdenciários sem precatório (Afinal, trata-se ou não de um benefício social? Ou será que o segurado é o INSS?); exigiu o preca-tório, mesmo do crédito de natureza alimentícia, apesar da ressalva expressa constante do caput do art. 100 da Constituição. Tudo em benefício da sacralidade formal e do nominalismo orçamento. Quousque tandem...?” (O Processo de Execução, op. cit., v. II, p. 545).

183 Súmula 655, de 24.09.2003, do Supremo Tribunal Federal: “A exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de preca-tório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza”.

184 CÂMARA. Lições de Direito Processual Civil, op. cit., v. II, p. 342. 185 LIMA, Ricardo Seibel de Freitas. A execução contra a Fazenda Pública – questões polêmicas nos

Tribunais. In: Interesse Público. n. 21, a. 5. Set.-out./2003. Porto Alegre: Notadez, p. 128.

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gundo o §5ª do artigo 100 da CR/88, dispositivo incluído pela EC 30/00 e renumera-

do pela EC 37/02, a lei poderá fixar diferentes valores, segundo a capacidade de

cada ente federativo. Esta última emenda deu nova redação ao artigo 87 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, que prevê como obrigações de pequeno

valor, na ausência de leis federal, estaduais e municipais definidoras, o valor de qua-

renta salários mínimos para os Estado e trinta salários mínimos para os municípios.

No que se refere à União, a Lei Federal n° 10.259, de 12.07.2001, define pequeno

valor como condenações iguais ou inferiores a sessenta salários mínimos.

As obrigações de pequeno valor, portanto, dispensam a expedição de

precatórios, devendo ser pago em prazo exíguo. No que se refere a obrigações de

pequeno valor originadas antes da EC 37/02, o §1° do artigo 86 do ADCT criou um

regime de transição, não as dispensando do regime de precatórios, mas dando-lhes

prioridade de pagamento sobre as demais.

A não exigência de precatórios para pagamento das obrigações de pe-

queno valor, contudo, poderia levar a tentativas fraudulentas de fracionamento do

valor, de modo que parte da dívida tivesse seu pagamento adiantado frente à regra

de dispensa da expedição de precatórios. Visando coibir tal prática, a EC 37/02 trou-

xe outra novidade, ao instituir o §4° no artigo 100 da CR/88, que foi a vedação de

fracionamento, repartição ou quebra de valor da execução, estando, portanto, proi-

bida a expedição de precatório suplementar ou complementar. Instado a se pronun-

ciar em Ação Direta de Inconstitucionalidade, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL se mani-

festou no sentido da possibilidade de expedição de precatório complementar ou su-

plementar apenas para correção de erros materiais e inexatidões aritméticas conti-

dos no precatório original, ou da substituição de índice já extinto.186 Para tanto, deci-

diu o Excelso Tribunal que é incabível o pagamento imediato da diferença constata-

da, havendo inafastável necessidade de expedição de um novo precatório.187

É importante ressaltar, contudo, que a dispensa da expedição de pre-

catório não acarreta em suprimir a citação e oportunidade de oferecimento de em-

bargos da Fazenda Pública executada, atos necessários num processo de execu-

ção. 186 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.924. Relator: Minis-

tro Carlos Velloso. In: A Constituição e o Supremo. Brasília: STF. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 22.12.2005.

187 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n° 490.528. Relator: Ministro Celso de Mello. In: A Constituição e o Supremo. Brasília: STF. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 22.12.2005.

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C. O pagamento dos precatórios: Ordem cronológica, inclusão orçamentá-ria, liquidação e seqüestro de verbas

De redação clara e incisiva, estabelecem o caput do artigo 100 da

CR/88 e o inciso II do artigo 730 do CPC que o pagamento dos precatórios se reali-

zará exclusivamente na ordem de apresentação do precatório e à conta do respecti-

vo crédito. É taxativa essa regra, que admite como exceção apenas as hipóteses de

obrigações alimentares, que seguem uma ordem paralela e privilegiada, e as obriga-

ções de pequeno valor, que dispensam a apresentação de precatórios.

A ordem cronológica, afirma AMÉRICO LUÍS MARTINS DA SILVA, é determi-

nada pela autuação e registro dos precatórios no Tribunal, e não pelo recebimento

dos ofícios requisitórios na Fazenda Pública.188 Essa afirmação decorre do conceito

de Precatório; sendo este uma carta dirigida pelo Juízo da execução ao Presidente

do Tribunal, outra não pode ser a conclusão, tendo em vista que o Precatório é a-

presentado ao Presidente do Tribunal; o que se apresenta à Fazenda Pública é ape-

nas um ofício requisitando o pagamento, não o precatório.

Incumbe ao Presidente do Tribunal analisar os precatórios, emitir o ofí-

cio requisitório e organizar os pagamentos. O papel da Fazenda Pública será o de

depositar em conta especial à disposição da Justiça quantia suficiente para liquida-

ção de suas dívidas, cujo pagamento fora requisitado pelo Presidente do Tribunal

competente. Recebido o ofício requisitando o pagamento de dívida passiva, a Fa-

zenda Pública, por sua autoridade competente, deverá tomar as atitudes necessá-

rias no sentido de fazer incluir no orçamento dotações suficientes para a liquidação

da dívida.

A inclusão orçamentária é imperativo constitucional (art. 100, §1°), que

estabelece a seguinte regra: os precatórios apresentados até 1° de julho, deverão

ser pagos até o final do exercício seguinte, de modo que, os precatórios apresenta-

dos após essa data, deverão ser pagos no exercício seguinte àquele. Essa regra é

totalmente compreensível e adequada à sistemática orçamentária, que exige projeto

orçamentário elaborado pelo Executivo e aprovado pelo Legislativo, o que demanda

188 SILVA. Do Precatório-Requisitório na execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 106.

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tempo e deve ser feito, com a sanção presidencial, até o encerramento da sessão

legislativa.

Elaborado o orçamento com previsão de dotação orçamentária para

pagamento de precatórios, o Poder Público deverá empenhar a quantia requisitada,

emitindo pagamento em conta especial à disposição do Tribunal requisitante. Feito

isso, é de bom alvitre que a Fazenda Pública encaminhe ao Tribunal ofício informan-

do-o do atendimento à requisição, bem como dizendo a que precatório o pagamento

se refere. Estando o valor requisitado devidamente depositado à disposição da Jus-

tiça, caberá agora ao Presidente do Tribunal autorizar ao credor o levantamento da

quantia.

Essa ordem cronológica, de previsão constitucional desde a Carta de

1934, impede que os credores se digladiem para arrancar sua verba antes dos de-

mais, o que foi chamado de advocacia administrativa.

Na liquidação dos precatórios, em havendo preterição na ordem de pa-

gamento, deverá o Presidente do Tribunal, responsável pela expedição da ordem de

pagamento, após ouvir o chefe do Ministério Público, ordenar o seqüestro da quantia

necessária para satisfação do débito preterido.

O seqüestro deve ser admitido mesmo quando o pagamento tenha sido

realizado de modo indireto, como no caso da compensação, por exemplo, pois isso

resultaria permitir de modo indireto aquilo que a Constituição vedou de modo direto.

A ordem cronológica não é para benefício da Fazenda Pública devedo-

ra, e sim para os credores, que não se verão prejudicados por outros com maior a-

cesso ao Poder Público, devendo a ordem ser rigorosamente observada. Em razão

disso, pouco importa que a preterição da ordem tenha sido decorrente de transação

vantajosa para a Fazenda Pública, o seqüestro será cabível, conforme decidiu o SU-

PREMO TRIBUNAL FEDERAL.189

O seqüestro não poderá ser ordenado de ofício, tendo em vista a ex-

pressa menção constitucional “a requerimento do credor”, prevista no §2° do artigo

100, dispositivo esse que prevê a possibilidade de seqüestro. A intimação do chefe

do Ministério Público, para manifestação na qualidade de fiscal da lei, decorre do

artigo 731 do Código de Processo Civil, que regulamenta aquele dispositivo consti-

tucional.

189 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl n° 2.143-AgR. Relator: Ministro Celso de Mello. In: A

Constituição e o Supremo. Brasília: STF. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 22.12.2005.

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JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, com razão, afirma ser o seqüestro

uma medida sancionatória de caráter satisfativo, tendo em vista que o valor seqües-

trado será utilizado para pagamento do credor preterido na ordem.190

Por fim, deve-se analisar o objeto do seqüestro, verificando-se quem

será o sujeito passivo dessa medida, ou seja, se a medida de seqüestro recairá so-

bre o patrimônio da Fazenda Pública ou do particular que preteriu a ordem.

ALEXANDRE FREITAS CÂMARA é incisivo ao afirmar que o seqüestro recai-

rá sobre a quantia indevidamente paga, tendo em vista a impenhorabilidade do pa-

trimônio público.191 AMÍLCAR DE CASTRO, adotando igual posicionamento, expõe como

razões, a impenhorabilidade do patrimônio público e o fato de que o pagamento se

dá por autorização do Presidente do Tribunal, de forma que não se pode atribuir

responsabilidade à Fazenda Pública por equivoco daquela autoridade.192

LEONARDO GRECO, por sua vez, afirma que o seqüestro “incidirá sobre

rendas outras que não as depositadas, e não sobre o dinheiro recebido pelo credor

beneficiado”.193 RICARDO MENDES PERLINGEIRO, assevera que a impenhorabilidade

dos bens públicos é dogma que precisa ser quebrado, e que aqui há uma exceção

em nível constitucional, permissiva de seqüestro da verba pública; afirma ainda, que

o seqüestro previsto na Constituição incide sobre o depósito já disponibilizado pelo

orçamento para pagamento das decisões judiciais, de modo que não prejudica o

Poder Executivo,194 afastando-se, assim, os dois argumentos utilizados por AMÍLCAR

DE CASTRO.

Esse último entendimento, que se revela mais correto, tendo em vista

privilegiar a eficácia da jurisdição, foi o adotado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.195

Ainda sobre o seqüestro, há de se ressaltar que a única causa de pedir

pata tal medida se baseia na preterição da ordem cronológica de apresentação.196

Afirma-se isso para dizer que não há que se falar em seqüestro decorrente de não

190 MOREIRA. O Novo Processo Civil, op. cit., p. 259. 191 CÂMARA. Lições de Direito Processual Civil, op. cit., v. II, p. 343. 192 CASTRO, Amílcar de. Apud SILVA. Do Precatório-Requisitório na execução contra a Fazenda

Pública, op. cit., p. 132. 193 GRECO. O Processo de Execução, op. cit., v. II, p. 544. 194 SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 127. 195 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl n° 2.143-AgR. Relator: Ministro Celso de Mello. In: A

Constituição e o Supremo. Brasília: STF. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 22.12.2005. 196 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n° 1.662. Relator: Ministro Maurício Corrêa. In: A Consti-

tuição e o Supremo. Brasília: STF. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 22.12.2005.

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inclusão orçamentária da verba necessária ao pagamento das dívidas passivas e

nem quando de pagamento a menor.197

D. Atualização monetária e juros do precatório judicial

É inevitável a existência de espaço de tempo entre a expedição e o

cumprimento do precatório, haja vista o rígido controle orçamentário a que estão su-

bordinadas as Fazendas Públicas. Por outro lado, fato público e notório que dispen-

sa comprovação, o Brasil possui altos índices de defasagem da moeda, de modo

que a desatualização monetária do precatório pode significar para o credor um em-

pobrecimento sem causa.

Devemos concordar com HUMBERTO THEODORO JÚNIOR quando diz que

o credor não deve arcar com o prejuízo decorrente da defasagem monetária do pre-

catório.198 Seria de todo avassalador se o credor, além de se sujeitar a inexplicáveis

privilégios processuais fazendários, tivesse de suportar a desvalorização do valor a

receber do ente público. É de bom alvitre, portanto, a expressa previsão constitucio-

nal de atualização monetária.

O texto constitucional prevê em seu artigo 100, §1°, que os precatórios

serão atualizados monetariamente na data de seu pagamento, que deverá ocorrer

até o final do exercício seguinte ao de sua apresentação. Esse dispositivo, acrescen-

tado por força da EC 30/00, pôs fim ao problema da demora no cumprimento dos

precatórios, que acarretava numa infindável execução, dada as múltiplas e sucessi-

vas apurações de diferenças,199 com uma enorme sucessão de precatórios comple-

mentares, admitido pela jurisprudência.200

Assim, dispensa-se a expedição de precatório complementar para in-

clusão de correção monetária, tendo em vista que a atualização do valor se dará no

momento do pagamento.201 Pensar diferente significaria perpetuar a execução con-

197 SILVA. Do Precatório-Requisitório na execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 135. 198 THEODORO JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil, op. cit., v. II, p. 258. 199 Ibid., op.et loc. cit.. 200 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 1ª T. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.

6.734/SP. Relator: Ministro Demócrito Reinaldo. Brasília: STJ, J.: 11.09.1991. Disponível em <www.stj.gov.br>. Acesso: 28.12.2005.

201 RICARDO SEIBEL DE FREITAS LIMA afirma que a nova redação do art. 100, §1°, da CR/88 exigirá no-vo posicionamento do STF, ressaltando que essa Corte, em julgamento posterior à EC 30/00 (AI

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tra a Fazenda Pública, uma vez que quando fosse apresentado o precatório com-

plementar referente à correção monetária, já haveria outra atualização pendente, a

exigir novo precatório complementar.

A atualização da correção monetária deverá ser realizada pela Fazen-

da devedora, no momento do pagamento, cabendo ao Presidente do Tribunal sua

verificação. A este incumbe, inclusive, a correção de erros materiais ou inexatidão

no cálculo, bem como a substituição de índices extintos, o que decorre da própria

redação do §2° do artigo 100 da CR/88, conforme julgado da nossa Corte guardiã da

constituição.202

No que se refere à possibilidade de expedição de precatórios com valo-

res expressos em índices de correção (tal como a extinta Obrigação Reajustável do

Tesouro Nacional – ORTN), a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL firmou-

se em sentido contrário, de forma que o valor do precatório deve ser expresso em

moeda nacional.203

No que tange à incidência de juros moratórios, há ausência de previsão

constitucional, de forma a exigir uma análise que parte do conceito de mora, oriundo

do Direito das Obrigações.

GUSTAVO TEPEDINO, HELOISA BARBOZA e MARIA MORAES, definem mora

como “o injusto retardamento na execução da obrigação, quer por parte do devedor,

quer por parte do credor, quando aquele não satisfaz e quando este não recebe a

prestação oferecida, no tempo, lugar e forma convencionados”.204 Trata-se, portanto,

de estágio momentâneo, decorrente de fato comissivo ou omissivo de uma das par-

tes.

O inadimplemento de uma obrigação pode assumir uma feição absolu-

ta ou relativa, a depender da utilidade que o cumprimento fora do tempo, forma ou

lugar devidos ainda possa trazer ao credor. Se o implemento de obrigação em des-

conformidade com o pacto não trouxer utilidade [objetivamente considerada] para o

credor, estaremos diante de um inadimplemento absoluto, tendo como única conse-

qüência a conversão em perdas e danos (art. 395, parágrafo único, CC). Se, todavia,

o cumprimento da obrigação, ainda que em desconformidade com o pacto original,

448.494/SP), reafirmou seu entendimento pretérito no sentido da necessidade de expedição de pre-catório complementar (LIMA. A Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 138).

202 LIMA. A Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 137. 203 THEODORO JÚNIOR. Curso de Direito Processual Civil, op. cit., v. II, p. 259. 204 TEPEDINO; BARBOZA; MORAES. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da Re-

pública, op. cit., p. 709.

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ainda for útil ao credor, esse inadimplemento será relativo. Como exemplo dessa

última situação, temos as dívidas financeiras; ainda que o devedor não pague o dé-

bito no prazo pactuado, o recebimento da quantia devida, a posteriori, será útil ao

credor. A esse inadimplemento relativo é que damos o nome de mora. Como dito

linhas atrás, é bom frisar, a mora decorre de fato ou omissão imputável à parte ina-

dimplente.

Muito cômodo seria para os devedores se nenhuma conseqüência lhes

resultassem em razão da mora. Em razão disso, a legislação material estabelece

como conseqüências da mora solvendi, a responsabilização por prejuízos dela de-

correntes e para com os honorários advocatícios, bem como a atualização monetária

e a incidência de juros (Art. 395, caput, CC).

Estando em mora, portanto, o débito estará sujeito à incidência dos ju-

ros moratórios, que tem por fito indenizar pelo retardamento no implemento da obri-

gação. Trata-se, portanto, de regra de eqüidade, na medida em que remunera o cre-

dor privado de seu capital.

Embora não haja previsão constitucional, razão não há para que retire

da Fazenda Pública o ônus pelo pagamento de juros moratórios. A isenção desse

ônus contrariaria noções elementares do direito obrigacional, atribuindo aos entes

públicos mais um privilégio próprio das autocracias.

Há que se estabelecer, contudo, o termo a quo para a incidência dos

juros moratórios na execução contra a Fazenda Pública.

Estabelece o artigo 405 do Código Civil que os juros de mora são con-

tados desde a citação inicial. A súmula 163, de 13.12.1963, do SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL, ao arrepio do Princípio da isonomia, reafirmou essa regra, ressalvando,

todavia, a Fazenda Pública. Tal súmula, contudo, restou derrogada pelo artigo 1° da

Lei 4.414, de 24.09.1964, que assim dispôs: “A União, os Estados, o Distrito Federal,

os Municípios e as autarquias, quando condenados a pagar juros de mora, por êste

responderão na forma do direito civil.” Essa derrogação foi reconhecida pelo próprio

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.205

Razão não há para tratar, no ponto em comento, de forma diferenciada

a Fazenda Pública. A melhor solução é a incidência de juros moratórios desde a ci-

tação inicial, tal qual dispõe a lei civil, até a expedição do precatório. Quando expe-

205 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2ª T. Recurso Extraordinário n° 109.156-8/SP. Relator: Aldir

Passarinho. Brasília: STF, J.: 16.06.1987. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 04.03.2006.

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dido o precatório deve haver a paralisação na incidência dos juros, tendo em vista

que o não implemento imediato da obrigação não será decorrente da vontade fazen-

dária, mas de determinação constitucional. Aqui se faz plausível o entendimento de

nossa Corte guardiã da Constituição, que firmou entendimento no sentido de que no

interregno entre a expedição do precatório e a data de seu eficaz pagamento, desde

que este se dê no prazo constitucionalmente estabelecido, não há que se falar em

juros moratórios,206 tendo em vista que a regra estabelecida pela Magna Carta des-

caracteriza mora da Fazenda Pública. Passado o prazo constitucional, contudo, sem

que tenha havido o pagamento, os juros moratórios devem voltar a incidir, a contar

da data em que se encerrou o exercício financeiro em que deveria ter sido realizado

o pagamento.

Não há razão para que não se possa atribuir aos juros moratórios o

mesmo tratamento dispensado à forma de pagamento da correção monetária, dis-

pensando assim a expedição de precatório complementar e atribuindo ao Presidente

do Tribunal a competência para estabelecer a inclusão dos juros moratórios na auto-

rização de levantamento do valor consignado à conta do Tribunal para os pagamen-

tos.

E. Prescrição do débito fazendário

Não é uma tarefa de fácil realização a distinção entre prescrição e de-

cadência. Tal distinção se faz de suma importância, dado o tratamento legal dispen-

sado a cada um desses institutos.

É corriqueira a diferenciação consubstanciada na idéia de que a pres-

crição é a perda do direito de ação, ao passo de que a decadência é a perda do pró-

prio direito. Tal critério, muito usual, além de prestigiar a já superada teoria concretis-

ta da ação, é incapaz de permitir uma nítida distinção entre os institutos.

Na verdade, a prescrição não extingue o direito de ação, mas sim cria

um óbice ao exercício do direito, que ainda persiste. A decadência, esta sim, põe fim

ao direito da parte, fulminando-o. Na divisão do vinculo obrigacional em débito e

responsabilidade, a prescrição seria responsável pela extinção da responsabilidade,

206 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n° 457.547. Relator: Ministro Carlos Velloso. In: A Consti-

tuição e o Supremo. Brasília: STF. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 22.12.2005.

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subsistindo o débito, convertendo-se, assim, numa obrigação natural, em que não se

pode exigir o cumprimento da obrigação, mas, em sendo este realizado voluntaria-

mente, não há que se falar em repetição do que se pagou (art. 882, CC).

Entender a prescrição como extinção do direito de ação é privilegiar a

teoria concretista da ação, já superada pelas teorias abstrata e eclética da ação. O

direito de ação não se confunde com o direito material, sendo, também, um direito

cívico que corresponde ao dever irrecusável de resposta do estado-Juiz.207 Com a

prescrição, portanto, não se extingue o direito de ação, mas sim o próprio direito ma-

terial.

Para melhor esclarecer a distinção entre prescrição e decadência, tor-

na-se irrecusável recorrer-se às duas grandes categorias de direitos preconizadas

por GIUSEPPE CHIOVENDA.208

Para o processualista italiano, os direitos, sendo vários, podem ser

classificados em duas grandes categorias, a saber: a) Direitos a uma prestação

(subjetivos em sentido estrito); e, b) Direitos potestativos. Naqueles, o bem da vida

se obtém mediante a prestação positiva ou negativa de outrem; nesses, há dispensa

sa participação de outrem, que não fica obrigado mas sujeito à sua produção. A su-

jeição, inerente aos direitos potestativos, “é um estado jurídico que dispensa o con-

curso de vontade do sujeito”.209

Os direitos prestacionais (pretensões de índole condenatória), por se-

rem dependentes da atuação de outrem, são passíveis de lesão. Já no que tange

aos direitos potestativos (verificáveis nas pretensões de extinção, modificação ou

constituição de uma relação jurídica), não há que se falar em lesão. Sobre o tema,

assim leciona GIUSEPPE CHIOVENDA:

Ao aludirmos à lesão dos direitos, tivemos presentes exclusivamente os di-reitos a uma prestação; e isso porque só estes podem ser lesados. Os direi-tos potestativos, por sua própria natureza, já que não se dirigem contra uma obrigação, mas se exaurem no poder jurídico de produzir um efeito jurídico, e se exercitam com uma simples declaração de vontade, com ou sem o concurso de sentença judicial, não podem ser lesados por ninguém.210

A prescrição está ligada aos direitos subjetivos, chamados por CHIO-

VENDA de prestacionais, verificados nas pretensões condenatórias, sendo passíveis

de violação. A decadência, por sua vez, está relacionada aos direitos potestativos, 207 Cf. GRECO. A Teoria da Ação no Processo Civil, op. cit., p. 9-13. 208 CHIOVENDA. Instituições de Direito Processual Civil, op. cit., v. I, p. 25-33. 209 Ibid., op. cit., p. 31. 210 Ibid., op. cit., p. 36.

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verificados nas pretensões constitutivas, onde a parte adversa está sujeita e não

obrigada ao direito, sendo, por isso mesmo, impossível a violação.

Em relação à execução contra a Fazenda Pública, trata-se de um direi-

to prestacional, ou seja, passível de prazo prescricional.

RICARDO PERLINGEIRO MENDES DA SILVA adverte que, por se tratar, a

prescrição e a decadência, de institutos que obstam ou extinguem direitos, faz-se

indispensável o respeito ao princípio da reserva legal.211

Segundo a Súmula 150, de 13.12.1963, do SUPREMO TRIBUNAL FEDE-

RAL, a execução prescreve no mesmo prazo da ação cognitiva. Assim, aplica-se à

execução contra a Fazenda Pública o Decreto n° 20.910, de 06.01.1932, e o Decre-

to-Lei n° 4.597, de 19.08.1942, que dispõem que todo e qualquer direito de ação

contra a Fazenda Pública, federal, estadual ou municipal, bem como contra as au-

tarquias ou entidades e órgãos paraestatais criados por lei, prescrevem em cinco

anos, a contar do ato ou fato do qual se originem.212 O Decreto-Lei 4.597/42 prevê

ainda uma prescrição intercorrente de dois anos e meio, dentro dos processos con-

trários à Fazenda Pública.

No que se refere às execuções fundadas em título judicial, contrárias

ao Estado, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA firmou entendimento no sentido de que

prescrevem em cinco anos, a contar do trânsito em julgado.213

No prazo prescricional da pretensão executiva, deve-se descontar toda

a demora processual imputada à Fazenda Pública ou ao Judiciário, pelo que não

pode ser responsabilizado o credor.

A prescrição, por força do artigo 4° do Decreto-Lei 4.597/42, pode ser

alegada e decretada a qualquer tempo e grau de jurisdição, devendo-se, contudo,

respeitar a preclusão consumativa e a coisa julgada. Há de se comentar acerca da

recente inovação trazida pela Lei 11.280, de 16.02.2006, com vacatio legis de no-

venta dias, que acrescenta o §5° ao artigo 219 do Código de Processo Civil, cuja

redação será: “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”.

211 SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 183. 212 Apud SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 185-186. 213 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 1ª T. Recurso Especial n. 15.213/SP. Relator: Humberto

Gomes de Barros. Brasília: STJ, J.: 01.03.1993. Disponível em <www.stj.gov.br>. Acesso: 04.03.2006.

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3.4. Execução por quantia certa em Mandado de Segurança

Mandado de Segurança é o remédio constitucional consistente na ação

sumária de instrução exclusivamente documental, que tem por objetivo a proteção

de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, contra

qualquer ilegalidade ou abuso de poder de autoridade pública.

A Lei n° 1.533, de 31.12.1951, em seu artigo 15, trazia a vaga idéia da

impropriedade da utilização do writ para cobrança patrimonial, ao dispor que: “a de-

cisão do mandado de segurança não impedirá que o requerente, por ação própria,

pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais”. Sobre o ponto, pondo

fim a qualquer disparidade de entendimento, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL editou

duas súmulas limitadoras dos efeitos patrimoniais do Mandado de Segurança: Sú-

mula 269 (“O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança”) e

Súmula 271 (“Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais

em relação ao período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamen-

te ou pela via judicial própria”).

Qualquer pretensão patrimonial pretérita à concessão da segurança,

deve ser paga por meio de precatório judicial. Apenas as prestações posteriores ao

julgamento do writ, em obrigações de trato sucessivo, é que dispensam a expedição

de precatório.214

LEONARDO GRECO expõe que no caso de prestações periódicas, o impe-

trante poderá obter liminar que obrigue as pessoas jurídicas de direito público a pa-

gar as prestações que vencerem no curso do processo. Acentua, ainda, que em ra-

zão da característica in natura da proteção de segurança, a efetivação dessa liminar

dispensa a expedição de precatórios, nos termos do artigo 1°, caput e §2°, da Lei n°

5.021/66.215

214 SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 144. 215 GRECO, Leonardo. Execução de liminar em sede de Mandado de Segurança. In: MAIA, Antônio

Carlos Cavalcanti. Revista de Direito. Rio de Janeiro: Aperj, 2002, p. 88.

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3.5. Execução de tutela antecipada

Nada deve impedir que seja concedida tutela antecipada contra a Fa-

zenda Pública. Pelo contrário, vedar a aplicação desse instituto contra os entes pú-

blicos seria conferir-lhes mais um privilégio processual, aqui nada justificável.

LEONARDO GRECO põe a tutela antecipada como “uma das expressões

mais claras deste processo voltado para a concretização da garantia da mais ampla

proteção jurisdicional dos direitos subjetivos”.216 No mesmo sentido, acentua LUIZ

GUILHERME MARINONI que “o art. 5°, XXXV, da Constituição da República, garante o

direito de acesso à justiça e esse direito tem como corolário o direito à adequada

tutela jurisdicional [...]. Quem tem direito a adequada tutela tem direito à tutela ante-

cipatória”.217

Tratando especificadamente da tutela antecipada contra a Fazenda

Pública, expõe LUIZ GUILHERME MARINONI:

Ora, se o legislador infraconstitucional está obrigado, em nome do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, a prever tutelas que, atuando in-ternamente no procedimento permitam uma efetiva e tempestiva tutela juris-dicional, ele não pode decidir, em contradição com o próprio principio da e-fetividade, que o cidadão somente tem direito è tutela efetiva e tempestiva contra o particular.218

Negar ao particular o direito de tutela antecipatória contra a Fazenda

Pública, fundada no artigo 273 do CPC, é dizer que à Fazenda Pública é lícito violar

direito e abusar do direito de defesa.

A tutela antecipada, inclusive contra a Fazenda Pública, é, portanto, di-

reito constitucionalmente assegurado aos cidadãos, de forma que qualquer dispositi-

vo legal no sentido de vedar a utilização desse instituto contra o Poder Público, tal

qual o artigo 1° da Lei n° 9.494, de 10.09.1997,219 padece de vício de inconstitucio-

nalidade.

Segundo RICARDO PERLINGEIRO MENDES DA SILVA, a execução da tutela

antecipada, que deverá se dar de forma provisória, não dispensa expedição de pre-

216 GRECO, Leonardo. Execução de liminar em sede de Mandado de Segurança, op. cit., p.82. 217 MARINONI. A Antecipação de Tutela, op. cit., p. 159. 218 Ibid., op. cit., p. 316. 219 Esse dispositivo legal amplia a vedação de concessão de liminar contrária aos interesses fazendá-

rios, em ações de natureza cautelar ou preventiva, prevista na Lei 8.437/92, aos artigos 273 e 461 do CPC.

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catório judicial, com a rigorosa observância da ordem de precedência.220 Ressalte-

se, contudo, os precatórios alimentares e os de pequeno valor.

3.6. Sanções pelo descumprimento do pagamento de precatórios

Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, o alcance da

finalidade de satisfação do crédito depende sobremaneira de ato voluntário do Esta-

do-devedor, ante a impossibilidade de expropriação de seu patrimônio. Em razão

disso, a eficácia dessa prestação jurisdicional apresenta-se extremamente compro-

metida, apresentando-se como uma espécie de “execução impossível e – o pior –

insuscetível de conversão numa execução possível (forçada)”.221

Impõe-se, portanto, a previsão de sanções pelo seu descumprimento.

3.6.1. Sanções sobre o responsável pelo descumprimento

Para o caso em comento, não serão adequadas sanções que incidam

sobre o patrimônio da Administração Pública, dado que se converteriam em novos

precatórios. Assim, o adequado que é que disciplinem sanções que incidam direta-

mente sobre a autoridade ou o servidor responsável pelo descumprimento. Nesse

sentido, bem se encaixa a tríplice responsabilização de quem der causa ao inadim-

plemento, ou seja, as responsabilidades civil, administrativa e criminal.

A partir do momento em que os Administradores Públicos tiverem plena

consciência de que sua desídia acarretará em sua responsabilização pessoal, cer-

tamente terão mais escrúpulos na administração dos direitos alheios, legitimando-se,

portanto, a previsão de adoção da responsabilidade civil, administrativa e penal, a

existirem concomitantemente.

A responsabilidade civil decorre do dever de indenizar ao erário público

por todas as despesas decorrentes do atraso, tais como juros moratórios; a adminis-

trativa, decorre do desrespeito às diretrizes da Lei 8.429, de 02.06.1992, que dispõe

acerca da improbidade administrativa.

220 SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 151-152. 221 Ibid., op. cit., p. 156.

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A criminal decorre dos chamados crimes de responsabilidade, cujos ti-

pos penais se encontram definidos no art. 12 da Lei 1.079/50 (Presidente da Repú-

blica, Governadores de Estados e seus secretários), art. 1° da Lei 7.106/83 (Gover-

nador do Distrito Federal e secretários), e art. 1° do Decreto-Lei 201/67 (Prefeitos

municipais).

A competência para o processamento e julgamento de tais crimes é do

Poder Legislativo, Federal, Estadual ou Municipal, conforme seja o Presidente da

República e Governador do Distrito Federal, Governadores estaduais, Prefeitos Mu-

nicipais, respectivamente. As penas são perda do mandato ou cargo, e inabilitação

funcional por certo prazo.

A imputação de tal crime exige a presença do dolo, o que se faz de di-

fícil caracterização. É necessário provar que a autoridade responsável pelo paga-

mento dispunha de meios para fazê-lo. Não havendo disponibilidade financeira, ha-

verá atipicidade. Assim, tendo em vista a dificuldade de caracterização do dolo, ra-

ramente alguém será responsabilizado criminalmente pelo descumprimento do pre-

catório judicial.

JOSÉ AUGUSTO DELGADO afirma que o “Brasil é fixado pelo sentimento

de irresponsabilidade das decisões judiciais, porque não temos, na nossa história,

nenhuma responsabilidade aplicada em concreto pelo descumprimento da decisão

judicial pela via do precatório”.222

E mesmo que se configure o dolo, o Juiz da execução será incompe-

tente para aplicação da sanção penal, devendo remeter cópias para que, perante

outro órgão, seja processado e julgado, de modo que a sanção não será imediata,

contribuindo para o sentimento de irresponsabilidade.

3.6.2. Intervenção na entidade pública devedora

Outra conseqüência pelo descumprimento do precatório é a interven-

ção na entidade pública devedora, prevista nos artigos 34, inciso VI, e 35, inciso IV,

ambos da Constituição Federal.

222 DELGADO, José Augusto. Precatório Judicial e Evolução Histórica. Advocacia Administrativa

Na Execução contra a Fazenda Pública. Impenhorabilidade dos Bens Públicos. Continuidade do Serviço Público. Disponível em: <http://www.cjf.gov.br/revista/seriecadernos/vol23/artigo05.pdf>. Acesso: 11.set.2004.

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A intervenção no ente federativo consiste no afastamento temporário

das prerrogativas totais ou parciais, próprias da autonomia do ente federado, preva-

lecendo a vontade do ente interventor.223 Trata-se de medida extrema, cuja excep-

cional aplicação só poderá ocorrer quando expressamente autorizado pelo texto

constitucional, tendo em vista que a regra é a observância do princípio da autonomia

do ente federado. Para MICHEL TEMER, a intervenção é da essência da federação;

sua previsão constitucional revela e realça a autonomia do ente federado.224

O poder estatal está consubstanciado em três pilares, que são os po-

deres executivo, legislativo e judiciário. Como já dito, a existência dos três poderes é

requisito do Estado Democrático de Direito, devendo estes funcionar em harmonia, o

que se revela desiderato constitucional (Art. 2°, CR/88).

Quando do Poder Judiciário se emanam ordens e decisões, estas de-

vem ser integralmente cumpridas, sob pena da ruptura de sua autoridade e dos pos-

tulados do ordenamento jurídico. É, portanto, da essência da democracia que um

poder respeite os provimentos advindos do outro, cuja competência foi fixada pela

Constituição. Justifica-se, portanto, a previsão de intervenção pelo descumprimento

de ordem ou decisão judicial.

A intervenção poderá ser da União nos Estados-membros e no Distrito

Federal, e dos Estados-membros em seus respectivos municípios. Não há, contudo,

possibilidade jurídica de intervenção na União. A explicação é simples, somente a

União é soberana, os demais entes federados são autônomos, e a intervenção é o

mal necessário para manter a organização imposta em nome da unidade política

federal.

A competência para requisitar a intervenção federal será do Supremo

Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral

(Art. 36, inc. II, CR/88), conforme seja a origem da ordem ou decisão judicial. Será

do STJ quando emanada dos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais;

do TSE, quando emanada dos juízos eleitorais; do STF, quando não sujeita a ree-

xame pelo STJ ou TSE (juízos do trabalho).225 A competência para intervenção es-

tadual será do Tribunal de Justiça do respectivo estado.

223 BASTOS. Curso de Direito Constitucional, op. cit., p. 318. 224 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 79. 225 SILVA. Do Precatório-Requisitório na Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 142.

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Após o processamento do pedido de intervenção, que seguirá o regi-

mento interno do respectivo tribunal, será encaminhado para o Presidente da Repú-

blica ou Governador do Estado-membro, conforme o caso, para a confecção do De-

creto de Intervenção, onde estarão especificados a amplitude, o prazo e as condi-

ções da intervenção. A recusa em elaborar o decreto interventivo constitui crime de

prevaricação e de responsabilidade. Após, o decreto será submetido à apreciação

do Congresso Nacional ou da Assembléia Legislativa estadual.

A jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL firmou-se no sentido

de que a procedência da intervenção depende da recusa injustificada no pagamento

dos precatórios. Caso o inadimplemento se dê em razão de impossibilidade material,

por ausência de recursos, não se justificaria a intervenção, conforme ementa in ver-

bis:

INTERVENÇÃO FEDERAL. 2. Precatórios judiciais. 3. Não configuração de atuação dolosa e deliberada do Estado de São Paulo com finalidade de não pagamento. 4. Estado sujeito a quadro de múltiplas obrigações de idêntica hierarquia. Necessidade de garantir eficácia a outras normas constitucio-nais, como, por exemplo, a continuidade de prestação de serviços públicos. 5. A intervenção, como medida extrema, deve atender à máxima da propor-cionalidade. 6. Adoção da chamada relação de precedência condicionada entre princípios constitucionais concorrentes. 7. Pedido de intervenção inde-ferido.226

Após o precedente, o Presidente do STF começou a indeferir liminar-

mente os pedidos de intervenção federal, conforme decisão proferida na IF

4.508/SP, de 12.06.2003.

Tal decisão se revela de extrema periculosidade, na medida em que

confere à Administração Pública uma autorização para não pagamento de precató-

rios judiciais, transformando a mora em inadimplemento absoluto. Ora, num país em

que muitas são as exigências sociais, os entes federativos sempre terão para onde

destinar todo o erário público, restando-lhe sempre o argumento da impossibilidade

de pagamento. Tem-se, portanto, a negação da responsabilidade estatal, prevista na

Carta Magna, por parte do STF, em tese, o guardião da Constituição.

226 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, T. P. Intervenção Federal n° 2.915/SP. Relator: Gilmar Men-

des. Brasília: STF, J.: 03.02.2003. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 04.03.2006.

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CAPÍTULO IV

O CONTEXTO ATUAL E OS POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A EFICÁ-

CIA DA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA A FAZENDA

PÚBLICA.

Estudado o procedimento de execução por quantia certa contra a Fa-

zenda Pública, mister se faz analisar sua aplicação no contexto atual e possíveis

caminhos para sua maior eficácia.

4.1. O contexto atual e a atuação do Judiciário e do Legislativo

Num Estado democrático de Direito, que tem a responsabilidade estatal

consagrada em dispositivo constitucional, em que vige o princípio do amplo acesso

ao judiciário, e que tem sua Constituição construída sobre o princípio da dignidade

da pessoa humana, não se poderia cogitar, em tese, de um Estado recalcitrante em

honrar seus compromissos financeiros decorrentes, sobretudo, de condenações ju-

diciais.

Diante de todos os pilares sustentadores da Constituição da República

Federativa do Brasil, o sistema de precatórios deveria funcionar plenamente, de mo-

do que todas as requisições para pagamento de condenações judiciais deveriam ser

atendidas, no máximo, até o final do próximo exercício financeiro.

Ocorre que, na prática, os valores constitucionais têm se tornado um

conto de fadas. As Administrações Públicas vêm flagrantemente desrespeitando o

sistema de precatório. O Poder Público tem se tornado o maior de todos os “calotei-

ros”, e o que é pior, com a chancela do judiciário, que permanece inerte, e do legisla-

tivo, que tem mantido esse draconiano sistema de execução impossível contra a Fa-

zenda Pública.

Em 02.01.2006, realizamos uma visita à Diretoria Judiciária Econômica,

Financeira e Contábil do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, onde, junto aos fun-

cionários daquele setor, obtivemos informações verbais sobre a tramitação dos pre-

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catórios emitidos contra o Estado do ES e os municípios que compõem a Grande

Vitória, cujos dados se encontram no quadro abaixo:

FAZENDA PÚBLICA DATA DE EMISSÃO DO

PRIMEIRO PRECATÓRIO DA LISTA ALIMENTAR

DATA DE EMISSÃO DO PRIMEIRO PRECATÓRIO

DA LISTA NÃO ALIMENTAR

DATA DO PAGAMENTO MAIS RECENTE

Estado do ES Março de 1986 Novembro de 1985 2004 Município de Vitória (Capital) Novembro de 2004 Junho de 1994 2005

Município de Serra Novembro de 2003 Novembro de 1996 2005

Município de Vila Velha Setembro de 1984 Setembro de 1984 Não há registros de paga-mentos.

Município de Cariacica Março de 1989 Setembro de 1985 Não há registros de paga-mentos.

Município de Viana Junho de 1996 Junho de 1998 Não há registros de paga-mentos.

Município de Guarapari Maio de 1981 Junho de 1986 Não há registros de paga-mentos.

Conforme se vê, a situação do Estado do ES é alarmante, há pendên-

cia de pagamento de precatório emitido no ano 1985, ou seja, há mais de vinte anos.

Em 2004, o Governo do Estado do ES quitou todos os precatórios de baixo valor,

após mais de uma década sem qualquer pagamento realizado; desde então, nem

mais um precatório foi liquidado. A situação dos municípios da região metropolitana

da Grande Vitória também não traz nenhum sentimento de orgulho aos capixabas.

Muito embora esse seja o panorama atual, não se tem notícia de nenhuma interven-

ção federal ocorrida no Estado do ES, ou de intervenção estadual nos municípios da

Grande Vitória.

Instado a se manifestar sobre pedido de Intervenção Federal no Estado

do Espírito Santo, por não pagamento de precatório de natureza alimentar, o SU-

PREMO TRIBUNAL FEDERAL, por maioria de votos, nada mais fez do que reafirmar seu

posicionamento de que o descumprimento voluntário e intencional configura pressu-

posto indispensável ao acolhimento de pedido de intervenção federal, conforme se

vê na ementa infra transcrita:

PRECATÓRIO. DESCUMPRIMENTO INVOLUNTÁRIO. O descumprimento voluntário e intencional de decisão transitada em julgado configura pressu-posto indispensável ao acolhimento do pedido de intervenção federal. A au-sência de voluntariedade em não pagar precatórios, consubstanciada na in-suficiência de recursos para satisfazer os créditos contra a fazenda estadual no prazo previsto no § 1º do artigo 100 da Constituição da República, não legitima a medida drástica de subtrair temporariamente a autonomia estatal, mormente quando o ente público, apesar da exaustão do erário, vem sendo zeloso, na medida do possível, com suas obrigações derivadas de provi-mentos judiciais. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimen-to.227

227 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, T. P. Agravo regimental em Intervenção Federal n°

2.915/SP. Relator: Maurício Côrrea. Brasília: STF, J.: 22.03.2004. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 04.03.2006.

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A decisão, contudo, não foi unânime, o que faz permanecer acesa a

esperança de que futuramente tal orientação seja alterada. Em voto contrário à deci-

são contida na ementa supra transcrita o Ministro MARCO AURÉLIO acentuou que a

omissão de incluir no orçamento previsão para pagamento de precatórios implica, a

um só tempo, desrespeito à decisão judicial e inobservância de preceito constitucio-

nal e, mais do que isso, constitui-se uma verdadeira preterição. O Ministro CARLOS

AYRES BRITTO, acompanhando o voto de Marco Aurélio, registra seu entendimento

no sentido de que “a não inclusão do precatório no orçamento é a mais grave forma

de preterição constitucional”.

A situação de desrespeito à regra de precatórios não é exclusividade

do estado e dos municípios do Espírito Santo;228 em outros entes federativos, como

o Estado de São Paulo, a recusa ao cumprimento do preceito contido no artigo 100

da CR/88 tem sido uma constante.

Em um dos pedidos de intervenção federal, para o Estado de São Pau-

lo, onde também, por maioria de votos, foi indeferido o pedido interventivo, sob o

argumento de faltar atuação deliberada e doloso daquela Fazenda Pública, o Minis-

tro MARCO AURÉLIO, em seu voto, assevera que “a situação piora a cada dia, perden-

do os jurisdicionados a esperança na liquidação nos débitos da Fazenda e nutrindo

sentimento contrário ao primado do judiciário, à necessidade de respeito irrestrito às

decisões imutáveis, não mais sujeitas a recurso”. O Ministro acentua que a essa

conclusão lhe permite chegar o grande número de processos de intervenção existen-

tes no STF, citando a existência de 3.253 (três mil duzentos e cinqüenta e três) pro-

cessos, dos quais 2.822 (dois mil oitocentos e vinte e dois) referem-se ao Estado de

São Paulo, 176 (cento e setenta e seis) ao Rio Grande do Sul, 111 (cento e onze) a

Santa Catarina, 48 (quarenta e oito) ao Distrito Federal, 17 (dezessete) ao Ceará, 16

(dezesseis) ao Tocantins, 11 (onze) ao Pará, 10 (dez) ao Espírito Santo, 10 (dez) ao

Goiás, 10 (dez) ao Mato Grosso, 10 (dez) ao Paraná, 8 (oito) ao Rio de Janeiro, 2

(dois) a Rondônia, e 1 (um) a Alagoas. Conclui o Ministro de que deve prevalecer o

critério objetivo, ou seja, se não realizou o cumprimento dos precatórios conforme

disposto na Constituição, não importando qual a causa, deve-se decretar a interven-

ção, pois o Estado sempre se vê diante de dificuldades de gastos, sendo presumível

228 Cf. CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit.

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uma contumácia nos descumprimento das obrigações pecuniárias estampadas em

sentença, o que implica em ofensa ao primado do judiciário.229

Não é apenas o Judiciário que tem se quedado inerte diante da ina-

dimplência oficial, deixando de requisitar intervenção nos entes federativos, também

o Legislativo tem contribuído para a institucionalização da moratória do Estado, na

medida em que, ao invés de aperfeiçoar o sistema de execução contra a Fazenda

Pública, o fragiliza, constitucionalizando a inadimplência estatal.

Em 13.09.2000, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitu-

cional n° 30, que acrescentou o artigo 78 ao Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, que dispõe sobre o parcelamento em até dez anos dos precatórios

pendentes e os decorrentes de processos iniciados até 31.12.1999, ressalvando os

de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os anteriormente parcelados pelo arti-

go 33 do ADCT, os de desapropriações de único imóvel residencial e os que já tive-

rem os respectivos recursos liberados ou depositados. Trata-se de norma que fere

frontalmente as garantias constitucionais da coisa julgada (Art. 5°, inc. XXXVI,

CR/88) e do eficaz acesso ao Judiciário (Art. 5°, inc. XXXV, CR/88). Outro golpe las-

timável vem tramitando no Congresso Nacional, trata-se do Projeto de Emenda

Constitucional n° 83/99, de autoria do Senador Antônio Carlos Magalhães, que prevê

a suspensão do pagamento dos precatórios por um período de dois anos, com uma

moratória que se dará em parcelas durante oito anos.

Como se verifica nesse breve relato, que serve a título de exemplo, a-

cerca do contexto em que se insere a realidade do (des)cumprimento dos precató-

rios judiciais, é de fácil constatação que o problema existe, e exige rápida solução,

sob pena de imunizar o Estado, quebrando-se o regime democrático de Direito, e

desrespeitando frontalmente a dignidade dos jurisdicionados, sem contar na queda

da autoridade do Judiciário, colocado em posição de inferioridade, ofendendo a

Constituição, e construindo uma marcante injustiça. A vergonhosa e antidemocrática

moratória estatal, como visto, tem se dado com a chancela dos poderes judiciário e

legislativo; enquanto aquele se mantém inerte diante da inadimplência oficial, dei-

xando de requisitar intervenção nos entes federativos, sob o pretexto de falta de vo-

luntariedade, o Legislativo vem construindo mecanismos para constitucionalizar o

retardamento no pagamento dos precatórios. Tais atitudes, com contribuição dos

229 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, T. P. Intervenção Federal n° 2.953/SP. Relator: Gilmar Men-

des. Brasília: STF, J.: 03.02.2003. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 04.03.2006.

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três poderes, varrem para baixo do tapete direitos fundamentais assegurados consti-

tucionalmente à sociedade brasileira, significando a quebra da cidadania, cada vez

mais desacreditada.

Como se vê, a regra de pagamento de condenações judiciais, aplicável

à Fazenda Pública, é não apenas ineficaz, na medida em que depende da voluntari-

edade da Administração Pública que, tomando a criação orçamentária como ato polí-

tico, sempre alega impossibilidade financeira de pagar os precatórios, mas também

constitui-se um óbice à possibilidade de execução forçada contra a Fazenda Pública,

que se torna imunizada com a impenhorabilidade de seu patrimônio.

Diante dessa constatação, de que o regime de precatórios torna-se um

óbice ao eficaz cumprimento das decisões judiciais contrárias à Fazenda Pública, e

tendo como premissa o fato de que a eficácia do acesso ao Judiciário constitui-se

direito fundamental, poder-se-ia cogitar a inconstitucionalidade do artigo 100 da

Constituição? O fundamento para uma resposta afirmativa seria que quando em con-

flito duas normas constitucionais originárias, sendo uma materialmente constitucional

e a outra apenas formalmente constitucional, dever-se-ia declarar a inconstituciona-

lidade da segunda com base na primeira. Tal conclusão, contudo, significaria um

controle do Poder Constituinte originário por um órgão criado por ele, no caso o STF,

o que parece inconcebível em nosso sistema constitucional, caracterizado pela rigi-

dez e orientado pelo princípio da unidade da Constituição. Pela não possibilidade do

controle de constitucionalidade de normas derivadas do poder constituinte originário,

já se manifestou o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, entendendo se tratar de pedido juri-

dicamente impossível, conforme se observa:

A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originarias dando azo a declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras e in-compossivel com o sistema de Constituição rigida. - Na atual Carta Magna "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Consti-tuição" (artigo 102, "caput"), o que implica dizer que essa jurisdição lhe e a-tribuida para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originario, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de di-reito suprapositivo que ele próprio havia incluido no texto da mesma Consti-tuição. - Por outro lado, as clausulas petreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais infe-riores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constitui-ção as preve apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originario, e não como abarcando normas cuja observancia se impôs ao próprio Poder Constituinte originario com relação as outras que não sejam consideradas

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como clausulas petreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não co-nhecida por impossibilidade jurídica do pedido.230

A norma em comento, portanto, precisa ser retirada do ordenamento ju-

rídico pelo processo legislativo, no exercício do Pode Constituinte derivado, por meio

de emenda constitucional.

4.2. A Teoria da Reserva do Possível

Conforme se verificou nas decisões do STF trazidas no presente traba-

lho, tem-se negado a intervenção federal sob o argumento da impossibilidade mate-

rial para pagamento dos precatórios.

Em consistente pesquisa realizada pelo CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL,

referente ao processamento de precatórios judiciais, junto a jornais de grande circu-

lação e ao banco de dados do Tribunal Regional Federal, da 2ª Região, constatou-se

que para 55% (cinqüenta e cinco por cento) dos descumprimentos apontou-se como

razão a falta de recursos.231

Como se observa, é grande a alegação e o acolhimento judicial da tese

da reserva do possível, justificando-se, aqui, uma breve análise dessa teoria, que se

coloca como óbice à efetivação de comandos constitucionais.

A expressão reserva do possível identifica a limitação dos recursos pú-

blicos disponíveis frente às gigantescas e crescentes necessidades que devem ser

supridas pelos entes públicos.

Trata-se de limite fático intransponível que obsta a plena concretização

de todas as diretrizes prestacionais trazidas na Constituição. Afinal, a implementa-

ção dos Direitos Fundamentais depende de recursos financeiros estatais que, princi-

palmente em países pobres, como o Brasil, não estão disponíveis.

É principalmente nos países pobres que a alocação de recursos, diante

da reserva do possível, impõe uma dramática escolha acerca das prioridades de in-

vestimento. Diante da limitação financeira, escolher investir em determinada área

importa em deixar de atender a outros setores, muitas vezes, também essenciais.

230 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, T. P. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 815/DF. Re-

lator: Min. Moreira Alves. Brasília: STF, J.: 28.03.1996. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 19.03.2006.

231 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 57.

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A drástica pergunta que se apresenta é: onde alocar os parcos recur-

sos existentes? A resposta deve ser encontrada dentro do texto constitucional. Co-

mo expõe ANA PAULA DE BARCELLOS, “o Estado de direito constitucional significa que

a atuação do Poder Público está subordinada, isto é, juridicamente vinculada, aos

termos da Constituição Federal”.232 Continua a professora,

A Constituição, como já demonstrado, estabelece metas prioritárias, objeti-vos fundamentais, dentre os quais sobreleva a promoção e a preservação da dignidade da pessoa humana e aos quais estão obrigadas as autorida-des públicas. A despesa pública é o meio hábil para atingir essas metas. Logo, por bastante natural, as prioridades em matéria de gastos públicos são aquelas fixadas pela Constituição, de modo que também a ponta da despesa, que encerra o ciclo da atividade financeira, esteja submetida à norma constitucional.233

A prioridade dos gastos deve, portanto, ser buscada dentro do próprio

texto constitucional. Se os recursos são limitados, deve-se primeiro atender os fins

considerados essenciais pela Constituição, o chamado mínimo existencial; caso haja

recursos remanescentes, ai sim, haverão de ser destinados segundo as opções polí-

ticas apuradas em cada momento por meio de deliberação democrática.234

Ou seja, no que se refere ao mínimo existencial, a alocação de recur-

sos é imperiosa, estando vinculado o Poder Público e sendo, portanto, legítimo o

controle jurisdicional; atendido o mínimo existencial, os demais gastos estarão no

campo de atuação discricionária da Administração Pública, rechaçando-se a inter-

venção do Judiciário. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL seguiu essa orientação, ao de-

cidir sobre caso em que o Ministério Público exigia a manutenção do sistema de e-

ducação infantil em desfavor do Município de Santo André, que alegava que o aten-

dimento ao pleito dever-se-ia ser realizado dentro da razoabilidade que o orçamento

público permitisse.235 No caso em comento, por unanimidade, negou-se provimento

ao pleito recursal do Município, entendo a Suprema Corte que se tratava de matéria

constitucional limitadora da discricionariedade político-administrativa municipal, em

que “não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante”,

que lhes foi outorgado pela Lei Fundamental da República. No julgamento, o Minis-

tro CELSO DE MELLO, em seu voto, chegou a reconhecer expressamente o significati-

232 BARCELLOS. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, op. cit., p. 240. 233 Ibid., op. cit., p. 241. 234 Ibid., op. cit., p. 242. 235 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2ª T. Agravo Regimental no Recurso extraordinário n°

410.715/SP. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília: STF, J.: 22.11.2005. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 05.03.2006.

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vo relevo do tema pertinente à reserva do possível, afastando-o, contudo, naquele

caso específico, tendo em vista que a indevida manipulação financeira constituiria

“ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o

estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições

materiais mínimas de existência”; o Ministro acentua que

A cláusula da “reserva do possível” - ressalvada a ocorrência de justo moti-vo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a fina-lidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental nega-tiva, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos consti-tucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.236

Tem-se, portanto, dentro da própria Constituição, um núcleo incindível

sobre o qual não há como permitir a discricionariedade em sua prestação, fundada

na reserva do possível. O não atendimento a esse conteúdo pertencente ao mínimo

existencial só se faria possível se fosse demonstrada a absoluta inexistência de re-

cursos, e não a sua indevida manipulação, ou seja, havendo recursos, sua utilização

deve, obrigatoriamente, ter por prioridade o atendimento ao mínimo existencial.

O conteúdo desse chamado mínimo existencial corresponde ao conjun-

to de condições básicas para existência, correspondente a uma fração nuclear da

dignidade da pessoa humana, que se tornou princípio fundante da ordem jurídica e

finalidade principal do Estado.237 Sobre o princípio da dignidade da pessoa humana,

FLÁVIA PIOVESAN ressalta que o mesmo apresenta-se com “força deontológica pre-

dominante” sobre todos os princípios fundamentais do Direito Constitucional.238 LEO-

NARDO GRECO, por sua vez, traz o entendimento segundo o qual “no Estado de Direi-

to Contemporâneo o interesse público deve curvar-se diante de um núcleo duro de

direitos fundamentais e das respectivas garantias, sem os quais não haverá respeito

à dignidade da pessoa humana e controle democrático da Administração Pública”.239

Após consistente pesquisa doutrinária e exame sistemático da Carta de

1988, ANA PAULA DE BARCELLOS chegou à conclusão, com a qual concordamos, de

que o mínimo existencial é composto por três elementos materiais e um instrumen-

tal, a saber: a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desampa-

rados e o acesso à Justiça.240

236 Trecho do Voto do Ministro CELSO DE MELLO, no julgamento citado na nota supra. 237 BARCELLOS. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, op. cit., p. 248-249. 238 PIOVESAN. Temas de Direitos Humanos, op. cit., p. 389. 239 GRECO, Leonardo. Execução de liminar em sede de Mandado de Segurança, op. cit., p. 86. 240 BARCELLOS. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, op. cit., p. 258.

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O Acesso à Justiça consiste no elemento instrumental que compõe o

conjunto denominado mínimo existencial, sendo, portanto, matéria vinculada consti-

tucionalmente, para a qual não cabem juízos discricionários. Simples é a explicação,

num Estado de Direito não basta consagrar direitos em normas, torna-se necessária

a existência de órgãos dotados de autoridade para impor coercitivamente a obediên-

cia aos comandos jurídicos.

Como já amplamente discorrido no primeiro capítulo, acesso a Justiça

importa em eficaz acesso à tutela jurisdicional, fisicamente e materialmente conside-

rados. Assim, impõe-se que as ordens e decisões sejam fielmente cumpridas, des-

cabendo, portanto, qualquer alegação para o não cumprimento dos precatórios judi-

ciais.

Aplausos merecem a posição do Ministro MARCO AURÉLIO que, em seu

voto, em julgamento já mencionado,241 asseverou que a responsabilidade da Fazen-

da Pública pelo pagamento dos precatórios não pode ser afastada por causa ne-

nhuma, tendo que ser considerada objetivamente. Infelizmente, sua posição foi mi-

noritária; quiçá que esta seja uma semente a ser germinada para, em momento bre-

ve, possa torna-se a posição dominante, pois, como visto, a eficácia do acesso ao

judiciário constitui-se parte integrante do mínimo existencial, sobre o qual não incide

a reserva do possível.

4.3. Propostas de lege ferenda para a eficácia do processo de execução con-tra a Fazenda Pública

Por tudo o que foi exposto, não há como negar a necessidade de alte-

ração no atual contexto da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública.

Tudo se resolveria se, como bem salientou LEONARDO GRECO, os costumes políticos

mudassem, para que a Administração pública passasse a respeitar os direitos outor-

gados aos cidadãos,242 sem a necessidade da proteção judiciária ou, na excepcional

situação de seu uso, baseada na fundada dúvida acerca do interesse pretendido,

respeitasse e cumprisse voluntariamente os provimentos judiciais.

241 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, T. P. Intervenção Federal n° 2.953/SP. Relator: Gilmar Men-

des. Brasília: STF, J.: 03.02.2003. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso: 04.03.2006. 242 GRECO, Leonardo. O acesso ao Direito e à Justiça, op. cit., p. 11-32.

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O paradigma supra narrado constitui-se uma utopia, não no sentido de

mito ou fantasia, mas naquele narrado por JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF, para quem a

utopia “é a representação daquilo que não existe ainda, mas que poderá existir se

homem lutar para sua concretização”.243 Todavia, enquanto esse ideal não é alcan-

çado pela conscientização democrática dos governantes, imperioso se faz a cons-

trução de um eficiente sistema normativo, a servir como as já mencionadas amarras

descritas por FRANCESCO CARNELUTTI.244

Nesse sentido, torna-se pertinente trazer à baila algumas eficientes

propostas de alteração do regime de execução contra a Fazenda Pública, trazidas

nas doutrinas especializadas, onde muitas encontram-se abalizadas em exemplos

trazidos do ordenamento estrangeiro.

LEONARDO GRECO traz como possível solução dar ao pagamento de

precatórios o mesmo tratamento dispensado às demais despesas, no que concerne

à elaboração do orçamento, de modo que a verba para o pagamento das condena-

ções judiciais deveria ter previsão de receita por antecipação, com dotação orça-

mentária prevista antes mesmo da requisição precatorial ser expedida, realizando os

pagamentos na medida em que as sentenças forem transitando em julgado e, em

caso de insuficiência de recursos, utilizando-se de créditos suplementares ou espe-

ciais, tal como acontece com todas as demais despesas dos entes públicos.245

Interessante proposta de alteração constitucional é trazida na PEC n°

96/92,246 que amplia o cabimento do seqüestro, dispondo da seguinte forma: “de-

vendo o Presidente do tribunal competente, vencido o prazo ou em caso de omissão

no orçamento, ou preterição ao direito de precedência, requisitar ou determinar o

seqüestro de verba de qualquer dotação da entidade executada, suficiente à satisfa-

ção do débito”. Tal alteração, se aprovada, significaria inegável avanço.

RICARDO PERLINGEIRO MENDES DA SILVA, faz estudo acerca da execução

contra a fazenda pública em diversos sistemas estrangeiros,247 que poderiam servir

de exemplo para reformas constitucionais tendentes a implementação de um eficaz

243 HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999,

p. 11. 244 CARNELUTTI. Arte do Direito, op. cit., p. 12. 245 GRECO, Leonardo. O acesso ao Direito e à Justiça, op. cit., p. 11-32. 246 Apud FRANCIULLI NETTO, Domingos. Nostas sobre o precatório na execução contra a fazenda

pública. In: Revista dos Tribunais. a. 88, v. 768, out./1999, p. 57. 247 SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 49-75

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processo de execução contra a fazenda pública no ordenamento brasileiro. Traze-

mos a seguir uma síntese desses sistemas.

Por um longo período, no sistema Inglês teve vigência a máxima the

king can not wrong. Tal princípio, muito embora ab-rogado pelo Crown Proceeding

Act de 1947, não chegou a ser completamente extirpado daquele sistema, trazendo

reflexos que são observados em privilégios da Coroa sobre os cidadãos, tal como a

de não sofrer nenhuma penhora ou ordem de execução forçada, ou mesma um

mandado de segurança; vige, no ordenamento inglês, a voluntariedade da Adminis-

tração no cumprimento das decisões judiciais. Coerente com tal modelo, foi criado

um fundo específico para pagamento das dívidas resultantes de condenações judici-

ais.

No sistema norte-americano, algumas constituições estaduais autori-

zam expressamente a expropriação judicial do patrimônio público. a maior parte dos

estados, contudo, não admite tal modalidade de execução. No entanto, o descum-

primento de decisão judicial, naquele sistema, prevê a aplicação do contempt of

court e a responsabilidade pos danos do servidor responsável. O contenmpt of court

são sanções aplicadas pelas cortes aos que descumpre suas decisões.

Estudiosos do direito italiano vêm alterando sua opinião, de modo que

hoje é predominante o entendimento de que os bens públicos podem ser objeto de

penhora, caso estejam no patrimônio disponível da Administração Pública, fazendo

uma analogia, seria como aceitar a penhora dos bens dominiais no Brasil.

Enquanto no Brasil, como demonstrado, a Fazenda Pública é extre-

mamente recalcitrante no cumprimento das condenações judiciais, o que piora pela

ausência de um eficaz sistema de execução contra a mesma, na Alemanha há pre-

visão de um eficiente sistema executivo contra a Fazenda Pública que, contudo, se

mostra sem relevância, tendo em vista que raramente há desobediência às determi-

nações judiciais. No sistema alemão, passado o prazo legal para cumprimento vo-

luntário da condenação in albis, procede-se a uma execução forçada contra a Fa-

zenda Pública, que responde com seu patrimônio não essencial ao desempenho das

atividades públicas.

A doutrina espanhola tem admitido a execução forçada contra a Fa-

zenda Pública, tendo como única ressalva a impenhorabilidade de bens públicos

essenciais à organização pública ou serviços públicos. O Tribunal Constitucional es-

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panhol, em 1988, declarou inconstitucional a proibição genérica de penhora de bens

públicos, trazida no Regulamento das Fazendas Locais.

Na Argentina, a Suprema Corte fixou entendimento de que a legislação

protetiva da Fazenda Pública de forma alguma implica em autorização para o Estado

descumprir as sentenças judiciais, o que ofenderia o Princípio do Estado de Direito.

Após o esgotamento do prazo legal, e a inércia da Fazenda Pública no cumprimento

da sentença, poderão ser penhorados bens públicos de utilização privada.

Em Portugal, a impenhorabilidade do patrimônio público se restringe

aos bens que estejam afetados a um fim de utilidade pública, de modo que os bens

disponíveis e de domínio privado comportam execução forçada.

Em suas conclusões, RICARDO PERLINGEIRO MENDES DA SILVA encerra

dizendo que há a possibilidade e a necessidade de reformas no sentido de abolir o

sistema de precatório judicial, devendo-se admitir a penhora de bens públicos domi-

niais; sugere ainda a criação de um fundo específico para pagamento voluntário de

decisões judiciais, bem como a previsão de pena de responsabilização disciplinar e

penal dos agentes públicos descumpridores de decisões judiciais.248

As propostas doutrinárias apresentadas se integram, sendo possível

cogitar de um sistema executivo contra a Fazenda Pública dividido em duas fases.

Numa primeira fase, dever-se-ia conceder à Administração Pública um razoável pra-

zo para cumprimento voluntário das condenações judiciais, para tanto, a criação de

prévias dotações orçamentárias se fariam necessárias; num segundo momento, ha-

vendo recalcitrância do Poder Público no cumprimento da decisão, passaria para

uma fase de execução propriamente dita, com o seqüestro de verbas e a expropria-

ção de bens públicos dominiais, protegendo-se o patrimônio público com a impenho-

rabilidade apenas no que estritamente necessário para garantir a continuidade dos

serviços públicos, tal como na Itália, Portugal, Alemanha e Argentina; junto à execu-

ção forçada, a cominação de medidas coercitivas contra os agentes públicos res-

ponsáveis pelo descumprimento das ordens judiciais. A quebra do regime de preca-

tórios é medida que se impõe, devendo-se permanecer tão somente o sistema de

ordem de pagamento, evitando-se assim o retorno à advocacia administrativa.

Tais reformas demandam alteração na Constituição, não apenas por

ser constitucional o sistema de precatórios, mas também porque dar ao Judiciário o

248 SILVA. Execução contra a Fazenda Pública, op. cit., p. 239.

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poder de invadir o patrimônio público, com medidas executivas, poderia significar

interferência indevida de um Poder Público em outro. Para que esse pretenso poder

do judiciário de expropriar bens públicos seja dotado de legitimidade, o mesmo deve

decorrer de autorização da própria Carta Magna, por meio de reforma advinda legis-

lativamente, por meio do poder constituinte derivado.

Como se vê nessa breve exposição, propostas para uma eficaz execu-

ção contra a Fazenda Pública existem, só estando pendente de vontade política pa-

ra consagrar no ordenamento jurídico pátrio um sistema capaz de efetivar os Direitos

e Garantias Fundamentais dos administrados.

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CONCLUSÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil (1988) teve como vi-

ga mestra a instituição do Estado Democrático de Direito e a prevalência dos direitos

fundamentais da pessoa humana, paradigmas que se encontram gravados desde o

preâmbulo da Carta Política. Para a materialização do projeto constitucional vigente,

são elementos indispensáveis, dentre outros: a legalidade, a segurança jurídica, a

supremacia da constituição, a responsabilidade estatal e a irrestrita e efetiva presta-

ção da tutela jurisdicional.

O acesso ao judiciário, tema central do trabalho, deve estar acima da

mera positivação; tratando-se de verdadeiro direito fundamental, impõe-se sua ob-

servação e aplicação eficaz, como quesito indissociável da própria dignidade huma-

na. A essência do Direito é a sua realização prática. Sendo essa, portanto, uma ga-

rantia decorrente do princípio agasalhado pelo artigo 5°, inciso XXXV, da CR/88, é

mister sua observância também, e, sobretudo, pela Administração Pública que, mui-

to mais do que o particular, estando vinculada à lei também está às decisões judici-

ais, que devem ser cumpridas sem embaraços.

Quando se fala em eficaz acesso a justiça se fala em afirmação plena

da ordem jurídica, por meio de um processo comprometido com o garantismo e com

a celeridade, e sob o qual encontra-se subordinado todo aquele que violar ou amea-

çar direitos, seja um particular seja um ente público.

Ao Poder do Estado de aplicar a norma abstratamente legislada aos

casos concretos, denominou-se de jurisdição. A depender da finalidade, a jurisdição

poderá desenvolver-se sobre três diferentes espécies: cognitiva, executiva e caute-

lar. Enquanto a primeira é responsável pelo silogismo jurídico, as duas últimas estão

intrinsecamente relacionadas à eficácia da Jurisdição, de modo que, à executiva ca-

be concretizar o comando concreto determinado em sentença e à cautelar proteger a

plena utilidade dos processos judiciais. Dessas três, ambas essenciais ao substanci-

al acesso a justiça, destacou-se no presente trabalho a jurisdição executiva.

O ideal é a execução voluntária, ou seja, quando estabelecida em sen-

tença a norma concreta, por meio da jurisdição cognitiva, a parte voluntariamente a

cumpre. Todavia, quando não verificada a execução voluntária, como medida de

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eficácia impõe-se a execução forçada, por meio da qual o Estado faz cumprir suas

determinações com o uso da violência, se necessário. Diante do princípio da execu-

ção real, o patrimônio do devedor fica sujeito à jurisdição executiva.

A sujeição patrimonial, contudo, não se verifica nas execuções força-

das contra a Fazenda Pública, protegida por uma incompreensível, porém constitu-

cional(?), imunidade sobre seus bens e verbas. Quando a Administração Pública,

condenada a pagar valor pecuniário, não procede à execução voluntária, cumpre ao

particular recorrer, ainda uma vez, ao judiciário que, curiosamente, determinará à

Fazenda Pública que proceda, “voluntariamente”, ao pagamento do crédito previsto

no título executivo, judicial ou extrajudicial; é o chamado regime dos precatórios judi-

ciais. É espantoso, a mesma Carta Política que impõe a mais severa responsabilida-

de civil [a objetiva] à Fazenda Pública lhe agracie com uma absoluta imunidade pa-

trimonial.

Embora notória, demonstrou-se com casos reais a inconstitucional, ile-

gítima e imoral constância no descumprimento das requisições de pagamento de

quantias monetárias decorrentes de decisões condenatórias judiciais, por parte da

Fazenda Pública. A vergonhosa negligência da Administração Pública torna-se ainda

mais nefasta quando observada a condescendência do Legislativo, que nada faz no

sentido de alterar o draconiano sistema de precatórios, bem como a chancela do

Judiciário, que não aplica as já esparsas medidas sancionatórias, como a interven-

ção federativa. Os três poderes parecem se alinhar numa demonstração de harmo-

nia, que seria louvada se não fosse o fato de estar diametralmente oposta ao primei-

ro dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, o de

construir uma sociedade justa, na medida em que atuam no sentido de oficializar a

desumana moratória do Estado.

A Administração Pública, constantemente maculada por comprovados

e excessivos casos de corrupção com desvio de verbas públicas, alega a impossibi-

lidade de pagamento de créditos legítimos dos cidadãos por ausência de disponibili-

dade orçamentária; o legislativo institucionaliza a moratória estatal, criando inconsti-

tucionais parcelamentos; e o judiciário, suposto guardião do ordenamento jurídico,

por sua vez, acata mansamente os argumentos da Administração Pública, deixando

de aplicar as poucas reprimendas existentes.

Abstraindo de quaisquer críticas acerca da corrupção que assola o pa-

ís, e que por si só já inviabilizaria qualquer argumentação por parte da Administração

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Pública acerca da indisponibilidade de verbas para cumprimento das requisições

judiciais para pagamento dos créditos exeqüendos, analisou-se a aplicação da teoria

da reserva do possível ao caso concreto.

A expressão reserva do possível identifica a limitação dos recursos pú-

blicos disponíveis frente às gigantescas e crescentes necessidades que devem ser

supridas pelos entes públicos, tratando-se de limite fático intransponível que obsta a

plena concretização de todas as diretrizes prestacionais trazidas na Constituição, o

que se dá principalmente em países pobres como o Brasil. Diante da limitação de

recursos, surge a necessidade de escolher as prioridades que regerão os investi-

mentos de políticas governamentais, o que, a princípio, está sujeito à discricionarie-

dade do Administrador Público, estando fora, portanto, do controle judicial. Da análi-

se do tema, verificou-se que sua aplicação não é absoluta, na medida em que esbar-

ra no chamado mínimo existencial, que é um núcleo duro de direitos que, por deter-

minação vinculativa constitucional, está fora do poder discricionário do Administra-

dor, devendo atendê-lo obrigatoriamente, cabendo, assim, o controle jurisdicional.

Nesse núcleo incindível sobre o qual não há como permitir a discricionariedade em

sua prestação, fundada na reserva do possível, encontram-se presentes três ele-

mentos materiais e um instrumental, a saber: a educação fundamental, a saúde bá-

sica, a assistência aos desamparados e o acesso à Justiça. Assim, argumento não

há que afaste a obrigação de pagar pontualmente as condenações judiciais, sendo

lamentáveis os acórdãos do STF que negam pedidos de intervenção federativa con-

tra Estados que, a exemplo do Espírito Santo e São Paulo, são constantes inadim-

plentes das decisões judiciais.

O lastimável quadro apresentado, que não possui nenhuma razão ca-

paz de legitimá-lo, ao contrário, todas se prostram contra, é de extrema gravidade,

na medida em que retira por completo a autoridade do Judiciário, fere Direitos Fun-

damentais dos jurisdicionados, e levam a sociedade ao descrédito das Instituições.

O conceito de cidadão entra numa involução para o indesejável posto de súdito, pa-

recendo renascer, como se fora ave fênix, a máxima segundo a qual the king can not

wrong. Há uma completa inversão dos valores constitucionais, parecendo ser objeti-

vo fundamental a construção de uma sociedade submissa, injusta e individualista.

A afirmação plena do, ainda em fase de projeto, Estado Democrático

de Direito, depende de alterações de ordem constitucional e legal capazes de criar

mecanismos eficazes de execução por quantia certa contra a Fazenda Pública. A

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privilegiada imunidade estatal, na amplitude hoje concebida, não mais se justifica,

sendo mero resquício de um autoritarismo que, oxalá, está prestes a terminar. Im-

põe-se a adoção de medidas que, na ausência de cumprimento voluntário das con-

denações judiciais por parte da Administração Pública, permitam ao judiciário a ex-

propriação de bens púbicos que não se encontrem afetados a utilização pública, a

exemplo de países como Itália, Portugal, Alemanha e Argentina. A imunidade do pa-

trimônio público deve-se restringir ao quanto necessário para continuidade do servi-

ço público.

O problema existe, a solução também, a vontade política, contudo, é o

que se espera.

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