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Marina Massimi HISTÓRIA DA PSICOLOGIA BRASILEIRA Da época colonial até 1934 EDITORA PEDAGÓGICA E UNIVERSITÁRIA LTDA. Sobre a autora Marina Massimi, psicóloga formada pela Universidade de Padova (Itália). Mestra e Doutora em Psicologia (área de concentração: Psicologia Experimental) pela USP de São Paulo. Atualmente, exerce as funções de Professora Assistente Doutora no Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto. Desde 1982, desenvolve pesquisas na área de História da Psicologia no Brasil. Membro da Sociedade Brasileira de História da Ciência. Trabalhos principais: História das Idéias Psicológicas no Brasil, em obras do período colonial. Dissertação de Mestrado orientada pelo Prof. Dr. saias Pessotti, USP, 1985. A Psicologia em instituições de ensino brasileiras, no século XIX, Tese de Doutorado, orientada pelo Prof. Dr. Isaias Pessotti, USP, 1989. Capa: Lay-out: Departamento de arte da E.P.U. Arte Final: Ademir Alves A meu pai "in memoriam". À minha família. A todos os amigos que me ajudam a viver a Memória. A memória é uma paixão que se repete. (Cesare Pavese) ISBN 85-12-60360-7 (c) E.P.U. - Editora Pedagógica e Universitária Ltda., São Paulo, 1990. Todos os direitos reservados. A reprodução desta obra, no todo ou em parte, por quaisquer meios, sem autorização expressa da Editora, sujeitará o infrator, nos termos da Lei n° 6.895, de 17-12-1980, à penalidade prevista nos artigos 184 e 186 do Código Penal, a saber: reclusão de um a quatro anos. E.P.U. - Praça Dom José Gaspar, 106 (Galeria Metrópole) - 3 sobreloja, n° 15 - 01047 Caixa Postal 7509 - 01051 - São Paulo - Brasil - Tel. (011) 259- 9222 Impresso no Brasil Printed in Brazil Sumário Introdução. 1 Capítulo 1 Conhecimentos psicológicos no Brasil colonial 5 A. Conhecimentos psicológicos dos índios brasileiros 8 a. A criança da sociedade indígena 8 1. Amor dos índios pelas crianças 8 2. Parto. Amamentação 8 3. Participação das crianças na vida da comunidade 9 4. Sociabilidade e criatividade das crianças indígenas 10 5. Relações entre pais e filhos 10 b. A mulher na sociedade indígena 12 1. Participação social da mulher índia 12 2.

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Marina Massimi HISTÓRIA DA PSICOLOGIA BRASILEIRA Da época colonial até 1934 EDITORA PEDAGÓGICA E UNIVERSITÁRIA LTDA.

Sobre a autora Marina Massimi, psicóloga formada pela Universidade de Padova (Itália). Mestra e Doutora em Psicologia (área de concentração: Psicologia Experimental) pela USP de São Paulo. Atualmente, exerce as funções de Professora Assistente Doutora no Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto. Desde 1982, desenvolve pesquisas na área de História da Psicologia no Brasil. Membro da Sociedade Brasileira de História da Ciência. Trabalhos principais: História das Idéias Psicológicas no Brasil, em obras do período colonial. Dissertação de Mestrado orientada pelo Prof. Dr. saias Pessotti, USP, 1985. A Psicologia em instituições de ensino brasileiras, no século XIX, Tese de Doutorado, orientada pelo Prof. Dr. Isaias Pessotti, USP, 1989. Capa: Lay-out: Departamento de arte da E.P.U. Arte Final: Ademir Alves A meu pai "in memoriam". À minha família. A todos os amigos que me ajudam a viver a Memória. A memória é uma paixão que se repete. (Cesare Pavese) ISBN 85-12-60360-7 (c) E.P.U. - Editora Pedagógica e Universitária Ltda., São Paulo, 1990. Todos os direitos reservados. A reprodução desta obra, no todo ou em parte, por quaisquer meios, sem autorização expressa da Editora, sujeitará o infrator, nos termos da Lei n° 6.895, de 17-12-1980, à penalidade prevista nos artigos 184 e 186 do Código Penal, a saber: reclusão de um a quatro anos. E.P.U. - Praça Dom José Gaspar, 106 (Galeria Metrópole) - 3 sobreloja, n° 15 - 01047 Caixa Postal 7509 - 01051 - São Paulo - Brasil - Tel. (011) 259-9222 Impresso no Brasil Printed in Brazil

Sumário Introdução. 1 Capítulo 1 Conhecimentos psicológicos no Brasil colonial 5 A. Conhecimentos psicológicos dos índios brasileiros 8 a. A criança da sociedade indígena 8 1. Amor dos índios pelas crianças 8 2. Parto. Amamentação 8 3. Participação das crianças na vida da comunidade 9 4. Sociabilidade e criatividade das crianças indígenas 10 5. Relações entre pais e filhos 10 b. A mulher na sociedade indígena 12 1. Participação social da mulher índia 12 2. Relações com o parceiro 12 3. Maternidade e parto 13 B. Conhecimentos psicológicos na cultura católica do Brasil colonial 13 a. Conceitos e métodos psicopedagógicos dos jesuítas no Brasil 14 1. Idéias psicológicas em tratados pedagógicos 14 2. Definição do conceito de "Infância 14 3. Relação com a mãe e amamentação 14 4. Visão determinista do desenvolvimento infantil 15 5. Educação intelectual da criança 15 VII 6. A punição com finalidade educativa 16 7. Valor educativo dos jogos infantis 17 8. A questão da instrução feminina 18 9. Conclusões acerca da "psicopedagogia" dos jesuítas 18 b. Conhecimento de si mesmo, doutrina e terapêutica das emoções humanas em sermões e tratados de Teologia Moral. 18 1. Auto-conhecimento como discurso sobre si mesmo 19 2. Conceito de homem 20 3. As "paixões" e seus "remédios" 20 4. Fenomenologia da tristeza em um sermão de A. Vieira 21 5. Causas e "remédios" da tristeza, segundo outros autores da época 22 6. Conceito de emoção como fenômeno psicossomático 22 C. Idéias iluministas e doutrinas médicas do século XVIII co mo pressupostos para a constituição de uma ciência do homem 29 1. influências do novo espírito científico no saber sobre o homem. 23 2. O estudo de Mathias Aires sobre um fenômeno de ilusão visual 24 3. Características do

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método científico segundo Mathias Aires 24 4. Postulados do modelo científico segundo Mello Franco 24 5. Influências do Iluminismo francês 25 6. Possibilidade de fundar uma ciência do homem 25 7. A medicina como saber objetivo sobre o sujeito 26 D. Conhecimentos psicológicos no Brasil colonial: considerações conclusivas 27 Capítulo 2 A "Psychologia" no Brasil do século XIX 29 A. Caráter institucional da "Psychologia" no Brasil do século XIX 29 1. Instituições de instrução pública no Brasil do século XIX 29 2. O ensino da "psychologia" nas diversas Escolas 30 3. O ensino da "psychologia" na Faculdade de Direito em São Paulo 31 4. O ensino da "psychologia" nos Seminários Episcopais 33 5. O ensino da "psychologia" nas escolas normais 35 6. O ensino da "psychologia" no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro 36 7. O ensino da "psychologia" nas Faculdades de Medicina 38 8. Idéias psicológicas em revistas brasileiras do século XIX 39 B. Paradigmas da Psicologia mecanicista implícitos nos "Projetos de Aculturação" do homem brasileiro propostos pelos políticos 40 1. Idéias psicológicas nos Apontamentos para a civilização dos índios de José Bonifácio de Andrada e Silva 40 2. Idéias psicológicas nas Cartas de Miguel Calmon du Pin e Almeida 42 3. Idéias psicológicas no Suplemento à Constituição Moral de José da Silva Lisboa 43 4. Idéias psicológicas e práticas políticas 43 C. Variedades de discursos psicológicos emergentes no saber institucional da época 44 Os "discursos psicológicos": definição 44 a. A psicologia filosófica 44 1. Psicologia racional e psicologia empírica 45 2. Posição prioritária da psicologia no âmbito das disciplinas filosóficas, segundo o espiritualismo eclético 45 3. O reducionismo organicista 45 4. A psicologia como parte da antropologia na visão dos tomistas e dos idealistas 46 5. Definições do objeto da psicologia, na cultura brasileira do século XIX 46 6. O "eu" enquanto objeto de conhecimento científico 46 7. A consciência como órgão do conhecimento de si 47 8. Aplicação do método científico ao conhecimento do eu 47 b. A psicologia médica 48 1. Influência do materialismo francês na psicologia médica do século XIX 48 2. Psicologia médica e sociedade brasileira no século XIX 49 3. Subjetividade, higiene social e alienação mental 49 4. Definições dos conhecimentos psicológicos na medIcina brasileira do século XIX 5. Estudo científico do "homem moral" 6. O "tratamento moral 7. A "medicina do espírito" 8. A "alienação mental" e as suas causas 9. Técnicas da "terapêutica moral" 10. Estudo médico das "paixões 52 11. A medicina como conhecimento global do homem 53 c. A psicologia pedagógica 54 1. A pedagogIa como ciência 54 2. A psicologia experimental aplicada à pedagogia 54 3. Relações entre psicologia e pedagogia em provas e currículos das escolas normais 54 4. Métodos de ensino e aprendizagem 55 VIII IX d. A psicologia e a teologia moral 6. Centros de Psicologia Educacional em Recife e Belo Horizonte 73 1. "Paixões" e "enfermidades da alma 7. Criação do INEP 73 2. Distinção entre os fenômenos psíquicos e os fatos morais 8. Primeiros cursos universitários de psicologia 73 D. A psicologia no Brasil do século XIX: conclusões Um fim... que é um início 75 Bibliografia 77 Capítulo 3 O surgimento da psicologia científica 61 A. A psicologia como ciência na visão do positivismo brasileiro do século XIX: a "fisiologia mental" na teoria de Luis Pereira Barreto (18401923) 61 1. Ciência e progresso humano 61 2. O menosprezo da filosofia 62 3. A "fisiologia mental 4. Elementos da natureza humana segundo a doutrina contiana ... 63 5. Aplicação da "fisiologia mental" no estudo da religião 64 6. A psic como parte da fisiologia 64 B. Desenvolvimento da Psicologia Científica no âmbito da Medicina brasileira 64 1. Henrique Roxo 65 2. Antonio 5 65 3. Maurício Medeiros 65 4. Os irmãos Osório e o Laboratório de Fisiologia no Rio de Janeiro 66 5. O Laboratório de Psicologia do Hospital de Engenho de Dentro e Waclaw Radecki 66 6. A Liga Brasileira de Higiene Mental 66 7. Estudos

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em psicologia na Faculdade de Medicina da Bahia 67 8. Estudos em 5 na Faculdade de Medicina em São Paulo 67 9. Domingos Jaêuaribe 67 10. O Instituto de Higiene de São Paulo 68 11. Ulisses Pernambuco e a psicologia em Recife 68 12. Medicina e 5 forense, criminologia, psicologia social... 69 C. Psicologia experimental e educação 69 1. Influências da filosofia positivista na área pedagógica e ênfase na psicologia 69 2. Introdução da psicologia experimental no currículo das Escolas normais 70 3. O pragmatismo pedagógico e a psicologia 71 4. Instituição dos laboratórios de psicologia experimental aplicada à educação no Rio de Janeiro e em São Paulo 72 5. Lourenço Filho 73 x XI

Introdução Pode-se falar em história da psicologia no Brasil sem entender com es ta expressão uma mera projeção no contexto brasileiro de conteúdos e métodos elaborados alhures (sobretudo na Europa e nos Estados Unidos)? Esse texto quer fornecer uma resposta inicial a tal questão, fundamental para a definição e a consolidação da identidade da psicologia brasileira, hoje. Procura-se contestar, ao mesmo tempo, o juízo demasiado pessimista e superficial que freqüentemente se ouve a respeito. Pode-se encontrar uma expressão sintética de tal juízo nas palavras de Farias Brito acerca do desenvolvimento dos conhecimentos psicológicos no seio da cultura brasileira: "Sobre este assunto de tão alta significação, o que, entre nós, incentiva o interesse dos homens mais eminentes de todos os países cultos do mundo?, a resposta deve ser esta: Nada, absolutamente nada!... Realmente, o solo da intelectualidade nacional não parece ser terreno propício para a semente da nova ciência." (1912, p. 277). Toda via, se a realidade correspondesse à visão do eminente filósofo, seria impossível explicar a grande expansão da psicologia experimental e de intervenção no Brasil do século XX. O Brasil, com efeito, foi uni dos primeiros países do mundo em que foi aprovada a regulamentação legal da profissão do psicólogo (pela Lei 4.119, de 27.8.62). Já em 1946, Margaret E. Hall, diferenciando a situação do mais amplo contexto latino-americano, afirma ser o Brasil uma nação particularmente receptiva à aplicação e ao estudo dessa ciência. Em particular, "the city of São Paulo, Brazil, has probably the most extensive facilities for psychological study of any South American city". (p. 446), devido ao seu rápido desenvolvimento tecnológico e urbano. Portanto, a 'profecia' de Farias Brito parece não ter sido verdadeira. Em suma, a difusão atual da psicologia no meio cultural e social brasileiro induz a procurar as raízes de tal evolução na realidade do país, ao longo do tempo. A hipótese é a de que tais raízes não pertençam apenas à história nacional recente (relacionadas, por exemplo, à rápida transformação da sociedade e à necessidade de recursos para favorecer a adaptação de indivíduos e grupos às novas condições de vida), mas se insiram num processo histórico mais antigo. A causa do desconhecimento dessas matrizes depende, em grande par te, da falta de memória que atinge a cultura brasileira como um todo e a psicologia brasileira em particular. O esquecimento, por sua vez, nasce de atitudes ideológicas tradicionalmente assumidas com relação à cultura do país, de um lado, e à história da psicologia, de outro. Com efeito, ao longo da história do Brasil, há uma tendência existente em desvalorizar a originalidade da contribuir o nacional e a superestimar o que provém do exterior - ou como o de Costa, uma "espécie de complexo de inferioridade" (1956, p. 18) dos intelectuais autóctones, provável herança do processo de colonização. De fato, na época da dominação

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portuguesa, devido à proibição de se instituírem escolas de nível superior na Colônia, os jovens brasileiros que quisessem dar continuidade aos seus estudos deveriam emigrar para Portugal ou para outros países da Europa, dos quais incorporavam as idéias e a sensibilidade. Se, de um lado, esta situação criava as condições para uma frutífera assimilação do patrimônio da civilização ocidental, de outro lado, a experiência do desterro fazia com que a consciência da identidade nacional, nos jovens estudantes, se tornasse algo abstrata, idealista, distante das reais necessidades da própria pátria. Em consequência, muitos estudantes assumiram o Brasil como objeto de investigação científica, ou de ação política, tendo como ponto de referência a Metrópole e colocando- se, portanto, no lugar do sujeito dominador. Dessa forma, insinuou-se que ainda hoje a caracteriza. Esta é a causa remota de algumas atitudes de depreciação de tudo o que pode constituir elemento de originalidade, de diversidade, de não-conformidade com os modelos prescritos pelas ideologias dominantes, assuma a forma de saudosismo ou de progressismo, de rejeição aberta ou de crítica sutilmente destruidora dos ideais e dos símbolos enraizados profundamente na mentalidade brasileira. A perda de memória constitui um aspecto particularmente grave desta tendência, pois o esqueci mento da própria história impede um povo de reconhecer seus traços originais e elaborar, a partir destes, um projeto autônomo de vida social e cultural. Além disso, o desconhecimento da psicologia brasileira com relação às próprias origens tem razões específicas em uma abordagem metodológica, característica do positivismo radical, que inspirou a historiografia da psicologia tradicional, pelo menos até os anos 60. Ao desvalorizar a contribuição da cultura pré-científica à evolução do conhecimento humano, essa corrente restringe a história da psicologia ao desenvolvimento da psicologia científica nos últimos dois séculos. A exclusão do domínio historiográfico dos conhecimentos psicológicos difundidos no seio das diferentes tradições culturais e julgados não relevantes implica a renúncia à memória das raízes dessa disciplina presente em tais tradições e o esquecimento das questões originais que determinaram o seu surgimento, ou favorecem sua influência e seu desenvolvimento em específicos ambientes culturais. Outra conseqüência é a redução da psicologia apenas à psicologia européia e norte-americana, revestidas de uma pretensa universalidade. Se a tendência positivista podia se justificar, no início do século, pela necessidade de garantir a autonomia da psicologia científica com relação ao seu passado filosófico ou médico, atualmente ela aparece como um empecilho para um sério conhecimento histórico. Com efeito, a necessidade de se estabelecer relações entre psicologia, memória e cultura é hoje universalmente reconhecida, como atesta a proliferação dos interesses e estudos acerca dos conhecimentos psicológicos pré-científicos e a ên fase nos desenvolvimentos históricos da psicologia no âmbito das diferentes nações. Atualmente fica claro, para todos os estudiosos do campo, que a retomada de consciência do valor da história e o aprofunda mento do nexo entre saber psicológico e identidades culturais são condições essenciais para que haja um progresso efetivo da psicologia quanto à consciência crítica e à utilidade social. Sem cair no relativismo, é preciso reconhecer que o esforço para alcançar conhecimentos o mais possível objetivos, universais e socialmente eficazes, não deve desconsiderar a presença de diferenças e peculiaridades próprias dos vários sujeitos e identidades culturais. Tal enfoque permite encontrar as raízes do interesse pela psicologia no âmbito da cultura e da sociedade brasileiras; indicar o papel que este interesse assumiu ao longo da história da nação e as maneiras pelas quais se estruturou em formas de conhecimento; avaliar, enfim, eventuais aspectos de originalidade da psicologia brasileira. 3

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Capítulo 1 Conhecimentos psicológicos no Brasil colonial Para realizar uma reconstrução da história da psicologia no Brasil é preciso começar do início, buscando as origens remotas do interesse pelo estudo da subjetividade e do comportamento no âmbito da cultura brasileira mais antiga. Nesse sentido, a época colonial se apresenta como um período relativamente fecundo e diferenciado. Com efeito, nela se encontram, ainda vivos, os traços das culturas indígenas e, através dos escritos de missionários e viajantes, pode-se obter informações sobre as doutrinas e as práticas psicológicas dos índios. Ao mesmo tempo, a cultura ocidental, importada pelos colonizadores, nas diferentes matrizes filosóficas escolástica, empirista e iluminista, inspira as conceituações psicológicas contidas em vários tratados de autores brasileiros. Não são obras específicas de psicologia. Têm como assunto principal: medicina, moral, teologia, pedagogia, política, arquitetura. Mas algumas páginas ou seções são dedicadas à análise de questões inerentes à vida psíquica. Os autores, cuja formação cultural completou-se, na maioria dos ca sos, no exterior, ocuparam um papel relevante na vida cultural e política do Brasil da época: é provável, por isso, que suas doutrinas tenham tido ampla divulgação e relevância, ao menos no ambiente intelectual do período. Em suma, nas origens dos conhecimentos psicológicos elaborados ou transmitidos no Brasil da época colonial, refletem-se as influências profundas do saber europeu, mescladas a aspectos próprios da cultura indígena. Os temas abordados se referem, de um lado, à estruturação conceitual e metodológica da psicologia e, de outro, à descrição dos papéis sociais, 7 do ponto de vista psicológico. Na tabela são indicados os nomes dos autores e os títulos das obras que constituem as fontes primárias da história da psicologia brasileira na época colonial, em ordem cronológica. A. Conhecimentos psicológicos dos índios brasileiros Os escritos de viajantes e missionários, principalmente jesuítas, constituem fontes secundárias de informações sobre conceitos e práticas psicológicas próprias das culturas indígenas, antes do processo de colonização. Sendo estas culturas caracterizadas por uma tradição oral, não existem fontes primárias escritas que possibilitem uma investigação historiográfica mais direta. Os documentos disponíveis evidentemente filtram a realidade a ser descrita através de categorias de observação e de interpretação típicas de seus autores europeus. Portanto, uma reconstrução histórica a partir de tais documentos é necessariamente parcial, limitada. Contudo, é útil para permitir uma aproximação à realidade autóctone, mesmo que "à distância", mediada pelo ponto de vista de europeus que elaboravam seus "diários" de viagem, ou relatavam seus "trabalhos apostólicos". Na leitura de tais documentos, dois aspectos, em particular, se sobres saem pelo seu interesse do ponto de vista psicológico: a prática educativa com relação às crianças e o papel da mulher na comunidade indígena. As informações principais coletadas a respeito serão apresentadas a seguir. a. A criança da sociedade indígena 1. Amor dos Índios pelas crianças Os missionários e viajantes relatam em seus escritos o grande amor dos índios brasileiros pelas suas crianças e os cuidados que demonstravam na educação dos filhos. Fernão Cardim (1625) escreve que "os pais não têm cousa que mais amem que os filhos, e quem a seus filhos faz algum bem tem dos pais quanto quer" (ed. 1939, p. 274) e afirma ser este um dos motivos da estima dos índios para com os padres jesuítas. Com efeito, estes ensinam as crianças a ler, escrever, contar e cantar, e desenvolvem várias outras atividades educativas junto delas. 2. Parto - amamentação Na família indígena não há

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uma divisão rigorosa de papéis na relação com os filhos. Desde o nascimento, a figura paterna está presente na vida da criança: é o pai que, segundo Fernão Cardim, logo depois do parto da mulher, levanta a criança do chão, corta-lhe o cordão umbilical e lhe prepara, se macho, um arco com flechas a simbolizar seu destino de caçador e guerreiro. Ainda mais curioso, para a nossa mentalidade moderna é o hábito descrito por Simão de Vasconcelos (1668): depois do parto, a mulher se levanta e se ocupa de suas tarefas domésticas e na roça, enquanto o marido fica deitado na rede e recebe as visitas e os cuidados de amigos e pa rentes, "como o houvera de ser a mulher" - comenta o relator. Para poder atender o recém-nascido, o pai fica em casa e se abstém do trabalho. A mãe, por sua vez, amamenta a criança até um ano e meio de idade sem lhe dar outro tipo de alimento e, às vezes, até mais tarde (em alguns casos até 7 ou 8 anos). O hábito, reconhecido pela ciência moderna co mo muito útil do ponto de vista biológico e psicológico, não era comum na sociedade ocidental da época. As mães portuguesas, por exemplo, enviavam as crianças às casas de amas para serem amamentadas. No século XlX, José Bonifácio de Andrada e Silva, no seu projeto de "civilização" dos índios brasileiros, proíbe às mulheres índias a amamentação dos filhos "por mais de dois anos, quando muito" porque, na opinião dele, a lactação prolongada tornaria "frouxas e pouco sadias as crianças" e "tem o inconveniente de diminuir a procriação por todo o tempo da lactação" (1823. ed. 1965, p. 17). Dessa forma, tentar-se-á destruir o que era uma modalidade natural e eficaz de prevenção da desnutrição e de controle da natalidade. 3. Participação das crianças na vida da comunidade A criança participa desde cedo da vida da família e da comunidade indígena: no trabalho na roça, as mães carregam consigo os meninos em um pedaço de rede, chamado "tipoya", segurando-os às costas ou ao colo "e com elles andam por onde quer que vão, com elles às costas trabalham, por calmas chuvas e frios". (Cardim, ed. 1939, p. 274) Assim também quanto às práticas higiênicas: as crianças juntamente com os homens e mulheres adultos, ao se levantarem vão aos rios para lavar-se e nadar. Gestos muito importantes da vida comunitária, de que os meninos participam desde cedo, são as festas e as danças. Cardim narra que desde pequeninas, as crianças são ensinadas pelos pais a dançar e cantar. "Os seus bailos" - relata - "não são differenças de mudança, mas é um contínuo bater de pés estando quedos, ou andando ao redor e meneando o corpo e a cabeça e tudo fazem por tal compasso, com tanta serenidade, ao som de um cascavel feito ao modo dos que usam os meninos em Espanha, com muitas pedrinhas dentro ou umas certas sementes de que também fazem muito boas contas, e assim bailão cantando juntamente." (p. 93) São os meninos (os "cunumis") que animam as festas para os padres jesuítas hóspedes da aldeia, com seus jogos, danças, cantigas e representações. Pintados de várias cores, com escudos e flechas nas mãos, 9 dançando ao som da viola, tamborim, pandeiro e flautas, eles representam coreografias simbólicas da vida da tribo; diálogos, cenas de luta, orações, histórias dos antepassados. O valor simbólico e educativo que as celebrações comunitárias assumem para a infância é hoje enfatizado por vários psicólogos e psicanalistas, entre os quais Erik e Bruno Bettelheim. A segurar da criança, as relações entre a realidade e o mundo de suas fantasias e desejos, a esperança de uma vida melhor e o valor do próprio nascimento são reforçados através de tais festas comunitárias. Elas, conforme afirma B. Bettelheim, "são demasiado importantes para serem abandonadas, porque servem necessidades profundas e inconscientes" (1988, p. 299). 4. Sociabilidade e criatividade das crianças indígenas Cardim se admira da criatividade e da criatividade e da sociabilidade das crianças indígenas: as brincadeiras são variadas e elas as "fazem com muito mais festa e alegria que os meninos

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portuguezes" (p. 153). Entre eles não há queixas, nem brigas, nem palavras ruins, "folgão com muita quietação e amizade" (p. 93) e raramente se batem uns com os outros. Desde pequenos, aprendem a caçar e pescar: trazendo sempre junto deles arcos e flexas, não deixam escapar nem um passarinho ou peixe, "donde veem em homens a ser grandes pescadores e caçadores". Exploram e percorrem matas e rios com muita habilidade e, sendo peritos nadadores, não têm medo da água, das ondas e do mar. Desse modo, não há aquela solução de continuidade entre o mundo dos jogos infantis e a realidade da natureza e do trabalho pela sobrevivência que caracteriza a vida da sociedade moderna. Cardim descreve também o bom êxito obtido no ensino das escolas das aldeias indígenas organizadas pelos missionários: além de aprender rapidamente a ler, escrever e contar, as crianças revelam muitas aptidões para o canto e a música: "Há já muitos que tangem flautas, violas, cravos, e officiam missas em canto d'órgão, cousas que os pais estimam muito" (p. 155). Entre eles, os mais hábeis ensinam os outros a contar, cantar e tocar. 5. Relações entre pais e filhos Uma observação de Cardim, muito importante do ponto de vista psicológico, se refere à relação disciplinar entre pais e filhos: os índios não tem nenhum tipo de castigo para os filhos, aos quais nunca aplicam punições físicas ou morais, porque o amam muitíssimo. Ao mesmo tempo, as crianças "são obedientíssimas a seus pais e mais, e todos muito amáveis e aprazíveis" (p. 153). São afirmações desconcertantes para a pedagogia da época, em que castigos de qualquer tipo são utilizados em jovens, crianças e até adultos, para obter deles atenção, obediência, bom desempenho na escola e no trabalho. Talvez o segredo da pedagogia indígena esteja na relação de convivência contínua, pois, como já vimos na comunidade não há uma divisão real entre mundo da infância e mundo dos adultos. A relação educativa se estrutura e se impõe, assim, com muita naturalidade, pois a criança aprende a lidar com a realidade sempre na companhia dos pais, cujos conhecimentos, habilidades e segurança lhe são transmitidos aos poucos. As leis e as normas da vida social podem ser aprendidas, dessa forma, não como imposições de um dever estranho e negativo, mas como participação e introdução gradativa em uma realidade maior do que o próprio eu: "Uma criança que está junto da mãe pode não ter medo frente às dificuldades porque está junto com ela, porque está envolvida num relacionamento. Se alguém lhe dissesse: 'menino, suba esta montanha', ele não saberia fazê-lo. Eis como se apresenta a norma no sentido moralista da palavra. Pelo contrário, o menino junto com a mãe ou com o pai, em companhia, não terá medo do caminho árduo." (tradução livre do italiano: Giussani, 1981, p. TO Ao mesmo tempo, os meninos se sentem valorizados porque podem participar da vida dos adultos e são acolhidos imediatamente pelo meio social. Dessa forma, o processo de aquisição da identidade pessoal e social é facilitado. Com efeito, conforme afirma E. Erikson, duas são as condições para que se desenvolva o sentimento da identidade: " da uniformidade e continuidade da existência pessoal no tempo e no espaço; a percepção do fato de que os outros reconhecem essa uniformidade e continuidade da pessoa." (1972, p. 49). Ora, na sociedade indígena é muito imediata: as crianças participam das atividades da tribo e para elas, infância e cultura estão todas num mundo só. Os modelos de identificação estão imediatamente ao alcance delas, são unívocos e claros. Desde recém-nascido, como já foi dito, o menino recebe arco e flechas, para simbolizar seu destino de caçador e guerreiro. Em suma, nas práticas educativas com relação às crianças, os índios brasileiros - cuja vida é descrita nos documentos do período colonial - revelam atitudes e conhecimentos em muitos casos confirmados pelos resultados da psicologia moderna. As condições da vida social indígena aparecem como elementos que facilitam um

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desenvolvimento psíquico sadio e bem integrado em todos os seus fatores. A clareza acerca do significado e da positividade da vida, transmitida pelos adultos, permite à infância aquela alegria, vivacidade, abertura à realidade, muitas vezes observadas pelos missionários e viajantes, e relatada em seus diários de viagem. 11 b. A mulher na sociedade indígena 1. Participação social da mulher índia As informações sobre a função social e o comportamento da mulher índia apontam para a relevância do papel por ela ocupado na vida da comunidade. Este fato é particularmente interessante ao se comparar a relativa liberdade e a participação social da mulher índia com o enclausura mento e o estigma de inferioridade que definem a condição da mulher portuguesa da época. As mulheres índias, por exemplo, cabe a tarefa de receber os hóspedes na casa, através de um ritual bastante original: uma vez entrado o hóspede, fazem-no sentar na rede (elemento essencial da habitação) e a dona da casa, as filhas e as amigas o recebem, caladas, sentando-se ao seu redor. De cabeça baixa, elas começam a chorar com muitas lágrimas, contando para o visitante tudo o que aconteceu na aldeia durante a ausência deste. As mulheres descrevem também as dificuldades e os sofrimentos que o hóspede enfrentou ao longo da viagem. Terminado o pranto, as mulheres ficam quietas, serenas e alegres, dão as boas-vindas ao forasteiro, lhe oferecem comida e saúdam-se entre si. Esta cerimônia parece possuir um significado simbólico: nela, as mulheres assumem a função de depositárias da memória da vivência da aldeia e a responsabilidade pela comunicação dessa memória. A memória não é apenas uma lembrança do passado, mas implica reviver no presente a história evocada, O pranto significa o reacontecer da dor evidencia da na narração. A comunicação da história da aldeia para o outro, um estrangeiro, é um gesto de comunhão, ao torná-lo partícipe, através do conhecimento, do passado da tribo e, ao mesmo tempo, é um convite a que ele também comunique sua própria experiência. Emerge, então, desse fato, um papel muito importante da mulher na sociedade indígena: ela detém a memória da história e o poder de reevocá-la como cultura e expressão da identidade da aldeia. Enquanto a mulher introduz o hóspede no conhecimento do patrimônio histórico da vida social, o homem lhe doa bens materiais, como aves, flechas, penas etc... Dessa forma, o estrangeiro é feito parte da comunidade. Além disso, as mulheres têm o encargo de vigiar os prisioneiros, tarefa que normalmente desenvolvem com muita atenção e fidelidade, "porque lhes fica em honra" - comenta Cardim (p.96). 2. Relações com o parceiro O autor afirma também que os homens costumam tratar bem as mulheres, muito raramente brigam com elas ou as maltratam; e "sempre andão juntos" (p93). Quando saem fora da aldeia, e andam por trilhas desconhecidas, a mulher costuma seguir o homem para que, se algum inimigo armar ciladas no caminho, o homem possa enfrentar o adversário e ela tenha tempo para fugir. Pelo contrário, regressando à aldeia, de volta da roça ou de qualquer outro lugar, a mulher precede o homem pela estrada segura e conhecida, e o homem vai atrás, de maneira que, se o inimigo atacar às costas, o homem possa detê-lo e a mulher possa escapar correndo na direção da aldeia. As mulheres participam, juntamente com os homens, de todos os trabalhos, festas, danças e rituais da vida da comunidade. 3. Maternidade e parto A maternidade e o parto são vivenciados com muita naturalidade: normalmente a mulher dá à luz o filho deitada no chão, e logo em seguida, levanta-se e vai lavar-se no rio. Cardim comenta que as índias "amam os filhos extraordinariamente" (p.9l) e os trazem sempre consigo, carregando-os nas já citadas "typoyas". As informações sobre a vivência e a cultura dos índios brasileiros, no período colonial, relatadas nessas páginas, evidenciam que os gestos, os hábitos, as doutrinas e as práticas de tais povos têm fundamento e significados em uma visão do mundo e da realidade

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muito diferentes das do homem europeu. Dessa forma, as práticas psicológicas e a configuração das identidades psicossociais acima descritas pressupõem implicitamente conhecimentos e crenças acerca da subjetividade humana. Infelizmente a pesquisa histórica, pelo menos no que se refere ao período colonial, não pode atingir este domínio, pela falta de uma tradição escrita e pelo pouco interesse do meio intelectual brasileiro no que diz respeito à preservação e transmissão da cultura indígena. Nesse sentido, qualquer re construção a posteriori permanece extremamente parcial e incompleta. O historiador se encontra, nesse caso, frente a um mundo destinado a permanecer quase totalmente desconhecido, pela falta de sinais que o possam documentar e representar, de forma adequada e direta, aos olhos do homem moderno. B. Conhecimentos psicológicos na cultura católica do Brasil colonial A presença do catolicismo na cultura brasileira da época colonial é muito evidente. Destaca-se, entre outras, a contribuição das congregações religiosas, em particular jesuítas, beneditinos e franciscanos. O interesse pelos assuntos psicológicos é muito vivo nas obras de jesuítas do século XVII e XVIII dedicadas à Pedagogia, à catequese e à teologia moral. 13 a. Conceitos e métodos psicopedagógicos dos jesuítas no Brasil Um dos aspectos mais interessantes da atuação dos jesuítas no Brasil é constituído por sua obra educativa que representa um "fato educacional de suma importância no século XVII" (Nunes, 1982, p.11 Tal contribuição se concretiza na criação de "Escolas de ler e escrever" para as crianças indígenas, e de Colégios - entre os quais um exemplo famoso é o "Colégio dos Meninos de Jesus", na Bahia, fundado por Manoel da Nóbrega em 1550, primeira tentativa de integração entre filhos de índios, portugueses e mestiços. Com efeito, a "Companhia de Jesus, em contato com pessoas de estirpe cultural completamente diferente dos povos europeus, passou a praticar novo tipo de educação..., num vasto experimento educacional que teve grande êxito." ( Nunes,1982, p.ll6) 1. Idéias psicológicas em tratados pedagógicos O esforço de sistematização dos conhecimentos e práticas pedagógicas e psicológicas desenvolvidas nessas instituições é evidente em alguns tratados dirigidos a mestres e pais de família. Nesses documentos, encontram-se conteúdos às vezes muito relevantes do ponto de vista psicológico. Entre outros, os livros A arte de crear bem os filhos na idade da puerícia (1685) de pe. Alexandre de Gusmão (1629-1725), pedagogo e literato, fundador do Colégio de Belém, e a Nova Escola para Ensinar a ler, escrever e contar (1722) de Manoel de Andrade Figueiredo, pedagogo e calígrafo, destacam-se pela originalidade e a modernidade da abordagem no estudo do comportamento infantil. 2. Definição do conceito de "infância" O interesse pela formação e pelo conhecimento da criança leva esses autores à necessidade de definir, de uma maneira explícita, o conceito de "infância", que até então fundia-se com o de "adolescência", conforme afirma Ph. Ariés (1978). A. Gusmão apresenta diferentes interpretações desse termo: para alguns, a infância vai até os sete anos de idade, para outros, limita-se ao tempo em que os meninos aprendem a falar; para alguns, a infância abrange apenas a fase da amamentação, para outros estende-se até o momento em que a criança começa a usar a razão. ,, Enfim, Gusmão fornece a sua própria definição: "Nós chamamos infante à creança, em quanto de sy nam tem acçam racional e, para viver, necessita do alheio socorro." (1685, p.l70). 3. Relação com a mãe e amamentação Nessa fase da vida, é reconhecido o papel determinante da relação com a mãe e é recomendada a amamentação maternal. As doutrinas formuladas a respeito vislumbram conhecimentos atuais de psicanálise e de etologia. Opondo-se ao hábito, difundido na época, de entregar as crianças a escravas ou amas, para serem amamentadas, os pedagogos recomendam o leite da própria mãe como o alimento mais apropriado para o recém- nascido.

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As justificativas desse preceito são de natureza biológica ou psicológica: a analogia entre o leite e o sangue com que a criança se nutriu no ventre materno, de um lado; o fato de que o leite materno pode influenciar o caráter futuro da criança, enquanto potencial transmissor de traços temperamentais da mãe, de outro. Além disso, os autores observam que as mães amam com maior afeto os filhos por elas próprias amamentados. A ênfase na significação afetiva da amamentação, enquanto continuação da experiência a mãe e a criança, é particularmente interessante. 4. Visão determinista do desenvolvimento infantil É muito enfatizada_ influência das determinações ambientais na formação da personalidade infantil: com efeito, a criança é considerada semelhante a uma tábua rasa, "disposta para se formarem nella quaesquer imagens" (Gusmão 1685 p 4) Portanto a educação é encarada como recurso fundamental para o desenvolvimento infantil. A confiança na força da educação se expressa nesta declaração de Gusmão, de teor determinista: "Conforme for a primeira doutrina, conforme a primeira educaçam, que deres a vossos filhos, podereis conhecer,o que ham de vir a ser" (idem, p. Tal afirmação é parecida à do behaviorista J. B. Watson ao escrever, em 1929, que todas as formas de comportamento infantil são geradas pelos pais e pelo ambiente e vivência da criança, edificando-se nos primeiros anos de vida, tudo que aparecerá mais tarde. Conseqüência da visão determinista do desenvolvimento humano é a confiança na possibilidade de manipular e corrigir a conduta infantil. "Nenhum mínimo há de tam ruim condiçam, que nam possa ser corregivel e domesticavel", afirma Alexandre de Gusmão (1685, p.l38) e, analogamente, Manoel de Andrade Figueiredo declara: "A boa doutrina emenda a má natureza." (1722, p. 5. Educação intelectual da criança Por isso, a infantil e a educação são complementares uma à outra. Em particular, é valorizada a educação intelectual, pois a razão é a característica peculiar do ser humano, cuja potencialidade é mais facilmente estimulada nos primeiros anos de vida. Toda a responsabilidade sobre o processo de aprendizagem da criança é atribuída aos pais e aos educadores. Da escolha judiciosa dos mestres deri 15 va todo o bem das crianças. Eles são comparados a agricultores que lançam as primeiras sementes da doutrina na alma infantil: os frutos que serão colhidos no futuro dependerão da ciência do educador. Outras comparações usadas pelos autores para exemplificar o processo pedagógico são a domesticação de animais ferozes, a pintura de um painel em branco, o trabalho para dar forma ao metal, a escultura que amolda a pedra. Gusmão exorta os pais a não desanimar nos casos em que se reconheçam incapazes de "lavrar o filho": eles não devem atribuir a causa de sua ineficácia educativa às características da personalidade do menino, mas devem consultar "os políticos previstos nesta matéria" (1685, p.139). Aqui a palavra "político" assume um sentido bastante diferente do atual, indicando a pessoa especialista em assunto de relações sociais. Portanto, "nam devem os pays desamparar aos filhos, que sentiram de más condiçoens, desconfiando de fazer nelles frutos, porque nenhum pode ser de tam mao natural, que doutrinado, e domado, nam possa ser de proveito, por meio da boa creaçam". (ibidem) O bom resultado do trabalho educativo depende em grande parte da atenção do mestre em proporcionar o conteúdo de seu ensino às atitudes e à situação da criança. Manoel de Andrade Figueiredo diz que o ritmo deve ser determinado pela capacidade real do menino e não pode ser demasiado rápido, pois, embora este possua uma boa memória, falta-lhe a habilidade de realizar operações lógicas complexas. Muito perspicazes, nesse sentido, são os conselhos de Figueiredo a respeito dos recursos pedagógicos mais oportunos com os deficientes mentais: o "mestre" prudente deve usar com estes de menor rigor no castigo, pois os excessos na correção podem trazer efeitos muito negativos. De fato, o menino "afflicto de não poder

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perceber a lição e temeroso ao mesmo tempo do castigo, que o intimida e mortifica, . . .abraçando só o medo natural, se ausenta, e foge da escola". (Figueiredo, 1722, p.11) Pelo contrário, convém que o "mestre" respeite a situação da criança e a estimule não pelas punições, mas "às vezes fingindo, applicando-lhes a grandeza da lição segundo a capacidade dos talentos." (ibidem) Dessa forma, o sistema nervoso, estimulado pelo exercício, vai se aperfeiçoando e a criança pode alcançar "mais clareza de engenho" (ibidem). Além disso, é preciso que, no processo de aprendizagem, seja utiliza da não apenas a memória mas também o raciocínio. Não se pode reduzir o estudo aos termos de uma repetição mnemônica - admoesta Figueiredo. E preciso levar o menino a entender os fundamentos do que aprende. Uma vez que o aluno tomar conhecimento das regras fundamentais, saberá utilizar-se delas em qualquer situação. 6. A punição com finalidade educativa Quanto ao uso da punição com finalidade educativa, os pedagogos da época a recomendam como meio eficaz de correção do comportamento infantil. Com efeito, a prática do castigo e a sua teorização são fenômenos característicos da pedagogia dos séculos XV e XVI, na medida em que se afirma uma visão absolutista do Estado como instância de controle total sobre a vida dos indivíduos (Arlés, 1978). A função da punição não é mais de natureza teológica e moral, mas social, pois permite a normalização do comportamento, penalizando tudo o que não é conformei às regras sociais. Se em épocas anteriores o castigo físico era reservado apenas às crianças pequenas, no século XVI é estendido a toda a população escolar, que muitas vezes ultrapassa os 20 anos. A punição é prevista, por exemplo, nos estatutos das universidades de Paris (1520) e de Estrasburgo (1538). Nesse contexto aparece como particularmente inovadora a postura educativa introduzida por José de Anchieta no Colégio de São Paulo, em Piratininga: com os meninos índios freqüentadores da escola, este não se utiliza de punições corporais mas de castigos morais que induzam, nas crianças, a vergonha pelas infrações cometidas e, ao mesmo tempo, apontam para elas o comportamento certo. Um exemplo, relatado por Pero Rodrigues, põe em evidência tal atitude: Anchieta não pune um pequeno ladrão de laranjas estudante do Colégio mas simplesmente entrega-lhe os frutos desejados dizendo-lhe: "Toma-os, são para ti, mas não furtes!" O erro que vem sendo apontado dessa forma não é a cobiça das laranjas mas a modalidade usada para apossar-se delas (Leite, 1938). 7. Valor educativo dos jogos infantis Outro aspecto novo introduzido pelos jesuítas na pedagogia da época é a teorização do valor educativo dos jogos infantis Até então as atividades lúdicas tinham sido absolutamente proibidas nas instituições escolares, embora normalmente tal preceito fosse desrespeitado. Segundo afirma Ph. Ariés, o reconhecimento do direito que a criança tem de brincar e da função educativa dessa atividade aparece somente no século XVII, principalmente sob a influência dos padres jesuítas e oratonianos, os quais introduziram oficialmente os jogos em seus programas e regulamentos. No Brasil, os jesuítas valorizam os jogos infantis inclusive como meio de catequese. Valendo-se de tal tradição, Alexandre de Gusmão propõe em seu tratado a necessidade do brinquedo e do exercício físico na infância, pois tais atividades são próprias e necessárias dessa época da vida, e conclui: "He tirar o natural dos rapazes proibir-lhes o brincar." (1685, p.37O). As duas funções principais do comportamento lúdico são aliviar o peso do estudo e evitar a ociosidade. Gusmão recomenda que estimulem o movimento e os jogos de imitação. 17 8. A questão da instrução feminina Particular destaque merecem o interesse e os projetos da pedagogia jesuítica para a instrução feminina. Em uma época em que é preconceito difundido na opinião publica a crença na inferioridade mental da mulher e explicitamente proibida pelo governo português sua escolarização, educadores jesuítas como

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Manoel da Nóbrega, Antonio Vieira, Alexandre de Gusmão, defendem o direito da mulher à instrução, inclusive propondo projetos de escolas com essa finalidade. Assim, Gusmão afirma em seu tratado: que as filhas aprendam as artes liberaes desde mininas, assim como he certo dos filhos mininos. Ao que respondo que nam só he conveniente, mas grande glória para o sexo feminino." (1685, p.383) 9. Conclusões acerca da "psicopedagogia" dos jesuítas Fica evidente, na leitura dos documentos citados, a riqueza e a originalidade da psicopedagogia jesuítica, não apenas em sua dimensão teórica mas também no plano prático, podendo ser aplicada com sucesso num contexto tão diferente do europeu como era a realidade indígena no Brasil da época colonial. A experiência das Reduções muitas vezes injustamente censurada ou não suficientemente estudada pela historio grafia oficial, é o documento claro da potencialidade criativa e da capacidade de valorização da cultura indígena própria de tal abordagem. As re \ formas pombalinas dos estudos secundários e da Universidade e a expulsão da Companhia de Jesus dos territórios portugueses e brasileiros (1759) significaram o fim dessa experiência no campo educacional e a destruição do sistema escolar a partir dessa estruturação, produzindo, segundo a afirmação concorde de muitos historiadores, uma enorme perda no plano cultural e um atraso notável no desenvolvimento da instrução no Brasil (Nunes, 1981; Azevedo, 1971). b. Conhecimento de si mesmo, doutrina e terapêutica das emoções humanas em sermões e tratados da teologia moral Em meados dos séculos XVII e XVIII, uma forma de conhecimento psicológico é elaborada no seio da tradição teológica e catequética. Os documentos mais significativos a respeito são: os Sermões escritos com o objetivo de fornecer uma educação religiosa a um público amplo e diferenciado (desde a Corte Régia até a população mais humilde de uma cidade), sendo tais textos destinados à pregação nas igrejas e em outros locais públicos; e os Tratados de Teologia Moral para o uso dos fiéis e confessores. Entre outros, destacam-se os famosos Sermões (1648-1679), do pe. Antonio Vieira (1608-1697) e os de Dom Mateus da Encarnação Pinna 711-1751), beneditino carioca (1687-1764) e a Botica Preciosa (1754) do pe. Angelo de Sequeira. 1. Autoconhecimento como discurso sobre si mesmo Nesses textos, o saber sobre si mesmo é considerado funcional para o controle sobre do sujeito representar sua vivência interior através do discurso. Isso pres entre os fenômenos psíquicos e as palavras: segundo Pinna, por exemplo, os afetos e as paixões do coração humano são as fontes de onde brotam as palavras. A necessidade da palavra para a formulação do autoconhecimento faz com que esse não seja possível, por exemplo, em experiências emocionais pro fundas, onde a expressão se dá através do choro (fenômeno instintivo) e não da palavra (manifestação expressiva guiada pela racionalidade). Com efeito, conforme afirma Mateus da Encarnação Pinna, é através das "pa lavras, . . .que o entendimento interpreta o que se passa no coração". (1730, p.3l9) Portanto, fica evidente que, nessa abordagem, a representação da subjetividade e sua interpretação se dá através da consciência do mesmo sujeito. O autoconhecimento se traduz em um discurso cuja finalidade é a de comunicar para outra pessoa a experiência vivenciada. O outro, termo essencial do processo de autoconhecimento, é fundamentalmente um ou vinte. A escuta, que ele oferece ao sujeito, permite a este a melhor articulação de sua comunicação verbal e a catarse, ou seja, a libertação da vivência interior através da exteriorização pela fala. Como esclarece Siqueira, "o dar parte da pena he diminuir e aliviar a pena" (1754, p. 369). Portanto, o relacionamento interpessoal e o diálogo assumem uma função terapêutica. Segundo tal enfoque, o ouvinte pode conhecer a interioridade do sujeito somente de maneira indireta, à medida da revelação que este faz de si mesmo. Nos casos em que o sujeito não possua a chave de leitura e solução

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da própria problemática existencial (por exemplo, em situações de grande tristeza), o outro não pode fazer nada, a não ser compartilhar a dor: seu papel é, em certo sentido, passivo. A comunicação da experiência interior através da palavra constitui um modo de objetivação. Com efeito, o conhecimento e a expressão da própria subjetividade implica uma operação de auto-abstração que a pessoa realiza. Tal operação é definida por Pinna como "sahir de si mesmo" e consiste no distanciar-se da forma imediata em que os fenômenos inter nos se manifestam. Esse enfoque baseia-se no postulado, característico da "filosofia natural" escolástica, de que somente em uma determinada 19 distância do objeto é possível a visão clara e precisa dele. Nesse ponto, enfrenta-se um problema epistemológico ainda hoje muito vivo em psicologia: o fato de o sujeito do conhecimento pôr-se também como objeto. A atitude de auto-abstração, ou "sahir de si mesmo", proposta pelos autores, representa uma solução para a questão, pois impede a identifi cação total do sujeito com sua própria vivência e permite, dessa forma, o estabelecer-se de uma relação epistemológica entre sujeito e objeto. Esta relação, por sua vez, é condição indispensável para que qualquer forma de saber se estruture. 2. Conceito de homem O procedimento da auto-abstração pode apresentar características e rumos diferentes, dependendo do ponto de vista assumido como referencial do conhecimento pelo sujeito do mesmo conhecimento. De diferentes opções a respeito deriva a multiplicidade de visões e definições de homem enquanto objeto de saber. A psicologia proposta pelos autores de sermões e tratados de teologia moral da época colonial, por exemplo, considera o ser humano do ponto de vista do seu 'devir' e da integração de todas as suas dimensões específicas em uma abordagem orgânica. Segundo tal abordagem, o lugar em que a experiência humana se apercebe na sua totalidade chama-se "alma", ou consciência. Diferente é a perspectiva da "filosofia natural" (a ciência natural da época) que estuda o ser humano enquanto organismo físico, de forma analítica, a partir dos elementos materiais que o compõem, tais como ossos, sangue, músculos, nervos e os diversos órgãos. Para as doutrinas de inspiração teológica aqui apresentadas, tanto a abordagem psicológica como a fisiológica são parciais e redutivas, se consideradas independentemente uma da outra. Com efeito, o "melhor conceito de homem", na formulação de Mateus da Encarnação ii p. 290) é produto de um enfoque interdisciplinar, pois entre os seres da natureza o humano possui características peculiares enquanto de dois elementos contrários: a matéria e o espírito. 3. As "paixões" e seus "remédios" A perspectiva metodológica, derivada da adesão ao conceito de homem como complexo psicofísico, explicita-se no estudo de um assunto muito relevante na literatura de origem religiosa da época: as emoções e seu controle, ou para usar a linguagem de então, as "paixões" e os seus "remédios". O interesse por esse tema não é teórico mas principalmente prático, visando-se a descrição dos efeitos comportamentais das paixões e a identificação de meios para o controle e a modificação delas. As paixões são consideradas fenômenos de origem física tendo correlatos fisiológicos, expressivos, comportamentais e subjetivos. Na tradição médica grega e romana, a origem física das paixões é identificada nos "humores", ou seja, substâncias presentes em diversa quantidade no corpo humano. Uma concentração excessiva de uma ou outra dessas substâncias em um órgão específico, particularmente no coração, determina o surgimento de uma certa emoção. Por sua vez, o fluxo irregular dos humores no organismo seria estimulado por causas internas (os instintos) ou externas (por exemplo, a visão de um objeto). 4. Fenomenologia da tristeza em um Sermão de A. Vieira As paixões demasiado intensas podem afetar o equilíbrio psicofísico do indivíduo, tornando-se "enfermidades". Nesse sentido, é particular- mente interessante a descrição da fenomenologia

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da tristeza (ou "melancolia"), elaborada por Vieira em sermão pregado em 1654 na cidade de São Luis do Maranhão. Esse sentimento, que permeia profundamente a sensibilidade do homem ocidental da época, conforme documenta a arte barroca, é considerado, por Vieira, como a doença mais universal, própria "de todos os homens e de todas as terras" (ed. 1951, v. 5, p. 239). O humor da tristeza, depositado em excesso no coração, se espalha para o corpo inteiro, exalando "venenos mortais" que "ferem a cabeça, e per furando o cérebro, lhe confundem o juízo; ferem os ouvidos, e lhes fazem dissonante a harmonia das vozes; ferem o gosto, e lhe tornam amarga a doçura dos sabores; ferem os olhos e lhes escurecem a vista; ferem a língua, e lhe enmudecem a fala; ferem os braços, e os quebrantam; ferem as mãos e os pés, e os entorpecem; e ferindo todos os membros do corpo, nenhum há que não adoeça d'aquelie mal, que maior moléstia lhe pode causar, e maior pena e não pode tardar muito em matar". (1951, v. 5, p. 296) Vieira descreve o estado subjetivo característico da melancolia como o de um "cadáver vivo", insensível para o gosto e sensível para a dor; dominado por angústia e aflição. A imaginação tende a produzir pensa mentos negativos; o indivíduo está aborrecido com tudo, e principalmente consigo mesmo, nada pode aliviar sua pena. Não há remédio, esperança, desejo, ou consolação que possam melhorar tal condição. Ele fica "preso à cadeia da sua própria tristeza" (idem, p. 298). Do ponto de vista comportamental, os sinais de tal estado de ânimo são o choro e o semblante do sujeito. Quando este não consegue expressar o sentimento de amargura pelas lágrimas, sua situação é ainda pior: então o seu rosto se apresenta "descorado, pálido, macilento, mirrado; as faces sumidas, os olhos encovados, as sobrancelhas caídas, a cabeça derrubada para a terra; e a estatura toda do corpo encurvada, acanhada, diminuída" (idem, p. 294). 21 5. Causas e "remédios" da tristeza, segundo outros autores da época Pinna e Sequeira também tratam da melancolia. O primeiro autor se ocupa especialmente da saudade causada pela ausência do objeto ama do, seja este pessoa, ou prática, ou coisa. A condição para o verificar-se da saudade é o trabalho da memória, que continuamente elabora representações do objeto ausente e, desta forma, estimula a emoção. A emoção é um ato da vontade. A emoção, por sua vez, excita ulteriormente a atividade da memória. Frei Mateus da Encarnação Pinna estabelece uma analogia entre tal vivência e a morte física: como nesta a alma se aparta do corpo, naquela o corpo se aparta da alma, pois a alma do amante é o próprio objeto amado. Os "remédios" presentes na natureza e sugeridos pela experiência, para aliviar tal tristeza, agem em dois níveis: no plano intelectual e no plano da comunicação. De um lado, o afastamento do objeto penoso da memória, substituindo-o por outras representações, elimina o estímulo que suscita a reação da vontade. Por outro lado, a manifestação da emoção penosa pelo choro e pela verbalização tem função catártica. Com efeito, a paixão, considerada como uma entidade material, é expulsa para fora do sujeito através das lágrimas e das palavras. Através do pranto "sahe pelos olhos o mais destillado da pena, e o mais apurado do sentimento", afirma Pinna (1739, p. 188). Angelo de Sequeira (1754) sugere vários recursos como terapia da melancolia: desde o comer, beber e dormir, ao lazer e o canto; desde o pranto à contemplação da verdade. Um "remédio" particularmente interessante é "buscar algum amigo prudente, a quem dê parte de sua pena, porque o dar parte da pena he diminuir e aliviar a pena" (1754, p. 369). Nessas palavras, vislumbra-se a idéia da função terapêutica do diálogo, princípio de toda psicoterapia moderna. 6. Conceito de emoção como fenômeno psicossomático Nesses conceitos acerca das emoções humanas, presentes na literatura religiosa do Brasil colonial, é evidente a inexistência de uma diferenciação clara entre as dimensões física, psíquica e moral

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do ser humano. Assim, não é possível distinguir entre enfermidade corporal, doença mental e vício moral. Tal unidade deriva da filiação de tais doutrinas à cultura antiga ainda não atingida pelo dualismo cartesiano. Além disso, fica claro que o conhecimento dos fenômenos subjetivos é norteado por uma finalidade catequética, educativa e ética, de um lado, e por uma intenção prática, de outro. Com efeito, o próprio indivíduo é instruído na busca do equilíbrio, no exercício do controle e na possibilidade de modificar seu estado psíquico e seu comportamento expressivo. Nesse tipo de saber, o sujeito ocupa um papel ativo, sendo o conheci mento possível pela transformação em discurso da vivência interior que ele próprio elabora. A consciência dos fenômenos e sua comunicação verbal são as condições para o entendimento desses fenômenos. O outro - o interlocutor do discurso em que a subjetividade se explicita é apenas um ouvinte, alguém que com a própria presença favorece a expressão da interioridade. A expressão, além de permitir a compreensão do que ocorre na vida interior, tem uma importantíssima função catártica, ou terapêutica, pois as palavras, ao mesmo tempo em que objetivam os fenômenos subjetivos, exteriorizando o que era contido na intimidade da pessoa, favorecem a libertação das emoções penosas associadas a tais estados. Trata-se, em suma, de formas elementares de conhecimento e terapia da vida psíquica, que, todavia, não constituem disciplina ou técnica específicas, nem podem ser propriamente definidas como conceitos pura mente filosóficos ou teológicos, e, sim, colocam-se no seio da preocupação com o ser humano e seus problemas existenciais, característica da cultura e da ética cristãs. Por isso, pode-se concluir que, na literatura ética e religiosa brasileira do período colonial, há um vivo interesse pelos assuntos psicológicos, embora o método de abordagem seja muito diferente do da psicologia moderna, tendo como referencial teórico a antropologia cristã e como objetivo prático a integridade psicofísica da pessoa. C. Idéias iluministas e doutrinas médicas do século XVIII como pressupostos para a constituição de uma ciência do homem As doutrinas iluministas e Ó entusiasmo pelo método científico como base do conhecimento norteiam a obra de vários intelectuais brasileiros do século XVIII. Lembrem-se, entre outros, o paulistano Mathias Aires Ramos da Silva de Eça (1705-1770), filósofo, literato e cientista; o médico mineiro Francisco de Mello Franco (1757-1822); o bispo economista e pedagogo José Joaquim da Cunha de Azevedo Coutinho (1742-1821). O fato da formação cultural desses autores ter-se realizado principalmente em universidades européias, permitiu-lhes absorver facilmente e rapidamente as idéias, perspectivas e espírito crítico das novas correntes culturais, introduzindo-as no ambiente intelectual brasileiro. 1. Influências do novo espírito científico no saber sobre o homem A aplicação da perspectiva científica ao estudo de todos os fenômenos da realidade determina uma mudança inclusive no âmbito do saber sobre o homem. Com efeito este se torna um objeto entre outros, a ser 23 investigado segundo princípios e modalidades utilizáveis no âmbito do mundo da natureza. Dessa forma, são colocados os fundamentos para o desenvolvimento da psicologia científica moderna. Um postulado do método científico fundamental e inovador é enuncia do por Mathias Aires em seu livro Problema de Arquitectura Civil (1770: edição de 1778): "He certo que, em quanto hum facto póde ter lugar naturalmente, não devemos entender como procedido de causa sobrenatural." (1778, p194) A restrição do domínio causal aos fenômenos naturais veta, no âmbito da ciência, a possibilidade de explicações de caráter metafísico ou de outra natureza, eliminando assim toda e qualquer interferência filosófica ou teológica. Com efeito, afirma Aires, "nas cousas naturaes só a natureza he mestre, e devemos seguir a sua voz." (p. 21) 2. O estudo de Mathias Aires sobre um fenômeno de ilusão visual Um exemplo de aplicação dessa

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perspectiva é o estudo desenvolvido pelo autor sobre fenômenos de ilusão visual ocorridos entre os mineiros das minas sulfurosas da Alemanha. Interpretados pela população em ter mos da intervenção de causas sobrenaturais (espíritos, diabo etc...), tais fatos são explicados como o efeito de variáveis físicas, como a configuração geofísica das minas, subterrâneas e inundadas por vapores de enxofre, que, juntamente com as luzes artificiais usadas no trabalho de es cavação, dão origem às representações fantásticas. 3. Características do método cientifico segundo Mathias Aires O conhecimento das causas naturais dos fenômenos se realiza, segundo Aires, através de "experimentos certos, invariáveis e constantes" (p. 21), que permitam a "intelligência dos effeitos" (p. 176). De fato, o estudo dos efeitos é, em todo caso, útil, enquanto que a indagação das causas pode satisfazer a curiosidade humana, mas nem sempre pode ser realizada. O discurso sobre as causas, muitas vezes baseado em conjecturas, pode levar ao erro, enquanto que o método científico, baseado na observação e no experimento, é infalível. As falhas na atividade científica, segundo Aires, não são devidas ao acaso ou à presença de interferências de outro tipo, mas dependem simplesmente da subjetividade do cientista. O cansaço, a impaciência, os preconceitos, os erros quantitativos ou operacionais, ao longo do experimento, são as razões dos fracas sos que às vezes ocorrem na pesquisa. 4. Postulados do modelo científico segundo Mello Franco A renúncia a todas as hipóteses especulativas sobre as causas e a natureza dos fenômenos, e a necessidade de superar uma atitude contemplativa em favor de uma postura pragmática são enfatizadas também por Mello Franco: para ele, a natureza condena o homem à ignorância de tudo o que é alvo de mera curiosidade e não de utilidade real. E evidente, no pensamento do médico mineiro, a substituição do conceito de ciência, próprio da época clássica, por uma nova visão do saber. As bases do conhecimento não são mais constituídas pelo raciocínio especulativo e pelo senso comum, mas pela observação constante e pelo experimento. E significativa, nesse sentido, uma declaração de Mello Franco ao introduzir sua doutrina sobre o sono: esta "não he tirada do conhecimento íntimo, que temos mas sim do que diariamente observamos." (1823, p. 255) Outros postulados do modelo científico da época enunciados por Mello Franco são o determinismo e o reducionismo: de um lado, o reconhecimento de uma relação de causalidade rigorosa entre os fenômenos; de outro lado, o pressuposto de que o domínio das causas pode ser reduzi do ao âmbito do mundo da matéria. Esses princípios são conjugados na afirmação a seguir: "Verdade he, que este ramo da physiologia ainda está em grande obscuridade, mas a observação e o bom senso, podem com o tempo alumiar-nos, de modo que, dado o conhecimento das impressões feitas em taes, ou taes órgãos, possamos cahir na conta dos resultados moraes, que devem ser a sua conseqüência." (1823, p. 325) Em outras palavras, o estado físico do organismo determina os fenômenos do espírito. Uma conseqüência disso é que estados psíquicos ou morais ruins são modificados por mudanças induzidas no nível corporal. 5. Influências do iluminismo francês A partir dessas bases, desenvolvem-se uma psicologia e uma psicopatologia totalmente inovadoras com relação à tradição cultural anterior, o domínio do moral sendo totalmente identificado com o da psicologia e este com o da medicina. E evidente nessa visão a influência determinante da medicina e filosofia francesas do período, em particular das teorias do médico. J. P. Cabanis, às quais Mello Franco se refere explicitamente. 6. Possibilidade de fundar uma ciência do homem Tais premissas parecem proporcionar os fundamentos de um saber objetivo sobre o sujeito. De fato, sendo a mente redutível ao organismo, e sendo este regulado pelas leis da natureza, é possível abordar o seu estudo através do método científico, que já se mostrara eficaz na física

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e na biologia. Dessa forma,os distúrbios psíquicos, que vêm a depender do funcionamento do organismo, podem ser conhecidos causalmente, prevenidos e tratados, modificando as variáveis determinantes, através de remédios físicos e normas higiênicas. 25 A adoção dessa perspectiva permite superar o impasse epistemológico característico do conhecimento psicológico e devido ao fato de o sujeito e o objeto serem idênticos. As dificuldades causadas por tal identidade eram reconhecidas e enfrentadas, como foi visto, já no âmbito da literatura religiosa sobre o estudo de si mesmo e ainda são descritas por Mathias Aires, no livro Reflexões sobre a Vaidade do Homem (1752). No pró logo, referindo-se ao objetivo da obra, Aires aponta para os limites do método introspectivo ao afirmar que as paixões tendem a fugir da lembrança e do conhecimento do indivíduo. 7. A medicina como saber objetivo sobre o sujeito A solução reducionista da questão, esboçada por Mello Franco, elimina totalmente o papel do sujeito, reduzindo-o aos seus condicionamentos orgânicos. A eficácia da terapia é atribuída inteiramente à força das determinações objetivas, sobretudo dos remédios físicos. O tratado Medicina Theologica, publicado pelo autor mineiro em 1794, é um exemplo significativo da nova abordagem. Nele, a figura do confessor é substituí da por aquela do médico: "Descobrindo-se na Confissão, as chagas todas do coração humano facilmente curadas pelos médicos, que as observarão e examinarão em segredo". (1794, p. 2) O médico é aquele que, ao mesmo tempo, detém o "conhecimento exato das causas das enfermidades da alma" e proporciona os métodos terapêuticos como "remédio". O saber sobre o sujeito que ele elabora não é apenas fruto da intuição e da compreensão, como no caso do sacerdote-confessor, mas é resultado de uma análise causal, e por isso é objetivo. Baseando-se nessa perspectiva, Mello Franco estuda três "pecados", a saber, a "lascívia, a cólera e a bebedice", por ele considerados não mais como vícios morais, mas enquanto doenças orgânicas. Particularmente interessante é a tese desenvolvida acerca da sexualidade como fator etiológico fundamental da loucura: uma vida sexual imperativa determinaria um enfraquecimento e decomposição das fibras nervosas cerebrais, devido ao excesso de estimulação dos nervos, assim como, pelo contrário, a inativação sexual prejudicaria o funcionamento normal do organismo. Em suma, a Medicina Theologica é expressão da tendência, presente na cultura do século XIX, de "fazer funcionar os procedimentos da confissão na formação regular de um discurso científico" (Foucault, 1985, p. 6). Dessa forma, os tratados de higiene elaborados pelos médicos visam suplantar os tratados tradicionais de teologia moral e de edificação religiosa. Substituem-se as categorias éticas de culpa e de castigo pelos termos médicos "infração" e "distúrbio". A punição do pecado é trans formada em "castigo da natureza"; as normas morais tornam-se "regras gerais da higiene". A felicidade ou salvação da pessoa é identificada com a boa regulação ou equilíbrio da máquina corporal, segundo a ordem estabelecida pelo sistema da natureza. Portanto, o p médica do século XVIII é o de definir uma "verdade" sobre o homem, alternativa à proclamada pelo saber tradicional de matriz cristã. O valor dessa nova forma de conhecimento é garantido pela autoridade do método científico. São colocadas de tal modo as bases do processo de mudança cultural que levarão, no século XIX, à criação de uma psicologia científica. D. Conhecimentos psicológicos no Brasil colonial: considerações conclusivas Ao tentar uma avaliação abrangente sobre a contribuição da cultura colonial, no campo dos conhecimentos psicológicos é preciso antes de mais nada destacar a presença de um interesse difuso pelas questões dessa ordem em várias áreas do saber da época. Pode-se afirmar, portanto, que já desde então estão colocadas as raízes da psicologia brasileira, pelo me nos quanto à definição dos objetos e dos fundamentos

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teórico- metodológicos necessários para a constituição de um saber sobre o sujeito. A leitura dos documentos levantados revelou aspectos de modernidade e de representatividade acerca dos problemas psicológicos, tais quais o controle e a terapia do comportamento, a influência das determinações ambientais sobre a subjetividade; a necessidade de se estabelecerem condições metodológicas para garantir a objetividade do saber sobre o sujeito o estudo dos papeis sociais entre outros. Grande parte das matrizes culturais das doutrinas analisadas encontra- se no âmbito da cultura européia da época, embora haja também um rico que se refere aos métodos psicopedagógicos. Apesar da riqueza de idéias e métodos psicológicos presentes no saber da época, é preciso frisar o caráter fragmentário e episódico desses conhecimentos. Frutos de reflexões e interesses de círculos intelectuais, encontram-se no meio de obras dedicadas a assuntos de vá rios tipos e não se constituem em uma área específica do saber nem em um objeto sistemático de pesquisa e de ensino. Isso é devido, em parte, ao fator mais geral de a psicologia não se constituir ainda como disciplina autônoma e, em parte, à situação específica brasileira. No Brasil com efeito, a condição de colonização criara obstáculos ao desenvolvimento de Instituições de ensino superior e pesquisa, em cujo âmbito pudesse ser organizado um estudo sistemático acerca de determinados assuntos. As únicas instituições desse tipo presentes na época colonial, de natureza eclesiástica, como os Colégios de Artes, gerenciados pelos jesuítas, foram poucas e com finalidade restrita exclusivamente ao preparo do cle 27 ro. Além disso, devido aos acontecimentos históricos posteriores, e ao descaso pela conservação da memória nacional que caracterizou o Brasil dos séculos XIX e XX, pouquíssimos documentos relativos à atuação dessas escolas estão hoje ao alcance do historiador. Portanto, para recuperar as origens da psicologia brasileira enquanto conteúdo de investigação e transmissão no âmbito institucional, será preciso orientar o estudo para a cena da cultura brasileira do século XIX. 28

A "Psychologia" no Brasil do século XIX A. Caráter institucional da "psychologia" no Brasil do século XIX O fato histórico da Independência do Brasil e a estrutura do País enquanto nação ocidental moderna significa uma grande mudança no plano cultural e social. Um aspecto muito importante de tal mudança consiste no fato de que a saúde, a educação, a religião, a moral e varias outras dimensões da experiência pessoal dos cidadãos começam a ser gerenciadas ou controladas diretamente pelo aparelho estatal. Ao mesmo tempo, estruturam-se de forma mais precisa os papéis sociais dos indivíduos no âmbito da sociedade: o sujeito é encarado, nessa perspectiva, como função e produto do processo social. Nesse contexto, o saber é um dos instrumentos utilizados pelo poder político com o objetivo de criar uma ideologia e tecnologias apropriadas para garantir a unidade do corpo social e a adesão dos seus membros à lógica hegemônica. A criação de órgãos oficiais de transmissão e elaboração do conhecimento, como es academias, sociedades cientificas, revistas, bibliotecas, responde a tal finalidade. 1. Instituições de instrução pública no Brasil do século XIX Destacam-se, entre outros, o Colégio Imperial D. Pedro II, no Rio de Janeiro, destinado a ser a escola modelo do Império; as faculdades de medicina no Rio de Janeiro e em Salvador; as faculdades de direito em São Paulo e Olinda; e as escolas normais, fundadas em várias cidades do país. O modelo cultural e social que embasa os estudos e a atuação civil de tais escolas é inspirado nos ideais

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típicos da cultura francesa: por 29 exemplo, o mecanicismo iluminista, o espiritualismo eclético, o liberalismo político, o humanismo filantrópico. Nesse mesmo período, algumas instituições escolares de natureza eclesial, atuantes na época anterior, são transformadas ou anexadas a escolas estatais: é o caso do Seminário de São Joaquim, transformado em Colégio Pedro II, e do Colégio do Convento dos Franciscanos, em São Paulo, cujo prédio e biblioteca são englobados pela nova Faculdade de Direito. Várias instituições desse tipo, como os cursos de estudo do Mosteiro Beneditino e do Seminário São José do Rio de Janeiro, continuam ativas; outras são fundadas na época, como o Seminário de Sant'Ana, em São Paulo. Em suma, através da atuação dessas escolas, permanece viva no mundo intelectual brasileiro, a influência da tradição cultural católica, que fora marcante no período colonial. Todavia a crise interna da Igreja brasileira e sobretudo a forte interferência do governo imperial dificultam, no século XIX, o florescer de novas formas expressivas dessa tradição. Em meados do século, são fundados também muitos colégios de instrução secundária e, nesse meio, evidencia-se a presença de grupos e congregações protestantes norte-americanas, sobretudo em São Paulo. Sua influência revelar-se-a de fundamental importância quanto à introdução da psicologia científica no País. Por outro lado; revistas e jornais de "instrução científica", tendo, em alguns casos, caráter de periódicos especializados numa de terminada disciplina (ex.: o Arquivo Médico Brasileiro); em outros casos, tendo a finalidade de divulgar conhecimentos e idéias entre a população instruída, principalmente da classe média. 2. O ensino da "psychologia" nas diversas escolas Esse é o panorama em que a "psychologia" comparece como objeto de estudo e de ensino no âmbito de diversas áreas teóricas (filosofia, direito, medicina, pedagogia, teologia moral). Em um segundo momento, a psicologia afirmar-se-a enquanto ciência autônoma, constituindo-se na base de postulados positivistas. Diversos manuais para uso escolar, relativos às disciplinas acima citadas, contêm seções dedicadas à "psychologia". Através da leitura de tais documentos, é possível entender o significado e a função que a cultura da época atribuiu ao conhecimento da subjetividade humana, enquanto propedêutico à teoria do conhecimento, de um lado, e como parte fundamental dos estudos antropológicos, de outro. A diversidade de abordagens no estudo dos fenômenos psíquicos - encarados, às vezes, segundo uma perspectiva naturalista, outras vezes, em um horizonte de tipo metafísico - depende da variedade das referências teóricas e das opções filosóficas possíveis em cada disciplina. 3. O ensino da "psychologia" na Faculdade de Direito de São Paulo No ensino filosófico, no âmbito da Faculdade de Direito de São Paulo, p dos problemas da subjetividade é considerado como propedêutico a teoria e à prática jurídica e estrutura-se ao longo do século XIX, em três fases principais, conforme às orientações doutrinária dominante. Em uma primeira fase, que abrange as primeiras três décadas do século XIX, a psicologia filosófica transmitida nos cursos acadêmicos é inspirada, por um lado, na escola sensualista francesa de Cabanis, Condi D'Holbach e, por outro, no empirismo moderado. Nos Princípios de Direito Natural (1829), manual para uso escolar elaborado pelo professor J. M. Avellar Brotero (1798-1873) - que lecionou na escola desde 1827 até 1871 -, encontram-se, por exemplo, os ideais da filosofia médica francesa, de orientação materialista. A psicologia é considerada, nesse contexto, como parte de uma mais abrangente "ciência do homem", cujo fundamento está na fisiologia (ou física da natureza humana ) Por sua vez, ela fornece os pressupostos da jurisprudência e da ética natural. Com efeito, segundo Avellar Brotero, o conhecimento da "ciência do homem" permite ao legislador discernir a respeito do comportamento, das diferenças individuais; a respeito função das idéias, sensações e paixões que são fatores

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determinantes dos atos individuais e sociais. Por fim tal estudo põe em evidência as condições interiores e exteriores da conduta humana. O empirismo moderado por sua vez, é exposto nos tratados do pensa dor italiano Antônio Genovesi (ou Genuense, 1712-1769), textos oficial mente adotados para o estudo da filosofia nas escolas secundárias e superiores de Portugal e Brasil, conforme os ditames das Reformas Pombalinas. Na biblioteca da Faculdade encontram-se a edição portuguesa de 1835, das Instituições de Metaphysica (1743), e a de 1850, das Lições de Lógica (1773). Genovesi chama a "ciência da alma" de "psychologia" ou "psychesofia" - e identifica cartesianamente a alma com o pensa mento. O estudo dessa "ciência" é funcional ao da lógica, pois ela permite identificar as causas subjetivas dos erros de raciocínio (tais como: fantasia, sentidos, temperamentos), e é útil para se precaver dos mesmos. Na mesma época, detecta-se também, no contexto dos estudos de filosofia jurídica, a presença da doutrina kantiana, sobretudo por obra de Martim Francisco Ribeiro de Andrada e Silva, (1825-1886) e de Diogo Antonio Feijó (1784-1843), os quais - embora não lecionando na Faculdade - exerceram, muito provavelmente, influências indiretas sobre o clima cultural da mesma. Nessa visão, a "Antropologia Racional" ou seja o "estudo profundo de nós mesmos" (Feijó, Cadernos, ed. 1967, p. 80), é considerada como introdutória à teoria do conhecimento, pois ela evi 31 dencia a origem subjetiva das leis do pensamento e orienta sobre o em prego dos sentidos e da reflexão. Posteriormente, por volta de 1840, a segunda fase histórica do ensino da psicologia filosófica na Faculdade de Direito é marcada pela influência profunda do ecletismo espiritualista introduzido no Brasil pelo frei Francisco Mont'Alverne e baseado na conceituação dos filósofos franceses V. Cousin (1729-1867), Maine de Biran (1766-1824) e Royer-Collard (1729-1867). Este movimento apresenta-se como uma síntese dos sistemas anteriores superando o exclusivismo que os caracterizava. A psicologia é por ele considerada como o fundamento das disciplinas filosóficas, o que justifica o interesse e o espaço dedicado à mesma pelos compêndios inspirados nessa doutrina. Os pensadores franceses adeptos do espiritualismo e mais estudados na Faculdade são Ph. Damiron (1794-1862), autor de um Cours de Philosophie (1837), cujos dois primeiros volumes são dedicados à psicologia; P. Laromiguiêre, autor de Leçons de Phiosophie sur les Principes de I'ln te/ligence (1844); e Geruzez (1798-1865), autor do Cours de Phiosophie (1833 e 1854, trad. brasil.). O mesmo Francisco de Mont'Alverne escreveu um Compendio de Philosophia (1859), utilizado nos estudos da Fa culdade, que dedica bem 56 páginas à psicologia. O reflexo do espiritualismo no pensamento de alunos e professores da Faculdade de Direito, encontra-se em vários artigos acerca da subjetividade humana publica dos na Revista do Ensaio Philosophico Paulistano, Sociedade anexa à Faculdade. Entre outros, destaca-se o Ensaio (1852) de Thomas Alves Junior, o qual declara Inspirar-se nas teorias de Damiron. O ecletismo espiritualista propõe uma psicologia introspectiva, baseada na observação e na observação e na descrição dos fenômenos interiores. Define-se a consciência de si, ou senso íntimo, como instrumento de indagação, e o eu, como objeto. As faculdades, ou operações do eu são analisadas em sua especificidade (inteligência sensibilidade e vontade) Estudam-se também os fenômenos psíquicos produzidos por essas faculdades. Uma terceira etapa na evolução do ensino da psicologia filosófica na Faculdade de Direito de São Paulo, é representada pela obra de C.M. Galvão Bueno que, desde 1867, ministra aulas de filosofia inspiradas no sistema de K.C.F. Krause espiritualista do idealismo clássico alemão embebida de ideais sociais e políticos do humanitarismo maçônico. Na Academia paulista, outro seguidor do krausismo é o professor João Theodoro Xavier de Mattos (1828-1878). O compêndio de C.M. Galvão Bueno, Noções de

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Phiosophia (1877), representa um registro sucessivo de preleções ministradas pelo autor a partir de 1867 na Academia e, por volta de 1860, no Colégio da Glória, em São Paulo. Uma parte bastante extensa do texto (cerca de 220 páginas) é dedicada à "psychologia". Esta é classificada em "psychologia experimental, ou histórica" e "psychologia racional, ou especulativa", e é considerada como parte da antropologia, ou seja, do conhecimento do homem como um todo (corpo e espírito). A presença dos tratados do filósofo católico José Soriano de Souza, nos acervos da Faculdade, faz supor também a existência de uma influência tomista no saber elaborado e transmitido por essa instituição, influência essa que será explicitada, nos anos posteriores a 1870, pelo professor João Mendes de Almeida Junior (1856-1922). Este, em várias publicações (1893, 1895, 1896, 1937), ocupou-se da psicologia, relacionando-a à prá tica do direito. Todavia, já na obra de Soriano de Souza (1867-1871), evidencia-se o interesse pelos assuntos psicológicos. A influência do pensamento positivista na escola jurídica paulista tornar-se-a também mais evidente a partir dos anos 70 e terá os seus maiores representantes nas pessoas de Pedro Lessa (1859-1921) e de Luis Pereira Barreto (1840-1923), autor da primeira obra fundamental do pensamento contiano no Brasil, cujo primeiro volume foi publicado no Rio de Janeiro em 1874 (Três Filosofias)* 4. O ensino da 'psychologia" nos Seminários Episcopais Nos Seminários Episcopais e nas escolas de formação religiosa (por exemplo, mosteiros beneditinos e conventos franciscanos), a psicologia é estudada, seja como disciplina especulativa - parte da metafísica em particular da Pneumatologia, ou estudo dos espíritos) -, seja como conhecimento prático do comportamento humano no âmbito da teologia moral. Á leitura dos manuais para uso escolar disponíveis nos acervos antigos de tais instituições aponta para a influência determinante da doutrina to mista e, em alguns casos, também do espiritualismo francês, no ensino filosófico nelas ministrado. Em tais abordagens, a psicologia, juntamente com a lógica, é considerada propedêutica ao estudo da metafísica. Ela é estruturada em psicologia racional - cujo objeto de estudo é a natureza da alma humana e de suas propriedades essenciais - e em psicologia empírica, ou experimental, que compreende o conhecimento das faculdades e dos fenômenos psíquicos. Quanto à metodologia de investigação, a psicologia racional utiliza o método lógico-dedutivo, enquanto que a psicologia experimental se baseia na observação interna. Há, nos textos uma preocupação constante de se assumirem, de maneira crítica, as doutrinas dos pensadores modernos, enfocando também alguns temas típicos da "psicologia moderna", como sono e vigília, sonambulismo, loucura, percepção. A psicologia científica, recém-nascida, é colocada em continuidade à tradição mais antiga da psicologia filosófica, como é evidente nas pala- * A contribuição dessa corrente doutrinária será abordada mais amplamente no capítulo 4º. desta mesma Seção. 33 vras de frei Firmino de Centelhas, capuchinho francês, professor de filosofia e teologia moral no Seminário de São Paulo a partir de 1856, e autor do Compêndio de Philosophia Catholica-Racional: "A psychologia, esta primeira parte da que dá-se como uma reação recente, nascida do método da observação, existe de há muito tempo e os antigos a conhecerão ao menos no que tem de mais importante (1864, p. 18). Esta postura é expressão do objetivo do Seminário de São Paulo, fundado em 1856, de "harmonizar os princípios da fé com as verdades scientíficas" (Polyanthea, 1906, p. 131). O estudo da psique humana é desenvolvido no contexto mais amplo da antropologia, ou seja, do conhecimento do homem na sua realidade complexa de corpo e alma. A finalidade da psicologia é puramente especulativa e os autores frisam sua utilidade para o conhecimento das faculdades intelectuais empregadas na indagação metafísica ou teológica. A produção escrita na área encontrada

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nessas instituições é, em parte, constituída por obras clássicas importadas sobretudo da Itália e da França; em parte é formada por textos de autores católicos brasileiros. Entre o primeiro grupo de documentos destacam-se as obras filosóficas do filósofo tomista espanhol Jaime Balmes (1846; 1874; 1876); a Phiosophia Christiana cum antiqua et nova comparata, de P. Sanseverini, em várias edições (1862; 1864; 1868; 1875). No Seminário São José do Rio de Janeiro existe um dos textos mais famosos da doutrina jansenista, as Institutiones Theologicae ad usum Scholarum accomodatae (1780), do oratoriano J. ValIa - livro este que, em 1803 causou uma áspera polêmica entre o bispo carioca José Caetano da Silva e o Núncio Apostólico no Brasil, Mons. Caleppi. (Lima, 1974) Ao segundo grupo de textos pertencem os elaborados por pensadores católicos brasileiros, tais como o já citado José Soriano de Souza, de Recife, autor do Compêndio de Phiosophia segundo os princípios e método do Doutor Angelico S. Thomaz d'Aquino (1867) e das Lições de Philosophia Elementar (1871); ojá nomeado frei Firmino de Centelhas, autor do Compêndio de Philosophia Catholico-Racional (1864); frei Francisco de Mont'Alverne, professor de "Philosophia" no Seminário carioca por volta de 1833, cujas aulas foram publicadas posteriormente no Compêndio de Filosofia, de 1859; frei Antonio da Virgem Maria de Itaparica, redator do Compêndio de Phiosophia Elementar (1852) e professor no Co légio de São Vicente de Paula, em Salvador, Bahia; o bispo do Pará, Dom Afonso de Moraes Torres (1805-1865), ex-professor de Filosofia no Colégio de Caraça (MG) e autor do Compêndio de Phiosophia Racional (1852). Cabe também frisar a influência das doutrinas sensualistas no pensa mento de vários sacerdotes e religiosos da época: é o caso, por exemplo, dos beneditinos cariocas, frei Saturnino de Santa Clara Antunes de Abreu - professor no Imperial Colégio Pedro Ii, por volta de 1844 -, e frei Policarpo de Santa Geltrudes, também professor e co-autor das Theses Philosophicas sobre a Psychologia do Homem (1830). Um enfoque prático de assuntos psicológicos evidencia-se na leitura dós tratados de teologia mora e nos manuais para confessores, utilizados para o ensino nas Instituições religiosas brasileiras no século XIX. Para citar alguns títulos entre os mais freqüentes encontrados nas bibliotecas das escolas, lembrem-se o Manual do Confessor (1862), de Pe. Gaume, a Theologia Moralis Universa (1 850), de P. Scavini; o Tratado dos Pecca dos e dos Actos Humanos (1851); as Oeuvres Completes (1842), de A.M. de Liguori; as Prelecções de Moral (1863), de 5. Ferreira Soares. Inspirada no pensamento de Francisco de Sales e de Afonso Maria de Liguori, de um lado, e sofrendo a influência da doutrina jansenista, de outro, a teologia moral da época interessa-se pelo estudo da subjetividade humana e dos aspectos sentimentais e morais da vida individual. Com efeito, o valor da pessoa humana e a riqueza do mundo interior são aspectos ressaltados na obra dos dois grandes teólogos acima citados Por outro lado, vários tratados, o influxo do jansenismo e de sua visão pessimista do homem aparece na denúncia das tendências ilusórias e enganadoras da consciência individual e na ênfase acentuada na indagação rigorosa dos desvios morais e psicológicos da personalidade humana. Apesar desse movimento doutrinário e pedagógico ter sido oficialmente re provado pela Igreja Católica já desde 1641, ele teve uma relevância muito grande nos Seminários brasileiros, através da mediação da Universidade de Coimbra e de vários bispos, entre os quais destaca-se o já citado bispo carioca José Caetano da Silva. Este, ao reformar o Seminário de São José, introduziu um plano de estudos de teologia moral, no qual se aprofundava o conhecimento dos atos humanos e suas leis, e da consciência, colocando o bom desempenho nessas matérias como requisito necessário para conferir aos seminaristas a ordem do diaconato. Como já foi dito, a teologia moral da época enfoca o comportamento humano dentro de uma perspectiva prática

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e terapêutica, com o objetivo de orientar padres e fiéis na assim chamada "direção espiritual" e no "conhecimento de si". Com efeito, o "moralista" é considerado o "médico da alma, assim como o cirurgião é o médico do corpo" (Ferreira Soares, 1863, p. 311). Os tópicos específicos visados são: as enfermidades da al ma em suas relações com o corpo; as características da ação voluntária e a experiência fenomenológica da liberdade; e, por fim, a influência das paixões sobre a conduta. 5. O ensino da "psychologia" nas escolas normais Uma perspectiva pragmática no estudo de assuntos psicológicos caracteriza também o ensino nas escolas normais instituições que surgiram a partir da segunda metade do século XIX em várias cidades brasilei- 35 ras. Tendo o objetivo de formar um corpo docente competente e adequado às necessidades do sistema educacional brasileiro, as escolas normais procuram elaborar e instruir os alunos em uma metodologia científica do ensino, inspirada nos modelos europeus e norte-americanos. Nesse contexto, assume grande relevância o estudo da matéria chamada "Methodica e Pedagogia", em cujo âmbito são abordados vários tópicos de psicologia. De fato, como é discutido em uma prova escolar, desenvolvi da por um aluno da Escola Normal de São Paulo em 1876, se o objetivo da pedagogia é a direção e a educação das "faculdades da alma", a função da psicologia é conhecer sua natureza e funcionamento, sendo uma disciplina complementar à outra. Os temas estudados são a atividade sensorialein a inteligência e suas operações, a sensibilidade moral e a vontade, os hábitos, os métodos didáticos e de aprendizagem. No Curso Normal anexo à Escola Americana, fundada em São Paulo, em 1870, por obra da igreja presbiteriana norte-americana, o currículo inclui, entre outras, a matéria "Psicologia aplicada ao desenvolvimento da criança" (segundo informa Garcez, 1969, p. 67). No fim do século, a pedagogia das escolas normais encontrará seu fundamento na psicologia experimental recém-surgida. Todavia, a busca conceitual característica do século XIX constitui uma premissa indispensável para se compreender o significado da colaboração estreita entre pedagogia e psicologia, que marcará a história das escolas normais e justificará o entusiasmo dos professores normalistas para a psicologia norte americana, no inicio do século XX. Nesse contexto, enfatiza-se também o valor político e social da educação, e a finalidade do processo educativo começa a ser deslocada da realização pessoal para a adaptação social. A escola é considerada um laboratório de produção de cidadãos exemplares. A mudança do ideal pedagógico tem conseqüências enormes no plano cultural os objetivos do educacional não são mais valores universais e absolutos, patrimônio comum da humanidade, mas são determinados pelo ambiente social. Nesse contexto, a função da experiência educativa não é mais a trans missão desses princípios e da verificação de sua verdade ao longo da evolução da pessoa, mas se torna, antes de mais nada, ensinar o indivíduo a adaptar-se às circunstâncias ambientais, assumindo valores relativos co mo normas para o seu comportamento. A psicologia parece, então, um recurso apropriado para captar a dinâmica evolutiva do ser humano e estabelecer novos princípios pedagógicos funcionais à visão do homem enquanto produto e peça do organismo social. 6. O ensino da "psychologia" no colégio Pedro li do Rio de Janeiro Outra instituição de ensino muito importante no século XIX é o Colégio Pedro li do Rio de Janeiro, escola-modelo do Império, fundada em 1838. O interesse pelo conhecimento da psicologia e sua inclusão como matéria de ensino da escola, é evidente pela leitura dos relatos dos concursos de professores, dos programas de cursos e dos manuais usados para o estudo. O tema da dissertação proposta para o concurso à cadeira de filosofia em 1844, por exemplo, é um tópico de psicologia filosófica: as idéias inatas e as teorias a respeito. Entre os trabalhos propostos, destaca-se pelo caráter inovador, o do estudante de medicina, Sr. Heredia, que

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propõe uma explicação dos fatos psicológicos em termos mecanicistas, por meio de correntes elétricas e forças materiais (Ribeiro, 1844). Por sua vez, os programas de cursos e de exames da escola, a partir de 1850, indicam que o ensino da filosofia incluía, no sexto e sétimo anos de curso, a "psychologia" como matéria propedêutica, sendo a orientação doutrinária inspirada no espiritualismo eclético. O programa de exames de 1851, redigido pelo professor frei José de Santa Maria Amaral, fornece um exemplo do papel relevante ocupado pela psicologia no âmbito do ensino filosófico. Nele, as "questões psychológicas" são coloca das como propedêuticas ao estudo da filosofia. São abordados os fenômenos psíquicos, sua classificação e os meios através dos quais é possível seu conhecimento. A unidade elementar da vida psíquica é definida como o "Eu", cujas características são a unidade e a identidade, e que não se identifica com a categoria metafísica de "alma". O "Eu" possui algumas capacidades ou operações peculiares chamadas de "faculdades": o entendimento; a sensibilidade; a atividade. Cada uma delas é analisada em particular nas suas funções específicas. Assim, o entendimento é exa minado nas suas diferentes operações que são a percepção, a consciência, a razão, a evidência, o juízo, a intuição, a reflexão, a atenção, a comparação, a abstração, a generalização, a indução, a dedução e o raciocínio em geral, a memória, a reminiscência, a imaginação, a associação de idéias. A sensibilidade é dividida em física e moral e expressa pelas paixões, os instintos, os apetites e as afeições. Por fim, a atividade é classificada em espontânea e voluntária e são estudados os fenômenos constitutivos da vontade humana, de modo especial a liberdade e as relações da vontade com a motivação. A última parte do curso é dedicada ao es tudo das questões metafísicas próprias da psicologia, tais como a distinção e as relações entre corpo e alma, considerando-se as diferentes hipóteses explicativas a respeito. O texto para uso escolar, adotado no Colégio Pedro II na área da filosofia, é o manual Cours Elementaire de Philosophie (1852) do jesuíta francês E. Barbe. Nesse manual, o estudo das faculdades da alma e das diversas operações do entendimento faz parte da lógica, enquanto que o conhecimento do "Eu", das operações da sensibilidade e vontade, das relações entre corpo e alma e da natureza desta, é objeto da metafísica. A partir de 1870, pelo decreto n 4.468, do ministro Paulino José Soares de Souza, o ensino da filosofia, no sexto ano de curso, é bipartido 37 em "Psychologia e Lógica", sob a responsabilidade do beneditino frei Saturnino de Santa Clara Antunes de Abreu. A partir de 1876 (pelo decreto n? 6.130), tal ensino será transferido para o quarto ano de curso, mantendo-se os conteúdos dos planos de estudos anteriores. A influência da filosofia francesa na abordagem desses assuntos é documentada pelo fato de que a maioria dos textos da época disponíveis para o estudo na biblioteca da escola são escritos por autores franceses ou editados em Paris. Destaca-se, entre outros, o famoso Cours de Philosophie (1837), de M. Ph. Damiron, de cunho espiritualista, cujos dois primeiros volumes são de psicologia e que, segundo informação de S. N. Ribeiro (1844, p. 646), foi o texto escolhido pelo reitor J. Caetano da Silva "para aS Lições de philosophia que se dão no Imperial Collegio de Pedro II, sendo então professor da disciplina D. Gonçalves de Magalhães (1811-1882), literato e filósofo. Este por sua vez, é autor de dois importantes tratados de filosofia espiritualista que, já pelo título, mostram sua relevância para a História da psicologia brasileira: os Factos do Espírito Humano (1865) e a Alma e o Cérebro, estudos de Psychologia e Physiologia (1876). 7. O ensino da "psychologia" nas faculdades de medicina Outras instituições do século XIX onde os conhecimentos psicológicos estão incluídos no currículo dos estudos e na produção cultural nelas elaboradas, são as faculdades de medicina. As primeiras faculdades desse tipo no Brasil foram fundadas em 1832, no Rio de

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Janeiro e em Salvador. A cultura médica do século XIX representa um instrumento importante do poder do Estado e visava elaborar um projeto de higiene social da Nação. Nesse contexto, coloca-se o interesse pela psicologia presente nos currículos, nos manuais e na produção cultural da faculdade, na medida em que esta área do saber oferece meios para o controle social dos indivíduos e das populações e para a 'patologização' do comportamento anormal. Sob a denominação de "doenças nervosas" (Amaral, 1827; Bontempo, 1815), ou "doenças em que nosso espírito não pode combinar idéias" (Carvalho, 1813, p. 24), vários tratados médicos (em particular, de higiene, medicina forense e psiquiatria) abordam problemáticas da natureza psicológica. Da mesma forma, entre as teses e dissertações elaboradas pelos estudantes da escola para a obtenção do grau de doutor, há muitas dedicadas a esse domínio. Em tais trabalhos, os temas específicos mais debatidos são: a psicologia da mulher, as doenças relacionadas à sexualidade, os aspectos psicossociais do casamento e da relação familiar; a higiene do desenvolvimento infantil, da puberdade e da terceira idade; a higiene das diversas condições sociais (escravos, presos, mendigos, prostitutas) e das instituições (em particular, colégios e prisões); a alienação mental, suas diferenças e analogias com o estado de saúde psíquica, o suicídio como forma de doença mental, as emoções e os afetos; as in fluências do estado moral do homem sobre o físico, e vice-versa; a frenologia; a "terapia moral". É muito acentuada a tendência de encarar o homem na sua totalidade, atribuindo-se ao médico a tarefa de direcionar convenientemente o estado físico e as faculdades morais do paciente. Dessa forma, o humanitarismo médico se substitui à antropologia e à ética de matriz religiosa da cultura colonial. 8. Idéias psicológicas em revistas brasileiras do século XIX No século XIX, sobretudo nas instituições escolares de nível superior e secundário, os conhecimentos psicológicos começam a ocupar um es paço próprio na imprensa nacional brasileira. Criada em 1808, esta setor na um instrumento muito importante para a formação de uma opinião pública nacional e para seu controle. Diferentemente das instituições es colares, cujo alcance abrange apenas uma elite social muito restrita e se lecionada, o objetivo da imprensa é o de proporcionar uma "educação popular", destinando-se principalmente à classe média. As revistas e jornais que começam a proliferar no Brasil da época, têm diferentes finalidades e alcances: científicos, literários, políticos, artísticos, de instrução e recreio. Neles, observa-se um difuso interesse pela psicologia: debate- se acerca de fenômenos psicopatológicos e parapsicológicos, comporta mento animal, higiene mental, personalidade feminina. Enfatiza-se a necessidade de que o homem estude a si mesmo, alcançando a compreensão de seu "íntimo mundo espiritual" (Carvalho, 1844, p. 227). O estudo da psicologia se apresenta como expressão de um humanismo intelectualizado e antimaterialista. Ao mesmo tempo, ele promete oferecer uma explicação e uma metodologia científicas para enfrentar aspectos desconhecidos, ou contraditórios, da vida cotidiana individual e social, tornando-se assim fonte de autoridade quanto à higiene pública e privada e garantia de objetividade e segurança frente a fenômenos misteriosos ou enganadores. Por exemplo, em um artigo da Revista Popular (Delonde, 1859), desmistifica-se a "magia", cujos resultados seriam devidos principalmente às ilusões e perturbações de natureza mental. Em conclusão, ainda em época anterior ao surgimento da psicologia como ciência autônoma, conhecimentos relativos a essa área de saber são elaborados e transmitidos no âmbito de importantes instituições culturais da sociedade brasileira. O saber sobre a subjetividade do homem aparece de fato como instrumento útil no âmbito do projeto cultural e político de formação do cidadão brasileiro e do processo de transformação da nação brasileira em estado capitalista moderno, processo

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que teve início a partir da Independência. 39 B. Paradigmas da psicologia mecanicista implícitos nos 'Projetos de Aculturação" do homem brasileiro propostos pelos políticos Um aspecto significativo da utilização dos conhecimentos psicológicos pelo poder institucional, com finalidades declaradamente políticas, é representado pelas técnicas de aculturação propostas no âmbito de projetos legislativos e de fundação ou de reforma de agências sociais, volta dos a transformar os indivíduos em cidadãos submetidos ao Estado. Esses projetos fundamentam-se em um substrato teórico, prevalente mente constituído pela antropologia filosófica mecanicista. Esta, tendo sua origem no iluminismo francês, de maneira particular no pensamento médico, elabora categorias conceituais particularmente adequadas para justificar os objetivos de controle e aculturação dos indivíduos e para criar os dispositivos e as técnicas pertinentes. 1. Idéias psicológicas nos Apontamentos para a Civilização dos índios, de José Bonifácio de Andrada e Silva Um exemplo esclarecedor nesse sentido encontra-se nos Apontamentos para a Civilização dos Índios Bravos do Império do Brasil (1823), de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838). O documento, elaborado pelo ilustre homem político santista, tem caráter explicitamente político, sendo destinado à leitura e à discussão na Assembléia Geral Constituinte e Legislativa. Inclui uma análise da situação do "homem no estado selvagem", visando estabelecer as causas de sua resistência ao processo de aculturação (ed. 1965, p. 9-11); uma justificativa teórica da possibilidade de modificar seu comportamento (p. 12); uma avaliação crítica das falhas de legislação e administração colonial a respeito (p.12-14); e, por fim, um "Anteprojeto" "para a pronta e sucessiva civilização dos índios" (p. 15-ss). José Bonifácio enfatiza a importância desse Projeto, tendo em vista o progresso da economia brasileira: "Nas atuais circunstâncias do Brasil e da política européia, a civilização dos índios bravos é objetivo de sumo interesse e importância para nós." (p. 15). Com efeito, a formação de aldeias de índios civilizados significaria a organização de contingentes de mão-de-obra barata para o trabalho agrícola e para a criação de gado, de maneira a "equilibrar, nas Províncias, a cultura e fábrica de açúcar." (p. 15). Por isso, um dos objetivos principais do processo de aculturação é o de educar os índios nos trabalhos da lavoura. Isso implica, de um lado, estimular no índio um processo de emulação com relação ao poder, à riqueza, às comodidades e aos prestígios sociais de que goza o homem ocidental; de outro lado, significa desenraizá-lo de seus costumes e mo do de vida, privando-o de algumas fontes naturais de sustento (como a caça, ou a pesca), de seus hábitos alimentares, de vestiário, de moradia. Por exemplo, deve-se cuidar, segundo José Bonifácio, para que as novas aldeias "não se estabeleçam em país de muita caça ou peixe, para que os novos colonos não se entreguem somente nas mãos da natureza, antes pelo contrário, sejam forçados a ganhar e segurar o seu sustento à custa dos seus trabalhos rústicos". (p. 19) A possibilidade de se conseguir o resultado esperado através da modificação de algumas contingências ambientais e a utilização de dispositivos de reforço e da de privação depende, na visão de Andrada e Silva, do índio não ter uma identidade cultural própria. Ele é "um mero autômato, cujas molas podem ser postas em ação pelo exemplo, educação e benefícios" (p. 12). Tal antropologia mecanicista evoca o conceito de "homem-máquina" do filósofo francês J.O. Lamettrie (1709-1751) e, ao mesmo tempo, parece vislumbrar o behaviorismo de Watson e Skinner. Portanto, a "perfectibilidade do selvagem" depende do fato que "muda das as circunstâncias, mudam-se os costumes" (p. 12). Então, "se Catão nascera entre os sátrapas da Pérsia, morreria ignorado entre a multidão de vis escravos. Newton, se nascera entre os Guaranis, seria mais um bípede, que pesara sobre a superfície da terra. Mas um Guarani cria do por Newton talvez ocupasse o seu lugar".

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(ibidem) A partir dessa teoria sobre o homem, José Bonifácio explica a resistência dos índios a se submeterem ao ritmo de trabalho próprio da civilização ocidental. Com efeito, a "preguiça" do nativo brasileiro depende das seguintes circunstâncias: 1. ele tem poucas ou nenhumas necessidades; 2. seus hábitos nômades lhe permitem desfrutar continuamente de terrenos abundantes de caça, pesca e frutos silvestres; 3. devido ao clima tropical e à total integração no habitat natural, o índio não precisa nem de casas confortáveis, nem de vestidos cômodos, nem de objetos de luxo; 4. ele não tem a idéia de propriedade nem desejos de prestígio, honras sociais, instintos de competição, que, pelo contrário, são as molas do comportamento do "homem civilizado"; 5. a razão do indígena carece de exercício, pois sua atenção está desperta apenas por tudo o que interessa imediatamente à sobrevivência. Não possuindo dinheiro nem bens materiais, ele não precisa aprender o cálculo e as idéias abstratas de quantidade e de número. Todavia, uma vez que se modifiquem as condições naturais e sociais, haverá uma mudança rio comportamento do homem. Por isso, o "Projeto de Civilização" de José Bonifácio baseia-se em um conjunto de técnicas e estratégias de aculturação. Entre elas, destaca-se a introdução do conceito de propriedade individual na cultura indígena através da prática 41 do comércio; a introjeção da inferioridade cultural e a proposição dos modelos de "poder, sabedoria e riqueza" do homem ocidental. Nessa perspectiva, a educação das crianças e dos jovens também assume uma função muito relevante, sendo esses mais amoldáveis do que os adultos. A organização do tempo de lazer, a introdução de novos hábitos de alimentação, moradia e trabalho, a adaptação à disciplina militar e o uso de técnicas de punição e recompensa, o controle absoluto da vida de cada su jeito através de registros elaborados pelos responsáveis da aldeia são outros meios sugeridos para conseguir-se a adaptação dos índios sem re correr à força militar e, sim, pela modificação da própria subjetividade indígena. 2. Idéias psicológicas nas Cartas de Miguel Calmon du Pin e Almeida Outro documento indicativo da utilização de uma psicologia determinista no âmbito de um projeto político, na sociedade brasileira do século XIX, é representada pela Carta (1825) sobre a reforma das instituições carcerárias, elaborada pelo marquês Miguel Calmon du Pin e Almeida (1794-1865), ministro e diplomata baiano. Nesse caso, também o objetivo em questão é a modificação do comportamento humano. Com efeito, a reforma da instituição penal deve visar, segundo o autor, a reforma do preso e esta pode realizar-se na medida em que o indivíduo é condiciona do a repetir atos bons, por reforços ou por estímulos adversos. "Todo homem - afirma-se na Carta - pode ser induzido a esta constante prática dos actos bons, ou pelo prêmio, se os praticar, ou pelo castigo, se os não praticar. Pelo que tocca aos actos maos, estes ou podem ser reprimidos pelo castigo, ou prevenidos tirando ao preso todo o meio de os praticar." (1825, p. 86) Um meio muito eficaz para a "reforma do comportamento" é o hábito do trabalho - que, por sua vez, pode ser induzido pelo estímulo da retribuição. Com efeito, através da retribuição, o indivíduo pode adquirir aquelas "commodidades" que lhe são necessárias. "Deste modo - conclui o autor - teremos obtido o que he da mais principal importância, e vem a ser habituar o prezo ao trabalho por hum dos meios, que mais forte mente estimula a actividade humana." (p. 88) De tal forma, o estabelecer- se de uma relação entre trabalho e satisfação da necessidade e a introjecão no indivíduo de necessidades continuamente criadas pela própria sociedade, determina uma dependência ininterrupta entre o comportamento individual e a máquina social. Estas observações são confirmadas pelos estudos de Foucault sobre as técnicas de vigilância e punição na sociedade moderna. A seu ver, o trabalho penal, embora não seja imediata mente útil enquanto obra produtiva, é

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relevante pelos efeitos que toma na "mecânica humana", constituindo-se em um mecanismo através do qual o indivíduo de má conduta é transformado em uma "peça que desempenha seu papel com perfeita regularidade" (1977, p. 217). O mesmo Miguel Calmon du Pin e Almeida, em outra carta sobre educação, explicita uma visão determinista do desenvolvimento humano ao afirmar que as feições originais da moralidade e da inteligência do indivíduo são traçadas pelo ambiente familiar (1825, p. 212). Tal doutrina será novamente enunciada, um século mais tarde, por J.B. Watson (1934); segundo este, todas as formas de comportamento são o produto do meio familiar e social em que o sujeito vive. 3. Idéias psicológicas no Supplemento à Constituição Moral de José da Silva Lisboa Por fim, uma conceituação mecanicista acerca do trabalho humano encontra-se no Supplemento à Constituição Moral (1825), de José da Silva Lisboa (1756-1835), deputado e desembargador, autor de obras de economia, direito, ética e pedagogia. Segundo esse autor, a constituição física do homem é submissa à mesma lei da inércia que governa o mundo físico. Todavia, se for presente em quantidade excessiva, a força de inércia - que se manifesta como indolência e preguiça - causa graves males (guerras, escravidão, miséria) e o atraso da civilização. Portanto, é preciso que exista outra força contrária, que contrabalance tais efeitos nocivos: o trabalho. Se todos os indivíduos se submetessem a uma certa porção de trabalho, de forma regular, haveria um progresso constante da sociedade. O sistema que parece mais apropriado a favorecer a atividade humana de maneira produtiva e ordenada é o "Liberal Systema de Commércio Franco e Legítimo" (p. 8), ou seja, o liberalismo econômico. Nessa visão, o trabalho é considerado como uma contribuição fundamenta que se exige do homem para a conservação e o progresso do "bem comum" (identificado com o Estado), e, ao mesmo tempo, como a condição necessária para sua participação na vida civil. 4. Idéias psicológicas e práticas políticas As teorias acima apresentadas são exemplos de utilização de conceitos de natureza antropológica ou psicológica para justificar práticas políticas e econômicas, no contexto da estruturação da nação brasileira em estado moderno. Evidencia-se assim, a funcionalidade do saber sobre a subjetividade humana, no âmbito do projeto social de formação de cidadãos e indivíduos bem-adaptados ao meio e atuantes como partes produtivas do organismo civil. E nessa perspectiva que, ao longo do século XIX, a constituição da psicologia enquanto disciplina científica e recurso técnico-pragmático apresenta-se como uma necessidade cultural e social no seio das sociedades modernas. 42 43 C. Variedades de discursos psicológicos emergentes no saber ins titucional da época Os "discursos psicológicos": definição No século XIX, não existindo ainda uma psicologia como ciência autô noma e, enquanto tal, rigorosamente definida, toda e qualquer coloca ção sob forma discursiva de assuntos psicológicos pode ser considerada como conhecimento psicológico. Os tópicos abordados podem ser sele cionados e definidos segundo diferentes tipos de categorias, incluindo- se categorias mentais, comportamentais, antropológicas e psicológicas (no sentido etimológico originário do termo: "Psiquê = princípio da vi da"). As elaborações conceituais e discursivas dos temas dessa natureza serão chamadas de "discursos psicológicos". Como tais "discursos psicológicos" estão localizados, na época, em diferentes áreas do saber, no âmbito de outras disciplinas já estruturadas e institucionalizadas, há uma multiplicidade de abordagens ao estudo da subjetividade e do comportamento humano, dependendo dos domínios de saber institucional em que essas disciplinas se situam. De maneira particular, na cultura brasileira do período, destacam-se qua tro tipos principais de "discursos psicológicos": a "psicologia filosófica"; a "psicologia médica"; a "psicologia pedagógica"; a "psicologia no âm bito da teologia moral".

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Evidentemente, a denominação "psicologia" é utilizada aqui de forma genérica, para indicar mais propriamente os "co nhecimentos psicológicos". Serão descritas, em seguida, as característi cas próprias de cada uma dessas variedades de elaborações conceituais. a. A psicologia filosófica. A psicologia filosófica do século XIX, assim chamada pelo fato de ser parte específica da filosofia, não representa apenas um antecedente his tórico da psicologia científica, ou um puro exercício acadêmico de alguns espíritos especulativos. Na realidade, ela oferece um aporte essencial pa ra a constituição da ciência psíquica, seja por apontar para os postulados últimos que fundamentam as teorias científicas (por exemplo, a imagem de homem, de sociedade, do real, o significado da existência humana e da história...), seja por ocupar-se da formulação, estudo e análise dos conceitos básicos da psicologia, tais como mente, eu, consciência, per sonalidade, cognição, percepção, motivação etc... Nesse sentido, o co nhecimento da psicologia filosófica do século XIX é condição necessária para a compreensão correta e aprofundada do significado e do horizonte da psicologia hoje difundida e elaborada no solo brasileiro. 1. Psicologia racional e psicologia empírica Ela se divide em racional e empírica. Considerada como seção de uma área importante da filosofia (a metafísica), a psicologia racional tem, por objeto, o estudo do princípio substancial do homem, definido como "al ma", ou "espírito" e, por objetivo, o de responder a questões tais como a origem e o destino desse princípio, sua natureza e suas propriedades. A psicologia empírica (chamada também de "experimental") tem por ob jeto a análise dos fatos psíquicos e de suas causas imediatas. Enquanto o método de estudo da psicologia racional é o raciocínio filosófico-dedu tivo, a psicologia empírica tem como método a observação da experiên cia interior feita pelo próprio sujeito, utilizando-se da lógica indutiva. 2. Posição prioritária da psicologia no âmbito das disciplinas filosóficas, segundo o espiritualismo eclético Nas doutrinas da época, a psicologia adquire uma posição prioritária no seio de outras áreas da filosofia. Em alguns casos, chega a ser identi ficada com esta ou constitui-se como o princípio e o pressuposto de todo conhecimento. Então ela é considerada como o fundamento da lógica, da moral e da teologia. Uma expressão de tal visão, proposta sobretudo pelos filósofos espiri tualistas, encontra-se nas palavras de J. Gonçalves Magalhães, em Fa tos do Espfrito Humano: "A base e o ponto de partida de todas as scien das philosophicas é a psychologia, da qual ellas são ampliaçoens e appli caçoens. A psychologia lhes dá o elemento subjectivo, e reconhece as condições necessárias e absolutas da razão, objectos da metaphysica." (1858, p. 3. O reducionismo organicista A este "psicologismo", que constitui importante premissa para a afir mação da psicologia enquanto ciência autônoma, se opõem duas tendên cias contrárias entre si. A primeira é a do reducionismo organicista, deri vado da Escola Médica de Paris e da filosofia materialista francesa do sé culo XVIII, que propõe o estudo da fisiologia como base para o conheci mento da natureza humana. Um representante brasileiro dessa tendên cia é Avellar Brotero (1798-1873), filósofo e professor na Faculdade de Direito de São Paulo. Adepto do materialismo reducionista na época da juventude, o médico-filósofo baiano Eduardo Ferreira França (1809-1857) 'converteu-se' posteriormente ao espiritualismo. Ele, da mesma forma que outros pensadores filiados a essa doutrina, preocupa-se em estabelecer entre psicologia e fisiologia relações de complementaridade e distinção, explicitando a impossibilidade de identificar uma à outra e suscitando um 44 45 amplo debate a respeito, que envolve muitos filósofos, cientistas e médi cos do período. 4. A psicologia como parte da antropologia, na visão dos tomistas e dos idealistas Uma segunda postura, contrária ao "psicologismo", engloba várias dou trinas diferenciadas, enfatizando a necessidade de se

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considerar o espíri to do homem integrado com a sua dimensão corpórea. Subordina-se, des se modo, a psicologia à antropologia. Essa visão é compartilhada pelos tomistas e pelos idealistas. 5. Definições do objeto da psicologia na cultura brasileira do século XIX Na cultura brasileira do século XIX, assiste-se a uma significativa mu dança quanto à definição do objeto da psicologia. Em um primeiro mo mento, este é encarado, segundo a perspectiva das doutrinas filosóficas tradicionais, como a alma humana. A filosofia escolástica entende por "alma" uma substância ou princípio da vida comum a todos os seres vi vos. Em particular, fala em alma racional para caracterizar a essência do homem, princípio intetectivo e forma substancial distinta do corpo, ima terial e imortal. Sua atividade se manifesta através de operações (as "fa culdades"). O intelectual pernambucano José Soriano de Souza (1883-1859), em suas obras de 1867 e de 1871, torna atual tal enfoque tomista. Por sua vez, os empiristas moderados - cujas teses foram assumidas como o saber filosófico institucional de Portugal e Brasil após as Refor mas Pombalinas - são influenciados pelas doutrinas cartesianas e iden tificam a alma com o pensamento. Uma etapa ulterior na determinação do objeto da psicologia é realizada pelos empiristas sensualistas. Para eles, todos os fatos psíquicos são re dutíveis ao sentir, cuja base é a atividade cerebral. Afirma, por exemplo, Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846), filósofo português, e professor no Rio de Janeiro por volta de 1813, que as diferentes faculdades do espírito podem ser reduzidas ao pensar ou ao desejar e nada mais são do que diferentes modos de sentir (ed. 1970). 6. O "eu" enquanto objeto de conhecimento científico Ao substituir o conceito de "alma" pelo de "eu" ou "espírito", os es piritualistas determinam uma grande transformação no âmbito da psico logia filosófica. Com efeito, o "eu" representa o ponto de vista da alma acessível à observação e, assim entendido, ele não é mais um conceito ontológico, uma essência - conforme a linguagem da metafísica tradi cional -, mas um dado fenomênico. A subjetividade se torna então um fenômeno passível de conhecimento científico, da mesma forma que os fatos naturais. Em particular, as expressões mais relevantes da vida psí quica são as faculdades, forças reconhecidas como causas das modifica ções subjetivas. As faculdades são classificadas em inteligência, sensibi lidade e atividade (ou vontade) e podem ser reconhecidas e determina das pela observação. Pode-se, portanto, segundo afirma Gonçalves Ma galhães (1876), deixar de lado as causas ocultas dos eventos internos, da mesma forma que se podem estudar os fenômenos físicos sem entrar na indagação sobre a natureza íntima da matéria. 7. A consciência como órgão do conhecimento de si O sujeito do conhecimento psicológico é a consciência (chamada tam bém de "senso íntimo", ou "vista interior", ou "percepção interna"): ela é a faculdade que a alma possui de se conhecer a si mesma. A objetivida de de tal saber baseia-se na fidedignidade da consciência. Esta não se identifica apenas com um estado particular do pensamento, da vontade, ou do sentimento, mas acompanha qualquer tipo de fenômeno psíquico e, assim sendo, abrange a totalidade dos objetos interiores. Por outro lado, a universalidade de uma psicologia assim estruturada depende do fato de que, parafraseando um trecho de Ferreira França (1854), não há homem, por mais ignorante, que não perceba o que se passa na própria interioridade e que não seja capaz de desenvolver um exame detalhado dos fenômenos em questão. Dessa forma, configura-se uma situação epistemológica peculiar à psi cologia: o fato de o sujeito conhecedor coincidir com o objeto conheci do. Tal fato tem uma implicação fundamental: os fenômenos psicológi cos - à revelia dos fenômenos físicos - não possuem existência inde pendente do sujeito que os observa, como evidencia o mesmo Ferreira França: "Os fatos externos são possíveis sem os nossos sentidos... os internos não existem sem nossa consciência; não são

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independentes de la; quando ela não intervém, não há fato interno." (1854, ed. 1973, p. 54). Ao mesmo tempo, tal coincidência não implica uma identidade: com efeito, "os modos do eu se objectivam na consciência, assim como se objectivam os objetos exteriores". (idem, p. 321). 8. Aplicação do método científico ao conhecimento do "eu" A possibilidade de que o estudo do "eu" tenha o mesmo grau de cien tificidade das ciências naturais depende do método empregado: este de ve ser o mais semelhante possível ao das outras ciências mais avança das. Antes de mais nada, a psicologia não deve utilizar-se de um método dedutivo a priori, mas de um método indutivo a posteriori, baseado na 46 47 ob A observação dos fenômenos psicológicos, ou observação interna, embora seja da mesma qualidade da observação externa, possui algumas características próprias, evidenciadas de forma clara no manual do jesuíta Barbe, texto básico nas escolas brasileiras da segunda metade do século XIX. A observação interna é mais fácil e direta que a externa. Por outro lado, ela apresenta algumas dificuldades, por exemplo, em de tectar as operações do espírito que são muito rápidas e contemporâneas. Além disso, a atenção encontra maiores dificuldades em se deter nos fe nômenos interiores e a observação destes pode perturbar o estado do eu (no seu conjunto). Em terceiro lugar, o desenvolvimento da razão é uma condição interna, e, assim sendo, ela não pode atingir as primeras fases do desenvolvimento psíquico humano. Portanto, para que haja um mé todo científico, a observação interna não é suficiente, e torna-se neces sário o recurso à, experimentação. E possível descobrir os aspectos cons tantes, invariáveis, regulares da natureza humana (em uma palavra, as leis da vida mental), somente pondo-a à prova em diferentes situações e repetindo inúmeras vezes a mesma operação em diferentes circunstân cias, "a fim de discriminar as circunstâncias variáveis (relativas ao lugar, ao tempo, à educação e a infinitas causas acidentais), das circunstâncias invariáveis e constantes, que pertencem à natureza humana e que de vem entrar no quadro da sciencia: numa palavra, para constituir a scien cia dos fatos internos é necessário saber primeiro experimentar". (Barbe, 1871, p. 269) Desse modo, colocam-se as premissas para o desenvolvimento da psi cologia científica. Embora o método experimental seja representado, nessa literatura, de uma maneira extremamente simplificada e às vezes ambí gua, e a psicologia seja concebida como saber exclusivamente teórico, recusando-se qualquer conseqüência de ordem prática, a psicologia filo sófica elaborada no século XIX pelo espiritualismo representa um marco importante no âmbito da história da psicologia brasileira. b. A psicologia médica A psicologia médica indica genericamente os movimentos doutrinários que, pertencentes ao domínio da medicina, encerram conhecimentos cien tíficos e empíricos a respeito do ser humano e de seu comportamento, incluindo elementos de psicoterapia. 1. Influência do materialismo francês na psicologia médica do século XIX Na abordagem da psicologia médica do século XIX, profundamente in fluenciada pelo materialismo francês, os fenômenos psíquicos são tira dos do domínio da moral e da metafísica e considerados como efeitos simples da "economia animal". Através dessa evolução, a realidade psí quica não é mais encarada do ponto de vista religioso e moral e sim higiê nico, tendo como objetivo a 'adaptação do indivíduo ao sistema. O bem- estar da pessoa como um todo é identificado com a sua integração no âmbito do organismo social. 2. Psicologia médica e sociedade brasileira no século XIX Tal perspectiva se enquadra em um processo sistemático através do qual a medicina incorpora a sociedade como novo objeto, tornando-se um poderoso instrumento de controle de indivíduos e populações. No Brasil, o desenvolvimento da psicologia médica, elaborada e trans mitida de forma sistemática no âmbito das faculdades médicas do Rio e de Salvador, das academias científicas

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e revistas especializadas, coin cide com a ascensão do Estado Nacional, e com a necessidade de se con solidar a ordem social e individual através de oportunas estratégias. Portanto, o processo que leva à constituição de uma área dedicada aos conhecimentos psicológicos, no âmbito das ciências médicas da época, assume uma significação muito ampla. 3. Subjetividade, higiene social e alienação mental De um lado, o saber sobre a subjetividade estrutura-se, na cultura e na sociedade do período, como parte da higiene - área da medicina que mais claramente assume a função de prevenção e controle do bem-estar social e individual. De outro lado, a subjetividade se torna acessível ao conhecimento objetivo através de sua forma patológica: a alienação men tal. Com efeito, a loucura se constitui, no século XIX, em objeto de gran de interesse para os estudos e a prática médica, como documentam, no âmbito brasileiro, as numerosas teses desenvolvidas sobre o assunto nas faculdades de medicina. Ao mesmo tempo, a tendência de analisar os fenômenos psíquicos de maneira extremamente detalhada e rigorosa, se gundo os cânones da medicina experimental, evidente em tais trabalhos médicos, responde à exigência de tornar visível à consciência pública tu do o que tinha ficado até agora sob domínio exclusivo do indivíduo. A essa consciência pública, encarnada no Estado e representada pelo sa ber médico, é reconhecido na época o poder de julgar o comportamento humano do ponto de vista de sua racionalidade e moralidade. Nisso ori gina-se a ênfase dada ao papel social e filantrópico do médico. Somente a este - declara por exemplo La Cour (1863) - cabe a direção das facul dades morais do homem. Ninguém mais do que o médico - afirma ou tro estudante da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro - tem a ca pacidade de "regular as funções intelectuais do homem, dirigir seu mo ral, não só pelo conhecimento íntimo que ele tem dos diferentes modifi 48 49 cadores que na natureza existem, como também pela honrosa e espinho sa tarefa que sobre ele grava de aperfeiçoar quanto lhe seja possível as raças humanas". (Rosário, 1839, p. 2) 4. Definições dos conhecimentos psicológicos na medicina brasileira do século XIX As denominações que o estudo dos assuntos psicológicos assume nas conceituações dos médicos brasileiros do século XIX são várias. As mais comuns são a de "medicina moral", de "therapeutica moral", "direção do espírito" ou "medicina philosophica". Nas definições encontradas nas teses e trabalhos médicos da época, tal conhecimento possui diversas di mensões: de um lado, consiste em obter um conhecimento científico da ubjetividade humana através da leitura atenta e objetiva de seus sinais expressivos, tais como os movimentos do rosto e do corpo, a fala etc. De outro lado, esse conhecimento tem finalidade prática, pois trata-se de utilizar tal saber para dirigir de maneira conveniente as faculdades in telectuais e afetivas ("morais") do indivíduo. 5. Estudo científico do "homem moral" Quanto ao primeiro aspecto, a preocupação em elaborar um método científico para o exame da vida interior é explicitada, por exemplo, pelo médico-filósofo baiano, Eduardo Ferreira França, em sua tese de 1834 para a obtenção do título de Doutor na Faculdade Médica de Paris. Nesse tra balho, ele afirma que o método para o estudo do homem moral deve ba sear-se na observação e na experimentação e fornece um panorama das diferentes perspectivas com base nas quais a pesquisa pode ser desen volvida. Deve-se estudar o estado moral no homem normal e no homem alienado; analisar todas as modificações às quais esse estado é sujeito nas diferentes circunstâncias da vida humana; relacionar sempre o esta do moral com as condições do organismo físico e com os estímulos por ele recebidos. Para o estudo do estado moral, os médicos elaboram téc nicas de investigação semelhantes a interrogatórios policiais, propondo ao sujeito perguntas acerca de diversos assuntos, e modalidades de ob servação continuada de hábitos, movimentos, expressões, sinais fisioló

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gicos por ele manifestados. Além disso, em muitos casos, desenvolve-se a "inquirição", ou seja, a reconstrução da história de vida da pessoa, atra vés dos depoimentos de parentes, amigos, vizinhos e conhecidos. Em alguns autores, a ênfase na adoção de uma perspectiva científica no conhecimento do homem leva ao reducionismo fisiológico. Nesse sen tido, a frenologia - ciência que trata das faculdades psíquicas a partir da análise dos i5rgãos físicos aos quais estas são correlatas (em particu lar, o cérebro) - é encarada, por muitos médicos brasileiros da época, como a única possibilidade de realizar uma psicologia científica. Por exemplo, Americano (1838) justifica a abordagem frenológica porque - sendo a alma humana uma substânçia espiritual e inacessível aos sentidos só é possível observar a organização por ela determinada, ou seja, o cérebro. 6. O "tratamento moral" Quanto à dimensão terapêutica dos conhecimentos psicológicos utili zados pelos médicos brasileiros, ao longo do século XIX, assiste-se a uma mudança na conceituação. Em um primeiro momento entendida como terapia dos distúrbios do comportamento, através de uma variedade de meios físicos, químicos e psicológicos, a expressão "tratamento moral" é posteriormente usada para definir os métodos terapêuticos exclusiva- mente baseados em recursos psicológicos. De maneira geral, esse tipo de tratamento é recomendado e praticado especialmente nos estados psi copatológicos definidos como "alienação mental" e, em muitos casos, é restrito ao âmbito hospitalar. 7. A "medicina do espírito" Com a afirmação da peculiaridade do tratamento moral, por volta de 1830, a "medicina do espírito" adquire sua autonomia constituindo-se co mo área específica da ciência médica, ao mesmo tempo em que é reco nhecida a realidade própria da alienação mental. Com efeito, a loucura, concebida anteriormente como moléstia nervosa, ou doença do cérebro, no século XIX começa a ser considerada um desarranjo mórbido das fa culdades intelectuais ou morais, estabelecendo-se uma relação entre dis túrbio cerebral e funções mentais. 8. A "aliena ç mental" e as suas causas A loucura passa então a ser chamada de "alienação mental". Amplia- se também a sua etiologia: incluindo-se causas predisponentes - tais co mo o clima, a sexualidade, a idade, o temperamento, a profissão e o mo do de vida - e causas determinantes, ou seja, fatores físicos (compo nentes hereditários de distúrbios patológicos) e'emocionais (devidos a pro blemas da vida familiar e às condições da sociedade moderna). São par ticularmente estudadas as doenças mentais relacionadas à sexualidade (exemplo: ninfomania, histeria...) e às de origem social (em particular, o suicídio e a nostalgia). Com relação à influência do clima na determinação da loucura, há uma curiosa observação do médico carioca Silva Peixoto (1837), segundo o qual o grande número de alienados presentes na cidade do Rio de Janei ro seria devido às influências nocivas das variações atmosféricas. 51 4 50 Muitos autores enfatizam a origem social da alienação mental: os indi víduos que não conseguem acompanhar os movimentos rápidos do pro gresso da civilização, sobretudo nas sociedades industrializadas, são mais sujeitos à doença. A necessidade de que a sociedade brasileira desenvol va uma ação preventiva e terapêutica a respeito é apontada pelo doutor Lapa: "A mendicidade e a alienação mental são duas úlceras sociais que por incúria tomam em nossas grandes cidades tal caráter, que é já tempo de cuidar em lhes aplicar o remédio." (1847, p. 26). 9. Técnicas da "therapêutica moral" O tratamento moral da enfermidade mental utilizado na época com põe-se de tudo quanto possa estimular os sentidos do sujeito, modifican do suas sensações, internas ou externas. A condição fundamental da "therapêutica moral" é a de que o médico ganhe a confiança do paciente. Disso depende a eficácia do tratamento. Ness as regras aconselhadas são diversas, dependendo do tipo de distúrbio em questão e da visão de cada autor. Por exemplo, utiliza- se, em muitos casos, o método da

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sugestão, para induzir no enfermo a consciência de sua situação e afastar o objeto penoso. Recomenda-se que o médico compartilhe a experiência do doente escutando suas quei xas sem negar a realidade da dor psicológica que ele vivencia. Um recur so sugerido por diversos médicos é o uso da música: em artigo de 1844, o médico e filósofo carioca, Torres Homem, relata resultados positivos conseguidos na França no tratamento de alienados através da música, e comprova essas experiências pelas doutrinas de Cabanis acerca da in fluência da linguagem musical sobre a sensibilidade humana. Outro meio terapêutico utilizado é a estimulação de sensações alternativas às que de terminaram a moléstia. Vários médicos brasileiros propõem um meio terapêutico para a aliena ção mental inventado pela psiquiatria francesa: a internação do alienado. Esta é justificada com base em vários princípios: antes de mais nada, a necessidade de se isolar o paciente, separando-o das condições que se supõe determinem a enfermidade (em particular, a família). Em segundo lugar, julga-se que o clima do recolhimento (o silêncio, a vista dos com panheiros de internação, a organização do tempo e do espaço) propicie a cura. A estrutura da instituição se torna um modelo artificial da socie dade: através dela, opera-se a reinserção do indivíduo no meio. Com efeito, no século XIX, são criados no Brasil vários "hospícios de lou cos": entre eles, destacam-se o de Pedro II, no Rio de Janeiro, instituído em 1841, e o Hospital de São João de Deus em Salvador, inaugurado em 1874. 10. Estudo médico das "paíxões" A psicologia médica do século XIX considera as paixões como o cen tro da vida psíquica (na linguagem da época: do "estado moral"). A no- ção de paixão estabelece um vínculo teórico entre os fenômenos subjeti vos e seus correlatos orgânicos, legitimando dessa forma a extensão da ação médica ao comportamento e à subjetividade humana. Com efeito, as paixões são atribuídas a uma origem fisiológica (no cérebro e nos cen tros nervosos), sendo definidas como impressões da mente que determi nam uma maior irritabilidade do sistema nervoso. Alguns autores tentam reduzir as paixões a fenômenos puramente orgânicos; por exemplo, con sideram o amor como uma troca de fluidos nervosos ségregados pelo cé rebro, entre dois indivíduos. A expressão fenomênica das paixões é estu dada segundo três níveis: o estado subjetivo, os correlatos fisiológicos, a fisionomia e as manifestações comportamentais. Enfatiza-se a função social das paixões que, se bem direcionadas, con tribuem para o bem-estar individual e social. Se, pelo contrário, forem excessivas, produzem efeitos negativos e patológicos (por exemplo, a lou cura). Portanto, a higiene das paixões assume um papel muito relevante na época. Os fenômenos emocionais que mais despertam a atenção dos médicos brasileiros são o amor e a sexualidade, o ciúme, a tristeza ou melancolia. A esse respeito, cabe ressaltar a hipótese de Melio Moraes, que conside ra a tristeza como agente etiológico do câncer, antecipando algumas mo dernas teorias sobre a natureza psicossomática dessa doença: "Uma mo léstia que sobretudo apparece como resultado de paixões tristes e pro longadas é o cancro, proveniente da ação dos humores, que actuando sobre os tecidos orgânicos, dão origem a esta enfermidade." (1864, p. 2). A sede das paixões é a alma que, segundo a visão médica da época, não define uma entidade ou substância metafísica, mas uma realidade fenomênica que pode ser detectada experimentalmente e que é denomi nada "estado moral". Este é considerado como o produto das diferentes funções do cérebro, influenciado por variáveis internas (condição dos ór gãos do corpo) e externas (alimentos, bebidas, clima etc.) 11. A medicina como conhecimento global do homem A amplidão do campo das determinações causais dos fenômenos sub jetivos faz com que o domínio da psicologia médica do século XIX seja bastante extenso, abrangendo vários aspectos e figuras da vida social, desde a família, a educação, até

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as diferentes idades da vida humana e as diversas condições sociais (prisão, escravatura, mendicidade etc.). Nesse sentido, a medicina brasileira do século XIX propõe, conforme afirma Machado (1978), um novo tipo de conhecimento global sobre o homem, que aborda não apenas as dimensões físicas e morais da vida subjetiva, mas também as relações desta com o próprio meio, prolongan do-se ao ambiente natural e social. Portanto, a medicina representa uma 1 1 1 52 53 área privilegiada para o desenv de conhecimentos e práticas psi cológicas fundamentados no método científico. De uma certa forma, o objeto da psicologia clínica, enten na significação moderna do ter mo, define-se nesse âmbito. c. A psicologia pedagógica 1. A pedagogia como ciência No século XIX, unia grande variedade de assuntos psicológicos é abor dada no seio da pedagogia. Ensinada nos colégios e nas escolas normais com o objetivo de propiciar o melhor preparo do corpo docente brasilei ro, a pedagogia da época é caracterizada pelo esforço de constituir-se como disciplina científica, utilizando modelos e técnicas das ciências na turais. Com efeito, procura-se orientar a formação do magistério segun do critérios e métodos o mais possível objetivos, para garantir a eficácia do esforço educacional. 2. A psicologia experimental aplicada à pedagogia No fim do século XIX, o recurso à psicologia experimental, enquanto conhecimento científico da dinâmica intelectual e afetiva do ser humano, justifica-se a partir dessa exigência e apóia-se no modelo mais avançado dos Estados Unidos. Já ao longo do século XIX, todavia, a necessidade de fundamentar a educação no metodo científico é explicitada por vários intelectuais brasileiros, que, conscientes da utilidade política da educa ção para o progresso da nacão, acreditam que esta pode ser "mais ou menos proveitosa, mais ou menos rápida, na proporção dos méthodos empregado e dos processos seguidos" (Tavares Bastos, 1858, p. 4). A formulação explícita da aplicação da psicologia à pedagogia aparece no Brasil, sobretudo no início do século XX, mas já desde a segunda me tade do século XIX verifica-se uma colaboração efetiva entre as duas dis ciplinas. Por exemplo, no programa do Lyceu Paulistano, escola de Se gundo Grau fundada em São Paulo em 1849, o diretor Joaquim Russell afirma que no ensino do Colégio segúir-se-á um "methodo racional, fun dado sobre o accurado estudo das faculdades mentais e seu progressivo desenvolvimento". (1849, p. 1) 3. Relações entre psicologia e pedagogia em provas e currículos das es colas normais Em várias provas elaboradas pelos alunos da Escola Normal da mesma cidade, em 1875 e 1876, enfatiza-se a necessidade de se estudar as facul 54 dades mentais e morais do homem "não apenas debaixo do ponto de vista pedagógico, como também psychologico". (Bonfim Soares, 1876, p. 1) Assim o programa de estudos pedagógicos por eles desenvolvidos inclui vários tópicos de psicologia. Parece também que o currículo do curso normal da Escola Americana, fundada em São Paulo em 1870, compreendia uma matéria chamada "Psi cologia aplicada ao desenvolvimento da criança" (Garcez, 1869). Em suma, sendo o objetivo da pedagogia definido, na época, como a direção e a educação das faculdades da alma, é evidente sua depen dência da psicologia, entendida então comp conhecimento filosófico da natureza e do funcionamento de tais faculdades. A psicologia se ocupa das leis objetivas e gerais do desenvolvimento humano, através das quais é possível deduzir as normas e os princípios pedagógicos. Na proposta da pedagogia da época, por exemplo, a divisão da educação em física, intelectual e moral, depende da existência de três faculdades psíquicas: a sensibilidade, a inteligência e a vontade. Enquanto a tarefa da psicologia é a de definir o significado, a função, as características e a dinâmica evolutiva das faculdades psíquicas, a pe dagogia se ocupa dos meios e dos métodos para o desenvolvimento delas. Uma documentação de tal abordagem é fornecida pela prova do aluno J.P.G. de Moura Lacerda (1876). Analisando

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os diversos elementos da faculdade intelectual, ele estuda, entre outros, a atenção. Esta, definida como o "acto pelo qual a intelligência se dirige e fixa sobre um objecto para bem o conhecer" (1876, p. 2), é essencial para o ensino e para todo tipo de transmissão de conhecimento. Por isso, é preciso desenvolver sua capacidade utilizando-se várias técnicas, como a de "inspirar gosto pelo objecto sobre o qual se quer fixar a attenção" (ibidem), mostrar a utilida de prática desse; estimular nas crianças o interesse pelos objetos de mais imediato alcance e que portanto mais facilmente podem focalizar a sua atenção. 4. Métodos de ensino e aprendizagem Outro tópico de natureza psicológica, abordado pela pedagogia brasi leira do século XIX, é o dos métodos de ensino e aprendizagem, pois a proposta e avaliação crítica destes implica o conhecimento da dinâmica psíquica do processo de conhecimento. Portanto, a conceituação dos mé todos de ensino depende da particular doutrina psicológica seguida. Os autore que abraçam uma psicologia sensualista, por exemplo, enfatizam a prioridade da educação sensorial e física, como é evidente nos Trata dos de Educação Física dos Meninos, que proliferam na época. Por outro lado, os adeptos das doutrinas psicológicas espiritualistas entendem a prendizagem como parte de uma prática educativa global, centrada na relação mestre-discípulo, e criticam o mecanismo pedagógico daqueles 55 1 que reduzem a educação a um processo mecânico de instrução (Moacyr, 1936). Por exemplo, Torres Homem (1847), em um debate parlamentar sobre a organização do ensino na nação brasileira, critica o método Lan caster, baseado no sistema da monitoria, porque neste "a intervenção do mestre desaparece diante dos olhos da quase totalidade de seus alu nos, para ser substituída pela de outros meninos." Conclui afirmando que, dessa forma, ao reduzir o ensino e a aprendizagem aos termos de pro cessos mecânicos e repetitivos, aplica-se à instrução pública o modelo da máquina (em: Moacyr, 1936, p. 258). De qualquer forma, apesar das observações críticas de Torres Homem, a tendência mecanicista e o tecnicismo predominaram no sistema de ins trução pública brasileira do período. Por volta do fim do século XIX, a configuração das relações entre pe dagogia e psicologia mudará com o surgimento da psicologia experimen tal e com a substituição dos ideais tradicionais que fundamentavam a pe dagogia, por uma visão de educação como adaptação ao meio, o indiví duo sendo considerado dependente da coletividade social. Nessa fase, a pedagogia será totalmente subordinada à psicologia, "base scientífica sobre a qual se apóia a arte da educação" (Thompson, 1914, p. 22), sen do parte essencial do currículo de formação dos profissionais do ensino. d. A psicologia e a teologia moral No século XIX, no âmbito da teologia moral brasileira, não há exem plos relevantes de produção original, mas simplesmente a transmissão e reelaboração de doutrinas e conceitos próprios da tradição ocidental, em particular inspirados na obra de Afonso Maria de Liguori (1748), no tomismo e no jansenismo. Esta última teoria se difundiu na Europa, e es pecialmente na França, a partir do século XVIII, propondo - a partir de uma interpretação distorcida da teologia de S. Agostinho, de Hipona - uma visão pessimista do homem, ao reduzir o poder de sua liberdade e ao apontar os aspectos ilusórios e enganadores da consciência individual. Apesar da condenação da Igreja, as teses jansenistas influenciaram pro fundamente a formação do clero brasileiro através de alguns tratados uti lizados nos seminários, tais como as lnstitutiones Theologicae (1780), de Montazet, e as Instructions Générales en forme de Catéchisme (1772), de F. A. Ponget. (Lima, 1974) 1. "Paixões" e "enfermidades da alma" Embora o domínio específico da teologia moral não se identifique com o da psicologia, encontram-se nos manuais e livros a ela dedicados al guns conceitos de natureza psicológica, como, por exemplo, os de "pai- 56 xões" e "enfermidades da alma". As paixões são definidas

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como emo ções particularmente fortes e intensas, expressão da unidade psicosso mática e - se bem dirigidas - constituem um recurso muito útil para a conservação do homem .'Todavia, quando elas não são controladas pe la razão, assumem um caráter patológico. Em particular, são considera das como nocivas as paixões artificiais criadas pela sociedade. Por exem plo, no Tractado dos Peccados e Actos Humanos (1851), encontrado na biblioteca do Seminário Episcopal de Sant'Ana, em São Paulo, declara- se: "Há algumas paixões que não são absolutamente naturais e da cons tituição primitiva do homem: como a ambição, a paixão pelo interesse, a voluptuosidade" e que são "emoções violentas e desordenadas" (p. 49). Essas, se cultivadas ao longo do tempo, podem perturbar a razão, tornando-se "enfermidades da alma, da mesma sorte que as moléstias são enfermidades do corpo" (p. 91). Nesse estado, a alma, da mesma maneira que o corpo, perde suas funções naturais, ficando inteiramente dominada pela confusão, a agitação e o medo. Todavia, contrapondo-se à medicina da época - que considera as pai xões como os principais motores do comportamento humano, conforme a visão do determinismo çnecanicista - a teologia moral afirma que es sas podem geralmente ser controladas pela razão e pela liberdade do su jeito, evitando todo excesso e perturbação do funcionamento do orga nismo psíquico. Tal controle é eficaz sobretudo se for excercido nas pri meiras fases do manifestar-se desses fenômenos. Somente em alguns casos, as "enfermidades do espírito" podem ser causadas unicamente pela disposição do organismo, devido à "união es treita destas duas substâncias" (p. 91). Nessas situações, as condições psicofísicas limitam ou impedem o exercício da racionalidade e da liber dade. Por exemplo, a etiologia da loucura é explicada da seguinte forma: a memória dependendo em parte do corpo, ou seja "dos traços que se formam nas fibras do cérebro", quando essas fibras são mal constituí das, não podem ser movidas de modo regular pelos estímulos sensoriais e, portanto, dificultam a produção das idéias. Este exemplo torna evidente que, na visão da teologia moral da época, os fenômenos psíquicos inde pendem, em parte, do exercício da liberdade e do controle moral do su jeito, sendo produzidos por necessidades orgânicas internas ou por agentes externos. Tal determinação, porém, não é absoluta e a liberdade pode intervir, por exemplo, suscitando no indivíduo a decisão de aproximar-se ou afastar-se dos estímulos produtores de emoções. 2. Distinção entre os fenômenos psíquicos e os fatos morais A distinção dos domínios dos fenômenos psíquicos e dos fatos morais é particularmente relevante, pois vem de encontro à exigência própria da cultura da época, de definir mais claramente os marcos de separação en 57 1 tre psicologia e moral. Com efeito, como já vimos na primeira parte deste livro, antes do surgimento da psicologia como ciência autônoma, muitos conteúdos relativos ao comportamento psicológico do homem foram abor dados no âmbito das disciplinas éticas. No século XIX, devido, em parte, à apropriação, pela ciência moderna de objetos originariamente próprios do âmbito teológico ou ético, e em parte, à tendência característica do espiritualismo da época de reduzir a moral e a religião a fatos psicológi cos, verifica-se em muitos casos uma errônea identificação entre concei tos psicológicos e conceitos éticos. Por isso, o esforço de superar esta ambigüidade, informa as tentativas de definir e explicitar as diferenças entre tais domínios, presentes em muitos tratados de teologia moral, nesse período. D. A psicologia no Brasil do século XIX: conclusões Concluindo essa análise dos discursos psicológicos emergentes no sa ber produzido ou transmitido no Brasil do século XIX, pode-se finalizar observando que, anteriormente ao advento do positivismo e da psico gia científica, no solo da intelectualidade brasileira, a psicologia ocupava um espaço próprio; não, porém, como disciplina autônoma e, sim, como aspecto peculiar de diferentes áreas de saber, assumindo, em cada uma delas,

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conotações diferentes. Por isso, talvez seja oportuno falar em co nhecimentos psicológicos, mais do que em psicologia propriamente dita. Ao mesmo tempo, começam a aparecer tentativas de definir limites e diferenças entre as várias disciplinas que se ocupam do homem (por exem plo, entre antropologia filosófica e antropologia médica). Em alguns casos, assiste-se a tentativas de elaboração conceitual de tais conteúdos psicológicos por alguns autores brasileiros (por exemplo, Eduardo Ferreira França e Gonçalves de Magalhães, no campo da psico logia de cunho espiritualista). Todavia, na maioria das vezes, trata-se ape nas da repetição, em âmbito acadêmico, de conhecimentos formulados por outros intelectuais estrangeiros. Assim, pode-se dizer que, de modo semelhante ao que acontece em outras áreas do saber, o conhecimento psicológico no Brasil do século XIX consiste na trasmissão e interpreta ção, mais ou menos fiel, de doutrinas elaboradas na Europa (principal mente na França e na Inglaterra) e nos Estados Unidos - esta última in fluência sendo mais evidente a partir da segunda metade do século XIX, sobretudo através da criação de instituições educacionais por grupos pro testantes americanos. Com efeito, a sociedade brasileira desse período procura estruturar-se como uma nação ocidental moderna, lançando os fundamentos econô micos, políticos e culturais de um processo que deveria levar à realização de tal ideal. Nesse sentido, o passado colonial é encarado negativamente 58 e, na medida do possível, procura-se apagar seus traços. Este é o signifi cado, por exemplo, das Reformas Pombalinas, no campo educacional. Este fato constitui, sem dúvida, uma das razões da falta de continuidade que se evidencia entre as"idéias psicológicas" da época colonial e a "psychologia" ensinada e elaborada nas escolas do século XIX. Conservam-se apenas os elementos culturais do passado que expressam um espírito precursor da mentalidade moderna: é o caso da psicologia de Mello Franco, cuja relação com o pensamento médico do século XIX é evidente. Todavia, em geral, há um desconhecimento da cultura colonial: quase nenhuma referência é feita à obra psicopedagógica de Alexandre de Gus mão, nem são lembradas as ricas conceituações sobre as emoções hu manas presentes nos Sermões de pe. Vieira ou de frei Mateus da Encar nação Pinna. Em suma, pode-se afirmar que o esquecimento praticado no século XIX a respeito da tradição cultural anterior é uma das causas não secundárias da falta de memória de que sofre a psicologia brasileira contemporânea. E preciso porém considerar que uma dificuldade objetiva à constitui ção de uma memória da psicologia brasileira, anterior ao advento da psi cologia científica, é devida à fragmentação e à dispersão dos conheci mentos psicológicos em setores do saber muito diferenciados, de modo que sua unificação pode ser apenas o produto de uma reconstrução his tórica a posteriori. Como vimos, a coexistência, no panorama cultural brasileiro do século XIX, de diferentes tipos de pensamentos psicológicos, localizados em di versas áreas e tendo diversos objetivos e perspectivas conceituais, de pende fundamentalmente de definições diferentes sobre o que seria a "rea lidade psíquica". Cada abordagem pretende pronunciar-se acerca da na tureza última e do comportamento fenomênico da subjetividade humana que, por seu caráter ambíguo, apresenta-se como um objeto particular- mente árduo a ser conhecido. O que - segundo um enfoque determina do - é um pseudofenômeno, para outro representa o substrato real da aparência. Ao mesmo tempo, na época considerada, a subjetividade assume uma grande relevância enquanto objeto de saber, e nela se esbarra no estudo de várias disciplinas, desde a filosofia até a medicina, assim como por ela se interessam as instâncias do poder social e político. Com efeito, no Brasil do século XIX, o discurso sobre a subjetividade se torna uma peça importante na estruturação da mentalidade e das práticas institucionais da nação. A função ocupada pelo conhecimento da

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subjetividade no âm bito do projeto social, deve-se a institucionalização da psicologia nas es colas brasileiras, antes apenas como uma seção específica de outras dis ciplinas, e depois como ciência autônoma. 59

Capítulo 3 O surgimento da psicologia científica Os trabalhos pioneiros de psicologia científica no Brasil, no início do século XIX, devem-se, sobretudo, a médicos e educadores. Todavia, os pressupostos teóricos que permitem a reformulação dos conhecimentos psicológicos como ciência experimental autônoma em relação à filosofia, encontram-se, ainda na segunda metade do século XIX, no pensamento dos filósofos positivistas brasileiros. A. A psicologia como ciência na visão do positivismo brasileiro do século XIX: a "fisiologia mental", na teoria de Luis Pereira Bar- reto (1840-1923) "Não viemos perturbar a ordem, viemos ocupar um lugar tornado va go pela extinção gradual e normal das antigas crenças" (Pereira Barreto, em: Barros, 1967, p. 128). Esta afirmação encontra-se na primeira obra do positivismo no Brasil, As Três Filosofias (1874-76), do médico Luis Pe reira .Barreto, cujo primeiro volume é publicado no Rio de Janeiro, em 1874. Luis Pereira Barreto, formado em medicina na Bélgica, em 1864 de senvolve sua atividade intelectual principalmente em São Paulo, escre vendo livros e artigos com o objetivo de divulgar o positivismo no âmbito da cultura brasileira. 1. Ciência e progresso humano Segundo este autor, o programa do positivismo - fundado no século XIX pelo filósofo francês, A. Comte, e aplicado ao estudo dos fenôme 61 nos psicológicos e sociais pelo filósofo inglês, H. Spencer - teria como objetivo a "reconstrução espiritual" da sociedade, "tendo somente por base a ciência demonstrada" (idem, p. 133). Encarada na ótica de uma visão progressiva da história, a realidade brasileira da época é interpreta da como expressão de uma fase histórica determinada, a ser superada através da realização de um programa político e social que acelere a mar cha da civilização. Um instrumento essencial desse processo é identificado na "reforma radical do ensino", que deveria ser libertado das influências da Academia e da Igreja - consideradas nefastas - e adquirir um "caráter enciclopé dico e social" (idem, p. 114). Segimdo essa doutrina, a mola do progresso do homem é a ciência, pois "só a ciência se impõe a todas as cabeças; só ela tem o maravilhoso dom de converter o mais completo selvagem em um perfeito civilizado; só ela tem o soberano privilégio de reunir em tôrno de si tôdas as opi niões." (idem, p. 139-140). Dessa forma, a introdução do espírito cientí fico na sociedade possibilita a criação, em todas as camadas da popula ção, de uma "imensa soma de idéias e de opiniões uniformes" (p. 244). Nesse sentido, a ciência adquire uma função política muito relevante. O progresso da humanidade em geral e da sociedade brasileira em particu lar dar-se-à, segundo Luis Pereira Barreto, na medida em que as ciências positivas sejam aplicadas em todos os setores da vida, pois "é só a estas ciências que a humanidade deve tudo quanto hoje possui de grande e glorioso na conquista da natureza... Se a sociedade aceita com orgulho as artes, a indústria, o confôrto, a elegância, o luxo requisitado, tudo quan to diz respeito ao bem-estar material, sob forma de vias férreas, telegra fia elétrica, navegação a vapor, engenhos mecânicos, inventos químicos, cirúrgicos etc... ao passo que se não acolhe favoravelmente as vistas des sas mesmas ciências no que diz respeito ao mundo do espírito, é certa mente porque ainda não percebeu o ilogicismo de seu procedimento e não atingiu ainda o seu último grau de fineza moral". (p. 138) 2. O menosprezo pela filosofia Ao mesmo tempo, menospreza-se a filosofia, em particular a metafísi ca - o que ficará evidente, por exemplo, na reforma do ensino proposta pelo ministro Benjamin Constant, em 1891. No ensino secundário

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e nor mal, são introduzidas uma série de ciências tidas como auto-suficientes em si mesmas, sendo eliminado o ensino da filosofia. No Colégio Pedro II, o curso de filosofia é reduzido ao ensino da lógica e da psicologia. 3. A fisiologia mental Nessa perspectiva, a psicologia - não mais filosófica e sim científica -, ou "fisiologia mental", proporciona o conhecimento verdadeiro do homem e da história. Seu pressuposto básico é o mesmo das outras ciên cias, a saber, que "todos os fenômenos quaisquer, astronômicos ou físi cos, químicos ou biológicos, sociais ou morais, estão sujeitos a leis fixas e invariáveis", conforme afirma Barreto em sua tese apresentada à Fa culdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1865 (Teorias das Gastralgias e das Nevroses em geral, em: Barros, 1967, p. 36). Em conseqüência, todos os fatos da vida individual e social são expli cáveis se forem submetidos à investigação científica. Portanto, o verda deiro conhecimento do homem só é possível na medida em que se consi dera o indivíduo no horizonte da humanidade e da história, pois só deste modo estabelecer-se-ão as relações de determinação às quais este é sub metido e reconhecer-se-á que "a origem da maior parte das nossas mo léstias é social ou moral; e que, por conseqüência, a terapêutica urgente a instituir-se não pode ser senão da mesma natureza" (1967, p. 38). 4. Elementos da natureza humana segundo a doutrina comtiana Seguindo a doutrina comtiana, Pereira Barreto descreve a natureza hu mana como um composto de inteligência, sentimento e atividade, que seriam funções do cérebro. A inteligência recebe do mundo externo, atra vés dos sentidos, os materiais de suas representações e, a partir delas, dirige a afetividade, cujos componentes (instintivos) são sociais e pes soais. Os instintos sociais são a afeição, a veneração e a bondade; os ins tintos pessoais são o instinto nutritivo, sexual, materno, militar, constru tor, o orgulho e a vaidade. A atividade é a expressão resultante desses elementos "motores", ou forças cerebrais. A unidade das funções e o equilíbrio entre as forças cerebrais é uma condição essencial para manter a saúde do indivíduo. Outra condição é a adaptação deste ao meio am biente. Com efeito, "o organismo tende constantemente a modificar o meio para se adaptar a êle, ao mesmo tempo que o meio o modifica por sua vez. Uma mudança qualquer operada em um desses dois termos acar reta necessariamente uma modificação correspondente no outro." (1967, p. 41). A doença é a ruptura do equilíbrio individual ou coletivo. Em particu lar, as "nevroses", seja suscitadas pelo meio, seja pelo próprio organis mo, são manifestações do "estado de insurreição do espírito contra o co ração e do presente contra o passado, que caracteriza as sociedades mo dernas". (idem, p. 65) Portanto, a enfermidade sendo moral em sua ori gem, da mesma forma deve-lo-á ser o tratamento. Uma conseqüência dessa abordagem é a ênfase no "estudo das facul dades intelectuais e morais, o mais complicado, o mais difícil de todos os ramos dos conhecimentos humanos,... que só deveria ser feito depois de uma sólida base, matemática, astronômica, física, química, biológica 62 63 e histórica". (idem, p. 117) A esse respeito, Pereira Barreto frisa a neces sidade de renovar tal área do saber, pois ela tem sido espaço para o char latanismo ou para inúteis especulações metafísicas. 5. Aplicação da ' mental" ao estudo da religião Um exemplo de aplicação da psicologia, ou "fisiologia mental", como ciência positiva, ao estudo do homem e da sociedade encontra-se no pri meiro volume das Três FIlosofias, o da Filosofia Teológica (1874), em par ticular no capítulo "Complemento para o Estudo do Teologismo", onde o autor expõe sua visão da religião como produto psicológico e estabele ce uma relação entre crenças sobrenaturais e desarranjos cerebrais. Se a teologia predispõe à loucura, é preciso eliminá-la "em nome da higiene do espírito" (em: Barros, 1967, p. 316). 6. A psicologia como parte da fisiologia Ao responder à objeção de que o "estudo da alma" não seria compe tência da medicina, Pereira Barreto afirma

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que "desde Bichat e Cabanis, a psicologia não pode ser sensatamente considerada senão como um ca pítulo da fisiologia, do mesmo modo que, como aliás hoje ninguém mais contesta, o estudo da alienação mental, ou da psicologia mórbida, deve naturalmente cair no domínio da patologia". (idem, p. 272) Da mesma forma, no fim do volume, estabelecendo um nexo entre psi cologia e pedagogia, o autor afirma que à fisiologia cabe o domínio da "disciplina cerebral", pois todas as outras tentativas de conhecimento e de terapia nesse campo são ilusórias e ineficazes. Tanto os literatos co mo os metafísicos são considerados incapazes de formular as bases de um "systema racional de educação". Somente a fisiologia, conhecendo as condições do crescimento e da saúde do ser humano, assim como as cirscunstâncias que ameaçam seu equilíbrio, pode estabelecer os funda mentos necessários para a pedagogia. "Enquanto o estudo do homem, que é domínio exclusivo da fisiologia, não intervir diretamente nas disci plinas mentais - conclui Pereira Barreto - estas permanecerão para sem pre condenadas à mais cega rotina ou ao mais estéril empirismo." (idem, p. 316) B. Desenvolvimentos da psicologia científica no âmbito da medi cina brasileira Permeada pela mentalidade positivista e, ao mesmo tempo, baseando- se na preexistente tradição de interesse pelos assuntos psicológicos - documentada pelas teses apresentadas nas faculdades ao longo do sé- 64 culo XIX - a medicina representa, no fim do século XIX e no início do século XX, uma área particularmente propícia à constituição da psicolo gia científica no Brasil. 1. Henrique Roxo Com efeito, nesse período, destacam-se figuras relevantes de profis sionais e pesquisadores no campo médico que dedicam sua atividade a estudos psicológicos relacionados à neurologia, à psiquiatria, à higiene mental e à criminologia e psiquiatria forense, tendo o objetivo de contri buir para a criação de uma "ciência do homem" como um todo. Entre eles, lembre-se Henrique Roxo de Brito Belfort, (RJ 1877 - RJ 1969), autor da tese Dtiração dos Atos Psíquicos Elementares, apresentada na Escola Médica do Rio de Janeiro em 1900, sob a orientação do neurolo gista Teixeira Brandão (1854-1922). Este trabalho, segundo afirma Lou renço Filho, (Lourenço Filho, 1955), é o "primeiro grande trabalho de psi cologia experimental publicado no país, ou a primeira investigação de or dem propriamente científica". (Idem, p. 269). A tentativa de associar psicologia experimental, psiquiatria e neurolo gia, é evidente em vários ensaios e obras deste autor; por exemplo, o texto Modernas Noções sobre doenças mentaes (sem data), publicado no Rio de Janeiro; e o Manual de Psychiatria (1921). Organizador do laboratório de experimentação psicológica junto à cátedra de psiquiatria da Faculda de de Medicina do Rio de Janeiro, Roxo orienta os primeiros estudos prá ticos com testes no Brasil e se interessa pela psicanálise e pela educação e tratamento de crianças anormais. 2. Antonio Austregesio Outro médico neurologista, atuante na Faculdade do Rio de Janeiro, é Antonio Austregesilo (Recife, 1876 - RJ 1960), que se destaca pela contribuição à psicoterapia - notadamente nas obras A Cura dos Ner vosos (1918); Psychoneuroses e sexualidade (1919); Pequenos males (1919) - e por ter orientado no interesse pelos problemas psicológicos grande número de discípulos. 3. Maurício Medeiros Maurício Medeiros (1885-1966), talvez o primeiro brasileiro estudante de psicologia experimental no exterior (em Paris, sob a orientação de Geor ge Dumas), é autor de uma tese sobre os Métodos em Psicologia, apre sentada no Rio de Janeiro em 1907 e é fundador e diretor do Laboratório de Psicologia Experimental da Clínica Psiquiátrica do Hospício Nacional, na mesma cidade. (Lourenço Filho, 1955). 65 1 4. Os Irmãos Osório e o Laboratório de Fisiologia no Rio de Janeiro Rio é também a sede do Laboratório de Fisiologia mantido por Miguel, Álvaro e Branca Osório, especialistas em fisiologia nervosa e psicofisiolo gia. Nesse laboratório, são desenvolvidas importantes investigações so bre os reflexos e a

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atividade nervosa central. 5. O Laboratório de Psicologia do Hospital de Engenho de Dentro e Wa claw Radecki Outro centro importante de pesquisa é o Laboratório de Psicologia do Hospital de Engenho de Dentro fundado em 1923, por Gustavo Riedel, então Diretor da "Colónia de Psicopátas". O instrumental do laboratório - adquirido na França e na Alemanha - representa um "acervo signifi cativo da aparelhagem clássica" da psicologia experimental (Centofanti, 1982, p. 11): são aparelhos para medir sensações, reflexos, atenção, as sociações, discriminação, memória, pensamento, processos afetivos etc. O professor polonês Waclaw Radecki (1887-1953), assume, em 1924, a chefia do laboratório, ampliando suas atividades quanto à pesquisa e aos cursos de especialização para médicos da Colônia, da Faculdade de Medicina e da Escola Militar. No grupo de colaboradores que aos poucos vão integrando os trabalhos de Radecki, destacam-se os nomes de Nil ton Campos, Gustavo Rezende, Ubirajara da Rocha, Euríalo Cannabra va, Edgar Sanchez, Jaime Grabois, Halina Radecka. Os resultados das pesquisas e do sistema teórico desenvolvidos no laboratório encontram- se nos Annaes da Colônia de Psychopatas (1928; 1929; 1936), no Diário do Comércio (1931), no Resumo do Curso de Psychologia ministrado por Radecki na Escola de Aplicação do Serviço de Saúde do Exército, entre 1928 e 1929 (vide: Centofanti, 1982). Em 1932, o laboratório é transformado, pelo Decreto Lei n? 21.173, no Instituto de Psicologia da Secretaria de Estado de Educação e Saúde Pú blica, onde deveria ser organizado o primeiro curso de psicologia. Toda via, provavelmente devido a problemas financeiros, o instituto sobrevive apenas poucos meses, sendo incorporado, em junho de 1937 (Lei n? 452), à Universidade do Brasil. 6. A Liga Brasileira de Higiene Mental Outra iniciativa relevante, no âmbito da cidade do Rio de Janeiro, é a criação da "Liga Brasileira de Higiene Mental", em 1922, por Gustavo Riedel. A Liga mantém um laboratório e um "Seminário brasileiro de psi cologia" que se reúne semanalmente. Além disso, organiza anualmente as "Jornadas Brasileiras de Psicologia", tendo uma enorme influência na evolução da psicologia científica no Brasil, conforme atesta Lourenço Fi lho (1955). 7. Estudos em Psicologia na Faculdade de Medicina da Bahia A Faculdade de Medicina da Bahia constitui outro foco de interesse para os assuntos psicológicos. Já desde o século XIX são apresentadas teses na área: a de Francisco Tavares da Cunha (Psico fisiologia acerca do homem, 1851); a de Ernesto Carneiro Ribeiro (Relações da Medicina com as Ciências Filosóficas, Legitimidade da Psicologia, 1864); a de J ú lio Afrânio Peixoto (Epilepsia e Crime, 1897), entre outras. (Lourenço Fi lho, 1955) À diferença da escola médica carioca - voltada para os estudos no campo da neurologia - a Faculdade da Bahia se interessa principalmen te por temas de medicina social. Sob a orientação de Raimundo Nina Ro drigues (1862-1906), formam-se vários especialistas na área, tais como Juliano Moreira, Afrânio Peixoto, Oscar Freire, Flamínio Favero, Leoní dio Ribeiro, Artur Ramos. 8. Estudos da psicologia na Faculdade de Medicina em São Paulo A Faculdade de Medicina de São Paulo representa o primeiro núcleo de difusão das idéias psicanalíticas no Brasil, desde 1918, por obra de Fran cisco Franco da Rocha (1864-1933). Criador do Hospital de Juqueri, em 1898, Franco da Rocha aplica nessa instituição técnicas psicológicas e psicoterápicas. Ocupa também, a partir de 1913 até 1923, a cátedra de Clínica Psiquiátrica e Neuriátrica na Faculdade de Medicina. A.C. Pacheco e Silva substitui Franco da Rocha na direção do hospital criando clínicas, laboratórios especializados, uma escola para menores anormais e o Manicômio Judiciário. Juntamente com Enjoltas Vampré, Moacyr Amorim, Jaime Pereira e Anibal Silveira, desenvolve pesquisas nas áreas de neurologia, fisiologia nervosa, estudos da personalidade. 9. Domingos Jaguaribe Quanto à criação de laboratórios de psicofisiologia na cidade de São Paulo, é oportuno lembrar a

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contribuição de Domingos José Nogueira Jaguaribe (1843-1926), médico cearense atuante em São Paulo. Dedicando-se principalmente ao estudo e à terapia do alcoolismo, Jagua ribe funda, nos primeiros anos do século XX, um "Instituto Psycho Physiologico" voltado para a elaboração e a experimentação de um mé todo terapêuticq para os alcoólatras, baseado no hipnotismo e na suges tão. Os resultados obtidos são relevantes: em 12 anos de trabalho, registra se a cura de 840 alcoólatras. Dele é a proposta da criação da "Liga Brasi 66 67 leira contra o Alcoolismo", da implantação do "tratamento psycho therápico" do alcoolismo nas casas de correção e da instituição do ensi no antialcoólico em todas as escolas do estado. Jaguaribe consegue tecer uma rica rede de relações em nível interna cional: membro e presidente, em 1912, da "Sociétè de Psychotherapie" de Paris; professor correspondente da Escola de Psicologia de Paris, par ticipa, em 1900, do Congresso Internacional de Hipnotismo, na mesma cidade. Na França, publica várias obras, entre as quais a Psychologie de l'alcolique (1909). Em 1904, participa, juntamente com José lngenieros, do,Congresso Internacional de Medicina, em Buenos Aires. Em 1911, rea lhza uma visita científica ao Uruguai. Conhecido e estimado por Liebeault Le Bon, Lombroso, Bérillon, Ramon y Cajal, inspira-se nas descobertas neurológicas desse útlimo para fundamentar sua doutrina acerca do psi quismo humano, esboçada no texto As Bases da Moral: Estudo de Psycho logia Physiológica (1913). Cabe ressaltar a relação que Jaguaribe estabe-" lece entre psicologia experimental e hipnotismo: "A psychologia experi mental - afirma - tem no hypnotismo scientífico a base de suas de monstrações." (1913, p. 53) 10. O Instituto de Higiene de São Paulo Outro centro de elaboração e difusão da psicologia, no ambiente mé dico de São Paulo, é o Instituto de Higiene, onde existe, desde 1926, um grupo de estudo de psicologia aplicada, integrado por médicos, educa dores e engenheiros. 11. Ulisses Pernambucano e a psicologia em Recife Por fim, cabe lembrar aqui a atuação do médico Ulisses Pernambuca no (1892-1943) e de seus colaboradores do Instituto de Psicologia e da Assistência a Psicopatas, de Pernambuco. Ulisses Pernambucano, defi nido como "pioneiro da psiquiatria social na América Latina" (Rosas, 1985, p. 18), propõe uma "visão globalizante do comportamento humano, uma compreensão a um tempo médica, biológica, psicológica, sociológica, pe dagógica, clínica e higiênica das deficiências e das doenças mentais". (idem. p. 21) Em Recife, ele realiza uma modalidade nova de assistência aos alienados, no Hospital da Tamarineira e na Colônia de Barreiros - incluindo o hospital aberto, a atenção às famílias dos doentes, a utiliza ção do trabalho como método terapêutico. Documentação ampla das pes quisas desenvôlvidas por Pernambucano e sua equipe encontra-se nos Arquivos da Assistência a Psicopatas de Pernambuco e nos Arquivos Bra sileiros de Higiene Mental. (Rosas, 1985) Muito significativa é a ação desenvolvida por Ulisses Pernambucano em defesa das minorias sociais, notadamente os negros. Rosas comenta 68 que o mérito principal de Ulisses Pernambucano - no que toca à psico logia - "consiste em ter incutido em seus colaboradores a necessidade de pesquisar a realidade local e de basear sua prática nos resultados das pesquisas realizadas". (idem, p. 31) 12. Medicina e psicologia forense, criminologia, psicologia social A influência da medicina na criação e no desenvolvimento da psicolo gia científica brasileira registra-se também relativamente às áreas especí ficas da psicologia forense e criminal (lembre-se, em São Paulo, Oscar Freire, Flamínio Favero, Almeida Junior e Pacheco e Silva) e da psicolo gia social. Com efeito, os trabalhos pioneiros nessa área devem-se a dois médicos: Raul Briquet (1887-1953) e Artur Ramos (1903-1949). C. Psicologia experimental e educação. Lourenço Filho (1955) afirma que, no esforço de se criar uma psicolo gia brasileira científica, à contribuição dos médicos veio ligar-se a dos edu

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cadores, em particular no campo da assim chamada "higiene mental". 1. Influências da filosofia positivista na área pedagógica e ênfase na psicologia Com efeito, como já vimos, desde as origens do ensino das escolas normais, desenvolve-se a consciência da relação estreita entre pedago gia e estudos psicológicos. A mentalidade positivista reforça esta rela ção, na medida em que, ao enfatizar o valor político da educação como fator de mudança do processo histórico dos povos, proclama a necessi dade de assentá-la em bases científicas, de maneira que seja possível, através dela, determinar os rumos da vida individual e social. Uma influência decisiva nesse sentido é exercida, no fim do século XIX, pelo positivismo evolucionista de Herbert Spencer, especialmente atra vés da obra Principies of Psychology (1870), que situa o desenvolvimen to infantil no seio da evolução da espécie. Vários textos do autor inglês foram traduzidos em língua portuguesa e publicados no Brasil: entre ou tros, a Classificação das Sciencias (traduzido por Rocha em 1890); e a Lei e Causa do Progresso (traduzido por Rocha em 1889). Outro autor muito significativo dessa posição cultural, cujos livros eram utilizados como manuais de pedagogia nas escolas normais brasileiras do período, é P. Compayré. Citamos aqui um trecho particularmente signifi cativo de L'evolutjon inteilectueile et Morale de i'Enfant (1896), em que ele enfatiza a cientificidade da psicologia, procurando libertá-la de seu pas sado metafísico: "La psychologie est une science... Nous n'avons pas 69 à nous pré ici... de celle qui derriêre et par dela les phénomènes recherche les causes et les origines de la pensée... Ce sont là problèmes obscurs, questions transcendantes, qui relêvent de ce qu'on peut appe ler Ia psychologie métaphysique. La psychologie à la quelle les pédago gues doivent faire appel est simplesment une psychologie positive, que se contente de l'observation des faits. Ainsi la psychologie positive affir me et prouve que les états de conscience, sensations et sentiments, idées et volitions, correspondent à des mouvements du cerveau... Quel que soit la nature de la cause, il n'a à étudier que les effects." (p. 52-53) 2. lntroduç da psicologia experimental no currículo das escolas normais A psicologia experimental, recém-constituída, parece oferecer à peda gogia o método objetivo para o conhecimento do homem e de seu pro cesso evolutivo, substituindo-se ao método empírico ou filosófico da tra dição anterior. Uma afirmação muito significativa nesse sentido é a feita• pelo então diretor da Escola Normal de São Paulo, o médico Caetano de Campos, em 1891: "Já não há empirismo: há ciência na educação do ho mem". (em: Moacyr, 1942, v. 1. p. 97) Dessa forma, esperava-se solucio nar os graves problemas do sistema educacional brasileiro, adequando a instrução ao processo de desenvolvimento da sociedade. Tal visão inspira também a reforma dos currículos de estudos das es colas normais, pois, a partir da última década do século XIX, o programa de pedagogia se desdobra em duas partes, a primeira sendo consagrada à "Psychologia". O Projeto de Lei apresentado no Congresso Legislativo da Província de São Paulo, por Paulo Egídio, em 1892, por exemplo, pre vê a introdução nas escolas normais das "cadeiras" de psicologia e lógi ca. Com efeito, já em 1893, a disciplina "psychologia" consta no 4° ano de curso da Escola Normal de São Paulo. O programa abrange vários tó picos: a idéia geral da psicologia aplicada à moral e à pedagogia; a ativi dade física (movimentos, instintos, hábitos); a sensibilidade física (prazer e dor; sentidos e sensações; necessidades e apetites); a inteligência (cons ciência e percepção; memória e imaginação; abstração, generalização, juízo, raciocínio e razão); a sensibilidade moral e a vontade. Uma conceituação explícita da função da psicologia científica çom re lação à pedagogia é proposta, em 1914, por Oscar Thompson, diretor da Escola Normal de São Paulo, em artigo do título significativo: "O Futuro da Psicologia é Scientífico". Em primeiro lugar, Thompson se refere aos recentes desenvolvimentos da psicologia experimental que

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"com a apli cação do méthodo scientífico ao seu estudo, adquiriu.., um carácter scien tífico predominante" (p. 3). Essa psicologia fornece o fundamento cientí fico da pedagogia moderna: "A pedagogia é um psychologia em ação. Os processos pedagógicos subordinam-se ao méthodo psychológico, e os princípios da primeira são corollários dos princípios da segunda. E o 70 méthodo psychológico e os seus princípios a base scientífica sobre a qual se apóia a arte da educação, cuja systematização definitiva conquistare mos, diz Spencer, quando estivermos em posse de uma psychologia ra cional. "(1914, p. 12) A necessidade de dar um fundamento científico à pedagogia está, segundo o autor, na necessidade de fundamentar os prin cípios "morais" da vida individual e social em "bases positivas" e "deri var a prática da applicação de todas as theorias" (idem, p. 7). Com efei to, as ciências positivas, baseando-se na observação direta da realidade e, portanto, visando o estudo de "crianças verdadeiras e não imaginá rias", respondem às necessidades práticas dos educadores, possibilitando- lhes "estudar o aluno e firmar o seu méthodo sobre princípios scientífi cos reais" (p. 9). Dessa forma, a pedagogia perde seu caráter abstrato e especulativo e torna-se aplicável à vida real. 3. O pragmatismo pedagógico e a psicologia Ao longo das primeiras décadas do século XIX, sobretudo devido ao contato com a cultura norte-americana, pelo intercâmbio de professores normalistas e pela fundação, no Brasil, de várias escolas de congrega ções protestantes provenientes dos Estados Unidos, o pragmatismo pe dagógico é cada vez mais enfatizado. Em tal contexto, a psicologia é uti lizada para definir os objetivos educacionais, não mais a partir de um ideal antropológico, mas a partir das necessidades do organismo individual, de um lado, e do organismo social, de outro. Com efeito, o objetivo da educação não é mais identificado na forma ção do indivíduo segundo um ideal filosófico ou religioso, mas na adap tação desse às circunstâncias existenciais e ambientais e às inevitáveis mudanças do processo histórico do qual é parte (Silveira, 1930). Nessa visão, a pedagogia é uma técnica, ou ciência aplicada. A psicologia, por sua vez, é um instrumento muito útil para favorecer o "melhor aproveita mento do material humano" no organismo social, reajustando-o às con dições do meio ambiente (Galharnone, 1932, p. 57). Evidentemente, a introdução dessa mentalidade no âmbito da intelec tualidade brasileira é um processo gradual e encontra várias resistências. Por exemplo, Alceu Amoroso Lima, em artigo de 1932, questiona o prag matismo pedagógico afirmando que não se pode renunciar ao ideal edu cativo, que consiste na formação do homem. Sem este ideal, a ação pe dagógica seria inútil. Tal ideal não deriva das ciências experimentais mas da cultura, ou seja, da concepção geral de vida de um povo. Portanto, a pedagogia é - segundo Amoroso Lima -, ao mesmo tempo, arte,ciên cia experimental e filosofia. Finalizando a discussão crítica, Lima afirma que o objetivo da educação é a pessoa humana e não a sociedade (con forme enfatizavam o positivismo e o pragmatismo): por isso, o critério 71 do trabalho pedagógico não pode ser apenas a utilidade social e, im, o desenvolvimento integral da humanidade do sujeito. 4. Instituição dos Laboratórios de Psicologia Experimental Aplicada à Edu cação no Rio de Janeiro e em São Paulo Não obstante tais questionamentos, o projeto de renovação da peda gogia nos moldes da ciência experimental, com base na psicologia cientí fica recém-surgida, vem sendo realizado a partir das primeiras décadas do século XX. Um marco essencial nesse processo é constituído pela ins tituição dos laboratórios de psicologia experimental, ou de pedagogia cien tífica. O mais antigo foi instalado no Rio de Janeiro em 1890. Chamado "Pedagogium", foi até 1897 um Museu Pedagógico, conforme tinha si do planejado em projeto elaborado em 1882 por Rui Barbosa (Penna, 1986). A partir de 1897, sob a direção de José Joaquim Medeiros e Albu querque (1867-1933), transformou-se em um centro de cultura superior, passando a

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funcionar propriamente como Laboratório de Psicologia Ex perimental em 1906, sob a responsabilidade de Manoel Bonfim (1868-1932). O laboratório, freqüentado por normalistas e estudantes, or ganiza também cursos de aperfeiçoamento e conferências (por exemplo, as conferências sobre fisiologia do sistema nervoso, pronunciadas por An tonio Austregésilo). O laboratório funciona por mais de quinze anos e al gumas das pesquisas nele realizadas encontram-se publicadas na revista Educação e Pediatria. Em 1919, foi extinto por decreto municipal. Outras tentativas semelhantes ocorrem na cidade de Amparo (SP) - onde o professor Clemente Quaglio funda, em 1909, um Gabinete de Psi cologia Experimental junto à escola "Rangel Pestana" -, e em São Pau lo onde, em 1912, é inaugurado o Gabinete de Psicologia e Antropolo gia da Escola Normal da Capital, para cuja organização contribui o médi co e pedagogo italiano, Ugo Pizzoli. Ao longo de sua estada no Brasil, em 1913, Pizzoli ministra cursos de psicologia experimental e orienta vá rias pesquisas no âmbito do laboratório. Em 1917, o laboratório de São Paulo é visitado pelo psicológo francês Henry Piéron, que ministra aulas de psicologia experimental e psicotécnica. Funcionando até 1930, o la boratório, juntamente com a Escola Normal de São Paulo, representa um centro de estímulo e cultivo do interesse pela psicologia experimental, nele atuando vários ilustres professores e psicólogos brasileiros,. como Anto nio de Sampaio Dória, Lourenço Filho, Roldão de Barros e Noemy Silvei ra Rudolfer. Em 1931 é criado, na mesma cidade, um Serviço de Psicologia Aplica da, junto à Diretoria Geral do Ensino, chefiado por Noemy Silveira Ru dolfer, embrião do Laboratório de Psicologia Educacional que será incor poradoao Instituto de Educação da Universidade de São Paulo, em 1934. 5. Lourenço Filho No contexto da psicologia aplicada à educação, cabe destacar a con tribuição específica de Manuel Bergstrom Lourenço Filho. Professor na Escola Normal de Piracicaba em 1920, começa a desenvolver suas pes quisas na linha da psicologia educacional norte-americana e do gestaltis mo. Chamado à tarefa de reformar o ensino do Estado do Ceará, em 1922, funda um pequeno Laboratório de Psicologia Experimental anexo à Es cola Normal de Fortaleza. Em 1925, regressa ao Estado de São Paulo, assumindo a cátedra de psicologia na Escola Normal da Capital. A partir de 1927, começa a introduzir, no ensino, as teorias behavioristas e pavIo vianas. Em colaboração com Noemy Silveira Rudolfer, organiza o já cita do Laboratório de Psicologia Educacional em São Paulo. 6. Centros de fisiologia educacional em Recife e Belo Horizonte Outros centros importantes de desenvolvimento da psicologia educa cional são Recife onde um grupo de educadores, associados ao Insti tuto de Orientação e Seleção Profissional, desenvolve pesquisas sobre medidas mentais, testes, grafismo infantil - e Bahia, onde atua o edu cador lsaías Alves, no campo da psicologia do desenvolvimento. Uma instituição muito significativa para a evolução da psicologia apli cada à educação no Brasil é o Laboratório de Psicologia da Escola de Aper feiçoamento Pedagógico de Belo Horizonte, atuante a partir de 1929, sob a direção de Th. Simon e León Walther e, sucessivamente, de Helena Antipoff, antiga assistente de Claparàde. Desde 1929 até 1946, data de extinção do laboratório, realizam-se nele trabalhos experimentais sobre inteligência, escolaridade, memória, aprendizagem, personalidade infan til etc., além de tentativas de adaptação e revisão de testes de inteligên cia e aptidão. 7. Criação do INEP Por fim, no nível nacional, constitui um evento de grande relevância a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), em 1938, sob a direção de Lourenço Filho, que contribui para a extensão dos servi ços de psicologia aplicada à educação em vários estados do Brasil e em países vizinhos. 8. Primeiros cursos universitários de psicologia A realização dos primeiros cursos de psicologia geral na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo em 1934; a criação da

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cátedra de psicologia educacional na USP, no mesmo ano; e a incorporação do Ins 72 73 tituto de Educação da Escola Normal do Rio de Janeiro à Universidade do Distrito Federal em 1935, marcam o início de uma nova fase da histó ria da psicologia brasileira: a era universitária. A reconstrução histórica desse período mais recente da evolução da psicologia no Brasil não res ponde aos objetivos do presente texto. lnformaçôes a respeito poderão ser encontradas em trabalhos recentemente publicados, por Pessotti (1975; 1988); Pfromm Netto (1975 e 1981), Angelini (1975 e 1984), Seminério (1973), Gomes Penna (1985; 1986; 1987), Rosas (1984), Dio Dio (1975), Klineberg (1975), Leser de Meilo Pereira (1975), Kelier (1975), Ginsberg (1975) 74

Um fim. que é um início Como o objetivo desse texto é descrever as origens da psicologia bra sileira, fogem de seu alcance os desenvolvimentos acelerados e ricos das ciências psicológicas no Brasil do século XX, em particular no assim cha mado "período universitário" (a partir de 1934) e "profissional" (a partir de 1962) (Pessotti, 1988). Por outro lado, a documentação histórica e as revisões críticas relati vas à psicologia brasileira cio século XX são abundantes e podem ser en contradas em revistas especializadas, livros, arquivos de instituições pú blicas e de psicólogos, anais de congressos e, sobretudo, ria memória viva de muitos protagonistas desse processo cultural, ainda atuantes no país. Este é um desafio para os jovens estudantes, para os psicólogos' e os historiadores que queiram dedicar-se à recuperação e à preservação do patrimônio histórico da psicologia contemporânea, em nossa nação. E uma tarefa urgente e um recurso essencial para a formação da cons ciência crítica do psicólogo brasileiro, pois lhe permitiria situar e entender a psicologia no âmbito do mais amplo contexto cultural, social e político, libertando-o de um tecnicismo muitas vezes apontado entre as falhas ra ves da profissão. È um trabalho enorme a ser realizado abrangendo todo o território nacional (as lacunas do presente texto neste sentido são evi dentes e espelham a falta de integração da psicologia brasileira como um todo). Todavia, esse trabalho, de grandes dimensões, poderá ser de senvolvido de forma mais fácil, sistemática e eficaz, na medida em que a preocupação com a memória da psicologia tornar-se uma característi ca difundida nos vários centros de pesquisa, didática e intervenção que constituem a estrutura dessa ciência no país. Por isso, qualquer tentati va de preservação, coleta ou indagação crítica, relativa a áreas ou 75 âmbitos específicos da psicologia brasileira representa uma contribuição fundamental. Uma questão mais grave e difícil a ser resolvida é a da recuperação da documentação histórica mais antiga da psicologia brasileira pré- científica, pois, como já dissemos, as condições de preservação desse material são, em muitos casos, extremamente precárias, e o levantamento e leitura do mesmo implicam grandes recursos em termos de tempo, fi nanças e dedicação de pesquisadores. Contudo, os estudos nessa área prometem ser extremamente fecundos e apaixonantes pois, contraria- mente ao que normalmente se acredita, os acervos históricos da cultura brasileira são numerosos e fartos de material documentário (basta citar a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro), embora em muitos casos as condições de organização e de preservação sejam péssimas. Em suma, o presente texto é necessariamente incompleto e a recons trução histórica nele oferecida contitui apenas uma entre as possíveis in terpretações de um processo complexo e amplo, pois sempre o conhe cimento do passado é "mutilado", como afirma Paul Veyne (1983). Com efeito, os documentos escritos, que são o objeto

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principal da pesquisa histórica, transmitem ao leitor a realidade do passado de forma parcial, representando já uma interpretação dos fatos reais elaborada por seus autores. Ao mesmo tempo, o valor eurístico e a significação do docu mento dependem também da acuidade da leitura e do esforço interpre tativo do historiador: este, ao extrair de uma fonte de informação algum conhecimento útil, é movido e orientado por seu objeto de interesse. Além disso, o documento põe limites ao esforço de investigação, porque nem sempre as questões que interessam ao pesquisador são bem documen tadas, nem sempre os documentos conservados são os que se deseja ria. Portanto, parafraseando uma expressão de Robert Watson, a histó ria da psicologia deve ser continuamente reescrita à luz dos interesses contemporâneos. Levando em conta tais fatores, o presente texto não tem absolutamente a pretensão de responder todas as perguntas ou solucionar todas as dú vidas de leitores e interessados no estudo da história da psicologia no Brasil, nem de fornecer um panorama exaustivo e completo desse as sunto. Pelo contrário, sua finalidade principal é a de despertar questio namentos, interesses, críticas; é propor um 'início' e não concluir um percurso, pois, como escreve Th. St. Eliot, "o que chamamos princípio é quase sempre o fim! e alcançar um fim é alcançar um princípio.! Fim é o lugar de onde partimos". (Little Gidding, 1963, p. 233-4). 76

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