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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA UFSC CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO CCE DEPARTAMENTO DE JORNALISMO GUSTAVO LACERDA FALLUH CRÔNICASDE FERNANDO SABINO: opreço da admissão de um escritor MONOGRAFIA doTrabalho de Conclusão de Curso apresentado à disciplina de Projetos Experimentais ministrada pelo Prof. Fernando Crocomo noprimeiro semestre de 2018 Orientador: Prof. Samuel Pantoja Lima

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA UFSC

CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO CCE

DEPARTAMENTO DE JORNALISMO

GUSTAVO LACERDA FALLUH

CRÔNICASDE FERNANDO SABINO: opreço da admissão de um escritor

MONOGRAFIAdoTrabalho de Conclusão de Curso

apresentado à disciplina de Projetos Experimentaisministrada pelo Prof. Fernando Crocomo

noprimeiro semestre de 2018Orientador: Prof. Samuel Pantoja Lima

FlorianópolisJulho de 2018

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GUSTAVO LACERDA FALLUH

CRÔNICAS DE FERNANDO SABINO:opreço da admissão de um escritor

MONOGRAFIA do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à disciplina Projetos Experimentais ministrada peloProf. Dr. Fernando Crocomo no primeiro semestre de 2018. Orientador: Prof. Dr. Samuel Pantoja Lima.

Florianópolis

Julho de 2018Gustavo Falluh

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CRÔNICAS DE FERNANDO SABINO:opreço da admissão de um escritor

Esta monografia foi julgada adequada para obtenção do Título de bacharel e aprovada em sua forma final pelo Curso de Jornalismo.

Florianópolis, julho de 2018

Banca examinadora:

_________________________________________________

Prof. Dr. Samuel Pantoja Lima

Orientador

Universidade Federal de Santa Catarina

_________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Jeana Laura da Cunha Santos

Universidade Federal de Santa Catarina

_________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Valentina Nunes

Universidade Federal de Santa Catarina

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FICHA DO TCC Trabalho de Conclusão de Curso – JORNALISMOUFSC

ANO 2018.1ALUNO Gustavo Lacerda FalluhTÍTULO Crônicas de Fernando Sabino: o preço da admissão de um escritor

ORIENTADOR Samuel Pantoja Lima

MÍDIA

ImpressoRádioTV/VídeoFotoWeb siteMultimídia

CATEGORIA

X PesquisaCientífica (monografia)ProdutoComunicacionalProduto Institucional (assessoria de imprensa)ProdutoJornalístico (inteiro) Local da apuração:Reportagem livrorreportagem ( )

(X)Florianópolis ( )Brasil( )SantaCatarina ()Internacional ( )RegiãoSul País:

ÁREAS Literatura Brasileira; Crônicas; Cartas; Fernando Sabino.

RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), uma monografia, apresenta a

correspondência com Mário de Andrade (1893-1945) como contribuição

fundamental para a formação do então jovem escritor Fernando Sabino

(1923-2004). Parte-se do pressuposto que o diálogo com o mestre promoveu,

dentro do possível, uma maior consciência social e política do ofício de

cronista. A partir disso, propomos que, juntos, esses pequenos casos do

cotidiano escritos à pressa para jornais e depois convertidos em livros

constituem rica e extensa compreensão das inquietações de Sabino no ofício

de escritor. Esta monografia tem como objetivo revelar as nuances de um

escritor dialogando no papel, inquieto em sua profissão, tentando clarificar e

aprofundar ao máximo sua forma de inserção no mundo da arte.

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“Descobrimento

Na minha casa da rua Lopes ChavesDe supetão senti um friúme por dentro.

Fiquei trêmulo, muito comovidoCom o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!muito longe de mim

Na escuridão ativa da noite que caiuUm homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,

Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu.”

Mário de Andrade

“Para os pobres, é dura lexsed lex. A lei é dura, mas é a lei. Para os ricos, é dura lexsedlatex. A lei é dura, mas estica.”

Fernando Sabino

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Sônia, que me ensinou cultivar o prazer pela leitura.

Ao meu pai, José, que era fã incondicional de Fernando Sabino, a ponto de lotar a

biblioteca de casa com seus livros de crônicas e contos e me incentivar a lê-los.

Ao meu irmão, Tárik, um grande amigo que sempre esteve ao meu lado com

ensinamentos, humor e responsabilidade pelo caçula.

A todos os mestres que, de uma forma ou de outra, me trouxeram até aqui com

exemplos de dedicação e amor aos estudos.

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RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), uma monografia, apresenta a correspondência

com Mário de Andrade (1893-1945)como contribuição fundamental para a formação do então

jovem escritorFernando Sabino (1923-2004). Parte-se do pressuposto que o diálogo com o

mestre promoveu, dentro do possível, uma maior consciência social e política do ofício de

cronista. A partir disso, propomos que, juntos, esses pequenos casos do cotidiano escritos à

pressa para jornais, e depois convertidos em livros, constituem rica e extensa compreensão

das inquietações de Sabino no ofício de escritor. Esta monografia tem como objetivo revelar

as nuances de um escritor dialogando no papel, inquieto em sua profissão, tentando clarificar

e aprofundar ao máximo sua forma de inserção no mundo da arte.

Palavras-chave: Fernando Sabino; correspondência; crônicas.

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ABSTRACT

This monograph presents the correspondence with Mário de Andrade (1893-1945) as a

fundamental contribution to the formation of the writer Fernando Sabino (1923-2004). It is

assumed that the dialogue with the master promoted, as far as possible, a greater social and

political awareness of the workas a chronicler. From this, we propose that together these small

cases of daily life written in haste for newspapers and later converted into books constitute a

rich and extensive understanding of Sabino's concerns in the jobas a writer. This monograph

aims to reveal the nuances of a writer dialoguing on paper, restless in his profession, trying to

clarify and deepen to the maximum his form of insertion in the art world.

Palavras-chave: Literatura Brasileira; Crônica; Cronista; Fernando Sabino.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 CARTAS A UM JOVEM ESCRITOR 18

1.1 A carta como gênero literário 20

1.2 De Mário de Andrade para Fernando Sabino 22

2 CRÔNICAS DE FERNANDO SABINO 26

2.1 Formação da crônica moderna 28

2.1 Fernando Sabino em pauta 30

CONSIDERAÇÕES FINAIS 33

REFERÊNCIAS 35

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INTRODUÇÃO

Fernando Tavares Sabino (1923-2004) – ou apenas Fernando Sabino, como preferiria

Mário de Andrade1 – nascido em 12 de outubro de 1923,curiosamente Dia das Crianças2, em

Belo Horizonte, Minas Gerais, foi um dos expoentes de uma geração de escritores mineiros,

ao lado de Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos,que ajudou a renovar

a crônica brasileira no século XX. Com inegável estilo belo-horizontino, de humor fino e

contundente, que mesclava com certo tom de conversa fiada,Sabino foi cronista de jornais e

revistas, escritor de contos e romances,adido cultural, roteirista de cinema e dono de cartório.

Conforme sua cronologia emObra Reunida (SABINO, 1996), nascido na Rua

Gonçalves Dias, em frente à Praça da Liberdade, filho de Domingos Sabino, procurador e

representante comercial de empresas inglesas, com Odette Tavares de Lacerda Sabino,

professora, morava na cidade e teve uma infância de menino que brinca em fundo de casa.

Ensinado a ler pela mãe, passa a cultivar uma paixão pela leitura e cruza, logo no Grupo

Escolar Afonso Pena, em 1930, com Hélio Pellegrino, companheiro que se torna de longa

jornada desde o Jardim de Infância. Conta-se que, com frequência, Sabino aparecia em casa

com um galo na testa por caminhar lendo na rua, refém de postes inadvertidos.

Dos nove aos 14 anos de idade, a partir de 1932, torna-se escoteiro, vivência que adota

como fundamental para formação de caráter e que vira mote de diversas crônicas no futuro,

como em Uma vez escoteiro: Levei seis anos de minha infância com um lenço enrolado no pescoço, flor-de-lis na lapela e pureza no coração, para descobrir que não passava de um candidato à solidão. Alguma coisa ficou, é verdade: a certeza de que posso a qualquer momento arrumar a minha mochila, encher de água o meu cantil e partir. Afinal de contas aprendi mesmo a seguir uma trilha, a estar sempre alerta, a ser sozinho, fui escoteiro — e uma vez escoteiro, sempre escoteiro (SABINO, 1994, p. 116).

Em 1936, ingressa no curso secundário do Ginásio Mineiro e passa a cultivar uma

paixão por português. Ainda jovem, por influências de livros de aventura, como Winnetou de

1“Si você quiser continuar sendo escritor, antes de mais nada tem que encurtar o nome. Tavares Sabino, Fernando Tavares, Fernando Sabino. O que é impossível é Fernando Tavares Sabino. Me desculpe esta sinceridade e entremos pelas outras” (ANDRADE, 1993, p. 15).

2“De um comentário do ‘Time’ sobre Hemingway: ‘O segredo da autenticidade de tudo que escrevia estava em que sabia olhar a verdadeira face da vida, testemunhando o que acontecia ao seu redor como se fosse pela última vez, ou seja: como se fosse morrer no dia seguinte.’ E foi o que o matou: devia olhar o que acontecia ao seu redor como se fosse pela primeira vez, ou seja: como se tivesse acabado de nascer. Porque só devemos escrever sobre aquilo que (ainda) não sabemos” (SABINO, 1983, p. 137 e 138).

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Karl May e obras de Conan Doyle, escreve pequenos contos e manda para concursos literários

de periódicos e secretarias públicas, ganhando diversas vezes prêmios e tendo sua produção

publicada. Ao lado de Hélio Pellegrino, empata em 2º lugar na Maratona Nacional de

Português e Gramática Histórica, conquista que é condecorada pelo Ministro da Educação,

Gustavo Capanema.

Impulsionado por diversos mentores, publica artigos literários no órgão católico O

Diário e tece críticas sobre o dicionário de Laudelino Freire em Mensagem.Durante três anos,

a partir de 1941, presta serviço militar na Arma de Cavalaria do CPOR.Depois, ingressa na

Faculdade de Direito de Minas Gerais. Levado por Murilo Rubião, vira redator da Folha de

Minas. No mesmo ano, reúne seus contos dispersos de adolescência em Os Grilos Não

Cantam Mais, publicado no Rio às custas de um antigo lote de terra de seu pai, quando foi

distribuído o valor da venda entre os seis filhos.

Torna-se, em 1942, funcionário da Secretaria das Finanças de Minas Gerais. No ano

seguinte, assume uma vaga de oficial de gabinete do secretário de Agricultura e realiza um

estágio de três meses como aspirante no Quartel de Cavalaria de Juiz de Fora. Define Sabino a

experiência numa carta sincera a Hélio Pellegrino de 23 de novembro de 1943: “Minha vida

aqui neste estágio militar desgraçado continua a mesma: Esquadrão de manhã cedo, ficar

fardado o dia todo, montar a cavalo, ou então uma aulinha chata; que é mais um bate-papo

para dar sono” (2002, p. 15).

Em 1944, aos 21 anos, casa-se com Helena Valadares, filha do então Governador de

Minas Gerais, Benedito Valadares, e muda-se para o Rio de Janeiro, na época Capital

Federal,onde recebe como presente de casamento do sogro um cartório, como parte das

regalias que tinha direito a pedir ao governo federal, ou seja, a Getúlio Vargas, como dirigente

estadual. Assim, Sabinoassumeo comando do cargo de Oficial do Registro de Interdições e

Tutelas da Justiça do Distrito Federal (FREITAS, 2004).

No dia seguinte à morte de Fernando Sabino, lembrando algumas memórias do

escritor, Jânio de Freitas escreveu sobre como foi a separação de Sabino com sua primeira

mulher e qual destino tomou acerca do cartório que foi presente do sogro de casamento e

motivo de certa insatisfação com sua felicidade, que pensava ser oposta e contraproducente à

criação literária, manifestada em carta para Mário de Andrade (1993). Este agiu como

psicanalista e chamou de "facilidade", e não “felicidade”, o presente que Sabino ganhou:Ao desquitar, Fernando já era cronista conhecido, com uma página deliciosa em Manchete. Mas vivia do cartório, sua consagração como escritor só viria mais tarde, com "Encontro Marcado", a partir daí podendo viver do que escrevia. Consumadaporém a separação, Fernando foi a Benedito Valadares e entregou-lhe o

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cartório: considerava que a nomeação não fora para ele, mas para assegurar à mulher o bem-estar que, no início da vida literária, não teria como proporcionar à família. Um gesto inesquecível. Fernando Sabino foi mais do que uma pessoa de atitudes. Sou testemunha de que foi uma pessoa generosa e um homem de caráter (FREITAS, 2004, edição online).

No Rio de Janeiro, convive com boa parte de artistas envolvidos no movimento

literário, como Vinícius de Moraes, Rubem Braga, Moacir Werneck de Castro, Carlos

Lacerda, Manuel Bandeira, Pedro Nava e Murilo Mendes, uma forma de sucessão do bom

relacionamento que cultivavam com a geração literária anterior de Minas, agora mantida com

o pessoal do Rio. Em entrevista que os quatro mineiros deram para Narceu de Almeida Filho

em 1979, todos ressaltam como foi importante para formação individual não romper com a

geração anterior, que era uma espécie de aglomeração criativa e um polo para crescimento:Otto [Lara Resende] – Nós tivemos um privilégio que foi nosso relacionamento com a geração mineira que nos precedeu, com os mais velhos. O Hélio citou o Etienne, que foi um ponto de encontro para nós. Depois tivemos o Emílio Moura... Nós descobrimos o Emílio e ele nos descobriu.Fernando [Sabino] – e o Carlos Drummond...Otto – O Drummond, Mário de Andrade, Rodrigo Melo Franco, Guilhermino César, Cyro dos Anjos, Aníbal Machado, Murilo Mendes... Foram estimas mútuas que duraram a vida toda.Fernando – Acho que o Otto está querendo dizer que não houve um rompimento entre nós e a geração anterior. A geração autêntica – porque com a geração acadêmica nunca tivemos um relacionamento (SABINO, 2002, p. 308 e 309).

Dois anos depois, em 1946, forma-se em Direito e abandona o cargo na Justiça. Segue

Vinícius de Moraes para os Estados Unidos, onde trabalhacomo auxiliar no Escritório

Comercial do Brasil e futuramente no Consulado Brasileiro. Mas a realidade frustrou a

expectativa: “Acontece que vim parar em New York na flauta e acabo tendo de dar de duro

das nove às seis da tarde, com ponto pra assinar (...) ganho menos, moro pior, como poeira e

carvão, pago três dollars por um filé e pagarei 500 dollars de multa se fumar no subway”

(SABINO, 2002, p. 88).

Um mês após essa carta, pede ajuda em outra para Hélio Pellegrino, perguntando se

não conseguiria alguns jornais para publicar artigos, reportagens e crônicas sobre os EUA:

“(...) além de não querer perder esta oportunidade, estou precisando aproveitar todo bico que

aparecer, pois se continuar vivendo da mão para a boca breve estarei emitindo cheques sem

fundo” (SABINO, 2002, p. 96). Com seu auxílio, manda crônicas para o Diário Carioca e O

Jornal. Em 1948, retorna ao Rio de Janeiro num navio cargueiro e publica, em sequência, as

histórias dessa experiência fora do Brasil em A Cidade Vazia(1950).Já no Rio, passa a

colaborar para diversos jornais, entre eles a revista Manchete, contribuição que se estende por

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15 anos.

Em 1956, publica O Encontro Marcado, livro que inicia o período de guinada em sua

carreira, podendo se dedicar somente à literatura, dando início a uma colaboração diária de

crônicas no Jornal do Brasil e com produção mensal para a revista Senhor. No ano seguinte,

abre mão do cartório. Passa uma temporada fora do Brasil, acompanhando campanhas

políticas como correspondente do Jornal do Brasil. Em 1960, ao lado de Rubem Braga e

Walter Acosta, lança a Editora do Autor, companhia que abarca diversas publicações de

amigos, inclusive seu livro O Homem Nu, que ganhou o Prêmio Cinaglia do Pen Club do

Brasil3.Em 1964, recebe o convite de seu amigo e Ministro das Relações Exteriores,João

Augusto de Araújo de Castro, durante o governo de João Goulart, para atuar como Adido

Cultural na Embaixada do Brasil em Londres.

Em 1966, retorna de vez para o Rio de Janeiro. Abandona a parceria com Walter Costa

e funda, junto ao Rubem Braga, a Editora Sabiá, onde passará a exercer extensa atividade

como editor. Em 1972, decidem por à venda a editora, comprada pela José Olympio, apesar

do sucesso das publicações, porque não queriam se tornar empresários da literatura. Em 1973,

abre a Bem-Te-Vi Filmes Ltda com David Neves e lança 10 documentários sobre escritores

brasileiros, como Érico Veríssimo e Carlos Drummond de Andrade, acentuando também a

colaboração para Manchete e Jornal do Brasil.

Nos três anos seguintes, viaja bastante pelo mundo para produzir documentários e

filmes. Em 1976, publica Deixa o Alfredo falar e encerra a participação de 16 anos no Jornal

do Brasil, que se sucede com uma crônica semanal em O Globo, espaço que será seu durante

12 anos. É selecionado para participar da série da editora Ática Para Gostar de Ler, sucesso

de vendas e edições.

Em 1979, retoma a produção de O Grande Mentecapto, produzido em 18 dias de

trabalho sem trégua, embora o núcleo da ideia tivesse surgido há 33 anos antes e permanecera

em lucubração todo esse tempo. Após o lançamento, no ano seguinte, ganha o maior prêmio

literário nacional pelo romance, o Prêmio Jabuti, numa cerimônia na Biblioteca Mário de

Andrade, em São Paulo, e também publica A Falta Que Ela Me Faz.

Entre 1982 e 1989, aumenta a produção anual e lança uma série de livros: O Menino

no Espelho (1982), O Gato Sou Eu (1983), A Vitória da Infância (1984), A Faca de Dois

Gumes (1985), Martini Seco (1987), O Tabuleiro de Damas (1988) e De Cabeça para Baixo

(1989). Neste ano, também se despede das crônicas no Globo.

Em 1991, pela publicação de Zélia, uma Paixão, encara uma crítica pesada e escolhe 3(SABINO, 1996, p. 116).

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uma reclusão social por revelar intimidades na biografia com ares literários de Zélia Cardoso

de Mello, Ministra da Economia, Fazenda e Planejamento do Brasil no governo de Fernando

Collor de Mello.Zélia, prima de Collor, foi responsável pelo desenvolvimento do Plano Collor

e teve revelado no livro um caso com o ex-ministro Bernardo Cabral. Somando-se a isso,

inclui-se a perda de seus melhores amigos e o término de uma paixão:Um novo livro da coleção Perfis do Rio, de autoria do jornalista Arnaldo Bloch, traz à tona os fatos que transformaram Sabino em mais um escritor brasileiro recluso – ao lado de Dalton Trevisan e Rubem Fonseca. Um drama que começa na virada dos anos 80 para os 90, quando Sabino levou três traulitadas seguidas: a morte dos até então inseparáveis amigos Hélio Pellegrino (1988), Paulo Mendes Campos (1991) e Otto Lara Resende (1992), o fim do casamento de 19 anos com Lygia Marina de Moraes, sua terceira mulher, e o impiedoso linchamento público pela crítica especializada depois do lançamento, em 1991, de Zélia, uma paixão. Duramente atacado, Sabino agiu como o personagem de seu conto O homem nu: não teve forças para se despir de suas vergonhas publicamente e preferiu correr para longe.Ao relatar o romance entre a ministra da Economia de Fernando Collor, Zélia Cardoso de Mello, e o ex-ministro Bernardo Cabral, Sabino selou um encontro marcado com a antipatia popular. O jornalista Edwaldo Pacote, amigo íntimo, sai em sua defesa. “Foi um erro. Mas a imprensa não podia ter transferido para Fernando (Sabino) a raiva que tinha de Collor e Zélia”, diz. “Se escrever o livro foi um pecadilho, isso não apaga a obra anterior”, reforça a ex-mulher Lygia Marina, a maior incentivadora do projeto (HENRIQUE, 2010, edição online).

Nos anos seguintes, ainda escreve Aqui Estamos Todos Nus(1993) e Com a Graça de

Deus (1994). Sabino teve sete filhos: Pedro, Leonora, Virginia, Eliana, Veronica, Bernardo e

Mariana. Falece em 11 de outubro de 2004, por consequência do agravamento de um câncer

no fígado aos 80 anos, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Havia iniciado um tratamento em casa

nos últimos dois anos de vida, mas sofreu metástase.

Em resumo, oobjeto deste estudoreside em crônicas, contos e cartas de ou para

Fernando Sabino, ondese expõe e interpreta-se o ofício do escritor diante da máquina de

escrever, diante do mundo e diante do próprio homem. A pergunta norteadoraque motivou

este trabalhofoi: como Fernando Sabino entendia qual era o preço da admissão para se formar

como escritor?A partir desse questionamento, oobjetivodo trabalho foi revelar as nuances de

um escritor dialogando com seus pares e mestres no papel, inquieto em sua profissão,

tentando clarificar ao máximo sua forma de inserção no mundo da arte.

Esta monografia se estrutura em dois capítulos. No primeiro, apresenta-se um diálogo

em missivas de Mário de Andrade com Fernando Sabino entre 1942 e 19454, material

importante para a formação do jovem artista Sabino e pouco explorado segundo

Betella(2008), quando, então com 18 anos, o autor recebeu uma carta de avaliação do escritor

paulistano sobreOs Grilos não cantam mais, em retorno do envio do livro,seu primeiro

4(BETELLA, 2008, p. 339).

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ficcional de contos. Maduro, o livro ilustrava uma carreira promissora, a ponto de interessar o

mestre referenciado do Modernismo, que se põe em posição de responder todas as dúvidas

possíveis do escritor (ANDRADE; SABINO, 1993):Esse trabalho revelou uma sensibilidade e um estilo que conquistariam o grande público. Mário de Andrade se espantou com a acuidade de Fernando, sua inteligência batalhadora, sua porejante humanidade. E isso muito lhe valeu, ao estreante, para romper caminho. Natureza comburente, ávida de emoções, ele se resguarda, porém, de toda demasia, das tentações do mau gosto, porque possui, organicamente, uma coisa indispensável ao homem de letras: 'caráter'. Quero dizer com isso o seguinte: a forma de Fernando Sabino, a que de fato o distingue, vem mais da intuição que da artimanha do escritor. Nasce de um processo de extroversão; eu diria até, para ser mais claro - de um impulso incoercível. Talvez por isso, numa obra que alinha muitos títulos, sua ficção é quantitativamente pequena (CÉSAR, 1981, p. 21).

Pelo tamanho da produção e pela frequência cotidiana, a escolha recaiu sobre analisar

crônicas, e não obras ficcionais, embora Mário de Andrade ensinara que “discutir ‘gêneros

literários’ é tema de retoriquice besta”(ANDRADE, 1942 apud MORAES, 2007, p. 111),

porque os formatos se confundem e se misturam de tamanha forma que seria impossível

decretar uma distinção definitiva (ANDRADE, 1942 apud MORAES, 2007). A principal

diferença é que, como assinala sobre a obra de Sabino, “Na temática das crônicas, ficam as

inspirações de momento, os dias velozes. Na arquitetura das ficções, o desafio do tempo, a

inspiração de imortalidade”(LUCAS, 1983, p. 32).

O fato é que Mário de Andrade tornou, de acordo com Moraes (2007),embaralhada a

compreensão natural do papel da carta, costumeiramente utilizada para levar adiante

informação pela ausência de meios mais velozes, para convertê-la em meio de exercer sua

influência como autor pioneiro em participação pública e social, com o intuito de

fortalecimento de uma cultura apropriadamente brasileira.Isto é, com base na Semana de Arte

Moderna em 1922 e no que postulava Oswald de Andrade, antropofágica, que incorpora o

melhor da cultura estrangeira, por meio de um canibalismo indígena, e a converte em

patrimônio nacional com suas adaptações brasileiras, segundo o depois publicado, em 1928,

Manifesto Antropofágico (FILHO, 2012).

Um pouco distante, é verdade, do estilo de Oswald de Andrade, porque Mário buscava

uma experiência libertadora de acordo com as leituras e influências de cada remetente a quem

se dirigia, e não tão programática como o movimento e as opiniões daquele (FILHO, 2012).

Ou seja, conforme Moraes, cada carta como um espaço de experimentação e orientação numa

espécie de “diálogo socrático” com o destinatário, sempre falseando, colocando-o numa

espécie de embate criado e, muitas vezes, provocado, que transmitia a melhor lição aos

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estreantes de como se posicionar na arte com influências genuinamente brasileiras,

valorizando a própria inclinação pessoal do interlocutor:Mário determinou a transformação do gênero epistolar para torná-lo difuso dentro dos limites daquilo que comumente conhecemos por carta – pragmatismo de comunicação, troca de novidades, aproximação sentimental. Na epistolografia mariodeandradiana, a fluidez das linhas que separam a correspondência de outros gêneros determina a riqueza dessa escrita composta com engenho e arte (MORAES, 2007, p. 111).

No segundo capítulo, ilustra-se o desenvolvimento da crônica no Brasil, oriunda do

folhetim, então pequenas anotações e comentários sobre notícias do dia nos periódicos. Como

esse artigo, que antes era argumentativo e informativo, ganhou mais leveza, enxugou o

formato carregado de palavras rebuscadas e inversões de ordem das frases para focar-se em

entreter mais o público. Isso não quer dizer que se esvaziou de considerações políticas e

sociais sobre o Brasil, mas que os assuntos se tornaram subterrâneos, expostos entre as fendas

compartilhadas da realidade e ficção:(...) Vamos pensar um pouco na própria crônica como gênero. Lembrar, por exemplo, que o fato de ficar tão perto do dia-a-dia age como quebra do monumental e da ênfase. Não que estas coisas sejam necessariamente ruins. Há estilos roncantes mas eficientes, e muita grandiloqüência consegue não só arrepiar, mas nos deixar honestamente admirados. O problema é que a magnitude do assunto e a pompa da linguagem podem atuar como disfarce da realidade e mesmo da verdade. A literatura corre com freqüência este risco, cujo resultado é quebrar no leitor a possibilidade de ver as coisas com retidão e pensar em conseqüência disto (CANDIDO, 1984, p. 6).

Sob a ótica crítica, baseia-se principalmente no ensaio A vida ao rés-do-chão, de

Candido (1984), para interligar e explicar os desdobramentos da produção literária, com

anotações e recortes de autores fundamentais para o crescimento do gênero que se abrasileirou

e assumiu, tal qual o macarrão parece ter origem na Itália, um aspecto brasileiro tão genuíno

que parece criado no Brasil. O autor pontua como o papel da crônica é devolver o caráter

original da vida, dar às coisas o verdadeiro tamanho que têm, para voltar à realidade com um

pouco mais de experiência e sabedoria (Candido, 1984).

Mais à frente, analisa-se a obra de Sabino direcionada à crônica, principalmente em

textos que refletem sobre o papel do escritor, o desafio diário de encarar uma folha em

branco, os medos, anseios e lembranças da infância com a escrita, fazendo circular desatinos e

absurdos da vida, como bem definiu seu amigo Paulo Mendes Campos, agindo como "um

Kafka de eletricidade positiva"(CAMPOS, 1975, p. 16). Apesar disso, viveu de acordo com o

destino traçado por Mário de Andrade (1993), com um caminho lento e penoso na arte, que

para Sabinojá estava definido de tal forma que o prenúncio do mestre, em carta datada de 25

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de janeiro de 1942, foi incorporado e revestido de projeto de vida:Mas antes exijo que você pense muito seriamente sobre você. Tanto mais que, pelo que seu livro indica como tendências pessoais, o seu caminho na arte é pesado, muito árduo e sem brilho. Você não irá estourar por aí, ganhando a batalha de um golpe só, como um Lins do Rego, uma Raquel de Queiroz. Sinto que você não foi feito para isso nem poderá nunca fazer isso. Seu destino artístico é miúdo, feminino, de nhem-nhem-nhem. O caso da “água mole em pedra dura”... Você irá escrevendo, irá escrevendo, se aperfeiçoando, progredindo aos poucos: um belo dia (si você aguentar o tranco) os outros percebem que existe um grande escritor (ANDRADE; SABINO, 1993, p. 20).

1 CARTAS A UM JOVEM ESCRITOR

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Este capítulo se propõe a revisar bibliograficamente as relações instauradas no gênero

epistolar, com ênfase na relação que Mário de Andrade dava às suas cartas, considerando o

pouco aproveitamento no campo acadêmico da correspondência desse gênero, incluindo, aqui,

todo troca com Fernando Sabino (BETELLA, 2008). Nesse sentido, os temas mais recorrentes

de problematização corroboram para elevar a discussão conceitual das crônicas de Sabino, das

formulações e problemas enfrentados na hora de escrever, que contribuem para a construção

de diversas linhas de estudo sobre o autor.É muito comentada - e pouco estudada - a correspondência intensa entre o jovem Fernando Sabino e Mário de Andrade, mantida entre 1942 e 1945. Fernando enviara ao escritor paulista um exemplar de seu primeiro livro, e Mário lhe respondeu. A amizade propiciou alguns encontros, assim como o contato entre Mário e os três amigos “vintanistas” de Fernando. Nas cartas, o que mais discutiam eram os problemas do processo criador, além das questões pessoais, como o drama do jovem escritor diante da possibilidade de sair de Minas Gerais para ganhar o Rio de Janeiro e o mundo, além do dilema de ser pai de família e escritor, ao mesmo tempo. Mário foi extremamente generoso com Fernando, para sintetizar apenas num adjetivo o papel importante que se revela a partir das cartas e, sobretudo, através dos conselhos e “puxões de orelha” no jovem escritor (BETELLA, 2008, p. 339).

Para entender Mário de Andrade exposto de tamanha maneira em suas cartas, da forma

como aguardava que sua memória fosse repassada à História – embora não tivesse tanto

apreço por isso, nem esperasse que se tornaria um meio acessível à população para

conhecimento de sua obra, como manifestou a alguns pares em cartas(MORAES, 2009) – é

preciso antes deixar claro como entendia a importância de sua epistolografia com autores em

formação e o que procurava ensinar.

Mais do que isso: é preciso entender como a carta era lugar para experimentação

criativa, espécie de oxigênio para o raciocínio, que se expressa de forma natural e

espontâneapara manifestar sua amizade, mas também inventada nos gestos de embates e

discussões mais sérias, com foco a desenvolver uma nova geração de escritores, sobretudo

para se tornarem críticos e bem (in)formados (MORAES, 2007):O gênero epistolar é ‘uma espécie de violão da literatura’, escreve Mário de Andrade em ‘Dona Flor’, crítica publicada no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, em 1940. Essa definição tão sucinta quanto intrigante vem a propósito de ponderações a respeito do escritor e de seu ofício. O violão é o contraponto do piano, segundo uma anedota verdadeira de um professor de música, conhecido de Mário, que indicava o violão aos alunos de teclado menos talentosos. A carta aparece, assim, estrategicamente, em segundo plano: como exercício que os iniciantes nas letras deveriam praticar antes de se aventurarem no delicado ‘piano’ da criação literária. Era o espaço para ‘treino, ‘adestramento’ da escrita, para o enfrentamento diário de problemas ‘técnicos’ da arte da palavra. Para o crítico, a carta conservava, no despretensioso papel de comunicação sem alerdes e no silêncio da cumplicidade, ‘grande nobreza humana’, revelando-se o espaço ideal para os enlevos sentimentais e para a elaboração do pensamento. Nobilita-lhe ainda mais o caráter: a carta ‘socializa, aproxima os indivíduos e cultiva a amizade’. Escrever cartas vale como um conselho aos novos ficcionistas, apressados divulgadores de obras imperfeitas

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(MORAES, 2007, p. 110 e 111).

Já mais velho, lembrando-se da correspondência no programa Roda Viva da TV

Cultura em dezembro de 1989, Sabino define essa experiência do contato com “esse morador

da Rua Lopes Chaves, nº 546” como“talvez tenha sido o acontecimento mais importante da

minha vida literária” (SABINO, 1989, informação verbal). O ano era 1942, tinha acabado de

completar 18 anos e enviara ao Mário de Andrade seu livro de contos Os Grilos Não Cantam

Mais.

“Ele, com uma paciência bovina, aguentou esse rapazelho pernóstico e desaforado e

metido e afligido, que escrevia perguntando tudo. E ele se dispôs a responder tudo. Todos os

grandes problemas que passam na cabeça de um adolescente” (SABINO, 1989, informação

verbal), explicou a Ricardo Soares, um dos entrevistadores presentes no programa, que ainda

indagou qual foi a maior lição que Sabino tirou das conversas. Do ponto de vista humano,

destacou o conhecimento que Mário de Andrade transmitiu para uma maior consciência social

e participação política da geração de mineiros, amigos de Sabino, intimamente ligados ao

movimento literário da época, e a escolha de encaminhar uma vida na literatura que não

tentava levar tudo de uma só vez:Do ponto de vista literário, todas que eu podia tirar. Do ponto de vista humano, também. Vivíamos numa época em que estava sendo questionada a participação do artista em relação ao mundo, porque era a época da Guerra. Época do fascismo, em plena efervescência, o Brasil entregue à ditadura de Getúlio [Vargas]. Tudo isso provocava uma necessidade de participação ativa do escritor com relação aos problemas de seu tempo. O Mário [de Andrade] era muito imbuído disso e nos conscientizou muito com relação a isso. Eu achei que o caminho que ele ditou para mim dentro da arte era um caminho que eu sempre persegui dentro da literatura. É o caminho do nhém-nhém-nhém, como disse. De ir devagarzinho, de não querer arrombar a porta aberta (SABINO, 1989, informação verbal).

De acordo com Moraes (2007), Mário de Andrade ocupava às vezes a posição

pedagógica de professor, que forneceria o conhecimento necessário para uma formação não

apenas literária, mas humana. Trazia consigo o ideário modernista e as leituras de revistas

europeias, um apreço pelo ensinamento que não fosse pomposo, alheio à fala “brasileirista”, e

a disposição de ler atentamente o que lhe era enviado para envolver, num mesmo lugar e com

discurso ambivalente, carta e crítica. Desconstruía textos até o núcleo de criação, para

entendê-los e interpretá-los, preocupando-se com a forma, o estilo, a acurada caracterização

de personagens e a verossimilhança da história.

1.1 A carta como gênero literário

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Sobre a carta, no estudo de Foucault A escrita de si, no tópico sobre

Correspondências, que analisa as missivas de Sêneca para Lucílio, é possível retirar relações

instauradas a partir do envio, que implicam tanto no destinatário quanto no remetente. Para

Foucault (1992), a correspondência:É algo mais do que um adestramento de si próprio pela escrita, por intermédio dos conselhos e opiniões que se dão ao outro: ela constitui também uma certa maneira de cada um se manifestar a si próprio e aos outros. A carta faz o escritor 'presente' àquele a quem a dirige. E presente não apenas pelas informações que lhe dá acerca da sua vida, das suas actividades, dos seus sucessos e fracassos, das suas venturas ou infortúnios; presente de uma espécie de presença imediata e quase física (FOUCAULT, 1992, p. 149).

Talvez uma das principais razões de bloqueio criativo e dificuldade de superação,

Foucault (1992) ressalta que escrever exige se mostrar ao outro, colocar-se à luz, e a carta

compõe uma narrativa sobre si mesmo, ensimesmada, instalando o destinatário em posição de

ler e examinar sua consciência interior numa abertura de si.

Dessa forma, deve-se entender que a narrativa de si é um movimento duplo que

exprime a forma de se enxergar a si próprio, com suas palavras e composições de estilo, e

uma maneira de se oferecer ao destinatário tal qual se entende como melhor. Assim, em

reciprocidade epistolar, age além da sugestão e discurso de apoio, alcançando o olhar e a

reflexão (MORAES, 2007).

Dos assuntos preferidos, o autor destaca dois temas que costumam orbitar as missivas:

"as interferências da alma e do corpo (...) e os lazeres"e "o corpo e os dias" (1992, p. 152). No

primeiro grupo, incluem-se as impressões sobre bem-estar ou mal-estar e ocorrências com o

corpo, como dores de cabeça e enjoos. É também espaço para daí extrair assunto e dar vida à

carta. No segundo, passando em revista, focam-se nas emoções diárias, fatos do dia e

vivências cotidianas.

Em Mário de Andrade (1993), notam-se todos esses elementos presentes na troca de

correspondência com Fernando Sabino. Para Mário de Andrade, como em Sêneca (Foucault,

1992), é preciso se manter em constante estado de exercício produtivo e aprofundar as

habilidades narrativas. A carta, assim, é um ambiente para praticar o exame da consciência e

desenvolver-se com o próximo no texto.

Recuperando a crônica A quem pertence uma carta do livro Pourl’autobiographie

(1998), de Philippe Lejeune, Moraes sinaliza que é importante considerar "a complexa

natureza das mensagens epistolares: a carta, por definição, é uma partilha. Tem diversas faces:

é um objeto (que se troca), um ato (que coloca em cena o ‘eu’, o ‘ele’ e os outros), um texto

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(que se pode publicar...)” (LEJEUNE, 1998 Apud MORAES, 2009, p. 115). Pelos signos que

a acompanham, atraem os mais diferentes estudiosos, dispostos a compreender os elementos

que a constroem.

Nela, segundo Moraes (2009), desdobram-se muitos significados: a carta como suporte

e suas evoluções históricas; os códigos e condições sociais do remetente e destinatário

expostos na carta como objeto, pelo tipo de papel utilizado, filigranas, selos e afins; o ato de

encenação que se interpreta diante do próximo no texto, projeções de pensamentos e ideias; os

bastidores da produção artística e a retórica discursiva e crucial como material extra para

compreender melhor a obra e a vida literária de um autor. Por isso, em termos de potencial de

pesquisa, de acordo com Moraes (2009), pode-se analisar a carta tendo em vista três

principais vertentes.

No primeiro caso de estudo, um ambiente para coleção de expressões pessoais,

frutífero para elaborações biográficas, perfis e composições sobre a vida:"Ações,

confidências, julgamentos e impressões espalhados pela correspondência de um escritor

evidenciam uma psicologia singular que, eventualmente, desdobra-se na criação literária"

(MORAES, 2009, p. 117).

A segunda linha se direciona para projeções que possam levar a deduções e inferências

sobre os bastidores literários, que, na maioria das vezes, influenciam e alteram a produção,

dando um caráter de experiência mais real à obra. Éa forma de entender divergências,

discussões pessoais e posicionamentos políticos que se fazem presentes na biografia de um

escritor (MORAES, 2009),movimentação similarà força interior da terra, que modifica

drasticamente o cenário geográfico acima da superfície.

O terceiro ponto de análise surge na possibilidade de achar a gênese criativa de

determinada obra, que pode começar das mais variadas formas e serem explicadas em

missivas para pares. É quando se constituí uma situação de vida ou de passagem fundamental

para a construção do instante criador, em muitas ocasiões descritas e detalhadas, como

testemunhal do momento.

Nas cartas trocadas (ANDRADE; SABINO, 1993), percebe-se a possibilidade de

interpretar e conduzir este estudo pelos três caminhos, mas a leitura será concentrada

principalmente no Mário de Andrade como crítico da obra de Fernando Sabino e nas suas

impressões sobre os bastidores e acontecimentos na vida deste.

1.2 De Mário de Andrade para Fernando Sabino

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Na primeira resposta a Sabino, em 10 de janeiro de 1942, ano em que Getúlio Vargas

rompe as relações diplomáticas com Países do Eixo – Alemanha, Japão e Itália – durante a 2ª

Guerra Mundial5, antes de o Brasil sofrer bombardeios em navios em alto-mar dessas nações e

declarar abertamente guerra6, realizando também ataquesde torpedos por cargueiros

brasileiros contra submarinos alemães7, Mário de Andrade pontua que o livro Os grilos não

cantam mais está bem composto, demonstra uma compreensão da língua, verdadeiro gosto

brasileiro, que apenas lhe faltaum pouco mais de conhecimento teórico e linguístico para se

aproximar de linguagens regionais e alcançar o patamar de grande escritor (ANDRADE;

SABINO, 1993).

Ainda assim, com sua sensibilidade crítica, percebe um traço marcante na literatura de

Sabino, que é uma dificuldade na criação puramente ficcional, separada de alguma vivência

ou situação descrita, levando-o para composições mais artisticamente elaboradas e

retrabalhadas, e não exclusivamente fictícias, o que o obrigaria a dedicar-se de corpo e alma

para compor seus textos:Não nego que sejam “contos” os contos de você, mas não parece, pelo livro, que você tenha forte imaginação criadora, grande imaginativa, excepcional faculdade de invenção. (...) Seus contos são leves e delicadas transposições líricas da vida, como o admirável Verdes Anos, ou irônicas transposições realísticas da vida. Estou pensando em Machado de Assis. Seus contos estão longe de ser impressionantes. Longe de prenderem a gente por uma idealidade humana definitiva qualquer. Aí é que a arte, como beleza de criação técnica, interfere definitivamente para impor e justificar um criador. Si você não fizer coisas maravilhosamente bem feitas como técnica, como estilo, como arte de escrever, como bom gosto espiritual, você será apenas “mais” um (ANDRADE; SABINO, 1993, p. 16 e 17).

Por essa razão, e considerando o perfil de quem não pretendia vencer tudo de uma só

vez,na carta seguinte, datada em 25 de janeiro de 1942, questiona se Sabino tem uma

“ambição enorme, uma paciência enraivecida, um desejo de se ‘vingar’ da vida, e uma

ensolarada saúde mental” para “aguentar um destino desses”, ressaltando que deve “confessar

a si mesmo (não a mim) que você tem ótimas qualidades, é muito inteligente, é orgulhoso de

si, tem desprezo pela frouxidão alheia e quer chegar e há-de chegar”(ANDRADE; SABINO,

1993, p. 20).

Mas o principal ensinamento desta carta está presente na discussão sobre bloqueio

criativo e se um artista deve se pôr em posição de produzir a obra apenas quando sente

5 O Brasil rompe relações com os paises do "Eixo", comunicando a magna resolução à conferência dos Chanceleres. O Estado de S. Paulo, 29 jan. 1942. Caderno geral, p. 1.6 O Brasil em estado de beligerância com a Alemanha e a Itália. O Estado de S. Paulo, 23 ago. 1942. Caderno geral, p.1.7 Afundado pelo "Rio Branco" um Submarino do "Eixo". O Estado de S. Paulo, 29 out. 1942. Caderno geral, p.1.

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disposição para criar. Mário de Andrade, escolado e já experiente, então com 49 anos, tendo

lançado suas três principais obras ficcionais, Pauliceia Desvairada na Semana de Arte

Moderna (1922), Amar, Verbo Intransitivo (1927) e Macunaíma (1928), afirma que isso é

uma bobagem:Aqui entra de novo essa fatal sinceridade na argumentação: é certo que o artista não deve ter pressa, é preciso saber esperar. Mas isso do sujeito que só se põe escrevendo “quando sente disposição” é estupidez mas da miúda. Principalmente para o prosador. De fato o poeta só deve criar quando em “estado de poesia”. Mas isso não é sentir disposição, já é estar fatalizado por uma impulsão interior de que ele não tem culpa. O prosador não. O prosador lida com a inteligência lógica, está no plano do consciente, das relações de causa e efeito. O seu discurso tem cabeça, tronco e membros, princípio-meio-e-fim, embora pouco importe que muitas vezes o assunto exija que o fim esteja no princípio, e o princípio no meio. Não tem disposição? Não se trata de ter disposição: se trata de ter horas de trabalho. Então vá escrevendo, vá trabalhando sem disposição mesmo. A coisa principia difícil, você hesita, escreve besteiras, não faz mal. De repente você percebe que, correntemente ou penosamente (isto depende da pessoa) você está dizendo coisas acertadas, inventando belezas, forças, etc. Depois, então, no trabalho de polimento, você cortará o que não presta, descobrirá coisas pra encher os vazios, etc. etc.(ANDRADE; SABINO, 1993, p.25).

Em outras palavras, para exemplificar o que disse, Mário de Andrade usa

metaforicamente o trabalho árduo e difícil de realizar um filme como dever de todo artista:

produzir antecipadamente, cortar, editar, realizar a montagem das cenas, aproximar ou

distanciar a câmera. Um trabalho extenso e que exige dedicação diária (ANDRADE;

SABINO, 1993).

Em sequência, numa missiva nomeada como Destino de Artista pelo Instituto Moreira

Salles, de 16 de fevereiro de 1942, Mário de Andrade tira mais tempo naquela segunda-feira

de carnaval para responder detidamente uma questão proposta por Sabino: sendo a arte uma

forma de expressão pela insatisfação humana com a vida, como forma de resguardar seu

insumo produtivo, deveria o artista negar toda e qualquer forma de felicidade? (ANDRADE;

SABINO, 1993).

Importante contextualizar essa preocupação, quando Sabino ganhara de seu sogro um

cartório, retorno de um saldo devedor de Getúlio Vargas para o governante estadual e motivo

que o levaria a se mudar para o Rio de Janeiro, então Capital Federal do Brasil (FREITAS,

2004).O que imagino é isto: você está decidido com grande honradez moral a ser artista, mas eis que, nos seus 18 anos, a vida agarrou você na esquina e lhe ofereceu um ótimo presente vital, que você julga ser a sua felicidade. E você está receoso de aceitar, temendo que isso venha a prejudicar o seu destino de artista. Só há uma resposta possível imediata: aceite o que a vida lhe oferece e experimente. Você, na sua discrição de primeira hora, não quis dizer logo com franqueza qual era o gênero de facilidade (repare que insisto em facilidade, evitando a palavra felicidade), se amor, se riqueza, deve ser uma destas duas. Podem ser também as duas juntas: amor

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sinceríssimo que acontece ser rico, noivado, casamento legal e vida arranjada, sem mais inquietações financeiras. Mesmo que seja assim, não hesito um segundo em responder que aceite (ANDRADE; SABINO, 1993, p. 22).

Em um dos trechos mais marcantes do livro, Mário de Andrade delineia que a arte é

fruto da insatisfação, que uma vez publicada, já não se pode mais controlar a forma de sua

leitura, e cita Macunaíma, obra que mais sofreu com a recepção diferente do que esperava da

crítica. Com sabedoria, explica que Fernando Sabino confundiu o momento de "facilidade"

com "felicidade", a primeira momentânea, a segunda mais perene, e, como católico, deveria

perceber que há uma grande diferença entre a etimologia das duas palavras(ANDRADE;

SABINO, 1993).

Por fim, reflete que, para um artista, momentos de felicidade servem também para tirar

proveito como experiência pessoal. Na maioria dos casos, essa experiência resulta em um

sentimento ambivalente: o prazer foi grandioso mas insuficiente, porque todo mundo aspira e

espera sempre algo porvir que seja melhor (ANDRADE; SABINO, 1993).

Em 6 de janeiro de 1945, curioso para entender se esse posicionamento de trabalhar

com frequência, mesmo sem inspiração, não poderia alterar a sinceridade do argumento da

obra de Sabino, pondo-se a escrever a qualquer momento, Mário de Andrade responde e se

retém no fato de que Sabino teve uma ótima formação, demonstrava naquele momento um

futuro promissor, mas sua sinceridade em A Marca(1944) era dos outros: de professores do

colégio, da educação católica, dos privilégios de classe média. Faltava chegar a sua própria,

alcançar a maioridade de pensamento, sem depender dos outros exclusivamente para ter seu

raciocínio definido(ANDRADE; SABINO, 1993).

Justamente pelo que prometia, seria mais cobrado também para realizar coisas

grandiosas e não teria uma boa avaliação do público se cometesse apenas pequenos deslizes.

Deveria, assim, errar, mas errar feio, com convicção, após formulá-la com muitos anos de

estudo, nem que fosse para se distanciar do mestre, pois o respeito permaneceria pela coragem

de seguir outra linha bem fundamentada:(...) Pra abrir caminho, pra se justificar diante de si mesmo, diante da vida e de Deus, você tem de abrir é estrada larga, franca. Beethoven primeiro escreveu A Heróica pra depois escrever a Pastoral. Num caso como o de você, qualquer água-de-rosa é descaminho. Simplesmente porque, por bons que sejam um Oswaldo Alves, um Emil Farhat e 365 outros, você é milhor. E é misterioso como o milhor pode errar mais. Há os que escorregam apenas. Mas os milhores quebram a cabeça. E no caso de você, tudo o que acertar no alvo (ideologicamente) ou quebrar a cabeça é nobre, é digno. Escorregar apenas, é água-de-rosa. E no seu caso, o seu maior perigo é ser si mesmo. A tal de “sinceridade” que você invoca é o seu maior perigo. E que sinceridade se você não é você! A sua sinceridade por enquanto é a sua expontaneidade. E a sua expontaneidadesão dez milhões de anos de crimes humanos, dois mil anos de traição ao Cristo, duzentos anos de burguesia capitalista,

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vinte e um anos de filhinho de papai, quinze anos de aluno de escolas e professores que ensinaram de acordo com tudo isso. Isso é a sua “sinceridade”. E você sabe que ela não vale um tostão. Agora é que você vai construir a “sua” sinceridade, e a expontaneidade de você. Porque agora é que você vai escolher. Até agora escolheram por você. Agora é você que vai saber. Mas pra saber você precisa estudar e refletir muito. Leve três anos pra escrever o seu romance novo. Ou cinco. Não faz mal. Mas adquira pelo sofrimento perfeito da análise da vida e dos “seus” autores, uma coisa muito mais nobre que a expontaneidade e muito mais espiritual que a sinceridade: a convicção. Uma convicção. Que sejamos inimigos até pela convicção que você conquistar. Que nos odiemos. Mas não se perderá o que há de mais elevado na relação entre os homens, a estima (ANDRADE; SABINO, 1993, p. 141 e 142).

Outro fato relevante a se destacar é que Sabino o convida para ser padrinho de

casamento com Helena Valadares, mas acaba criando uma inimizade momentânea com Mário

de Andrade pela proximidade com Getúlio Vargas na cerimônia, por quem ambos tinham

certo desprezo político mas precisariam conviver com a presença devido ao cargo de

governador de Minas Gerais do sogro de Sabino, Benedito Valadares. Mário, por fim, recusou

e perdeu a festa, pedindo a Sabino que arranjasse outra pessoa para representá-lo. Tempos

depois, entenderam-se cada um com seus motivos e deram-se por satisfeitos com a paz

(ANDRADE; SABINO, 1993).

Num tom fúnebre, quase um prenúncio, Sabino o revê uma última vez quando estava

saindo de um bar na Avenida São João, em São Paulo, após o Congresso de Escritores em

fevereiro de 1945. De longe, Mário de Andrade despediu-se da calçada e, quase indo embora,

disse: “‘Adeus.’ ‘Adeus, por quê?’ – protestei: – ‘Você nãopretende morrer, e eu muito

menos. Vamos nos ver breve, se Deus quiseraqui ou no Rio.’Ele sorriu e se afastou sem dizer

mais nada. Algunsdias depois eu recebia a notícia de sua morte”(ANDRADE; SABINO,

1993, p. 10).Em 25 de fevereiro de 1945, aos 52 anos, interrompendo a troca de cartas, Mário

de Andrade morre de ataque cardíaco em casa.

2 CRÔNICAS DE FERNANDO SABINO

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Este capítulo tem o propósito de arquitetar algumas relações entre a origem da crônica,

sua consolidação e a obra de Fernando Sabino no gênero, principalmente notocante a parte

criativa de sua produção. Para tanto, baseia-se no importante ensaio de Antônio Candido

(1984) sobre a origem e desenvolvimento da crônica no Brasil, A vida ao rés-do-chão, nas

coletâneas de crônicas de Sabino – sob uma análise mais detalhada e selecionada:Deixa o

Alfredo falar!(1983), O gato sou eu (1984), A vitória da infância (1994) eNo fim dá certo

(1998) –, em comentários despretensiosos de amigos em jornais e artigos científicos sobre o

autor. Sobre o formato, é importante ressaltar que:(...)Pode dizer as coisas mais sérias e mais empenhadas por meio do ziguezague de uma aparente conversa fiada. Mas igualmente sérias são as descrições alegres da vida, o relato caprichoso dos fatos, o desenho de certos tipos humanos, o mero registro daquele inesperado que surge de repente e que Fernando Sabino procura captar (...). Tudo é vida, tudo é motivo de experiência e reflexão, ou simplesmente de divertimento, de esquecimento momentâneo de nós mesmos a troco do sonho ou da piada que nos transporta ao mundo da imaginação, para voltarmos mais maduros à vida, conforme o sábio (CANDIDO, 1984, p. 8).

É o caso da crônica A Mulher do Vizinho, presente em Fernando Sabino - Obra

Reunida - Vol.01, na qual um general pede para um delegado do bairro enquadrar um sueco

que morava na mesma rua do militar, apenas porque os filhos do estrangeiro jogavam bola de

meia na rua, que, às vezes, terminava em seu carro.

No texto, Sabino (1996) caçoa de um pequeno embate entre Poder Constituinte e

Poder Constituído, onde reside a crise constituinte atual de nossa jovem democracia, porque

este costumeiramente se apropria de relações institucionais para fins privados e ilegítimos, em

detrimento daquele, que se vê bloqueado das formas de exercer sua soberania plena no

País(BERCOVICI, 2013).

O problemanessa pequena anedota, que acaba sustentando o humor da crônica, é que o

estrangeiro não é qualquer forasteiro, e sim um empresário e industrial – apesar de mal

vestido –, e sua mulher não somente uma companheira anônima, mas prima de major,

sobrinha de coronel e filha de um general:— O senhor pensa que só porque o deixaram morar neste país pode logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar numa coisa chamada AUTORIDADES CONSTITUÍDAS? Não sabe que tem de conhecer as leis do país? Não sabe que existe uma coisa chamada EXÉRCITO BRASILEIRO que o senhor tem de respeitar? Que negócio é este? Então é ir chegando assim sem mais nem menos e fazendo o que bem entende, como se isso aqui fosse casa da sogra? Eu ensino o senhor a cumprir a lei, ali no duro: dura lex! Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando o general, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar gringos feito o senhor. Tudo isso com voz pausada, reclinado para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um canto. O sueco pediu (com delicadeza) licença para se retirar. Foi então que a mulher do sueco interveio:

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— Era tudo que o senhor tinha a dizer a meu marido? O delegado apenas olhou-a espantado com o atrevimento. — Pois então fique sabendo que eu também sei tratar tipos como o senhor. Meu marido não é gringo nem meus filhos são moleques. Se por acaso incomodaram o general ele que viesse falar comigo, pois o senhor também está nos incomodando. E fique sabendo que sou brasileira, sou prima de um major do Exército, sobrinha de um coronel, E FILHA DE UM GENERAL! Morou? Estarrecido, o delegado só teve forças para engolir em seco e balbuciar humildemente: — Da ativa, minha senhora? E ante a confirmação, voltou-se para o escrivão, erguendo os braços desalentado: — Da ativa, Motinha! Sai dessa... (SABINO, 1996, p. 872).

Em uma de suas histórias mais citadas e referenciadas no gênero, denominada A

última crônica, presente no livro A vitória da infância(1994), Sabino faz uma definição leve e

lírica do ofício como cronista. Conta o caso de uma passagem a caminho de casa, quando,

sem tema nem inspiração, para num botequim para tomar café. No momento desta passagem,

é quando para de pensar tanto no eu para olhar ao estrangeiro, àquilo que é de fora, no claro

exercício mais importante do cronista: de dar um caráter mais nobre à vida além daquilo que

somos (SÁ, 1985 apud MARTINS, 2010):Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo do seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante na esquina, quer nas palavras de uma criança ou num incidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo o meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: ‘assim queria o meu último poema’. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica (SABINO, 1965, p. 174).

A crônica, segundo Candido (1984), utiliza-se, em termos de composição, de diversos

formatos narrativos. Às vezes cria ou traduz umdiálogo; em outras, aproxima-se do conto,

com elaboração mais longa e beirando a ficção; também pode relembrar e trazer anedotas,

vividas ou criadas, como forma de reflexão; exprime a poesia ou relembra biografias líricas de

famosos e, por último, age como ambiente para disseminar opiniões políticas ou retratos de

um país. Parece às vezes que escrever crônica obriga a uma certa comunhão, produz um ar de família que aproxima os autores num nível acima da sua singularidade e das suas diferenças. É que a crônica brasileira bem realizada participa de uma língua-geral lírica, irônica, casual, ora precisa, ora vaga, amparada por um diálogo rápido e certeiro, ou por uma espécie de monólogo comunicativo(CANDIDO, 1984, p. 9).

2.1 Formação da crônica moderna

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Machado de Assis, em tom humorístico, confabula a origem do gênero em O Nascimento da

Crônica por meio da conversa de duas senhoras. Para o autor, a crônica nasceu de uma

conversa banal, interação diária entre as pessoas para se socializar, que facilmente pulam de

um assunto para o outro, vão e voltam, mas não se esquecem de atualizar o conhecido dos

fatos do dia. Essa brincadeira, de fato, elucida como algo despretensioso pode ter ido parar

nos jornais, então um dos meios principais de comunicação, como maneira de integrar a

comunidade local com o que acontecia.Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta, para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Um dia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopada que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica (SANTOS, 2007, p. 27).

No prefácio para o livro Gostar de ler: crônicas, Candido (1984) também escreve

nessecurto ensaio que a crônica, com ar despretensioso, foi tomando parte e virando um

gênero tradicionalmente brasileiro. Derivada de uma variação do “folhetim”, pequenas notas

de rodapé sobre fatos políticos, econômicos e sociais, a crônica assentou raiz como gênero

menor – ao que o autor exclama Graças a Deus – porque pôde realizar-se na simplicidade,

sem volteios de engradecer a linguagem e escapar do cotidiano.

Conforme Candido (1984), a crônica majoritariamente popularizada, "filha do jornal

e da era da máquina" (p. 5), surgiu a partir da maior frequência de publicação e circulação dos

periódicos, há cerca de um século e meio, quando se tornou mais cotidiana. Em diversos

pontos, pelo seu histórico de boa naturalização e originalidade no Brasil, assinala o autor,

poderia se afirmar que "é um gênero brasileiro" (p. 6). Aquele folhetim, então, enxugou de

tamanho, perdeu um pouco o propósito de levar informação e dar espaço a comentários para

ganhar certo ar de leveza.No século passado, em José de Alencar, Francisco Otaviano e mesmo Machado de Assis, ainda se notava mais o corte de artigo leve. Em França Júnior já é nítida uma redução de escala nos temas, ligada ao incremento do humor e certo toque de gratuidade. Olavo Bilac, mestre da crônica leve e aliviada de peso, guarda um pouco do comentário antigo, mas amplia a dose poética, enquanto João do Rio se inclina para o humor e o sarcasmo, que contrabalançam um pouco a tara de esnobismo. Eles e muitos outros, maiores e menores, de Carmen Dolores a João Luso até nossos dias, contribuíram para fazer do gênero este produto sui generis do jornalismo literário brasileiro que ele é hoje (CANDIDO, 1984, p. 7).

O aspecto principal, nessa alteração, foi abandonar duas vertentes iniciais: a crítica –

literária, musical e artística – e o comentário político, que impediam a poesia de assumir o

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lugar. Uma vez tomado, da forma que se conhece a crônica hoje, com uma pitada de poesia e

fatos pitorescos acompanhados de bom humor, mudou consideravelmente sua função social

para entreter(CANDIDO,1984).

Principal iniciantede um estilo mais enxuto e suave, aponta Candido (1984), ainda

que bem em estágio inicial e constrangido pelas amarras da linguagem da época, foi José de

Alencar nos folhetins do Correio Mercantil, de 3 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855,

aos quais intitulou a seção de Ao Correr da Pena.

Em seu primeiro texto, datado de 3 de setembro de 1854, explica o porquê do nome

dos artigos que se seguiriam com uma historinha fantástica, inventada sobre si mesmo –

formato que se tornaria componente importante na crônica atual (Candido, 1984) –, onde,

claramente, faz chacota dos fatos e dá pouca importância para aquilo já contado no jornal,

zombando dos ministros espanhóis e do motim revolucionário em Madrid, informação que

considerava desprezível repetir, passando a contar causos: De feito, começou a escrever ao correr da pena, e como se trata de conto fantástico, não vos admirareis de certo se vos achardes de repente e sem esperar a ler o que escreveu.Estou persuadido que não gastareis o vosso tempo a censurar o título, que vale tanto como qualquer outro. Quanto ao artigo, correi os olhos, como já vos disse, deixai correr a pena; eposso assegurar-vos que, ainda assim, nem uns nem a outra correrão tão rapidamente como os ministros espanhóis diante das pedradas e do motim revolucionário de Madri. Já sabeis em que deu toda esta história, e por isso prefiro contar-vos outras notícias (...) (ALENCAR, 1854, p.2).

Em outro artigo, agora de 3 de dezembro de 1854, Alencar brinca com a dura

limitação do cronista, a periodicidade frequente de entrega de textos versus prazos de

produção pequenos, e, após se perder na linha de raciocínio da história, fantasia um cenário

criativo mais longo:Mas onde já ando eu? Comecei num salão de baile, e parece-me que estou nalgum corpo de guarda. Eis aí o risco de escrever ao correr da pena. Se eu tivesse um compasso e um tira-linhas, não me havia de suceder semelhante coisa. Riscaria primeiramente o meu papel, escreveria o meu artigo letra por letra, pensando maduramente sobre cada palavra, refletindo profundamente na colocação dos pontos e vírgulas; depois convocaria um conselho de sábios, e, discutido o artigo em conclusões magnas, entrega-lo-ia ao compositor, quando se findassem os nove anos de correção que impõe o preceito da Arte Poética. Então, cheio de entusiasmo ao contemplar o meu artigo metido entre quatro gravuras de pau, exclamaria como Sanzio: Anch’iosonpittore! Agora já posso aspirar à honra de escrever um artigo ilustrado! (ALENCAR, 1854, p. 41). 

A crônica moderna, tal qual é conhecida hoje, é possível localizar sua gênese na

década de 1930. É quando se passa a observá-la mais atentamente como canal literário, tendo

atenção de grandes escritores, jornalistas e críticos, como Mário de Andrade, Manuel

Bandeira, Carlos Drummond, Rachel de Queiroz e, finalmente, o grande transformador do

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gênero, a cultivá-lo como único meio de expressão literário um pouco mais distante do

jornalismo, Rubem Braga (CANDIDO, 1984).Tanto em Drummond quanto nele, observamos um traço que não é raro na configuração da moderna crônica brasileira: a confluência, na maneira de escrever, da tradição, digamos clássica, com a prosa modernista. Esta fórmula foi bem manipulada em Minas (onde Rubem Braga viveu alguns anos decisivos); e dela se beneficiaram os que surgiram nos anos 40 e 50, como Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. É como se (imaginemos) a linguagem seca e límpida de Manuel Bandeira, coloquial e corretíssima, se misturasse com o ritmo falado da de Mário de Andrade, com uma pitada do arcaísmo programado pelos mineiros (CANDIDO, 1984, p. 9).

2.2 Fernando Sabino em pauta

Na abertura da entrevista com Fernando Sabino para a revista Mancheteem 1975,

Paulo Mendes Campos o indaga por que não havia publicado mais nenhum romance após O

Encontro Marcado, considerando toda repercussão positiva da obra, no Brasil e no mundo, e

o início do sucesso literário do escritor. Ao que Sabino retruca, explicando o principal

empecilho para sua criação ficcional residir na dificuldade criativa para inventar fatos que não

derivem de uma vivência, que pode ser expandida e recriada, mas deve ser necessariamente

experimentada:Não foi por falta de ter tentado, desde que publiquei o primeiro. Talvez eu não seja escritor de imaginação muito fértil, não sei... Minha imaginação só faz recriar em termos de ficção o que foi por mim vivido e experimentado. Essa experiência pessoal talvez tenha sido absorvida na sua totalidade, como material literário, na elaboração de O Encontro Marcado. Tudo o que eu vivi até então foi aproveitado. Agora é uma questão de esperar que a experiência se acumule novamente, e isso toma tempo – e muita paciência. Tenho de dar tempo ao tempo. Alguém já disse, acho que você mesmo, que o escritor é como uma caixa de descarga que se esvazia num instante, mal se aperta o botão, e depois leva tempo para encher de novo... (CAMPOS, 1975, p. 56).

Na crônica Precisa-se de um escritordo livro O gato sou eu, Sabino (1984) enfrenta o

dilema de como escrever uma pequena mensagem em um cartão de pêsames. Por chacota,

improvisa diversas frases, pelas quais não se dá por satisfeito, e chega à conclusão que, apesar

de ter “dezessete livros publicados, milhares de crônicas, contos, artigos, reportagens,

comentários, notas, textos e roteiros”, precisa se conformar com a “definitiva incapacidade de

redigir um simples telegrama de pêsames” (p. 180 e 181). É a complexa habilidade do poder

da síntese.

No mesmo ano, agora em um ensaio, Paulo Mendes Campos escreveu talvez a melhor

síntese sobre a atitude única de Fernando Sabino transformar vivências em anedotas hilárias,

com extremo bom-humor, visão positiva e capacidade infinita de extrair o joio do trigo da

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vida:Trata-se de um inelutável desencadeador de equívocos, um catalisador de mal-entendidos, um aglutinador de inesperados, um polarizador de duplos-sentidos, trata-se de um Sabino. Acabou capitalizando essa fatalidade, transformando-se no mais hábil narrador de confusões da língua portuguesa. É no meio da barafunda de filme cômico que ele se sabe à vontade e reina com estilo de mestre. Trata-se de um Kafka de eletricidade positiva, ou seja, de um Kafka para qual o mundo só é suportável, e até divertido, por ser uma trama de absurdos (CAMPOS, 1975, p. 15 e 16).

Apesar dessa dificuldade de superar os limites da imaginação para inventar histórias

(CAMPOS, 1975), Sabino compensa com o trabalho de exacerbar experiências, às vezes até o

ponto de transformá-las em anedóticas, e elabora a narração com perfil sarcástico, irônico,

bem atilado com a verossimilhança:As transições entre depoimento e invenção são consequências naturais do impulso da criação para desenvolver planos diferenciados na mesma atitude literária. O resultado não se apresenta como incongruência nos enredos nem como contradição formal, pois os dois planos existem para dar conta da representação. A literatura de Fernando Sabino é movida pelo desejo de transmitir visões da vida e do mundo através das projeções de glórias e calafrios diários sobre as personagens criadas e sobre o próprio autor. Esse ânimo oferece unidade à obra e traz em si o equilíbrio e o moto-contínuo: a imaginação pode funcionar como estímulo e resposta para o que não se conhece, tanto quanto a realidade do dia-a-dia reafirma o impulso pelo entendimento do mundo. Tais relações nos remetem imediatamente ao enigma do tabuleiro de damas (seria preto com quadrados brancos ou branco com quadrados pretos?), no qual Sabino insiste desde a citação em “Martini seco”, uma das novelas de A faca de dois gumes. A facilidade com que o leitor de Sabino aceita as situações narradas - quase tudo poderia ter acontecido com qualquer um de nós - é apoiada pela estrutura da crônica, cujo narrador conduz o texto através de atitudes acentuadamente humanas, como a interferência da memória pessoal em qualquer relato ou, ainda, a permissão para o excesso de imaginação e a sobrevivência do real na mesma escala (BETELLA, 2008, p. 351 e 352).

Na crônica O preço da admissão, que ajuda a intitular este trabalho, do livro Deixa o

Alfredo Falar!,Sabino (1983) faz uma colcha de retalhos de citações de escritores

consagrados sobre a relação discursiva com a escrita. Entra no mérito da questão do estilo,

ironicamente, dizendo que “ter estilo é escrever sem estilo algum” (p. 138), debate a

ambientação dos personagens e cenário com citações de Hemingwaye envereda para a

questão de como muitas pessoas o procuram querendo se tornar escritores mas poucos têm a

real intenção de se doar.

O tema principal, de fato, segundo Sabino (1983), é que se faz necessário dar um

pouco de si para alcançar um patamar razoável como escritor, após estudar a língua a sério e

ler com bastante atenção grandes autores das literaturas nacional e internacional, o que chama

de o preço da admissão, recuperando uma carta de Scott Fitzgerald:Você tem que vender seu coração, suas reações mais fortes, não as pequenas coisas que o tocaram levemente, as experiências que você poderá contar no jantar. Isso é especialmente verdadeiro quando você começa a escrever, quando você ainda não

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desenvolveu os recursos com que prender os outros ao papel, quando nada tem da técnica que leva tempo para aprender. Em suma, quando você só tem as emoções para vender (FITZGERALD, 1938 Apud SABINO, 1983, p. 143).

Para Fitzgerald (1938 Apud SABINO, 1983), quando o amador observa o profissional

com uma habilidade de transformar uma historieta em um significado substancioso ou

sutillendo, acredita que pode fazer o mesmo em termos de escrita e sonha que sua técnica se

equipare àquela que teve contato. Mas, em um primeiro momento, o amador apenas transfere

sentimentos a outras pessoas por meio “do expediente desesperado e radical de arrancar do

coração a trágica história de seu primeiro amor, e expô-la nas páginas para que os outros

vejam. Este, de qualquer forma, é o preço da admissão” (1938 Apud SABINO, 1983, p. 143).

Ao que Sabino conclui que era isso que Mário de Andrade tentava dizer quando falava

que “Beethoven compôs primeiro a Heróica para depois compor a Pastoral” (ANDRADE,

1993, p. 141).Em outras palavras, o que Graciliano Ramos também afirmou em ligação a

Sabino, em um diálogo descrito na crônica Biscoitos e pirâmides, presente no livro No fim dá

certo,quando este disse que estava trabalhando para transformar um conto em uma peça de

teatro:“– Não faça biscoitos: faça pirâmides...” (SABINO, 1998, p. 190).

E Fitzgerald continua:Alguém disse certa vez: um escritor que consegue olhar um pouco mais profundamente a sua própria alma e a alma dos outros, encontrando ali, graças a seu talento, coisas que ninguém jamais viu ou ousou dizer, aumenta com isso o âmbito da vida humana. Eis porque o escritor jovem, quando chega à encruzilhada do que dizer e do que não dizer, no que se refere a caráter e sentimento, é tentado a se deixar levar pelo já conhecido, admirado e aceito correntemente, pois escuta uma voz sussurrando dentro de si mesmo: ninguém se interessaria por este meu sentimento, este ato sem importância — portanto deve ser apenas peculiar a mim, não deve ser universal, nem interessante, nem mesmo certo. Mas se suas qualidades são poderosas — ou se ele tem sorte, como preferir — outra voz nessa encruzilhada o fará escrever tais coisas aparentemente insólitas e sem importância, e isso, nada mais, é o seu estilo, sua personalidade — eventualmente todo ele como artista. Aquilo que tentou jogar fora, ou que muito frequentemente jogou mesmo fora, vem a ser o toque de graça que o salvaria. Gertrude Stein tentou exprimir pensamento semelhante ao dizer — referindo-se mais à vida que às letras — que lutamos contra as nossas qualidades mais excepcionais até cerca dos quarenta anos, quando então descobrimos, tarde demais, que elas compunham o nosso verdadeiro ser. Eram a parte mais íntima de nós mesmos, que devíamos ter nutrido e acalentado (FITZGERALD, 1938 Apud SABINO, 1983, p. 144).

Encerrando a crônica, Sabino reflete como esse conselho é tão mais importante vindo

dele, que, por ocasião de ofício, escreve diariamente sobre coisas que poderiam ser contadas

no jantar. E, afinal, essa não seria uma bela definição para a crônica?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Este trabalho procurou subsidiar uma melhor interpretação sobre a obra de crônicas de

Fernando Sabino. Devido à diferença de documentação e à brutal transformação digital que o

mundo viveu nesse último século, o propósito era facilitar a quem queira estudar o autor para

poder encontrar numa pesquisa científica um apanhado sobre relações históricas, sua

importante troca epistolar com Mário de Andrade e trechos que remetem ao posicionamento

intelectual do artista, com muitos registros ainda em livros e pouco digitalizados. Mas,

considerando o formato aqui proposto, que muito se assemelha a uma crônica, deve-se levar

em consideração que:O escritor que usa a imaginação escreve apenas sobre o que não sabe, justamente para ficar sabendo. De minha parte, pelo menos, só sei o que já escrevi. Não creio que seria um político se soubesse as respostas, mas um ensaísta, um professor, um técnico, um especialista, em suma: alguém dotado de conhecimento prévio do assunto sobre o qual escreve. A experiência pode fazer de um homem um expert, mas nada lhe acrescenta como escritor, senão a dificuldade cada vez maior de não se repetir. Um escritor está sempre começando, e isto é o que há de mais dramático em seu destino: ser um eterno principiante (SABINO, 1998, p. 102).

E nesse trabalho de principiar, este estudo é apenas um ponto de partida, que leva a

muitos outros caminhos de análise e aprofundamento, a depender do interesse do pesquisador

sobre a obra. Como se pontua logo na introdução, não se quis aqui discutir a obra de ficção,

embora seja, enquanto em vida, o principal catalisador da independência financeira e artística

de Fernando Sabino. Foi com ela que pôde viver da literatura e nela que procurou abrigo

sobre aquilo que mais o tocava.

Do primeiro capítulo, depreende-se que existe ainda um importante acervo para se

estudar de Mário de Andrade, em trocas com Anita Malfatti, Manuel Bandeira, Carlos

Drummond de Andrade, Prudente de Moraes Neto,Rodrigo M. E de Andrade, Pedro Nava,

Rachel de Queiroz, Portinari, LúcioRangel, Moacir Werneck de Castro, Murilo Miranda,

Carlos Lacerda, entre outros, que levam a caminhos interpretativos de biografia, condição

social, pensamentos interiores, bastidores literários e origens criativas de obras dos

destinatários, assim como da proposição e formação do Modernismo.

Mário é um gigante intelectual brasileiro e, dessa forma, deveria ser mais apreciado e

buscado para que seu legado permanecesse em destaque. Tamanha produção literária,

artística, cultural e sociológica é rara de encontrar, ainda mais com tanta disposição de

discutir, endereçar e ensinar a quem, em termos rasos, não teria nenhuma obrigação, exceto o

desejo de passar adiante aquilo que sabia. Foi um tremendo professor e, ouso dizer, talvez o

maior crítico brasileiro, ao lado de Antonio Candido.

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No segundo capítulo, buscou-se dar um panorama de como o folhetim derivou-se em

crônica, em como a crônica perdeu o tom informativo e cedeu para o entretenimento. Essa

lição, aliás, fica para mostrar que, como bem falou Candido (1984), pode-se discutir os temas

mais complexos do mundo a partir dos assuntos mais banais. Nem por isso deve-se tratá-los

como chacota ou alienamento.

Em termos de criação, tentou-se repassar aquilo que Fernando Sabino acreditava como

crucial para se formar como escritor, o arrebatamento de se contentar com pequenas

frustrações até alcançar uma maior qualidade de trabalho final. Isso também serve para a vida,

independente da arte, como não se deve abandonar ou desistir porque encontrou uma

dificuldade momentânea ou uma barreira.

Mais do que isso: que é natural ficar insatisfeito com a obra final, que é parte do

processo de separação do criador com a criatura respeitar como o leitor a receberá, sem tentar,

a todo o custo, definir o que foi dito (ANDRADE; SABINO, 1993).

Em suma, o artista precisa participar politicamente, como ensinou Mário de Andrade,

deve pensar a cultura e o social, e precisa entender qual seu perfilde trabalho que pretende

seguir, como o fez Fernando Sabino, seguindo as orientações do mestre. Nas palavras de

Graciliano Ramos, se quer fazer biscoitos ou pirâmides(SABINO, 1998, p. 190). A seu gosto.

REFERÊNCIAS

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