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1 Uso de contadores automatizados de células em medicina veterinária: artigo de revisão. Thaiany Costa de Souza 1 , Fabricio Nascimento Gaudêncio 2 e Vitor Rezende Ferreira 3 . 1 * Discente do Centro Universitário de Valença, Valença-RJ Brasil. E-mail: [email protected] 2 Professor do Centro Universitário de Valença, Valença-RJ Brasil. E-mail: [email protected] 3 Médico Veterinário autônomo, Além Paraíba-MG Brasil. E-mail: [email protected] *Autor para correspondência Resumo. O presente trabalho aborda sobre o uso de contadores automatizados de células em Medicina Veterinária, com o objetivo de fazer um levantamento bibliográfico sobre suas vantagens e limitações, assim como, a importância do patologista clínico nesse processo. O hemograma contribui significativamente no diagnóstico de enfermidades, principalmente as que podem ter uma manifestação subclínica ao exame físico. O uso dos contadores automatizados de células agilizou a liberação de laudos, fornecendo resultados em pouco tempo. Porém, muitas alterações morfológicas nos eritrócitos, leucócitos e plaquetas não são descritas por estes equipamentos, podendo levar a falsas interpretações do exame. Estes são projetados para reconhecerem células normais, quando há alterações morfológicas das células, podem ser encontrados problemas de identificação. Atualmente, há uma diversidade de opções diversas de contadores no mercado, com variados princípios. Dentre elas, podemos citar: os analisadores baseados no QBC (QuantitativeBuffyCoat), impedância elétrica e citometria de fluxo. Muitos fatores devem ser considerados diante da decisão de onde realizar as análises laboratoriais dos

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Uso de contadores automatizados de células em medicina

veterinária: artigo de revisão.

Thaiany Costa de Souza1, Fabricio Nascimento Gaudêncio2 e Vitor Rezende Ferreira3.

1*Discente do Centro Universitário de Valença, Valença-RJ Brasil. E-mail: [email protected]

2 Professor do Centro Universitário de Valença, Valença-RJ Brasil. E-mail: [email protected]

3 Médico Veterinário autônomo, Além Paraíba-MG Brasil. E-mail: [email protected]

*Autor para correspondência

Resumo. O presente trabalho aborda sobre o uso de contadores automatizados de células

em Medicina Veterinária, com o objetivo de fazer um levantamento bibliográfico sobre

suas vantagens e limitações, assim como, a importância do patologista clínico nesse

processo. O hemograma contribui significativamente no diagnóstico de enfermidades,

principalmente as que podem ter uma manifestação subclínica ao exame físico. O uso dos

contadores automatizados de células agilizou a liberação de laudos, fornecendo resultados

em pouco tempo. Porém, muitas alterações morfológicas nos eritrócitos, leucócitos e

plaquetas não são descritas por estes equipamentos, podendo levar a falsas interpretações

do exame. Estes são projetados para reconhecerem células normais, quando há alterações

morfológicas das células, podem ser encontrados problemas de identificação. Atualmente,

há uma diversidade de opções diversas de contadores no mercado, com variados

princípios. Dentre elas, podemos citar: os analisadores baseados no QBC

(QuantitativeBuffyCoat), impedância elétrica e citometria de fluxo. Muitos fatores devem

ser considerados diante da decisão de onde realizar as análises laboratoriais dos pacientes.

E para tomar essa decisão, é necessário considerar algumas questões como, efeitos dos

resultados sobre o paciente, custo, tempo e localização geográfica. Em cidades menos

populosas, onde não há presença de laboratórios veterinários, é comum que as análises

sejam feitas em laboratórios humanos, porém, sabe-se que esse método deve ser evitado,

se não há patologistas clínicos veterinários presentes para avaliar as lâminas na

microscopia, já que as espécies animais possuem muitas particularidades hematológicas.

Sendo assim, a observação do esfregaço sanguíneo periférico pelo patologista clínico

veterinário é indispensável.

Palavras-chave: hemograma, microscopia, patologia clínica

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Use of automated cell counters in veterinary medicine: review

articleAbstract. The present work deals with the use of automated cell counters in Veterinary

Medicine, with the objective of making a bibliographic survey about its advantages and

limitations, as well as the importance of the clinical pathologist in this process. The blood

analysis contributes significantly to diagnosis of diseases, especially those that may have

a subclinical manifestation on physical examination. The automation of the cell counters

speeded up the release of reports, providing results in a short time. However, many

morphological changes in erythrocytes, leukocytes and platelets are not described by

automated counters, which can lead to false interpretations of the exam. These machines

are designed to recognize normal cells, when there are morphological changes in the

cells, identification problems can happen. Currently, there are a variety of different

options for accountants on the market, with varying principles. Among them, we can

mention: analyzers based on QBC (QuantitativeBuffyCoat), electrical impedance and

flow cytometry. Many factors must be considered when deciding where to perform

laboratory exams. And to make this decision, it is necessary to consider some questions

such as, effects of the results on the patient, cost, time and geographic location. In less

populous cities, where there is no presence of veterinary laboratories, it is common for

analyzes to be carried out in human laboratories, however, it is known that this method

should be avoided, if there are no veterinary clinical pathologists present to evaluate the

slides under microscopy, since animal species have many hematological peculiarities.

Therefore, observation of the peripheral blood smear by the veterinary clinical pathologist

is indispensable.

Keywords: blound count, clinical pathology, microscopy

Introdução

A solicitação de um hemograma é de suma importância na rotina clínica, visto que,

contribui significativamente no estabelecimento do diagnóstico laboratorial de inúmeras

doenças, principalmente as que podem ter uma manifestação subclínica ao exame físico, além

de nos permitir obter informações sobre órgãos e sistemas, que na maioria das vezes não pode

ser avaliado clinicamente.

Com os avanços tecnológicos da medicina laboratorial, a automação dos contadores de

células mais modernos agilizou a liberação de laudos, dando resultados em segundos.

Contudo, deve-se sempre estar atento aos resultados emitidos, poisem algumas situações em

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particular, estes equipamentos podem não ser precisos, levando a erros e falsas interpretações

pelo médico veterinário.

Achados como inclusões virais, presença de protozoários, indícios de resposta

medular, alterações de cor, tamanho e forma dos eritrócitos, anormalidades das plaquetas

(aglutinação e macroplaquetas) e dos leucócitos (neutrófilos tóxicos, hipersegmentação,

linfócitos atípicos) podem passar despercebidos dependendo da tecnologia empregada no

contador automatizado (Failace et al. 2004).

Muitos médicos veterinários, levados pelo impulso da praticidade e economia

atualmente fazem a opção por ter tais equipamentos à disposição na própria clínica

veterinária, no entanto, sem conhecer as vantagens e desvantagens por aderirem a tal prática.

Há diversas opções no mercado, com variados princípios e especificações únicas.

Dentre elas, podemos citar: os analisadores baseados no QBC (QuantitativeBuffyCoat),

impedância elétrica e citometria de fluxo.

O presente trabalho teve como objetivo realizar levantamento bibliográfico a respeito

das tecnologias empregadas nos contadores automatizados de células, as vantagens e as

limitações de seu uso na rotina clínico-laboratorial do médico veterinário.

Revisão de literatura

Princípios de técnicas utilizados nos contadores hematológicos

O uso de contadores hematológicos automatizados teve início há mais de 50 anos.

Desde então vem sendo atualizados e modernizados, garantindo maior segurança,

sensibilidade e especificidade nas leituras. São amplamente utilizados em laboratórios

humanos, pois garante maior velocidade, menores custos e menos mão-de-obra (Hamerschlak,

2010).

O principal motivo para introduzir a automação no mercado foi a necessidade de

reduzir o trabalho manual, a otimização de tempo e a dependência de especialistas na área. Ao

eliminar o trabalho manual, diminuímos também o potencial de erros devido à exaustão da

mão-de-obra (Henry, 2008).

Sem a velocidade dos contadores automatizados, os laboratórios clínicos não teriam

capacidade de analisar grande número de amostras diariamente por conta do tempo que

demanda cada atividade manual na análise laboratorial. Os instrumentos automatizados são de

grande ajuda, pois oferecem alta sensibilidade e precisão na quantificação das células

sanguíneas, bem como na contagem diferencial de leucócitos (Failace, 2004). Alguns

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parâmetros como hemoglobina, concentração de hemácias, índices hematimétricos (VCM,

HCM e CHCM), RDW, VPM e contagem de reticulócitos, por exemplo, tem menos chance de

erro nos contadores automatizados (Silva et al.; 2016).

A seguir serão apresentadas as diferentes tecnologias empregadas na elaboração dos

contadores de células, sendo mostrados na sequência de acordo com seu nível de

complexidade e utilização na rotina clínico-laboratorial.

Quantitativebuffycoat (QBC)

O primeiro instrumento disponível para médicos veterinários foi o Quantitative buffy

coat (QBC), um aparelho semiautomático, que fornece contagens celulares com menor

número de diferenciações. Atualmente, é o menos automatizado, fornece menor número de

analitos e tem menos precisão. Requer várias etapas que são manuais, tendo um maior

potencial para erros. Para realizar a contagem de células e classificá-las, é necessário coletar o

sangue em um tubo específico (Welles, 2012). Neste método, as células, após a centrifugação

de alta velocidade, são separadas conforme sua densidade (centrifugação diferencial)

(Schweirgert et al., 2010). Em ordem decrescente, eritrócitos, granulócitos, monócitos e

linfócitos, plaquetas, e depois plasma (Figura 1) (Stockham & Scott, 2011).

Figura 1. Representação esquemática do IDEXX QBC VetTube® após centrifugação de sangue total. Forças

centrífugas separam os componentes do sangue em cinco camadas (plasma, plaquetas, agranulócitos,

granulócitos e eritrócitos) com base em suas densidades relativas.

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A grande desvantagem era a diferenciação incompleta dos leucócitos. Nestes

equipamentos, os leucócitos são divididos em 2 grandes grupos: mononucleares (que

compreendiam linfócitos e monócitos) e os granulócitos (eosinófilos, basófilos e neutrófilos).

A avaliação do esfregaço sanguíneo através da microscopia é indispensável (Welles, 2012).

Impedância elétrica

Na impedância elétrica, método desenvolvido posteriormente à tecnologia do QBC, a

diferenciação dos tipos de células é baseada no tamanho e alteração da voltagem gerada pela

célula à medida que passava por um campo elétrico (Figura 2) (Stockham & Scott, 2011;

Welles, 2012). Visto que os eritrócitos possuem baixa condução elétrica enquanto os diluentes

têm boa condutância, assim, este princípio representou a base desse sistema de contagem.

Muitos equipamentos ainda utilizam essa metodologia (Diniz, 2015).

Neste sistema, o volume corpuscular médio (VCM) das células é aferido e

multiplicado pelo número de hemácias, para que se obtenha o valor do hematócrito. Estes

aparelhos também fornecem a leucometria global, plaquetometria, contagem de hemácias,

concentração de hemoglobina e os índices hematimétricos (Bacall, 2009). Os leucócitos são

contados após ser adicionada uma solução que promove a lise dos eritrócitos. A diferenciação

dos leucócitos se dá pelo tamanho dos mesmos: células pequenas (linfócitos), médias

(monócitos, eosinófilos, basófilos, blastos e mielócitos) e as grandes (neutrófilos) (Lages,

2010). Os parâmetros calculados são: o hematócrito, a hemoglobina corpuscular média

(HCM) e a concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) (Hamerschlak, 2010).

Segundo Oliveira et al (2017), a amplitude de distribuição do diâmetro dos eritrócitos

(RDW) é um parâmetro utilizado na hematologia, que é interpretado juntamente com o VCM

(Volume corpuscular médio), que evidencia a anisocitose (diferença do tamanho das células).

O RDW é um parâmetro calculado com êxito pelo método de impedância, a partir da média

do VCM, que obtém a variação (RDW-CV) e o desvio padrão (RDW-SD). Já o PDW

(amplitude de distribuição do diâmetro das plaquetas) quando aumentado, indica aumento na

população macroplaquetas, ou aumento na população de microplaquetas (Stockham & Scott,

2011).

Embora o grau de anisocitose seja avaliado pelo VCM, este padrão fornece uma

análise limitada da anisocitose, pois necessita que haja muitas células com tamanhos

diferentes para refletir em alteração no valor do VCM (Zvorc et al., 2010). A análise do RDW

gera respostas mais exatas sobre a anisocitose (Silva, 2016). Porém, ainda são poucos os

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médicos veterinários que utilizam este parâmetro para diagnóstico diferencial de anemias, o

que se deve, em parte, ao desconhecimento de sua finalidade (Zvorc et al., 2010).

A análise de plaquetas por este método ainda apresenta limitações, tal como, quando é

analisado o tamanho plaquetário, não é possível diferenciar as plaquetas de fragmentos de

hemácias, imunocomplexos ou reconhecer agregados plaquetários, resultando em valores

falsamente alterados, assim como na presença de macroplaquetas as quais não são contadas,

gerando uma falsa trombocitopenia. Novas metodologias vêm sendo desenvolvidas,

permitindo uma melhor avaliação de plaquetas, hemácias e leucócitos (Hamerschlak, 2010).

Figura 2. Representação esquemática dos princípios de contagem de células.

Esquerda: Princípio da impedância. Direita: Princípio da Citometria de Fluxo.

Citometria de fluxo

O advento da citometria de fluxo tornou ainda mais precisa a contagem diferencial dos

leucócitos (Henry, 2008).O princípio desta técnica consiste na passagem de células através de

uma tubulação contendo solvente até o compartimento de análise.Outras tecnologias

associadas, como laser, radiofrequência e impedância são associadas para diferenciar as

células para avaliar suas características internas (Borges & Siqueira, 2009).Os reagentes

ligados às substâncias fluorescentes, quando atingidos pelo laser do equipamento, emite luz,

que será captada junto à dispersão da luz e ao volume das células, sendo possível identificá-

las (Figura 2) (Hamerschlak, 2010; Stockham & Scott, 2011). Estes aparelhos permitem

examinar de 10.000 a 30.000 células em segundos, gerando dados confiáveis e objetivos.

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Além de examinar cada célula simultaneamente, pequenas populações de células dentre as

maiores podem ser evidenciadas com sensibilidade. Outra grande vantagem destes contadores

é a imunofenotipagem de células do sangue e da medula óssea, de células neoplásicas e a

identificação de antígenos de anticorpos monoclonais marcados com fluorocromo (Failace,

2015).

As indicações clínicas da citometria de fluxo, conforme o Consenso de Bethesda de

2006 são: citopenias, leucocitose, células atípicas em sangue periférico. E não é indicado na

neutrofilia madura, policitemia e trombocitose (Hamerschlak, 2010).

Alterações que não são interpretadas pelos contadores automatizados de rotina

Mesmo com o avanço da tecnologia e toda modernidade dos contadores de células

automatizados conseguindo fornecer resultados de alta qualidade, estes contadores,

dependendo do nível tecnológico, não são capazes de interpretar certas alterações no sangue,

que podem ser cruciais para o estabelecimento do diagnóstico do paciente, tornando essencial

a análise feita por um patologista clínico (Failace, 2004).

Os contadores são projetados para reconhecer células normais. Quando há alterações

no tamanho e forma celulares, podem ser encontrados problemas de identificação. Essa

limitação é substituída por alertas ou flags geradas pelos contadores, que indicam dificuldade

na identificação. É um resultado qualitativo que informa a necessidade de verificação da

lâmina de sangue periférico por um patologista clínico (Silva et al., 2016).

Deve-se atentar às alterações morfológicas que ocorrem nos eritrócitos, leucócitos e

plaquetas, uma vez que, cada uma dessas alterações apresenta um significado clínico diferente

(Stockham & Scott, 2011).

Alterações em eritrócitos

Dentre as alterações morfológicas em eritrócitos que carecem de exame microscópico

minucioso, podemos citar: presença de metarrubrícitos, anisocitose sem alteração do VCM,

policromasia, hipocromasia, poiquilocitose, alterações de distribuição eritrocitária e

microorganismos e inclusões em eritrócitos (Stockham & Scott, 2011).

Quando há uma anemia regenerativa, a produção de eritrócitos está acelerada,

enviando para circulação eritrócitos imaturos, como os reticulócitos e os eritrócitos nucleados.

Também podem ser observadas quantidades significativas de eritrócitos nucleados em

doenças esplênicas, alterações em níveis de corticosteroides e intoxicação por chumbo. Já em

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gatos, esse achado, na ausência de policromasia significativa, é sugestivo de doença

mieloprofilerativa (Trhall et al., 2014).

Alteração no volume dos eritrócitos é denominada anisocitose, e está associada ao

VCM (volume corpuscular médio), coincidindo com anemia regenerativa. Muitas vezes se

observa microscopicamente macrócitos ou mesmo micrócitos sem alteração numérica fora do

intervalo de referência do VCM (Ochoa & Bouda, 2007).

Alterações na cor do eritrócito também são relevantes. A policromasia indica um

número aumentado de células com colorações diferentes, indicando maior liberação de células

imaturas na corrente sanguínea em resposta a anemia. A hipocromasia se refere à palidez

central aumentada, associada à anemia por deficiência de ferro ou anemias regenerativas com

células contendo baixo teor de hemoglobina (Antunes et al., 2019).

Poiquilócitos são eritrócitos com formas anormais. Essa definição não indica nenhuma

alteração específica, pois existem vários tipos com nomes e características diferentes, desde

alterações mais significativas até outras menos relevantes. O patologista deve ser muito

específico ao examinar e descrever essas alterações, pois alguns desses poiquilócitos estão

associados a algumas doenças. Como exemplos, podemos citar esquistócitos, ceratócitos,

acantócitos e excentrócitos (Thrall et al., 2014).

Alguns microrganismos ou corpúsculos de inclusão virais podem ser identificados pela

microscopia. Alguns exemplos são: Anaplasmaspp., Babesia spp., o corpúsculo de Lentz e

Mycoplasma spp. Inclusões citoplasmáticas que não são parasitas, como: ponteado basofílico,

corpúsculo de Heinz, corpúsculos de Howell-Jolly e grânulos de hemossiderina também são

relatados apenas através da microscopia (Stockham & Scott, 2011; Thrall et al., 2014).

Quanto à distribuição dos eritrócitos é importante diferenciar a ocorrência do rouleaux

da aglutinação de eritrócitos. O rouleaux é a distribuição espontânea dos eritrócitos,

geralmente em forma linear, comum em equinos, enquanto, nas demais, são associadas

geralmente à hiperglobulinemias. A aglutinação geralmente se apresenta como “cacho de

uvas” e está relacionado a formação de anticorpos, sendo sugestiva de anemia hemolítica

imunomediada (Willard & Tvedten, 2012).

Alterações em leucócitos

Com relação aos leucócitos, algumas das alterações observadas na microscopia são:

mórulas de bactérias intracelulares Anaplasma spp.e Ehrlichia spp., inclusões virais como do

vírus da cinomose canina (Corpúsculo de Lentz), protozoários (Hepatozoon spp., Leishamnia

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spp., Trypanossomacruzi)e fungos como Histoplasma capsulatum; alterações associadas a

processos inflamatórios, como neutrófilos tóxicos, corpúsculos de Döhle e neutrófilos

gigantes, sendo as alterações tóxicas, um dado de importante valor prognóstico nas infecções;

a hipersegmentação de neutrófilos (relacionados ao envelhecimento da amostra ou por

concentração elevada do cortisol) e reativação de células como nos linfócitos reativos e

monócitos ativados (Stockham & Scott, 2011).

Alterações em plaquetas

A maior desvantagem na utilização dos contadores automatizados para as plaquetas é a

limitação para identificar agregados plaquetários, dando como resultado uma pseudo-

trombocitopenia (Thrall et al., 2014). Plaquetas gigantes podem também ser observadas em

algumas doenças mieloproliferativas. Nesses casos, o VPM (Volume plaquetário médio)

poderá estar aumentado (Silva et al., 2016).

Outra deficiência dos contadores automatizados, que quantificam as plaquetas pelo

método da impedância é o de não contá-las quando elas ultrapassam o tamanho normal, e

estas células são contadas como linfócitos. Este erro resulta em falsa trombocitopenia.

Microplaquetas também podem não ser adequadamente contabilizadas em contadores

automatizados de rotina (Silva et al., 2016).

Contudo, vale ressaltar que, todos os instrumentos produzem alarmes projetados para

alertar sobre medições que não são confiáveis ou em que pode haver células anormais, como

blastos ou eritrócitos nucleados. Sendo assim, cada laboratório deve estabelecer critérios para

analisar a microscopia dos esfregaços sanguíneos, com base nos alarmes dos equipamentos e

nas condições do paciente. Pois apesar de todo avanço da tecnologia, é necessário examinar o

esfregaço para determinar a morfologia das plaquetas, eritrócitos e leucócitos (Fink, 2005).

Análises veterinárias em laboratórios humanos

Muitos fatores devem ser considerados diante da decisão de onde realizar as análises

laboratoriais dos pacientes. As próprias clínicas veterinárias podem ter os contadores

automatizados para análise hematológica e bioquímica; as amostras podem ser enviadas a

laboratórios veterinários ou indevidamente serem enviadas a laboratório de análises clínicas

humano. A decisão geralmente é baseada em alguns critérios importantes a serem avaliados:

os resultados irão afetar diretamente o tratamento do paciente? O laboratório pode

proporcionar análises de qualidade das amostras? O custo, tempo para liberação de laudos e a

localização geográfica são favoráveis? (Stockham & Scott, 2011; Thrall et al., 2014).

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A única vantagem de solicitar uma amostra animal a um laboratório humano

geralmente é o tempo para a emissão do laudo e por poder ser a única opção disponível em

cidades menos populosas (Stockham & Scott, 2011; Thrall et al., 2014). Porém, as

desvantagens vão muito além.Muitas vezes, os intervalos de referência podem não estar

presentes nos laudos, ou se presentes, não serem apropriados. Os técnicos não são

capacitados, na maioria das vezes, para avaliar as diversas variações celulares entre as

espécies ou patologias que são únicas dos animais. Sendo assim, exames veterinários

realizados em laboratórios de medicina devem ser evitados (Stockham & Scott, 2011).

Segundo a Resolução nº 1.374, de 2 de dezembro de 2020, do Conselho Federal de

Medicina Veterinária (CFMV), que dispõe sobre as atividades dos laboratórios de patologia

veterinária, “laudos laboratoriais são documentos que contém resultados das análises

laboratoriais emitido e assinado por médico veterinário” (CFMV, 2020).

No Art. 3º, destaca-se que a Responsabilidade Técnica em Laboratórios Clínicos de

Diagnóstico Veterinário e demais laboratórios que prestem serviços de assistência técnica e

sanitária aos animais deverá ser exercida, exclusivamente, por médico veterinário. Adiante, no

Art. 10º, discorre que os laudos laboratoriais devem conter obrigatoriamente: nome e número

de inscrição no CRMV do médico veterinário responsável técnico. Ou seja, realizar exames

laboratoriais em laboratórios humanos sem a presença de um médico veterinário para assinar

os laudos, é incorreto (CFMV, 2020).

Considerações finais

O uso de contadores automatizados de células oferece muitas vantagens na rotina

clínico-laboratorial, porém há algumas limitações que precisam ser levadas em consideração

para evitar falsos diagnósticos ou maior restrição das informações. Quando não há o

profissional qualificado para realizar a leitura do esfregaço sanguíneo, a finalidade dos

contadores pode ser negligenciada e algumas imprecisões comprometeriam o diagnóstico.

Dessa forma, o papel do patologista clínico veterinário é imprescindível para a realização da

leitura dos esfregaços de sangue periférico e quando associada a utilização racional dos

contadores automatizados, a acurácia diagnóstica aumenta consideravelmente.

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