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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PROCESSO SELETIVO – TURMA 2016 CURSO DE MESTRADO PLANO DE ESTUDOS MARCO CESAR KRÜGER DA SILVA

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PROCESSO SELETIVO – TURMA 2016

CURSO DE MESTRADO

PLANO DE ESTUDOS

MARCO CESAR KRÜGER DA SILVA

LINHA DE PESQUISA: Políticas Educacionais, Ensino e Formação

GRUPO DE PESQUISA: Prolinguagem – Aquisição, Aprendizagem e Processamento da

Linguagem Oral e Escrita

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APRESENTAÇÃO

A Prefeitura Municipal de Florianópolis lançou no dia 26 de março de 2015 as

Diretrizes Curriculares para a Educação Básica da Rede Municipal De Ensino. Este

documento tem por objetivo apresentar os fundamentos teóricos que devem embasar as

propostas pedagógicas das instituições educativas, bem como a elaboração de políticas

educacionais, entre elas a construção da nova Matriz Curricular de Florianópolis, que está em

fase de finalização e deve ser lançada ainda no primeiro semestre de 2016, e que pretende, por

sua vez, ampliar as discussões presentes na Proposta Curricular de 2008. As Diretrizes

buscam, principalmente, de acordo com o Secretário de Educação, “assegurar a integração

entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, [...] considerando as Políticas e Diretrizes

Nacionais” (PMF, 2015), entre as quais a obrigatoriedade da matrícula das crianças a partir

dos 4 anos na Educação Básica e a ampliação do ensino fundamental para nove anos.

Quando fui admitido como professor efetivo desta rede, em 2011, ano posterior ao da

minha conclusão do Curso de Pedagogia na UDESC, procurei utilizar como referência a

Proposta Curricular de 2008. No entanto, atuando como alfabetizador nos seis anos em que

trabalho no município, escolha motivada pelo grande interesse na área, percebi que o

documento, embora ofereça orientações bastante interessantes no que diz respeito à prática

docente em geral para o bloco inicial de alfabetização (1º ao 3º ano), oferece poucos subsídios

para o desenvolvimento de um trabalho mais sólido com relação à aquisição do Sistema de

Escrita Alfabético (SEA).

Desde as fases inicias do Curso de Pedagogia, iniciado em 2006, tem chamado muito a

minha atenção a área de alfabetização. Os números apresentados pelas estatísticas mundiais,

colocando o Brasil nos últimos lugares no ranking do PISA 2012 (58º em matemática e 55º

em linguagem)1, causava-me profundo desconforto. Por que as crianças não conseguem

aprender satisfatoriamente? O que interfere efetivamente no seu aprendizado? Estes

questionamentos me motivaram a aprofundar os estudos e direcionar minha prática nos

estágios curriculares para os anos iniciais do ensino fundamental. O Estágio na disciplina de

Prática Docente II, que serviu de base para a escrita do Trabalho Final de Estágio (SILVA &

SILVA, 2010), aprovação na disciplina e conclusão do curso (Habilitação em Magistérios das

1 http://www.ebc.com.br/educacao/2013/12/ranking-do-pisa-2012 - https://www.oecd.org/pisa/keyfindings/pisa-2012-results-overview.pdf

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Séries Iniciais), ocorreu numa turma de segundo ano, na Escola Básica Municipal Padre João

Alfredo Rohr.

À época, o enfoque dado ao trabalho realizado teve como base a teoria dos gêneros do

discurso, apresentada principalmente pelos teóricos Schneuwly & Dolz (2004) e Bakhtin

(apud PELANDRÉ, 2005). Segundo esta teoria, o processo de comunicação se materializa

(acontece) tendo como suporte tipos relativamente estáveis de enunciados (que são os gêneros

textuais). De acordo com esse viés, alfabetizar assume um caráter mais amplo, devendo

ocorrer na perspectiva do letramento, ou seja, partindo de situações significativas e reais de

comunicação (bilhete, receitas, rótulos, cartas, entre outros), os gêneros.

Interessante perceber que a Proposta Curricular de 2008 segue a mesma abordagem

teórica, com relação a alfabetização. Em seu segundo capítulo, Processo de Alfabetização e

Letramento nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, encontramos que:

[...] o processo de alfabetizar [se dá] no contexto do letramento, o qual se

debruça no construto teórico do interacionismo sócio-discursivo, vinda da

junção das teorias de Bakhtin (abordagens que tratam da natureza social da

linguagem e das questões dos enunciados e dos gêneros), de Vygotsky

(conceitos de mediação, internalização, desenvolvimento, linguagem e

ensino) e de Schneuwly & Dolz (na organização do ensino de gêneros

textuais como instrumentos das atividades humanas de comunicação ao

aprender a língua) (PMF, 2008, p, 30).

Na sequência, as autoras explicam o entendimento de letramento e de sua relação com

a alfabetização. Mais à frente, refletem sobre qual seria o método de alfabetização da Rede

Municipal de Ensino. Neste ponto, apresentam as reflexões de Morais (apud PMF, 2008), nas

quais o autor ressalta alguns tópicos: o emprego do método isoladamente não garante sucesso

escolar; o método fônico exige um nível de consciência metafonológica exagerado e

antinatural; as tentativas de didatizar a teoria da psicogênese da escrita negligenciaram o papel

das habilidades metafonológicas e não garantiram um ensino sistemático das

correspondências letra-som; a promoção da consciência fonológica pode superar o formato de

treino e deve naturalmente partir do contexto no qual se insere o aprendiz; não existe oposição

em letrar e alfabetizar ao mesmo tempo.

A partir daí, apresentam conceitos sobre o que é método, e que este deve ultrapassar os

limites da ação do professor em sala sobre a apropriação do sistema de escrita alfabética,

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sendo esta tarefa uma responsabilidade de todos os educadores. Continua, afirmando que a

resposta à pergunta feita, sobre o método da rede, “(...) não se fará com soluções isoladas ou

disciplinares, por melhor que sejam as análises e propostas, mas apenas concatenada com um

profundo rearranjo no sistema escolar e na educação disciplinar” (Bagno apud PMF, 2008).

Segue, sugerindo possibilidades no sentido desta articulação educativa nos espaços da escola,

bem como da organização do tempo e do espaço da ação pedagógica. Por fim, no que se

refere à questão específica da alfabetização, apresentam os objetivos gerais e as metas de

aprendizagem.

Com relação às afirmações concernentes ao método, apresentadas na Proposta,

observamos que, ao mesmo tempo em que Morais critica o método fônico, por apresentar-se

antinatural, também desaprova as tentativas de transformar a teoria da psicogênese em um

método de ensino da escrita, já que estariam desprezando o importante papel das habilidades

metafonológicas e assegurando o ensino ordenado das correspondências entre grafema e

fonema. No entanto, finaliza afirma que o incremento da consciência fonológica deve ir além

do treino e partir naturalmente do contexto.

Embora uma leitura rápida desse parágrafo possa, à primeira vista, parecer

confortante, por perceber no autor a busca de um equilíbrio entre as abordagens que, para ele,

se apresentam distantes, visualizamos, justamente no final, uma pequena possível contradição,

já que defende o ensino ordenado das correspondências grafema-fonema e das habilidades

metafonológicas e ao mesmo tempo diz que o incremento da consciência fonológica deve

partir naturalmente do contexto no qual se insere o aprendiz.

Se a Proposta apontasse caminhos metodológicos claros e sistematizados para superar

estes aparentes (ou não) conflitos teóricos que, acredito, estão presentes na prática de muitos

educadores da Rede Municipal de Educação, o problema estaria (possivelmente) resolvido. A

questão é que estes elementos são apresentados de maneira vaga, que permitem múltiplas

interpretações e apropriações por parte dos educadores, e, dessa forma, cada um aplica (ou

não aplica) do jeito que acredita ser o mais adequado.

Na escola em que trabalho atualmente, Escola Básica Municipal Herondina Medeiros

Zeferino, em diálogo com os colegas que atual no mesmo ano (são sete turmas de primeiro

ano), pude perceber que as abordagens metodológicas, refletindo, em diversas situações,

referências teóricas que não estão explícitas, são muito variadas. Na falta de uma proposta

básica para servir de fio condutor para o processo de aquisição do Sistema de Escrita

Alfabético, ela surge muitas vezes espontaneamente, ou não surge, e o trabalho acaba sendo

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baseada em atividades pontuais, abordando conteúdos específicos, que nem sempre fazem

parte de um encadeamento lógico. Poderíamos dizer que esta diversidade de abordagens, para

além de enriquecer o ensino, transforma-o numa colcha de retalhos.

PROBLEMATIZAÇÃO

Diante destas reflexões, algumas perguntas me vem à mente: Qual o método utilizado

pelas(os) professoras(es) alfabetizadores da rede? Há um método explícito? Se não, qual seria

o método implícito? E, a partir daí, é possível mapear estas abordagens metodológicas e

compará-las com algum referencial mais seguro em termos de resultado de alfabetização? Por

fim, seria possível aprofundar as discussões da Proposta vigente e da que será lançada em

breve, com relação as suas possibilidades metodológicas, procurando oferecer outros

caminhos e enriquecê-las?

ESCOLHA PELA UDESC

O interesse em responder estas perguntas, incentivado por alguns colegas da área, fez

com que eu buscasse o Programa de Pós-Graduação – Mestrado – da UDESC. A escolha pela

UDESC aconteceu justamente pela minha trajetória acadêmica nas suas dependências, desde

2006, ano de ingresso no Curso de Pedagogia, na qual pude verificar a excelente qualidade da

instituição, primando pela sólida formação de seus acadêmicos, e também pelos laços de

amizade com outros colegas e professores que tive a oportunidade de tecer ao longo do

período enquanto estudante.

Na forma de um pequeno parêntese, cabe ressaltar, mesmo que isso não tenha validade

para o trabalho em si, mas como forma de expressar minha gratidão pela instituição, que

desde os idos de 2001, quando da minha decisão de ingressar na área da educação, e, assim,

abdicando da carreira de engenheiro, sempre tive como meta o ingresso na UDESC, mesmo já

tendo conhecido bem a UFSC, onde me formei em Engenharia de Controle e Automação

Industrial, em 2003.

LINHA E GRUPO DE PESQUISA

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Voltando à linha de raciocínio, foi com muita alegria que tomei conhecimento da

abertura da linha de pesquisa “Políticas Educacionais, Ensino e Formação”, pela qual tenho

muito interesse, já que as duas linhas anteriores, embora muito interessantes, não atendiam

aos meus anseios. Dentro desta linha, o grupo que naturalmente contempla a proposta de

pesquisa a ser apresentada é o “Prolinguagem – Aquisição, Aprendizagem e Processamento

da Linguagem Oral e Escrita”, coordenado pela professora Dalva Maria Alves Godoy,

justamente por ter como foco os processos envolvidos na aquisição e aprendizagem da

linguagem oral e escrita, especialmente no que diz respeito às implicações desses processos

sobre a alfabetização e o ensino da Língua Portuguesa.

A abordagem utilizada por este grupo é a cognitiva. Para Cruz (2007) “não existe

nenhuma abordagem suficientemente abrangente e completa acerca da leitura”, no entanto, a

escolha por uma delas se torna necessária. “A abordagem cognitiva tem vindo ganhar relevo

no âmbito da aprendizagem” (Ibidem). Isso acontece:

[...] devido à sua preocupação em perceber como é que as pessoas organizam sua mente, tendo em conta as suas experiências. Ou seja, dá ênfase à análise dos processos cognitivos internos usados pelas pessoas na resolução de diferentes tarefas cognitivas, nomeadamente na seleção, codificação, armazenamento e evocação de informações (MORAIS apud CRUZ, 2007, p. 8).

Cruz (2007, p. 6) ainda analisa duas outras abordagens: neuropsicológica e

sociocultural. Com relação à primeira, observa que “está mais orientada para aspectos

intrapsíquicos, negligenciando aspectos intragrupo e intergrupo, mais de foro social e sócio-

cultural”. Por outro lado, o problema da segunda:

[...] é que esta apenas sugere traços gerais e princípios que o próprio professor deve reinterpretar para criar as suas formas particulares de orientar o ensino, e não são sugeridas rotinas e métodos concretos de ensino de leitura (Ibidem, p. 7-8).

PROPOSTA DE TRABALHO

Partindo das considerações acima formuladas, e considerando:

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a) Que a abordagem cognitiva é possivelmente a que melhor compreende o processo

de aprendizagem da leitura, o que é atestado pelos inúmeros estudos realizados na

área, apresentando dados concretos e mensuráveis;

b) Que há uma possível lacuna ou descompasso entre a abordagem teórica na área da

alfabetização do município, presente na Proposta Curricular de 2008, e a(s)

metodologia(s) utilizadas em sala de aula pelos professores;

c) Que muitas crianças chegam ao final do bloco inicial de alfabetização (BIA) na

Rede Municipal de Ensino de Florianópolis sem saber ler ou escrever, ou com

grande defasagem nesta área;

Propõe-se um trabalho de pesquisa com o seguinte tema geral:

Método de alfabetização.

Como possível título para o trabalho de pesquisa, sugere-se a seguinte redação:

Contribuições teórico-metodológicas da abordagem cognitiva para a Rede

Municipal de Ensino de Florianópolis na área de alfabetização.

Objetivos

Objetivo Geral

O objetivo geral da pesquisa, de acordo com as questões levantadas, é:

Oferecer contribuições metodológicas da teoria cognitiva na área da

alfabetização para a Rede Municipal de Ensino de Florianópolis.

Objetivos Específicos

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1. Evidenciar os métodos2 de alfabetização utilizados pelas(os) professoras(es) da

Rede Municipal de Ensino de Florianópolis.

2. Conhecer de forma mais aprofundada a abordagem teórica que sustenta o

trabalho de alfabetização da Proposta Curricular da prefeitura, incluindo a

nova proposta.

3. Verificar as fragilidades dos elementos analisados nos itens anteriores, de

acordo com as pesquisas na área da abordagem cognitiva sobre a

aprendizagem da língua escrita.

4. Oferecer contribuições teórico-metodológicos da abordagem cognitiva que

possam contribuir com a superação das fragilidades ressaltadas no item

anterior.

Atividades

Como atividades para atingir os objetivos acima, propõe-se:

1. Observação e análise das aulas e dos registros, e entrevista com um grupo de

professoras(es) da Rede Municipal de Ensino.

2. Estudo e análise da Proposta Curricular antiga (2008) e nova (2016) da Rede

Municipal de Ensino, especialmente na abordagem teórica e metodológica

sobre a alfabetização.

3. Fazer um levantamento das experiências utilizando métodos baseados na

abordagem cognitiva em níveis regional, nacional e internacional, procurando

ressaltar diversos elementos, como eficácia, e comparar elementos

evidenciados nas duas atividades anteriores, com base em critérios e

indicativos mensuráveis.

4. Elaborar um conjunto de possibilidades teórico-metodológicas exitosas da

abordagem cognitiva que possam enriquecer a Proposta Curricular nova,

apresentando caminhos metodológicos mais robustos, especialmente para a

aquisição do Sistema de Escrita Alfabético.

2 Método é a soma de ações baseados em um conjunto de princípios e hipóteses psicológicas, linguísticas, pedagógicas, que respondem a objetivos determinados. Em alfabetização o método será, pois o resultado da determinação dos objetivos a atingir (conceitos, habilidades, atitudes que caracterizarão a pessoa alfabetizada). (SOARES, 2004, p.93)

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ABORDAGEM COGNITIVA

Para Cagliari (1993) “a alfabetização é [...] sem dúvida o momento mais importante na

formação escolar”. “Ser analfabeto é estar em uma profunda desvantagem no mundo

moderno” (ELLIS, 1995, p. 85). Em se apropriando desta tecnologia – escrita, a criança terá

mais condições e autonomia para a aquisição de novos conhecimentos, aumentando suas

chances de obter sucesso na sua trajetória escolar.

Porém, “é essencial promover a consciência de que ensinar a ler é uma tarefa

complexa” (CRUZ, 2007, vii), já que envolve diversas habilidades, como percepção,

memória, pensamento, inteligência e linguagem (GODOY, 2005). Cruz (Ibid.) salienta, por

esse motivo, a “importância da formação dos professores”. Ellis apresenta um estudo

realizado em 1925 com um grupo de 560 professores da primeira série. Neste estudo, foi

perguntado a eles em que consistia a “prontidão para a leitura”. As respostas abordavam

compreensão apropriada, suficiente comando do idioma, bom vocabulário oral e amplas e

variadas experiências (HOLMES apud ELLIS, 1995, p. 86). Sua intenção, citando essa

experiência, era mostrar que aqueles professores já sabiam o que é afirmado atualmente pelos

psicólogos cognitivos, isto é,

[...] que a leitura baseia-se em uma ampla gama de processos e habilidades psicológicas, muitas das quais não são específicas à leitura e muitas das quais iniciam seu desenvolvimento bem antes de as crianças começarem a ler (Ibid).

Quais seriam, então, estas habilidades?

Nos últimos 40 anos houve um avanço expressivo nas investigações da área de leitura. A psicologia cognitiva, interessada em compreender quais os processos envolvidos no ato de ler e escrever, produziu inúmeras evidências sobre a importância da consciência fonológica para a aprendizagem alfabética e destacou a consciência fonêmica como uma habilidade estreitamente relacionada ao sucesso dessa aprendizagem (Castles & Coltheart, 2004; Liberman, Shankweiler, Fischer, & Carter, 1974 apud GODOY et al., 2014).

Temos, então, a consciência fonológica como um campo aberto e rico para pesquisas

na área da alfabetização, justamente porque “provou ser um melhor previsor de

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desenvolvimento da leitura do que o desempenho em testes de inteligência” (WAGNER &

TORGESON, 1987 apud ELLIS, 1995, p. 87).

Entende-se consciência fonológica como um conjunto de habilidades, integrante das habilidades metalinguísticas, que possibilita ao sujeito refletir e manipular conscientemente os sons da fala [...]. As habilidades de consciência fonológica, também denominadas de habilidades metafonológicas, podem ser mensuradas por meio de tarefas de identificação e de manipulação de partes sonoras das palavras, tais como a identificação de rimas, sílabas e fonemas e a manipulação de sílabas e de fonemas cujas tarefas podem exigir operações de análise e/ou síntese e de memória de trabalho (GODOY, 2014, p. 314).

Outros estudos de grande abrangência caminham na mesma direção. O National

Reading Panel (2000) afirma que, para um aprendizado eficiente da leitura e da escrita, duas

habilidades são essenciais: a consciência fonológica e em especial a consciência fonêmica, e o

conhecimento das correspondências entre grafemas e fonemas. Por esse motivo, a estimulação

precoce da primeira habilidade tem sido inclusive recomendada, como forma de favorecer a

aprendizagem alfabética (NATIONAL READING PANEL apud GODOY, 2016).

Dessa maneira, além do desenvolvimento da consciência fonológica, como forte

previsor para o desenvolvimento da leitura, vários estudos perceberam outro importante

elemento que contribui para esse sucesso: “a fluência com a qual um pré-leitor pode

identificar (dar nome) às letras do alfabeto” (BOND & DYKSTRA, 1967; TUNMER,

HERRIMAN, NESDALE, 1988 apud ELLIS, 1995, p. 87).

Importante ressaltar que as línguas espalhadas pelo planeta apresentam características

diferentes, com relação a vários aspectos, e um desses aspectos, que tem influência na

abordagem metodológica do seu ensino, é o seu grau de transparência3. Encontramos em Cruz

(2007, p. 39) uma tabela que classifica algumas línguas de acordo com a sua regularidade ou

transparência. De “muito regular” (número 5) até “irregular” (número 1) temos: 5 –

Finlandês; 4 – Espanhol, Italiano, Português e Húngaro; 3 – Alemão, Holandês, Sueco,

Norueguês, Irlandês e Grego; 2 – Dinamarquês e Francês; 1 – Inglês.

A Língua Portuguesa, de acordo com esta classificação, possui uma regularidade

considerável, o que justifica a utilização de métodos de ensino que enfoquem de maneira

explícita a relação grafema-fonema, favorecendo o desenvolvimento da consciência

3 Uma ortografia é considerada transparente quando representa as relações entre fonemas e grafemas de maneira consistente. Quando esta representação está baseada em relações inconsistentes, a ortografia é considerada opaca. As relações consistentes são do tipo um-pra-um, um fonema é representado por um grafema e vice-versa. São ditas relações inconsistentes quando um fonema pode ser representado por diferentes grafemas e vice-versa (GODOY & PINHEIRO, 2013).

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fonológica em nível fonêmico e, por sua vez, uma aprendizagem mais eficiente, com a

aquisição mais rápida dos processos de leitura e escrita. Em uma língua opaca ou irregular,

com muitas inconsistências ortográficas, pode-se optar por métodos que valorizem a

memorização da palavra como um todo. Mesmo assim, muitos trabalhos têm demonstrado

que, mesmo nas línguas irregulares, a instrução explícita para a compreensão das relações

grafema-fonema tem a sua importância, contribuindo para o melhor desenvolvimento da

leitura (GODOY & PINHEIRO, 2013, p. 10).

Ellis (1997, p. 96-97), fazendo um exame sobre diferentes métodos de ensino,

apresenta um estudo de grande escala sobre o progresso da leitura no primeiro ano de

escolarização, coordenado pelo US Office of Education, não apenas enfocando os métodos de

leitura, mas também prontidão para a leitura, características de aluno, professor, salas de aula,

escola e comunidade. Os resultados mostraram que as crianças com treino explícito em

fonética superavam aquelas ensinadas por métodos de palavras inteiras. Esse dado ficava

ainda mais evidente quando o exercício fonético era associado com a experiência de leitura de

histórias.

Na sequência, o mesmo autor relata diversos estudo, desta vez de intervenção4, nos

quais é avaliada a influência de treinamentos de consciência fonológica na ampliação da

capacidade de leitura e escrita. Em um dos testes (HATCHER, HULME & ELLIS apud

ELLIS, 1997, p. 99-101) 128 crianças foram divididas em 4 grupos de 32. Elas já haviam

experimentado pelo menos 2 anos de escolarização e encontravam-se abaixo da média em

termos de capacidade de leitura. Um dos grupos foi o de controle, que apenas recebeu seu

ensino normal de sala de aula. O grupo apenas fonologia realizou atividades extras com

tarefas apenas na área fonológicas, sem leitura ou escrita, voltadas para a melhoria na

consciência fonológica. No grupo leitura mais fonologia as crianças receberam treinamento

integrado de fonologia e leitura, no qual as tarefas fonéticas envolviam, por exemplo, a

segmentação de palavras e sua posterior reconstrução original ou modificada. Por fim, o

grupo apenas leitura recebeu instruções idênticas aos anteriores, eliminando-se, porém, todas

as tarefas fonológicas. Concentravam-se, portanto, em experiências com palavras completas e

linguagem.

Repetindo a bateria de testes ao final da intervenção, o estudo verificou que as

crianças do grupo apenas fonologia apresentavam a maior melhoria nas atividades de

4 Os estudos de intervenção se caracterizam por uma participação ativa do pesquisador. Nesse caso, com a retirada das crianças de sala e oferecendo-as várias espécies de ensino extra, sendo estas crianças avaliadas antes e depois do processo.

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conscientização fonológica, seguido pelo grupo leitura mais fonologia. As do grupo apenas

leitura não ultrapassaram o índice das do controle, mostrando a necessidade de se tornar

explícitas as relações entre grafema e fonema para o desenvolvimento desta habilidade.

Na leitura de palavras isoladas, o grupo leitura mais fonologia superou os anteriores,

que ficaram no mesmo nível do de controle. Da mesma forma, e de maneira ainda mais

significativa, observou-se o mesmo resultado na leitura de textos.

Houve uma melhora do grupo apenas leitura sobre o de controle somente nos escores

para compreensão. Mas, o grupo leitura mais fonologia foi o que melhor resultado obteve,

também nesse quesito.

A conclusão do estudo indica que:

A acuidade de leitura e a compreensão da leitura não são paradoxais, mas andam lado a lado, porque a compreensão bem-sucedida de uma passagem de texto depende da identificação efetiva de suas palavras componentes. Se melhores habilidades fonéticas significam melhor identificação de palavras, então isto também significará uma melhor compreensão (ELLIS, 1997, p. 101).

Um estudo longitudinal, realizado por Godoy (2005) na cidade de Florianópolis/SC,

investigou dois grupos de crianças, alfabetizadas segundo métodos diferentes. Um dos grupos

recebeu o ensino de acordo com o método fônico, e o outro sustentado por uma abordagem

construtivista. Este estudo durou dois anos, acompanhando as crianças do início do primeiro

ano ao final do segundo ano. Três avaliações ao longo do período mensuraram os níveis de

aprendizado de cada grupo. Um dos aspectos avaliados, relacionado com a contribuição da

consciência fonológica, apresentou resultados que corroboram com informações até aqui

apresentadas, nos quais o desenvolvimento das habilidades fonêmicas “se mostrou como o

mais forte preditivo dos desempenhos em leitura e em escrita de palavras ao final do 2º ano”

(GODOY, 2013, p. 12).

Uma dimensão do processo de aprendizado em que se observa pouca discussão é a

influência da família. Hewison (apud ELLIS, 1997, p. 102) apresenta o resultado de um

estudo no qual o envolvimento dos pais no processo de aprendizado da leitura foi estimulado.

Esses pais foram instigados a passar um tempo por semana lendo e conversando com seus

filhos sobre o que haviam lido. Três anos após o término do projeto, as crianças cujos pais

haviam-se envolvido liam consideravelmente melhor do que as outras.

Retornando à questão do método, poderíamos refletir sobre o motivo pelo qual estes e

muitos outros estudos sobre a maneira como se aprende a ler e escrever e sobre as habilidades

que influenciam direta e indiretamente esse processo não são incorporados por instituições e

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redes de ensino, como a de Florianópolis, para servir de contribuição na elaboração de

caminhos metodológicos mais claros e seguros, especificamente na área da alfabetização.

Ellis (1997, p. 95) sugere uma hipótese. Segundo ele,

Poder-se-ia pensar que a escolha de um método didático em detrimento a outro estaria baseada em evidências claras, mostrando que as crianças ensinadas por uma abordagem aprenderiam a ler melhor do que aquelas ensinadas por um método diferente. Na maior parte do tempo, contudo, isso seria incorreto [...], [sendo] a política [educacional] [...] determinada pela moda e zelo dos entusiastas de determinada abordagem.

O autor conclui (Ibid., p. 102) o capítulo do livro dedicado à aprendizagem da leitura e

da escrita afirmando que:

Se desejarmos basear nossas recomendações educacionais em evidências, em vez de na política ou modismos, então todas as evidências atuais favorecem fortemente os métodos de ensino que incorporam um elemento fonético claro e sistemático.

Esperamos que o resultado desta pesquisa possa oferecer reflexões proveitosas,

sobretudo relacionadas às abordagens metodológicas para a alfabetização, da Rede Municipal

de Ensino de Florianópolis, apresentando também possibilidades, mesmo que em nível local,

para enriquecer e dar consistência às práticas em sala de aula dos professores, com base

naquilo que a abordagem cognitiva tem a oferecer, conforme o que já foi demonstrado.

REFERÊNCIAS

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. 6. ed. Scipione, São Paulo: SP. 1993.

CRUZ, Vitor. Uma abordagem cognitiva da leitura. Portugal, Lisboa: Lidel, 2007.

ELLIS, Andrew W. Leitura, Escrita e Dislexia: uma análise cognitiva. Tradução de Dayse

Batista. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

FLORIANÓPOLIS. Diretrizes Curriculares para a Educação Básica da Rede Municipal

de Ensino de Florianópolis / SC. Florianópolis, 2015. Disponível em:

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<http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/10_06_2015_16.19.05.03600439840b1360

ea482ab070857b4c.pdf> Acesso em: 03 mai, 2016.

GODOY, Dalva M. A. Aprendizagem inicial da leitura e da escrita no português do

Brasil: influência da consciência fonológica e do método de alfabetização. Tese (Doutorado

em Linguística). Curso de Pós-Graduação em Linguística. Centro de Comunicação e

Expressão. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2005.

GODOY, Dalva M. A. Conteúdos linguísticos como subsídio à formação de professores

alfabetizadores – a experiência do Brasil e de Portugal. Revista Brasileira de Estudos

Pedagógicos, Brasília, v. 97, n. 245, 2016.

GODOY, Dalva M. A.; FORTUNATO, Natália; PAIANO, Aline. Panorama da Última

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