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IV. JORNADAS DE HISTORIAS DE VIDA EN EDUCACIÓN El papel de la investigación biográfico-narrativa en la formación inicial y permanente del profesorado http://historiasdevida2013.wordpress.com/ SABERES EM AÇÃO CAPTADOS PELO TEXTO E PELA IMAGEM - NARRATIVA DE UMA EXPERIÊNCIA FORMATIVA NO CAMPO DA EXPRESSÃO DRAMÁTICA Manuel Neiva (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto)*, Amélia Lopes (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto)** y Fátima Pereira (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto)*** [email protected]*, [email protected] ** y [email protected]*** Temática: Acciones sobre las que tomar conciencia. SABER DO E PARA O INÍCIO Este texto pretende contextualizar, comunicar e analisar parcialmente um trabalho empírico realizado por uma comunidade de aprendizagem em ação e reflexão, em torno do domínio da expressão dramática em educação de infância - em que são mobilizados alguns saberes essencialmente da perspetiva do investigador principal, mas com a contribuição inequívoca de outros sujeitos - de forma a explorar a ideação, o desenvolvimento e a utilidade de uma investigação-ação (IA). O investigador desde a sua formação inicial em educação de infância que perspetivou processos de ensino e de aprendizagem no paradigma sócio-crítico nas dimensões pessoal, académica e profissional. O facto de ter continuado a sua formação académica em teatro-interpretação (apesar de não ter concluído o curso), de ter finalizado o mestrado em educação artística (especialização em teatro- educação) e de ter interesses potencialmente culturais, são indícios da procura do prazer do conhecimento e das potencialidades do cruzamento entre as áreas do saber teatral e educativo. Assim, parece não distanciar, nem espartilhar, a sua formação pessoal e académica, da artística e profissional. Se estas foram motivações iniciais para a continuidade da sua formação, nomeadamente pela frequência de um curso -1-

historiasdevida2013.files.wordpress.com · Web viewUm último exemplo de intervenção, gerado e caracterizado pelo ciclo de IA, emergiu da possibilidade de se explorar técnicas

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IV. JORNADAS DE HISTORIAS DE VIDA EN EDUCACIÓN

El papel de la investigación biográfico-narrativa en la formación inicial y permanente del profesorado

http://historiasdevida2013.wordpress.com/

SABERES EM AÇÃO CAPTADOS PELO TEXTO E PELA IMAGEM - NARRATIVA DE UMA EXPERIÊNCIA FORMATIVA NO CAMPO DA EXPRESSÃO DRAMÁTICA

Manuel Neiva (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto)*, Amélia Lopes (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto)** y Fátima Pereira (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto)***

[email protected]*, [email protected] ** y [email protected]***

Temática: Acciones sobre las que tomar conciencia.

SABER DO E PARA O INÍCIO

Este texto pretende contextualizar, comunicar e analisar parcialmente um trabalho empírico realizado por uma comunidade de aprendizagem em ação e reflexão, em torno do domínio da expressão dramática em educação de infância - em que são mobilizados alguns saberes essencialmente da perspetiva do investigador principal, mas com a contribuição inequívoca de outros sujeitos - de forma a explorar a ideação, o desenvolvimento e a utilidade de uma investigação-ação (IA).

O investigador desde a sua formação inicial em educação de infância que perspetivou processos de ensino e de aprendizagem no paradigma sócio-crítico nas dimensões pessoal, académica e profissional. O facto de ter continuado a sua formação académica em teatro-interpretação (apesar de não ter concluído o curso), de ter finalizado o mestrado em educação artística (especialização em teatro-educação) e de ter interesses potencialmente culturais, são indícios da procura do prazer do conhecimento e das potencialidades do cruzamento entre as áreas do saber teatral e educativo. Assim, parece não distanciar, nem espartilhar, a sua formação pessoal e académica, da artística e profissional.

Se estas foram motivações iniciais para a continuidade da sua formação, nomeadamente pela frequência de um curso doutoral e desenvolvimento de um projeto de investigação, afeto a estas áreas, afiguraram-se outras necessidades como urgências sentida pelo investigador, a partir da própria consciencialização de que estaria a afastar-se das questões teatrais e de alguma identificação das potencialidades destas em contexto educativo, que não tinha vindo a observar em algumas instituições de educação de infância com que contactava.

Deste modo formou-se uma ideia inicial para o desenho do estudo, que tivesse como objeto os processos de desenvolvimento de competências dramáticas na profissionalidade do/a educador/a de infância. No entanto, o seu interesse ultrapassava a realização de um estudo isolado ou de teor exclusivamente teórico, e com a intenção de operacionalizar o estudo a partir de uma investigação colaborativa e participativa, como muita literatura no campo da educação (de infância) defende, com o apoio das orientadoras, desenhou um dispositivo de IA~formação (Lewin, 1946, apud Latorre, 2008) - essencial para o desenvolvimento profissional - que foi apresentado a algumas educadoras do seu conhecimento. Assim, as nove educadoras - em serviço nas valências

de creche de pré-escolar, de três contextos diferenciados - que tiveram interesse pela temática e consecutivamente demostraram desejo em cooperar na exploração e na estruturação de conceitos e procedimentos dramáticos, com o investigador principal e as orientadoras do estudo, constituíram a equipa de investigação praxeológica. No entanto, neste texto, de forma a recortar a amplitude dos dados, apenas se abordará dinâmicas de um pequeno grupo de trabalho (restrito) com três educadoras de infância na valência de creche.

Alguns dos interesses destas educadoras, expressos em narrativas profissionais (NP) pedidas - com vista a uma caracterização das mesmas -, revelam proximidade com o desejo de saber do investigador, alguma ausência~urgência de conhecimentos técnicos no âmbito da expressão dramática e a consciência da importância do binómio entre o desenvolvimento profissional e pessoal: "[Na formação inicial] Poucas técnicas de expressão dramática e conhecimentos de expressão musical, foram transmitidos." (NP - Palmira); "Tudo o que eu puder aprender, fazer, descobrir sobre as competências dramáticas serão sem dúvida uma mais-valia para mim como pessoa e profissional." (NP - Natércia).

Este texto introdutório, para além de já ter evidenciado alguns saberes prévios, que apoiaram o início e o desenho do projeto, expôs alguns motes para o mesmo. De seguida, concomitantemente a um enquadramento metodológico, técnico e morfológico, convoca-se os conceitos de labor~trabalho~ação/praxis mobilizados no estudo de Coulter (2002), porquanto afirma que os/as docentes e os processos de ensino e de aprendizagem envolvem necessariamente esta tríade. Desta forma, será sob estes vértices que narraremos parcialmente algumas experiências de aprendizagem a partir deste projeto de IA desenvolvido no distrito do Porto (Portugal), durante o ano letivo 2012-2013. Ou seja, utilizamos esta leitura para ilustrar e categorizar as diversas tipologias de ação desenvolvidas ao longo do nosso estudo.

DO DESENHO DO DISPOSITIVO DE INVESTIGAÇÃO À (PLANIFIC)AÇÃO

Como a intenção nuclear dos participantes no estudo era a conceptualização e a melhoria das práticas educativas, a partir da questão de pesquisa - qual o contributo do desenvolvimento de competências dramáticas no desenvolvimento profissional do/a educador/a de infância? - assumiu-se a exequibilidade de uma espiral de ciclos inerentes a um processo de IA, de acordo com Latorre (2008), com fases de planificação, atuação, observação e reflexão (cf. Quadro 1), em que se recorreu às seguintes técnicas de recolha de dados: observação, conversação e análise de documentos. Relativamente aos instrumentos utilizados, para além das NP, ainda serão mobilizadas narrativas de observação (NO) realizadas pelo investigador, registos escritos (RE) das educadoras e fotografias captadas em algumas intervenções.

Coulter (2002) revela no seu estudo que a ação em IA é muitas vezes tida como garantida, sem que muitas vezes se explicite o que significa essa ação. Nesta senda, o autor (ibidem) recorre à conceção triádica de Arendt sobre a ação humana - labor~trabalho~ação - para compreender estas relações no campo educativo e dar conta de como repercutem na construção de conhecimento e/ou em transformações neste campo. Numa primeira instância alude a Aristóteles, ao correlacionar os conceitos de

labor e de trabalho com o conceito de poiesis, porquanto envolve meios e fins pré-determinados; e, por outro lado, correlaciona o conceito de ação com o de praxis, pois intenta outros fins, nomeadamente a ação ética (ibidem).

Numa segunda instância, Coulter (ibidem) define: labor - como uma atividade efémera e de rotina; trabalho - como uma atividade técnica (e.g. realizada por artesãos ou por fabricantes de objetos); ação/praxis - como uma atividade social detentora de liberdades e de responsabilidades.

Relativamente ao labor, uma vez que nesta categoria não são criados novos produtos, associámos a sensação cumulativa das tarefas, pelo esforço de manter as educadoras envolvidas em cada ciclo e a responsabilidade contínua de organização de dados; ou seja, a prossecução da calendarização de atividades que enformaram uma rotina caracterizada pelos diferentes meios ou tarefas do projeto (cf. Quadro 1); e tínhamos definido um fim do estudo empírico, mesmo que no processo pudesse ocorrer alterações e não se soubesse resultados epistémicos. No entanto, no sentido do desejo de saber e de continuar a agir na educação, em correlação com o conceito de formação ao longo da vida, o labor parece não ter um fim pré-determinado.

Quadro 1 - Cronograma do projeto de IA

setoutnovdezjanfevmarabrmaijunjul

1

2Recolha de narrativas profissionais

3

4Encontros de grupos de discusão

5Encontros de grupo de formação

6Recolha de narrativas de formação

7Análise de conteúdo

Seleção e caracterização dos campos de ação

Observação participante

TarefaDescrição das tarefas

Ano letivo 2012-2013

 

Quanto à transição do labor para a analogia com o conceito de trabalho, visou-se que cada etapa do processo fosse a génese da seguinte; ou seja, por exemplo, o trabalho de registo das primeiras observações e indagações do investigador principal e das expectativas e interesses das educadoras foram os elementos que guiaram a prossecução dos primeiros encontros de discussão e de formação, pela elaboração de guiões de encontros de reflexão~discussão focalizada e de planificações para encontros de formação - que, em alguns casos, orientaram as observações seguintes e sustentaram algumas intervenções. Por exemplo, a partir de um registo nas NO - "(...) a educadora dinamizou duas atividades de transição: canto de músicas em competição positiva e/ou partilha com o outro grupo; e realização do jogo tradicional - «o rei manda» - com a exploração de algumas emoções e perceções." - o investigador propôs no primeiro encontro restrito a reflexão em torno dos conceitos de improvisação, de ludicidade e de sensibilidade em correlação com a diversidade das qualidades e variáveis de expressão verbal e não verbal; e nos dois primeiros encontros de formação propôs a exploração das variantes de movimento (e.g. dimensão, nível, posturas; cf. Imagem 1) em articulação com a exploração de diferentes indutores musicais e a recriação de um outro jogo tradicional.

Imagem 1 - Exploração do movimento no espaço em equipa alargada

As três educadoras expressaram nos RE das sessões de formação ter cogitado, aquando a exploração dos exercícios, os seus envolvimentos e sentimentos como se de um laboratório se tratasse - "(...) fomos ficando cada vez mais envolvidas e abstraídas do mundo exterior, vivendo apenas o momento e construindo imagens e movimentos imaginados." (Palmira); "(...) saio daqui contente porque aprendi muito (...)" (Constança) - ao mesmo tempo que comentavam e reconheciam as técnicas exploradas: "(...) fiquei feliz por pensar que vou «levar» hoje comigo «material/ferramentas» que há muito estavam adormecidas em mim." (Natércia); "Todos os jogos apresentados foram diferentes e enriquecedores para a prática (...) é perfeitamente capaz de se realizar com a faixa etária em que me encontro a trabalhar (...)" (Constança).

Deste modo, as educadoras também assumiram nos RE ter refletido em como aplicar as experiências vivenciadas com os grupos de crianças e ainda notaram impactos pessoais ao evidenciarem a importância do bem-estar durante o desenvolvimento do trabalho: "(...) sinto-me mais solta e com um pouco mais de expressividade, para além de fazer bem à alma e ao espírito." (Palmira); "Diverti-me muito na realização de todos os jogos propostos." (Constança); "Senti que há muito [tempo] algumas partes do meu corpo não eram «trabalhadas» e lentamente foram «ganhando vida»." (Natércia).

Esta última educadora ainda valorizou e inferiu sobre as potencialidades deste tipo de registo escrito, não só como forma de consciencialização das atividades e competências dramáticas, como também reconheceu a importância que as (suas) reflexões podem ter na prossecução e extensão deste estudo: "Senti também, que esta parte de «falar» aquilo que eu sinto foi excelente. Sem medos de nada (...) é bom saber que tudo o que escrever pode fazer a diferença não só para mim mesma como profissional." (RE - Natércia).

No entanto, porque os encontros de reflexão~formação - em que se criaram objetos - subsistiam pela interação entre diferentes sujeitos e equipas de trabalho, os RE revelaram intersecções dicotómicas quanto ao conceito de ação/praxis. Aquando as primeiras sessões, enquanto algumas educadoras se sentiram integradas, outras identificaram algumas resistências: "Logo de início consegui sentir boa abertura e coesão no grupo, o que facilitou a integração e a adesão das ideias e sugestões do orientador." (Palmira); "(...) senti sentimentos diversos: vergonha, nervosismo, receio (...)" (Constança); "Senti uma mistura de alegria e de descontentamento por ver e sentir «atitudes» de algumas colegas." (Natércia). Contudo, posteriormente a educadora Constança já notou a ausência de "vergonha"; a educadora Natércia referiu ter-se sentido "completamente à vontade", talvez pelo efeito e desenvolvimento dos exercícios~trabalhos. Este argumento foi usado num último RE: "O registo gráfico [de um guião dramático] também foi bastante interessante para a planificação da peça de uma forma mais participada por todos os elementos do grupo" (Palmira).

Não obstante, a intervenção - entendida como atividade socioeducativa - alargou-se para a dinâmica das três salas com duas experiências: uma com as crianças de um ano (cf. Imagem 2) e outra com as crianças das duas salas dos dois anos. O trabalho (prévio) de planificação nas duas ações teve em conta os interesses das educadoras de acordo com os projetos curriculares de sala.

Imagem 2 - Exploração de jornais

A experiência desenhada para a sala de um ano integrou o tema proposto pela educadora - as emoções - e propôs-se a utilização de um objeto do quotidiano (o jornal) como mediador, em que cada ação com as folhas de jornal correspondia a uma emoção. A partir das NO depreendeu-se que as crianças reagiram quase sempre por imitação às ações com o jornal e que a cooperação entre os/as profissionais foi nuclear, porquanto

"A repetição de cada ação proposta e a interação de um para um foi essencial para o sucesso e participação de todas as crianças, por isso, quer a educadora, quer as auxiliares, começaram a seguir a estrutura da atividade.". Concomitantemente foram notados momentos de liberdade de expressão individual e momentos de estimulação de jogo em díades e tríades de crianças - como indicadores da responsabilidade e intencionalidade dos intervenientes.

A atividade dinamizada com as crianças dos dois anos partiu não só do interesse de ir ao encontro da preparação de uma dramatização com os dois grupos em desenvolvimento pelas educadoras, como também pela exploração de alguns exercícios, explorados num momento formativo, de variantes do movimento e de representação do processo de crescimento de uma árvore, em que se articulou o trabalho sobre o gesto e a vocalização. Relativamente ao envolvimento das crianças, confrontamos a expectativa da educadora Palmira - "(...) consigo imaginar o meu grupo envolvido na representação da atividade da árvore, estando já ansiosa para experimentar esta dinâmica (...)." (RE) - com a NO do investigador, como uma possível apreciação do envolvimento das crianças e do (des)envolvimento das educadoras:

Enquanto algumas [crianças] se expressavam sem qualquer bloqueio (...), outras foram mais económicas na expressão, quer verbal quer não verbal. Parece que este facto deveu-se ou ao estranhamento da tipologia de ações, ou ao interesse de apreender e fruir. (...) algumas crianças estavam a realizar aqueles movimentos pela primeira vez. (...) estavam mesmo num processo de pesquisa de como realizar as ações propostas. [As educadoras] (...) se por um lado seguiram a estrutura da construção da «árvore humana» (...), por outro, alteraram a forma de desconstrução da mesma (...) esta nova articulação e/ou desenvolvimento da atividade, não só se evidenciou mais adequada às idades das crianças (dois anos), como também favoreceu uma melhor integração e mobilização de conhecimentos. (...) Parece que esta experiência de orientação de uma sessão, com dois grupos de crianças e três orientadores-participantes adultos, possibilitou igualmente o desenho de modos de colaboração e o desenvolvimento de técnicas de expressão. (NO)

O interesse e a motivação das três educadoras, relativos ao desenvolvimento de ações no âmbito da expressão dramática, ainda extravasaram as dinâmicas dos encontros formativos e das salas, ao terem proposto que o investigador realizasse duas sessões com os familiares e as crianças - sob a denominação de "Projeto drama e muito mais". As orientadoras do estudo e o próprio investigador anuíram a proposta, pelo seu potencial de ampliação do campo de observação~ação, porquanto seria mais uma oportunidade que se enquadrava na evolução da IA, mas contrapropuseram às educadoras que detivessem o protagonismo na conceção e orientação das sessões. Assim, um encontro restrito de reflexão-discussão teve como finalidade delinear as linhas de ação do projeto em que, por exemplo, se definiu utilizar espaços diferenciados, ou seja, um interior (apenas com recurso ao indutor musical) e outro exterior (em que prescindiu intencionalmente da música em prol da utilização de objetos). Este processo contou com a supervisão do investigador, que procedeu à revisão dos planos de ação, a ensaios e à participação nas sessões.

As educadoras (...) permaneceram animadas e motivadas e (...) transpareciam segurança. (...) [Nas sessões,] Desde logo, o facto de alguns [participantes] tirarem os sapatos, evidenciou a disponibilidade para o tipo

de propostas, tal como a efetiva exploração de movimentos de rolamento no chão, entre outros, e os constantes sorrisos de boa disposição, descoberta e implicação prazenteira que o trabalho de movimento transportou para todos e entranhou em todos. (NO; cf. Imagem 3)

Imagem 3 - "Projeto drama e muito mais"

Nas NO e nos registos fotográficos (cf. Imagens 3, 4 e 5) denota-se a prossecução dos objetivos delineados - favorecer a consciencialização e o desenvolvimento das capacidades e das potencialidades do corpo em movimento no espaço; promover o conhecimento de técnicas de evolução dos jogos corporais e dramáticos; estimular o desenvolvimento do auto e hetero-conhecimento, pela promoção de interações positivas, entre familiares-crianças-educadoras -, mas o investigador também evidenciou potencialidades quanto à sua própria experiência de participação, pela reflexão sobre a interação com crianças e entre os familiares.

(...) consciencializei-me da importância que estas sessões também fomentam ao nível da fruição. Mas também identifiquei potencialidades na presença de casais, pois reconheceram as suas qualidades de movimento ao cooperaram na realização de atividades criativas com os/as filhos/as e ao explorarem/ampliarem a sua cumplicidade. (NO)

Imagens 4 e 5 - "Projeto Drama e muito mais"

Um último exemplo de intervenção, gerado e caracterizado pelo ciclo de IA, emergiu da possibilidade de se explorar técnicas de Augusto Boal (2002), reconhecido pela praxis de intervenção social através do teatro, que são tidas como instrumentos de reflexão e de desenvolvimento individual e comunitário. Assim, a partir de uma observação numa sala de atividades em que o investigador perspetivou a possibilidade de se explorar a técnica de teatro fórum, e porque julgou possível explorar-se em contexto de educação de infância outras técnicas idealizadas e desenvolvidas por este teatrólogo, durante duas sessões de formação experimentou-se e indagou-se sobre exercícios do teatro imagem, do teatro fórum e do teatro invisível. Sobre estes, a educadora Palmira concluiu:

A situação-problema também me pareceu bastante útil porque posso utilizar na minha prática diária como forma de intervenção em grupo. A consciência da minha intervenção como educadora na formação social das crianças e no meio que me envolve, também foi bastante interessante. (RE)

O grupo de formação acabou por assumir a adequação e desenvolvimento, em sala de atividades, de algumas ações referentes a estas técnicas; mas com o grupo de educadoras do contexto a que se refere este texto propôs-se a realização de um teatro invisível num espaço comum/público com toda a equipa docente (oito educadoras), porque foi identificada uma situação-problema institucional passível de intervenção - a permanência dos familiares e muitas vezes das crianças no hall de entrada da instituição causava algum mau estar às educadoras, pois, além do ruído que causavam, eram muitas vezes instigadas a atender pais naquele espaço.

Com esta última intervenção, elevou-se ainda mais a conceção de ação/praxis, pois

(...) causou-se, como previsto, um impacto crescente (...). Se inicialmente pareceu que o público acreditou realmente no que estava a acontecer, os olhares curiosos e atentos fixavam-se cada vez mais e depois ouvi mesmo uma mãe a dizer a um filho «Vamos ficar aqui para ver o teatro.». (...) Com a entrada do segundo grupo também outros familiares entravam e deparavam-se com uma série de ações e discussões fora do comum (...). [Posteriormente, uma educadora partilhou que] (...) teve mesmo que

explicar a uma mãe que naquele momento não podia falar, que replicou «Eu percebi exatamente o que está a fazer, é a confusão do dia-a-dia.». (NO)

A terceira parte, idealizada e realizada logo de seguida aos momentos referidos, obteve feedback escrito de forma espontânea por parte de duas mães, que partilhamos neste espaço por caracterizar e avaliar a performance: "Eu assisti e claro que confesso que estranhei e fiquei bastante curiosa." (Fátima); "Entrei e deparei-me com a cena: todos deitados em paralelo, quase sem se tocarem, mas próximos na cumplicidade e fingindo-se indiferentes aos que ali estavam - ao público alheio e curioso, participativo até, mas apanhado completamente de surpresa." (Mariana).

Na/Para a conceção e realização desta ação, identificou-se igualmente os três vértices da ação humana: o labor - pela marcação e preparação de uma reunião e de um ensaio com os intervenientes; o trabalho - pela conceção de uma estrutura de apresentação; e de ação/praxis - pelas interações e reflexões estabelecidas, quer entre o grupo formado, quer com o público.

DA (INVESTIG)AÇÃO À CONSCIÊNCIA DE ALGUNS RESULTADOS

Esta narrativa emergiu da criação de dinâmicas de trabalho diferenciadas e das reflexões e experiências formativas realizadas; e permitiu evidenciar variáveis de estrutura e de processo de um projeto de IA; por exemplo, deu-se conta de algumas (apropri)ações de cada indivíduo e de grupos de trabalho a partir da ideia inicial do projeto do investigador. Ou seja, as dinâmicas cumulativas, individuais e colaborativas, e por isso diferenciadas - de construção de inferências retrospetivas e prospetivas -, enformaram a devida e intencional espiral de IA. Assim, construíram-se novos objetos e outros objetivos, ao desenvolverem-se processos diversificados e ao criaram-se novos "produtos"; realizaram-se interpretações e experiências que foram, respetivamente, reinterpretadas e adequadas.

Por exemplo, com estes relatos, começamos a fixar o papel e a importância das narrativas não só como notas de campo ou como registos dos acontecimentos, mas também como um modo de expressão do estar e sentir dos sujeitos, de reflexão~análise e de recriação ou sugestão de (outra/s) prática/s~praxis, que, o investigador revelou nas NO ter sentido que, responderam ao desenvolvimento e interesses das crianças.

Não obstante, e na tentativa de definir o que é então a ação em IA, concordamos com Coulter (2002) no dizer que este sentido de agência, individual e de comunidade, distancia-se, ou melhor, na nossa perspetiva, avança, de uma praxis - no sentido aristotélico - que intenta exclusivamente a melhoria da qualidade de vida de uma polis, para se aproximar (também) de um exercício de liberdade humana na aceção de Arendt - em que a identidade (e profissionalidade) de cada um/a se define pela criação de possibilidades de ação em relação com os outros. Quanto ao nosso projeto, e em relação com o conceito de ação, fixa-se e problematiza-se, neste momento, os conceitos de polis e de qualidade, uma vez que claramente o segundo foi desejado e os interlocutores diretos do estudo formaram uma comunidade. Contudo, como uma comunidade não finda na sua singularidade, mas na sua pluralidade, intentou-se extravasar a fronteira desta/s equipa/s, quer pela preocupação de integrar preocupações e interesses

individuais, quer pelo saber que os processos investigativos e formativos implicam o (des)envolvimento pessoal e profissional. Como ilustração, aludimos à criação de experimentos e de (rel)ações, com outros atores educativos, nomeadamente, familiares.

Tomou-se consciência da imprevisibilidade dos processos de uma IA ao mesmo tempo que se aprofundou o conhecimento do objeto de estudo a partir de espaços de prática (laboratorial) e de reflexão; ou seja, ao ter-se notado e valorizado a importância do bem estar e da liberdade dos/as profissionais na formação (contínua), transferiu-se esta necessidade e importância para um modo de estar, ser e agir na prática pedagógica.

Por fim, foram identificados pontos de ligação, ou zonas de híbridas, entre os três vértices da tríade - labor~trabalho~ação/praxis; preconizando-se não só a evidência das três tipologias de atividade mas também a inter-relação e possível dependência destas, como caracterizadoras da ação docente.

 REFERêNCIAS

Boal, A. (2002). Jogos para atores e não-atores (5ª ed.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Coulter, D. (2002). What counts as action in educational action research? Educational Action Research, 10(2), 189-206. doi: 10.1080/09650790200200181

Latorre, A. (2008). La Investigación-Acción (9ª ed.). Barcelona: Graó.

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