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O RENASCIMENTO J.C. Avelino da Silva * 1. Movimento histórico O Renascimento foi um momento de inflexão na cultura do ocidente que se ocupou, entre outros, da individualidade, da sensibilidade e da ciência. Foi feita nova leitura da relação entre individualidade e coletividade. O Renascimento significa que o homem da cultura grega antiga renasceu. Mas o homem que renasceu é o consumidor: o homem não ressuscita o mesmo (o guerreiro e cidadão), mas renasce outro, o consumidor e cidadão. Características históricas que deram o “clima” do Renascimento: ascensão social e econômica da burguesia mercantil e afirmação do desenvolvimento capitalista que caminha junto com a livre iniciativa e o consumismo. Em sintonia com as mudanças socioeconômicas, o comércio se desenvolveu. Esse movimento social, econômico, científico e artístico ocorreu nos séculos XIV, XV e XVI. Começou na Itália e se divide em três fases: o Trecento (1300), o Quattrocento (1400) e o Cinquecento (1500). 2. Retorno ao homem, à Antiguidade Grega, à Platão Se for possível reduzir essa grande virada da humanidade a três conceitos, talvez sejam estes os mais representativos: reconhecimento da individualidade, afirmação da relação sensível do homem com o mundo e o homem como senhor da natureza, o que levou a uma nova perspectiva para a ciência. Houve subversão da imagem que o homem tinha de si e do mundo, quando ele se reconheceu como consumidor, e o mundo como algo a ser consumido. Daí resultou a mudança de comportamento: viver mais pelos sentidos do que pelo espírito. A subversão da imagem que o homem tinha de si levou à busca dos limites do homem e considerou que o homem é mais importante, e Deus menos importante. O Renascimento atualizou a afirmação de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”. Esse movimento conduziu à liberdade e autonomia de espírito com o inevitável reforço do individualismo. A luta contra o princípio da autoridade foi outro marco do momento. Pode-se dizer que a humanidade estava atravessando uma aventura intelectual. O Renascimento negou o misticismo e o ascetismo; negou o simbolismo religioso. O Renascimento foi um retorno ao humanismo, que significa colocar o homem (e não mais Deus) como centro das preocupações e da ação, afirmando uma cultura herdeira da Antiguidade Clássica. A ação dos humanistas foi forte na Universidade, sobretudo no campo do direito, da medicina e da teologia. O espírito humanista se caracterizou também pela tradução da Bíblia para o alemão por Lutero, responsável pela Reforma Protestante que levou adiante a luta contra a supremacia papal. Eles consideravam que todo fiel devia ler e interpretar a Bíblia. 3. Revolução científica e tecnológica O Renascimento gerou a moderna concepção científica e deu nascimento a uma nova atitude científica, quando passou a prevalecer a prática da observação atenta e metódica da natureza, acompanhada dos experimentos realizados pelo observador, postura necessária à produção. Até então a ciência se apoiava – desde Aristóteles – em dois pés: observação e generalização. O Renascimento acrescentou o terceiro pé: a experimentação, que apareceu como uma necessidade da produção. Esses três

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O RENASCIMENTO

J.C. Avelino da Silva *

1. Movimento histórico

O Renascimento foi um momento de inflexão na cultura do ocidente que se ocupou, entre outros, da individualidade, da sensibilidade e da ciência. Foi feita nova leitura da relação entre individualidade e coletividade. O Renascimento significa que o homem da cultura grega antiga renasceu. Mas o homem que renasceu é o consumidor: o homem não ressuscita o mesmo (o guerreiro e cidadão), mas renasce outro, o consumidor e cidadão.

Características históricas que deram o “clima” do Renascimento: ascensão social e econômica da burguesia mercantil e afirmação do desenvolvimento capitalista que caminha junto com a livre iniciativa e o consumismo. Em sintonia com as mudanças socioeconômicas, o comércio se desenvolveu.

Esse movimento social, econômico, científico e artístico ocorreu nos séculos XIV, XV e XVI. Começou na Itália e se divide em três fases: o Trecento (1300), o Quattrocento (1400) e o Cinquecento (1500).

2. Retorno ao homem, à Antiguidade Grega, à Platão

Se for possível reduzir essa grande virada da humanidade a três conceitos, talvez sejam estes os mais representativos: reconhecimento da individualidade, afirmação da relação sensível do homem com o mundo e o homem como senhor da natureza, o que levou a uma nova perspectiva para a ciência. Houve subversão da imagem que o homem tinha de si e do mundo, quando ele se reconheceu como consumidor, e o mundo como algo a ser consumido. Daí resultou a mudança de comportamento: viver mais pelos sentidos do que pelo espírito. A subversão da imagem que o homem tinha de si levou à busca dos limites do homem e considerou que o homem é mais importante, e Deus menos importante. O Renascimento atualizou a afirmação de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”. Esse movimento conduziu à liberdade e autonomia de espírito com o inevitável reforço do individualismo. A luta contra o princípio da autoridade foi outro marco do momento. Pode-se dizer que a humanidade estava atravessando uma aventura intelectual. O Renascimento negou o misticismo e o ascetismo; negou o simbolismo religioso.

O Renascimento foi um retorno ao humanismo, que significa colocar o homem (e não mais Deus) como centro das preocupações e da ação, afirmando uma cultura herdeira da Antiguidade Clássica. A ação dos humanistas foi forte na Universidade, sobretudo no campo do direito, da medicina e da teologia. O espírito humanista se caracterizou também pela tradução da Bíblia para o alemão por Lutero, responsável

pela Reforma Protestante que levou adiante a luta contra a supremacia papal. Eles consideravam que todo fiel devia ler e interpretar a Bíblia.

3. Revolução científica e tecnológica

O Renascimento gerou a moderna concepção científica e deu nascimento a uma nova atitude científica, quando passou a prevalecer a prática da observação atenta e metódica da natureza, acompanhada dos experimentos realizados pelo observador, postura necessária à produção. Até então a ciência se apoiava – desde Aristóteles – em dois pés: observação e generalização. O Renascimento acrescentou o terceiro pé: a experimentação, que apareceu como uma necessidade da produção. Esses três pés se mantêm até hoje. Em Aristóteles e na Igreja, a preocupação era com as manifestações do Ser. No Renascimento, a preocupação passou a ser com a produção.

Faz parte da revolução científica a matematização do conhecimento. Matematização do espaço (cartografia); matematização da astronomia (observações astronômicas de Galileu); do tempo (relógio de bolso), da administração (contabilidade) e da pintura (perspectiva). O instrumento chave da ciência nesse período foi a matemática. Com isso houve difusão dos algarismos arábicos e da álgebra.

O reconhecimento do mundo natural fez o homem se ver como senhor da natureza (quase que substituindo o criador). O objetivo que a sociedade se deu foi o de obter o máximo domínio sobre o meio natural, a fim de explorá-lo em função dos lucros do mercado.

4. Resumindo as características do Renascimento

- O individualismo ou a afirmação do indivíduo sobre o coletivo; - A valorização das coisas feitas pelos homens (referência greco-romana),

deixando Deus em segundo plano;- O consumismo; o homem busca os prazeres sensíveis e deixa em segundo

plano a espiritualidade;- O racionalismo, que não se contentava mais com a verdade revelada;- A substituição de um mundo onde a igreja definia todos os aspectos da vida

individual e social pela afirmação do poder profano;- Fortalecimento da burguesia.

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* J.C. Avelino da Silva Doutor pela Universidade de Paris (1980). Professor na Escola de Formação de Professores e Humanidades da PUC Goiás. Membro da International Association for Greek Philosophy.

O RENASCIMENTO1

Sempre que se evoca o tema do Renascimento, a imagem que imediatamente nos vem à mente é a dos grandes artistas plásticos e de suas obras mais famosas, amplamente reproduzidas e difundidas até nossos dias, como a “Monalisa” e a “Última Ceia” de Leonardo da Vinci, o “Juízo Final”, a “Pietà” e o “Moisés” de Michelangelo, assim como as inúmeras e suaves “Madonas” de Rafael que permanecem ainda como o modelo mais freqüente de representação da mãe de Cristo. Isso nos coloca a questão: por que razão o Renascimento implica esse destaque tão grande dado às artes visuais? Como veremos, de fato, as artes plásticas acabaram se convertendo num centro de convergência de todas as principais tendências da cultura renascentista. E mais do que isso, acabaram espelhando, através de seu intenso desenvolvimento nesse período, os impulsos mais marcantes do processo de evolução das relações sociais e mercantis.

Conforme verificamos, a nova camada burguesa, pretendendo impor-se socialmente, precisava combater a cultura medieval, no interior da qual ela aparecia somente como uma porção inferior e sem importância da população. Era, pois, necessário construir uma nova imagem da sociedade na qual ela, a burguesia, ocupasse o centro e não as margens do corpo social. Assim sendo, as grandes famílias que prosperavam com os negócios bancários e comerciais e os novos príncipes e monarcas começam a utilizar uma parte da sua riqueza para a construção de palácios no centro das cidades, igrejas, catedrais e capelas, na entrada das quais colocavam seus brasões e em cujo interior enterravam seus mortos; estátuas gigantescas colocadas nas praças e locais públicos com as quais homenageavam seus fundadores e seus heróis; e de resto quadros, gravuras, afrescos, que adornavam os recintos particulares e alguns prédios públicos, em que costumavam aparecer em grande destaque em meio aos santos ou às cenas do Evangelho, ou mesmo retratados em primeiro plano, predominando sobre uma cidade ou uma vasta região que aparecia em ponto menor ao fundo.

Esses financiadores de uma nova cultura – burguesia, príncipes e monarcas – eram chamados mecenas, isto é, protetores das artes. Seu objetivo não era somente a autopromoção, mas também a propaganda e difusão de novos hábitos, valores e comportamentos. Mais do que sua imagem, que podia ou não aparecer nas obras, o que elas deveriam veicular era uma visão racional, dinâmica, progressista, otimista e opulenta do mundo e da sociedade. Uma visão na qual o modo de vida e os valores da burguesia e do poder centralizado aparecessem como única forma de vida e conjunto de crenças mais satisfatório para todas as pessoas. Essa luta cultural deve ser

compreendida, portanto, como uma das dimensões da luta da burguesia para afirmar-se diante do clero e da nobreza e de seus ideais de submissão piedosa e da cavalaria

medieval.

A produção artística, portanto, acaba se tornando um dos focos principais desse confronto. As atividades e os campos de reflexão que mais preocupavam os pensadores renascentistas aparecem condensados nas artes plásticas: a filosofia, a religião, a história, a arte, a técnica e a ciência. Acompanhando a intenção da burguesia de ampliar seu domínio sobre a natureza e sobre o espaço geográfico, através

da pesquisa científica e da invenção tecnológica, os cientistas também iriam se atirar nessa

aventura, tentando conquistar a forma, o movimento, o espaço, a luz, a cor e mesmo a expressão e o sentimento. A arte renascentista

é uma arte de pesquisa, de invenções, inovações e aperfeiçoamentos técnicos. Ela acompanha paralelamente as conquistas da

física, da matemática, da geometria, da anatomia, da engenharia e da filosofia. Basta lembrar a invenção da perspectiva matemática por Brunelleschi, ou seus instrumentos mecânicos de construção civil, ou os instrumentos de engenharia civil ou militar inventados por Leonardo da Vinci, ou as pesquisas anatômicas de Michelangelo, ou o aperfeiçoamento das tintas a óleo pelos irmãos Van Eyck, ou os estudos geométricos de Albrecht Dürer, entre tantos outros.

Questões sobre este texto e o verso1. Qual é o significado do Renascimento?2. Qual era o “clima” existente na Europa antes do Renascimento?3. O Renascimento se resume a um movimento artístico?4. Qual a visão de mundo que o Renascimento defendia?

1 Nicolau SEVCENKO, O Renascimento. Campinas (SP), Unicamp, 1988, p. 25.

Monalisa – Leonardo da Vinci

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