110
www.lusosofia.net CONCEITOS SOCIOLÓGICOS FUNDAMENTAIS Max Weber Tradutor: Artur Morão

Weber Max Conceitos Sociologicos Fundamentais

Embed Size (px)

Citation preview

ii

ii

ii

ii

www.lusosofia.net

CONCEITOS SOCIOLÓGICOSFUNDAMENTAIS

Max Weber

Tradutor: Artur Morão

ii

ii

ii

ii

Covilhã, 2010

FICHA TÉCNICA

Título: Conceitos Sociológicos FundamentaisAutor: Max WeberTradutor: Artur MorãoColecção: Textos Clássicos de FilosofiaDirecção da Colecção: José Rosa & Artur MorãoDesign da Capa: António Rodrigues ToméComposição & Paginação: José M.S. RosaUniversidade da Beira InteriorCovilhã, 2010

ii

ii

ii

ii

ii

ii

ii

ii

[Nota do tradutor]

Este grande, denso e poderoso texto de Max Weber, cu-ja primeira versão portuguesa se fez e editou em 1997,oferece-se agora aos visitantes do LUSOSOFIA. Sofreu al-gumas alterações mínimas e, para melhor orientação do lei-tor, recebeu títulos nos diversos parágrafos (§§1-17) emque o Autor vai desdobrando o seu pensamento sobre aacção social, o seu enquadramento, o seu contexto na socie-dade e nas diversas formas de comunidade e, ainda, sobrea sociologia e o seu respectivo estatuto de ciência.

A tradução fez-se com base no original alemão, Wirt-schaft und Gesellschaft, Tubinga, J. C. M. Mohr (Paul Sie-beck), 19855.

Uma selecção das principais obras de Max Weber encon-tra-se disponível neste electro-sítio: Zeno.org Meine Bi-bliothek.

ii

ii

ii

ii

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais

Max Weber

[Economia e sociedade]

Cap. I

OBSERVAÇÃO PRÉVIA. O método destas definições in-trodutórias de conceitos, de que se não pode com facili-dade prescindir, mas inelutavelmente abstractas e de efeitoestranho à realidade, não aspira de modo algum a ser novo.Pelo contrário, deseja apenas formular – como se espera –da forma mais conveniente e, porventura, mais correcta (epor isso talvez com algum pedantismo) o que toda a socio-logia empírica intenta de facto, ao falar de coisas semelhan-tes. Isto também onde se usam expressões aparentementenão habituais ou novas. Em contraste com o ensaio em Lo-gos (IV, 1913, p. 253 ss), a terminologia foi, sempre quepossível, simplificada e, por isso, muitas vezes modificadapara facilitar a sua compreensão na maior medida possível.A exigência de uma vulgarização incondicionada nem sem-

5

ii

ii

ii

ii

6 Max Weber

pre é, decerto, compatível com a de uma máxima precisãoconceptual e deve, se necessário, retroceder perante esta.

Sobre a “compreensão” (Verstehen) cf. a Allgemeine Psy-chopathologie de K. Jaspers [também algumas observaçõesde Rickert na segunda edição de Grenzen der naturwissen-schaftlichen Begriffsbildung (Limites da formação concep-tual das ciências naturais] e, sobretudo, de Simmel em Pro-bleme der Geschichtsphilosophie [Problemas de filosofiada história( aqui se incluem]. Quanto à metodologia, re-meto também aqui, como já muitas vezes aconteceu, pa-ra o antecedente de F. Gottl, na obra Die Herrschaft desWorts (O domínio da palavra), escrita num estilo difícile que talvez não chegue à plena forma do seu pensamen-to. Quanto ao conteúdo, aponto a bela obra de F. Tönnies,Gemeinschaft und Gesellschaft [Comunidade e Sociedade].Além disso, remeto para o livro fortemente equívoco de R.Stammler, Wirtschaft und Recht nach der materialistischenGeschichtsauffassung [Economia e direito segundo a con-cepção materialista da história], e para a minha crítica a seurespeito no Archiv f. Sozialwissensch. (XXIV, 1907), que jácontinha em grande medida os fundamentos do que a se-guir se vai expor. Do método de Simmel [na Soziologie eem Philosophie des Geldes (Filosofia do Dinheiro)] divir-jo na separação exequível entre sentido intentado e sentidoobjectivamente válido, que Simmel nem sempre distinguemas, com frequência, permite até intencionalmente a suamescla recíproca.

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 7

§1. Conceito de sociologia e do “sentido” de acção social

Sociologia (na acepção, aqui aceite, desta palavra empreguecom tão diversos significados) designará: uma ciência quevisa compreender, interpretando-a, a acção social e, destemodo, explicá-la causalmente no seu decurso e nos seusefeitos. Por “acção” entender-se-á um comportamento hu-mano (consista ele num fazer externo ou interno, num omi-tir ou permitir), sempre que o agente ou os agentes lhe asso-ciem um sentido subjectivo. Mas designar-se-á como acção“social” aquela em que o sentido intentado pelo agente oupelos agentes está referido ao comportamento de outros epor ele se orienta no seu curso.

I. Fundamentos metodológicos

1. “Sentido” é aqui ou a) o sentido subjectivamente inten-tado de modo efectivo a) por um agente, num caso histo-ricamente dado, ou b) por agentes, como média e de ummodo aproximado numa determinada massa de casos, oub) num tipo puro construído conceptualmente pelo agen-te ou pelos agentes pensados como tipo. Nunca se trata dequalquer sentido objectivamente “justo” ou de um sentido“verdadeiro” metafisicamente fundado. Aqui radica a dife-rença entre as ciências empíricas da acção, a Sociologia ea História, em face de todas as ciências dogmáticas – Ju-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

8 Max Weber

risprudência, Lógica, Ética e Estética – que pretendem in-vestigar nos seus objectos o sentido “justo” e “válido.

2. As fronteiras entre uma acção significativa e um modode conduta simplesmente reactivo (como aqui o denomina-remos), não ligado a um sentido subjectivamente intentado,são de todo fluidas. Uma parte muito importante de todaa conduta própria, sociologicamente relevante, sobretudo aacção puramente tradicional (v. infra), encontra-se nos con-fins de ambas. Uma acção significativa, isto é, compreensí-vel, não se dá em muitos casos de processos psicofísicos,e noutros só existe para os peritos; os processos místicose, por isso, não adequadamente comunicáveis por meio depalavras não são de todo compreensíveis para os que nãoestão abertos a semelhantes vivências. Em contrapartida, acapacidade de produzir por si mesmo um agir análogo não épressuposto da inteligibilidade: “Não é necessário ser Césarpara compreender César”. A plena possibilidade de “revi-vência” é importante para a evidência da compreensão, masnão é condição absoluta da interpretação do sentido. Ele-mentos compreensíveis e não compreensíveis de um pro-cesso estão, muitas vezes, mesclados e conexos.

3. Toda a interpretação, como toda a ciência em geral,aspira à “evidência”. A evidência da compreensão pode ser:a) ou racional (e é então lógica ou matemática); b) ou decarácter empaticamente revivente (emocional, receptivo-ar-tística). No domínio da acção, é racionalmente evidente

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 9

sobretudo o que, na sua conexão significativa intentada,se compreende intelectualmente de um modo exaustivo ediáfano. Evidente de um modo empático na acção é o plen-amente revivido na sua conexão emocional que foi objectode vivência. Racionalmente compreensíveis, ou seja, aqui,intelectualmente apreensíveis no seu sentido de um mo-do imediato e unívoco, são sobretudo, e em grau máximo,as conexões significativas, reciprocamente referidas, con-tidas nas proposições matemáticas ou lógicas. Compreen-demos de uma maneira inteiramente unívoca o que se dá aentender quando alguém, pensando ou argumentando, em-prega a proposição 2 x 2 = 4 ou o teorema de Pitágoras,ou leva a cabo “correctamente” – de acordo com os nos-sos hábitos mentais – uma cadeia ilativa lógica. De igualmodo, quando alguém, a partir de “factos da experiência”tidos por “conhecidos” e de fins dados, deduz no seu agiras consequências claramente inferíveis (segundo as nossasexperiências) acerca da classe de “meios” a utilizar. Todaa interpretação de um agir teleológico racionalmente ori-entado possui – para a compreensão dos meios empregues– o grau máximo de evidência. Com não idêntica evidên-cia, mas suficiente para a nossa necessidade de explicação,compreendemos também os “erros” (inclusive “confusõesde problemas”) em que nós próprios podemos incorrer oude cuja origem poderíamos ter uma vivência empática. Pelocontrário, muitos “fins” e “valores” últimos, pelos quais sepode orientar, quanto à experiência, o agir de um homem,

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

10 Max Weber

não os podemos amiúde compreender com plena evidên-cia mas, em certas circunstâncias, só apreendê-los intelec-tualmente e, por outro lado, torná-los compreensíveis narevivência por meio da fantasia empática, com tanto maisdificuldade quanto eles mais radicalmente se afastam dosnossos próprios valores derradeiros. Temos então de noscontentar, segundo o caso, com a sua interpretação exclusi-vamente intelectual ou, em determinadas circunstâncias –se tal também nos falhar –, com aceitar esses fins ou valo-res apenas como dados e tornar para nós compreensível odecurso da acção por eles motivada a partir da melhor in-terpretação intelectual possível ou mediante uma revivên-cia aproximativa e o mais empática possível dos seus pon-tos de orientação. Aqui se integram, por exemplo, muitasacções virtuosas, religiosas e caritativas, para quem a elasé insensível. De igual modo fanatismos extremamente ra-cionalistas (“direitos do homem”) para aquele que, da suaparte, radicalmente os aborrece. – Afectos reais (angústia,cólera, ambição, inveja, ciúmes, amor, entusiasmo, orgul-ho, vingança, piedade, devoção e apetências de toda a ín-dole) e as reacções irracionais (do ponto de vista do agir te-leológico racional) deles derivadas conseguimos revivê-losemocionalmente de um modo tanto mais evidente quantomais a eles nós próprios tivermos acesso; em todo o ca-so, porém, ainda que excedam em absoluto, quanto ao seugrau, as nossas possibilidades, podemos compreendê-los

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 11

empaticamente no seu sentido e calcular intelectualmenteo seu efeito sobre a orientação e os meios da acção.

A consideração científica constitutiva de tipos indaga eexpõe, muito de relance, todas as conexões significativas ir-racionais, afectivamente condicionadas, do comportamentoque influenciam o agir enquanto “desvios” de um seu de-curso construído como puramente racional e teleológico.Por exemplo, na explicação de um “pânico bolsista”, seráconveniente estabelecer primeiro como se desenvolveria aacção sem a influência de afectos irracionais e, em segui-da, introduzir como “perturbações” as componentes irra-cionais. Numa acção política ou militar, estabelece-se tam-bém primeiro, de modo apropriado, como teria decorrido aacção com o conhecimento de todas as circunstâncias e detodos os propósitos dos protagonistas e numa escolha dosmeios rigorosamente racional quanto aos fins e orientadapela experiência que se nos afigura válida. Só assim seriapossível a imputação causal dos desvios às irracionalidadesque a condicionaram. A construção de um agir estritamenteracional quanto aos fins é, pois, útil nestes casos à sociolo-gia – em virtude da sua evidente inteligibilidade e da suaunivocidade afixa à racionalidade – como tipo (e “tipo ide-al”) para compreender a acção real, influenciada por irra-cionalidades de toda a espécie (afectos, erros), como “des-vio” do decurso esperado num comportamento puramenteracional. Desta sorte, e só por força do fundamento de ade-quação metodológico, é que o método da sociologia “com-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

12 Max Weber

preensiva” é “racionalista”. Este procedimento, porém, nãodeve, naturalmente, interpretar-se como um preconceito ra-cionalista da sociologia, mas só como recurso metódico e,portanto, não em prol da crença na predominância efectivado racional sobre a vida. Com efeito, não dirá minimamenteaté que ponto considerações racionais de fins determinam,ou não, na realidade, o agir efectivo. (Não há que negar as-sim a ocorrência do perigo de interpretações racionalistasem lugares inadequados. Infelizmente, toda a experiênciaconfirma a sua existência.)

4. Os processos e os objectos estranhos ao sentido sãoconsiderados no âmbito das ciências da acção como oca-sião, resultado, estímulo ou obstáculo da acção humana.“Estranho” ao sentido não é idêntico a “inanimado” ou “não-humano”. Todo o artefacto, por exemplo, uma “máquina”,só é interpretável e compreensível a partir do sentido quea acção humana (com metas possivelmente muito diver-sas) conferiu (ou quis conferir) à produção e ao uso desteartefacto); sem o recurso a tal sentido permanece de todoincompreensível. O que nele há de compreensível é, pois,a referência ao agir humano, quer como “meio” quer co-mo “fim”, imaginado pelo agente ou pelos agentes e queorientou a sua acção. Só nestas categorias tem lugar umacompreensão de semelhantes objectos. Em contrapartida,permanecem alheios ao sentido todos os processos ou esta-dos – animados, inanimados, extra-humanos, humanos –

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 13

sem conteúdo significativo intentado, enquanto não ent-ram na relação de “meio” e “fim” para o agir, mas repre-sentam somente uma sua ocasião, estímulo ou obstáculo.A ruptura do Dollart, no final do século XIII [1277], tem(talvez!) significado “histórico” como desencadeamento decertos processos de restabelecimento de considerável al-cance histórico. O sistema da morte e o ciclo orgânico davida em geral – desde a impotência da criança até à do an-cião – têm, naturalmente, um alcance sociológico de pri-meira classe, graças aos diferentes modos como a acção hu-mana se orientou e orienta por tal estado de coisas. Por seuturno, uma outra categoria constituem-na proposições daexperiência não compreensíveis sobre o decurso de fenó-menos psíquicos ou psicofisiológicos (cansaço, exercício,memória, etc.), mas também, por exemplo, euforias típicasem determinadas formas de mortificação, diferenças típicasdos modos de reacção segundo o ritmo, a índole, a clarida-de, etc. Finalmente, porém, o estado de coisas é o mesmoque noutros factos oclusos à compreensão: a consideraçãocompreensiva, tal como o agente prático, aceita-os como“dados” com que importa contar.

Existe agora a possibilidade de que a investigação fu-tura encontre também regularidades não passíveis de com-preensão para um comportamento significativo particular,por pouco que tal tenha até agora acontecido. Diferenças nahereditariedade biológica (das “raças”), por exemplo – se ena medida em que se fornecesse a prova estatisticamente

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

14 Max Weber

conclusiva da influência no modo de conduta sociologica-mente relevante, por conseguinte, sobretudo na acção soci-al quanto à índole da sua referência ao sentido – deveriamaceitar-se para a sociologia como dados, tal como se aceit-am os factos fisiológicos do tipo da necessidade de alimen-tação ou do efeito da senescência sobre o agir. E o reconhe-cimento da sua significação causal em nada alteraria, natu-ralmente, as tarefas da sociologia (e das ciências da acçãoem geral): compreender interpretativamente as acções ori-entadas por um sentido. Haveria de inserir em certos pon-tos, nas suas conexões motivacionais, compreensíveis e in-terpretáveis, apenas factos não compreensíveis (por exem-plo, conexões típicas da frequência de determinadas fina-lidades da acção ou do grau da sua racionalidade típica,com o índice craniano, a cor da pele ou quaisquer outrasqualidades fisiológicas hereditárias), com que hoje já aí sedepara.

5. Compreensão pode querer dizer: 1. a compreensãoactual do sentido intentado de uma acção (inclusive de umamanifestação). “Compreendemos”, por exemplo, de um mo-do actual o sentido da proposição 2 x 2 = 4, que ouvimos oulemos (compreensão racional actual de pensamentos), ouuma explosão de cólera que se manifesta na expressão faci-al, em interjeições e movimentos irracionais (compreensãoirracional actual de afectos) ou o comportamento de umlenhador ou de alguém que pega no trinco para fechar a por-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 15

ta ou que dispara sobre um animal (compreensão racionalactual de acções). – Mas compreensão pode também que-rer dizer: 2. compreensão explicativa. “Compreendemos”,quanto à motivação, que sentido a tal associa quem expres-sou ou escreveu a proposição 2 x 2 = 4, para que o fezjustamente agora e neste contexto, quando o vemos ocupa-do num cômputo comercial, numa demonstração científica,num cálculo técnico ou noutra acção em cujo contexto se“inscreve” aquela proposição, segundo o seu sentido aces-sível à nossa compreensão; ou seja, [tal] proposição ob-tém uma conexão de sentido a nós inteligível (compreensãoracional da motivação). Compreendemos o lenhador ou oapontar de uma arma não só de um modo actual, mas tam-bém segundo a sua motivação, ao sabermos que o lenhadorexecuta essa acção por um salário ou para cobrir as suas ne-cessidades, ou para sua recreação (racional) ou, porventu-ra, “porque reagiu a uma excitação” (irracional), ou quandoaquele que dispara o faz por uma ordem com o fim de exe-cutar alguém ou de combater os inimigos (racional) ou porvingança (afectiva e, nesse sentido, irracional). Compreen-demos, finalmente, a cólera quanto à sua motivação ao sa-bermos que lhe está subjacente o ciúme, a vaidade doentiaou a honra lesada (afectivamente condicionada, por conse-guinte, compreensão irracional da motivação). Em tudo istose trata de nexos de sentido compreensíveis; olhamos a suacompreensão como uma explicação do decurso efectivo daacção. “Explicar” significa, pois, para uma ciência que se

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

16 Max Weber

ocupa do sentido do agir, tanto como: apreensão do contex-to significativo em que se inscreve, segundo o seu sentidosubjectivamente intentado, uma acção já actualmente com-preendida. (Sobre a significação causal deste “explicar”, cf.no 6). Em todos estes casos, também nos processos afecti-vos, queremos designar o sentido subjectivo do acontecer,inclusive do contexto significativo, como o sentido “inten-tado” (indo, pois, além do uso linguístico habitual que co-stuma falar de “intentar”, nesta acepção, só no agir racionale intencionalmente referido a fins).

6. “Compreensão”, em todos estes casos, quer dizer:apreensão interpretativa do sentido ou da conexão de senti-do: a) realmente intentado no caso particular (na consi-deração histórica); ou b) intentado na média e de modoaproximativo (na consideração sociológica de massas); ouc) do sentido (“típico-ideal”) ou do contexto significativo aconstruir cientificamente para o tipo puro (tipo ideal) de umfenómeno frequente. Semelhantes construções típico-ideaissão, por exemplo, os conceitos e “leis” estabelecidos pelateoria pura da doutrina da economia política. Expõem comodecorreria uma forma específica de acção humana, se fosseracional e estritamente teleológica, sem ser perturbada peloerro e pelos afectos; e se, além disso, estivesse orientadade um modo inteiramente unívoco apenas por um só fim(economia). Mas a acção real só em casos raros (Bolsa),e então apenas de modo aproximado, transcorre tal como

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 17

foi construída no tipo ideal. (Acerca do fim de semelhan-tes construções, cf. o meu ensaio in Archiv f. Sozialwiss., einfra no 11).

Toda a interpretação aspira decerto à evidência [no. 3.].Mas nenhuma interpretação de sentido, por evidente queseja, pode pretender como tal, e por mor desse carácterde evidência, ser também a interpretação causal válida. Éem si sempre apenas uma hipótese causal particularmen-te evidente. a) Bastantes vezes, “motivos” pretextados e“repressões” (isto é, motivos não aceites) encobrem de talmodo, justamente ao próprio autor, o nexo real da orien-tação da sua acção que autotestemunhos subjectivamentesinceros têm apenas um valor relativo. Neste caso, a so-ciologia encontra-se perante a tarefa de indagar e estabe-lecer interpretativamente esta conexão, embora não tenhasido elevada à consciência ou, na maior parte das vezes,não o tenha sido com a plenitude com que foi “intenta-da” in concreto: um caso limite da interpretação de senti-do. b)Processos externos do agir, que se nos afiguram como“iguais” ou “semelhantes”, podem fundar-se em nexos si-gnificativos muitíssimo diversos no agente ou nos agentes,e “compreendemos” também um agir fortemente diverso,amiúde de sentido cabalmente oposto, em face de situaçõesque divisamos como entre si “similares”. (Exemplos emSimmel, Probl. der Geschichtsphil.). c) Em situações da-das, os homens agentes encontram-se expostos a impul-sos, muitas vezes opostos e antagónicos, que “compreen-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

18 Max Weber

demos” no seu conjunto. Qual seja, porém, a intensidaderelativa com que se costumam expressar na acção as dife-rentes referências de sentido que residem na “luta de mo-tivos”, para nós igualmente compreensíveis, é coisa que,segundo toda a experiência, em muitíssimos casos nuncase pode apreciar com toda a segurança, nem sequer de ummodo aproximado. O resultado efectivo da luta de motivossó por si não fornece a tal respeito qualquer elucidação. Co-mo em toda a hipótese, é indispensável o controlo da inter-pretação compreensiva do sentido pelo efeito: o resultadono decurso efectivo. Só nos casos, infelizmente escassos emuitíssimo peculiares, do experimento psicológico se po-de alcançar um controlo com relativa precisão. Por meioda estatística, e numa aproximação imensamente diversa,só nos casos (também limitados) de fenómenos em mas-sa computáveis e inequívocos na sua atribuição. De resto,existe apenas a possibilidade de comparar o maior númeropossível de processos da vida histórica ou quotidiana que,análogos entre si, diferem apenas num ponto decisivo: num“motivo” ou numa “ocasião” que, justamente pelo seu si-gnificado prático, indagamos: eis uma importante tarefa dasociologia comparada. Muitas vezes, só resta infelizmen-te o meio inseguro da “experiência mental”, isto é, pensarcomo não presentes componentes singulares da cadeia mo-tivacional e construir em seguida o decurso provável, paraalcançar uma imputação causal.

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 19

A chamada “lei de Gresham”, por exemplo, é uma in-terpretação racional evidente da acção humana em deter-minadas condições e sob o pressuposto típico-ideal de umaacção puramente teleológico-racional. Até que ponto se ageefectivamente de um modo a ela correspondente é coisaque ensinar nos pode só a experiência (ao fim e ao cabo,expressável, em princípio, em qualquer forma “estatísti-ca”) relativa ao desaparecimento efectivo, no tráfico, dostipos de moeda de valor demasiado baixo na estrutura mo-netária: ensina-nos, de facto, sobre a sua ampla validade.Em boa verdade, a marcha do conhecimento foi esta: pri-meiro, houve as observações da experiência e, em seguida,formulou-se a interpretação. Sem a consecução desta inter-pretação, ficaria manifestamente insatisfeita a nossa neces-sidade causal. Por outro lado, sem a prova de que o decurso– como uma vez quisemos supor – mentalmente desfralda-do da conduta ocorre também em alguma medida na reali-dade, semelhante “lei”, em si ainda tão evidente, seria umaconstrução sem valor para o conhecimento da acção efecti-va. Neste exemplo é concludente a concordância entre ade-quação de sentido e prova empírica, e os casos são assaznumerosos para considerar a prova como assaz segura. Ahipótese de Ed. Meyer sobre a significação causal das batal-has de Maratona, Salamina e Plateias para a peculiaridadedo desenvolvimento da cultura helénica (e assim da ociden-tal) – hipótese inferida pela adequação de sentido e apoiadaengenhosamente em processos sintomáticos (conduta dos

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

20 Max Weber

oráculos e profetas helénicos para com os Persas) – só po-de corroborar-se mediante a prova que se pode obter dosexemplos do comportamento dos Persas no caso da vitória(Jerusalém, Egipto, Ásia Menor) e, em muitos aspectos,permanecerá necessariamente incompleta. A evidência ra-cional sugestiva da hipótese deve aqui servir forçosamen-te de apoio. Em muitíssimos casos de imputação histórica,aparentemente de grande evidência, falta até toda a possi-bilidade de uma prova como a que ainda era possível nestecaso. Por conseguinte, a imputação permanece definitiva-mente como “hipótese”.

7. “Motivo” quer dizer uma conexão de sentido que sur-ge ao próprio agente ou ao observador como “fundamen-to” significativo de um comportamento. Dir-se-á “adequa-do quanto ao sentido” um comportamento que decorre demodo coerente na medida em que afirmamos que a relaçãodas suas componentes constitui um nexo significativo típico(costumamos dizer, “correcto”), de harmonia com os há-bitos mentais e afectivos médios. Em contrapartida, devedesignar-se “causalmente adequada” uma sucessão de pro-cessos na medida em que, segundo as regras da experiência,existe uma probabilidade de ela transcorrer sempre e efecti-vamente de modo igual. (Adequada quanto ao sentido nestaacepção é, por exemplo, a solução correcta de um problemaaritmético, de acordo com as normas habituais do cálculoou do pensamento. Causalmente adequada – no âmbito do

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 21

acontecer estatístico – é a probabilidade existente, segun-do as regras comprovadas da experiência, de uma solução“correcta” ou “falsa” – do ponto de vista das normas quehoje nos são correntes – por conseguinte, também de um“erro de cálculo” típico ou de uma “confusão de proble-mas” também típica). A explicação causal significa, pois, aasserção de que, de harmonia com uma regra de probabi-lidade – avaliável seja de que modo for e numericamenteespecificável só num raro caso ideal – a um processo deter-minado (interno ou externo) observado um outro processodeterminado se segue (ou com ele juntamente aparece).

Uma correcta interpretação causal de uma acção con-creta significa que o decurso externo e o motivo são conhe-cidos de um modo justo e, simultaneamente, compreendi-dos quanto ao sentido na sua conexão. Uma interpretaçãocausal correcta de acção típica (o tipo de acção compreensí-vel) significa que o acontecer considerado típico surge comadequação de sentido (em algum grau) e se pode estabele-cer como causalmente adequado (em algum grau). Se faltaa adequação de sentido, depara-se-nos então apenas umaprobabilidade estatística incompreensível (ou só imperfeit-amente compreensível), mesmo se conhecermos a regula-ridade máxima e especificável com precisão numérica nasua probabilidade do decurso (tanto interno como psíqui-co). Por outro lado, até a mais evidente adequação de senti-do significa uma correcta proposição causal para o alcancedos conhecimentos sociológicos só na medida em que se

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

22 Max Weber

fornece a prova da existência de uma probabilidade (deter-minável de qualquer modo) de que a acção costuma efec-tivamente tomar o decurso, que se afigura dotado de senti-do, com determinável frequência ou aproximação (por mé-dia ou no caso “puro”). Somente regularidades estatísticasque correspondem ao sentido intentado compreensível deuma acção social são tipos de acção susceptíveis de com-preensão (na acepção aqui usada), por conseguinte, “regrassociológicas”. Somente tais construções racionais de umaacção compreensível pelo sentido são tipos sociológicos doacontecer real e que se podem observar na realidade, pelomenos numa aproximação qualquer. Está-se muito longe depoder afirmar que, paralelamente à desvendável adequaçãode sentido, cresça também sempre a probabilidade efecti-va da frequência do decurso que lhe corresponde. Só a ex-periência externa pode, em cada caso, mostrar que assimacontece. – Há estatística tanto de processos estranhos aosentido (estatística da mortalidade, da fadiga, do rendimen-to das máquinas, da quantidade de chuva) como de proces-sos com sentido. Mas a estatística sociológica (estatísticacriminal, de profissões, de preços, de cultivo) é só a dos úl-timos. (Casos que incluem ambas: estatísticas de colheitas,por exemplo, são naturalmente frequentes).

8. Processos e regularidades que, por serem incompreensí-veis na acepção aqui utilizada do termo, não podem designar-se como “factos sociológicos” ou “regras sociológicas”, não

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 23

são por isso menos importantes. Nem sequer para a so-ciologia, na acepção aqui adoptada do termo (que implicauma limitação à “sociologia compreensiva”, a qual não de-ve nem pode impor-se a ninguém). Deslocam-se apenas, etal é metodologicamente inevitável, para um lugar diversodo da acção compreensível: para o das suas “condições”,“ocasiões”, “obstáculos” e “estímulos”.

9. A acção, na acepção de orientação significativamentecompreensível do comportamento próprio, existe para nóssempre apenas como comportamento de uma ou várias pes-soas singulares.

Para outros fins de conhecimento pode ser útil ou ne-cessário conceber o indivíduo singular, por exemplo, comouma associação de “células” ou como um complexo de re-acções bioquímicas, ou a sua vida “psíquica” como con-stituída por elementos individuais (seja qual for o modocomo se qualifiquem). Obtêm-se assim, sem dúvida, con-hecimentos valiosos (regras causais). Mas não compreen-demos o comportamento destes elementos expresso em re-gras. Nem sequer em elementos psíquicos e, claro está, tan-to menos quanto mais exactamente se conceberem de ummodo científico-natural: nunca é este o caminho para umainterpretação derivada do sentido intentado. Mas para a so-ciologia (na acepção aqui usada do termo, e igualmente pa-ra a história), a conexão de sentido da acção é o objecto daapreensão. Podemos observar (pelo menos em princípio) o

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

24 Max Weber

comportamento das unidades fisiológicas, por exemplo, dascélulas ou de quaisquer elementos psíquicos, ou tentar in-ferir a partir de observações, obter para eles regras (“leis”)e “explicar” causalmente com a sua ajuda processos parti-culares, isto é, incluí-los sob regras. No entanto, a interpre-tação da acção só se interessa por estes factos e regras en-quanto e no sentido em que o faz relativamente a quaisqueroutros factos (por exemplo, físicos, astronómicos, geoló-gicos, meteorológicos, geográficos, botânicos, geológicos,fisiológicos, atómicos, psicopatológicos alheios ao sentido,ou condições científico-naturais dos factos técnicos).

Por seu turno, para outros fins de conhecimento (por ex-emplo, jurídicos) ou para metas práticas pode, por outrolado, ser conveniente e até inevitável tratar determinadasformações sociais (“Estado”, cooperativa”, “sociedade anó-nima”, “fundação”) como indivíduos singulares (por exem-plo, como sujeitos de direitos e deveres, ou como autoresde acções juridicamente relevantes). Pelo contrário, para ainterpretação compreensiva da acção mediante a sociolo-gia, essas formações são simplesmente decursos e entrosa-mentos do agir específico de homens singulares, já que sóestes são para nós portadores compreensíveis de um agirorientado segundo o sentido. Apesar de tudo, a sociologianão pode ignorar, mesmo para os seus fins, as formaçõesconceptuais colectivas de outros modos de consideração.Com efeito, a interpretação da acção tem com esses concei-tos colectivos as seguintes três relações: a) é, muitas vezes,

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 25

forçada a trabalhar com conceitos colectivos de todo semel-hantes (designados amiúde com os mesmos nomes) a fimde obter em geral uma terminologia inteligível. A lingua-gem jurídica e a quotidiana designam, por exemplo, como“Estado” tanto o conceito jurídico como aquele estado decoisas da acção social, para o qual as regras jurídicas pre-tendem vigorar. Para a sociologia, a realidade “Estado” nãoconsta necessariamente só ou justamente das componentesjuridicamente relevantes. Em todo o caso, não existe pa-ra ela uma personalidade colectiva como “agente”. Quandofala de “Estado” ou de “nação”, de “sociedade anónima” oude “família”, de “corpo militar” ou de “formações” semel-hantes, refere-se antes apenas ao decurso, de índole deter-minada, da acção social, efectiva ou construída como pos-sível, dos indivíduos; introduz, por isso, no conceito jurídi-co, que emprega por causa da sua precisão e aclimatização,um sentido inteiramente diverso. – b) A interpretação daacção deve tomar nota do facto de que as entidades colecti-vas pertencentes ao pensar quotidiano ou ao jurídico (ou aoutro ramo) são representações de algo que em parte existee, em parte, surge como um dever-ser nas cabeças de ho-mens reais (não só de juízes e funcionários, mas tambémdo “público”), pelas quais se orienta a sua acção; e devetambém tomar nota de que, enquanto tais, elas têm umasignificação causal poderosa, muitas vezes até dominante,no decurso do agir dos homens concretos. Sobretudo, co-mo representações de algo que deve ser (ou também que

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

26 Max Weber

não deve ser). (Um “Estado” moderno – como complexode uma conjunta acção específica de homens – subsiste emparte muito considerável desta forma, porque determinadoshomens orientam a sua acção pela representação de queele deve existir ou existir assim ou assado; por conseguin-te, de que vigoram ordenamentos de índole juridicamenteorientada. A tal respeito, mais à frente.) Ainda que fossepossível, se bem que de um modo extremamente pedantee prolixo, eliminar de todo da terminologia própria da so-ciologia (Litt. a) estes conceitos da linguagem usual, quese empregam não só para o dever-ser jurídico, mas tam-bém para o acontecer real, substituindo-os por palavras decunho inteiramente novo, tal ficaria naturalmente excluído,pelo menos para este importante estado de coisas. –c) Ométodo da chamada sociologia “orgânica” (tipo clássico: oengenhoso livro de Schäffle, Bau und Leben des sozialenKörpers) procura explicar, partindo de um “todo” (por ex-emplo, uma “economia política”) a acção social conjunta;em seguida, no seu seio, interpreta-se o indivíduo e o seucomportamento tal como, analogamente, a fisiologia trata aposição de um “orgão” na “economia” do organismo (istoé, do ponto de vista da sua “conservação”). (Cf. o famo-so mote de um fisiólogo: “§x: O Baço: do baço nada sabe-mos, meus senhores, do baço enquanto tal!” Na realidade, o“implicado” sabia naturalmente bastantes coisas acerca dobaço: posição, volume, forma, etc. – apenas não conseguiaespecificar a “função”, e a tal incapacidade chamava “nada

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 27

saber”). Não pode aqui discutir-se até que ponto, noutrasdisciplinas, deve ser definitiva (necessariamente) esta espé-cie de consideração funcional das “partes” de um “todo”:sabe-se que a abordagem bioquímica e biomecânica nãogostaria fundamentalmente de com tal se contentar. Parauma sociologia interpretativa, semelhante modo de expres-são: 1) pode servir para fins de ilustração prática e de orien-tação provisória (e ser nesta função altamente útil e neces-sária – mas também desvantajosa, na sobrevalorização doseu valor cognoscitivo e de um falso realismo conceptual).2) E em determinadas circunstâncias, só ela nos pode aju-dar a descobrir a acção social cuja compreensão interpreta-tiva é importante para a explicação de uma conexão. Massó neste ponto é que começa o trabalho da sociologia (talcomo aqui se entende a acepção do termo). Nas “formaçõessociais” (em contraste com os “organismos”) encontramo-nos, para lá da simples determinação das suas conexões eregras funcionais (“leis”), na situação de cumprir algo deeternamente inacessível (no sentido da especificação de re-gras causais para fenómenos e formações e da “explicação”mediante elas dos acontecimentos singulares): justamentea „compreensão” da conduta dos indivíduos partícipes, aopasso que, pelo contrário, não podemos “compreender” ocomportamento, por exemplo das células, mas apreendê-losó funcionalmente e, em seguida, determiná-lo segundo asregras do seu decurso. Esta maior prestação da explicaçãointerpretativa em face da observadora tem, sem dúvida, co-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

28 Max Weber

mo preço o carácter essencialmente mais hipotético e frag-mentário dos resultados a alcançar por meio da interpre-tação. Mas ela é, no entanto, o específico para o conhecersociológico.

Até que ponto nos pode também ser “compreensível”pelo sentido o comportamento dos animais e, inversamen-te – ambas as coisas num sentido altamente impreciso enum âmbito problemático –, até que ponto pode, pois, exi-stir uma sociologia das relações do homem com os animais(animais domésticos, animais de caça) fica aqui inteiramen-te por explicar (muitos animais “entendem” ordens, cólera,amor, intenção agressiva e reagem-lhes claramente e, mui-tas vezes, não só de modo instintivo e mecânico, mas decerta maneira também com consciência de sentido e ori-entação pela experiência). Em si a medida da nossa sensi-bilidade, no comportamento dos “homens primitivos”, nãoé essencialmente superior. Mas, em parte não temos, emparte só de um modo muito insuficiente possuímos mei-os seguros para estabelecer no animal os factos subjecti-vos: os problemas da psicologia animal são, como se sa-be, tão interessantes quanto espinhosos. Existem e são par-ticularmente conhecidas associações animais do tipo maisdiverso: “famílias” monogâmicas e poligâmicas, rebanhos,enxames e, finalmente, “Estados” com divisões funcionais.(O grau de diferenciação funcional destas associações ani-mais não corre de modo algum paralelamente ao grau da di-ferenciação evolutiva, organológica e morfológica da espé-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 29

cie animal em questão. Assim a diferenciação funcional nastérmitas e, por conseguinte, a dos seus artefactos é muitomaior do que entre as formigas e as abelhas. É evidente queaqui a indagação se deve contentar, aceitando-a pelo menospor agora como definitiva, com a consideração puramentefuncional, a saber, com a descoberta das funções decisi-vas que têm os tipos singulares de indivíduos (“reis”, “rain-has”, “operários”, “soldados”, zangãos”, “rainhas substitu-tas”, etc.) na conservação da sociedade animal, isto é, naalimentação, defesa, propagação e renovação dessas socie-dades. Tudo o que foi mais além não passou, durante muitotempo, das simples especulações ou investigações sobre ograu em que a hereditariedade, por um lado, e o meio, poroutro, poderiam participar no desdobramento dessas dis-posições “sociais”. (Assim, em particular, as controvérsiasentre Weismann e Götte, em que o primeiro elaborou forte-mente no seu fundamento a sua “omnipotência da criaçãoda natureza” com deduções inteiramente extra-empíricas.)Mas, na mais séria investigação, existe naturalmente umacordo completo a respeito de que, na restrição ao conhe-cimento funcional, se trata apenas de uma satisfação força-da e, como se espera, apenas provisória. (Cf., por exem-plo, para o estado da investigação das térmitas, o escrito deEscherich, 1909). Seria desejar justamente não só discer-nir a “importância para a conservação” das funções de cadaum daqueles tipos diferenciados – coisa relativamente fá-cil – e especificar o modo como se explica aquela diferen-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

30 Max Weber

ciação, sem suposição da hereditariedade das propriedadesadquiridas ou, inversamente, no caso de tal suposição (e,então, seja qual for o modo de interpretação dessa supo-sição), mas saber também: 1. o que é que decide o começoda diferenciação a partir do indivíduo originário ainda neu-tro e indiferenciado, e 2. o que é que induz o individuo dife-renciado a comportar-se (na média) na forma que, de facto,é útil ao interesse de conservação do grupo diferenciado.Sempre que o trabalho avançou nesta direcção, tal acon-teceu mediante a demonstração, por via experimental (oususpeita) de estímulos químicos ou factos fisiológicos (pro-cessos digestivos, castração parasitária, etc.) nos indivíduossingulares. Até que ponto subsiste a esperança problemáti-ca de tornar verosímil, por meios experimentais, tambéma existência de uma orientação “psicológica” e “dotada desentido”, é coisa que nem sequer o especialista o poderiahoje dizer. Uma descrição controlável da psique desses ani-mais sociais com base na “compreensão” de sentido surgecomo meta ideal alcançável só em limites extremos. Emtodo o caso, não há que esperar daí a “compreensão” daacção social humana, mas ao invés: trabalha-se e deve alitrabalhar-se com analogias humanas. Pode talvez esperar-se que essas analogias nos sejam alguma vez úteis na for-mulação da questão seguinte: como apreciar nos estádiosprimitivos da diferenciação social humana o domínio da di-ferenciação puramente mecânico-instintiva na relação como que é individual e significativamente compreensível e, em

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 31

seguida, com o que foi criado de um modo conscientementeracional. A sociologia compreensiva deve, evidentemente,dar-se conta de que nas épocas primitivas predomina purae simplesmente nos homens a primeira componente, e deveigualmente permanecer consciente da sua contínua coope-ração (e, claro está, cooperação decisivamente importante)nos estádios ulteriores da evolução. Toda a acção “tradi-cional” (§2) e amplos estratos do “carisma” (Cap. III)1 en-quanto germe do “contágio” psíquico e, deste modo, por-tador de “estímulos evolutivos” sociológicos, estão muitopróximos, com transições insensíveis, daqueles processosque só biologicamente se podem apreender e que não são,ou só de um modo fragmentário, interpretáveis compreensi-vamente e explicáveis segundo a sua motivação. Mas tudoisto não dispensa a sociologia compreensiva da tarefa de,na consciência dos estreitos limites em que se encontra ba-nida, realizar o que justamente, por seu turno, só ela podelevar a cabo.

Os distintos trabalhos de Othmar Spann, muitas vezesricos de boas ideias ao lado de equívocos, sem dúvida oca-sionais, e sobretudo de argumentações baseadas em purosjuízos de valor que não pertencem na investigação empíri-ca, são, sem dúvida, correctos quanto à acentuação do si-gnificado, decerto por ninguém seriamente contestado, daquestão preliminar funcional (chama ele a isto: “métodouniversalista”) para toda a sociologia. Devemos, com certe-

1 Da obra Wirtschaft und Gesellschaft, a que pertence o capítulo presente. (N.T.)

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

32 Max Weber

za, saber primeiro que acção é funcionalmente importante,do ponto de vista da “conservação” (mas, além disso e so-bretudo, também da peculiaridade cultural!) e de uma pros-secução, numa direcção determinada, de um tipo de acçãosocial para, em seguida, podermos perguntar: como é quetal acção tem lugar? Que motivos a determinam? Impor-ta primeiro saber que serviços presta um “rei”, um “fun-cionário”, um “empresário”, um “rufia”, um “mago”: - que“acção” típica (aquilo que somente o insere numa destas ca-tegorias) é importante, pois, para análise e se considera an-tes de se poder abordar tal análise (“referência ao valor”, nosentido de H. Rickert). Mas, por outro lado, só esta análiseproporciona o que a compreensão sociológica da acção doshomens singulares tipicamente diferenciados (e só entre oshomens) pode e, por conseguinte, deve facultar. Em todoo caso, há que excluir tanto o enorme mal-entendido depensar que um método “individualista” significa uma va-loração individualista (em qualquer sentido possível), co-mo também a opinião de que uma construção conceptualde carácter inevitavelmente (em termos relativos) raciona-lista significa a crença no predomínio dos motivos racio-nais ou até uma valoração positiva do “racionalismo”. Umaeconomia socialista pode também, no plano sociológico,compreender-se tão “individualisticamente”, isto é, a partirda acção dos indivíduos – os tipos de “funcionários” quenela aparecem – como, por exemplo, os processos de trocamediante a doutrina da utilidade marginal (ou um método

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 33

“melhor” a encontrar ainda mas, neste ponto, semelhante).Com efeito, também aí o trabalho empírico-sociológico de-cisivo começa sempre com a questão: que motivos deter-minaram e determinam os funcionários e membros singu-lares desta “comunidade” a comportar-se de maneira a elater surgido e subsistir? Toda a construção conceptual fun-cional (partindo de um “todo”) proporciona para tal apenasum trabalho prévio, cuja utilidade e indispensabilidade –quando se leva a cabo de modo correcto – é, naturalmente,incontestável.

10. As “leis”, como é hábito designar muitas propo-sições da sociologia compreensiva – por exemplo, a “lei”de Gresham – são probabilidades típicas, corroboradas pe-la observação, de um transcurso, esperado na ocorrência decertos estados de coisas, das acções sociais que são com-preensíveis a partir de motivos típicos e do sentido tipica-mente intentado do agente. São compreensíveis e claras noseu mais alto grau quando motivos puramente racionais re-lativos a fins estão subjacentes ao decurso tipicamente ob-servado (ou que foram postos como fundamento ao tipometodicamente construído a partir de motivos teleológicos)e, por isso, a relação entre meio e fim é, de acordo comas proposições da experiência, unívoca (no meio “inevitá-vel”). Neste caso, é admissível a afirmação de que, quandose agir de um modo estritamente racional e teleológico, seteve de actuar assim e não de outro modo (porque por ra-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

34 Max Weber

zões “técnicas”, os participantes, no serviço dos seus fins– claramente aduzíveis –, só dispunham de estes e não deoutros meios). Este caso mostra precisamente, ao mesmotempo, como é errado ver qualquer “psicologia” como o“fundamento” derradeiro da sociologia compreensiva. Ca-da qual entende hoje por “psicologia” coisas distintas. Ob-jectivos metódicos de todo determinados justificam, parauma abordagem científico-natural de certos processos, aseparação do “físico” e do “psíquico”, que, neste sentido,é estranha às disciplinas da acção. Os resultados de umaciência psicológica que apenas investigue o “psíquico” naacepção da metodologia científico-natural com os meios daciência da natureza e, por conseguinte, não – o que é al-go de inteiramente distinto – não interprete, por seu turno,o comportamento humano pelo seu sentido intentado, sejaqual for a índole metodológica dessa psicologia, podem na-turalmente, como para qualquer das outras ciências, ganharimportância, no caso singular, para uma indagação socioló-gica e, muitas vezes, possuem-na em alta medida. Mas asociologia não tem com ela nenhumas relações em geralmais estreitas do que com todas as outras disciplinas. O er-ro reside no conceito de “psíquico”: o que não é “físico” é“psíquico”. Mas o sentido de um exemplo aritmético, quealguém intenta, não é “psíquico A reflexão racional de umhomem sobre se determinada acção é ou não exigida parainteresses definidos quanto às consequências a esperar, e adecisão tomada em harmonia com o resultado, são coisas

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 35

que não se tornam minimamente compreensíveis medianteconsiderações “psicológicas”. Mas é justamente sobre taispressupostos racionais que a sociologia (incluindo a eco-nomia política) constrói a maior parte das suas “leis”. Pelocontrário, na explicação sociológica das irracionalidadesda acção, a psicologia compreensiva pode, sem dúvida, pre-star na realidade um serviço decisivo e importante. Mas talem nada altera a situação metodológica fundamental.

11. A sociologia – como já repetidamente se pressupõecomo evidente – constrói conceitos típicos e demanda re-gras gerais do acontecer, em contraste com a história queaspira à análise e à imputação causais das acções, estruturase personalidades individuais, culturalmente importantes. Aconstrução conceptual da sociologia vai buscar o seu ma-terial, como paradigmas, muito essencialmente se bem quenão de modo exclusivo, às realidades da acção, igualmenterelevantes sob o ponto de vista da história. Constrói os seusconceitos e busca as suas regras sobretudo também a partirdo ângulo de se elas podem prestar um serviço à imputaçãocausal histórica dos fenómenos culturalmente importantes.Como em toda a ciência generalizadora, é condição da pe-culiaridade das suas abstracções o facto de os seus concei-tos serem por força relativamente vazios de conteúdo faceà realidade concreta do histórico. O que ela tem a oferecercomo contrapartida é a univocidade intensificada dos seusconceitos. Esta univocidade acrescentada é obtida em virtu-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

36 Max Weber

de da possibilidade de um óptimo de adequação de sentido,como é intentado pela conceptualização sociológica. Esta– e de tal se tratou sobretudo até agora – pode alcançar-se de um modo particularmente completo em conceitos eregras racionais (quanto a valores ou fins). Mas a sociolo-gia procura também apreender em conceitos teoréticos e,claro está, adequados pelo seu sentido, fenómenos irracio-nais (místicos, proféticos, pneumáticos, afectivos). Em to-dos os casos, racionais e irracionais, ela afasta-se da rea-lidade e contribui para o seu conhecimento na medida emque, mediante a indicação do grau de aproximação de umfenómeno histórico de um ou vários destes conceitos, estarealidade se pode ordenar. O mesmo fenómeno históricopode, por exemplo, especificar-se, por exemplo, numa partedas suas componentes, como “feudal”, noutra como “patri-monial”, noutra ainda como “burocrático” e, de novo, nou-tra como “carismático”. Para que com estas palavras se ex-presse algo de unívoco, a sociologia deve, por sua vez, pro-jectar tipos “puros” (“ideais”) dessas estruturas que mo-stram em si a unidade consequente de uma adequação desentido o mais completa possível, mas, justamente por isso,emergem talvez tão pouco na realidade, nesta forma puraabsolutamente ideal, como uma reacção física que é calcu-lada sob o pressuposto de um espaço absolutamente vazio.Ora a casuística sociológica só é possível a partir do tipopuro (“ideal”). Mas é de per si evidente que a sociologiaemprega, além disso, ocasionalmente também o tipo médio

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 37

do género dos tipos empírico-estatísticos: – uma construçãoque não carece particularmente da elucidação metodológi-ca. Mas, ao falar de casos “típicos”, refere-se sempre, nadúvida, ao tipo ideal que, por seu lado, pode ser racionalou irracional, embora na maioria das vezes (por exemplo,na teoria económico-política sempre) seja racional e se con-strua incessantemente com adequação de sentido.

Importa ficar claro que, no domínio sociológico, só po-dem construir-se com alguma univocidade “médias” e, tam-bém, “tipos médios”, quando se trata unicamente de dife-renças graduais de comportamento determinado pelo senti-do e qualitativamente análogo. Isto acontece. Mas, na maio-ria dos casos, a acção histórica ou sociologicamente rele-vante é influenciada por motivos qualitativamente hetero-géneos, entre os quais não se pode obter uma “média” emsentido genuíno. As construções típico-ideais da acção so-cial, como as que, por exemplo, a teoria económica prefere,são, pois, “estranhas à realidade” no sentido de que – ne-ste caso – indagam sem excepção: como se procederia nocaso ideal de uma pura racionalidade económica relativaa fins de modo a 1. poder compreender a acção real co-determinada, pelo menos, por obstáculos tradicionais, afec-tos e erros, pela introdução de finalidades ou consideraçõesnão económicas, na medida em que foi, de facto, no ca-so concreto, co-determinada por uma consideração racionaleconómica relativa a fins ou - numa consideração média -o costuma ser; mas também 2. para facilitar o conhecimen-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

38 Max Weber

to dos seus motivos reais mediante a distância entre o seutranscurso real e o típico-ideal. De um modo completamen-te análogo teria de proceder uma construção típico-ideal deuma atitude consequente acósmica face à vida (por exem-plo, face à política e à economia) misticamente condiciona-da. Quanto mais precisa e mais unívoca é a construção dostipos ideais, por conseguinte, quanto mais estranhos elessão, nesse sentido, ao mundo, tanto melhor é o serviço queprestam, quer no plano terminológico e classificatório quertambém no heurístico. A imputação causal concreta dosacontecimentos singulares graças ao trabalho da histórianão procede, na realidade, de outro modo quando, para ex-plicar, por exemplo, o decurso da batalha de 1866, investiga(como ela pura e simplesmente deve fazer) primeiro (ideal-mente), para Moltke e também para Benedek, como cadaum deles, no pleno conhecimento da situação própria e dado adversário, teria actuado no caso de ideal racionalidadeteleológica, para estabelecer uma comparação com a ac-tuação real e, em seguida, explicar causalmente a distânciaobservada (condicionada quer pela informação falsa, porerros efectivos, por equívocos, pelo temperamento pessoalou por considerações extra-estratégicas). Também aqui seaplica (de modo latente) uma construção racional teleoló-gica típico-ideal.

Mas os conceitos construtivos da sociologia são não sóextrínseca, mas também intrinsecamente típico-ideais. Aacção real decorre, na grande massa dos seus casos, em

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 39

obscura semi-consciência ou na inconsciência do seu “senti-do intentado”. O agente “sente-o” mais indeterminado emais indeterminadamente do que o conhece ou dele temuma clara ideia, actua na maior parte dos casos de um modoimpulsivo ou por hábito. Só ocasionalmente, e numa acçãocopiosamente análoga, muitas vezes, apenas de indivídu-os, se eleva à consciência um sentido (quer racional, querirracional) da acção. Uma acção significativa efectivamen-te tal, isto é, plenamente consciente e clara, é na realidadesempre apenas um caso limite. Toda a consideração históri-ca e sociológica, na análise da realidade, tem de ter sempreem conta este facto. Mas tal não deve impedir que a socio-logia construa os seus conceitos por meio de uma classi-ficação do possível “sentido intentado”, portanto, como sea acção transcorresse de facto conscientemente orientadapelo sentido. Deve sempre ter em conta e fixar, quanto àmedida e ao modo, a distância perante a realidade, quandose trata da consideração desta na sua concreção.

Muitíssimas vezes, do ponto de vista metodológico, háapenas que escolher entre termos obscuros ou claros, masentão irreais e “típico-ideais”. Neste caso, porém, devempreferir-se cientificamente os últimos. (Cf. sobretudo istoArch. f. Sozialwiss., XIX, loc. cit.).

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

40 Max Weber

II. Conceito da acção social

1. A acção social (inclusive a omissão ou tolerância) podeorientar-se pelo comportamento passado, presente ou espe-rado como futuro dos outros (vingança por prévios ataques,defesa do ataque presente, regras de defesa contra ataquesfuturos). Os “outros” podem ser indivíduos e conhecidosou indeterminadamente muitos e de todo desconhecidos (o“dinheiro”, por exemplo, significa um bem de troca que oagente admite no tráfico porque orienta a sua acção pelaexpectativa de que muitos outros, mas desconhecidos e in-determinados, estarão também, por seu turno, dispostos aaceitá-lo numa troca futura).

2. Nem toda a classe de acção – inclusive de acção ex-terna – é “social”, na acepção aqui estabelecida. Não o é aacção exterior quando se orienta simplesmente pelas expec-tações da conduta de objectos materiais. O comportamentoíntimo é acção social só quando se orienta pelo comporta-mento de outros. Não o é, por exemplo, a conduta religiosaquando permanece contemplação, oração solitária, etc. Aactividade económica (de um indivíduo) só o é na medidaem que toma em consideração o comportamento de tercei-ros. De um modo inteiramente geral e formal, pois, quandotem em conta o respeito por terceiros do seu próprio poderefectivo de disposição sobre bens económicos. Do pontode vista material, quando, por exemplo, no consumo entra

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 41

a consideração das futuras necessidades de terceiros e porelas se orienta o modo da “poupança” própria. Ou quandona produção se põe como fundamento da sua orientação anecessidade futura de terceiros, etc.

3. Nem toda a classe de contacto entre os homens é decarácter social, mas apenas um comportamento próprio ori-entado, quanto ao sentido, pelo comportamento de outros.Um choque de dois ciclistas, por exemplo, é um simplesacontecimento, como uma ocorrência natural. Mas a suatentativa de se esquivar ao outro e os insultos, a rixa ou a ex-plicação amistosa subsequentes ao choque, seriam “acçãosocial”.

4. A acção social não é idêntica a) nem a uma acção ho-mogénea de muitos, b) nem à acção influenciada pelo com-portamento de outros. a) Quando na rua, no início de umachuvada, uma quantidade de homens abre ao mesmo tem-po o guarda-chuva, a acção de um (normalmente) não estáorientada pela acção dos outros, mas sim a de todos homo-geneamente pela necessidade de protecção contra a humi-dade. - b) Sabe-se que a acção do indivíduo é fortemente in-fluenciada pelo simples facto de ele se encontrar no meio deuma “massa” apinhada num lugar (objecto da investigaçãoda “psicologia das massas”, por exemplo, à maneira dos tra-balhos de Le Bon): acção condicionada pela massa. E mas-sas dispersas podem também condicionar o comportamentodos indivíduos mediante uma conduta que actua simultâ-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

42 Max Weber

nea ou sucessivamente sobre os indivíduos (por exemplo,por meio da imprensa) e enquanto tal é percebida como demuitos. Determinadas formas de reacção são possibilitadas,outras dificultadas pelo simples facto de que o indivíduose sente como parte de uma “massa”. Consequentemente,um determinado evento ou comportamento humano podemsuscitar sensações da natureza mais díspar: regozijo, furor,entusiasmo, desespero e paixões de toda a índole, que nãoocorreriam (ou não com tanta facilidade) no isolamento –sem que exista, no entanto (pelo menos, em muitos casos)uma relação significativa entre o comportamento do indi-víduo e o facto de se encontrar numa situação de massa.Uma acção assim originada ou co-determinada só reacti-vamente no seu decurso pela influência do simples factoda “massa” como tal e sem qualquer referência ao sentido,não se conceberia como “acção social”, na acepção aquiestabelecida. De resto, a distinção é, naturalmente, muitís-simo fluida. Com efeito, não só, por exemplo, no demago-go, mas muitas vezes também no público numeroso podeexistir uma medida, de diferente grandeza e diversamenteinterpretável, da referência de sentido ao facto da “mas-sa”. – Além disso, a simples “imitação” do comportamentoalheio (em cuja importância insiste justamente D. Tarde)não seria, do ponto de vista conceptual, uma “acção soci-al” específica, quando ocorre de um modo simplesmentereactivo, sem orientação significativa da acção própria pelaalheia. A fronteira é de tal modo fluida que, muitas vezes,

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 43

dificilmente parece possível uma distinção. Mas o simplesfacto de que alguém aceite para si uma disposição que lheparece adequada a um fim, mas que aprendeu de outros, nãoé uma acção social na nossa acepção. Não se orientou pe-lo comportamento do outro, mas, por meio da observaçãode tal conduta, o agente deu-se conta de determinadas pro-babilidades objectivas e por estas se orienta. A sua acçãofoi determinada causalmente, mas não pelo sentido, atra-vés do agir alheio. Quando, pelo contrário, se imita a acçãoalheia, porque é “moda”, enquanto vigora como tradicio-nal, exemplar ou “distinta” como própria de uma classe, oupor motivos semelhantes, temos então a relação de senti-do ou com o comportamento de quem é imitado, ou comterceiros ou com ambos. Naturalmente, há entre eles tran-sições. Ambos os casos - condicionamento pela massa e aimitação - são fluidos e casos-limite da acção social, co-mo ainda muitas vezes se nos deparam, por exemplo, naacção tradicional (§2.). O fundamento da fluidez, nestes enoutros casos, estriba-se em que a orientação pela condutaestranha e o sentido da acção própria de nenhum modo sepode sempre inequivocamente precisar, nem é sempre con-sciente e ainda menos plenamente consciente. Já por issonem sempre é seguro separar a simples “influenciação” e a“orientação” pelo sentido. Mas devem separar-se concep-tualmente embora, como é evidente, a imitação puramente“reactiva” tenha, pelo menos, o mesmo alcance sociológi-co que a “acção” social apresenta em sentido genuíno. A

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

44 Max Weber

sociologia não tem de modo algum só a ver com a “acçãosocial”, mas esta constitui unicamente (para o tipo de so-ciologia aqui desenvolvida) o seu dado central, aquele quepara ela enquanto ciência é, por assim dizer, constitutivo.Mas com isto nada se afirma acerca da importância deste[dado] na sua relação com outros dados.

§2. Motivos determinantes da acção social

Como toda a acção, também a acção social pode ser: 1)racional em ordem a fins, determinada por expectações docomportamento de objectos do mundo exterior e dos outroshomens, utilizando estas expectações como “condições” ou“meios” para fins próprios racionalmente intentados e pon-derados como resultado; 2) racional quanto a valores, de-terminada pela crença consciente no valor – ético, estético,religioso ou de qualquer outra forma que se interprete –específico e incondicionado de uma determinada condutapuramente como tal e independentemente do resultado; 3)afectiva, sobretudo emocional, determinada por afectos eestados sentimentais actuais; 4) tradicional, determinadacomo um hábito vital.

1. O comportamento estritamente tradicional – tal comoa imitação puramente reactiva (ver §anterior) – encontra-se inteiramente na fronteira e, muitas vezes, além do que

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 45

em geral se pode chamar uma acção orientada “pelo senti-do”. Com efeito, muitíssimas vezes, é apenas uma obscurareacção a estímulos habituais, que decorre na direcção daatitude inscrita na vida. A massa de todo o agir quotidia-no e habitual aproxima-se deste tipo, o qual não só comocaso limite se inclui na sistemática, mas também porque avinculação ao habitual (de tal se falará mais tarde) se po-de manter consciente em diversos graus e sentidos: e entãoeste tipo aproxima-se do No 2 (supra).

2. O comportamento estritamente afectivo encontra-sede igual modo na fronteira e, muitas vezes, para além doque é conscientemente orientado “pelo sentido”; pode serum reagir irrestrito a um estímulo fora do quotidiano; éuma sublimação, quando a acção afectivamente condicio-nada surge como descarga consciente do estado sentimen-tal: encontra-se então, na maior parte dos casos (não sem-pre), já no caminho para a “racionalização axiológica” oupara a acção teleológica ou para ambas.

3. A orientação afectiva e a orientação axiológica racio-nal da acção distinguem-se entre si pela elaboração con-sciente, na última, das miras derradeiras da acção e pelaconsequente orientação de todo planificada. Por outro la-do, têm em comum o facto de que, para elas, o sentido daacção não reside no resultado que fica para além dela, masna própria acção especificada de modo determinado. Ageafectivamente quem satisfaz a sua necessidade actual de

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

46 Max Weber

vingança, de gozo, de entrega, de beatitude contemplativaou de abreacção de emoções actuais (quer de natureza toscaou sublime). Age estritamente de um modo racional axioló-gico quem, sem consideração pelas consequências previsí-veis, actua ao serviço da sua convicção sobre o que o de-ver, a dignidade, a beleza, a sapiência religiosa, a piedadeou a importância de uma “causa”, seja qual for a sua ín-dole, lhe parecem ordenar. Uma acção racional e axiológi-ca é sempre (no sentido da nossa terminologia) uma acçãosegundo “mandamentos” ou de acordo com “exigências”,que o agente julga a si dirigidas. Só na medida em que aacção humana se orienta por tais exigências – o que sempreacontece só numa fracção maior ou menor, e quase semprebastante modesta – falaremos de racionalidade axiológica.Como se mostrará, advém-lhe significado bastante para arealçar como tipo particular, embora aqui, de resto, não sepretenda facultar qualquer classificação exaustiva dos tiposde acção.

4. Age racionalmente em ordem a fins quem orienta asua acção por uma meta, meios e consequências laterais epondera racionalmente, para tal, os meios com os fins, osfins com as consequências secundárias como, finalmente,também os diferentes fins possíveis entre si: em todo o ca-so, pois, quem não actua nem afectivamente (e, sobretudo,de modo não emotivo), nem tradicionalmente. Por seu la-do, a decisão entre fins e consequências concorrentes e em

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 47

conflito pode orientar-se de modo racional e axiológico: aacção é então apenas teleologicamente racional nos seusmeios. Ou o agente, sem orientação axiológico-racional por“mandamentos” e “exigências”, pode integrar os fins con-correntes e conflitivos simplesmente como moções dadasda necessidade subjectiva numa escala de urgência cons-cientemente ponderada e orientar assim por ela a sua acçãode modo que se satisfaçam, quanto possível, nesta sua esca-la (princípio da “utilidade marginal”). A orientação axiológico-racional da acção pode, pois, encontrar-se em relações mui-to diversas com a teleológico-racional. Do ponto de vista daracionalidade teleológica, porém, a racionalidade axiológi-ca é sempre irracional e, claro está, tanto mais quanto ovalor que orienta o agir se eleva a valor absoluto, porquea reflexão sobre as consequências da acção é tanto menorquanto mais incondicionada é, para ela, a atenção concedi-da ao seu valor específico (por disposição de ânimo, bele-za, vontade absoluta, absoluta obrigatoriedade). A raciona-lidade teleológica absoluta da acção é, porém, somente umcaso-limite essencialmente construtivo.

5. A acção, sobretudo a acção social, só rarissimamenteestá orientada por um ou outro destes tipos. Estas formas deorientação também não podem, naturalmente, considerar-se de modo algum como classificações exaustivas dos tiposde orientação da acção, mas como puros tipos conceptuaispara fins sociológicos, dos quais a acção real se aproxima

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

48 Max Weber

mais ou menos ou deles – o que é ainda mais frequente– está mesclada. A sua conveniência só no-la pode dar oresultado.

§3. A relação social

Denominar-se-á “relação social” um comportamento de vári-os que, quanto ao seu conteúdo de sentido, se apresenta co-mo reciprocamente referido e, deste modo, orientado. A re-lação social consiste, pois, plena e exclusivamente na pro-babilidade de que se actuará socialmente numa forma (comsentido) indicável, não interessando agora em que se fundaesta probabilidade.

1. Um mínimo de recíproca bilateralidade na acção será,portanto, uma característica conceptual. O conteúdo po-de ser o mais diverso: conflito, inimizade, amor sexual,amizade, piedade, troca mercantil, “cumprimento” ou “não-cumprimento” ou “rotura” de um pacto, “concorrência”económica, erótica ou outra, comunidade de ordens, nacio-nal ou de classes (se, nestes últimos casos, se produzem“acções sociais” para além das simples situações comuns- de que mais tarde se falará). Por conseguinte, o conceitonada diz sobre se existe “solidariedade” entre os actores,ou justamente o contrário.

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 49

2. Trata-se sempre de um conteúdo significativo empíri-co, intentado pelos participantes - ou no caso singular con-creto ou numa média ou no tipo “puro” construído -, e nun-ca num sentido normativamente “justo” ou metafisicamente“verdadeiro”. A relação social consiste só e exclusivamen-te – ainda que se trate de “formações sociais” como “Esta-do”, “Igreja”, “Corporação”, “Matrimónio”, etc. - na pro-babilidade de que tenha existido, exista ou venha a existiruma acção de carácter recíproco quanto ao seu conteúdo desentido. Tal é sempre de ter em conta para evitar uma con-cepção “substancial” destes conceitos. Um “Estado” deixa,pois, de “existir” sociologicamente logo que se desvane-ce a probabilidade de ocorrerem determinadas espécies deacção social orientada por um sentido. Esta probabilidadepode ser uma muito grande ou outra que se desvanece atéao mínimo. No sentido e na medida em que ela subsistiuou subsiste efectivamente (segundo a estimativa), subsistiuou subsiste também a concernente relação social. Nenhumoutro sentido mais claro se pode pura e simplesmente as-sociar à afirmação de que, por exemplo, um determinado“Estado” ainda “existe” ou já deixou de existir.

3. De nenhum modo se diz que, num caso singular, osparticipantes na acção reciprocamente referida ponham omesmo conteúdo significativo na relação social ou que secomportem de um modo significativo e correspondente àatitude do parceiro oposto, que, portanto, exista “recipro-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

50 Max Weber

cidade” neste sentido. A “amizade”, o “amor”, a “pieda-de”, a “fidelidade” contratual, o “sentimento” da comuni-dade nacional de um lado pode, no outro, embater numaatitude de todo diversa. Os participantes associam então àsua acção um sentido diferente: a relação social é assim, deambos os lados, objectivamente “unilateral”. Mas ela estáentão também reciprocamente orientada na medida em queo agente pressupõe uma determinada atitude do parceiro(talvez de um modo erróneo no todo ou em parte) peranteele (o agente) e por estas expectações orienta a sua acçãoprópria, o que pode ter e, na maior parte dos casos, teráconsequências para o decurso da acção e a configuraçãoda relação. Naturalmente, só é objectivamente “bilateral”quando o conteúdo significativo “corresponde” em ambos- segundo as expectações médias de cada um dos partici-pantes – por conseguinte, por exemplo, a atitude do filhose contrapõe, pelo menos aproximadamente, à atitude dopai, como este (no caso singular, na média ou tipicamente)espera. Uma relação social de todo apoiada e sem resquí-cios numa atitude recíproca e de sentido correspondenteé, na realidade, apenas um caso-limite. Mas a ausência demutualidade só excluirá, segundo a nossa terminologia, aexistência de uma “relação social” quando tem a seguinteconsequência: falta efectivamente a referência recíproca daacção de ambos os lados. Na realidade, todas as espécies detransições são aqui, como sempre, a regra.

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 51

4. Uma relação social pode ter um carácter inteiramen-te transitório ou implicar uma permanência tal que existea probabilidade do retorno contínuo de uma conduta desentido correspondente (ou seja, tida por tal e, por con-seguinte, esperada). Unicamente a presença de tal plausi-bilidade – da maior ou menor probabilidade de que tenhalugar uma acção de sentido correspondente, e nada mais- é que assinala a “existência” da relação social – o queimporta ter sempre presente para evitar ideias falsas. Queuma “amizade” ou um “Estado” exista ou existisse signifi-ca, pois, pura e exclusivamente: nós (os observadores) jul-gamos que existe ou existiu uma probabilidade de que, combase numa certa atitude de homens determinados, se agenum sentido medianamente intentado e nada mais (cf. No

2 a. E.). A alternativa inevitável na consideração jurídicade que uma máxima de direito de determinado sentido temou não validade (em sentido jurídico), de que exista ou nãouma relação jurídica, não vale, pois para a consideraçãosociológica.

5. O conteúdo significativo de uma relação social po-de variar: - por exemplo, uma relação política de solida-riedade pode transformar-se numa colisão de interesses. Éentão apenas uma questão de conveniência terminológicae do grau de continuidade na transformação se, em semel-hantes casos, se diz que foi criada uma “nova” relação, ouque a que persiste recebeu um novo “conteúdo de sentido”.

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

52 Max Weber

Também o conteúdo significativo pode ser, em parte, per-manente e, em parte, variável.

6. O conteúdo de significado que constitui perenemen-te uma relação social pode ser formulado em “máximas”,cuja observância média ou significativamente aproximadaos participantes esperam do ou dos parceiros e pelas quaiseles, por seu turno (na média e aproximadamente), orien-tam a sua acção. Quanto mais racionalmente – do pontode vista teleológico ou axiológico – é orientada a acçãoconcernente, quanto ao seu carácter geral, tanto mais istoacontece. Naturalmente, numa relação erótica ou, em ge-ral, afectiva (por exemplo, de “piedade”), a possibilidade deuma formulação racional do conteúdo intentado de sentido,por exemplo, é muito menor do que numa relação contra-tual de negócios.

7. O conteúdo significativo de uma relação social podeser estipulado mediante um acordo recíproco. Tal signifi-ca que os que nele participam fazem promessas relativas àsua conduta futura (quer entre si, quer de outro modo). Ca-da um dos participantes – na medida em que racionalmentedelibera – conta normalmente (com distinta segurança) queo outro orientará a sua acção por um sentido da estipulação,por ele próprio (o agente) entendido. Orienta a sua acção,em parte, de um modo teleologicamente racional (com mai-or ou menor “lealdade” ao sentido) por esta expectação, emparte, de um modo racionalmente axiológico, pelo “dever”

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 53

de, por seu turno, também se “ater” à estipulação aceite, deacordo com o sentido por ele intentado. Quanto ao mais,cfr. §9 e §13.

§4. Tipos de acção social: uso, costume

No interior da acção social, podem observar-se regulari-dades efectivas, isto é, decursos da acção que, num senti-do intentado de modo tipicamente homogéneo, se repetemno mesmo agente ou se encontra difundido (eventualmentetambém ao mesmo tempo) em numerosos agentes. A socio-logia ocupa-se destes tipos do decurso da acção, em opo-sição à história, interessada nas conexões singulares, maisimportantes para a imputação causal, isto é, mais carrega-das de destino.

A probabilidade realmente existente de uma regularida-de da instauração da acção social chamar-se-á uso, quan-do e na medida em que a probabilidade da sua persistên-cia, dentro de um círculo de homens, é simplesmente dadapelo exercício efectivo. O uso chamar-se-á costume, quan-do o exercício efectivo se apoia numa aclimatação longa.Em contrapartida, deve designar-se como “condicionadopor uma situação de interesses” (“condicionado pelo in-teresse”), quando e na medida em que a probabilidade dasua existência empírica depende só da orientação puramen-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

54 Max Weber

te teleológico-racional da acção dos indivíduos por expec-tações similares.

1. Ao uso pertence também a “moda”. O uso deve deno-minar-se “moda”, em contraposição ao “costume”, quando(justamente ao invés do que acontece no costume) o factoda novidade da conduta em questão se torna a fonte da ori-entação da acção. Tem o seu lugar na vizinhança da “con-venção”, já que como esta brota (quase sempre) dos inter-esses prestigiantes de uma classe social. Aqui, nada maisacerca dela se dirá em pormenor.

2. Por oposição à “convenção” e ao “direito”, o “costu-me” significará para nós uma regra não externamente ga-rantida, a que o agente de facto se atém livremente, querapenas de modo “inconsiderado”, quer por “comodidade”ou por quaisquer outros motivos, e cuja observância pro-vável pode, em virtude de tais motivos, esperar de outroshomens que pertencem ao mesmo círculo. Nesta acepção, ocostume nada seria, pois, de “válido”: a ninguém se “exige”que o siga. Naturalmente, a transição daí para a convençãoválida e para o direito é absolutamente fluida. Em toda aparte o que de facto se fez foi o pai do que tem validade. Éhoje “costume” tomarmos de manhã um pequeno-almoçode carácter mais ou menos especificável; mas não existepara tal qualquer “obrigação” (excepto para os hóspedes deum hotel); e nem sempre foi costume. Em contrapartida, omodo de vestir, ainda que tenha nascido do “costume”, já

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 55

não é hoje, num âmbito vasto, apenas costume, mas con-venção. Sobre uso e costume podem ainda ler-se com pro-veito as secções atinentes do livro de Jhering, Zweck imRecht (Vol. II). Cfr. também P. Oertmann, Rechstsordnungund Verkehrssitte (1914) e, mais recentemente, E. Weige-lin, Sitte, Recht und Moral, 1919 (em concordância comigocontra Stammler).

3. Numerosas regularidades muito visíveis do decursoda acção social, sobretudo (mas não só) da acção económi-ca, de nenhum modo se fundam na orientação por qualquernorma considerada como “válida”, nem também no costu-me, mas simplesmente no facto de que a índole da acçãosocial dos participantes corresponde, segundo a naturezada coisa, na média e da melhor maneira aos seus interes-ses normais subjectivamente apreciados, e de que eles ori-entam a sua acção por esta opinião e conhecimento sub-jectivos: assim, por exemplo, as regularidades da formaçãode preços no mercado “livre”. Os interessados no mercadoorientam justamente a sua conduta, enquanto “meio”, porpeculiares interesses económicos típicos e subjectivos co-mo “fim”, e por determinadas expectações típicas que elesacalentam, a partir do comportamento previsível dos ou-tros, como “condições” para alcançar aquele fim. Na me-dida em que é mais estrito o carácter racional teleológicoda sua acção e tanto mais semelhante é o modo como elesreagem a situações dadas surgem homogeneidades, regula-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

56 Max Weber

ridades e continuidades na atitude e na acção que, muitíssi-mas vezes, são muito mais estáveis do que quando a acçãose orienta por normas e deveres, tidos efectivamente por“obrigatórios” num círculo de homens. Este fenómeno deorientação por uma situação de meros interesses, própriose alheios, produzir efeitos semelhantes aos que se tenta ex-torquir por normas prescritas – e, muitas vezes, em vão -suscitou uma grande atenção sobretudo no âmbito econó-mico: – foi justamente uma das fontes da origem da econo-mia política como ciência. Mas vale igualmente para todosos domínios da acção. Constitui na sua deliberação e ínti-ma liberdade, a oposição polar a toda a espécie de vincu-lação interna por meio do ajustamento ao mero “costume”arreigado e também, por outro lado, à dedicação a normasque são objecto de uma crença axiologicamente racional.Uma componente essencial da “racionalização” da acçãoé a substituição do ajustamento íntimo no costume arrei-gado pela adaptação planificada a situações de interesses.Sem dúvida, este processo não esgota o conceito de “ra-cionalização” da acção. Com efeito, ela pode, além disso,decorrer positivamente na direcção da consciente raciona-lização de valores, mas, negativamente, à custa do costumee também da acção afectiva e, por último, à custa de umaacção racional ligada a valores, se bem que em prol de umaaxiologicamente incrédula e puramente racional em ordema fins. Ocupar-nos-emos ainda muitas vezes desta ambigui-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 57

dade do conceito de “racionalização” da acção. (Aspectosconceptuais a tal respeito na conclusão!).

4. A estabilidade do (simples) costume baseia-se essen-cialmente no facto de que quem por ele não orienta a suaacção age “de um modo não ajustado”, isto é, deve aceitarde antemão pequenas e grandes incomodidades e inconve-niências, enquanto a acção da maioria pertencente ao seumeio ambiente contar com a subsistência do costume e a elese ajustar. A estabilidade da situação de interesses funda-se, analogamente, no facto de que quem não orienta a suaacção pelo interesse dos outros – não “conta” com estes -provoca a sua resistência ou tem um resultado por ele nãoquerido e não previsto e, por conseguinte, corre o perigo deprejudicar o seu interesse próprio.

§5. Conceito de ordem legítima

A acção, em especial a acção social e, por seu turno, so-bretudo a relação social pode, por parte dos participantes,orientar-se pela representação da existência de uma ordemlegítima. A probabilidade de que tal efectivamente aconte-ce chamar-se-á “validade” da ordem em questão.

1. “Validade” de uma ordem significará, pois, para nósmais do que uma simples regularidade condicionada pelocostume ou por uma situação de interesses, do decurso da

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

58 Max Weber

acção social. Quando as sociedades de transporte de modosinserem regularmente cláusulas relativas ao tempo da mu-dança, tal regularidade é condicionada por uma “situaçãode interesses”. Quando um bufarinheiro visita uma deter-minada clientela em determinados dias do mês ou da sema-na trata-se ou de um costume arreigado ou do resultado deuma situação de interesses (rotação da sua zona comerci-al). Mas quando um funcionário se apresenta diariamenteem hora fixa no escritório, tal não é condicionado apenaspor um hábito arreigado (costume) e (também) não somentepor uma situação de interesses a que ele, por seu bel-prazer,se poderia ou não conformar, mas (regra geral também) emvirtude da “validade” da ordem (regulamento de serviço)como mandamento, cuja transgressão não só traria desvan-tagens, mas – normalmente - causaria também horror, doponto de vista racional e axiológico (embora efectivamenteem graus muitíssimo diversos), ao seu “sentimento de de-ver”.

2. Ao conteúdo significativo de uma relação social que-remos a) chamar somente uma “ordem”, quando a acçãose orienta (na média e aproximadamente) por “máximas”que se podem assinalar. Falaremos b) de uma “validade”desta ordem quando a orientação efectiva por estas máxi-mas tem, pelo menos, lugar também (ou seja, num grau quetem peso prático) unicamente porque elas se divisam comode algum modo válidas, para a acção, como obrigatórias ou

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 59

exemplares. De facto, a orientação da acção por uma ordemocorre, naturalmente, nos participantes por motivos muitodiferentes. Mas a circunstância de, ao lado dos outros moti-vos, pelo menos para uma parte dos actores, a ordem pairartambém como exemplar ou obrigatória e, por conseguinte,como algo que deve ser intensifica, naturalmente, a proba-bilidade de a acção por ela se orientar e, claro está, muitasvezes em medida muito considerável. Uma ordem obser-vada apenas por motivos teleológico-racionais é em geralmuito mais lábil do que outra derivada de uma orientaçãopara ela, apenas por força do costume e em virtude do ar-reigamento de uma conduta: esta é de todas a espécie maisfrequente de atitude íntima. Mas é ainda incomparavelmen-te mais lábil do que a que surge com o prestígio da exem-plaridade ou da obrigação, queremos dizer, da “legitimida-de”. As transições da orientação por uma ordem, motivadade modo simplesmente tradicional ou apenas teleológico-racional, para a crença na legitimidade são, naturalmente,de todo fluidas na realidade.

3. Não é só mediante a adesão ao seu sentido (entendidonuma certa média) que se pode “orientar” a sua acção pelavalidade de uma ordem. Também no caso da “evasão” ou“transgressão” do seu sentido (entendido numa certa mé-dia) pode actuar a probabilidade da sua validez (como nor-ma obrigatória) num âmbito qualquer. Em primeiro lugar,de um modo puramente teleológico-racional. O ladrão ori-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

60 Max Weber

enta a sua acção pela validade da lei penal, porquanto aoculta. Que a ordem é “válida” para um círculo de homensmanifesta-se justamente no caso de ter de ocultar a trans-gressão. Mas, prescindindo deste caso-limite, a transgres-são da ordem restringe-se, com muita frequência, a contra-venções parciais mais ou menos numerosas, ou pretende-se, com diferente grau de boa fé, apresentá-la como legíti-ma. Ou existem de facto, lado a lado, diversas concepçõesdo sentido da ordem as quais, em seguida – para a so-ciologia – “valem” todas no âmbito em que determinamo comportamento efectivo. Para a sociologia não constituidificuldade alguma a vigência paralela de diversos orden-amentos entre si contraditórios dentro do mesmo círculode homens. Com efeito, até o indivíduo pode orientar asua acção por ordenamentos que entre si se contradizem.Não só de modo sucessivo, como quotidianamente aconte-ce, mas também na mesma acção. Quem leva a cabo umduelo orienta a sua acção pelo código de honra, mas, aoocultar esta acção ou, inversamente, ao apresentar-se ao tri-bunal, orienta-se pelo código penal. Quando a evasão ou atransgressão do sentido (professado na média) de uma or-dem se converte em regra, então a validade de tal ordem éapenas limitada ou, por fim, já nem sequer existe. Entre avalidade e a não validade de um determinado ordenamentonão existe, pois, para a sociologia, como para a jurisprudên-cia (segundo o seu fim inevitável), uma alternativa absoluta.Mas existem transições fluidas entre ambos os casos e po-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 61

dem “vigorar”, como se indicou, lado a lado ordenamentosentre si contraditórios, cada qual no âmbito em que existe aprobabilidade de a acção se orientar efectivamente por eles.

Os conhecedores da bibliografia lembrar-se-ão do pa-pel que o conceito de “ordem” desempenha no livro (citadona nota preliminar) de R. Stammler, escrito decerto – co-mo todos os seus trabalhos – com brio, mas profundamenteequivocado e confundindo de modo funesto os problemas.(Cf. a tal respeito a minha crítica aí citada – infelizmen-te na forma bastante dura, no desgosto que me produziu aconfusão aludida). Em Stammler, não só não se distingueentre a validade empírica e a normativa, mas desconhece-se, além disso, que a acção social não se orienta apenas por“ordenamentos”; transformou-se sobretudo, de um modologicamente de todo errado, o ordenamento em “forma” daacção social e, em seguida, atribui-se-lhe um papel quantoao “conteúdo” semelhante ao que a “forma” desempenhano sentido teórico-cognoscitivo (prescindindo inteiramentede outros erros). De facto, por exemplo, a acção (prima-riamente) económica orienta-se pela representação da es-cassez de determinados meios disponíveis para a satisfaçãodas necessidades em relação com a carência “representada”e pela acção presente e futuramente previsível de tercei-ros que reflectem sobre os mesmos meios; mas, além disso,orienta-se na eleição das suas medidas “económicas” poraqueles “ordenamentos” que o agente conhece como lei econvenções “vigentes”, isto é, sabe a seu respeito que sur-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

62 Max Weber

giria uma determinada reacção de terceiros, no caso da suatransgressão. Stammler confundiu do modo mais irreme-diável este estado de coisas empírico extremamente simp-les e afirmou, em particular, que é conceptualmente impos-sível uma relação causal entre “ordenamento” e acção real.Entre a validade dogmático-jurídica e normativa do orden-amento e um processo empírico não há, de facto, nenhumarelação causal, mas surge apenas a questão: será o proces-so empírico juridicamente “apreendido” pelo ordenamentocorrectamente interpretado)? Deve este, pois, valer (norma-tivamente) para ele? E, no caso afirmativo, que diz ele en-quanto deve, para o primeiro, ser normativamente válido?Mas entre a probabilidade de a acção se orientar pela re-presentação da validade de um ordenamento entendido namédia assim e assado e a acção económica, existe eviden-temente (no seu caso) uma relação causal, no sentido detodo habitual da palavra. Mas, para a sociologia, a proba-bilidade de orientação por esta representação “é” justa esimplesmente “o” ordenamento válido.

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 63

§6. Espécies de ordem legítima: convenção edireito

A legitimidade de uma ordem pode ser garantida:

I. De modo puramente íntimo e, claro está,

1. puramente afectivo: por devotamento sentimental;2. axiológico-racional: pela crença na sua validade abso-

luta enquanto expressão de valores supremos vinculatórios(morais, estéticos ou quaisquer outros);

3. religioso: pela fé que se tem na dependência que háentre a posse de um bem salvífico e a sua observância;

II. Também (ou apenas) por meio das expectações deconsequências externas específicas, por conseguinte, poruma situação de interesses; mas por expectações de índoleparticular.

Uma ordem deve chamar-se:

a) Convenção, quando a sua validade está externamente ga-rantida pela probabilidade de que, no interior de um de-terminado círculo de homens, uma deflexão [na conduta]irá embater numa reprovação relativamente geral e pratica-mente sensível.

b) Direito, quando está externamente garantida pela proba-bilidade de coacção física ou psíquica mediante a acção deum corpo de homens expressamente dirigida a forçar a sua

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

64 Max Weber

observância ou a castigar a sua transgressão. Sobre a con-venção, cf., além de Jhering, op. cit., e Weigelin, op. cit., eF. Tönnies, Die Sitte (1909).

1. Convenção chamar-se-á ao costume que, dentro deum círculo de homens, se considera como “válido” e ga-rantido pela reprovação contra os desvios. Contrariamenteao direito (no sentido aqui usado da palavra), falta o cor-po de homens especialmente dedicado à coacção. QuandoStammler pretende distinguir a convenção do direito peloabsoluto “carácter voluntário” da sujeição, tal não está emconsonância com o habitual uso linguístico e nem sequer écorrecto para os seus próprios exemplos. A observância da“convenção” (na acepção habitual do termo) - por exemplo,da saudação habitual, do vestuário tido por decente, dos li-mites de forma e conteúdo no trato humano – torna-se pa-ra o indivíduo uma “exigência” muito séria enquanto obri-gatória ou modelar, e não se lhe deixa - como, por ventura,o simples “costume” de preparar de determinada maneiraos seus alimentos – qualquer espaço livre. Uma infracçãoda convenção (“costume de uma classe”) é muitas vezessancionada com mais força pelas consequências altamenteeficazes e sensíveis do boicote social dos correligionáriosdo que o conseguiria qualquer coacção jurídica. O que faltaé unicamente o corpo particular de homens instituído pa-ra uma acção específica que garante a observância (entrenós: juízes, fiscais, funcionários administrativos, executi-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 65

vos, etc.). Mas a transição é fluida. O caso-limite da garan-tia convencional de uma ordem, na transição para a garan-tia jurídica, é a aplicação do boicote formal, proclamado,ameaçado e organizado. Este, na nossa terminologia, seriajá um meio de coacção jurídica. Não interessa aqui que aconvenção possa estar protegida por outros meios além doda simples reprovação (por exemplo, o uso do direito domé-stico no comportamento que infringe a convenção). Comefeito, decisivo é que justamente então o indivíduo, decertoem consequência da reprovação convencional, é que em-prega os meios repressivos (amiúde drásticos), e não umcorpo de homens para tal expressamente preparado.

2. Para nós, o decisivo no conceito de “direito” (que, pa-ra outros fins, se pode delimitar de um modo inteiramentediverso) será a existência de um corpo coercivo. Este, na-turalmente, de nenhum modo precisa de ser análogo ao quehoje nos é habitual. Não é, em especial, forçoso que exi-sta uma instância “judicial”. O próprio clã (na vingança desangue e na contenda) é esse corpo quando, para o mododa sua reacção, são efectivamente vigentes ordenamentosde qualquer natureza. Sem dúvida, este caso encontra-sena fronteira mais extrema do que se pode justamente apeli-dar ainda de “coacção jurídica”. Como se sabe, ao “direitointernacional” sempre se contestou repetidamente a quali-dade de “direito”, por carecer de um poder coactivo supra-estatal. Segundo a terminologia aqui escolhida (como con-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

66 Max Weber

veniente) não pode, de facto, designar-se como “direito”uma ordem que, externamente, está garantida só por expec-tações da reprovação e das represálias dos lesados, portan-to, convencionalmente e mediante a situação de interesses,sem que exista um corpo de homens cuja acção é expressa-mente instituída para a sua observância. No entanto, para aterminologia jurídica pode muito bem vigorar o contrário.Os meios da coerção são irrelevantes. Até a “admoestaçãofraterna”, que era corrente em muitas seitas como o pri-meiro meio de coacção suave contra os pecadores, se contaentre eles - sempre que esteja ordenada por uma regra eseja levada a cabo por um corpo de homens. De igual ma-neira, a repreensão do censor, por exemplo, como meio degarantir as normas “éticas” do comportamento. Também acoacção psíquica, graças ao genuíno meio disciplinar ecle-sial. Existe, pois, naturalmente, um direito garantido tantohierocraticamente como de modo político ou por meio dosestatutos de uma associação ou pela autoridade doméstica,ou ainda mediante associações e uniões. As regras de um“Komment” inserem-se também nesta determinação con-ceptual como “direito”2. O caso do §888, p. 2 do RZPO-Leide procedimentos civis (direitos inexecutáveis) – integra-se evidentemente aqui. As “leges imperfectae” e as “obri-gações naturais” são formas da linguagem jurídica em que

2 A palavra alemã Komment é a transcrição do francês “comment” (como, i.e.,o modo de fazer algo) e indicava em determinadas situações a totalidade dos usos ecostumes de uma associação estudantil. (N.T.)

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 67

se expressam indirectamente limites ou condições no usoda coacção. Um “costume de trato humano” coercivamenteimposto é, por isso, direito (§§157, 242 DBGB.) Cfr. sobreo conceito dos “bons costumes” (= merecedores de apro-vação e, por isso, sancionados pelo direito) Max Rümelinin ”Schwäb. Heimatgabe für Th. Häring” (1918).

3. Nem todo o ordenamento válido tem necessariamenteum carácter geral e abstracto. O “preceito” jurídico válido ea “decisão” jurídica de um caso concreto, por exemplo, denenhum modo estiveram em todas as circunstâncias tão se-parados como hoje normalmente se vê. Um “ordenamento”pode, pois, aparecer também como ordenamento apenas deum estado de coisas concreto. Todo o pormenor pertenceà sociologia do direito. Quando nada mais se disser, ater-nos-emos, por conveniência, à concepção moderna sobre arelação entre preceito jurídico e decisão jurídica.

4. Ordenamentos “externamente” garantidos também po-dem, além disso, estar garantidos ainda de um modo “in-terno”. A relação entre direito, convenção e “ética” nãoconstitui, para a sociologia, problema algum. Uma medi-da “ética” é de per si uma medida que impõe como normaum modo específico de fé axiológico-racional dos homensà acção humana, a qual exige o predicado de “moralmen-te boa”, tal como exige o predicado “bela” a acção que semede por critérios estéticos. Neste sentido, representaçõesnormativas de carácter ético podem influenciar muito pro-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

68 Max Weber

fundamente a acção e, no entanto, carecer de toda a garan-tia externa. Costuma dar-se este último caso quando, pe-la sua transgressão, se afectam em escassa medida inter-esses alheios. Por outro lado, estão amiúde garantidos noplano religioso. Podem também encontrar-se garantidos demodo convencional (na acepção da terminologia aqui em-pregue) pela reprovação da sua transgressão e boicote – ouainda juridicamente, mediante a reacção penal ou polici-al, ou por certas consequências civis. Toda a ética “vigen-te” – no sentido da sociologia - costuma estar amplamentegarantida por meio da probabilidade da reprovação da suatransgressão, portanto, de modo convencional. Mas, por ou-tro lado, todos os ordenamentos garantidos convencionalou juridicamente não pretendem (pelo menos, não necessa-riamente) o carácter de normas éticas; em conjunto, aindamuito menos as normas jurídicas – muitas vezes, puramen-te teleológico-racionais – do que as convencionais. Se umarepresentação normativa difundida entre os homens se de-ve ou não olhar como pertencente ao domínio da “ética” (éentão, pois, “simples” convenção ou “pura” norma jurídi-ca), é coisa que a sociologia empírica só pode decidir se-gundo aquele conceito do “ético” que tenha efectivamentevigorado ou vigore no círculo de homens em questão. Masa tal respeito não se podem fazer afirmações gerais.

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 69

§7. Fundamentos de validade da ordemlegítima: tradição, fé, estatuto

A validade legítima pode ser atribuída pelos agentes a umaordem:a) por força da tradição: validade do que sempreexistiu; b)em virtude da crença afectiva (sobretudo emo-cional): validade do recentemente revelado ou do que é ex-emplar; c) graças à fé axiológico-racional: validade do quese tem por absolutamente valioso; d) por efeito de estatutospositivos, em cuja legalidade se acredita.

Esta legalidade [d)] pode [para os participantes] valercomo legítima

a) em virtude de um acordo dos interessados;

b) por meio da imposição (com base numa dominação dehomens sobre homens como legitimamente válida) e da obe-diência.

Todo o pormenor (com a excepção de alguns conceitosainda a definir ulteriormente) pertence à sociologia da de-nominação e do direito. Aqui tenha-se apenas em conta:

1. A validade de ordens em virtude do carácter sagra-do da tradição é a mais universal e a mais originária. Otemor perante desvantagens mágicas fortaleceu a inibiçãopsíquica face a toda a modificação de hábitos aclimatadosda acção, e os múltiplos interesses que costumam estar as-sociados à manutenção da obediência à ordem vigente cou-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

70 Max Weber

beram no sentido da sua conservação. A este respeito, infrano cap. III.

2. Criações novas e conscientes de ordens foram, ori-ginariamente, quase sempre oráculos proféticos ou, pelomenos, proclamações profeticamente sancionadas e, comotais, objecto de uma fé sagrada, até aos estatutos dos Ai-simnetas helénicos. A obediência dependia, em seguida, dafé na legitimação do profeta. Em épocas de vigência do tra-dicionalismo estrito, a emergência de novas ordens, isto é,daquelas que se consideraram como “novas”, só era pos-sível sem uma sua recente revelação, em virtude de elasterem sido, na verdade, válidas desde sempre e apenas ain-da não correctamente reconhecidas ou, enquanto por algumtempo obscurecidas, foram doravante redescobertas.

3. O tipo mais comum da validade axiológico-racionalestá representado pelo “direito natural”. Fosse qual fossea sua limitação face às suas pretensões ideais, não pode,no entanto, pôr-se em questão um considerável grau de in-fluência real das suas proposições logicamente dedutíveissobre a acção, proposições que importa separar tanto do di-reito revelado como do estatuído ou do tradicional.

4. A forma hoje mais corrente de legitimidade é a crençana legalidade: a obediência perante estatutos formalmentecorrectos e que se vieram a materializar na forma usual.A oposição entre ordenamentos pactuados e impostos é sórelativa. Com efeito, logo que a validade de um ordenamen-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 71

to pactuado não se baseia num acordo por unanimidade –como muitas vezes se requeria no passado para haver legi-timidade efectiva –, mas na submissão de facto, dentro deum círculo de homens, de pessoas cuja vontade se desvia-va das maiorias – como muitíssimas vezes acontece –, exi-ste então, na realidade, uma imposição face à minoria. Poroutro lado, acontece com muitíssima frequência que mino-rias poderosas ou sem escrúpulos e firmes no seu propó-sito impõem ordenamentos que, em seguida, vigoram co-mo legítimas também para os que originariamente se lhesopunham. Quando as “votações” são legais como meio paraa criação ou a variação de ordenamentos, é muito frequenteque a vontade minoritária alcance a maioria formal e que amaioria se acomode, portanto, o carácter maioritário é so-mente uma aparência. A fé na legalidade dos ordenamentospactuados remonta a épocas bastante remotas e encontra-se, por vezes, também nos chamados povos primitivos: masquase sempre suplementada pela autoridade de oráculos.

5. A submissão perante ordenamentos impostos por in-divíduos singulares ou por vários supõe-se sempre, na me-dida em que para tal são decisivos não os simples temor oumotivos teleológico-racionais mas concepções da legalida-de, a fé em qualquer autoridade legítima do ou dos impo-sitores; disto se tratará em particular (§§13, 16 e Cap. III).

6. Sempre que não se trate de estatutos inteiramente no-vos, a obediência em ordenamentos é, regra geral, condi-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

72 Max Weber

cionada por uma mescla de vinculação à tradição e de ideiade legitimidade, além de o ser por situações de interesses damais diversa espécie. Em muitíssimos casos, naturalmente,os agentes obedientes nem sequer são conscientes de se éde um costume, de uma convenção ou de um direito que setrata A sociologia tem então de descobrir a índole típica davalidade em questão.

§8. [Géneros e meios da luta social]

Denominar-se-á luta uma relação social quando a acção seorienta pelo propósito de impor a própria vontade contra aresistência do ou dos parceiros. Chamar-se-ão meios “pací-ficos” de luta os que não consistem na violência física efec-tiva. A luta “pacífica” chamar-se-á “concorrência” quan-do, enquanto competição formalmente pacífica, se trava emvista do poder próprio de disposição sobre probabilidadesque também os outros desejam. A “concorrência regulada”chamar-se-á concorrência na medida em que está orientada,nos fins e nos meios, por uma ordem. A luta (latente) pelaexistência que, sem um propósito combativo e significativocontra os outros, tem lugar entre indivíduos ou tipos hu-manos em vista das probabilidades de vida ou sobrevivên-cia denominar-se-á “selecção”: “selecção social” quando setrata de probabilidades dos viventes na vida, ou “selecção

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 73

biológica” na medida em que se trata das probabilidades desobrevivência da hereditariedade.

1. Desde a luta sangrenta, dirigida à aniquilação da vidado adversário, desligada de toda a vinculação às regras docombate, até à peleja entre cavaleiros convencionalmenteregulada (o convite do arauto antes da batalha de Fonte-noy: “Messieurs les Anglais, tirez les premiers”) e à con-tenda desportiva com as suas regras; desde a “concorrên-cia” sem qualquer controlo, por exemplo, de competido-res eróticos em vista dos favores de uma mulher, desde aluta concorrencial associada à ordem do mercado em vistadas possibilidades de troca, até às “concorrências” artísti-cas regulamentadas ou à “luta eleitoral”, há as mais diver-sas transições sem solução de continuidade. A delimitaçãoconceptual da luta [não] violenta justifica-se pela peculia-ridade dos seus meios normais e pelas particularidades daíderivadas das consequências sociológicas da sua ocorrência(cf. Cap. II ).

2. Toda a luta e concorrência típicas e em massa levama longo prazo, no fim de contas, não obstante os muitos edecisivos acasos e destinos, a uma selecção dos que pos-suem em maior medida as qualidades pessoais, na médiamais importantes, para a vitória no combate. Que quali-dades sejam essas – se a maior força física ou a astúciasem escrúpulos, se a maior intensidade na realização espi-ritual ou força pulmonar e técnica demagógica, se maior

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

74 Max Weber

devoção pelos chefes ou pelas massas aduladoras, se umamais original capacidade criadora ou maior capacidade deadaptação social, se mais qualidades que se afiguram comoextraordinárias ou que não vão além da média da massa –é coisa que decidem as condições da luta e da concorrên-cia entre as quais, além de todas as possíveis qualidadesindividuais e de massa que se podem pensar, se contamtambém os ordenamentos pelos quais se orienta o compor-tamento na luta, quer ele seja tradicional, quer axiológicaou teleologicamente racional. Cada um deles tem influên-cia nas probabilidades da selecção social. Nem toda a se-lecção social é, na nossa acepção, “luta”. “Selecção social”,pelo contrário, significa antes de mais apenas que determi-nados tipos de comportamento próprio e, por conseguin-te, eventualmente, de qualidades pessoais, são privilegiadosna possibilidade de conseguir uma determinada relação so-cial (como “amante”, “marido”, “funcionário”, “mestre deobras”, “director geral”, “empresário bem sucedido”). Na-da em si se diz se esta probabilidade social de preferênciase obtém mediante a “luta” nem se ela, além disso, melho-ra ou não as probabilidades de sobrevivência biológica dotipo em questão.

Só falaremos de “luta” onde realmente tem lugar a con-corrência. Segundo toda a experiência anterior, a luta éefectiva só no sentido de “selecção” e unicamente é ine-liminável por princípio na acepção de selecção biológica.A selecção é “eterna” porque não se pode inventar meio

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 75

algum para de todo a excluir. Um ordenamento pacifistade observância estrita só consegue regular determinadosmeios, objectos e direcções de luta, no sentido da exclusãode alguns deles. Tal significa que outros meios de comba-te levam à vitória na concorrência (aberta) ou – se esta seimaginar como eliminada (o que só seria possível de modoteorético e utópico) - na selecção (latente) das probabilida-des de vida e de sobrevivência, e favorecem os que os têmà disposição quer como bem hereditário ou como produtoda educação. No plano empírico, a selecção social e, porprincípio, a biológica constituem os limites da eliminaçãoda luta.

3. Naturalmente, há que separar das lutas dos indivídu-os pelas probabilidades de vida e sobrevivência a “luta”e a “selecção” das relações sociais. Só num sentido me-tafórico se podem aqui aplicar estes conceitos. Com efei-to, as “relações” existem só como acção humana de deter-minado conteúdo significativo. E uma “selecção” ou uma“luta” entre elas significa, pois, que um modo determinadode acção foi, no decurso do tempo, deslocado por outro,seja ela do mesmo homem ou de outros. Isto é possívelde diversas maneiras. A acção humana pode a) dirigir-seconscientemente a perturbar determinadas relações sociaisconcretas ou ordenadas segundo uma determinação geral,isto é, a perturbar o decurso da acção correspondente aoseu conteúdo de sentido); ou a impedir o seu nascimen-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

76 Max Weber

to ou subsistência (um “Estado” por meio da guerra ou darevolução, ou uma “conjura” mediante repressão sangren-ta; ou “concubinato” graças a medidas policiais; relaçõescomerciais “usurárias” pela recusa da protecção jurídica emediante penalizações); ou a favorecer conscientemente asubsistência de uma categoria em desvantagem das outras:podem propor-se semelhantes fins indivíduos quer isoladosquer multiplamente associados. Pode também acontecer b)que o decurso da acção social e das suas condições determi-nantes de toda a índole tenham como resultado acessório,não desejado, o facto de que determinadas relações concre-tas, ou muito específicas (isto é, a acção concernente) ten-ham uma probabilidade menor de persistir ou de novamen-te surgir. Todas as condições naturais e culturais de qual-quer espécie levam de algum modo, no caso de alteração,tais probabilidades a deslocar-se para os mais diversos ti-pos de relações sociais. Em semelhantes casos cada qualtem a liberdade de falar de uma “selecção” das relações so-ciais – por exemplo federações estatais – em que triunfao “mais forte” (no sentido de “mais adaptável”). Importaapenas estabelecer que esta chamada selecção nada tem aver com a selecção dos tipos humanos nem no sentido so-cial nem no biológico; que, em cada caso singular, é ne-cessário indagar a causa que suscitou o deslocamento dasprobabilidades para uma ou outra forma da acção social edas relações sociais, ou destruiu uma relação social ou lheassegurou a persistência face às demais; e que estas causas

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 77

são tão múltiplas que, para elas, se afigura inadequada umaexpressão unitária. Também aqui existe sempre o perigo deintroduzir na investigação empírica valorações incontrola-das e, sobretudo, de promover a apologia do resultado, queamiúde está individualmente condicionado no caso particu-lar e é, portanto, na acepção do termo, puramente “casual”.Os últimos anos forneceram e fornecem muitíssimos exem-plos. Com efeito, a exclusão de uma relação social (con-creta ou qualitativamente especificada) ocasionada muitasvezes por causas puramente concretas nada demonstra emsi contra a sua “viabilidade” geral:

§9. [Comunidade e sociedade]

Denominar-se-á “constituição da comunidade” (Vergemein-schaftung) uma relação social quando e na medida em quea atitude na acção social – no caso particular, ou na mé-dia ou no tipo puro – se funda na solidariedade sentida(afectiva ou tradicional) dos participantes. Denominar-se-á“formação da sociedade” (Vergesellschaftung) uma relaçãosocial quando e na medida em que a atitude na acção so-cial se baseia no ajustamento de interesses por motivos ra-cionais (de carácter axiológico ou teleológico), ou tambémnuma união de interesses por motivos idênticos. A sociali-zação pode, de um modo típico, basear-se de modo particu-lar (mas não apenas) num acordo racional por declaração

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

78 Max Weber

recíproca. Então a acção socializada orienta-se, em matériade racionalidade: a) de um modo axiológico-racional pelacrença na vinculação própria; b) de um modo teleológico-racional pela expectação da lealdade do parceiro.

1. A terminologia lembra a distinção estabelecida por F.Tönnies, na sua obra fundamental Gemeinschaft und Ge-sellschaft. No entanto, de acordo com os seus fins, T. lo-go deu a esta distinção um conteúdo essencialmente maisespecífico do que o que aqui seria útil para os nossos propó-sitos. Os tipos mais puros de constituição da sociedade sãoa) a troca estritamente teleológico-racional e livremente pac-tuada no mercado: um compromisso real entre interessa-dos antagónicos, mas complementares; b) a união em vi-sta de fins pura, livremente pactuada, isto é, um acordosobre uma acção permanente orientada no seu propósito enos seus meios pela prossecução de interesses objectivos(económicos ou outros); c) a união de disposição aními-ca axiológico-racionalmente motivada: a seita racional namedida em que prescinde do fomento de interesses emoti-vos e afectivos e só quer estar ao serviço da “causa” (o quedecerto ocorre, num tipo inteiramente puro, só em casosparticulares).

2. A constituição da comunidade pode assentar em to-da a espécie de fundamentos afectivos, emocionais ou tra-dicionais: uma confraria pneumática, uma relação erótica,uma relação de piedade, uma comunidade “nacional”, uma

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 79

tropa unida por sentimentos de camaradagem. A comuni-dade familiar é a que expressa de modo mais convenienteeste tipo. Mas a grande maioria das relações sociais tem,em parte, o carácter da constituição comunitária e, em par-te, da formação da sociedade. Toda a relação social, mes-mo a teleológico-racional, prosaicamente criada e intentada(a clientela, por exemplo) pode produzir valores afectivosque vão além do fim simplesmente querido. Toda a con-stituição de sociedade que exceda uma imediata união defins, por conseguinte, estabelecida para longa duração, in-stitua relações sociais entre as mesmas pessoas e não se li-mite de antemão a tarefas individuais concretas – como, porventura, a constituição de sociedade na mesma associaçãomilitar, na mesma classe da escola, no mesmo escritório,na mesma oficina - tende para tal de qualquer modo, emgrau, sem dúvida, muitíssimo diverso. Pelo contrário, umarelação social que, pelo seu sentido normal, é constituiçãode uma comunidade pode ser orientada por todos ou poralguns dos participantes de um modo total ou parcialmen-te teleológico-racional. É muito diversa a extensão em que,por exemplo, uma associação familiar é sentida pelos partí-cipes como “comunidade” ou utilizada como “constituiçãode sociedade”. O conceito de “constituição de comunida-de” (Vergemeinschaftung) é aqui definido intencionalmentede modo de todo geral e, portanto, compreendendo factosmuitos heterogéneos.

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

80 Max Weber

3. A constituição de comunidade é normalmente, quan-to ao sentido intentado, a contraposição mais radical da“luta”. Isto não deve iludir-nos sobre o facto de que, narealidade, a violentação de toda a espécie é inteiramen-te normal também no interior dos mais íntimos processosda comunidade face aos animicamente flexíveis, e de quea “selecção” dos tipos tem também lugar no seio das co-munidades e leva, aliás, de qualquer modo à diferença dasprobabilidades de vida e sobrevivência por eles criadas. Poroutro lado, os processos de constituição da sociedade são,muitíssimas vezes, simplesmente compromissos de inter-esses antagónicos, os quais neutralizam apenas uma partedo objecto ou dos meios de luta (ou tal pretendem fazer),mas deixam, de resto, subsistir a oposição de interesses ea concorrência em torno das probabilidades. “Luta” e co-munidade são conceitos relativos; a luta configura-se justa-mente de modo muito diverso, segundo os meios (violentosou “pacíficos”) e a inconsideração da sua aplicação. E oordenamento da acção social, seja qual for a sua espécie,deixa, como se afirmou, subsistir de qualquer modo a puraselecção efectiva na competição dos diferentes tipos huma-nos em torno das probabilidades da vida.

4. Nem toda a mutualidade de qualidades, de situaçãoou de conduta é uma constituição de comunidade. Por ex-emplo, a mutualidade de hereditariedade biológica, que seolha como característica “racial”, não é em si ainda, na-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 81

turalmente, nenhuma constituição da comunidade dos quepossuem tais características. Mediante a restrição do com-mercium e do connubium, por parte do mundo circundante,podem desembocar – por isolamento perante o ambiente –numa situação homogénea. Mas, ainda que reajam de mo-do análogo a esta situação, tal não é ainda uma constituiçãode comunidade, e também não gera o simples “sentimento”da situação comum e das suas consequências. Só quando,em virtude deste sentimento, eles de algum modo orientamuns pelos outros o seu comportamento é que surge entreeles uma relação social – e não apenas, cada um deles pe-rante o meio ambiente – e é “comunidade”, só na medidaem que esta documenta uma co-pertença sentida. Entre osJudeus, por exemplo, tal acontece em grau relativamentemuito escasso – fora dos círculos de orientação sionista eda acção de algumas associações para o fomento dos in-teresses judeus – e é por eles de muitos modos recusado.A comunidade da linguagem, originada numa tradição ho-mogénea por parte da família e da vizinhança, facilita emaltíssimo grau a compreensão recíproca, por conseguinte, ainstituição de todas as relações sociais. Em si, porém, nãosignifica ainda uma constituição de comunidade, mas apen-as a facilitação do intercâmbio no seio dos grupos referidos,por conseguinte, da origem de relações de sociedade. An-tes de mais, entre os indivíduos, e não na sua propriedadede participantes do mesmo idioma, mas como interessadosde toda a espécie: a orientação pelas regras da linguagem

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

82 Max Weber

comum constitui primariamente, pois, apenas um meio deentendimento, e não o conteúdo significativo de relaçõessociais. Só a emergência de oposições conscientes face aterceiros é que pode criar, para os partícipes na comunida-de linguística, uma situação homogénea, um sentimento decomunidade e processos de socialização, cujo fundamentoconsciente da sua existência é a língua comum. – A par-ticipação num “mercado” (conceito no Cap. II) tem, porseu turno, uma outra índole. Cria uma forma de sociedadeentre os parceiros individuais da troca e uma relação social(sobretudo “concorrência”) entre os competidores no mer-cado que têm de orientar a sua conduta pela sua referênciarecíproca. Mas, além disso, surge um processo de socia-lização só quando, porventura, alguns partícipes realizamacordos tendo como fim a luta bem sucedida dos preços,ou quando todos concordam em vista do fim da regulamen-tação e da segurança do comércio. (O mercado, e a eco-nomia comercial nele fundada, é, de resto, o tipo mais im-portante da influenciação recíproca da acção pela pura esimples situação de interesses tal como ela é característicada economia moderna.

§10. [Relação social aberta e fechada]

Uma relação social (seja ela uma constituição de “comu-nidade” ou de “sociedade”) dir-se-á “aberta” ao exterior

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 83

quando e na medida em que a participação na acção soci-al recíproca que, orientada pelo seu conteúdo significativo,a constitui não é recusada, segundo os seus ordenamentosvigentes, a ninguém que efectivamente esteja em situaçãode nela tomar parte e tal pretenda. Pelo contrário, dir-se-á“fechada” ao exterior quando e na medida em que o seuconteúdo significativo ou os seus ordenamentos vigentesexcluam ou limitem a participação, ou a submetam a con-dições. A abertura e a oclusão podem ser condicionadas deum modo tradicional, afectivo, axiológico- ou teleológico-racional. O fechamento racional é condicionado sobretudopelo seguinte estado de coisas. Uma relação social podeproporcionar aos partícipes probabilidades de satisfação deinteresses internos ou externos, seja quanto ao fim ou aoresultado, seja através da acção solidária ou mediante com-pensação de interesses. Quando os participantes esperamda sua propagação uma melhora das suas probabilidadespróprias em quantidade, espécie, garantia ou valor, estãointeressados na abertura; se, pelo contrário, a esperam dasua monopolização, interessa-lhes o fechamento para o ex-terior.

Uma relação social fechada pode garantir aos seus par-ticipantes a fruição de probabilidades monopolizadas a) li-vremente, ou b) reguladas ou racionadas quanto ao modo eà espécie, ou c) mediante uma apropriação por indivíduosou grupos permanente e relativa ou plenamente inalienável(fechamento para dentro). As probabilidades apropriadas

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

84 Max Weber

chamar-se-ão “direitos”. A apropriação, quanto ao ordena-mento, pode corresponder 1) aos partícipes de determina-das comunidades e sociedades - por exemplo, comunida-des domésticas -, ou 2) a indivíduos e, neste caso, a) de ummodo puramente pessoal, ou b) de modo que, em caso demorte, se apropriem dessas probabilidades um ou vários in-divíduos unidos ao que até então fora o seu titular por meiode uma relação social ou por nascimento (parentesco), ouos outros que por ele foram designados (apropriação here-ditária). Por último, pode acontecer 3) que o titular possa,com maior ou menor liberdade, ceder, mediante um pacto,as probabilidades a outros a) determinados ou, por fim, b)discricionários (apropriação alienável). O participante nu-ma relação fechada chamar-se-á companheiro, mas, no ca-so da regulamentação da participação, na medida em queesta lhe assegura probabilidades, denominar-se-á compan-heiro legal. As probabilidades hereditariamente apropria-das por um indivíduo ou por comunidades ou sociedadeshereditárias chamar-se-ão propriedade (dos indivíduos oudas referidas comunidades ou sociedades), e propriedadelivre, no caso de ser alienável.

A “penosa” definição destes factos, aparentemente in-útil, é um exemplo de que justamente o “auto-evidente”(porque intuitivamente vivido) é o que menos costuma ser“pensado”.

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 85

1. a) Fechadas em virtude da tradição costumam ser, porexemplo, as comunidades em que a participação se fundaem relações familiares.

b) Fechadas no plano afectivo costumam ser as relaçõespessoais baseadas no sentimento (por exemplo, erótico ou,muitas vezes, de piedade).

c) Axiológico-racionalmente fechadas (de um modo re-lativo) costumam ser as estritas comunidades de fé.

d) Tipicamente fechadas do ponto de vista teleológico-racional são as associações económicas de carácter mono-polista ou plutocrática.

Alguns exemplos colhidos ao acaso:

A abertura ou oclusão de uma reunião coloquial con-creta depende do seu conteúdo de sentido (conversação emcontraste com uma comunicação íntima ou de negócios).- A relação de mercado costuma ser primariamente, pelomenos muitas vezes, aberta. - Em numerosas formaçõesde comunidades e sociedades observamos uma oscilaçãoentre propagação e fechamento. Assim, por exemplo, nasguildas, nas cidades democráticas da Antiguidade e da Ida-de Média, os seus membros aspiravam, por vezes, ao maiorcrescimento possível, no interesse da garantia das suas pro-babilidades pelo mercado e, noutras alturas, à limitação donúmero de membros, no interesse do valor do seu monopó-lio. Também não é raro encontrar este fenómeno em co-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

86 Max Weber

munidades monacais e em seitas que transitaram da propa-ganda religiosa ao isolamento no interesse da manutençãode um elevado padrão ético, ou também por razões mate-riais. O alargamento do mercado, em prol do interesse deum aumento das transacções, ou a sua limitação monopo-lista encontram-se igualmente lado a lado. A propagandade um idioma encontra-se hoje, como consequência nor-mal dos interesses de editores e escritores, frente às antigaslínguas secretas e, não raro, fechadas no interior de umaclasse.

2. O grau e os meios de regulação e de isolamento pa-ra fora podem ser muito diversos, de modo que a transiçãoda abertura para a regulamentação e o fechamento é flui-da: provas de admissão e noviciados, ou aquisição da qua-lidade, condicionalmente alienável, de membro, ballotagepara cada admissão, pertença ou admissão por nascimento(herança) ou em virtude de participação livre em determi-nados serviços; ou – no caso de isolamento e apropriaçãopara dentro - graças à aquisição de um direito apropriado,encontrando-se as mais diversas gradações nas condiçõesde participação. “Regulamentação” e “oclusão” para forasão, pois, conceitos relativos. Entre um clube elegante, umarepresentação teatral acessível a todos mediante um bilhete,e uma assembleia partidária interessada em ganhar adeptos,ou entre um culto religioso de livre acesso e os de uma sei-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 87

ta ou os mistérios de uma sociedade secreta, há todas astransições pensáveis.

3. O fechamento para dentro – entre os próprios partí-cipes e na sua relação recíproca – pode também tomar aforma mais diversa. Por exemplo, uma casta fechada, umaguilda ou, porventura, uma sociedade financeira podem per-mitir aos seus membros a livre concorrência entre si em tor-no de todas as probabilidades monopolizadas, ou podem li-mitar estritamente cada membro à apropriação de determi-nadas probabilidades, por exemplo, clientelas ou objectosmercantis, ou por toda a vida ou ainda (sobretudo na Índia)de modo hereditário e alienável; uma associação de marca,fechada para o exterior pode garantir a um membro seu oua livre utilização ou um contingente rigorosamente cone-xo com a unidade familiar, e uma associação de colonos,fechada ao exterior, pode conceder e garantir a livre utili-zação do solo ou determinadas jeiras de apropriação perma-nente – tudo isto com todas as transições e graus intermédi-os concebíveis. Historicamente, por exemplo, a oclusão dasexpectativas de feudos, benefícios e cargos, e a sua apro-priação pelos detentores assumiram formas extremamentediversas; de igual modo a expectativa e a ocupação dos po-stos de trabalho – para o que poderia (mas não deve) sero primeiro passo o desenvolvimento dos “conselhos de tra-balhadores” – pode aumentar desde o closed shop até aodireito a um lugar singular (estádio prévio: proibição de

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

88 Max Weber

despedimento sem aprovação dos representantes do opera-riado). Todos os pormenores cabem dentro da análise sin-gular concreta. O grau mais elevado de apropriação perma-nente existe naquelas probabilidades que estão de tal mo-do garantidas ao indivíduo (ou a determinadas associaçõesde indivíduos, por exemplo comunidades domésticas, clãs,famílias) que 1) em caso de morte, a sua transição para ou-tras mãos está regulada e assegurada por ordenamentos; 2)o detentor das probabilidades pode transmiti-las livrementea quaisquer terceiros, que se tornam assim partícipes da re-lação social: esta, no caso de semelhante apropriação plenapara dentro, é ao mesmo tempo uma relação relativamenteaberta para fora (ao passo que a aquisição do carácter demembro não depende do assentimento dos outros sócios).

4. O motivo do fechamento pode ser a) a manutençãoda qualidade e, por isso, (eventualmente) do prestígio edas probabilidades inerentes de honra e (talvez) do ganho.Exemplos: comunidades de ascetas, de monges (sobretu-do, por exemplo, na Índia, de monges mendicantes), con-gregações de seitas (puritanos!), sociedades de guerreiros,associações de funcionários, associações de cidadãos comcarácter político (por exemplo, na Antiguidade), uniões detrabalhadores; b) escassez das probabilidades relativamen-te à necessidade (do consumo) (“espaço vital alimentar”):monopólio de consumo (arquétipo: a comunidade da mar-ca); c) escassez das probabilidades lucrativas (“âmbito do

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 89

lucro”): monopólio lucrativo (arquétipo: as uniões de guildasou as antigas comunidades de pescadores, etc.). Na maiorparte dos casos, o motivo aencontra-se combinado com obou o c.

§11. [Consequências da relação social]

Uma relação social pode ter para os seus partícipes, de acor-do com o seu ordenamento tradicional ou estatuído, as se-guintes consequências: que determinado tipo de acção a)decada um dos participantes na relação seja imputado a to-dos eles (“sócios solidários”); ou b)que a acção de determi-nados participantes (“representantes‘”) seja imputada aosoutros (“representados”), que, portanto, tanto as probabili-dades como as consequências, para o bem ou para o mal,recaiam sobre eles. O poder representativo (pleno poder)pode, segundo os ordenamentos vigentes, 1) ser apropria-do em todos os graus e qualidades (pleno poder por direitopróprio); ou 2) ser atribuído segundo características várias,de um modo permanente ou temporal; ou 3) ser transferido,temporária ou permanentemente, mediante actos determi-nados dos participantes ou de terceiros (pleno poder esta-tuído). Quanto às condições sob as quais as relações sociais(comunidades ou sociedades) se tratam como relações desolidariedade ou de representação, só pode em geral dizer-se que nisso é, antes de mais, decisivo o grau em que a sua

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

90 Max Weber

acção visa como fim ou a) a luta violenta, ou b) a troca pací-fica; e que, quanto ao mais, numerosas circunstâncias par-ticulares a estabelecer só eram e são relevantes na análisesingular. Naturalmente, esta consequência costuma ocorrermenos nas relações sociais que perseguem bens puramenteideais com meios pacíficos. Com o grau de fechamento pa-ra fora corre muitas vezes paralelo, embora não sempre, ofenómeno da solidariedade ou o poder de representação.

1. A “imputação” pode significar praticamente a) soli-dariedade activa e passiva: da acção de um dos participan-tes são todos tão responsáveis como ele próprio; por outrolado, pela sua acção estão todos legitimados como ele paraa fruição das probabilidades assim garantidas. A responsa-bilidade pode existir face aos espíritos ou aos deuses, port-anto, estar religiosamente orientada. Ou perante os homense, neste caso, convencionalmente em prol e contra sócios(vingança de sangue contra e por meio de membros de umclã, represálias contra cidadãos e co-nacionais) ou juridi-camente (penas contra parentes, membros da comunidadedoméstica, ou da comunidade local; co-responsabilizaçãopessoal por dívidas dos membros da comunidade domé-stica e de uma sociedade mercantil, de uns para com osoutros e em favor recíproco). Também a solidariedade pe-rante os deuses teve historicamente consequências muitoimportantes (para as comunidades dos antigos israelitas,dos cristãos primitivos e dos velhos puritanos). b) Por ou-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 91

tro lado, a imputação pode também significar (no seu graumínimo!) que, para os participantes numa relação fechada,vale legalmente como sua própria, de harmonia com o or-denamento tradicional ou estatuído, uma disposição sobreprobabilidades de qualquer espécie (especialmente econó-micas) tomada por um representante (“Validade” das dis-posições da “presidência” de uma “união” ou do represen-tante de uma associação política ou económica sobre bensmateriais, os quais, segundo o ordenamento, devem serviros “fins da associação”).

2. O facto da “solidariedade” existe tipicamente a) nastradicionais comunidades de nascimento ou de vida (tipo:casa e clã), b) nas relações fechadas que mantêm, pela suaforça própria, o monopólio de determinadas probabilida-des (tipo: associações políticas, especialmente no passado;mas, no âmbito mais vasto, sobretudo na guerra, tambémainda na actualidade), c) em associações lucrativas coma actividade pessoalmente exercida pelos participantes (ti-po: sociedade comercial aberta), d) em determinadas cir-cunstâncias, nas sociedades de trabalhadores (tipo: Artjel)– A situação de “representação existe tipicamente nas un-iões em vista de um propósito e nas associações estatuídas,sobretudo quando se reuniu e administra um “patrimónioligado a um fim” (a este respeito, mais tarde, na sociologiado direito).

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

92 Max Weber

3. Existe uma atribuição do poder representativo segun-do “características” quando, por exemplo, se confere se-gundo a sequência da idade ou de acordo com estados decoisas semelhantes.

4. Todas as particularidades deste estado de coisas nãose podem formular de modo geral, mas só no interior deuma análise sociológica particular. O facto mais antigo emais geral é aqui a represália, quer como vingança quercomo penhor.

§12. [Associação e suas formas; pessoaladministrativo]

Por associação (Verband) entender-se-á uma relação soci-al regulativamente limitada para fora ou fechada, quando amanutenção do seu ordenamento é garantido pelo compor-tamento de determinados homens destinado em especial àsua execução: um dirigente e, eventualmente, um pessoaladministrativo que, se for necessário, tem normalmente aomesmo tempo o poder representativo. O exercício da di-recção ou de uma participação na acção do pessoal admi-nistrativo – os “poderes do governo” – podem ser:a) apro-priados, ou b) atribuídos pelos ordenamentos vigentes daassociação, de um modo permanente ou temporário ou paracasos específicos, a pessoas determinadas ou a escolher se-gundo características definidas ou em formas determinadas.

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 93

Denominar-se-á “acção associativa” a) a acção legítima dopessoal administrativo referida à execução do ordenamentopor força dos poderes de governo ou de representação; b)a acção [associativa (cf. No 3)] dos participantes na asso-ciação por ele dirigida por meio de instruções.

1. É, antes de mais, indiferente para o conceito se setrata da constituição de uma comunidade ou de uma so-ciedade. Basta a presença de um “dirigente” – cabeça defamília, presidência da união, gerente comercial, príncipe,presidente do Estado, chefe da Igreja – cuja acção se diri-ja à execução do ordenamento da associação, porque estaíndole específica da acção, não meramente orientada peloordenamento, mas dirigida à sua imposição, acrescenta so-ciologicamente ao facto da “relação social” fechada umanova característica praticamente importante. Com efeito,nem toda a constituição de uma comunidade ou socieda-de fechada é uma “associação”: por exemplo, não o é umarelação erótica ou uma comunidade de clã sem chefe.

2. A “existência” da associação depende inteiramente da“presença” de um dirigente e, eventualmente, de um pes-soal administrativo. Ou seja, em termos mais exactos, daexistência da probabilidade de que tem lugar uma acçãode pessoas especificáveis; de que, portanto, há pessoas “re-crutadas” para, se for necessário, agir nesse sentido. É, an-tes de mais, conceptualmente indiferente qual a base desterecrutamento: se a devoção tradicional, afectiva ou axiológico-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

94 Max Weber

racional (dever feudal, de cargo ou de serviço) ou interessesteleológico-racionais (interesse salarial, etc.). Do ponto devista sociológico, e para a nossa terminologia, a associaçãonão consiste em algo de diverso da probabilidade do decur-so da acção, orientada daquele modo. Se faltar a probabili-dade da acção de um quadro especificável de pessoas (oude uma dada pessoa individual), existe, para a nossa termi-nologia, justamente só uma “relação social”, mas nenhuma“associação”. Mas enquanto existir a probabilidade daque-la acção “existe” também, do ponto de vista sociológico, aassociação, não obstante a mudança das pessoas que ori-entam a sua acção pelo ordenamento em questão. (O tipoda definição propõe-se justamente incluir de imediato estefacto).

3. a) Além da acção do próprio pessoal administrativoou sob a sua direcção, pode também decorrer tipicamen-te uma específica acção dos demais participantes orienta-da pelo ordenamento da associação, e cujo sentido é a ga-rantia da execução do ordenamento (por exemplo, tributosou prestações pessoais litúrgicas de toda a espécie: serviçode jurados, serviço militar, etc.). -b) A ordem vigente podetambém conter normas pelas quais se deve orientar noutrascoisas a acção dos membros da associação (por exemplo,na união estatal, a acção de economia privada, que não estáao serviço da imposição da vigência do ordenamento asso-ciativo, mas dos interesses individuais: deve regular-se pelo

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 95

direito “civil”. Aos casos em a pode chamar-se “acção re-ferida à associação”; aos casos de b, “acção regulada pelaassociação”. Somente a acção do próprio pessoal admini-strativo e, além disso, toda a acção referida à associação epor ele plenamente planificada se deverá chamar “acção daassociação”. Uma “acção da associação” seria, por exem-plo, para todos os participantes, uma guerra que um Estado“trave”, ou uma “contribuição” decidida pela presidênciada união, um “contrato” que o dirigente celebra e cuja “va-lidade” é imposta e atribuída aos membros da associação(§11); além disso, o decurso de toda a “actividade judicial”e “administração”. (Cf. também §14.)

Uma associação pode ser: a) autónoma ou heterónoma;b) autocéfala ou heterocéfala. Autonomia significa, ao con-trário de heteronomia, que o ordenamento da associaçãonão é estatuído por alguém que está de fora, mas pelos seuspróprios membros e em virtude desta sua qualidade (sejaqual for a forma em que, de resto, ela tenha lugar). Autoce-falia significa que o dirigente e o corpo administrativo daassociação são nomeados segundo os ordenamentos própri-os da associação e não, como na heterocefalia, por elemen-tos estranhos (seja qual for, aliás, o modo de semelhantenomeação).

Há heterocefalia, por exemplo, na nomeação dos gover-nadores das províncias canadianas (pelo governo central doCanadá). Uma associação heterocéfala também pode serautónoma, e uma autocéfala, heterónoma. Uma associação

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

96 Max Weber

pode, sob ambos os aspectos, ser também, em parte, umacoisa e, em parte, outra. Os Estados autocéfalos membrosdo império alemão, não obstante a autocefalia, eram he-terónomos dentro da competência do Reich, e autónomosno interior da sua competência própria (em questões ecle-siásticas e escolares, por exemplo). A Alsácia-Lorena, den-tro da Alemanha [antes de 1918], era autónoma dentro decertos limites e, no entanto, heterocéfala (o Imperador no-meava o Governador). Todos estes estados de coisas po-dem igualmente apresentar-se de modo parcial. Uma asso-ciação plenamente heterónoma e heterocéfala (como, porexemplo, um “regimento” dentro de uma associação mili-tar) caracteriza-se, regra geral, como “parte” de uma asso-ciação mais ampla. Se assim acontece, depende do grauefectivo de autonomia na orientação da acção no caso sin-gular e é, terminologicamente, uma questão de pura conve-niência.

§13. [Ordenamentos da sociedade econstituição jurídica]

Os ordenamentos estatuídos da constituição de uma socie-dade podem surgir: a) por pacto livre, ou b) por imposiçãoe obediência. Um poder governamental numa associaçãopode pretender o poder legítimo para a imposição de no-vos ordenamentos. Chamar-se-á constituição de uma asso-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 97

ciação a probabilidade efectiva da submissão face ao poderimpositivo do governo existente, segundo o grau, o modo eos pressupostos. Entre estes pressupostos podem contar-se,segundo a ordem vigente, sobretudo a audição ou assenti-mento de determinados grupos ou fracções dos membros daassociação, além, naturalmente, de outras e muito diversascondições.

Os ordenamentos de uma associação podem ser impo-stos, não só aos sócios, mas também aos que não são mem-bros seus, e nos quais existam determinados estados decoisas. Semelhante estado de coisas pode consistir espe-cialmente numa relação territorial (presença, nascimento,empreendimento de certas acções dentro de um território):“validez territorial”. Uma associação cujos ordenamentosimpõem fundamentalmente validade territorial chamar-se-á associação territorial, sendo indiferente que o seu orden-amento só pretenda ter validade regional também para den-tro, face aos membros da associação (o que é possível e,pelo menos, acontece em extensão limitada).

1. Imposto, no sentido desta terminologia, é todo o or-denamento que não ocorra mediante um acordo livre e pes-soal de todos os participantes. Por conseguinte, também a“decisão maioritária”, a que a minoria se submete. A le-gitimidade da decisão maioritária foi, pois, muitas vezesdesconhecida ou problemática em vastas épocas (ainda nas

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

98 Max Weber

ordens da Idade Média, e até a actualidade na Obtchina rus-sa). (Cf. infra na Sociologia da Dominação e do Direito).

2. Com muita frequência, também os acordos formal-mente “livres” são, como em geral se sabe, impostos (assimna Obtchina). É então relevante para a sociologia apenas oestado de coisas efectivo.

3. O conceito de “constituição” aqui utilizado é tambémo empregue por Lassalle. Não se identifica com a constitu-ição “escrita” ou, em geral, com a constituição no sentidojurídico. O problema sociológico é apenas este: quando, pa-ra que objectos e dentro de que limites e – eventualmente– sob que pressupostos particulares (por exemplo, consen-timento dos deuses ou sacerdotes, ou aprovação de corposeleitorais, etc.) se submetem ao dirigente os membros da as-sociação e tem ele à sua disposição o pessoal administrati-vo e a acção da associação, quando “dá ordens” e sobretudoimpõe ordenamentos.

4. O tipo principal da “validade territorial” imposta érepresentado por normas penais e muitos outros “preceitosjurídicos” nos quais a presença, o nascimento, o lugar doacto, o local de cumprimento, etc., dentro do território daassociação, são pressupostos da aplicação do ordenamento,nas associações políticas. (Cf. o conceito de “corporaçãoterritorial” de Gierke - Preuss).

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 99

§14. [Ordem administrativa e ordemreguladora]

Um ordenamento que regula a acção da associação chamar-se-á ordem administrativa. Terá o nome de ordem regula-dora a que regula outras acções sociais e garante por meiodesta regulação as probabilidades facultadas aos agentes.Na medida em que uma associação se orienta simplesmen-te por ordenamentos da primeira espécie chamar-se-á umaassociação administrativa, e quando se orienta apenas pe-los ordenamentos da última, chamar-se-á uma associaçãode carácter regulativo.

1. É evidente que todas as associações, na sua maioria,são tanto uma coisa como a outra; uma associação simp-lesmente reguladora seria, porventura, um puro “Estado dedireito” teoricamente pensável do absoluto laisser-faire (oque pressuporia decerto também o abandono da regulamen-tação do sistema monetário à pura economia privada).

2. Sobre o conceito de “acção da associação”, cf. §12,No 3. No conceito de “ordem administrativa” incluem-setodas as regras que pretendem valer tanto para a conduta dopessoal administrativo como para a dos membros “perantea associação” ou, como se costuma dizer, para todos aque-les fins cuja obtenção procuram assegurar os ordenamentosda associação mediante uma acção planificada, e positiva-mente por eles prescrita, do seu quadro administrativo e dos

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

100 Max Weber

seus membros. Numa organização económica de absolutocarácter comunista, toda a acção social seria aproximada-mente deste tipo; num absoluto Estado de direito, por outrolado, apenas o seria a actuação dos juízes, das polícias, dosjurados, dos soldados e a actividade como legislador e elei-tor. Em geral – mas nem sempre em particular - a fronteirada ordem administrativa e reguladora coincide com a sepa-ração, numa associação política, entre direito “público” e“privado” (Mais pormenores a este respeito na Sociologiado Direito [§1].)

§15. [Empresa, união, instituição]

Chamar-se-á empresa (Betrieb) a uma incessante acção te-leológica de carácter determinado; e associação de em-presa (Betriebsverband) a constituição de uma sociedadecom pessoal administrativo continuamente activo em vi-sta de um fim. Chamar-se-á união (Verein) uma associaçãoconcertada cujos ordenamentos estatuídos pretendem vali-dade unicamente para os participantes em virtude de aces-so pessoal. Denominar-se-á instituição (Anstalt) uma asso-ciação cujos ordenamentos estatuídos, dentro de um domí-nio especificável, são impostos de modo (relativamente)eficaz a toda a acção segundo determinadas característicasdadas.

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 101

1. No conceito de “empresa” inclui-se, naturalmente,também a realização de actividades políticas e hierúrgicas,operações de uma união, etc., sempre que diga respeito àcaracterística da continuidade em vista de um fim.

2. “União” e “instituição” são ambas associações comordenamentos estatuídos racionalmente (segundo um pla-no). Ou, em termos mais exactos: na medida em que umaassociação tem ordenamentos racionalmente estatuídos chamar-se-á união ou instituição. Uma “instituição” é, antes de tu-do, o Estado, juntamente com todas as suas associações he-terocéfalas e – sempre que os seus ordenamentos são ra-cionalmente estatuídos – a Igreja. As ordenações de uma“instituição” têm a pretensão de valer para todo aquele aque se aplicam determinadas características (nascimento,presidência, utilização de determinadas organizações), e éindiferente se o implicado entrou ou não pessoalmente –como na união – ou se colaborou nos estatutos. São, pois,em sentido plenamente específico, ordenações impostas. Ainstituição pode ser especialmente uma associação territo-rial.

3. A oposição entre união e instituição é relativa. As or-denações de uma união podem afectar os interesses de ter-ceiros e, em seguida, impor-lhes o reconhecimento da vali-dade destas ordenações tanto por usurpação e força própriada união como mediante ordenações legalmente estatuídas(por exemplo, direito das sociedades anónimas).

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

102 Max Weber

4. Dificilmente é necessário acentuar que “união” e “in-stituição” não repartem totalmente entre si a totalidade detodas as associações concebíveis. Além disso, são apenasoposições “polares” (assim no domínio religioso, “seita” e“Igreja”).

§16. [Poder, dominação, disciplina]

Poder significa toda a probabilidade de, dentro de uma re-lação social, impor a vontade própria mesmo contra a re-sistência, seja qual for o fundamento dessa probabilidade.

Dominação denominar-se-á a probabilidade de encon-trar obediência a uma ordem de determinado conteúdo emdadas pessoas; disciplina chamar-se-á a probabilidade de,numa multidão dada de homens, encontrar uma obediênciapronta, automática e esquemática a uma ordem, em virtudede uma atitude adestrada.

1. O conceito de “poder” é sociologicamente amorfo.Todas as qualidades imagináveis de um homem e todas asconstelações concebíveis podem colocar alguém na posiçãode impor a sua vontade numa dada situação. O conceito so-ciológico de “dominação”, porém, tem de ser mais precisoe só pode significar a probabilidade de encontrar submissãoa uma ordem.

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 103

2. O conceito de “disciplina” engloba o “treino” da obe-diência acrítica e sem resistência das massas.

O facto da dominação está conexo com a presença actualde alguém que manda eficazmente noutro, mas não está li-gado incondicionalmente nem à existência de um quadroadministrativo nem à de uma associação; pelo contrário,está decerto conexa – pelo menos em todos os casos nor-mais – com a de um dos dois. Uma associação chamar-se-áassociação de dominação quando os seus membros estão,como tais, sujeitos a relações de dominação em virtude daordenação vigente.

1. O patriarca domina sem pessoal administrativo. Ochefe de Beduínos que levanta contribuições das caravanas,pessoas e bens que passam pelo seu povoado rochoso do-mina, graças ao seu séquito que, se for necessário, lhe servede quadro administrativo em vista da coacção, sobre todasaquelas pessoas mutáveis e indeterminadas, não inseridasreciprocamente numa associação logo que e enquanto seencontram enredadas numa situação determinada. (Teoreti-camente, poderia pensar-se uma dominação assim tambémpor parte de um indivíduo, sem qualquer quadro admini-strativo.)

2. Uma associação, em virtude da existência de um pes-soal administrativo, é sempre em algum grau associação dedominação. Só que o conceito é relativo. A associação dedominação normal é, enquanto tal, também associação ad-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

104 Max Weber

ministrativa. A peculiaridade da associação é determinadapelo modo como se administra, pelo carácter do círculo depessoas que exercem a administração, pelos objectos ad-ministrados e pelo alcance da validade da dominação. Masos dois primeiros factos são substanciados em grau mui-to elevado pela índole dos fundamentos de legitimidade dadominação (a este respeito, cf. infra Cap. III).

§17. [Associação política]

Uma associação de dominação chamar-se-á uma associaçãopolítica quando e na medida em que a sua existência e avalidade das suas ordenações, dentro de um âmbito geo-gráfico determinável, forem garantidos de um modo contí-nuo pela aplicação e ameaça de coacção física por par-te do seu quadro administrativo. Por Estado entender-se-áuma função institucional política, quando e na medida emque o seu quadro administrativo reclama com êxito o mo-nopólio legítimo da coação física para a manutenção dasordenações. - Uma acção social, e em particular tambémuma acção associativa, dir-se-á “politicamente orientada”,quando e na medida em que intenta influenciar a direcçãode uma associação política, em especial a apropriação ouexpropriação, a nova distribuição ou atribuição de poderesgovernamentais [mas de modo não violento (cf. No 2)].

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 105

Por associação hierocrática entender-se-á uma associaçãode dominação, quando e na medida em que se aplica, paragarantia dos seus ordenamentos, a coacção psíquica medi-ante a distribuição ou a recusa de bens salvíficos (coacçãohierocrática). Denominar-se-á Igreja uma instituição hiero-crática quando e na medida em que o seu pessoal admi-nistrativo reclama legitimamente o monopólio da coacçãohierocrática.

1. É evidente que, nas associações políticas, a violên-cia não é o único meio administrativo, nem sequer o nor-mal. Pelo contrário, os seus dirigentes servem-se de todosos meios em geral possíveis para a realização dos seus fins.Mas a sua ameaça e eventual utilização é, sem dúvida, oseu meio específico e, em toda a parte, a última ratio, quan-do os outros meios fracassam. Não foram só as associaçõespolíticas que utilizaram e utilizam a força como meio legíti-mo, mas igualmente o clã, a casa, as corporações e, na IdadeMédia, em certas circunstâncias, todos os que tinham auto-rização para o porte de armas. Além da circunstância deque a violência se aplica (pelo menos também) para a ga-rantia das “ordenações”, caracteriza também a associaçãopolítica a característica de que ela reclama e garante pe-la força a dominação do seu quadro administrativo e dosseus ordenamentos para um determinado território. Sem-pre que tal característica se reconheça em quaisquer asso-ciações que utilizam a coacção física – sejam comunidades

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

106 Max Weber

aldeãs ou até comunidades domésticas singulares ou asso-ciações de guildas ou de trabalhadores (“conselhos”) – de-vem considerar-se associações políticas.

2. Não é possível definir uma associação política – nemsequer o “Estado” – pela alegação do fim da acção associa-tiva. Desde a solicitude pelos meios de subsistência até àprotecção da arte, desde a garantia da segurança pessoal atéà administração da justiça, não houve fim algum que oca-sionalmente não tenha sido perseguido pelas associaçõespolíticas. Por isso, só pode definir-se o carácter “político”de uma associação pelo meio – elevado em certas circunstân-cias a fim em si - que, sem lhe ser peculiar, é decerto especí-fico e indispensável à sua essência: a violência. Isto nãocorresponde inteiramente ao uso linguístico, mas não po-de utilizar-se sem uma maior precisão. Fala-se de “políti-ca de divisas” do Banco Nacional, da “política financeira”da gerência de uma união [de empresas], de “política es-colar” de uma comuna e alude-se sempre assim ao trata-mento planificado e à gestão de um determinado negócioconcreto. De um modo essencialmente mais característico,separa-se o lado ou o alcance “político” de um assunto, ouos funcionários “políticos”, o jornal “politico”, a revolução“política”, a união “política”, o partido “político”, as conse-quências “políticas”, dos outros aspectos e características –económicos, culturais, religiosos, etc., das pessoas, coisas eprocessos em questão - e sugere-se assim tudo o que tem a

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 107

ver com as relações de dominação no interior da associação“política” (segundo a nossa terminologia) do Estado, cujamanutenção, deslocamento ou transformação podem susci-tar, impedir ou fomentar, em oposição a pessoas, coisas eprocessos que nada têm a ver com isso. Por conseguinte,neste uso linguístico, busca-se também o comum no meio,a “dominação”, e sobretudo no modo como esta é exercidapelos poderes estatais, com exclusão do fim a cujo serviçose encontra a dominação. Por isso, pode afirmar-se que adefinição, aqui tomada como base, contém apenas uma pre-cisão do uso linguístico, porquanto acentua energicamenteo que de facto é específico: a violência (actual ou even-tual). Sem dúvida, o uso linguístico chama “associaçõespolíticas” não só aos portadores da própria força considera-da como legítima, mas também, por exemplo, aos partidose clubes que intentam (expressamente sem violência) in-fluenciar a acção política da associação. Queremos separaresta espécie de acção social enquanto “politicamente orien-tada” da genuína acção “política” (da acção associativa daspróprias associações políticas, na acepção de §12. No 3).

3. É conveniente definir o conceito de Estado em corre-spondência com o seu tipo moderno, já que ele é inteira-mente moderno no seu pleno desenvolvimento - mas, maisuma vez, abstraindo dos seus fins conteudais variáveis, taiscomo justamente agora os vivemos. O que caracteriza for-malmente o Estado hodierno é uma ordem administrativa

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

108 Max Weber

e jurídica, que pode modificar-se mediante estatutos, pelaqual se orienta a utilidade da acção associativa do quadroadministrativo (igualmente regido por estatutos) e que re-clama validade não só perante os membros da associação –nela integrados essencialmente por nascimento – mas, numâmbito vasto, em relação a toda a acção ocorrida no ter-ritório dominado (portanto, de harmonia com a instituiçãoterritorial). Mas, além disso, é característico que hoje sóexista violência “legítima” na medida em que a ordenaçãoestatal a permita ou prescreva (por exemplo, concede ao paide família o “direito de correcção”, um resquício do que ou-trora fora a força do senhor da casa, que chegava a disporda morte e da vida do filho ou dos escravos). Este caráctermonopolista da dominação violenta do Estado é uma ca-racterística tão essencial da sua situação actual como o seucarácter de “instituição” racional e de “empresa” contínua.

4. Para o conceito de associação hierocrática não po-de constituir nenhuma característica decisiva o tipo de bemsalvíficos propostos – deste mundo ou do outro, externosou internos –, mas o facto de que a sua administração éo fundamento da dominação espiritual sobre os homens.Em contrapartida, para o conceito de “Igreja”, segundo ouso linguístico corrente (e adequado) é característico o seucarácter de instituição e de empresa (relativamente) racio-nais e a dominação monopolística pretendida, que se ex-teriorizam no modo de ordenações e do seu pessoal ad-

www.lusosofia.net

ii

ii

ii

ii

Conceitos Sociológicos Fundamentais 109

ministrativo. À tendência normal da instituição eclesiásti-ca corresponde a sua dominação territorial hierocrática e asua articulação territorial (paroquial) embora, segundo oscasos concretos, se tenha de responder de modo diverso àquestão sobre quais os meios que reforçam semelhante pre-tensão monopolista. Mas, na realidade, o monopólio de do-minação territorial nunca foi tão essencial para as Igrejascomo para a associação política, e hoje de nenhum modo oé. O carácter “institucional”, sobretudo a condição de quese “nasça” na Igreja separa-a da “seita”, cuja característicaé ser “união” que só acolhe em si de um modo pessoal osreligiosamente qualificados. (Os pormenores encontram-sena Sociologia da Religião.) (Wirtschaft und Gesellschaft,Cap. I)

www.lusosofia.net