William S Maugham - O Fio Da Navalha

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O FIO DA NAVALHA SOMERSET MAUgHAM LIVROS UNIBOLSO SOMERSET MAUgHAM O FIO DA NAVALHA Texto integral EDITORES ASSOCIADOS TTULO DA EDIO NORTE-AMERICANA THE RAZOWS EDGE TRADUO DE GIA JUNQUEIRA SMITH LIVROS DO BRASIL, S.A.R.L. - PORTUGAL CAPITULO I Nunca senti maior apreenso ao comear um romance. E se digo romance por no saber que outro nome lhe d. No tem grande enredo, no acaba com morte ou casamento. A morte pe termo a todas as coisas e , portanto, fim lgico para uma histria; mas tambm o casam ento soluo muito correcta e os blass fazem mal em escarnecer daquilo que vulgarment e se diz que "acabou bem". O instinto popular anda acertado ao afirmar que, com isto, tudo o que devia ser dito foi dito. Quando, depois de inmeras vicissitudes, macho e fmea finalmente se renem, a sua funo biolgica foi cumprida e o interesse pas sa gerao vindoura. Mas estou a deixar o meu leitor s escuras. Este livro consiste d as recordaes que tenho de. um homem com quem, em pocas muito espaadas, tive ntimo con tacto; mas pouco sei do que lhe aconteceu nos intervalos. Creio que, recorrendo imaginao, poderia preencher plausivelmente as lacunas e tornar mais coerente a min ha narrativa; mas a tal no me sinto atrado. Quero unicamente relatar factos de que tenho conhecimento. H anos, escrevi um romance intitulado The Moon and six pence. Nele, salientei um pintor famoso, Paul Gauguin, e, valendo-me do privilgio de romancista, imaginei vr ios incidentes, no intuito de ilustrar o tipo que criara, inspirado nos escassos factos que conhecia da vida do artista francs. Na obra actual nada tentei de sem elhante. No inventei coisa alguma. Para poupar constrangimento a pessoas que aind a vivem, dei s personagens desta histria nomes fictcios e procurei, por outros meio s, evitar que sejam reconhecidos. O homem sobre quem escrevo no clebre e talvez nu nca o chegue a ser. possvel que, ao atingir o fim da vida, no deixe, da sua passag em pela Terra, vestgio maior do que aquele que a pedra, atirada ao rio, deixa na superfcie das guas. Neste caso, se o meu livro for lido, s-lo- exclusivamente pelo i nteresse intrnseco que possa ter. Mas possvel que o gnero de vida que esse homem es colheu para si prprio e a singular fora e doura do seu carcter tenham uma influncia s empre crescente sobre os seus semelhantes, de modo que, mesmo muito tempo depois da sua morte, se compreenda talvez que nesta poca viveu uma criatura extraordinri a. Ficar, ento, claro sobre quem escrevi neste livro, e aqueles que desejarem conh ecer alguma coisa dos primeiros anos da existncia desse homem talvez aqui encontrem algo que os satisfaa. Creio que o meu livro. dentro d as suas possibilidades, que reconheo limitadas, ser uma til fonte de informaes para o s bigrafos do meu amigo. No minha inteno fazer crer que as conversas foram registadas literalmente. No tomei

nota sobre o que foi dito nesta ou naquela ocasio, mas tenho boa memria, quanto ao que me diz respeito, e creio que, embora expressas em palavras minhas, essas co nversas representam fielmente o que foi dito. H pouco declarei nada ter inventado ; quero agora modificar esta assero. Tomei a liberdade, que desde o tempo de Herdot o os historiadores tm tomado, de pr nos lbios das minhas personagens palavras que, pessoalmente, no poderia ter ouvido. Agi pela mesma razo que os fez agir para dar vida e verosimilhana a cenas que teriam sido incolores se apenas relatadas. Quero ser lido, e creio estar no meu direito quando fao o possvel para tornar agradvel a leitura do meu livro. O leitor inteligente facilmente perceber em que ocasies me vali deste artifcio e tem toda a liberdade de o rejeitar.

Outro motivo que me fez iniciar esta obra com apreenso foi o facto de, aqui, lida r a maior parte do tempo com americanos. difcil a gente compreender bem as criatu ras e no creio que possamos conhecer ningum a fundo, a no ser os nossos prprios comp atriotas, pois os homens no so somente eles; so tambm a regio onde nasceram, a quinta ou a casa da cidade onde aprenderam a andar, os brinquedos com que brincaram em crianas, as lendas que ouviram dos mais velhos, a comida de que se alimentaram, as escolas que frequentaram, os desportos em que se exercitaram, os poetas que l eram e o Deus em que acreditaram. Todas essas coisas fizeram deles o que so, e es sas coisas ningum as pode conhecer somente por ouvir dizer, mas sim por as ter se ntido. S as pode conhecer quem parte delas. E, por no se poder conhecer as pessoas de um pas estrangeiro, a no ser por observao, difcil torn-las reais nas pginas de u ivro. Mesmo um observador subtil e cuidadoso como Henry James, embora tivesse vi vido quarenta anos na Inglaterra, jamais conseguiu criar um ingls que fosse cem p or cento ingls. Quanto a mim, a no ser nalguns contos, nunca tentei manejar a no se r os meus prprios compatriotas; e se nas histrias curtas me aventurei excepo, foi po rque nelas o escritor pode tratar os tipos mais sumariamente. D ao leitor indicaes gerais e deixa por sua conta os pormenores. Possivelmente, perguntaro por que mot ivo, j que transformei Paul Gauguin em ingls, no pude fazer o mesmo com as personag ens deste livro. A resposta simples: no pude. No teriam sido quem so. No quero dizer que sejam americanos como os americanos se vem a si prprios; so americanos, tal os ingleses os vem. No tentei reproduzir as singularidades do seu modo de falar. A b arafunda que fazem os escritores ingleses quando se atiram empreitada s pode ser comparada confuso que fazem os escritores americanos quando tentam reproduzir o i dioma ingls como falado na Inglaterra. A gria a grande armadilha. Nos seus contos ingleses, Henry James fez sempre uso dela, mas nunca do mesmo modo que os ingles es. Assim, em vez de conseguir o desejado efeito, a maior parte das vezes causa no leitor ingls um desagradvel sobressalto. Aconteceu-me estar em Chicago em 19 19, a caminho do Extremo Oriente, com a inte no, por motivos que nada tm com esta histria, de me demorar ali duas ou trs semanas. Pouco tempo antes, publicara um romance que obtivera xito. Estando, portanto,-em evidncia, fui entrevistado logo que desembarquei. No dia seguinte, o meu telefone tocou. Atendi. - Quem fala aqui Elliott Templeton. - Elliott? Pensei que estivesse em Paris. - No; vim visitar minha irm. Queremos que venha almoar connosco. - Com muito prazer. Indicou a hora e o endereo. As minhas relaes com Elliott datava m de quinze anos. Na ocasio em que me telefonou, devia estar perto dos sessenta a nos. Era homem alto e elegante, de traos agradveis e espessos cabelos escuros e on dulados, com a nota grisalha apenas suficiente para acentuar a distino da sua aparn cia. Comprava os acessrios de toilette em Charvet, mas os fatos, chapus e sapatos eram de Londres. Tinha em Paris um alojamento na Margem Esquerda - na elegante R ue St. Guillaume. As pessoas que no o apreciavam diziam que era negociante, acusao que o indignava. Elliott tinha gosto e entendia de arte, no se importando de conf essar que, em anos idos, quando pela primeira vez se instalara em Paris, dera a ricos coleccionadores o favor da sua opinio; e quando, devido s suas relaes sociais,

ouvia falar de algum aristocrata arruinado, ingls, ou francs, que estava disposto a vender um bom quadro, ficava satisfeito de o poder pr em contacto com os direc tores de museus americanos que, sabia ele por acaso, estavam procura de uma obra -prima de tal ou tal mestre. Havia em Frana e em Inglaterra muitas famlias antigas , a quem as circunstncias obrigavam a dispor de uma pea assinada, de Buhl, ou de u ma escrivaninha feita pelo prprio Chippendale, se o negcio pudesse efectuar-se sem alarde, e que gostavam de conhecer um homem de grande cultura e finas maneiras, capaz de tratar discretamente do assunto. Supunha-se, naturalmente, que Elliott lucrava com essas transaces, mas a boa educao no deixava que se tecessem comentrios a tal resp eito. Pessoas pouco generosas afirmavam que no seu alojamento tudo estava venda e que, depois de ter oferecido a milionrios americanos um ptimo almoo, com vinhos v elhos, uma ou duas ds suas valiosas telas desapareciam, ou uma cmoda de madeira en talhada seria substituda por uma outra, laqueada. Quando lhe perguntavam por que razo dera sumio a determinada pea, ele, muito logicamente, explicava que no a achara bem sua altura e resolvera, portanto, substitu-Ia por outra de superior qualidad e. Acrescentava que era enfadonho estar sempre a ver as mesmas coisas. - Nous autres amricains, ns, americanos, gostamos de variar dizia. - , ao mesmo tem po, a nossa fraqueza e a nossa fora. Algumas das senhoras americanas residentes em Paris, que se gabavam de saber tud o a respeito de Elliott, diziam que a sua famlia era muito pobre e que, se conseg uia manter-se no nvel em que vivia, era por ter sido muito hbil. No sei a quanto mo ntava a sua fortuna, mas o duque de quem era inquilino certamente o fazia pagar muito pelo alojamento que, alm do mais, era mobilado com peas de valor. Havia, nas paredes, desenhos dos grandes mestres franceses, Watteau, Fragonard, Claude Lor raine e outros; tapetes Savonnerie e Aubusson exibiam a sua beleza em soalhos de parquet; e na sala de visitas havia um conjunto Luis XV, em pelit point, de tal distino que poderia ter pertencido, como afirmava ele, a Madame Pompadour. Em tod o o caso, Elliot possua o bastante para viver no estilo que, considerava correcto para um cavalheiro, sem precisar para isso de ganhar dinheiro, e o mtodo que, no passado, usara para o conseguir era assunto que, a no ser que se quisesse romper relaes com ele, se devia evitar. Liberto assim de preocupaes materiais, dedicou-se paixo mxima da sua vida - as relaes sociais. As suas transaces comerciais com os nobre s empobrecidos, tanto em Frana como em Inglaterra, consolidaram a posio que conseguira ao chegar Europa, rapaz corri cartas de apresentao a pessoas im portantes. A sua origem favorecia-o aos olhos das titulares americanas a quem vi nha recomendado, pois pertencia a uma antiga famlia da Virgnia, e, do lado materno , podia reclamar parentesco directo com um dos signatrios da Declarao da Independncia. Tinha boa aparncia, era vivo, danava bem, atirava regularmente e tornava-se notado no tnis. Era elemento que valia a pena l er-se em qualquer festa. Ningum mais prdigo, em se tratando de flores e caixas de bombons. Embora desse poucas recepes, quando o fazia era com originalidade que agr adava; aquelas ricaas achavam divertido ser convidadas para restaurantes bomios do Soho ou bistrois do Quartier Latin. Ele estava sempre pronto a servir e no havia favor, por maador que fosse, que se lhe pedisse e no fizesse com prazer. 10 Esforava-se bastante por ser agradvel a senhoras maduras, e rapidamente se tornava o ami de la maison, o favorito de muita manso imponente -Era extrema a sua gentileza; nunca se ofendia por ser convidado ltima hora, quando algum deixava a dona da casa em apuros, podiam coloc-lo lado de uma velhota enfadonha, porque, co m certeza, seria espirituoso e amvel como s ele sabia ser. Dentro de dois anos, tanto em Londres - para onde ia durante a ltima parte da tem

porada, e no princpio do Outono, para fazer algumas visitas a casas de campo - co mo em Paris, onde se instalara definitivamente, Elliott. conhecia todas as pesso as que era possvel a um jovem americano conhecer. As senhoras que o tinham introd uzido na sociedade surpreenderam- se ao verificar como se alargara o seu crculo d e relaes. Os sentimentos dessas senhoras eram confusos. Por um lado, ficaram satis feitas com o xito do seu proteg e, por outro, um tanto despeitadas ao v-lo em tais termos de intimidade com pessoas com quem elas continuavam a manter relaes de abso luta cerimnia. Embora Elliott continuasse a ser obsequioso e servial, tinham a des agradvel impresso de que as usara como escada para a sua ascenso social. Desconfiav am de que ele fosse snob. Claro que o era. ]incrivelmente snob. Um snob sem a me nor vergonha. Engoliria qualquer afronta, ignoraria qualquer desfeita, toleraria qualquer descortesia, para ser convidado para uma festa a que desejasse ir, ou para conseguir aproximar-se de alguma rabugenta duquesa-me. Neste particular, era incansvel Quando fixava o olhar na presa, perseguia-a com a tenacidade do botnico que, para conseguir uma orqudea rara, desafia enchentes, terremotos, febres e na tivos hostis. A guerra de 1914 deu-lhe a sua oportunidade decisiva. Logo no incio , entrou para o Corpo de Sade e serviu, primeiro na Flandres, depois na Argorme; voltou, ao fim de um ano, com uma fita vermelha na lapela e conseguiu um posto n a Cruz Vermelha de Paris. Nessa poca, j estava em ptima situao financeira e contribui u generosamente para obras de caridade patrocinadas por pessoas importantes. Com o seu fino gosto e dom de organizao, estava sempre pronto a trabalhar para qualqu er festa de caridade que fosse amplamente anunciada. Ficou scio de dois dos mais selectos clubes de Paris. Era ce cher Elliott para as maiores damas da Frana. Fin almente, vencera. Quando conheci Elliott, eu era um jovem autor como qualquer outro e ele no me deu a mnima ateno. ptimo fisionomista, quando nos encontrvamos por acaso aqui ou acol, se mpre me apertava cordialmente a mo, sem no entanto manifestar desejo de estreitar relaes; e quando o via na pera, digam os, com uma pessoa da alta-roda, ele achava maneira de no me ver. Mas sucedeu que , pouco depois, obtive' inesperado xito como dramaturgo e no tardei a perceber que Elliott me olhava com mais entusiasmo. Certo dia, recebi dele um bilhete, convi dando-me para almoar no Claridge, onde se hospedava quando em Londres. Fui. Grupo pequeno e pouco elegante; pareceu-me que Elliott me estava a experimentar. Mas dali por diante, j que o meu xito me valera muitos amigos novos, comecei a v-lo mais assiduamente. Pouco depois, no Outono, fui passar algumas semanas em Pa ris e encontrei-o em casa de um amigo comum. Perguntou-me onde estava hospedado e, dois ou trs dias depois, recebi novo convite para almoar, desta vez em sua casa ; quando cheguei, fiquei surpreendido ao verificar que a reunio era muito selecta . Ri intimamente. Percebi que, com o seu perfeito discernimento de coisas sociais, compreendera que na sociedade inglesa, como escritor, eu no era pessoa importante, mas que em Frana, o nde um autor tem prestgio s pelo facto de ser autor, o caso mudava de figura. Nos anos seguintes, as nossas relaes estreitaram-se, sem, no entanto, tomarem o cunho da amizade. Duvido que Elliott Templeton jamais tenha sido amigo de algum. No se i nteressava pelas pessoas, a no ser pela sua posio social. Quando acontecia eu estar em Paris, ou ele em Londres , continuou a chamar-me s suas reunies, sempre que precisava de um avulso, ou quan do era obrigado a convidar americanos em viagem. Alguns destes eram, creio eu, v elhos clientes; outros, desconhecidos que o procuravam com cartas de apresentao. E ram a cruz da sua vida. Elliott supunha que devia fazer alguma coisa por ele-.,, no desejando, no entanto, p-los em contacto com os seus amigos da alia. A melhor maneira de se livrar deles era oferecer-lhes um jantar e lev-los depois ao teatro ; mas mesmo isso s vezes se tornava difcil, pelo facto de Elliott ter compromissos para todas as noites, num espao de trs semanas, e tambm por achar que isso no os sa

tisfaria. Como eu era escritor e, portanto, pessoa sem muita importncia, no se coibia de me fazer confidncias a esse respeito. - A --ente, na Amrica, tem to pouca considerao, quando se trata de cartas de apresentao! No que no sinta muito prazer em receber os que me procuram, mas no vejo razo para os impingir aos meus amigos. Procurava reparar a falta, mandando-lhes belas cestas de flores e enormes caixas de bombons, mas s vezes isto no bastava. Foi assim que, um tanto ingenuamente. em vista do que me contara, me convidou para uma festa que estava a organizar. "Desejam imenso conhec-lo - escreveu-me Elliott, para me lisonjear. - A Sr.a Fula na de Tal muito culta e leu todas as suas obras. " A Sr.' Fulana de Tal dir-me-ia que apreciara muitssimo o meu livro 12 Mr. Perrin e Mr. Trail, felicitando-me pela minha pea The Mofluse. A primeira des tas obras foi escrita por Hugh Walpole e a segunda por Hubert Henry Davies. IV Se dei ao leitor a impresso de que Elliott Templeton era um tipo desprezvel, comet i uma injustia. Era, em primeiro lugar, aquilo a que os Franceses chamam serviable, palavra para a qual, pelo que me consta, no existe equivalente na lngua inglesa. O dicionrio en sina-me que serviable, no sentido de prestadio, obsequioso e amvel, arcaico. Elli ot era justamente isso. Generoso, tambm; embora no princpio da sua carreira provav elmente houvesse cumulado os seus conhecidos de flores, doces e presentes movido pelo interesse, continuava a agir da mesma forma, quando isso j no lhe era necessr io. Sentia prazer em dar. Hospitaleiro, tambm. O seu cozinheiro no tinha em Paris quem o superasse, e todos podiam estar certos de encontrar mesa de Elliott as co isas raras de princpio de estao. Os seus vinhos indicavam a excelncia do se u critrio . verdade que os convidados eram escolhidos mais pela posio social do que pelo enc anto pessoal que pudessem ter, mas ele dava-se ao trabalho de convidar duas ou t rs pessoas, somente por serem boa companhia, e desta forma as suas reunies eram qu ase sempre divertidas. Muitos se riam dele pelas costas, chamando-lhe snob indec ente, mas, apesar disso, aceitavam alegremente os seus convites. O francs de Elli ott era correcto e fluente, a pronncia impecvel. Esforara-se grandemente para adop tar a maneira de falar dos Ingleses, e somente pessoa de ouvido muito apurado pe rceberia de vez em quando uma intonao americana. Era um conversador agradvel, conta nto que a gente o mantivesse afastado do assunto de duques e duquesas; mas, me smo a respeito deles, agora que a sua posio era inexpugnvel, permitia-se, principal mente quando a ss connosco, uma observao espirituosa. Tinha uma lngua agradavelmente maliciosa e no havia escndalo sobre essas altas personagens que no lhe chegasse ao s ouvidos. Por ele vim a saber quem era o pai do ltimo filho da princesa X e quem era a amante do marqus de Y. Creio que nem mesmo Marcel Proust conhecia melhor d o que Elliott Templeton a vida ntima da aristocracia. Quando eu estava em Paris, constantemente almovamos juntos, s vezes em sua casa, de outras num restaurante. Gosto de vaguear pelas lojas de antiguidades, ocasional mente para comprar alguma coisa, mas mais frequentemente s para ver, e Elliott se ntia sempre prazer em acompanhar-me.

13 Era conhecedor e tinha verdadeiro amor aos objectos de arte. Creio que no havia, em Paris, loja do gnero que ele no conhecesse, parecendo sempre ntimo do proprietrio . Adorava as pechinchas; quando saamos dizia-me:

- Se quiser comprar alguma coisa, no faa voc o negcio. D-me uma indicao e deixe o rest por minha conta. Ficava encantado quando, por metade do preo, me conseguia alguma coisa que me des pertara o interesse. Era um prazer v-lo regatear. Discutiria, adularia, perderia a calma, apelaria para os bons sentimentos do vendedor, ridicularizaria-o, apont aria os defeitos do objecto em questo, ameaaria nunca mais por os ps naquela casa, suspiraria, encolheria os ombros, advertiria, dirigir-se-ia colericamente porta e, finalmente ao conseguir o desejado, sacudiria a cabea tristemente,'corno se ac eitasse a derrota com resignao. Depois dir-me-ia baixinho, em ingls: - Leve-o. Pelo dobro do preo ainda seria barato. Elliott era fervoroso catlico. Al gum tempo depois de viver em Paris, travou conhecimento com um padre clebre pela sua maneira de atrair ao rebanho herejes e infiis. O padre gostava muito de janta r fora e era conhecido pela sua vivacidade. Reservava as consolaes espirituais par a os ricos e aristocratas. Inevitvel, portanto, que Elliott se sentisse atrado por um homem que, embora de origem humilde, era bem-vindo nos lares mais fechados; assi m confessou a uma rica senhora americana, recente convertida do padre, que, embo ra a famlia sempre tivesse pertencido seita episcopal, ele, pessoalmente, havia m uito que estava interessado na religio catlica. Essa senhora convidou um dia Ellio tt para jantar em sua casa, s os trs, e o sacerdote brilhou como nunca. A dona da casa puxou conversa para o catolicismo e o padre exprimiu-se com fervor, mas sem pedantismo, como homem vivido, embora sacerdote, dirigindo-se a outro homem viv ido. eliott ficou lisonjeado ao ver que o padre sabia tudo a seu respeito. - A duquesa de Vendme falava de si no outro dia. Disse que o acha sumamente intel igente. Elliott corou de prazer. Fora apresentado a Sua Alteza Real, mas nunca l he ocorrera que ela o tivesse notado. O padre discursou sobre a f, com sabedoria e benevolncia; tinha ideias largas, moderno ponto de vista e era tolerante. Levou Elliott a convencer-se de que, mais do que qualquer outra coisa , a Igreja era um clube selecto, a que um homem fino tinha obrigao de pertencer. S eis meses mais tarde, Elliott abraava a nova f. A sua converso, aliada generosidade de que deu provas em contribuies para obras de caridade catlicas, abriu-lhe vrias p ortas que at ento lhe tinham estado fechadas. possvel que fossem confusas as razes que o fizeram abandonar a f 14

dos seus antepassados, mas no houve dvida quanto sua devoo, uma vez que se decidiu qu ele passo. Assistia missa todos os domingos, na igreja frequentada pelas pessoas mais finas, confessava-se regularmente e fazia peridicas visitas a Roma. Com o tempo, essa piedade foi recompensada pela s ua nomeao para camareiro da corte pontifcia, e a assiduidade com que cumpriu os dev eres do oficio mereceram-lhe, creio, a honra de pertencer Ordem do Santo Sepulcr o. Em resumo, a sua carreira como catlico no foi menos brilhante do que a sua carr eira como homme du monde '

Muitas vezes fiquei a cogitar na causa do snobismo que obcecava aquele homem to i nteligente, to bom e to culto. No era um adventcio. Seu pai fora presidente de uma d as Universidades do Sul e seu av um telogo de certa categoria. Elliott era intelig ente de mais para no perceber que muitas das pessoas que lhe aceitavam os convite s o faziam para ter uma refeio grtis, e que algumas eram tolas e outras completamen te sem valor. O fulgor dos ttulos sonoros cegava-o aos defeitos daquela gente. S o que me ocorre que o facto de estar em termos de intimidade com aqueles cavalhei ros de alta linhagem, e de ser o fiel servo das suas damas, lhe dava uma sensao de triunfo nunca diminuda; e creio que, por detrs de tudo isso, havia incurvel romant ismo que o fazia ver, no raqutico duquezinho francs, o cruzado que acompanhara S. Lus Terra Santa; e no fanfarro conde ingls que ia caa das raposas, o antepassado que acompanhara Henrique VIII entrevista do Campo do Dra p d'Or. Em companhia de tais pessoas, tinha a impresso de viver num passado de galanteria e esplendor. Creio que, quando virava as pginas do Almanach de Gotha, o seu corao batia tumultuoso, medida que os nomes sucessivos lhe traziam recordaes de antigas pelejas, cercos histricos e duelos clebr es, intrigas diplomticas e amores de reis, Em todo o caso, Elliott Templeion era assim. Estava a preparar-me para ir ao almoo para que Elliott me convidara, quando da po rtaria telefonaram que ele me esperava em baixo. Admirei-me, mas desci assim que me aprontei. - Achei mais seguro vir busc-lo - disse ao apertar-me a mo. No sei se conhece bem Chicago. Tinha a mesma ideia que observei noutros americanos que durante muito tempo resi diram fora do seu pas, de supor que a Amrica um lugar difcil e mesmo perigoso, onde o europeu no pode, sem risco, locomover-se sozinho. Ainda cedo; podemos andar parte do caminho - sugeriu. 15 O ar estava levemente abafadio, mas no cu no havia uma nica nuvem; era agradvel poder estender as pernas. . - Achei prefervel falar-lhe de minha irm, antes que, lhe se ja apresentado - disse-me Elliott, enquanto caminhvamos. - Ela hospedou-se comigo uma ou duas vezes, em Paris, mas no creio que voc estivesse l na ocasio. No uma reun io grande, sabe. Apenas minha irm, sua filha Isabel e Gregory Brabazon. - O deconador? - perguntei. - Ele prprio. A casa de minha irm pavorosa e Isabel e eu queremos que ela a reform e. Por acaso, soube que Gregory se encontrava em Chicago e fiz com que Lusa o con vidasse para almoar. Ele no precisamente um cavalheiro, claro, mas tem gosto. Foi quem decorou o castelo Raney para Mary Olifant, e St. Clement Talbot para os St. Ertits. A duquesa ficou encantada com ele. Vai ver com os seus prprios olhos a c asa de Lusa. No compreendo como pde ali viver durante todos estes anos! Para ser fr anco, jamais compreenderei como que ela pode viverem Chicago. Vim a saber que Mrs. Braciley era viva, com trs filhos, dois rapazes e uma menina; mas os rapazes eram muito mais velhos e j estavam casados. Um ocupava um posto o ficial nas Filipinas e o outro, que, a exemplo do pai, seguira a carreira diplomt ica, morava em Buenos Aires. O marido de Mrs. Braciley ocupara postos em vrias pa rtes do Mundo e, depois de ter sido alguns anos prime iro-secretrio em Roma, fora nomeado ministro para uma das repblicas da costa ocidental da Amrica do Sul, onde

viera a falecer. _ Quis ento que Lusa vendesse a casa de Chicago - continuou Elliott. - Mas no conco rdou, por motivos sentimentais. H muitos anos que pertence famlia Bradley, uma das mais antigas do Illinois. Eles vieram da Virgnia em 1839, instalando-se mais ou menos a sessenta milhas do que hoje Chicago. Ainda so deles as terras. - Elliott hesitou ligeiramente e olhou-me para ver como iria receber as suas palavras. - O Braciley que se fixou aqui era aquilo a que voc com certeza chamaria fazendeiro. Talvez no saiba, mas em meados do sculo passado, quando o Oeste Central comeou a s er desvendado, muitos habitantes da Virgnia, filhos mais novos de boas famlias, de ixaram os seus lares, sucumbindo atraco do desconhecido. O pai do meu cunhado, Che ster Braciley, viu que aqui, em Chicago, havia futuro e entrou para um escritrio de advocacia. Em todo o caso, ganhou o bastante para deixar o filho com o futuro assegurado. 1 Mais do que as palavras de Elliott, a sua maneira de falar indicava que tal vez no fosse exactamente de bom-tom o falecido Chester Bradley ter abandonado a i mponente manso, e as vastas terras que herdara, para entrar para um escritrio de a dvocacia, mas que o facto de ter acumulado grande 16 fortuna era, em parte, uma compensao. Tambm no ficou l muito satisfeito quando, noutr a ocasio, Mrs. Bradley me mostrou alguns instantneos do que ele chamava a sua "pro priedade" no campo e vi uma modesta casa de madeira, com um bonito jardinzinho, mas com celeiro, curral e chiqueiro bem vista, cercados por ridas plancies. No pude deixar de reflectir que Mr. Bradley sabia o que estava a fazer, quando abandona ra aquilo para ir ganhar a vida na cidade. . Dali a pouco, fizemos sinal a um tx i. Este deixou-nos diante de uma casa de pedra castanha, estreita e muito alta; chegava-se poria por uma escada empinada. Estava metida numa fileira de outras c asas, numa rua que saa de Lake Shore Drive e, mesmo naquela bela manh de Outono, a sua aparncia era to inspida que a gente se admirava de que algum pudesse ter sentim entalismos a seu respeito. A porta foi aberta por um negro alto e forte, de cabe los brancos, que nos mandou entrar para a sala de visitas. Mrs. Bradley ergueu-s e ao ver-nos e Elliott apresentou-me. Devia ter sido bonita, em nova, pois, embo ra forte, era bem feita e tinha os olhos bonitos. Mas o rosto plido, quase que ac intosamente desprovido de pintura, linha as linhas vincadas, e, evidentemente, d esistira de lutar contra a corpulncia da idade madura. Pareceu-me que aceitara de m vontade a derrota, pois sentava-se muito tesa na cadeira de espaldar direito, onde, devido cruel armadura do espartilho, se sentia provavelmente melhor do que numa cadeira estofada. Usava um vestido azul, com pesados alamares, e a gola al ta mantinha-se firme custa de barbas de baleia. Bela cabea; cabelos brancos ondul ados a ferro, num penteado muito complicado. O outro convidado ainda no chegara e , enquanto espervamos, falmos de vrias coisas. - Elliott contou-me que o senhor veio pelo Sul - disse Mrs. Bradley.- Esteve em Roma? - Sim, passei l uma semana. - E como passa a boa rainha Margherita? Um tanto surpreendido com a pergunta, re spondi que no sabia. - Oli, no foi v-Ia, ento? muito simptica. Foi to amvel connosco, quando estivemos em oma! Mr. Bradley era primeiro- secretrio. Porque no a foi visitar? O senhor no , com o Elliott, to vil que no pode ir ao Quirinal? - De modo nenhum - respondi sorrindo. - A questo que no a conheo. - No conhece? - exclamou Mrs. BradIcy como se no acreditasse nos seus ouvidos. - P orque no? - Para lhe falar com franqueza, geralmente os escritores no convivem com reis e r

ainhas. Mas ela uma mulher to simptica - disse Mrs. Bradley em tom 17 de censura, como se fosse muito mal feito da minha parte no conhecer a augusta personagem. - Tenho a certeza de que gostaria dela. Neste momento, a porta abriu-se e o criado introduziu Gregory Brabazon. Apesar do seu nome, Gregory Brabazon no era um sujeito romntico. Baixo, muito gord o, calvo, a no ser um crculo de ondulados cabelos negros na nuca e volta das orelh as, rosto vermelho, dando a impresso de que a todo o momento se iria cobrir de vi olento suor, vivos olhos cinzentos, lbios sensuais e maxilar pesado. Era ingls, e j o vira em festas bomias, em Londres. Tinha uma voz barulhenta, mos pequenas e gor das, extraordinariamente expressivas. Com gestos eficazes e uma torrente de pala vras animadas conseguia excitar a imaginao do fregus hesitante, a ponto de tornar i mpossvel a desistncia da encomenda que ele parecia fazer o favor de aceitar. O criado entrou, novamente, com uma bandeja de aperitivos. - No esperaremos por Isabel - disse Mrs. Bradley, servindo-se de um. - Onde est ela? - perguntou Elliott. - Foi jogar o golfe com Larry. Preveniu que talvez chegasse atrasada. Elliott voltou-se para mim e explicou: - Larry Laurence Darrefl. Parece que ele e Isabel esto noivos. - No pensei que tornasse cocktails, Elliott - comentei. - No tomo - disse ele lugubremente, bebericando o que tinha na mo. - Mas, nesta brb ara terra da Proibio, que que se pode fazer? Suspirou e prosseguiu: - Comeam a serv i-los em algumas casas, em Paris. As ms relaes corrompem as boas maneiras. - Tolice! - exclamou Mrs. Bradley. Disse isso bastante afavelmente, mas com uma firmeza que indicava uma mulher de opinio e, pelo olhar divertido, mas sagaz que dirigiu a Elliott, percebi que no tinha grandes iluses a seu respeito. Que iria ela pensar de Gregory Brabazon? Eu notara o olhar profissional que o decorador lanara sala, ao entrar, assim como o involuntrio arquear das espessas sobrancelhas . Era realmente uma sala extraordinria. O papel das paredes, o cretone das cortin as e os estofos da moblia tinham o mesmo desenho; nas paredes, em pesadas moldura s douradas, pendiam quadros a leo, provavelmente trazidos de Roma pelos Bradley. Virgens da escola de Rafael, virgens da escola de Guido Reni, paisagens da escol a de Zuccrelli, runas da escola de Parmini. Havia trofus da permanncia deles em Peq uim, mesas de bano excessivamente entalhadas, enormes vasos cloisonns e tambm lembranas do Chile e do Peru, obesas figuras de granito e vasos de 18

barro. Vi uma escrivaninha Chippendale e uma vitrina entalhada. Os abat-jours er am de seda branca e neles algum artista mal inspirado pintara pastores e pastora

s em trajos de Watteau. Sala pavorosa e, no entanto, no sei dizer porqu, agradvel. Tinha um ar familiar, caseiro; a gente sentia que a incrvel mixrdia tinha significao. Todos aqueles incongruentes objectos combinavam un s com os outros, porque faziam parte da vida de Mrs. Bradiey. Tnhamos acabado os nossos aperitivos, quando a poria se abriu e entrou uma rapari ga seguida por um rapaz. - Estamos atrasados? - perguntou ela. - Trouxe Larry comigo. H alguma coisa para ele comer? - Creio que sim - sorriu Mrs. Bradley. - Toque a campainha e diga a Eugne que ponha mais um talher mesa. - J lhe disse. Foi ele quem nos abriu a porta. - Esta a minha filha Isabel - apresentou Mrs. Bradley, voltando-se para mim. - E aqui est Laurence Darrel. Isabel apertou-me rapidamente a mo e virou-se impulsivamente para Gregory Brabazo n. - O senhor que Mister Brabazon? Estava louca por conhec-lo. Fiquei encantada com o que o senhor fez para Clementine Dormer. No acha esta sala horrvel? H anos que pr ocuro convencer minha me a reform-Ia e agora, que o senhor est em Chicago, a melhor oportunidade. Diga-me sinceramente a sua opinio. Eu sabia que isto seria a ltima coisa que Brabazon faria. Lanou um rpido olhar a Mr s. Bradley, mas o seu rosto impassvel nada lhe disse. Viu que Isabel era a pessoa que contava e soltou uma ruidosa gargalhada. - No duvido de que seja muito confortvel e tudo o mais - respondeu. - Mas, se quer que fale com franqueza, pois bem, acho-a pavorosa. Isabel era alta, de rosto oval, nariz recto, olhos bonitos e lbios carnudos, trao este que parecia caracterstico da famlia. Era bonita, se bem que ligeiramente incl inada obesidade, o que se podia atribuir idade; achei que se aperfeioaria quando passassem mais anos. Tinha mos boas, fortes, embora um pouco gordas; as pernas, q ue a saia curta deixava bem mostra, eram tambm um pouco grossas. Tinha boa pele e o corado natural estava provavelmente acentuado pelo exerccio e pela viagem de v olta, em carro aberto. Era animada e viva. A sua exuberncia, a risonha alegria, o gosto pela vida, a felicidade que nela havia causavam prazer gente. A sua natur alidade era to grande que fazia que Elliott, mau grado a sua elegncia, parecesse e spalhafatoso. Era tal a sua frescura que a seu lado Mrs. Bradley, de rosto enrug ado e plido, parecia velha e cansada. Descemos para o almoo. Gregory Brabazon piscou os olhos, quando 19 viu a sala de jantar. Paredes cobertas de um papel vermelho-escuro, imitando tec ido, onde se viam retratos muito pouco artsticos, mulheres e homens de rostos som brios e azedos, os prximos antepassados do falecido Mr. Bradley. L estava ele, tam bm, com um vasto bigode, muito teso, de fraque e colarinho engomado. Mrs. Bradley , pintada por um artista francs do fim do sculo XIX, estava dependurada por cima d a lareira, num longo vesi o e ce im azu -c aro, corri um colar de prolas volta do pescoo e uma estrela de brilhantes nos cabelos. COM a mo cheia de anis, acariciava uma charpe de renda, to cuidadosamente pintada que se lhe poderiam contar os pont os; com a outra, segurava despreocupadamente um leque de penas de avestruz. A mo

blia, de carvalho preto, era pesada e opressiva. - Que acha? - perguntou Isabel a Gregory Brabazon, quando nos sentmos. - No duvido de que tenha custado um dinheiro - respondeu. - E custou de facto - declarou Mrs. Bradley. - Foi-nos dada, como presente de ca samento, pelo pai de meu marido. Tem-nos acompanhado pelo Mundo inteiro. Lisboa, Pequim, Quito, Roma. A boa rainha Margherita admirava-a muito. - Que faria o senhor com ela, se fosse sua? - perguntou Isabel a Brabazon. Elliott antecipou-o na resposta. - Queimava-a. Comearam os trs a discutir a reforma da sala. Elliott inclinava-se p ara o estilo Lus XV, mas Isabel preferia uma mesa de refeitrio com cadeiras italia nas. Brabazon achava que Chippendale estava mais de acordo com a personalidade de Mrs. Bradley. - Sempre achei isto muito importante - disse. - A personalidade de uma pessoa. E, voltando-se para Elliott: - O senhor, naturalmente, conhece a duquesa de Oli fant? - Mary? uma de minhas maiores amigas. - Ela queria que eu decorasse a sua sala de jantar e, assim que vi a duquesa, declarei: George II. - E como acertou! Notei a sala, da ltima vez que l jantei. de um gosto impecvel. E assim continuou a conversa. Mrs. Bradley ouvia, mas no se podia dizer qual a su a opinio. Eu pouco falei; quanto ao namorado de Isabel, Larry - no momento no me l embrei do sobrenome -, nada disse. Estava sentado do outro lado da mesa, entre B rabazon e Elliott; de vez em quando, olhava-o de relance. Parecia muito novo. Er a aproximadamente da altura de Elliott, devendo ter pouco menos de um metro e no venta; magro e despreocupado. Simptico; sem ser bonito, nem feio; um tanto tmido e em nada 20

extraordinrio. Despertou o meu interesse porque, embora no tivesse pronunciado mei a dzia de palavras desde que entrara, parecia perfeitamente vontade e, estranhame nte, dava a impresso de participar da conversa, mesmo sem abrir a boca. Notei-lhe as mos. longas, mas no grandes de mais para o seu tamanho, de belo formato e ao m esmo tempo fortes. Ocorreu-me que um artista teria prazer em pint-las. Era mido, s em parecer frgil; pelo contrrio, antes o diria vigoroso e resistente. O rosto, gra ve quando em repouso, estava bem queimado; a no ser por isso, quase no tinha cor; as feies, embora regulares, no chamavam a ateno. Mas do rosto salientes, tmporas entr s. Cabelos de um castanho-escuro, levemente ondulados. Os olhos pareciam maiores do que realmente eram, por estarem plantados profundamente nas rbitas; pestanas grossas e longas. Olhos singulares, no do castanho-rico que era o tom dos de Isab el, de sua me e de Elliott, mas to escuros que a ris se confundia com a pupila, da ndo-lhes estranha penetrao. Larry tinha uma graa natural, muito atraente, e achei c ompreensvel Isabel estar apaixonada por ele. De vez em quando, o olhar dela pousa va no rapaz por um momento e julguei nele distinguir no somente amor, mas afeio. Os olhos de ambos encontraram-se e havia nos de Larry uma ternura bela de se ver. Nada mais comovente do que o espectculo de um amor jovem, e eu, homem de meia-ida de ento, invejei-os, mas, ao mesmo tempo, no sei porqu, no pude deixar de ter pena d eles. Tolice da minha parte, pois, ao que me parecia, no havia empecilho sua feli

cidade; as circunstncias eram favorveis e no havia razo para que no se casassem e viv essem felizes dali por diante. Isabel, Elliott e Gregory Brabazon continuavam a falar da decorao da casa, procura ndo forar Mrs. Bradley a, pelo menos, reconhecer que se devia fazer alguma coisa; mas esta apenas sorria amavelmente. - No procurem apressar-me. Quero ter tempo para reflectir. do-se para o rapaz: - Que pensa de tudo isto, Larry? E voltan

Ele passeou um olhar sorridente pela mesa e disse: - Creio que tanto faz de uma forma como de outra. - Oh, Larry, sua peste! - exclamou Isabel. - Depois de tanto lhe ter recomendado que nos apoiasse! - Se a lia Lusa est satisfeita com o que tem, para que fazer modificaes? A observao era to lgica e sensata que desatei a rir. Ele olhou-me e sorriu. - E no sorrias dessa forma s porque fizeste uma observao idiota disse Isabel. Mas el e apenas alargou o sorriso e notei ento que os seus dentes eram pequenos, brancos e regulares. Qualquer coisa n olhar que lanou a Isabel 21 fez que ela corasse e ficasse com a respirao suspensa. A-no ser que me enganasse re dondamente, ela estava loucamente apaixonada; mas, no sei porqu, tive a impresso de que, no seu amor, havia tambm algo de maternal. De estranhar, em criatura to nova . Com um sorriso doce nos lbios, dedicou de novo a sua ateno a Gregory Brabazon. - No d confiana a Larry. muito tolo e completamente ignorante. No entende de coisa a lguma, a no ser de aviao. - Aviao? - perguntei. Foi aviador, na guerra. - Pensei que fosse demasiado novo para ter estado na guerra. - E era. Novo de mais. Comportou-se muito mal. Fugiu da escola e foi para o Cana d. Mentindo a torto e a direito, conseguiu convenc-los de que linha dezoito anos e entrou para a aviao. Lutava em Frana, por oca-sio do Armistcio. - Ests a aborrecer os convidados de tua me, Isabel - disse Larry. - Conheo-o desde criana; quando voltou, estava um amor, de farda, corri todas aque las fitas bonitas no dlman, de modo que fiquei plantada na soleira da sua porta em sentido figurado - at que, para ter um pouco de sossego, ele concordou em cas ar comigo! A concorrncia era enorme. - Francamente, Isabel - admoestou a me. Larry inclinou-w para mim: - Espero que no acredite uma palavra do que ela diz. Isabel no m pessoa, mas mentir osa. Terminou o almoo e logo depois Elliott os ao museu e ele disse que me levaria. grada, mas no podia dizer que preferia ecimento. No caminho, falmos de Isabel e eu samos. Contara-lhe que ia ver os quadr Ir a museus acompanhado coisa que no me a ir sozinho e, portanto, aceitei-lhe O ofer e Larry.

- um prazer a gente ver duas criaturas to jovens assim apaixonadas uma pela outra - disse-lhe. - So demasiado novos para se casarem.

- Porqu? to divertido ser novo, amar e casar ... - No seja ridculo. Ela tem dezanove anos e Larry apenas vinte. Est desempregado. Te m um Pequeno rendimento de trs mil dlares anuais, a julgar pelo que me contou Lusa, e esta no nenhuma milionria. Precisa do que tem, para viver. Bom, ele pode arranjar emprego. justamente essa a questo. No se esfora. Parece muit o satisfeito por no fazer nada. - Provavelmente, passou uma temporada dura, na guerra. Talvez queira descansar. 22 - H um ano que descansa. mais do que suficiente. - Pareceu-me bom rapaz. - Oli, nada tenho contra ele. de muito boa famlia e tudo o mais. Seu pai era de B altimore. Foi, em Yale, assistente de professor de lnguas neolatinas, ou coisa qu e o valha. Sua me era de Filadlfia, da velha seita dos Quacres. Voc fala deles no passado. Morreram? Sim; a me morreu de parto e o pai h mais ou me nos doze anos. Larry foi educado por um velho colega do pai, um mdico de Marvin. Foi assim que Lusa e Isabel o conheceram.' Onde fica Marvin? onde os Bradley tm a sua propriedade. Lusa costuma passar ali o Vero. Ela ficou com pena do rapaz. O doutor Nelson solteiro e no entendia patavina da educao d e uma criana. Foi Lusa quem insistiu para que Larry fosse mandado para Si. Paul, e sempre o convidou para sua casa nas frias de Natal. - Elliott encolheu os ombros, em gesto bem gauls, e continuou: - Devia ter previsto o inevitvel resultado. Tnhamos chegado ao museu e concentrmos a nossa ateno nos quadros. Mais uma vez fique i impressionado com o conhecimento e bom gosto de Elliott. Conduzia-me pelas sal as como se eu fosse um grupo de turistas, e nenhum professor de arte teria sabid o instruir melhor do que ele. Conformei-me, tomando a resoluo de voltar sozinho, q uando pudesse andar a esmo e distrair-me vontade; passado algum tempo, ele consultou o relgio. - Vamos - disse-me. - Nunca passo mais de uma hora numa galeria de arte; o mxim o a que resiste o nosso poder de apreciao. Voltaremos outro dia. Agradeci-lhe calorosamente, quando nos separmos. Segui o meu caminho, indubitavelmente mais esclarecido, mas de humor bem mais azedo. Ao despedir-se de mim, Mrs. Bradley dissera-me que no dia seguinte Isabel recebi a alguns amigos para jantar, pois iam todos a uma festa; se quisesse vir tambm, d epois deles partirem, Elliott e eu poderamos conversar vontade. - um favor que o senhor lhe faz - acrescentou. - Elliott viveu fora tanto tempo que se sente um pouco deslocado aqui. Parece que no encontra ningum com quem ten ha afinidade. Aceitei e, antes de nos despedirmos, nos degraus do museu, Elliott disse-me que isso lhe causava prazer. - Sou uma alma perdida nesta vasta cidade - declarou. - Prometi a Lusa que passar ia seis semanas com ela, pois no nos vamos desde 1912, @23

mas estou a contar os dias para o meu regresso a Paris. , **tc6 lugar do Mundo onde um homem civilizado pode viver. Caro amigo, sabe como me olham nestas bandas? Consideram-me uma aberrao. Selvagens! Ri-me e deixei-o. vi Na noite seguinte, tendo recusado o oferecimento de Elliott de vir buscar-me, ch eguei sem risco a casa de Mrs. Bradley. Fora detido por uma pessoa que viera ver-me e cheguei um pouco atrasado. Quando subi a escada, ouvi tanto bar'ulho vindo da sala de visitas que julguei tratar-se de uma reunio importante; admirei-me ao verificar que ramos, eu inclusive, apenas doze pe ssoas. Mrs. Bradley estava muito imponente, de vestido de cetim verde e colar de aljfares ao pescoo; e Elliott, no seu bem talhado dinner-jacket, apresentava-se e legante como s ele sabia ser. Quando me apertou a mo, todos os perfumes da Arbia me penetraram pelas narinas. Fui apresentado a um homem troncudo e alto, de rosto vermelho e que no parecia muito vontade em trajo de rigor. Era um tal Dr. Nelson, mas naquele momento o nome nada me disse. O resto do grupo compunha-se de amigo s de Isabel, mas os nomes escaparam-me assim que os ouvi. As mulheres eram novas e bonitas, os homens novos e simpticos. Nenhum deles me impressionou, a no ser ta lvez um rapaz - e isto por ser muito alto e macio. Devia ter mais de um metro e n oventa de altura; ombros largos e fortes. Isabel estava muito bonita, com um ves tido de seda branca, de saia comprida que lhe escondia as pernas gordas; o corte do vestido deixava adivinhar que tinha seios bem desenvolvidos; os braos talvez fossem um pouco rechonchudos, mas o pescoo era lindo.'Estava animada e de olhos l uzentes. No havia dvida: era uma rapariga muito bonita e desejvel, mas, se no abriss e os olhos, acabaria por adquirir uma corpulncia pouco atraente. mesa do jantar fiquei entre Mrs. Bradley e uma rapariguinha desenxabida e tmida, que parecia ainda mais nova do que as outras. Quando tornmos os nossos lugares, p ara facilitar a conversa, Mrs. Bradley explicou-me que os avs da minha vizinha mo ravam em Marvin, e que ela e Isabel haviam sido colegas de escola. O nome, o nico que guardei, era Sophie. Durante o jantar, houve muita brincadeira de um lado e outro da mesa; todos falavam alto e riam. Pareciam ntimos. Quando a minha ateno no estava voltada para a dona, da casa, procurei travar conversa com a minha companheira do lado. Era mais quieta do que os outros. tinha um rosto engraado, d e nariz aquilino e a cor dos olhos era de um azul esverdeado; o cabelo, penteado com simplicidade , era de um castanho-plido. Muito magra, com busto quase to chato como o de um rapaz. Ria das brincadeiras que iam pela mesa, mas de maneira um pouco forada, como se no achasse tanta graa como queria dar a entender. Pareceu-me que fazia um esforo para se mostrar boa companheira. No consegui desco brir se era um pouco tola ou apenas muito tmida e, depois de ter tentado inutilme nte vrios tpicos, por falta de coisa melhor, pedi-lhe que me explicasse quem eram os outros convidados. - Pois bem, o doutor Nelson j o senhor conhece - disse-me, indicando o homem madu ro que estava minha frente, do outro lado de Mrs. Bradley. - tutor de Larry e no sso mdico em Marvin. muito inteligente; inventa bugigangas para avies, de que ning um quer saber; e, quando no est assim ocupado, bebe.

Ao dizer isso, havia nos seus olhos plidos um brilho que me fez supor que me enga nara a seu respeito. Continuou a dizer-me os nomes de toda aquela mocidade, quem eram seus pais e, no caso dos rapazes, que colgio haviam frequentado e em que tr abalhavam. Nada de muito esclarecedor. "Ela um amor"; ou ento: "Ele joga muito bem golfe. " - E quem aquele grandalho, de sobrancelhas cerradas? - Quem? ... Oh, Gray Maturin. Seu pai tem uma casa enorme em Marvin, beira do ri o. o nosso milionrio. Temos muito orgulho nele; d-nos importncia. Maturin, Hobbes, Rayner e Smith. um dos homens mais ricos de Chicago e Gray o seu nico filho. A lista de nomes fora recitada com to agradvel ironia que lancei a Sophie um olhar indagador. Ela notou-o e corou. - Conte-me mais alguma coisa de Mister Maturin - pedi. - No h nada para contar. rico. Muito respeitado. Deu a Marvin uma nova igreja, e um milho de dlares Universidade de Chicago. O filho um rapago bonito. - correcto. Ningum havia de pensar que seu av foi um irlan ds sem eira nem beira, e sua av uma garonette sueca num restaurante qualquer. Gray Maturin era mais vistoso do que bonito. Tinha um ar rude, inacabado; nariz curto e chato, boca sensual e a pele corada dos irlandeses; grande quantidade de cabelos negros, bem lisos, olhos muito azuis sob as cerradas sobrancelhas. Embora de compleio to robusta, era muito bem proporcionado e, nu, devia ser um belo tipo de homem. Parecia ter muita fora. A sua virilidade era im pressionante. Fazia com que Larry, que estava a seu lado e tinha somente trs ou quatro polegadas menos do que ele, parecesse insi gnificante. Gray muito apreciado - disse a minha tmida vizinha. - Conhe25

no tm ima o vrias raparigas que dariam a vida para o agarrar. Mas mnima probabilidade. - Porqu? - O senhor no sabe? - Como poderia saber? - Ele est cego de paixo por Isabel, e Isabel gosta de Larry. - Porque no tenta suplantar o rival? - Larry o seu maior amigo. - Creio que isso complica o caso. - Sim, quando se tem os elevados princpios de Gray. No sei se disse isto a srio, ou se havia na sua voz uma nota de zombaria. Na sua atitude nada havia de impert inente, confiado ou petulante, e no entanto tive impresso de que no lhe faltavam n em esprito nem perspiccia. Em que estaria a pensar, enquanto conversava comigo? Bo m, isto nunca chegaria a saber. No havia dvida de que ela no era senhora de si e ocorreu-me que devia ser filha nica, tendo levado vida isolada, em companhia de p

a

essoas muito mais velhas. Havia nela uma modstia, uma discrio, que achei encantador as; mas, se acertara ao imaginar que vivera sozinha, ento achei que devia ter tra nquilamente observado as pessoas com quem convivia, formando opinio categrica a se u respeito. Ns, de idade madura, raramente suspeitamos com que crueldade, e ao me smo tempo com que clarividncia, os muito novos nos julgam. Olhei de novo para den tro daqueles olhos esverdeados. Que idade tem? - perguntei. Dezassete. L muito? - indaguei, ao acaso. Mas, antes que ela me respondesse, Mrs. Bradley atraiu a minha ateno com uma obser vao qualquer; logo depois, terminou o jantar. Os novos saram imediatamente para onde tinham de ir, e ns, os quatro restantes, subimos para a sala de visitas. Fiquei admirado de ter sido convidado para aquela reunio, ao ver que, aps alguma conversa fiada, eles encetaram um assunto que, imaginei, haviam de ferir discutir sozinhos. Fiquei sem saber se seria mais discreto levantar-me e air ou se, como ouvinte desinteressado, lhes seria til. O ponto discutido era stranha m vontade de Larry em comear a trabalhar, e que vinha baila devido prego que Mr., Maturin, pai do rapaz que Ia opo tuniconhecera ao jantar, lhe oferecera no seu escritrio. Era uma be r Com habilidade e perseverana, Larry poderia, Com O tempo, vir a .1 muito dinheiro . O jovem Gray Maturin desejava ardentemente que Ode tudo o que se disse, mas a minha memria releve o essencial. Quando Larry voltara de Fran@a, o Dr. Nelson, seu tutor, sugerira que ele fosse para a Universidade; mas o rapaz recusara. Era natural que desejasse f icar na ociosidade algum tempo; passara uma temporada dura, na guerra, e duas vezes recebera ferimentos, embora sem gravidade. O Dr. Nelson ach ava que ele ainda sofria as consequricias do choque, e o descanso parecia indicad o at ele ficar completamente restabelecido. Mas as semanas converteram-se em mese s; havia agora mais de um ano que despira a farda. Fiquei a saber que se distinguira na aviao, tendo ficado em evidncia ao volt ar para Chicago; assim, vrios chefes de firmas lhe tinham oferecido emprego. Larr y agradecera, mas recusara. No deu desculpa, a no ser que ainda no sabia o que quer ia fazer. Pouco depois, ficava noivo deIsabel. Isto no causou surpresa a Mrs. Bra dley, pois os dois tinham sido inseparveis durante anos e ela sabia da paixo da fi lha por Larry. Gostava do rapaz e achava que ele poderia fazer Isabel feliz. - O carcter dela mais forte do que o dele. Isabel lhe dar exactamente aquilo que l he falta. Embora fossem to novos, Mrs. Bradley no se opunha a um casamento imediato, contant o que Larry comeasse a trabalhar. Ele tinha algum dinheiro; mas, mesmo que tivess e dez vezes mais, ela no cederia nesse ponto. Pelo que pude perceber, ela e Ellio tt desejavam saber do Dr. Nelson quais as intenes de Larry. Queriam que ele usasse a sua influncia para o obrigar a aceitar o emprego que Mr. Maturin lhe oferecia. - Vocs sabem que nunca tive muita autoridade sobre Larry - alegou o mdico. - Mesmo em criana, fez sempre o que quis. - Sei isso. Deu-lhe liberdade de mais. um milagre ter sado to bom como - disse Mrs pre s a e a um em

. Bradley. O Dr. Nelson, que estivera a beber sem cessar, olhou-a com azedume. O seu rosto tornou-se ainda mais rubro. - Estava muito ocupado; tinha de cuidar dos meus interesses. Recebi-o porque no t inha para onde ir e o pai era meu amigo. No era fcil lidar com ele. - No sei como pode dizer isso - replicou secamente Mrs. Bradley. Larry tem um gnio ptimo. - Que que se pode fazer com um rapaz que nunca discute, mas faz exactamente o qu e quer e, quando repreendido, apenas diz que "sente muito" e deixa que a gente e sbraveje vontade? Se fosse meu filho, poderia ter-lhe batido. Mas no podia castig ar uma criana que no tinha um nico parente no Mundo e cujo pai o deixara aos meus c uidados por achar que seria bom para ele. - Isso no vem ao caso - disse Elliott, um tanto irritado. - A questo esta: ele j va diou bastante; agora, aparece-lhe um bom emprego, 27 onde ter oportunidade de ganhar muito dinheiro; se Isabel, ter de aceitar. Larry precisa de ver que, no estado actual do Mundo, um homem tem de trabal har - interveio Mrs. Bradley. - Est agora em perfeitas condies fsicas. Todos sabemos que, terminada a guerra entre os Estados, muitos homens nunca mais trabalharam, depois que voltaram para casa. Eram um fardo para a famlia e inteis comunidade. Neste momento, entrei na conversa. - Mas que razo apresenta ele para recusar as vrias ofertas que lhe tm sido feitas? O Nenhuma; a no ser que no lhe agradam. Mas no quer fazer nada? o que parece. Dr. Nelson serviu-se de outro whisky. Tomou um longo trago e dequiser casar-se com

pois olhou para os seus dois amigos. - Querem saber qual a minha impresso? No digo que seja grande conhecedor da natur eza humana, mas, em todo o caso, depois de ter feito clnica durante trinta anos, creio entender um pouco do assunto. A guerra teve um efeito qualquer sobre Larry . No voltou o mesmo. No que esteja apenas mais velho; aconteceu alguma coisa que m odificou a sua personalidade. - Que espcie de coisa? indaguei. - No sei dizer. muito reservado quanto s suas peripcias na guerra. - O Dr. Nelson v oltou-se para Mrs. Bradley e perguntou: - Falou alguma vez sobre isso consigo, L usa? Ela sacudiu a cabea. , - No. Logo que chegou, tentmos ver se nos descrevia algumas das suas aventuras, ma s ele apenas se riu daquele seu jeito e disse que nada linha para contar. No falo u sobre isso nem mesmo com Isabel. Ela tentou vrias vezes, mas no lhe arrancou pal avra.

A conversa continuou desta maneira pouco satisfatria e dali a pouco, consultando o relgio, o Dr. Nelson declarou que tinha de se ir embora. Fiz meno de sair com ele , mas Elliott insistiu para que ficasse. Depois de o mdico partir, Mrs. Bradley desculpou-se por me terem importunado com negcios particulares, dizendo que receava que me tivesse aborrecido. - Mas o senhor compreende que isto me preocupa enormemente terminou. - Mister Maugham muito discreto, Lusa; no precisas de ter medo de confiar nele. No creio que Bob Nelson e Larry sejam muito ntimos, e h certas coisas que Lusa e eu achamos prefervel no falar na presena dele. 28 Elliott! J lhe contaste tanta coisa que melhor contar-lhe o resto. - E voltando-s e para mim: - No sei se notou Gray Maturin, ao jantar? - to grande que no pode passar despercebido - respondi. - um dos apaixonados de Isabel. Cumulou-a de atenes, durante toda a ausncia de Larr y. Ela gosta dele e, se a guerra se tivesse prolongado, bem provvel que acabassem por ficar noivos. Gray pediu-a em casamento. Isabel no aceitou, nem recusou. Lusa desconfiou de que ela no queria decidir-se antes da volta de Larry. - Como que ele no foi para a guerra? - perguntei. - Forou o corao a jogar o futebol. Nada de srio, mas no foi aceite. Em todo o caso, d epois de Larry voltar, no houve mais esperanas para ele. Isabel deu-lhe uma respos ta definitiva. No sabia que comentrio esperavam que fizesse e, portanto, preferi calar-me. Elliot t continuou a falar. Com a sua distinta aparncia e pronncia extraordinria, mais par ecia um alto funcionrio do Ministrio da Guerra. - Claro que Larry um ptimo rapaz e foi muito correcto da sua parte fazer tanto em penho em se alistar, mas sou profundo conhecedor do gnero humano ... - Aqui, Elli ott teve um sorriso astuto e ousou a nica referncia que jamais lhe ouvi ao facto d e ter feito fortuna a negociar com objectos de arte. - De contrrio, no teria hoje uma boa quantia em aces do Estado. E a minha opinio de que Lary nunca chegar a ser a lgum. No tem dinheiro, por assim dizer, nem posio. Agora, com Gray Maturin, o caso o utro. Tem um bom e antigo nome irlands. Houve um bispo na famlia, um dramaturgo, vr ios militares que se distinguiram, e alguns intelectuais. Como que soube tudo isso? - perguntei. So coisas que a gente fica a saber - respo ndeu em tom despreocupado. - Para ser exacto, estive a passar uma vista de olhos pelo Dictionary of National Biography, um dia destes, no clube, e dei com o nom e, por acaso. Achei que no era da minha conta repetir o que a minha vizinha, ao jantar, me contara do irlands sem eira nem beira e da garonette sueca que tinham s ido avs de Gray. Elliott prosseguiu: - H anos que conhecemos Henry Maturin. um homem muito srio e muito rico. Gray vai herdar o melhor escritrio de corretagens de Chicago. Tem o mundo a seus ps. Quer c asar-se com Isabel e no se pode negar que, para ela, seria um ptimo casamento. Sou -lhe francamente favorvel, e Lusa concorda comigo.

Estiveste tanto tempo fora da Amrica, Elliott, que te esqueceste de 29

que neste pas as raparigas no se casam s para satisfazer as mes e os tios disse Mrs. Bradley com um sorriso rido. - Isto no motivo de orgulho, Lusa - replicou Elliott bruscamente. - Graas a uma exp erincia de trinta anos, posso asseverar-te que o casamento que considerado do ponto de vista de posio, fortuna e igualdade de meio, tem vantagem sobre o casamento de amor. Em Frana, que afinal de contas o nico pas civilizado do Mundo, Isabel no hesitaria em casar-se com Gray; ao fim de um ou dois anos, se a tal se sentisse inclinada, to rnar-se-ia amante de Larry; Gray instalaria uma actriz de fama num luxuoso aloja mento, e todos ficariam satisfeitos. Mrs. Bradley no era tola. Fitou o irmo com ar de brejeira ironia e replicou: - A questo, Elliott, que, como as companhias teatrais de Nova Iorque ficam aqui p or pouco tempo, Gray no poderia conservar as inquilinas do seu luxuoso alojamento , a no ser por prazo limitado. Isto seria, certamente, um inconveniente para todo s os interessados. Elliott sorriu. - Gray poderia comprar uma cadeira na Bolsa de Nova Iorque. Afinal de contas, se uma pessoa tem de viver na Amrica, no vejo razo para viver noutro lugar a no ser em Nova Iorque. Sa logo depois; mas antes, no sei@porque carga de gua, Elliott perguntou-me se quer ia almoar com ele, para ficar conhecendo os Maturins, pai e filho. - Henry o melhor tipo do negociante americano - disse. - Precisa de o conhecer. quem h anos aplica o nosso dinheiro. No tinha muita vontade de aceitar, mas faltando-me motivo para a recusa, respondi que iria com prazer. Vil Eu fora admitido, durante a minha permanncia em Chicago, como scio temporrio de um clube que dispunha de uma boa biblioteca; na manh seguinte, fui at l passar os olho s por uma ou duas revistas universitrias, que quem no assinante tem dificuldade de obter. Era cedo e l s havia mais uma pessoa, sentada numa vasta poltrona de couro e parecendo absorta na leitura. Foi com surpresa que reconheci Larry. Era a ltim a pessoa que esperaria encontrar em tal lugar. Ergueu os olhos quando passei por ele, reconheceu-me e fez meno de se levantar. - No se incomode - disse depois, quase automaticamente: - Que est a ler? um livro -170]icou ele, mas com um sorriso to simptico que a

secura da resposta no podia melindrar.

Fechou o livro e, fitando-me com aqueles seus olhos singularmente opacos, seguro u-o de modo a no me deixar ver o ttulo. Divertiu-se ontem noite? - perguntei. Muitssimo. Cheguei a casa s cinco da manh. uma faanha estar aqui to cedo. Venho muito aqui. Em geral, a esta hora tenho a sala minha disposio.

- No o incomodarei. - O senhor no est a incomodar-me - disse, sorrindo de novo ocorreu-me ento que o se u sorriso era de uma extraordinria doura. No animado, nem vivo; era um sorriso q ue parecia iluminar-lhe o rosto com alguma luz interior. Estava sentado num recanto formado por prateleiras salien tes. Apoiou a mo no brao da poltrona a seu lado e prosseguiu: No quer sentar-se um pouco? - Est certo. Larry entregou-me o livro que segurava. - - Era isto o que eu estava lendo. Vi que se tratava de Principles of Psychology, de William James. , naturalmente, uma obra clssica, e importante na histria da cincia de que se ocupa; de agradvel lei tura, alm do mais; mas no era o tipo de livro que esperaria ver nas mos de pessoa to nova, um aviador, que danara at s cinco da manh. - Porque l isto? - perguntei. - Sou muito ignorante. , tambm, muito novo - repliquei sorrindo. Larry ficou cala do tanto tempo que comecei a achar o silncio constrangedor e estive a ponto de me levantar para ir procura das revistas que me tinham trazido ali. Mas dominava-m e a impresso de que ele queria dizer alguma coisa. Tinha o olhar perdido no espao, o rosto era grave e atento e parecia meditar. Esperei. Estava curioso por saber do que se tratava. Quando falou, foi como se continuasse a conversa, no parecendo ter notado o prolo ngado silncio. Quando voltei de Frana, queriam todos que eu fosse para a Universidade. Impossvel. Depois de tudo por que passei, compreendi que no poderia voltar para as aulas. A lm do mais, pouco aprendera na escola preparatria. Senti que no me convinha a vida de caloiro. No gostariam de mim. Eu no queria fingir aquilo que no sentia. E no ache i que os professores pudessem ensinar-me as coisas que desejava conhecer. - Naturalmente, reconheo que isto no de minha conta, mas no sei se teve razo - disse eu. 31 Arkff e c i d o -4-,-igndao de si Wo@ estudantes wn pouco mais ba---rulhent se rectos e sensatos; e ouvi dizer que,'se a ~,deks, est o plenamente de acordo, se esse colega tiver um pomo de tacto , em deix-lo seguir o seu caminho. No estive em Cambridge, como meus irmos. Tive essa oporturnas d~ze@@ queria -c~- mundo. Ainda hoje me arrependo. rne teria evitado muitos erros. A gente aprende mais depressa reio que ssp sob a Creio que compreendo o que quer dizer e

orientao de professores experientes. Perdemos muito tempo enveredando por becos se m sada, quando no temos ningum que nos conduza. Talvez o senhor tenha razo. Mas no me importo de errar. possvel que num desses beco s sem sada encontre alguma coisa do que procuro. Que procura9 Hesitou durante alguns segundos. A est. Ainda no sei ao certo. Fiquei em silncio, pois no parecia haver resposta para isso. Eu, que desde muito cedo sempre soube o que quis, senti-me ligeiramente im pacientado. Mas dominei-me, pois, devido ao que s posso chamar intuio, senti que, n a alma daquele rapaz, se travava urna luta obscura - no sei se de pensamentos ma] esboados ou comoes confusamente sentidas - que determinava uma inquietao que o impel ia nem ele prprio sabia para onde. Senti-me estranhamente condodo dele. Nunca o ou vira falar muito, e s agora notava como a sua voz era melodiosa. Muito convincent e. Como se fosse um blsamo. Ao considerar esta sua qualidade, o sorriso simptico e os expressivos olhos negros, achei perfeitamente compreensvel que Isabel o amass e. Havia realmente nele qualquer coisa que atraa. Larry voltou a cabea e olhou-me sem constrangimento, mas com expresso, ao mesmo tempo perscrutadora e divertida. Terei razo ao imaginar que ontem, depois de sairmos para a festa, ficaram a falar de mim? - Durante algum tempo. - Achei que foi por isso que insistiram tanto para que o tio Bob fosse jantar. E le detesta sair de casa. Ouvi dizer que recebeu a oferta de um bom emprego. ptimo. Vai aceit-lo? Creio que no. 32 - Porqu? - No tenho vontade. Estava a meter-me no que no era da minha conta, mas tive a imp resso de que, justamente pelo facto de ser um desconhecido, e de um pas estrangeir o, Larry no tinha m vontade em discutir o caso comigo. - Bom, sabe que, quando uma pessoa no consegue fazer nada. faz-se escritor - dis se eu, rindo. - No tenho talento. - Mas, ento, que pretende fazer'? Dirigiu-me um dos seus sorrisos radiosos, fasci nantes. - Vadiar - respondeu. No pude deixar de rir. - No me consta que Chicago seja o melhor lugar para isso - repliquei. - Em todo o caso, deixo-o sua leitura. Quero passar os olhos pela **Y(de Quartel). Levantei-me. Quando sa da biblioteca. Larry ainda estava absorto no livro de Will iam James. Almocei sozinho no clube e, como a biblioteca era lugar sossegado, fu i para l fumai o meu charuto e distrair-me uma ou duas horas, lendo e escrevendo cartas. Fiquei admirado por ver Larry ainda mergulhado na leitura. Pareceu-me qu e no se movera desde que o deixara. Quando sa, s quatro horas, ainda l estava. Fique i impressionado com o seu poder de concentrao. No me vira entrar nem sair. Tendo mu ito que fazer durante a tarde, n*o voltei ao BlacksIone seno hora de me vestir a f im de ir a um jantar para que fora convidado. No caminho, tive um acesso de curi osidade. Entrei de novo no clube e fui at biblioteca. Havia ali, agora, muita gen te, lendo jornais e outras coisas. Larry continuava na z@ mesma cadeira, atento ao mesmo livro. Esquisito! VIII

No dia seguinte, Elliott convidou-me para almoar no Palmer House, para me encontr ar com o velho Maturin e seu filho. ramos somente quatro. Henry Maturin era um ho mem quase to grande corno seu filho, com um carnudo rosto vermelho e maxilar pesa do: tinha o mesmo nariz chato, agressivo, riras os olhos eram menores que os de Gray, no to azuis, e extraordinariamente sagazes. Embora no pudesse ter mais que ci nquenta anos, parecia ter dez anos mais: os cabelos, que rapidamente se aproxima vam da calvcie, eram brancos como a neve. primeira vista, no era simptico. Dava a i mpresso de ter durante anos vivido bem de mais, e pareceu-me um sujeito brutal, i nteligente e competente e que, pelo menos em 33

matria de negcios, devia ser implacvel. A princpio, pouco falou e ocorreu-me que estava a tomar-me o pulso. No pude deixar de perceber que no levava Elliott muito a srio. Gray, amvel e delicado, ficou quas e que em completo silncio e a reunio teria sido um desastre se, corri o seu incomp arvel tacto social, Elliott no tivesse mantido uma conversa fcil e agradvel. Achei q ue, noutros tempos, devia ter adquirido certa experincia ao lidar com negociantes do Oeste Central, que necessitavam de persuaso para pagar um preo exorbitante por alguma obra. de arte. Dali a pouco, Nir. Maturin comeou a sentir-se mais vontade , tendo feito uma ou duas observaes que indicavam que era mais vivo do que parecia e tinha mesmo um rido senso de humor. Durante algum tempo, a conve rsa girou sobre ttulos e aces. Eu teria ficado admirado por ver como Elliott entend ia do assunto, se h muito no tivesse percebido que, apesar de todas as suas palerm ices, no era nenhum tolo. Foi ento que W. Maturin observou: - Recebi hoje uma carta do amigo de Gray, Larry Darrefi. - No me contou nada, pai - disse Gray. Mr. Maturin voltou-se para mim. - O senhor conhece Larry, no conhece? - Inclinei a cabea e ele continuou: - Gray c onvenceu-me a convid-lo a trabalhar connosco. So muito amigos, e Gray tem dele uma opinio muito elevada. - Que foi que ele disse, pai? - Agradeceu-me. Declarou que sabia que no podia haver melhor oportunidade para um rapaz e que reflectira seriamente sobre o assunto, chegando concluso de que iria causar-me uma decepo e que era prefervel recusar. uma grande tolice da sua parte - disse Elliott. De facto - concordou Mr. Maturin. Sinto muito, pai - disse Gray. - Seria ptimo trabalharmos juntos. A gente pode conduzir um cavalo ao rio, mas no o pode obrigar a beber.

Ao dizer isto, Mr. Maturin olhou para o filho e a expresso dos olhos suavizou-selhe. Vi que havia outra faceta no carcter daquele duro negociante; adorava. aquel e seu filho enorme e desajeitado. Voltou-se de novo para mim: - Sabe uma coisa? No domingo, este rapaz deu a volta em dois abaixo do par. Bate u-me sete a seis. Tive vontade de lhe abrir a cabea com o

taco. E pensar que fui eu quem lhe ensinou o golfe! O homem no cabia em si de orgulho. Comecei a gostar dele. Tive muita sorte, pai. 34 ...... . .......

- Nada. Achas ento que sorte sair da banca e colocar a bola a seis polegadas da b andeira? No mnimo trinta e oito jardas, aquela batida. Quero que no prximo ano ele tome parte no campeonato de amadores. - No terei tempo para isso. - Sou o teu patro, no sou? - Se ! ... O barulho que faz

quando chego um minuto atrasado ao escritrio!

Mr. Maturin deu uma risadinha e voltou-se para mim. - Ele quer mostrar que sou um tirano. No acredite. O meu estabelecimento sou eu , pois os meus scios no prestam para nada, e tenho muito orgulho no meu trabalho. Fiz o meu filho comear de baixo e espero que v subindo por merecimento, como qualq uer outro empregado, de modo a estar apto a tomar o meu lugar, quando chegar o m omento oportuno. Um escritrio como o nosso uma grande responsabilidade. H trinta a nos que cuido do emprego de capital de alguns dos meus clientes e eles tm confiana em mim. Para falar com franqueza, prefiro perder o meu dinheiro a v-los perder o deles. Gray deu uma risada. - Um destes dias, quando uma velhota veio procur-lo para empregar mil dlares num p rojecto fantstico que o seu pastor lhe recomendara, ele recusou-se a aceitar a in cumbncia; e, quando a mulher insistiu, passou-lhe uma tal descompostura que ela s e foi embora a chorar. Depois, chamou o pastor e fez-lhe tambm um sermo. - Falam muito mal da nossa classe, mas h corretores e corretores disse Mr. Maturi n. - No quero que os meus clientes tenham prejuzo; quero que tenham lucro, mas, pe la atitude de muitos, a gente pensaria que esto loucos por se ver livres do ltimo centavo que possuem! - Ento, que tal ele? - perguntou-me Elliott, enquanto caminhvamos, depois de os Ma turins nos deixarem para voltar ao escritrio. - Tenho sempre prazer em conhecer tipos novos. Achei enternecedora a mtua afeio ent re pai e filho. No creio que isto seja muito comum em Inglaterra. - Ele adora aquele rapaz. um sujeito esquisito. Saiba que verdade o que disse a respeito dos clientes. Toma conta das economias de centenas de velhas, militares aposentados e pastores. Na minha opinio, isso d mais trabalho do que lucro, mas M aturin orgulha-se da confiana que depositam nele. Mas, quando se trata de um negci o de vulto e tem de lutar contra poderosos interesses, no h homem mais duro. Inexo rvel. Piedade palavra que ento desconhece. Quer o seu lucro e no h obstculo que o det enha. Que uma pessoa lhe pise os calos e no somente ele a arruinar mas ainda achar graa situao. 35 ra a Ao chegar a casa, Elliott contou a Mrs. **Br~y que Larry recusa 4 oferta de Henry Maturin. Isabel fora almoar com algumas amiguinhas

e chegou quando ainda discutiam o assunto. Deram-lhe a notcia. Pelo que Elliott me repetiu da cena, cheguei concluso de que ele se exprimira com grande eloquncia. Em bora tivesse vivido na ociosidade naqueles ltimos dez anos, no tendo o seu trabalh o anterior, de que lhe valera a fortuna, sido dos mais rduos, Elliott era de opin io que. para o bem da Humanidade. o trabalho era essencial. Larry era um rapazinho como qualquer outro, sem nenhuma importncia social, e no havia razo para que no se conformasse @com aquele louvvel hbito do seu pas. Era evidente, para um homem de viso como Elliott, que a Amrica entrava numa poca de prosperidade como jamais conhe cera. Larry tinha oportunidade de participar dessa prosperidade e, se fosse pers everante, quando chegasse aos quarenta anos poderia ser muitas vezes milionrio. S e ento quisesse aposentar-se e viver como um cavalheiro, digamos em Paris, com casa ria Avenue du Bois e um castelo na Tou raine, ele (Elliott) nada teria que dizer. Mas Lusa Braciley foi mais concisa e m ais categrica. Disse: Se ele gosta de ti, deve estar disposto a trabalhar para ambos. No sei que respos ta Isabel deu. mas teve o bom senso de reconhecer .,os mais velhos tinham razo. T odos os rapazes da sua roda estavam a trabalhar para ter uma profisso ou trabalhavam nalgum escritrio. Larry no ,3 preten der passar a vida inteira a dormir sobre as glrias de aviador. A '@a acabara, est avam todos fartos dela e aflitos por a esquecer. A conteve como resultado a prom essa de Isabel de discutir o assunto com" de uma vez por todas. Mrs. Bradley sug eriu que ela pedisse ao rapaz levasse de carro at Marvin. Pretendia encomendar co rtinas novas a saiu de visitas e perdera as dimenses-, queria, portanto, que Isabel as de 110\0. Voc, podem almoar em casa de Bob Nelson - concluiu. 1 enho uma ideia melhor - disse Elliott. - Pe no carro uma cesta Piquenique; podero conter na varanda e conversar depois do almoo. Seria divertido - disse Isabel. H poucas coisas no Mundo to agradveis como um almoo de d piquenique, saboreado com todo o conforto declarou Elliott sentenciosame nte. - A velha duquesa d'Uzs costumava dizer que, em tais circunstncias, o macho m ais recalcitrante se torna sugestionvel. Que pretende dar-lhes para o almoo? - Ovos cozidos e sanduches de galinha. - Absurdo. Ningum pode fazer um piquenique sem pt de Joie ,@ras, Precisam de levar, em primeiro lugar, camares com car @ pe to e galinha em gelatina, com uma salada de alfaces tenras, que eu mesmo pre36 pararei; e depois do pt, se quiseres, como concesso ao hbito nacional, Lima torta de ma. - Levaro ovos cozidos e sanduches de galinha, Elliott - declarou Mrs. Bradley, em tom decidido. - Pois bem, toma nota do que digo: vai ser um desastre e a culpa s

er tua. - Larry come muito pouco, tio Elliott - interveio Isabel. - E creio que nem no ta o que come. - Espero que no consideres isso uma qualidade, minha pobre pequena - replicou ele . Mas aquilo que Mrs. Bradley dissera que os dois levariam foi exactamente o que l evaram. Ao contar-me o resultado da excurso, Elliott encolheu os ombros, num gest o muito francs. - Bem as preveni de que seria um desastre. Supliquei a Lusa que enfiasse na cesta uma garrafa de Montrachet, que lhe enviara pouco antes da guerra, mas no me deu ouvidos. Levaram uma garrafa-termo com caf. e nada mais. Que se podia esperar? Parece que Lusa Bradley e Elliott estavam sozinhos na sala, quando ouviram o carr o parar porta e Isabel entrar em casa. Cara a tarde e as cortinas estavam descida s. Elliott estava vontade numa poltrona, lendo um romance, e Mrs. Bradley trabal hava numa tapearia que ia servir de biombo para o fogo. Isabel subira directamente para o quarto. Elliott fitara a irm por cima dos culos. - Com certeza foi tirar o chapu - disse Mrs. Bradley. - Daqui a pouco descer. Mas passaram-se alguns minutos sem que Isabel aparecesse. - Talvez esteja cansada; com certeza deitou-se. - No achas que seria mais natural Larry ter entrado? - No sejas irritante, Elliott. - Bom, isso no comigo, contigo. Elliott voltou sua leitura. Mrs. Bradley recomeou a bordar. Mas, depois de se passar meia hora levantou-se bruscamente. - Acho melhor subir para ver se ela est bem. Se estiver a descansar. no a incomoda rei. Saiu da sala, mas voltou logo em seguida. - Ela esteve a chorar. Larry vai para Paris; pretende estar ausente dois anos. I sabel prometeu esperar por ele. - Por que motivo deseja ele ir para Paris? - De que serve fazeres-me perguntas, Elliott? No sei. Isabel no me quis contar nad a. Diz que compreende e que no quer ser um estorvo para ele. Eu disse: "Se Larry est disposto a deixar-te por dois anos, Isabel. cri37

to o seu amor no pode ser muito forte." E ela respondeu: "Pacincia. O essencial que eu o amo muito." "Mesmo depois do que aconteceu hoje?" perguntei. "0 dia de hoj e fez com que eu o amasse mais ainda. E ele tambm me ama, tenho a certeza disso." Elliott reflectiu alguns instantes. - E que acontecer depois desses dois anos? - J te disse que no sei, Elliott. - No achas o arranjo pouco satisfatrio? - Acho. - S resta uma consolao: que so ambos muito novos. No lhes far mal esperar dois anos, , neste espao de tempo, muita coisa pode acontecer. Concordaram em que seria prefervel deixar Isabel em paz, pois iam jantar fora naq

uela noite. - No a quero perturbar - disse Mrs. Bradley. - Toda a gente ficaria a fazer conje cturas, se ela aparecesse de olhos inchados. Mas, no dia seguinte, ao almoo, que foi tomado na intimidade, de novo Mrs. Bradley tocou no assunto. Mas pouco arrancou de Isabel. - No h, realmente, quase mais nada para contar, alm do que lhe contei ontem noite disse ela. Mas que que Larry pretende fazer em Paris? Isabel sorriu, pois sabia quanto a re sposta ia parecer absurda me. - Vadiar. - Vadiar? Que queres dizer com isso? - Foi o que ele me disse. - Francamente, fazes-me perder a pacincia. Se tivesses um pouco de energia, teria s desmanchado o noivado ali mesmo. Ele est a brincar contigo. Isabel olhou para o anel que trazia na mo esquerda. - Que hei-de fazer? Amo-o. Neste momento, Elliott entrou na conversa. Discutiu o assunto com o seu tacto habitual. "No como um tio, meu caro amigo, mas como homem vivido que se dirigisse a uma donzela inexperiente." Mas no obteve melhores resul tados. A impresso que tive foi que, delicadamente mas com firmeza, Isabel lhe dissera que no se metesse no que no era da sua conta. Elliott repetiu-me tudo isto no mesmo dia, um pouco mais tarde, quando estvamos a mbos na saleta que eu tinha no Blackstone. - Claro que Lusa tem razo - disse ele. - muito pouco satisfatrio, mas isto que acon tece quando deixam que os rapazes resolvam um casamento que s tem por base uma afeio mtua. Disse a Lusa que no se preocupe; creio qu e as coisas se resolvero melhor do que ela espera. 38

Com Larry no estrangeiro e o jovem Maturin sempre presente ... Bom, se que enten do alguma coisa da psicologia humana, no difcil prever-se o resultado. Aos dezoito anos, as nossas paixes so violentas, mas pouco duradouras. - Hoje est filsofo, Elliott - comentei sorrindo. - No foi sem proveito que li o meu La Rochefoucauld. Voc conhece Chicago; eles enc ontrar-se-o constantemente. Uma rapariga fica lisonjeada por ter algum que lhe faa sempre a corte e, quando ela sabe que no h uma das suas amigas que no ficaria radia nte de poder casar-se com ele ... Pois bem, diga-me: acha natural que resista te ntao de suplantar todas as outras? Explico-me melhor: o mesmo que voc ir a uma fest a, sabendo que vai aborrecer-se grande e que l s serviro limonada e biscoitos; mas vai porque sabe que os seus amigos dariam a vida por ir e, no entanto, no foram c onvidados. - Quando que Larry pretende partir? - No sei. Creio que ainda no resolveu - Elliott tirou do bolso uma cigarreira de o

uro e platina e extraiu de dentro um cigarro egpcio. Nada de Ftimas, para ele, ou Chesterfields ou Camels, ou Lucky Strikes. Fitou-me com um sorriso repleto de in sinuaes e continuou: - Claro que no diria isso a Lusa, mas a si no me importo de conf essar que, no fundo, compreendo o ponto de vista do rapaz. Parece que tomou um c erto gosto por Paris, durante a guerra, e no o censuro por se sentir atrado pela ni ca cidade do Mundo onde um homem civilizado pode viver. novo e com certeza quer divertir-se um pouco, antes de assentar na vida de casado. Muito natural e muito certo. Olharei por ele. Apresent-lo-ei na boa sociedade; tem maneiras finas e, c om uma ou duas indirectas que lhe der, ficar mais apresentvel; garanto que lhe pos so mostrar um aspecto da vida em Frana que a bem poucos americanos dado conhecer. Creia-me, caro amigo, mais fcil ao tipo comum de americano entrar no reino dos Cu s do que no Boulevard St. Germain. Larry tem vinte anos e simptico. No me ser difcil arranjar-lhe uma ligao com uma mulher mais velha. Isto o formar. Sempre achei que no h melhor educao para um rapaz do que tornar-se amante de uma mulher de certa idad e e, naturalmente, se ela for do tipo de mulher que tenho em vista, uma femme du monde, compreende, isto imediatamente lhe dar uma posio em Paris. - Voc disse isso a Mistress Bradley? - perguntei sorrindo. Elliott soltou uma ris ada. - Meu caro amigo, se h uma coisa de que me orgulho neste Mundo do meu tacto. No lh e disse absolutamente nada. No entenderia, a pobre. Eis uma coisa que jamais comp reendi, a respeito de Lusa. Embora tenha 39 passado metade da sua vida na diplomacia, residindo em inmeras capitais do Mundo, conservou-se irremediavelmente americana. IX Aquela noite fui jantai em Lake Shore Drive, numa enorme casa de pedra que dava a impresso de que o arquitecto iniciara a construo de um castelo medieval e depois, mudando repentinamente de ideia, resolvera transform-lo em chalei suo. Era uma gra nde reunio e, quando entrei na vasta e sumptuosa sala de visitas, cheia de esttuas, palmeiras, candelabros, quad ros clebres e pesadssima moblia, fiquei satisfeito por ver que conhecia pelo menos algumas das pessoas presentes. Henry Maturin apresentou-me sua magra, pouco inte ressante e frgil esposa. Cumprimentei Mrs. Bradley e sua filha. Isabel estava mui to bonita, com um vestido de seda vermelha que dava realce aos seus cabelos escuros e olhos castanhos. Parecia mui to animada e ningum diria que acabara de ter um grande aborrecimento. Conversava alegremente com dois ou trs rapazes, entre eles Gray, que a cercavam. Ao jantar, sentou-se a outra mesa e no a pude ver, mas, mais tarde, quando ns, homens, depois de nos termos eternizado nos nossos cafs, licores e cigarros, voltmos para a sala de visitas, tive oportunidade de lhe falar. Conhecia-a muito pouco para locar d irectamente no assunto a que Elliott se referira, mas tinha alguma coisa para lh e contar, que, achei, lhe causaria prazer. - Vi o seu namorado no clube, h poucos dias - disse despreocupadamente. - Ah, viu'? O seu tom era to despreocupado como o meu, mas percebi que ela ficara imediatamen te alerta. Os olhos adquiriram-lhe uma expresso vigilante e creio ter notado nele s a sombra de uma apreenso. - Estava a ler na biblioteca. Fquei impressionadssimo com o seu poder de concentrao. Lia quando cheguei, pouco depois das dez, lia quando apareci

depois do almoo, e ainda estava a ler quando l voltei, hora do jantar. No creio que se tenha levantado da cadeira durante um espao de dez horas. - Que estava ele a ler*! - Principles ol'Ps.v(-hology, de William James. Isabel baixou os olhos para que eu no pudesse ver a impresso que isso lhe causara, mas pareceu-me que ela ficara a o mesmo tempo perplexa e aliviada. Neste momento. o dono da casa veio chamar-me para o bridge: quando o j ogo acabou. Isabel e sua me j tinham ido para casa. 40 Dois dias mais tarde, fui despedir-me de Mrs. Bradley e de Elliott. Encontrei-os a tomar ch. Logo depois, Isabel apareceu. Falmos da minha prxima viagem, agradecilhes as gentilezas que me tinham dispensado durante a minha permanncia em Chicago , e passado um lapso de tempo regular, levantei-me para partir. - Vou com o senhor at drug-store - disse Isabel. - Lembrei-me agora de que tenho uma compra a fazer. As ltimas palavras que Mrs. Bradley me disse foram: "0 senhor dar lembranas minhas querida rainha Margiterita, no verdade?" Desistira de a procurar convencer de que no conhecia aquela augusta personagem, e imediatamente lhe respondi que lhe faria a vontade. Quando alcanmos a rua, Isabel lanou-me de soslaio um olhar sorridente. - O senhor acha que poderia tomar um ic@e-crecim-soda? - perguntou-me. - S experimentando - respondi prudentemente. Isabel no falou at chegarmos drug-stor e e eu, por nada ter a dizer, tambm fiquei em silncio. Entrmos e tommos uma mesa, se ntando-nos em cadeiras com encosto de ferro forjado e ps no mesmo estilo. Muito p ouco confortveis. Encomendei dois ice-cream-soda. Algumas pessoas faziam compras diante dos balces; dois ou trs casais, sentados a outras mesas, s pareciam atentos aos seus assuntos; estvamos, pois, por assim dizer, sozinhos. Acendi um cigarro e esperei, observando Isabel que, com aparente satisfao, chupava o seu refresco por uma longa palhinha. Pareceu-me nervosa. - Queria falar-lhe - disse-me bruscamente. - Foi o que me pareceu - respondi sorrindo. Fitou-me, pensativa, um ou dois minu tos. - Por que motivo me disse aquilo do Larry, aquela noite, em casa dos Salterhwait es'? - Achei que lhe interessaria. Ocorreu-me que talvez no soubesse o que ele queria dizer com "vadiar". - O tio Elliott um linguareiro. Quando me disse que ia ao Blackstone para conver sar consigo, logo vi que ia contar-lhe tudo. - Conheo-o h muitos anos, sabe'? Ele tem prazer em comentar a vida alheia. - verdade - disse ela, com um sorriso apenas esboado. Fitou-mie atentamente, com expresso sria no olhar. Que que acha acerca do Larry? 41 - S o vi trs vezes. Parece-me muito bom rapaz. - S isso? Havia uma nota de tristeza na sua voz.

- No, no. Torna-se difcil dar opinio. Sabe, conheo-o h muito pouco tempo. Claro que s mptico. H nele qualquer coisa de modesto, amvel e suave, que deveras atraente. E mu ito senhor de si, considerando-se a sua mocidade. No se parece com nenhum dos rap azes que conheci nesta cidade. Enquanto assim desajeitadamente procurava dar forma a uma impresso ainda confusa no meu pensamento, Isabel fitava-me atentamente. Quando terminei, ela soltou um suspiro, como que aliviada, e dirigiu-me um sorriso encantador, meio maroto. - O tio Elliott diz que muitas vezes tem ficado admirado com o seu dom de observ ao, Mister Maugham. Diz que pouca coisa lhe escapa, mas que a sua maior qualidade como escritor o seu bom senso. Conheo uma qualidade mais aprecivel - repliquei secamente. Talento, por exemplo. - Sabe, no tenho ningum com quem discutir o meu caso. Minha me s enxerga as coisas do seu ponto de vista. Quer garantir o meu futuro. - mais que natural, no ? - E o tio Elliott s v o lado social. As minhas amigas - refiro-me s da minha gerao - acham Larry muito pouco interessante. Isto di terrivelmente. - Claro. - No digo que elas no sejam gentis com ele. Ningum pode deixar de ser gentil com La rry. Mas no o tomam a srio. Fazem muita troa dele e ficam exasperadas por ver que ele no faz caso. Larry apenas ri. O senhor sabe em que p esto as coisas, actualmente? - S sei o que Elliott me contou. - Posso contar-lhe exactamente o que se passou quando fomos a Marvin? - Claro. Consegui reconstituir o episdio que Isabel me descreveu, em parte pela l embrana que tenho do que ela me disse naquele dia, e em parte com o auxilio da im aginao. Mas foi longa a conversa entre ela e Larry e no duvido de que tenham dito m uito mais do que pretendo agora relatar. Creio que, como acontece com toda a gen te nessas ocasies, no. somente disseram muita coisa que no vinha ao caso, mas repet iram vrias vezes as mesmas frases. Quando se levantou, naquele dia, ao ver a beleza da manh, Isabel telefonou a Larr y, a dizer que sua me queria que ela fosse a Marvin, e pe42 */* diu-lhe que a levasse de carro. Tomara a precauo de acrescentar uma garrafa-termo, de Martinis, de caf que sua me ordenara a Eugne que pusesse na cesta. O carro era novo e Larry tinha orgulho nele. Gostava de guiar depressa, e a velocidade deixo u-os muito animados. Ao chegarem a Marvin, Isabel mediu as cortinas que deviam s er substitudas, enquanto Larry anotava os nmeros. Depois prepararam o almoo na vara nda. Esta era protegida contra qualquer vento, e o sol do Vero de S. Martinho aqu ecia-a agradvelmente. A casa, beira de uma estrada poeirenta, nada tinha da elegnc ia das velhas casas de madeira da Nova Inglaterra e, mesmo com boa vontade, o ma is que se poderia dizer era que era grande e confortvelmas da varanda tinha-se um a vista agradvel, do barraco vermelho com , seu telhado negro, uma moita de velhas r vores, e alm, at onde alcanava a vista, campos pardacentos. Paisagem montona, mas o sol e as tintas brilhantes do fim do ano davam-lhe certa beleza. Era intoxicante aquela amplido. Por mais fria, nua e melanclica que se apresentasse no Inverno, p or mais seca, crestada e opressiva que fosse noutros dias, naquela ocasio era est ranhamente excitante, pois a vastido do panorama convidava a alma aventura.

Saborearam o almoo como criaturas novas e sadias que eram, sentindo prazer na com panhia um do outro. Isabel serviu o caf e Larry acendeu o cachimbo. - Agora, desabafa, minha querida - disse ele com um sorriso divertido nos olhos. Isabel foi apanhada de surpresa. - Desabafar o qu? - perguntou com o ar mais inocente que lhe foi possvel assumir. Ele deu uma gargalhada. - Pensas que sou algum idiota, meu amor? Se tua me no conhecer perfeitamente as di menses das janelas da sala, quero ser macaco de feira! No foi por isso que me pedi ste que te trouxesse aqui. Novamente senhora de si, Isabel lanou-lhe um sorriso encantador. - Pode ser que tenha achado que seria agradvel passarmos um dia juntos, s ns ambos. - Pode ser, mas no creio que tenha sido. O meu palpite que o tio Elliott te conto u que recusei o convite de Henry Maturin. Falava ale-re e despreocupadamente e Isabel sups conveniente adoptar o mesmo tom. - Gray deve ter sofrido uma profunda decepo. Achava que seria ptimo ter-te com ele no escritrio. Tens de trabalhar um dia e, quanto mais for adiado, pior.