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I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde Workshops

Workshops - abpsa.org.br · Escuela de Medicina, Universidad Nacional del Comahue, Argentina; 3 Centro de Medicina Reproductiva y Desarrollo Integral del Adolescente, Facultad

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I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde

Workshops

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde

SITUAÇÃO E PERSPECTIVAS DA SAÚDE SEXUAL NA ADOLESCÊNCIA EM PORTUGAL E NA AMÉRICA LATINA..............................................................................................................................3

ESTRATÉGIAS E DESAFIOS DA AVALIAÇÃO DA HISTÓRIA DE MAUS-TRATOS E TRAUMA EM CONTEXTOS DE SAÚDE............................................................................................................17

LUTO ANTECIPATÓRIOAS EXPERIÊNCIAS PESSOAIS, FAMILIARES E SOCIAIS DIANTE DE UMA MORTE ANUNCIADA .............................................................................................................18

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W1

SITUAÇÃO E PERSPECTIVAS DA SAÚDE SEXUAL NA ADOLESCÊNCIA EM PORTUGAL E NA AMÉRICA LATINA

Margarida Gaspar de Matos ([email protected]), PhD1, Mónica Borile ([email protected]), MD2; Electra Gonzalez ([email protected]), MA SW3; Marta Reis ([email protected]), Msc4; Lúcia Ramiro ([email protected]), Msc5 e Equipa Aventura Social. 1,4,5 Projecto Aventura Social - Faculdade de Motricidade Humana / Universidade Técnica de Lisboa; 2 Ministerio de Educación de la Pcia de Río Negro. Escuela de Medicina, Universidad Nacional del Comahue, Argentina; 3 Centro de Medicina Reproductiva y Desarrollo Integral del Adolescente, Facultad de Medicina, Universidad de Chile. O aumento das IST’s, da gravidez indesejada e de outros riscos ligados à actividade sexual, faz com que os jovens sejam considerados um grupo de intervenção prioritário em termos de saúde sexual e reprodutiva. A educação sexual tem como objectivo fundamental formar, desenvolver atitudes e competências nos jovens, permitindo que estes se sintam informados e seguros nas suas escolhas (GTES, 2005; 2007; 2007a). Analisando os resultados do estudo português HBSC/OMS (Currie et al., 2004; Matos e equipa do Projecto Aventura Social & Saúde, 2006), verificamos que os factores de risco e protecção que determinam os comportamentos sexuais de risco dos adolescentes são inúmeros. Este facto aponta para uma educação sexual que incida em intervenções do tipo preventivo, de carácter universal, abrangendo toda a população escolar e respectivos contextos de vida: escola, família e grupo de pares; mas também em intervenções mais específicas e intensivas, nos subgrupos identificados como de “risco”. Neste trabalho analisam-se as semelhanças e as diferenças entre o contexto de Portugal e o da América Latina, na sequência da licença sabática do primeiro autor. Mais detalhes deste percurso podem ser lidos em www.umaventurasocial.blogspot.com. Analisam-se, também, as suas consequências para as Políticas de Saúde e Educação para e com os adolescentes, nomeadamente na área da saúde sexual e reprodutiva. Palavras-chave: Educação sexual, comportamentos sexuais, jovens, políticas de saúde e de educação

Saúde sexual: dados actuais

Os riscos ligados à actividade sexual, designadamente o uso inconsistente de

contracepção e do preservativo (Beadnell et al., 2005; Brook, Morojele, Zhang &

Brook, 2006), o número de parceiros, a existência de parceiros ocasionais e a associação

entre o consumo de álcool e/ou drogas e o comportamento sexual (Eaton et al., 2005),

tornam os jovens um grupo especialmente vulnerável em termos de saúde sexual e

reprodutiva a nível mundial (FNUAP, 2005; Matos e equipa do Projecto Aventura

Social & Saúde, 2003).

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As crenças relacionadas com o preservativo (e.g., “tira o prazer”), as atitudes,

positivas ou negativas, a ideia do apoio por parte das pessoas significativas (família,

pares, entre outros), as acções dos pais e as competências comportamentais

(relacionadas com a comunicação, assertividade, negociação, auto-eficácia) e, ainda, a

intenção de ter comportamentos sexuais seguros/preventivos sempre, são

condicionantes extremamente importantes quando procuramos explicar os diferentes

tipos de comportamentos (Carvalho & Baptista, 2006; Nodin, 2001).

Para se promover atitudes e comportamentos sexuais saudáveis é fundamental a

educação sexual, uma vez que que tem como objectivo fundamental formar e

desenvolver atitudes e competências nos jovens, permitindo que estes se sintam

informados e seguros nas suas escolhas (GTES, 2005; 2007; 2007a).

O facto de os jovens terem actualmente muita facilidade em obter informação não

garante que as suas escolhas sejam as mais adequadas, por isso a educação sexual

poderá fornecer uma ajuda na triagem desta informação, contribuindo para que seja

utilizada da melhor forma (Piscalho, Serafim & Leal, 2000).

A educação sexual não deve cingir-se às informações sobre os aspectos físicos do

acto sexual, sendo essencial a abordagem de outros factores, como os sentimentos e os

afectos (Aquilino & Bragadottir, 2000).

Se considerarmos a educação sexual a única forma para se prevenir e /ou

modificar comportamentos, deve-se ter em conta a importância das normas sociais e dos

amigos (grupo de pares), a aquisição de competências cognitivas e comportamentais

necessárias à implementação e manutenção da mudança, e contemplar a avaliação de

vulnerabilidade ao risco, da motivação para a mudança e, ainda, os factores situacionais

que possam intervir com a implementação dessa mudança.

Mas a educação sexual no âmbito da educação para a saúde implica também a

consciencialização dos imprescindíveis agentes educativos envolvidos, de forma directa

ou indirecta, ao desenvolvimento dos jovens: famílias, escolas, comunidades,

instituições, organizações não-governamentais, autarquias, institutos públicos e

particulares, locais de lazer e diversão.

Em Portugal, a implementação da educação sexual nas escolas tem originado, nos

últimos anos, um grande debate. Em 1978, 1981 e 1984 a questão da legalização do

aborto dividiu a população portuguesa. Apesar de não ter sido aceite nessa altura, esta

questão justificou a primeira legislação sobre educação sexual nas escolas. Contudo, em

1985 a preocupação com a educação sexual voltou a sofrer uma estagnação (Reis, &

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Vilar, 2004). Na sociedade portuguesa detectaram-se muitos problemas e necessidades

não resolvidas relativamente aos direitos sexuais e reprodutivos da população, tornando

obrigatória a educação para a sexualidade em 1997.

Entre 1995 e 1998, o Programa de Promoção e Educação para a Saúde e a

Associação para o Planeamento da Família criaram o Projecto “Educação Sexual e

Promoção da Saúde nas Escolas — Um Projecto Experimental”. Actualmente pretende-

se uma generalização gradual desta experiência às escolas portuguesas no sentido da

integração regular de projectos e actividades de Educação Sexual nos vários níveis de

ensino (Marques et al., 1999).

Em 2005 foi criado um Grupo de Trabalho para a Educação Sexual (GTES) /

Educação para a Saúde em Meio Escolar, que determinou que a educação sexual será

abordada no âmbito de um programa de promoção da saúde. De acordo com as

recomendações deste grupo de trabalho, no relatório final apresentado em 2007 (GTES,

2007a), os assuntos a abordar devem envolver, entre outros a entendimento da

sexualidade como uma das componentes mais sensíveis da pessoa, no contexto de um

projecto de vida que englobe valores e uma dimensão ética, a compreensão dos aspectos

relacionados com as principais IST’s (incluindo o VIH/SIDA), a maternidade na

adolescência e a interrupção voluntária da gravidez, assim como os aspectos

relacionados com o uso de métodos contraceptivos e de preservativos para a prevenção

das IST’s e da gravidez na adolescência.

No Chile en la actualidad se observa una mayor liberalización de los

comportamientos y actitudes sexuales y se manifiesta en forma especial en los

adolescentes y aunque se mantienen las diferencias entre los patrones de

comportamiento sexual hay una tendencia al acercamiento. Estudios nacionales

muestran que las mujeres inician actividad sexual a los 17.8 años y los hombres a los

16.2 años pero esta edad varia según grupo socioeconómico. Hay una relación

significativa entre edad de inicio sexual y nivel socioeconómico. Los jóvenes tienen

relaciones sexuales en su mayoría con sus parejas en especial las mujeres. El sexo

ocasional ocurre más en los hombres. Se observa que “el amor” como motivo para

tener relaciones sexuales ha ido disminuyendo a través de las diferentes encuestas

mientras que “basta que ambos lo deseen” ha ido en aumento.

Por otro lado, si bien el uso de métodos anticonceptivos ha aumentado en forma

significativa, un porcentaje importante de jóvenes especialmente en el estrato

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socioeconómico bajo y en sector rural no los utiliza (Instituto Nacional de la Juventud

Encuesta 2001, 2002, 2004, 2006).

Considerando que la edad de inicio de la actividad sexual, las características del

comportamiento sexual y las diferencias de genero en adolescentes chilenos son tópicos

importantes a considerar en el diseño de programas de intervención para reducir el

embarazo no deseado e infecciones de transmisión sexual (ITS) y VIH/SIDA

especialmente en el ambito escolar.

Chile fue un país pionero en la educación sexual al crear en 1960 el Programa

“Vida Familiar y Educación Sexual”. Sin embargo, todos los materiales y textos para

padres, profesores y alumnos fueron destruidos durante la dictadura militar que rigió en

Chile en el periodo 1973-1998. Durante este régimen se dicto la Ley Orgánica

Constitucional de Educación (LOCE) la cual consagraba la libertad de enseñanza por

sobre el derecho a la educación y asignaba la responsabilidad de la educación a los

padres y la familia, por sobre la escuela y las políticas educacionales. Como resultado

de esta ley el Ministerio de Educación tiene desde entonces solo un rol normativo,

orientador, pero los colegios y liceos tienen autonomía para desarrollar los programas

educativos que hayan sido aprobados por la autoridad del establecimiento.

Bloquear la educación en sexualidad en el sistema escolar ha sido una verdadera

barrera tras la que se han atrincherado los sectores conservadores chilenos.

Debido a la mas grande protesta del movimiento estudiantil secundario del que se

tenga memoria en Chile, “la protesta de los pingüinos”, actualmente se esta llevando a

cabo una amplia reforma educativa al respecto.

En 1993 se definió una Política de Educación en Sexualidad que logro cierto

consenso. Pero con una perspectiva centrada en la experiencia adulta y estaba más bien

dirigida al “problema de la sexualidad juvenil”. Luego, con el apoyo del Fondo de

Población (UNFPA), se implementaron las llamadas JOCAS (Jornadas de Conversación

sobre Afectividad y Sexualidad), un programa que busco abrir un espacio de

conversación y hacer visibles las necesidades de los y las estudiantes, de padres y

profesores. A pesar de los reclamos de la jerarquía eclesiástica católica y grupos

conservadores, tuvo gran impacto social y cultural y se mantuvo por unos años, pero

finalmente perdió fuerza y se redujo a una metodología de trabajo para los colegios que

quisieran implementarla.

Desde el año 2000 esta vigente la Ley de Protección de la Adolescente Madre y

Embarazada (Ley Nº 19.688) que prohíbe la expulsión de las alumnas embarazadas y

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madres del sistema escolar, y la Reforma Constitucional (2003) que asegura 12 años de

escolaridad, establece la Enseñanza Media obligatoria y gratuita, asignando al Estado la

responsabilidad de garantizar el acceso a este nivel educacional para toso los y las

chilenos hasta los 21 años de edad, sin discriminación alguna.

En 2005 el Ministerio de Educación creo una Secretaria Técnica de Educación

Sexual, y por primera vez le asigno un presupuesto. El Plan de Educación en Sexualidad

y Afectividad 2005-2010 considera el tema de la Afectividad y la Sexualidad dentro de

los Objetivos Fundamentales Transversales. A nivel del Marco Curricular Obligatorio,

tanto de la Educación Básica (1996), como de la Educación Media (1998), y

posteriormente en las Bases Curriculares para la Educación Parvularia (2002), para lo

cual el Ministerio de Educación incorporo una serie de objetivos y contenidos

específicos a desarrollarse en las asignaturas y a nivel transversal y que consideran

aspectos del crecimiento y la formación personal, del desarrollo del pensamiento, de la

formación ética, de la persona y su entorno.

La incorporación de objetivos y contenidos explícitos en las asignaturas se esta

haciendo de manera gradual a lo largo de los ciclos escolares, considerando los

aprendizajes de niños y niñas para un desarrollo sano y pleno de su sexualidad y

afectividad.

En Argentina, según el último Censo Nacional, la población adolescente alcanza

el 20,5% del total, cifra que representa alrededor 7.400.000 personas, con un leve

predominio masculino (50,6%). La mayoría reside en centros urbanos y casi la mitad

vive en ciudades de más de 500.000 habitantes. La tasa de mortalidad es del 0,7 0/00.

Esta cifra representa más de 5.000 muertes anuales. Aunque estas muertes no

constituyen un gran porcentaje de la mortalidad general, la mayoría se relaciona con

conductas de riesgo y por lo tanto, son evitables; no obstante, la solución no solo

compete a las instituciones sanitarias sino también a otros sectores de la sociedad.

En la provincia de Río Negro existe una población de 157.967 adolescentes y

jóvenes cuya franja etárea va desde los 10 hasta los 24 años. Si consideramos la

población adolescente sólo hasta los 19 años es de 112.612, es decir el 20.37% de la

población total.

Estas cifras indican la necesidad urgente de implementar amplias políticas

integrales de atención a este grupo, en el marco de la ley Nº 3097 de " Protección

Integral de los Derechos del Niño y Adolescente " de la provincia de Río Negro.

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 8

Analizados los egresos hospitalarios de adolescentes hasta 19 años se observa que

el 42,02% se atendió por " Embarazo, parto y puerperio" (se incluye el aborto

espontáneo o no especificado) y la segunda causa en un 15,1% es por " Traumatismos,

envenenamientos y algunas otras consecuencias de causas externas" este último

trastornos generalmente tiene que ver con accidentes.

A diciembre de 2005 había 1.671 casos de VIH/sida registrados en el país en

personas de 13 a 19 años, con una razón hombre/mujer de 1,96:1 en diagnosticados de

sida y de 0,8:1 en VIH positivos.

Tasa de prevalencia de VIH en embarazadas entre 15 y 24 años: año

2000 0,64%, y año 2003 0,39%.

Tasa de prevalencia de uso de preservativos en jóvenes de 15 a 24 años

en el año 2003: 61,0%. Datos estadísticos en Salud Sexual y Procreación Responsable, (fuente Ministerio de

Salud de la Nación)

De los adolescentes de 14 a 19 años de edad, 61,4% manifestaron haber tenido

relaciones sexuales al menos una vez en la vida (68,4% de los hombres y 54% de las

mujeres).

La media de edad de la primera relación es de 15 años (15,1 en las mujeres y 14,8

en los hombres). El 73,3% de los adolescentes utilizaron preservativo en la primera

relación (11).

No obstante solo el 60% de los adolescentes que mantienen relaciones sexuales

suele llevar consigo el preservativo.

En 2004, se produjeron cinco defunciones en adolescentes de 10 a 14 años por

problemas relacionados con el parto y 24 en el grupo de 15 a 19 años; el número de

nacidos vivos de madres de 10 a 14 años fue de 2.629 y de 103.809 en el grupo de 15 a

19 años. De los nacidos vivos en 2004, 14,6% tenían madres menores de 20 años.

Edad promedio del primer embarazo en adolescentes és de 16,5 años (promedio

extraído entre las adolescentes que llegan al parto a término) - (Fuente: CEDES, 2004).

El 70% de los/las adolescentes antes de su primera relación sexual habían

consumido alcohol y/o otras drogas.

El nivel de escolaridad genera una gran diferencia en la utilización de métodos por

parte de los/las adolescentes. Con menos de 10 años de escolaridad lo utilizaron el

55,7% de los/las adolescentes y con mas de 10 años la tasa de uso se eleva a 67,9%. En

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el citado estudio del CEDES el 46,3% de las adolescentes estaban fuera del sistema

escolar en el momento de embarazarse (Furnte: CEDES 2004).

Cerca del 95% de las adolescentes embarazadas declaran tener la intención de

utilizar métodos anticonceptivos en el futuro.- Solamente al 32% de las adolescentes en

el post parto inmediato, se las instruyó sobre la utilización de anticoncepción en el

futuro (Fuente: CEDES, 2004).

La Tasa de fecundidad adolescente (entre 10 y 19 años) en 2005 fuy de 31,92 por

mil e entre 15 y 19 años de 63,07 por mil. Comparando estos datos (entre 15 y 19 anos)

con la América Latina (en 2002) en Bolivia: 84 por mil; en Brasil: 86 por mil; en

Paraguay: 107 por mil; en Honduras: 136 por mil.

En Argentina, 24,8% de las adolescentes reitera el embarazo antes de cumplir los

20 años, de las cuales el 19,18% tiene un 2º parto; 3,68% un 3º parto; 0,54% un 4º

parto; 0,11 % 5 o mas partos. En 2005 registaranse 107109 madres adolescentes, 82156

primer parto, 19456 segundo parto, 3559 tercer parto, 492 cuato parto, 106 quinto parto

y mas.

Para Portugal referimos os dados do HBSC/ OMS (Health Behaviour in School-

aged Children) que é um estudo colaborativo da Organização Mundial de Saúde e

pretende estudar os estilos de vida dos adolescentes e os seus comportamentos nos

vários cenários das suas vidas, designadamente os comportamentos sexuais e os

conhecimentos, crenças e atitudes face ao VIH/SIDA. Portugal realizou 3 estudos

nacionais em 1998, 2002, 2006 (resultados disponíveis em

www.fmh.utl.pt/aventurasocial).

O instrumento de avaliação utilizado foi o adoptado no estudo Health Behaviour

in School-aged Children (Currie, Hurrelmann, Settertobulte, Smith, & Todd, 2000).

A amostra nacional do estudo HBSC de 2006, é constituída por 4877

adolescentes, dos quais 49,6% são rapazes e 50,4% raparigas, com uma média de idades

de 14 anos (DP=1.89). A maioria dos adolescentes é de nacionalidade Portuguesa

(96.8%), sendo os restantes dos países CPLP (Comunidade dos Países de Língua

Portuguesa), em geral de ascendência Africana ou Brasileira, e apresenta um baixo

estatuto socioeconómico 69.7%, estimado pela profissão do pai numa escala de 5

pontos.

No que diz respeito ao ano de escolaridade, 31,7% frequentam o 6º ano, 35,7%

frequentam o 8º ano e 32,6% frequentam o 10º ano, de 136 escolas públicas

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 10

seleccionadas aleatóreamente e estão distribuídos proporcionalmente pelas 5 regiões

educativas do Continente (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve).

A amostra foi aleatória e tem representatividade nacional para os jovens que

frequentam estes graus de ensino, no ensino oficial (Matos et al., 2006). A taxa de

resposta das escolas foi de 92% (87% para as turmas e alunos).

Comportamentos Sexuais:

Considerando neste estudo específico apenas os alunos do 8º e 10º anos

(N=3331), a maioria dos jovens afirma que ainda não teve relações sexuais (77.3%). Os

22.7% dos jovens que referem já ter iniciado a sua vida sexual 27.4% são rapazes e

18.6% são raparigas.

Diferenças entre género no grupo que referiu já ter tido relações sexuais

Observou-se que 699 jovens já tinham iniciado a sua vida sexual.

Destes, 71.1% referem ter tido a sua primeira relação sexual aos 14 anos ou mais

tarde, 87.8% usou contracepção na última relação sexual, designadamente o

preservativo (94%).

Os resultados mostraram que, apesar de quer a maioria de rapazes (51.3%) quer de

raparigas (82%) ter tido a primeira relação sexual aos 14 aos ou mais tarde, os rapazes

(24.6%) mais frequentemente que as raparigas (12.3%) iniciaram entre os 12 e os 13

anos; e as raparigas (83.4%) mais frequentemente que os rapazes (61%) aos 14 anos ou

mais tarde.

Quanto à utilização ou não de método contraceptivo na última relação sexual,

rapazes (77.3%) e raparigas (98.5%) usaram-no mas, os rapazes (22.7%) não usaram

mais frequentemente que as raparigas (1.5%).

Relativamente à escolha do método contraceptivo na última relação sexual,

rapazes (93.6%) e raparigas (94.8%) optaram pelo preservativo. No entanto, as

raparigas (55.1%) optaram pela pílula mais frequentemente que os rapazes (36.8%) e os

rapazes (6.5%) mais frequentemente optaram pelo espermicida, que as raparigas (0.8%)

optaram pelo espermicida.

No que diz respeito às relações sexuais associadas ao consumo de álcool ou

drogas existem mais rapazes (17.1%) do que raparigas (10.4%) a referir que já tiveram

relações sexuais associadas ao consumo de álcool ou drogas.

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Mais de metade dos alunos refere pensar que a maioria dos jovens da sua idade

ainda não teve relações sexuais (55.1%) e considerar que os jovens costumam iniciar a

sua vida sexual com 14 anos ou mais (80.2%).

A maior parte refere que quando os jovens têm relações sexuais é o porque os dois

decidiram que é a altura (57.2%), mais raparigas do que rapazes refere uma decisão em

comum acordo, (61.2%) e sendo menos frequente um deles sentir-se pressionado (neste

caso mais frequentemente é a jovem que se sente pressionada).

Quanto às razões porque se inicia a vida sexual referem que querem experimentar

(53.4%) e que estão apaixonados (49.9%).

As principais razões apresentadas para o uso do preservativo são evitar a gravidez

(80.9%) e a transmissão do VIH/SIDA (73.3%) e de outras IST’s (74.6%).

A maioria dos inquiridos refere que se sentiria à vontade para conversar com o

parceiro sobre o uso de preservativo (75%), convencer o parceiro a usar preservativo

(76.5%), recusar ter relações sem preservativo (69.8%) e recusar ter relações se não

quisesse (75.4%).

Os rapazes referem mais frequentemente que os jovens da sua idade não tiveram

relações sexuais (58.9%) e que têm a primeira relação sexual porque querem

experimentar (56.5%). As raparigas referem mais frequentemente que quando os jovens

têm relações sexuais, decidem os dois quando acham que é a melhor altura (61.2%), que

têm a primeira relação sexual porque estão muito apaixonados (54.2%) e porque

namoram há muito tempo (34.1%).

Quando questionadas sobre as razões para o uso do preservativo, as raparigas

referem mais frequentemente que serve para evitar IST’s (78.2%) e o VIH/SIDA

(74.8%).

As raparigas referem que se sentem à vontade para recusar ter relações sexuais se

não quiserem (83%) e recusar ter relações sexuais sem o uso do preservativo (76.6%),

no entanto sentem-se pouco à vontade para convencer o parceiro a usar o preservativo

(12.1%).

A maioria dos jovens que frequentam o 8º e 10ºanos de escolaridade refere que a

educação sexual serve para ajudar a ter mais informação (81.8%) e tirar as dúvidas

(53.9%). Estes jovens referem que se sentem à vontade para falar de educação sexual

com os amigos (85.4%) e colegas (69.9%), e pouco à vontade com os pais (61.5%) e

professores (73.3%).

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As raparigas referem mais frequentemente que a educação sexual serve para ter

mais informação (83.4%) e tirar dúvidas que tenham (59.5%) do que os rapazes (80.1%

e 47.6%, respectivamente).

Quando questionadas sobre como se sentem a falar de educação sexual, as

raparigas referem mais frequentemente que os rapazes que se sentem pouco à vontade

para falar com os professores (75.3%) e pais (65.3%). Os rapazes mencionam mais

frequentemente que as raparigas que se sentem à vontade para falar com os amigos

(87.5%) e colegas (77.2%).

Discussão

O presente trabalho tem como objectivos centrais analisar a importância da

educação sexual e os comportamentos sexuais de risco dos adolescentes portugueses,

designadamente caracterizar os comportamentos sexuais.

A partilha de informação adequada sobre sexualidade pode contribuir para que os

adolescentes façam escolhas mais seguras em relação ao seu comportamento sexual

(Matos et al., 2003; Matos, 2008).

Tendo em conta os resultados obtidos no estudo HBSC 2006, os rapazes são

aqueles que dizem ter mais facilidade para falar sobre educação sexual com os amigos,

com os pais e com os professores. Por ordem de preferência, os adolescentes escolhem

em primeiro lugar os amigos, depois os colegas, os pais e por último os professores.

Alguns estudos sugerem que muitos pais mencionam precisar de ajuda, quando se

trata de falar sobre sexualidade, pois não sabem o que dizer (Albert, 2007). Outros pais

admitem não ter muitos conhecimentos teóricos sobre este tipo de assunto (Eisenberg,

Bearinger, Sieving, Swain, & Resnick, 2004).

A influência dos pares determina as escolhas dos adolescentes no que diz respeito

ao comportamento sexual, à contracepção e ao uso do preservativo (Kirby, 2001). A

percepção da idade de início das relações sexuais dos pares pode ser um factor

importante a ter em conta, dada a importância da influência do comportamento dos

outros.

Na comparação do estudo HBSC em Portugal entre 2002 e 2006, não se verifica

uma diminuição na idade de início das relações sexuais (em média 14 anos para os que

já iniciaram), nem um aumento na percentagem de adolescentes que já iniciaram a sua

vida sexual (mantem-se um pouco menos de um quinto dos jovens, se incluirmos o

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grupo dos mais novos- 6º ano, ou um pouco mais de um quinto se excluirmos os mais

novos – 6º ano).

Neste cenário de estabilidade desde 2002, regista-se uma grande diminuição dos

adolescentes sexualmente activos que não usam preservativo nas relações sexuais (agora

menos de um quinto não utilizaram preservativo na última relação sexual). Este dado

embora preocupante, porque aponta para um quinto de jovens em risco de poder vir a ter

uma gravidez não desejada e / ou uma IST, indica uma melhoria significativa em

relação aos dados de 2002 (Matos, 2008).

Analisando os resultados deste estudo nacional verificamos que existem

múltiplos factores de risco e protecção que determinam ou não os comportamentos

sexuais de risco dos adolescentes. São vários os autores que referem a necessidade de

realizar a prevenção dos comportamentos sexuais de risco o mais cedo possível, uma

vez que vários estudos mostram que o envolvimento em comportamentos de risco

aumenta com a idade (Matos et al., 2000; Matos et al., 2003; Matos, 2005; Matos et al.,

2006; Matos, 2008).

Deve-se salientar ainda que qualquer trabalho preventivo de acção directa sobre o

indivíduo deve abordar os seus contextos de vida e envolver os seus intervenientes, no

sentido de se obter uma diminuição do risco e uma activação dos recursos de apoio.

Outros aspectos fundamentais a ter em conta no campo da prevenção do comportamento

sexual de risco é a criação de alternativas saudáveis e atractivas para o preenchimento

de tempos livres, bem como a organização de espaços de orientação e de apoio aos

adolescentes.

A implementação de acções que visem a promoção de competências pessoais e

sociais e, simultaneamente, a passagem de informação sobre os comportamentos de

risco e suas consequências (quer devido à falta de conhecimento de alguns jovens, quer

devido à existência de concepções incorrectas) parece um aspecto importante neste

campo.

Envolver os pais, os professores e os pares poderá ser determinante na protecção

para o envolvimento em comportamentos sexuais de risco, uma vez que constituem

elementos fundamentais na vida dos adolescentes. Sendo assim, é indispensável que

sejam criadas condições para uma maior implicação das famílias na educação e relação

com a escola, que os professores aumentem o seu campo de competências e intervenção

e que os amigos tenham um papel mais activo em contexto educativo (Reis, 2003;

Ramiro, & Matos, 2008; GTES, 2005, 2007, 2007a), em especial para as quatro áreas da

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 14

saúde dos adolescentes, consideradas prioritárias, que incluem a prevenção dos

comportamnetos sexuais de risco e das IST’s, VIH e SIDA.

Neste trabalho e preparando a discussão, inserimos alguns dados de dois países da

América Latina: Chile e Argentina.

As preocupações no que diz respeito à Educação Sexual são as mesmas. Os

problemas da sua introdução com carácter obrigatório no Sistema de Ensino Público são

também os mesmos.

Realça-se no entanto na América Latina uma conjuntura perturbante e mais

quotidiana do que em Portugal: a gravidez (e multi-gravidez) na adolescência, sobretudo

associada a situações de pobreza e fraca escolarização (e servindo para as agravar e

perpetuar) e ocasionando frequentemente situações de monoparentalidade, a violência

de género na adolescência, (que suscita mesmo programas de prevenção a nível do

namoro), e o abuso sexual de adolescentes, muitas vezes por parte de pessoas do seu

agregado familiar, conferindo contornos complexos à intervenção profissional na área

da saúde sexual e reprodutiva.

Referências

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I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 17

W2

ESTRATÉGIAS E DESAFIOS DA AVALIAÇÃO DA HISTÓRIA DE MAUS-TRATOS E TRAUMA EM CONTEXTOS DE SAÚDE

Angela Maia ([email protected]) Professora Auxiliar do Departamento de Psicologia da Universidade do Minho A investigação tem mostrado que as experiências de abuso e negligência na infância não são raras, e que as pessoas com história de vida mais adversas têm mais psicopatologia, avaliam a sua saúde de forma mais negativa, têm mais comportamentos de risco para a saúde e mais queixas físicas e utilizam mais os serviços médicos. A exposição a adversidade na idade adulta dá origem a padrões semelhantes, sabendo-se, por exemplo, que cerca de 32 % das utentes dos centros de saúde são vítimas de violência doméstica e que após experiências potencialmente traumáticas aumenta a utilização dos recursos de saúde. Neste workshop abordaremos as estratégias para avaliar a história de maus-tratos e a exposição a trauma e os desafios que se colocam nesta avaliação, e salienta-se a necessidade de planear formas de intervenção que tenham em conta a história de vida da pessoa. Considerando que a exposição a diferentes formas de maltrato é um problema de saúde pública, reflecte-se sobre o papel do psicólogo da saúde para a sua prevenção e sobre as questões éticas envolvidas.

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 18

W3

LUTO ANTECIPATÓRIOAS EXPERIÊNCIAS PESSOAIS, FAMILIARES E SOCIAIS DIANTE DE UMA MORTE ANUNCIADA

José Paulo da Fonseca ([email protected]) PUC/SP O Luto Antecipatório ocorre antes da perda real e pode apresentar as mesmas características e sintomatologias do enlutamento normal – o que ocorre após a morte -. Ele é influenciado por três processos interrelacionados: intrapsíquicos individuais; interacionais com o paciente em fase avançada de doença ou terminal; familiares e sociais. Podemos viver vários tipos de luto: o individual, o familiar e o sociocultural. O processo de enlutamento antecipatório inclui fases tais como: choque, negação, ambivalência, revolta, negociação, depressão e aceitação/adaptação. Neste trabalho o autor descreve e analisa o Luto Antecipatório por meio do acompanhamento psicoterapêutico longitudinal e processual domiciliário de famílias que vivenciam uma morte anunciada. O autor acompanha e analisa os processos de enlutamento individuais de cada componente da família e desta como uma entidade sistemicamente constituída. Palavras-chave: Luto Antecipatório, Psicoterapia Domiciliária, Luto Familiar, Família Sistêmica.

I – INTRODUÇÃO

A família, vista aqui sob a ótica sistêmica de acordo com a proposta de

Bertalanffy (1973) na sua Teoria Geral dos Sistemas, participa intensamente da dor

quando um de seus integrantes adoece gravemente. O diagnóstico de uma doença

crônica, segundo McDaniel, Hepwort & Doherty (1994) gera uma crise para a qual a

família não está preparada, principalmente com relação às mudanças físicas,

psicológicas e sociais assim como para os períodos alternados de estabilidade e crise e

também as incertezas quanto ao funcionamento futuro decorrentes. Uma doença grave

exige novos modos de enfrentamento, mudanças de postura tanto do paciente como de

sua família, que sofrem múltiplas perdas, períodos longos de adaptação e interações

freqüentes com o sistema de saúde. Como unidade de cuidados, a família necessita

mobilizar-se diante da iminência da perda de um de seus membros de modo a preparar-

se para as mudanças decorrentes de uma situação como esta. O sofrimento é uma reação

universal à perda de uma figura de vínculo, mesmo que as manifestações desse

sofrimento sejam culturalmente determinadas, afirma Bowlby (1990).

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 19

Acredito que, quanto melhor a família estiver preparada, do ponto de vista

cognitivo e emocional, melhor enfrentará uma situação de perda iminente. O

acompanhamento psicoterapêutico domiciliário à família com paciente oncológico em

estágio avançado pode ser um processo de preparação para a perda iminente que a

auxilia em sua dinâmica para o atingimento de uma nova fase em seu ciclo vital. Esta

preparação, contudo, não implica a eliminação do impacto da perda no momento em

que esta ocorre concretamente. Ela pode auxiliar no período pós-morte, evitando, assim,

a possibilidade da ocorrência de um luto patológico ou complicado

O Luto Antecipatório, definido por Worden (1998) como aquele que ocorre antes

da perda real e tem as mesmas características e sintomatologia do processo de luto

normal, ou seja, aquele que ocorre pós-morte, pode ser influenciado tanto por fatores

intrapsíquicos como interpsíquicos, por fatores culturais e sociais. Cada pessoa, então,

vivencia o seu luto pessoal assim como também o luto familiar e social.

A partir de 1994 tenho participado de uma atividade de atendimento

psicoterapêutico domiciliário a famílias que possuem um de seus integrantes

diagnosticado com câncer em estágio avançado. Este atendimento inclui o sistema

familiar como um todo ou de acordo com os subsistemas existentes (conjugal, parental,

fraternal, dentre outros) e suas necessidades, sendo que o locus terapêutico inclui não

apenas o domicílio familiar mas também o hospital ou o local onde o familiar esteja

hospedado ou internado.

Neste enfoque é que busco acompanhar as famílias citadas, participando, na

medida do possível, de sua dinâmica e assessorando-as em suas necessidades

psicológicas de modo a possibilitar a elas uma experiência de Luto Antecipatório a mais

resolutiva e adaptativa possível.

II – ESTABELECIMENTO DE VÍNCULOS SEGUNDO A TEORIA DO APEGO

DE JOHN BOWLBY

De acordo com Bromberg (1996), a morte vem sempre acompanhada por um

processo de luto, quando existem vínculos. Para Bowlby (1982, 1990), em geral é a mãe

biológica que se torna a principal figura de apego do bebê. Contudo, salienta que uma

figura subsidiária que trata a criança de forma maternal pode tornar-se sua figura

principal de apego. Por forma maternal entenda-se a atitude de manter uma interação

social ativa com a criança, respondendo prontamente a seus sinais e abordagens. A

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 20

criança busca companhia para brincar quando está tranqüila e confiante por saber que

sua figura de apego está por perto.

De acordo com Bowlby (1982), há uma propensão nos seres humanos para

estabelecer fortes vínculos afetivos com alguns outros indivíduos. Ele define o

comportamento de apego como qualquer forma de comportamento que resulta em que

uma pessoa alcance ou mantenha a proximidade com algum outro indivíduo

diferenciado e preferido, o qual usualmente é considerado mais forte e mais sábio. Por

meio de dados coletados por Bowlby (1990), foi possível constatar que uma criança

procura sua figura de apego quando está cansada, doente, faminta ou alarmada e

também quando se sente insegura porque a mãe não está por perto. Por outro lado, a

criança procura uma companhia para brincar quando está tranqüila e confiante porque

sua mãe está por perto ou porque sabe onde esta se encontra.

A qualidade do vínculo estabelecido primariamente num indivíduo determinará

seus vínculos futuros e os recursos disponíveis para enfrentamento e elaboração de

rompimentos e perdas. Para Bowlby (1990), o sofrimento é uma reação universal à

perda de uma figura de vínculo, mesmo que as manifestações desse sofrimento sejam

culturalmente determinadas.

É importante observarmos que alguns sintomas encontrados nas reações de luto

podem manifestar-se baseados na forma como os vínculos primários foram

estabelecidos: seguros ou inseguros.

III – FAMÍLIA NUMA ÓTICA SISTÊMICA – PERDAS E LUTOS

Foi a partir da Teoria Geral dos Sistemas, desenvolvida por Ludwig Von

Bertalanffy (1973) na década de 40 e da Teoria da Comunicação desenvolvida

principalmente por Watzlawick, Beavin e Jackson (1967) que surgiram várias escolas de

psicoterapia familiar. Bertalanffy definiu sistema como um conjunto de objetos com

relação entre eles e seus atributos. Os objetos são as partes que compõem o sistema. Os

atributos são as propriedades dos objetos e é por meio de suas relações que o sistema se

mantém integrado.

A concepção sistêmica da vida baseia-se na consciência do estado de inter-relação

e interdependência essencial de todos os fenômenos: físicos, biológicos, psicológicos,

sociais e culturais.

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 21

A Teoria Geral dos Sistemas considera que o meio-ambiente é um sistema vivo,

capaz de adaptação e evolução. Assim, o foco transfere-se da evolução de um

organismo para a co-evolução de organismo mais meio-ambiente. Nas interações com o

meio-ambiente há uma contínua permuta e influência mútua entre o mundo exterior e o

mundo interior.

A família é considerada um sistema vivo composto por vários subsistemas, como

por exemplo o subsistema filiarcal – englobando os filhos enquanto no papel de filhos -,

o subsistema conjugal - englobando o casal marido/esposa - , o subsistema fraternal –

englobando os irmãos enquanto desempenhando este papel - , dentre outros.

A idéia básica da psicoterapia familiar num enfoque sistêmico é que o “doente”,

ou membro sintomático é apenas um representante circunstancial de alguma disfunção

do sistema familiar.

A psicoterapia familiar sistêmica, sob suas diversas formas, tem sempre como

finalidade a busca de um funcionamento mais adequado a todo o grupo, possuindo,

então, objetivos limitados e circunscritos. O psicoterapeuta lida com uma múltipla

leitura de um mesmo material: a primeira, refere-se ao contexto grupal, o

funcionamento intragrupo. Uma segunda leitura ocorre a respeito do material

individual, intrapsíquico, em suas diversas manifestações. Uma terceira leitura é a

respeito das relações intergrupos, os procedimentos habituais, os padrões característicos

das trocas entre aquela família e o ecossistema.

Richter (1970) especificou os vários métodos de psicoterapia familiar:

a) Psicoterapia Conjunta: vários membros de uma família numa sessão coletiva com

um ou mais psicoterapeutas.

b) Psicoterapia Concorrente: o mesmo psicoterapeuta trabalha separadamente com um

ou vários membros em sessões separadas.

c) Psicoterapia em Colaboração: os familiares são atendidos separadamente por

psicoterapeutas distintos, que procuram desenvolver um trabalho integrado através

de reuniões e contatos sistemáticos entre a equipe psicoterapêutica.

d) Psicoterapia de Casal: tem um enquadre específico pois nestes casos trabalha-se

com o conflito na relação marido-esposa, lidando, portanto, com papéis específicos.

e) Psicoterapia com Atendimento Individual: trata-se do atendimento individualizado

de um dos elementos da família dentro do enfoque específico do papel que aquele

elemento desempenha dentro do sistema familiar.

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 22

No paradigma sistêmico de psicoterapia familiar, cabe ao psicoterapeuta optar

pelo tipo de intervenção e com que sistema ou subsistemas atuar e em que momento, de

acordo também com a escola que este tenha como orientação.

No que tange à saúde, na perspectiva cartesiana, o corpo é visto como

independente do psiquismo ou mesmo do ambiente. A medicina ortodoxa vê o corpo

humano como uma máquina, podendo inclusive dissecar suas partes para analisá-las

para um melhor desempenho (Ball, 1998; Zuma, 1995). Atualmente vivemos a era da

pós-modernidade na qual corpo, mente e ambiente são vistos de uma forma integrada,

holística, interferindo, consequentemente, uns nos outros e todos no seu conjunto

(Vasconcellos, 1995; Souza, 1985). Fica cada dia mais evidente que o caminho é

examinar a totalidade do quadro onde há uma doença ou uma perda e encontrar modos

de ajustar o meio-ambiente para que este quadro tenha outra resolutiva que se mostre

mais saudável para o indivíduo e para a sua família.

Para Lindemann (1944), a ameaça de morte ou separação pode, por si própria,

iniciar uma reação de enlutamento. Uma perda pode levar a família a acionar uma série

de atitudes, dependendo de seus valores e crenças, que variam desde apatia e

passividade até a uma exagerada preocupação e movimentação à busca dos recursos os

mais variados (Hellman, 1994).

Quando falamos de perdas, é importante ressaltar aquelas perdas que ocorrem no

ciclo de vida familiar, tais como: separações entre vivos, doença como uma parte da

pessoa que morre, o próprio desenvolvimento humano como formas de evolução e

morte, morte psíquica (perda da consciência), amputações, dentre outras. Por isso falar

em morte significa falar em perda, mas falar em perda não necessariamente refere-se à

morte em questão. Podemos perder qualquer coisa ou qualquer pessoa querida, seja em

vida ou pela própria morte em si e consequentemente sofrer todos os processos

inerentes a ela.

Para Bromberg (1996), luto é entendido como uma crise pois há um desequilíbrio

entre a quantidade de ajustamento necessário de uma única vez e os recursos

imediatamente disponíveis para lidar com eles. Isto ocorre porque o impacto da morte

provoca uma demanda sistêmica sobre a família, de ordem emocional e relacional.

Geralmente esta demanda é superior àquilo que a família pode dar conta.

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 23

O luto inclui uma série de respostas psicológicas, fisiológicas, sociais e

comportamentais que acompanham a consciência humana.

Algumas manifestações fisiológicas do luto normal de acordo com Worden (1998)

citando Lindemann (1944) são: vazio no estômago, aperto no peito, nó na garganta,

hipersensibilidade ao barulho, sensação de despersonalização, falta de ar, respiração

curta, fraqueza muscular, falta de energia, boca seca. Outras reações fisiológicas que

podem ocorrer são: descarga autonômica (gastrintestinal, cardiovascular, respiratória,

neuromuscular), insônia, agitação, anorexia.

Baseado em Lindemann (1944), Kubler-Ross (1969), Pincus (1989), Bowlby

(1998), Worden (1998) e Rando (1986, 2000) elaborei um quadro relacionado ao

processo do Luto. As fases deste processo podem ocorrer simultaneamente, apesar delas

estarem aqui apresentadas numa ordem seqüencial. Considere-se também que este

processo não é universal, mas sim determinado culturalmente:

1) Choque: a pessoa sofre um abalo seguido de desespero e/ou atordoamento,

entorpecimento, confusão, podendo gerar reações que variam entre a apatia e a

agitação/superatividade.

2) Negação: descrença, tentativa automática de continuar a viver como antes, como se

nada tivesse ocorrido; incapacidade de aceitar a realidade da perda. Pode ocorrer

isolamento, momento em que a pessoa fica ensimesmada, calada, quieta, reflexiva.

Entenda-se a negação, nesta fase, como um mecanismo de defesa que fortalece a

pessoa para poder dar continuidade à vida.

3) Ambivalência: ambivalência entre a aceitação da perda e sentimentos de negação.

4) Revolta: ressentimento; raiva; protestos dirigidos a si mesmo, a situações, a outrem

ou a Deus. Podem ocorrer sentimentos de culpa e auto-recriminação quanto ao que

foi ou não dito, foi ou não feito.

5) Negociação: tentativa de algum tipo de acordo, geralmente com Deus. Nesta fase, a

fé e a esperança são fortemente evocadas por meio de crenças religiosas.

6) Depressão: tristeza profunda, abatimento físico ou moral, desolação, apatia. Pode

ocorrer a identificação e o lamento de perdas secundárias.

7) Aceitação e Adaptação: aceitação da realidade da perda e das mudanças daí

decorrentes; elaboração da dor da perda; recuperação e reorganização; ajuste a um

ambiente onde uma pessoa falta; reposicionamento emocional quanto à pessoa que

se perdeu e continuidade à vida; reajuste para se mover adaptativamente ao novo

mundo sem esquecer o velho; sensação de alívio.

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 24

Passar por estes processos logo quando temos a informação da perda, pode ser

denominado de luto normal. Não passar por estes processos no tempo certo ou não se

permitir passar por eles, pode causar danos futuros com prejuízos bem maiores que o

próprio luto no momento exato em que precisa ser vivido. Nestes casos, ocorrerá o luto

complicado ou patológico, de acordo com Bromberg (1994). Para a autora, podem

ocorrer três tipos de reações anormais de luto:

a) Luto Crônico: trata-se do prolongamento indefinido do luto.

b) Luto Adiado: trata-se da não apresentação das fases do luto normal no tempo certo,

ficando estas ‘adiadas’ para outro momento do ciclo vital.

c) Luto Inibido: trata-se da ausência dos sintomas do luto normal. É muito semelhante

ao luto adiado, variando apenas nos graus diferentes de sucesso na defesa psíquica.

Numa família, em diversos momentos de seu ciclo de vida, o impacto causado

pela morte de um de seus elementos provoca reações não apenas em cada indivíduo

isoladamente, mas também no sistema familiar como um todo. As famílias carregam

consigo, então, suas experiências presentes e passadas de perda e as experiências do

presente e do passado de cada um de seus membros, tanto com relação a perdas por

morte como perdas naturais do ciclo de vida; tanto a nível concreto e objetivo como a

nível simbólico e subjetivo. Estas situações tornam-se parte da história de vida da

família e de seus componentes e influenciam suas expectativas e formas de

enfrentamento.

As famílias vivem diversos processos de luto: o luto pessoal de cada indivíduo, o

luto pela mudança na dinâmica familiar, o luto pela futura perda concreta. Este último

caracteriza o Luto Antecipatório.

Morte súbita ou repentina, ou seja, aquela que acontece inesperadamente, é um

fenômeno desencadeador de reações para as quais as pessoas não estão preparadas e,

portanto, podem causar impactos e conseqüências, tanto imediatas quanto posteriores,

mais devastadoras do que aquelas causadas por uma morte “anunciada”1 .

1 Refiro-me a ‘anunciada’ quando queremos indicar aquela morte previamente identificável por meio da presença de um conjunto de sinais e sintomas, como no caso de doenças terminais.

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 25

IV – ATENDIMENTO PSICOTERAPÊUTICO DOMICILIÁRIO

À medida que o tratamento transfere-se para o domicílio do paciente, acaba por

interferir sobremaneira na dinâmica de funcionamento do sistema familiar. Desta forma,

a família precisa de um apoio diferenciado para poder conviver com o seu doente de

modo a estressar-se o menos possível do ponto de vista emocional e social. O contexto

familiar assume um novo protagonismo onde a figura do cuidador torna-se relevante.

A assistência domiciliária psicoterapêutica tem como principal objetivo a

promoção de melhoria da qualidade de vida dos indivíduos em seus lares.

O psicólogo, juntamente com outros profissionais da saúde podem formar, então,

uma equipe interdisciplinar para cuidar de um paciente e seus familiares no domicílio.

Por causa de objetivos determinados, o psicoterapeuta familiar, no domicílio, deverá

concentrar-se na realidade atual dos pacientes. Nos casos de famílias com pacientes

terminais, por exemplo, o psicólogo poderá assisti-los na sua experiência de sofrimento,

de elaboração ou enfrentamento de perdas, até às adaptações e reconstruções de vida.

No atendimento domiciliário psicológico, o locus terapêutico transfere-se do

consultório para o lar do paciente ou para o local onde ele esteja internado ou

hospedado. Com isto, o psicoterapeuta, como um agente observador ativo que interfere

e recebe a interferência das famílias, necessita efetuar uma série de adaptações em sua

atuação de modo a se contextualizar não apenas ao novo locus onde ocorrerá o

tratamento, mas também ao contexto cultural, de valores e crenças da família à qual se

insere para acompanhar e tratar.

Nos casos de doenças crônicas e terminais, é importante considerar que não existe

um modo correto e único de lamentar ou de lidar com a perda. Não existe também uma

estratégia clínica correta e única para se utilizar com as famílias que experienciam uma

doença terminal. Nestes casos, o psicoterapeuta precisa ajudar as famílias a identificar

suas preocupações, compartilhar aspectos sobre as situações circunstanciais e vitais de

modo honesto, tomar decisões e apoiarem uns aos outros, enfrentar a inevitabilidade da

morte. Precisa também ajudar o paciente moribundo a lidar com situações tais como

projetos de vida em andamento, preocupações práticas e emocionais inacabadas, rituais,

dentre outros (McDaniel; Hepworth & Doherty, 1994).

V – LUTO ANTECIPATÓRIO

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 26

No meu ponto de vista, é inegável a existência de um processo cognitivo,

emocional e comportamental experimentado tanto intrapsíquica quanto

interpsiquicamente a partir do momento em que uma pessoa é informada sobre um

diagnóstico de doença em estágio avançado num membro de sua família. Tanto o

indivíduo quanto o seu sistema familiar e social sofrem os sentimentos relacionados à

dor da notícia e da perda iminente que se avizinha. A este conjunto de sentimentos

podemos denominar de luto. Contudo, trata-se de um luto que ocorre ainda quando o

doente encontra-se vivo. A esse luto denominamos Antecipatório, como uma forma de

diferenciá-lo do luto vivido pós-morte.

Para Rando (1986), o Luto Antecipatório diferencia-se do luto pós-morte quando

se discute este fenômeno pelo seu caráter psicossocial. As características que envolvem

as pessoas que enfrentam uma doença terminal influem na natureza do luto vivido neste

período. Um exemplo disto é a ambivalência de sentimentos dos familiares que é

deslocada ao paciente que ainda vive, gerando reações de negação e culpa em ambas as

partes. Outro exemplo é a esperança, que sempre estará presente enquanto o paciente

estiver vivo. Devemos considerar também que a resolução e elaboração do Luto

Antecipatório não implica em desligamento do vínculo e afastamento da pessoa amada,

como ocorre no luto pós-morte. A experiência do Luto Antecipatório é

multidimensional na medida em que pode ser definida a partir da perspectiva do

paciente e da família e sofre a influência de três aspectos: fisiológico, psicológico e

social. As perdas que envolvem o Luto Antecipatório são aquelas relacionadas à

progressiva ameaça de morte como, por exemplo, a perda de um projeto de vida,

aumento da dependência e da incerteza, debilidade física, diminuição do controle sobre

a doença, perda da identidade, perda de papéis, dentre outros. O aspecto fundamental do

Luto Antecipatório, então, é relacionado àquilo que está sendo perdido: o futuro que

está sendo antecipadamente destruído, o que gera uma alteração brusca no estilo de

vida.

Para Rando (1986), o Luto Antecipatório experimentado durante o período

terminal, antes de ser apenas um fenômeno psicológico e intrapsíquico, é um fenômeno

interacional que envolve a família, o paciente, os amigos e a equipe de saúde. Daí, a

autora concebe que a natureza e o processo do Luto Antecipatório envolvem três

processos interrelacionados:

1) Processos Intrapsíquicos Individuais

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 27

a) Consciência da ameaça de morte: ter consciência quanto à gravidade da doença e

suas implicações, perceber que a recuperação e a estabilização do quadro clínico não

são mais possíveis; imaginar a morte e suas conseqüências; familiarizar-se com o

papel de enlutado nesta fase antecipatória.

b) Processos Cognitivos: experimentar o gradativo aumento de preocupação e

inquietude com o doente; iniciar a incorporação gradativa de mudanças na própria

identidade, nos papéis que desempenha, nas expectativas quanto à realidade, nas

crenças e suposições acerca do futuro; preparar-se para a realidade que se aproxima,

quando faltará uma pessoa em sua vida; rever coisas do passado e atender o presente

para que se cristalize a memória que se manterá após a morte; recordar perdas

anteriores, lutos e períodos de vulnerabilidade; refletir sobre sua própria morte;

desenvolver um modo de lidar com o tempo que resta do doente.

c) Processos Afetivos: enfrentar o estresse e as reações emocionais da situação com as

demandas incompatíveis da doença terminal; vivenciar as reações emocionais

decorrentes do processo de enlutamento e as reações decorrentes de perdas vividas

anteriormente; lidar com a ansiedade da separação e o medo eliciado pela ameaça

permanente de perda; efetuar o gradual desligamento da imagem da pessoa doente

como alguém sem um futuro; reconhecer-se separado do paciente e aprender a

tolerar a consciência de que ele irá morrer, enquanto que o enlutado continuará a

existir.

d) Planejamento do Futuro: assumir que o futuro será sem a pessoa doente e

experimentar as reações associadas a ele; planejar futuras perdas e mudanças

referentes ao período pós-morte; planejar situações práticas que necessitam ser

enfrentadas antes e depois da morte do doente.

2) Processos Interacionais com o Paciente:

a) Direcionar energia, atenção e comportamentos ao paciente: permanecer envolvido

tanto quanto possível com o paciente, evitando afastamentos, promover

comunicação, interação, dignidade; direcionar energia física e emocional no cuidado

com o doente; equilibrar incompatíveis demandas, tais como permanecer junto e

sair; organizar junto com o doente uma escala de prioridades em termos de

necessidades, um plano de atividades.

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 28

b) Resolução da relação pessoal com o paciente: tratar de questões inacabadas com o

paciente de modo a conseguir fechá-las. Podem ser tanto questões práticas como

psicossociais. Pode ser tanto através da comunicação verbal como da expressão de

sentimentos. Enfrentar conflitos do passado, explicar omissões, articular mensagens

importantes, manifestar-se quanto aos desejos, preferências e valores do doente;

comunicar o que o paciente significa ou significou; rever a relação e compartilhar

memórias de experiências comuns; fazer planos com o paciente de modo que estes

possam ser cumpridos após a morte; no tempo e no contexto apropriado, dizer adeus

ao paciente e permitir que ele se vá.

c) Auxiliar o paciente nas suas questões: ajudar o doente a identificar suas necessidades;

atender aos últimos desejos do doente; facilitar uma morte adequada2 ao paciente;

assistir o doente em seu próprio luto antecipatório, auxiliá-lo na resolução de seus

problemas e preocupações específicas; ajudar o doente a fechar questões inacabadas

de modo a que ele possa ter um senso de fechamento e sentimentos de paz,

possibilitando-lhe a capacidade de ir quando o tempo lhe for apropriado; promover

um contexto de consciência aberta; minimizar sofrimento e perdas físicas,

psicológicas e sociais do paciente.

3) Processos Familiares e Sociais

A família precisa aceitar-se sem o paciente ocupando os antigos papéis no sistema

familiar; os enlutados individuais precisam assumir e adaptar-se aos novos papéis e

responsabilidades ocasionadas pela incapacitação do paciente e sua futura ausência; a

família precisa planejar-se quanto ao período pós-morte; dar atenção e vivenciar as

relações extra-familiares; promover uma rede de suporte social com pessoas e

instituições para proporcionar o melhor atendimento possível ao paciente; trabalhar com

religiosos e com o serviço funerário para que tudo esteja de acordo com os desejos do

paciente.

O Luto Antecipatório refere-se, então, a um processo que ocorre em antecipação a

uma morte iminente e inclui as fases de enlutamento referentes ao luto normal. Estou,

2 De acordo com Weisman (1979), a morte adequada é a ausência de sofrimento, a preservação de relações importantes, um período para o luto antecipatório, alívio de conflitos remanescentes, crença no infinito, exercícios de opções e atividades viáveis, consistência com as limitações físicas, tudo dentro dos objetivos do ego ideal de cada um.

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 29

neste momento, adotando a visão do Luto Antecipatório como parte de um processo

sistêmico maior, que é o luto global propriamente dito.

O Luto Antecipatório provê, aos membros da família, de tempo para

gradualmente absorver a realidade de uma perda iminente. Desta forma, torna-se

possível a cada indivíduo finalizar situações incompletas com a pessoa que está por

morrer, quer no nível objetivo e concreto, como, por exemplo, a resolução de situações

do dia-a-dia, situações econômicas, planos de ação, situações administrativas, dentre

outras; quer no nível subjetivo e pessoal, como por exemplo dizer adeus, falar sobre

seus sentimentos, falar sobre assuntos que gostaria de ter abordado anteriormente mas

faltou oportunidade, perdoar ou pedir perdão, dentre outras.

Os psicólogos que trabalham com famílias no Luto Antecipatório precisam

considerar suas próprias experiências e sentimentos sobre a perda. Fatores como a

história transgeracional e familiar de perdas ameaçadas ou reais, crenças sobre a saúde e

o estágio atual do ciclo de vida, vão influenciar a capacidade do profissional trabalhar

efetivamente com os familiares que enfrentam perdas. Na medida em que o psicólogo

aceita os limites de sua capacidade de controlar o incontrolável e elabora as perdas

pessoais não resolvidas, ele pode trabalhar mais sensivelmente com os dilemas das

famílias em processo de Luto Antecipatório. O psicólogo necessita conhecer aspectos

psicológicos do paciente e de seus familiares assim como sentir-se confortável

pessoalmente para lidar com as situações que cercam a mortalidade. Ele deve estar apto

a saber ouvir os medos e preocupações do paciente e de seus familiares, utilizar as

técnicas psicológicas em benefício deles, apoiar, orientar e acolher a rede familiar.

De acordo com Worden (1998), o principal objetivo na psicoterapia do processo

de Luto Antecipatório é ajudar o enlutado a: atualizar-se e aceitar a perda iminente

auxiliando-o a falar sobre a mesma e as circunstâncias que a envolvem; identificar e

expressar sentimentos relacionados à perda em potencial; aprender a viver sem a pessoa

que está por morrer, tomando decisões independentes; separar-se emocionalmente da

pessoa que está por morrer e a iniciar novos relacionamentos; saber como agir nas datas

significativas que envolvem a pessoa que está por morrer (p. ex.: Natal, aniversários);

vivenciar o processo de enlutamento antecipatório, identificando o momento certo para

afastar-se e procurando fazê-lo gradativamente, mesmo que seja após a morte efetiva;

entender o seu jeito de enfrentamento (coping); identificar mecanismos de

enfrentamento problemáticos e auxiliá-lo psicoterapeuticamente.

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 30

Todo este trabalho, este envolvimento do psicólogo no sistema familiar para tratar

de perdas requer, acima de tudo aquilo que aqui mencionamos, uma dose significativa

de amor, sem o qual muitas das situações de nossa vida seriam vividas apenas como

algo pertencente à vil rotina do dia-a-dia.

Um importante aspecto na vida das pessoas é a religiosidade. Para Campbell

(1988), um dos grupos dos quais o indivíduo pode participar é o religioso. A religião,

qualquer que seja, compõe uma filosofia de vida, com seu conjunto próprio de normas e

regras, interferindo no modo como a pessoa se relaciona com a realidade. A inserção em

um grupo religioso e a aceitação de suas crenças e valores permite a tranquilização da

busca de respostas sobre a existência.

A religião funciona como uma espécie de segundo útero. Seu desígnio é trazer

uma coisa extremamente complexa, que é o ser humano, à maturidade, o que significa

ser automotivado, autoconduzido.

Quando se pensa no pós-morte, emerge uma indicação advinda de todas as

religiões de que o indivíduo é mais do que ele pensa. Existem dimensões no seu próprio

ser e um potencial de realizações e ampliação da consciência que não estão incluídos no

conceito que fazemos sobre nós.

Uma coisa que sempre se revela nos mitos, área profundamente estudada por

Campbell (1988), é que, no fundo do abismo desponta a salvação. Na incessante busca

pelo entendimento, por respostas, por um apaziguamento, seja por que motivo for,

notamos um aumento significativo nas pesquisas científicas sobre as religiões, crenças e

fé.

Acreditar em Deus não é apenas a única, mas é também a maior diferença a

separar os homens dos animais, escreveu Darwin em 1871. Diz ele ainda que o dom de

acreditar não é instintivo nas pessoas. A fé surgiu como conseqüência dos consideráveis

avanços da capacidade racional do homem. Ela nasceu da imensa capacidade humana

de exercer sua curiosidade, sua imaginação e sua facilidade em se encantar.

Diante da implacável certeza que a vida terrestre é finita, o Homem, então,

encolhe-se acuado, amedrontado. A fé lhe oferece, então, um amparo nesse sentido.

Em um aspecto todas as religiões concordam: a morte não representa o fim.

Quando a morte torna-se uma possibilidade real e presente para a própria pessoa ou

alguém próximo, vive-se a angústia de ser colocado em uma situação nova, desprovido

de algo que se tinha anteriormente, e tendo que lidar com a própria finitude.

I Congresso Luso-Brasileiro de Psicologia da Saúde 31

Há suportes com os quais um enlutado pode contar e que o ajudarão a passar por

esse período: apoio familiar, conjugal, dos amigos, dos grupos a que se pertence, da

psicoterapia, do grupo religioso, dentre outros.

A fé é uma forma de auxílio, uma opção importante de apoio e conforto. Ela

permite às pessoas uma proximidade com o sagrado, que conforta e apazigua tornando

suportável a dor da perda.

VI – REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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