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1912 - 2012 cem anos da crise da borracha: do retrospecto ao prospecto

A Amazônia em doze ensaiosColetânea do VI ENAM

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CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA 9ª REGIÃO

PLENÁRIO CORECON-PA - 2012

PRESIDENTEAntonio Ximenes Barros

VICE-PRESIDENTEMarcus Vinícius Gomes Holanda

CONSELHEIROSAugusto Jorge Joy Neves Colares

João Olinto Tourinho de Mello SilvaMaria Lúcia Bahia Lopes

Nélio Geraldo Bordalo FilhoOberdan Pinheiro Duarte

Patrícia Maslova dos Santos Moreira GodoyCassiano Figueiredo RibeiroErick Douglas Dias Costa

João Tertuliano de Almeida Lins Neto Lilian Rose Bitar Tandaya Bendahan

Omir de Araújo SilvaPablo Damasceno Reis

Paula Frassinetti CampelloSérgio Roberto Bacury de LiraTeobaldo Contente Bendelak

SERVIDORES DO CORECON-PA – COLABORADORES

GERÊNCIA EXECUTIVA - Marco Antônio B. da CostaContato: (91) [email protected]

ASSESSORIA TÉCNICA - Rosângela SantosContatos: (91) 3222-6917

[email protected]

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CORECON-PA

2013

João Tertuliano Lins NetoMaria Lúcia Bahia Lopes

Organizadores

1912 - 2012 cem anos da crise da borracha: do retrospecto ao prospecto

A Amazônia em doze ensaiosColetânea do VI ENAM

Autores

Armando Dias Mendes (in memoriam)Alex Fiúza de Mello

Alfredo Kingo Oyama HommaEduardo José Monteiro da Costa

Humberto Miranda do NascimentoJoão Tertuliano Lins Neto

João Tezza NetoLúcio Flávio Pinto

Maria Amélia EnríquezMaria Lúcia Bahia Lopes

Ramiro Fernandes NazaréSylvio Mário Puga Ferreira

Waldecy RodriguesWilson Cano

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1912-2012 cem anos da crise da borracha: do retrospecto ao

prospecto: a Amazônia em doze ensaios : coletânea do VI

ENAM /João Tertuliano Lins Neto, Maria Lúcia Bahia Lopes.

-- Belém : CORECON-PA, 2013

256 p. : il.

ISBN: 978-85-63312-41-9

1. Borracha - Ciclo- Amazônia. 2. Amazônia - Economia

regional. I. Lins Neto, João Tertuliano, org. II. Lopes, Maria

Lúcia Bahia, org.

CDD 22th ed. 338.1738952

C394

Copyright © 2012 by CORECON-Pará

Projeto editorial e capaVirtual Comunicação

Editoração EletrônicaPaulo Lourenço e Ubaldino Scardino

RevisãoMaria de Fátima Correa Amador

Normalização e ficha catalográficaMaria de Nazaré dos Santos Corrêa

Maurila Bentes de Mello e Silva

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AGRADECIMENTOS

Nossos sinceros agradecimentos ao Conselho Federal de Economia (COFECON) na pessoa do seu presidente Ermes Tadeu Zapelini e demais conselheiros, pela oportunidade da realização do Encontro das Entidades de Economistas da Região Norte - ENAM em Belém.

Ao Presidente Antônio Ximenes Barros e demais conselheiros do CORECON-PA, pelo decisivo apoio moral e institucional, dado em todas as etapas do evento.

Ao ex-presidente do CORECON-PA, Eduardo José Monteiro da Costa, pelo empenho junto ao Conselho Federal para viabilizar a vinda do evento para Belém, bem como pelo trabalho desenvolvido como membro da comissão organizadora.

Aos autores que de maneira cordial e desinteressada, atenderam ao convite da comissão organizadora, enviando em tempo hábil seus artigos: Armando Dias Mendes (in memoriam), Alex Fiúza de Mello, Alfredo Kingo Oyama Homma, Humberto Miranda do Nascimento, João Tezza Neto, João Tertuliano Lins Neto, José Raimundo Vergolino, Lúcio Flávio Pinto, Maria Amélia Enríquez, Maria Lúcia Bahia Lopes, Ramiro Fernandes Nazaré, Sylvio Mário Puga Ferreira, Waldecy Rodrigues e Wilson Cano.

Aos funcionários e colaboradores do CORECON-PA nas pessoas do gerente Marco Antônio Barbosa da Costa e da técnica Rosângela Alves Santos.

Belém, 1 de dezembro de 2012.

João Tertuliano Lins NetoMaria Lúcia Bahia Lopes

Organizadores

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SOBRE OS AUTORES

Armando Dias Mendes (in memoriam) – Professor e Pró-Reitor da UFPa; Doutor “honoris causa” pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pela Universidade da Amazônia (UNAMA); fundador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA); membro emérito do Conselho Regional de Economia do Estado do Pará (CORECON-PA). Foi Assessor Especial do Ministro e Secretario – Geral do Ministério da Educação; Professor Colaborador da Universidade de Brasília (UNB); foi relator do Currículo Mínimo do Curso de Ciências Econômicas no Conselho Federal de Educação; presidiu a Associação Nacional dos Centros de Pós–Graduação em Economia (ANPEC); presidiu o Banco de Crédito da Borracha atual Banco da Amazônia; foi eleito Personalidade Econômica do Ano de 2006 pelo Conselho Federal de Economia (COFECON).

Alex Fiúza de Mello – Sociólogo e cientista político. Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP. Professor Associado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Pará e seu ex-Reitor. Ex-membro do Conselho Nacional de Educação (Brasil) e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (Brasil). Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Pará (Amazônia, Brasil).

Alfredo Kingo Oyama Homma – Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal de Viçosa (1970), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal de Viçosa (1976) e doutorado em Economia Rural pela Universidade Federal de Viçosa (1988). É pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária desde 1974. Já efetuou consultorias para FAO, Banco Mundial, GTZ, ODA, Banco da Amazônia, SUDAM, BNDES, Secretaria de Assuntos Estratégicos, entre outros. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Agrária e dos Recursos Naturais.

Eduardo José Monteiro da Costa – Economista, Mestrado em Desenvolvimento Econômico pela UNICAMP (2003) e Doutorado em Economia pela UNICAMP (2007). Professor Adjunto do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA/UFPA) e do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Pará (PPGE/UFPA). Conselheiro Efetivo do Conselho Federal de Economia (COFECON). Foi Presidente do Conselho Regional de Economia do Estado do Pará (CORECON-PA), mandatos 2010 e 2011. Exerceu o cargo de Secretário Adjunto da Secretaria de Estado de Integração Regional (SEIR) de 2007 a 2009.

Humberto Miranda do Nascimento – Economista, com Mestrado e Doutorado pelo Instituto de Economia da UNICAMP (2000 e 2005). Atualmente é Coordenador do CEDE - Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico do IE.UNICAMP, Coordenador pela UNICAMP do PROCAD-NF/CAPES com o PPGE/UFPA, membro do Conselho Superior do NEPA - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da UNICAMP.

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João Tezza Neto – Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília. Especialista em elaboração e análise de projetos de desenvolvimento econômico e sócio-ambiental na Amazônia. Foi diretor de Mercado da Secretaria de Floresta e Extrativismo do Estado do Acre e de Negócios Florestais da Agência de Desenvolvimento Sustentável do Estado da Amazônia. Atualmente é Superintendente Técnico-científico da Fundação Amazônia Sustentável.

João Tertuliano Lins Neto – Economista, Professor Adjunto IV Faculdade de Economia do ICSA/UFPA, Especialista em Desenvolvimento de Áreas Amazônicas pelo NAEA/FIPAM, Mestre em Economia Política pela Unicamp, Conselheiro do CORECON-PA.

José Raimundo Vergolino – Economista, mestrado em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco (1975), mestrado em Economia pela University of Illinois – System (1983), Doutor em Economia pela University of Illinois (USA). Professor titular da Faculdade Boa Viagem/DeVry. Professor do Curso de Mestrado em Políticas Públicas da UFPE.

Lúcio Flávio Pinto – Sociólogo, formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Foi professor visitante do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade da Flórida em Gainesville, EUA. Foi professor visitante no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) e no Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Pará. Edita o Jornal Pessoal há 24 anos.

Maria Amélia Enríquez – Economista, PhD em Desenvolvimento Sustentável. Professora da Universidade da Amazônia (UNAMA) e Universidade Federal do Pará (UFPA). É atual Secretaria Adjunta da Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração do Pará (SEICOM).

Maria Lúcia Bahia Lopes – Economista, Professora e pesquisadora do Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano da Universidade da Amazônia (UNAMA), Técnica Científica da Coordenadoria de Estudos Macroeconômicos e Regionais do Banco da Amazônia, Mestre em Economia Amazônica pela UNAMA, Doutora em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (DER/UFV). Conselheira do CORECON/PA.

Ramiro Fernandes Nazaré – Economista, com especialização no extinto Conselho Nacional de Economia do Rio de Janeiro. Foi membro da equipe de Renda Nacional do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas; professor titular da Universidade Federal do Pará (UFPa); assessor Especial do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA); Chefe do Departamento Econômico da Universidade da Amazônia (UNAMA); Secretário de Economia da Prefeitura Municipal de Marituba. Atualmente é consultor econômico de entidades privadas.

Sylvio Mário Puga Ferreira – Professor Adjunto 4 do Departamento de Economia e Análise da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Graduado em Ciências Econômicas

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pela Universidade Federal do Amazonas (1992). Mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1994) e Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (2005). Pós-Doutor em Economia pelo IE/UNICAMP (2010).

Waldecy Rodrigues – Economista, professor adjunto do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Pró Reitor de Pesquisa e Pós Graduação da Universidade Federal do Tocantins. Mestrado em Economia pela Universidade de Brasília (UNB), Doutorado em Ciências Sociais - Estudos em Desenvolvimento Comparado - (UNB) e Pós-Doutorado em Economia (UNB).

Wilson Cano – Possui graduação em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1962) e doutorado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (1975). Atualmente é professor titular da Universidade Estadual de Campinas, membro vitalício do conselho curador da Fundação Economia de Campinas e consultor da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

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APRESENTAÇÃO 13

AMAZÔNIA: CIDADANIA OU CAPITULAÇÃO: UMA INVOLUNTÁRIA ALEGORIA AMAZÔNICA PRODUZIDA EM PARCERIA POR POETAS, PROSADORES E POLÍTICOS NÃO AMAZÔNICOS

Armando Dias Mendes (in memoriam) 15

A AMAZÔNIA QUE EU VI: MEIO SÉCULO DE HISTÓRIA

Lúcio Flávio Pinto 27

OS CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA NA AMAZÔNIA (1912-2012) E OS DESAFIOS DA ECONOMIA VERDE E INCLUSÃO SOCIOPRODUTIVA

Sylvio Mário Puga Ferreira 39

BATALHA DA BORRACHA: A MAIS TRÁGICA DAS TRANSUMÂNCIAS AMAZÔNICAS

João Tertuliano Lins Neto, Ramiro Fernandes Nazaré e Maria LúciaBahia Lopes 51

AMAZÔNIA: DA CRISE À INTEGRAÇÃO ATÍPICA E TRUNCADA

Wilson Cano 81

SUMÁRIO

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AMAZÔNIA E MERCADO INTERNO BRASILEIRO: A BORRACHA COMO VELHA E NOVA QUESTÃO

Humberto Miranda do Nascimento 105

A QUESTÃO DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO REGIONAL E A BIODIVERSIDADE

Alfredo Kingo Oyama Homma 119

MINERAÇÃO NA AMAZÔNIA: MALDIÇÃO OU DÁDIVA?

Maria Amélia Enríquez 145

O FEDERALISMO BRASILEIRO E A ECONOMIA AMAZÔNICA

José Raimundo Vergolino 175

A AMAZÔNIA E A PROBLEMÁTICA DO SUBDESENVOLVIMENTO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA VISÃO DE CELSO FURTADO

Alex Fiúza de Mello e Eduardo José Monteiro da Costa 201

CRESCIMENTO ECONÔMICO NA REGIÃO AMAZÔNICA: O CASO DO ESTADO DO TOCANTINS

Waldecy Rodrigues 223

ECONOMIA VERDE E OS DESAFIOS DE CONSERVAÇÃO DA AMAZÔNIA

João Tezza Neto 239

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

APRESENTAÇÃO

O Encontro de Entidades de Economistas da Região Norte (ENAM), é um evento promovido anualmente pelo Conselho Federal de Economia (COFECON) e por um dos Conselhos Regionais do Norte. Em 2012, o sexto encontro foi realizado na cidade de Belém, estado do Pará, nos dias 6, 7 e 8 de junho, sob os auspícios do CORECON-PA intitulado “1912-2012 cem anos da crise da borracha: do retrospecto ao prospecto”.

Sendo 2012, o ano em que o fim do chamado ciclo ou fase áurea da borracha amazônica está completando cem anos, considerou-se oportuno que esse importante fato histórico fosse escolhido como tema principal do VI ENAM. Para tanto, foi decidido que a temática deveria ser abordada em duas etapas bem distintas: debates, mediante conferências e mesas redondas e artigos, elaborados para integrar uma coletânea a ser publicada após o ciclo de debates.

A iniciativa do CORECON-PA de publicar esta coletânea era tão somente o de registrar e disseminar os conhecimentos produzidos e apresentados no VI ENAM, evento alusivo ao centenário da crise da borracha na Amazônia, entretanto, em virtude da perda do seu principal colaborador, Professor Armando Dias Mendes, sentiu-se a necessidade de homenagear, este que foi um dos ícones do pensamento crítico sobre o desenvolvimento da Amazônia e um dos principais idealizadores desse evento.

No último dia 06 de junho o professor Armando Mendes, como gostava de ser chamado, brindou uma atenta platéia por ocasião da abertura do VI ENAM com a Conferência Magna: “1912 – 2012 cem anos da crise da borracha: do retrospecto ao prospecto”. Ninguém imaginava, mas era a sua despedida! Deixou nossa convivência em alto estilo, com humor, irreverência, mas acima de tudo apresentando uma visão crítica sobre a forma como a nação brasileira trata a Amazônia. Em sua palestra relacionou os problemas da região com diversos clássicos da literatura brasileira. Chamou atenção para a forma como a Amazônia vem sendo castigada por um pacto federativo perverso. Recorrendo à sua memória histórica, contou ao publico presente como a Constituição “Cidadã” de 1988, que se propunha lutar contra as desigualdades sociais e regionais foi, por manobras das bancadas de estados mais desenvolvidos, distorcida em seus aspectos fundamentais. Para ele a Constituição Federal é contraditória na medida em que por meio de uma série de legilações complementares acabou construindo um modelo federativo que reforça as desigualdades regionais. Assim, referindo-se à forma como alguns estados são tratados, destacou que “alguns são mais iguais do que os outros!”

Quanto aos artigos que compõem esta coletânea, a despeito das saudáveis diferenças de estilos e enfoques, dos autores, o conjunto desta obra tende a convergir para um aspecto fundamental da realidade nacional, a de que o país precisa, urgentemente, de Reformas Políticas que possibilitem a criação de um Novo Pacto Federativo, no qual, nem só os estados da Amazônia, mas também, outras unidades federativas brasileiras, consigam

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

expressar suas diferenças e conquistar, de forma mais democrática e justa, certos direitos federativos que, costumeiramente, lhes são negligenciados.

Comprovando o acerto e a atualidade do enfoque principal desta coletânea, basta observar o conteúdo e o tom de importantes debates da política nacional, amplamente divulgados pela mídia. São comentários, discussões e constatações desses aspectos das disparidades regionais e do federalismo brasileiro, que serão encontrados nos artigos, componentes desta coletânea.

Episódios vivenciados pela sociedade amazônica, tanto no passado de duas “batalhas da borracha”, a primeira de 1870 a 1912 e a segunda de 1941 a 1945, quanto as atuais “batalhas” da exploração e perspectiva de esgotamento dos minérios de Carajás, das agruras para manutenção da Zona Franca de Manaus, das construções de usinas hidrelétricas (sem eclusas), Santo Antônio, Girau e Belo Monte, dos esquecidos e injustiçados “soldados da borracha”, das injustiças fiscais perpetradas pela Lei Kandir, das “novas transumâncias” dos novos “soldados” das hidrelétricas e dos garimpos.

Tudo isso, compondo um painel que, se espera, possibilite a cada leitor, tirar suas próprias conclusões quanto ao presente e futuro da Amazônia e do Brasil, baseando-se nas experiências históricas, criteriosamente, aqui relatadas e analisadas, sem perder de vista a esperança, uma vez que, o país, felizmente, vive seu maior período de normalidade democrática.

João Tertuliano Lins NetoMaria Lúcia Bahia Lopes

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

AMAZÔNIA: CIDADANIA OU CAPITULAÇÃO

UMA INVOLUNTÁRIA ALEGORIA AMAZÔNICA PRODUZIDA EM PARCERIA POR POETAS, PROSADORES E

POLÍTICOS NÃO AMAZÔNICOS1

Armando Dias Mendes (in memorian)

A reverberação de um colóquio impossível entre Chico Buarque, Ulysses Guimarães e Machado de Assis vai nos ajudar a entender a Amazônia.

A entender esta Amazônia e as suas agruras nos cem anos transcorridos desde 1912. E também as ameaças que a rondam e as glórias que a esperam no futuro insondável, o por vir depois de 2012.2 Até onde sei, a aproximação temática entre os três luminares da MPB, do velho PMDB e da velhíssima ABL nunca foi antes aventada, tão distante está a Amazônia em relação aos seus berços, seus endereços e seus interesses. Entretanto, há uma intimidade óbvia entre criaturas suas assaz eminentes e emblemáticas. Refiro-me, em primeiro plano, ao liame entre a ‘Geny’ do Chico e a ‘Cidadã’ sem nome de batismo, de Ulysses. E, logo a seguir, o impacto da intromissão oblíqua da ‘Capitu’ de Machado. Todas as três são polêmicas e contraditórias. Podem parecer, à primeira vista, água e óleos que nunca se misturam. E, no entanto, por trás dos panos, elas se cumprimentam, complementam e completam desde sempre.

As duas primeiras são praticamente contemporâneas. Geny, o rebotalho da Cidade, um pouco mais antiga, é de 1978. A Cidadã em que a Cidade se espelha, é de 1988. Geny foi revelada ao mundo na “Ópera do Malandro”. A Cidadã foi elevada aos altares patrióticos na obra da (re)ordenação política nacional. Geny vivia no submundo do mundo civilizado. A Cidadã foi promulgada impoluta e venerável desde a incubadora institucional. E, no entanto, a enigmática Capitu, correndo por fora, se escondia no lusco-fusco da Cidade mundana desde um século mais cedo e refugiava-se na intimidade humana de todos os tempos.

Proponho por isso dirigir um olhar atento a essa fundamental geomorfologia política e social que tanto nos interessa. Visitar os seus meandros e porões.

Geny, a inominável

Primeiro visitemos Geny. Passo por cima das revelações mais escabrosas de sua nada exemplar biografia. Detenhamos-nos, ainda assim, porque inevitável, no comportamento

1 NB – Levem em conta: este é um discurso, digamos, jornalístico, não acadêmico ou cientí� co. 2 É evidente que ressonâncias amazônicas, de ocasião, podem ser garimpadas na vastíssima obra musical de Chico e nas

falas políticas de Ulysses. Nos textos de Machado é menos provável.

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ostensivo de Geny, quase sempre ofensivo à moral e aos bons costumes dos cidadãos escandalizados. E, no entanto, em momentos cruciais, como veremos, o mesmo generoso comportamento é posto ao serviço da cidadania suplicante. A genial composição “Geny e o zepelim” é Chico em seu melhor. Condoída pelas condições dos marginais, da escória, a trova descreve de início a má vida de Geny para dizer que as perversões dela/dele fazem a alegria cotidiana do povo. Depois de descrever essa vida devassa, Chico arremata com melancólica ironia que “Ela é um poço de bondade” e ainda assim a cidade não se cansa de exortar a si mesma:

“Joga pedra na Geny!

Joga pedra na Geny!”

Eis senão que acontece uma revolução com a chegada imprevista de zepelim vistoso proveniente de algum sítio das estranjas, cujo comandante garboso, e, claro, virtuoso, se propunha a destruir a Sodoma tropical. E, para surpresa geral, eis que, inesperadamente, ele opta por evitar o drama se aquela formosa dama o servir. A dama era Geny, e ninguém compreende nada quando a eleita recusa a ‘distinção’, usando de prosódia tão crua, de prosopopéia tão eloqüente que a cidade vê nisso uma heresia e gela. Gela por um instante e de súbito degela e gira em 180 graus a sua visão da Geny e da sua função social, a ser nobilitada de estalo. Assim:

Ao ouvir tal heresia O prefeito de joelhos,

A cidade em romaria O bispo de olhos vermelhos

Foi beijar a sua mão; E o banqueiro com um milhão.

O trono, o altar e o balcão viram-se compelidos a cortejar Geny, a Pecadora, que num piscar de olhos se transfigurara em Salvadora, a Única e insubstituível. Para resumir: “foram tantos os pedidos, tão amorosos, tão sinceros” que, dominando o asco entregou-se ao amante “como quem dá-se ao carrasco.” Não obstante, o comandante saciado, sem ao menos se despedir, mal raiou a madrugada levantou vôo. E a multidão voltou a amaldiçoar Geny e a clamar pela sua lapidação exemplar.

É bem um retrato da volubilidade das massas e de como é possível manobra-las ao sabor das conveniências do momento. Manobra-las por interferências vindas de fora, até mesmo do espaço exterior, e por aderências de dentro, das profundezas tenebrosas da alma humana. A mesma responsável histórica pelas desgraças públicas pode tornar-se, de um momento para outro, o instrumento impar da salvação pública. E vice-versa Tudo depende das óticas do momento, ainda as mais exóticas, muitas vezes deformadas por interesses tão escondidos como (desculpem), o rabo do gato. Eis aí uma ponderável alegoria, não é verdade? E aplicável a essa região da geografia física, humana, econômica, social, moral e política deste nosso particular “mundo, vasto mundo” povoado de Raimundos e não Raimundos, que nos é tão familiar e tão cara. Dispensa exaustivas explicações. Logo se percebe o que representa o zepelim imponente que de repente baixa dos céus sobre esse finisterra. E quem é o seu comandante, e a tripulação que comanda. Que intuitos o

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

dominam, que artimanhas utiliza para conquistar a sua presa. E como, uma vez saciado, a abandona à própria sorte. Tal qual, no mundo real, para o bem e para o mal, a Amazônia é muitas vezes cobiçada, e noutras, apedrejada na condição da Geny da Geia, de Gaia. A Geny universal.

Isto posto, precisamos dirigir-nos à senhorial casa da Cidadã excelsa, tendo, todavia o cuidado de antes consultar, não propriamente Capitu, mas Bentinho, além de fazer um elogio e esclarecer um conceito.

Breve nota sobre um longo capítulo

No Cap. III de Dom Casmurro (o livro), Dom Casmurro (o autor e protagonista) já anda aos cochichos com aquela que viria a ser a guia e tormenta de sua vida: Maria Capitolina, carinhosamente reduzida a Capitu. Aquela mesmo, a de “olhos de ressaca” (marítima, esclareça-se), a de “olhos de cigana” (mas era preconceito do autor), a de “olhos oblíquos e dissimulados’, conceito definitivo e desafiador. O romance foi lançado em 1899, e em 1912, a quando da crise da borracha, é de supor que já se discutia se Capitu -- casada com ‘Bentinho”, aliás, José Bento, ou seja, ele próprio, Dom Casmurro -- o traiu ou não. Se o filho Ezequiel era realmente filho dele ou do amigo Escobar. Do “muito amigo” Escobar. Passados cem anos, continua-se a discutir a incógnita, sem consenso em torno de uma resposta capaz de aglutinar sólidas razões para o sim ou para o não. Registremos o impasse, nesta breve anotação, para mais adiante, em paralelo à Cidadã, num capítulo apropriado, inserir Capitu na interminável casmurrice a respeito do necessário engenho novo da Amazônia.3

É preciso, porém, prolongar um pouco mais esta pausa a fim de publicar um elogio e clarear um conceito.

Intermezzo para o amor

O elogio alveja o substantivo amor e o verbo amar. Porque essas preciosas palavras e os seus sinônimos, parônimos e antônimos estão por trás de tudo o que até aqui foi dito e à frente de tudo mais que ainda precisa ser dito.

O mote, eu o tiro da boca de Caim ao ser interpelado sobre o paradeiro de Abel: -- Não sei. Acaso sou eu o guarda do meu irmão? Caim, mordido pela inveja,4 matara Abel. Mas não se encontra de imediato, no Gênesis, a contra-resposta à resposta atrevida. É preciso garimpá-la nos muitos livros que se seguem no conjunto do grande Livro, onde

3 Note-se: nada a ver com “Engenho Novo”, o bairro onde o casal residiu depois de ‘Matacavalos’ (sic).4 No livro “A Medicina popular do Centro-Oeste”, lançado em Brasília no inicio do ano, o autor garante, segundo resenha

publicada no “Correio Braziliense”: “O receituário inclui simpatias, além de remédios naturais. Para curar inveja, por exemplo, aconselha-se usar resina e folhas de alecrim queimadas como defumador (...).” Dado que, segundo especialistas, a inveja é o vício ou pecado capital que dá maior Ibope, é de imaginar que a clientela potencial da receita é formidável.

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aparece codificada com Moisés no alto do Monte Horebe, e vai ser aperfeiçoada em uma outra montanha no Sermão das Bemaventuranças. Em resumidas contas, e numa tradução livre, a resposta é: -- Sim, tu és o guarda do teu irmão. Na realidade, todos nós que nos reconhecemos semelhantes, iguais e irmãos, os mais próximos uns dos outros, somos os guardas uns dos outros. Anjos da Guarda, se quiserem.5 Ou, posto de outra maneira: -- Haveis de amar e, portanto, cuidar dos que vos são próximos. Querendo ou não, somos e seremos cuidadores da naturalidade. E, por igual, em mútuo, cuidadores da humanidade – por vezes relaxados, é bem verdade.6

Amar e amor, todavia, são vocábulos que ao longo das eras se poluíram e tornaram-se poluentes, além de polivalentes. Para o gasto do momento proponho um entendimento simples, com base em dois consagrados poetas patrícios, Olavo Bilac e Adélia Prado, afora digressões auxiliares com outros nomes. Do primeiro, Bilac, vamos singrar o conhecido soneto em que nos estimula a “ouvir estrelas”. Da segunda, Adélia, vamos tentar absorver os ensinamentos do pequeno grande poema “Ensinamento”. Bilac recomenda-nos amar para sermos capazes de, não apenas ouvir, senão “ouvir e entender estrelas”.7 Adélia, poeta do cotidiano, relembra uma cena da infância, uma cena que é toda ela um gesto de amor sem falar em amor8, “essa palavra de luxo”.9

Se alguma coisa, porém, podemos depreender desses testemunhos é que amar não é um sentimento insípido, inodoro e incolor como a água, e, além disso, inócuo. É o impulso que nos impele a guardar o outro, zelar, velar, responder por, i.e. ser responsáveis uns pelos outros. Tudo isto está em negativo na resposta-pergunta de Caim. E, a outro ângulo, em positivo, amar é cuidar do outro, como expresso no gesto da mãe de Adélia.10 É mesmo, acrescente-se, acudir ao outro, como ilustrado na parábola do Bom Samaritano. O amor, em suma, é feito de ação, gestos, movimento em direção ao outro, em benefício do outro, a ser praticado, acrescente-se, da mesma maneira que a si próprio. Nem mais, nem menos. Os gestos de amor adquirem, por isso, diversificados formatos: dar de beber a quem tem

5 Jaculatória aprendida na infância: “Santo Anjo do Senhor, / meu zeloso guardador, / se a ti me con� ou a piedade divina. / sempre me guarda, conserva e ilumina, amem.”

6 Atenho-me, por motivos translúcidos, à tradição judaico-cristã, que é a base, por vezes corrompida, da civilização ocidental. Se mais competência tivera, poderia invocar também, além dos Táboas da Lei, as Provisões para o Fiel do islamismo e as Regras do Viver Correto do budismo.

7 “Chave de ouro” do famoso soneto: Direis agora: “Tresloucado amigo! / Que conversas com elas? / Que sentido / tem o que dizem quando estão contigo?” // E eu vos digo: “Amai para entendê-las! / Pois só quem ama pode ter ouvido / capaz de ouvir e de entender estrelas.” Provocava suspiros, que, exagerando um tantinho, diria serem tão ou mais audíveis do que os gritos de Maria Sharapova ao jogar tênis.

8 Ensinamento -- Minha mãe achava estudo / a coisa mais � na do mundo. / Não é. / A coisa mais � na do mundo é o sentimento. / Aquele de dia de noite, o pai fazendo serão, / ela falou comigo: “Coitado. Até essa hora no serviço pesado”. / Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo / com água quente. / Não me falou em amor. / Essa palavra de luxo.

9 Palavra a encobrir, segundo céticos, um “sentimento esdrúxulo” que invariavelmente leva a escrever “cartas ridículas” no dizer de Álvaro de Campos, aliás, Fernando Pessoa.

10 Note-se, por oportuno, que o Gênesis contém não uma, duas narrativas da Criação. A mais citada culmina com o surgimento de Adão e Eva e o mandamento de encher a terra e domina-la. Outra, menos invocada, coloca os humanos no Jardim do Éden com a missão de o cultivar e guardar. A primeira versão é apontada como a origem original da civilização predadora. A segunda, como a inspiração mais remota da civilização cuidadora.

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sede, de comer a quem tem fome, socorrer aos injustiçados, consolar os que sofrem, visitar os enfermos, os prisioneiros, acolher aos forasteiros, proteger as viúvas e os órfãos... Cada um dos humanos, em sendo vítima de carências e privações, posto em situação vulnerável, é o nosso próximo. Isso é amar, isso é dar amor.

Ressalve-se, por essencial: a prescrição não vale só nem principalmente para as relações inter-pessoais, se concretiza mais do que no plano individual, no social. Amar não é apenas converter-se em esmoler de sinais de trânsito de 2ª a 6ª feira, ou de batentes de porta aos sábados – e no ofertório nas missas de domingo. É, sobretudo, influir no coletivo, ajudar a transformá-lo, é, no sentido próprio do termo, educar pessoas e coletividades. Requer, portanto, ações afetivas e efetivas, proativas, no plano comunitário. Aquelas tendentes a garantir renda mínima, chão & teto, escola, saúde, cultura, e muito mais. Garantir “inclusão”, a mantra do momento. Tudo isso escorado em obras e instituições de saneamento básico, transporte coletivo, polícia, justiça, segurança e seguridade E, ainda, nas emergências, ausências e incompetências, expresso também em obras de caridade, filantrópicas ou assistenciais, por que não?

Em suma: ações tanto estruturais como conjunturais. Aquelas, mais do que estas. Destinadas a melhorar de preferência o IDH, a FIB11 e os seus correlatos, antes que o PIB e suas deformações. Destinadas a aprimorar o ambiente social e (res) guardar o natural.

Até aqui, o elogio. Agora, o conceito.

Amazônia, o conceito

O século passado foi marcado, entre outros fatos memoráveis, por duas guerras mundiais e dois naufrágios históricos: estes, o do Titanic e o da Amazônia.12

Ocupamo-nos aqui do segundo, em que a Amazônia comparece na sua dupla condição de desastre e vítima. Não, porém, a trazendo à boca de cena para entoar tardio lamento pelo seu afundamento em 1912. Ao contrario: preparando a plataforma de lançamento e acalanto da Amazônia que todos queremos ver ressurgir plenamente no após 2012. Mas de que Amazônia estamos aqui a falar: a simbólica ou a diabólica?13 Que conceito fazemos dela? Para nós, que nos confundimos com ela, o patronímico somente se faz compreensível se aplicado à região de forma... compreensiva, utilizado de modo... útil, sobretudo pela própria Amazônia e com o respeitoso aproveitamento das... amazonidades. Quero dizer: homenageada a sua individualidade, preservada a sua inteireza, atendida na sua completude. Quero dizer mais: os amazônidas postos moral e materialmente em igualdade de condições com todos os não amazônidas, em todos os quadrantes da Terra, em todos os tempos. Em

11 Felicidade Interna Bruta (proposta de Sua Majestade o Rei de Butão), por contraste com o Produto Interno Bruto. É ampliação e coroamento do Índice de Desenvolvimento Humano. Estranho é relacionar felicidade com brutalidade, mas essa é obviamente mera questiúncula semântica.

12 E também o centenário da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, a “Ferrovia do Diabo”, desativada há já muitos anos.13 Só para lembrar: ‘simbólico’ é aquilo que une; ‘diabólico’, o que desune, o que divide.

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suma: em todos os casos e para todos os efeitos. Para outros, os exóticos, os que a vêm de fora, ela se mostra inteligível só quando retalhada. Dessa maneira, que lembra o método de sinistro personagem do século XIX14, e só dessa maneira, ela se lhes faz accessível, manejável. Então, coerentes com o diapasão dos seus interesses e terrores, egocêntricos, dedicam-se ao afã sinistro de fatiar o conceito de Amazônia. E servem-na nos mercados mundiais em fatias. Uma dessas fatias, a preponderante e exclusivista, é o ambiente natural. As outras duas, o ambiente social e seus habitantes (que, aliás, povoam os dois ambientes superpostos), descartam-nas pura e simplesmente. São sobras, lixo. São estorvos que é preciso remover. Assim, a Amazônia é reduzida por alguns à sua capa natural, esvaziada. Um santuário a preservar – ecologia pura. Um hábitat sem habitantes. São os ‘idealistas’. Para outros, em contraste, unicamente merece consideração a capa produtiva, moderna, inserida nos circuitos mundiais – economia pura. A Amazona é produção Com predação se necessário, ou sem predação, se possível. Acham-se ‘realistas’. Para alguns mais, talvez raros, é ela uma sociedade humana despreocupada de riscos naturais e de distorções econômicas, uma copa viçosa a coroar o vácuo – ecomenia pura. A Amazônia são os amazônidas, ecologia e economia à parte. E esses descolados são o quê? “Humanistas” enlouquecidos, suponho.

Essas fatias-fantasias de Amazônia simplesmente não se sustentam. Tampouco há algo parecido em nenhum dos continentes que contornam a Terra. Esse é, ainda assim, o esboço do libelo acusatório mal enjambrado, trombeteado ao redor do mundo, que reflete a interminável disputa pela primazia entre o habitat aqui e os habitantes, estejam eles aqui ou ali. Disputa mediada e moldada pelos hábitos ou comportamentos humanos em iteração com os seus semelhantes e com a natureza cá e lá. É o velho triângulo de enquadramento da vida humana sobre a face da Terra – habitat, habitantes, hábitos -- que alguns insanamente se dedicam a reduzir a um vértice fictício solto no ar, desprovido de esteios ou tirantes. Que equiparam a natureza a uma pedra angular pairando no espaço à espera que a abóbada em construção, sua razão de ser, a alcance. Na prática, porém, é com um modelo dual – ambiente e gente – que temos de trabalhar no sentido de quebrar a falsa fatalidade da condenação da Amazônia situada (e sitiada) no mundo a uma crônica monótona (mas dicotômica), de amor e ódio. Essa, a escolha impossível que nos querem impor: a eleição entre um paraíso perdido e um almoxarifado a ser logo exaurido.15 Essa, na primeira versão, a Amazônia adotada pelo centrão geopolítico do planeta, que a identifica exclusivamente com a natureza natural e assim a reduz a lenha para o festim diabólico, a fogueira de purificação a que vimos sendo condenados à revelia, faz tempo. Ou, na segunda versão, o fatal esgotamento dos ambientes, e por conseqüência o das gentes, O repto contestador desse fado, desse fardo, é a conciliação, aparentemente ilusória, entre o (ab)uso da natura e os justos reclamos da cultura humana.

14 “Vamos por partes” lema atribuído a Jack, o Estripador.15 Dou testemunho pessoal de que a � gura do ‘almoxarifado’ foi cunhada pelo Prof. Wilton Santos Brito, da UFPA, segura-

mente há mais de quarenta anos. Curiosidade: é um dos poucos vocábulos constantes do “Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Morta” que escapa ao logocídio registrado por Alberto Villa.

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Arrematando a analogia do início, descobrimos que realmente a Amazônia se tornou a Geny global, a Grande Pecadora urbi et orbe. A infeliz destinada a ser incansavelmente lapidada pelos guardiães da pureza dos ares e das águas universais y algunas cositas más – aquelas acima, abaixo e ao lado dos ares e águas que a Amazônia, só ela, envenena. Essa cega visão salvacionista, seletiva, amazonofóbica, alimenta receitas insustentáveis do tipo “desmatamento zero”, sem a contrapartida corretiva do “apoderamento (sic) máximo” dos seus ignorados habitantes. Na verdade, e bem ao invés, implícita e até explicitamente essa cruzada bárbara empunha a bandeira do despovoamento total da região. Na prática, é construída, embora nem sempre sacramentada, a fórmula em grande parte amazonicida de “Despovoamento absoluto para garantia do desmatamento zero”. 16 Atitude reducionista que na sua configuração mais branda é capaz de fabricar a proposta indefensável da concessão de propinas às populações renitentes para se absterem de queimar a floresta, e por esse meio lograr manter em níveis decentes, no globo como um todo os indicadores de poluição. 17 E isso, em si, parece bom, sabe bem. Mas, recitado e receitado de forma isolada, é ruim, porque arredio à reciprocidade, não acoplado a um bom exemplo, desacompanhado de abstinências equivalentes por parte dos cobradores vorazes. Ao contrário, ele vem associado à automática obtenção de uma ad aeternum “licença para poluir” (transgênico de licença para matar), um prêmio aos doadores da bolsa fumaça. Fruto, portanto, não de apreço, mas de desprezo pelos outros. Centrado na idolatria narcisista. Fosse respeitada a isonomia, e deixaria de ser um castigo imposto por estes àqueles, seria uma cooperação harmoniosa, uma coabitação virtuosa. Entretanto, é assim que logram também aplacar um tanto as suas próprias tortuosas e tormentosas consciências. Reconheça-se, proclame-se: esse é um perigoso precedente a inspirar, quem sabe, no futuro mais ou menos imediato, a bandeira da “criminalidade zero” entre a ralé da periferia, com o escopo de poder sustentar, sem incômodas coceiras éticas, taxas históricas de ilícitos penais entre os bacanas e conspícuos no centro.18

E nem vamos falar em proposições outras com igual dose de duvidosa confiabilidade tais como a “economia verde”, ou “capitalismo verde”, de algum modo entronizada na Rio+20.19

A Cidadã de apelido Capitu

Completada a tempestuosa travessia do mistério que gera aquela força que “move o sol e as outras estrelas”, encetemos finalmente a necessária visita à festejada Cidadã, née

16 Quando muito, os humanos remanescentes na região seriam reduzidos à condição de guardas � orestais.17 Slogan corrente no hemisfério norte: “Forest there, farms here.” Precisa dizer mais?18 Já redigido o borrão deste ousado, entretanto acanhado ensaio, eis que leio na internet que em El Salvador, muito recen-

temente, o Estado, a Igreja e o Crime celebraram um pacto de bem viver, que reduziu a taxa de criminalidade em cerca de incríveis três quartos, não é dito em quanto tempo. A notícia, lamentavelmente, tampouco descreve quais os ‘direitos’ e ‘deveres’ assumidos ou atribuídos a cada uma das Altas Partes Contratantes.

19 No momento em que está sendo posta no papel esta modesta investigação, ainda antes da Rio+20, é impossível avaliar os acertos e desacertos que nela virão a se materializar. O conceito de economia verde é visto com descon� ança por eminentes economistas-ecologistas e similares. E denunciado como um instrumento sob medida para mercantilização da natureza. [Só para constar, outra vez.]

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Constituição pura e simples.

Almeja-se em algum momento alcançar e aclamar a Pax Amazonica, uma vez

estabelecidas relações amigáveis, estáveis e sustentáveis entre os seus múltiplos ambientes

e as suas múltiplas gentes. Não pode converter-se esta crônica em uma vã tentativa de

anacrônica restauração da Belle Époque pré 1912. Será, essa utopia, assim se espera, resultado

da paciente tessitura das três sustentabilidades primárias da obra salvífica do mundo e dos

humanos, essenciais para a missão de garantir a governabilidade da Terra. Essas – as do

hábitat, a dos habitantes e a dos seus hábitos sadios -- as sustentabilidades que compõem

uma unidade literalmente simbólica, viva e complexa. Então temos, de um lado, o espólio

de uma lembrança de coisas idas e vividas, inapelavelmente mortas. E de outro, a vida

estuante (por vezes extenuante) dos que vivemos hoje e dos que viverão no futuro, nossos

descendentes, herdeiros e continuadores. Vivos e mortos, o que fazer com eles?20 Tudo

está interligado de forma indissolúvel como nos casamentos antigos. Há, na natureza,

uma ‘simpatia’ que aproxima tudo de todos.21 Em contraste, nem sempre se encontra na

sociedade a liga capaz de cimentar o buscado equilíbrio entre as dinâmicas distintas de cada

uma das partes do todo. Não obstante, ‘Regras’ vocacionadas a essa tarefa são consagradas

nos estatutos nacionais, regionais, locais, e até nos internacionais. A Constituição de 1988,

inúmeras vezes remendada, a essa luz foi batizada no nascedouro de “Cidadã”. E o é, por

muitos títulos. Mas padece, lamentavelmente, de grave transtorno bipolar congênito, no

que respeita à sua postura face aos desafios das desigualdades espaciais mais do que frente

aos desafios, igualmente deploráveis, das desigualdades sociais.

Com efeito, não é qualquer Carta Magna que inscreve logo após o Preâmbulo, como

um dos “Objetivos fundamentais da República”, a redução dessas desigualdades. E que,

para tanto, muito coerentemente, cria os chamados Fundos Constitucionais (entre eles, o

FNO) e outros dispositivos espalhados ao longo do escrito.22 Mas que “ao mesmo tempo e

sem corar, estabelece ‘compensações” em benefício dos estados e regiões mais bem dotados.

Um exemplo eminente dessa engenharia que envolveu excelsos constitucionalistas,

administrativistas, tributaristas etc, etc: a imunidade do ICMS “sobre operações que destinem

a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados e

energia elétrica.” Este último caso é, primordialmente, o dos Estados quase homônimos,

20 De Pombal, em bom e sonoro português, ao ser indagado sobre as providências a tomar após o terremoto de 1755, que arrasou Lisboa: “Enterrem-se os mortos. Cuide-se dos vivos.” E nada mais disse nem precisava dizer no momento. Mas havia muito a fazer daí por diante.

21 Cabe aqui menção ao “efeito borboleta”, segundo o qual o seu bater de asas na Califórnia pode provocar uma tempes-tade na Mongólia.

22 Re� ro-me principalmente às numerosas provisões sobre desenvolvimento regional, planejamento nacional e regional, regionalização do orçamento federal, e correlatos.

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Pará e Paraná. Outro exemplo: o Fundo do IPI. E muitas jóias mais.23 Era de esperar que essa matriz legasse a capacidade de disseminar a síndrome da dupla personalidade à sua incontável descendência de sucessivas gerações de leis complementares e ordinárias, sem falar nas todo poderosas e esticáveis medidas provisórias; e mais a multitudinária família de decretos mis, estatutos, regulamentos, portarias... E que, portanto, no nível infraconstitucional, viessem a prosperar pérolas como a Lei Kandir, que priva os estados exportadores de minérios e outros bens primários da receita a que teriam direito. Uma espécie de anticoncepcional fiscal a ser compensado pela inseminação artificial de numerário da União que, todavia, fiel a tradição imemorial, não costuma comparecer a tempo e hora e no volume devido. Ou mesmo por leis de índole regional bem intencionadas mas, na prática, perversas como a de nº. 124/2007, que fez a Sudam ressuscitar das cinzas. Ressuscitou, mas para quê, visto que veio ao mundo mutilada por vetos presidenciais que a podam de todas as vacinas nela incluídas contra privação, escassez, contingenciamento de orçamentos, créditos, receitas. Nem é excessivo relembrar, no capítulo das maldades, o lastimoso e interminável carpimento pelas escusas manobras que impedem concluir as obras das eclusas de Tucuruí.24

Na “Ópera do Malandro” já vimos que a desprezível Geny chega a se converter, por um breve hiato de tempo, de maldita em bendita. De execrada, em exaltada. Na Regra Suprema do país dá-se o inverso. Com uma diferença marcante: a requintada, requestada Cidadã, assume parcialmente, mas em caráter vitalício o figurino da Geny. E por quebra, o de Capitu. Um “poço de bondade” como a Geny. E dual, dúbia, duvidosa, “oblíqua e dissimulada” como na definição machadiana. Revela-se, pois, não mais uma Cidadã anônima, mas uma Cidadã que se comporta como Geny, que atende pelo apelido de Capitu, a Capitu do Direito Constitucional pátrio e, presumo, universal. É assumida e abertamente bipolar. Infiel ao juramento de amor incondicional, irrevogável e irredutível consagrado no seu art. 3º, III. Ao opor aos mecanismos e instrumentos que distinguem a Amazônia,25 outros da mesma estirpe em favor das regiões e estados avançados, praticamente consagra, congela, convalida as desigualdades. De caso pensado, dá com uma das mãos, tira com a outra. Flerta levianamente por trás dos panos. Nunca se entrega por inteiro ao seu amor ‘oficial’. Trata de modo igual os desiguais, em lugar de adotar corretores todos eles na razão direta das necessidades e na razão inversa das capacidades.

De qualquer maneira, é inegável que muitas obras e investimentos federais têem sido e continuam a ser realizados na região sob sucessivos governos. Ninguém pode negar.

23 Exempli� cando: o texto original da Carta Mana continha disposições de autorização para os Estados criarem um adicional de até 5,0% ao imposto de renda arrecadado no respectivo território (exercício masoquista para amazônidas curiosos: comparem o valor absoluto possível da arrecadação do seu estado com a de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e outros menos votados). O dispositivo foi abolido na mini-reforma do início do milênio, que, para compensar, também aboliu normas favoráveis à periferia, como a que remetia a lei complementar para de� nição de regras capazes de garantir retenção de parte dos depósitos bancários captados em cada região.

24 E eis que de repente, não mais do que de repente, são anunciadas 27 novas eclusas a desimpedir de vez a navegação � uvial no país. Alvíssaras!

25 Não só ela, reconheça-se, mas é nela que está o nosso foco.

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Percebam, no entanto, que eu falei na região, não falei pela, ou para, ou em favor da região. Do ponto de vista territorial não há nenhum automatismo entre a causa e os efeitos. Ao contrário, em maioria os efeitos multiplicadores dos investimentos são ostensiva e ofensivamente canalizados para o Brasil anamazônico, quando não para o resto do mundo. A energia de Belo Monte, à guisa de exemplo, só em 4,0% será consumida no Pará. Logo, recolherá ao erário paraense algo como 4,0% da totalidade do ICMS que vai propiciar. Os outros 96,0% nós os presentearemos, de boa ou má gana, aos erários dos estados consumidores. E é a mesma perversa cacofonia que em proporções variadas já soa há décadas em Tucuruí e vai soar também em Rondônia por conta de Jirau e Santo Antônio. E em torno de quantas mais hidrelétricas forem projetadas e construídas, dezenas, como anunciado, no Tapajós, no Tocantins, no Xingu, no Telles Pires, no Aripuanan, no Roosevelt e demais potenciais espalhados por este mundão do Grão Pará.26 Ao mesmo tempo, parcela considerável das populações locais continuará dependente de lamparinas e lampiões, ou, na melhor das hipóteses, de geradores locais precários, poluentes e caros. Mas vê boquiaberta, babando de inveja, os seus povoados e vilas serem salteados pelos linhões de transmissão da energia produzida aqui dentro para consumo lá fora, a ser tributada lá fora, multiplicando emprego e renda lá fora. Está bem, eu sei, todos sabemos, miraculosamente somos um país só. Falamos a mesma língua (com sintaxes e sotaques um tanto variados, não importa). E perante a Lei Máxima, e a miríade de leis mínimas, somos todos iguais. Somos em síntese “um país tropical, abençoado por Deus, bonito por natureza”, Jorge Benjor que o diga. E daí? Então, com todo respeito, e ainda que mal pergunte, se somos todos bonitos, abençoados e iguais, por que cargas dágua uns são notoriamente mais iguais do que os outros?27 Consagrar essas desigualdades é por acaso obra de amor infindo, inesgotável, inigualável? Daquele amor que elogiamos lá atrás, o amor benevolente? Ou de amor concupiscente? Com quem, afinal, estamos lidando: com a leviana Geny, com a impoluta Cidadã ou com a insondável Capitu?

Entoaremos ao fim e ao cabo uma litania à cidadania amazônica ou redigiremos o epitáfio da sua capitulação?

26 Claro, há a clareira manauara do complexo Zona Franca/Pólo Industrial, que pelas suas especi� cidades merece trata-mento à parte, não abordada explicitamente aqui. Mas que tem se voltado historicamente para a oferta de produtos que não demandam insumos locais senão em escala reduzida, gerador de empregos diretos em números expressivos, e ainda assim, pela sua arti� cialidade radical, incapaz de multiplicá-los por indução na própria região. Em si mesma, um corpo estranho e enclave, de outra con� guração, é certo, mas em essência comparável aos Grandes Projetos de mineração. E que, pela sua dependência de favores excepcionais, � ca sujeito aos efeitos dos bons ou maus humores dos Códigos Tributários de outros estados (entenda-se: basicamente, São Paulo), bem como do grau de abertura do comércio interna-cional (exempli� que-se: a invasão de produtos chineses, geralmente ruins, feios e baratos). E mais o grau de sensibilidade, maior ou menor, do STF para captar todas as nuances das variáveis nacionais, intranacionais e internacionais envolvidas, quando chamado a decidir Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINS, para os íntimos) e mandados de segurança impetrados para deslindar a selva selvagem, o mato grosso de Constituições, instituições, leis, decretos, regulamentos, portarias, decisões e indecisões que sufocam o ambiente moral e legal na região. Não só na região, já foi dito. Mas é ela que aqui foi colocada aos nossos cuidados.

27 George Orwell, claro, em “Animal farm”, vertido para o português do Brasil como “A Revolução dos Bichos”.

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SÚMULAmais ou menos vinculante

1. Não é de economia pura que se faz uma Amazônia. Ela não pode ser submetida pelos senhores do mundo ao cálculo frio. Há nela um cálido espaço para a ética da doação e da gratuidade do amor. Não pode ser apenas o cenário e palco de desabrida competição entre seres humanos sanguíneos, predadores. Seja, sim, o espaço privilegiado para o convívio entre semelhantes de todas as etnias, cores, tipos. Solidários. E afáveis.

2. Ao revés, também não é de ecologia pura que se faz uma Amazônia. A sua regência não poderá ser confiada ao instinto animal, por sublimado que se apresente, antes deve ser confiado ao sentimento humano organizado pela razão. Não pode ela ser presa de turbilhões de paixão, ordenada que está a fazer bom uso da compaixão pelos sofrimentos da humanidade. Da brasilidade. E de plano, os da amazonidade.

3. Em contraste com o mundo ‘desenvolvido’, o crescimento econômico responsável da Amazônia reclama ainda, com justiça, por algum tempo mais, o direito natural de lutar por níveis atléticos de desempenho, de bater recordes na superação do fosso. O mundo não amazônico, ao invés, reúne condições objetivas para a frugalidade eo crescimento zero. Mas falha na adesão voluntária ao ascetismo.

4. Na verdade, de forma irresponsável e desafiadora, como quem não tem contas a prestar, esse mundo apartado é vitima das três ânsias que o corroem por dentro: a distância, a ganância e a arrogância. E ensaia transferir para o amazônida o seu dever de se tornar abstinente desde já. O carro adiante dos bois: que pratiquemos jejum antes mesmo de superar a anemia crônica, antes de curar a anorexia que nos sufoca.

5. Enfim, amar o Brasil (e dentro dele a Amazônia), não fatias de um e outra, é muito mais do que cantar “Ó Pátria amada, / idolatrada, / Salve! Salve!” ou “Brasil, meu Brasil brasileiro, / meu mulato inzoneiro”. O mandamento cívico mais primário exige que se procure dar à nação (e à região) reais condições para fazê-las mais fraternas, e por isso mais solidárias, e por isso mais iguais. E mais felizes.

Oxalá! --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

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A AMAZÔNIA QUE EU VI: MEIO SÉCULO DE HISTÓRIA

Lúcio Flávio Pinto

Eu tinha 16 anos quando “estreei”, em maio de 1966, como jornalista profissional nas páginas de A Província do Pará, jornal diário fundado em Belém, em 1876 (um ano depois de O Estado de S. Paulo, que permanece ainda em circulação), por uma elite local, e adquirido por Assis Chateaubriand 70 anos depois. A partir daí, A Província passou a integrar os Diários e Emissoras Associados, império que dominou as comunicações no Brasil durante três décadas, só equiparável à atual Rede Globo, no trono por período equivalente.

No segundo semestre desse ano de 1966 “cobri”, testemunhei e relatei dois acontecimentos que mudariam os rumos da Amazônia. O primeiro deles, em junho, foi o Simpósio Internacional sobre a Biota Amazônia, em comemoração ao centenário da mais antiga instituição de pesquisa científica da região, o Museu Paraense Emílio Goeldi. O outro, em outubro, foi a Iª (e única, como Momo) RIDA (Reunião de Investidores para o Desenvolvimento da Amazônia), que resultaria na criação da nova política de incentivos fiscais, a ser executada por dois novos órgãos públicos: a Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) e o Basa (Banco da Amazônia).

Não por acaso, assim, as teias da minha vida se entrelaçaram aos fios – frequentemente invisíveis a olho nu – da história da Amazônia, no seu mais recente e talvez derradeiro capítulo. Alguns batizaram esse capítulo, com apenas meio século de duração, de “a integração da Amazônia”, procurando defini-lo através de paralelos com a “corrida” ao Oeste americano, no século XIX. Eu prefiro chamá-lo de “conquista e submissão”, comparando-o à conquista – e submissão, à força – da África e da Ásia pelo colonizador europeu.

A Amazônia, nessa transformação sem volta, é, antes de tudo, colônia. Não há mais exata conceituação para um lugar que é ocupado de fora para dentro, impositivamente. O conquistador chega com a régua e o compasso na mão, trazendo consigo um mundo, o seu mundo, para superpor ao mundo no qual se instala. A aculturação do colonizado não é uma faculdade: é uma imposição. A região é conquistada para ser transformada, para servir aos propósitos do colonizador. A Amazônia, uma particularidade e uma singularidade neste planeta, tem que deixar de ser Amazônia para ser “integrada”, incorporada, absorvida.

O inferno verde precisa ser uma extensão do foreland. Para se tornar moderna, contemporânea, precisa aceitar sua condição subordinada, de extensão da metrópole. Ainda que, num crescimento de rabo de cavalo, para baixo, ameace se tornar não um deserto vermelho, como previam os americanos Robert Goodland e Howard Irvin, na década de 70, mas uma savana africana. A Amazônia terá sido poupada por dois séculos para resultar na mesma selvageria destruidora da África e da Ásia.

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Em 1966 a Amazônia já acumulava muita história, mas tudo estava ainda por fazer. Apenas uma fração dos seus primeiros ocupantes, que nela se instalaram sete mil, oito mil ou talvez mais de 10 mil anos antes, conseguira sobreviver à sangrenta fixação do europeu à terra. Mas havia todo um universo de conhecimento a descobrir ou recuperar sobre a harmonia entre o homem e a natureza, a página do Gênesis que Deus deixara para o homem escrever, na observação que Euclides da Cunha fez no alvorecer do século XX, impressionado com aquele mundo ainda em formação, geologicamente imaturo, materialmente inconsolidado. Essa página em branco já tinha algumas garatujas, mas eram pequenas, feitas a lápis. Nada que a boa assepsia de uma borracha não eliminasse.

Reino da luz, da água e da floresta, a desafiar os cânones do saber criados com base em outras paisagens, a Amazônia é – e é cada vez menos – o território ideal para um derradeiro experimento do homem, impenitente e impertinente homo agricola: o estabelecimento de uma civilização florestal, baseada no uso inteligente do bem mais nobre desse bioma, centrado na massa vegetal, fonte da maior biodiversidade da Terra.

No entanto, eis como já ingressamos nos anais da história humana: como o povo que mais destruiu florestas em todos os tempos. Em menos de meio século, mais de 700 mil quilômetros quadrados de floresta nativa postos abaixo. A velocidade e a amplitude dessa destruição impressionam. Em 1976 o satélite Skylab “fotografou” o maior incêndio registrado pela máquina de informação, provocando comoção internacional.

O fogaréu de quase 10 mil hectares fora provocado pela Volkswagen, que se achava no sul do Pará produzindo não veículo automotor, sua especialidade exclusiva até então, mas boi, sua “desespecialidade”, para usar uma expressão neológica, que Lewis Carrol assinaria com embevecimento, dada sua aptidão para a linguagem surreal, a única que cabe à reprodução da insensatez padrão na conquista amazônica.

Naquele momento, toda alteração das condições naturais da região ainda estava abaixo de 1% da sua superfície. Por causa do impacto da imagem do satélite americano, flagrando uma das empresas mais poderosas e vanguardistas de então, com a mão na mais primitiva tecnologia do homo sapiens, o fogo, a queimar a página da criação divina delegada ao homem, a Amazônia foi a primeira região a ser integralmente coberta por imagem de satélite, cinco anos depois do investimento pioneiro no Radam (Radar da Amazônia), programa de alta tecnologia que substituiria a cartografia convencional, só depois se estendendo ao restante do país.

Na mesma Belém daquele já distante 1966, num intervalo de apenas um mês, os dois elementos antitéticos se apresentavam para encenar o drama, que frequentemente degenera na farsa malsã: os “desenvolvimentistas” de um lado e os “conservacionistas” do outro, se me permitem usar conceitos tão pouco heurísticos. Os donos do capital e do poder, exercido diretamente ou através de seus representantes políticos, querendo expandir seus tentáculos sobre o sítio da natureza, conjuminando estratégias e enredos na Iª RIDA.

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Os representantes do conhecimento, reunidos no encontro acadêmico comemorativo ao centenário do “Goeldi”, empenhados em conciliar o fazer ao saber – e tentar aumentar o conteúdo de verdade desse saber. Os primeiros à frente, derrubando mata, levantando cidades, abrindo estradas, edificando hidrelétricas, semeando cultivos agrícolas, abrindo buracos nas entranhas da terra fecunda de minérios. Os segundos, ora ouvindo estrelas, ora juntando os cacos fragmentados, ora – e sempre – a lamentar a perda da oportunidade de conciliar o homem com a natureza na fronteira.

Esta não é a terra nula e não é o espaço vazio dos militares e da sua geopolítica. Esta terra tem uma história densa. Para usar uma poesia tão significativa desde o título, do americano naturalizado inglês T. S. Elliot, esta é uma terra arrasada (ou devastada). É a fronteira amansada pelo bandido. Essa política de terra arrasada veio em círculos, em novos círculos dantescos, em vários momentos. Numa sucessão muito rica de uma história muito complicada, é assim a história da Amazônia, eventualmente tocando na história do Brasil. Nós, para todos os efeitos, até para os efeitos políticos, devíamos produzir a nossa história como uma história paralela de um país vizinho ao Brasil.

E se de um lado nós temos a história da natureza, como ela é, de outro temos a história da cultura de quem viu a Amazônia a partir de expectativas, preconceitos e verdades pré-estabelecidas, raramente conseguindo ver a Amazônia como ela é. Imediatamente se lhe atribuem valores e muitas vezes os valores nada têm a ver com a constituição física e mesmo com a tradição histórica da região: o Eldorado, a Terra das Amazonas, o Inferno Verde, o Celeiro do Mundo, o Deserto Vermelho. Se nós não conseguimos ver essa história real, a natureza como ela é, nós vamos sempre impor um padrão que temos na cabeça em relação à Amazônia. A aproximação do real resultará sempre em distorção e colonialismo, em destruição.

No romance Quarup, de Antônio Calado, há um capítulo sobre os índios. É um momento em que se confrontam os dois maiores sertanistas que já houve no Brasil, o Chico Meireles, que no romance aparece com o nome literário de Chico Fontoura, e Orlando Vilas Boas, que aparece como Vila Verde. Eles começam a discutir sobre o que fazer diante dessa sucessão de destruições fantásticas, destruições impressionantes, destruições ecológicas, antropológicas, sociológicas, históricas. Chico Meireles diz mais ou menos o seguinte: Só tem uma saída. Pegar os índios colocar em num avião da FAB e descer no Rio de Janeiro – que era a capital federal de então – e flechar o máximo de gente que puder até morrer o último guerreiro. Mas ele morre como guerreiro, não morre de sarampo, febre, diarréia. Pode um guerreiro morrer de diarréia? É a solução do desespero, mas é a solução induzida pela realidade.

Quando nós olhamos o futuro, muitas vezes temos que olhar para trás – “nós, civilizados”, entre aspas. Porque a história é o nosso maior patrimônio e nós pagamos muito caro pela história de vida. Eu gostaria de pensar o futuro sempre pensando em algumas situações do passado. Não vou remontar muito e nem exibir transparências para fazer uma reedição mais graciosa. Mas eu gostaria de remontar a um ponto traumático da nossa vida, do qual sempre iremos falar, que é a Cabanagem.

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Poucos anos atrás, David Cleary divulgou documentos que encontrou no Foreign Office, em Londres, publicados posteriormente pelo Arquivo Público de Belém. No meio dos documentos reunidos, absolutamente inéditos, havia uma carta do embaixador da Inglaterra no Rio de Janeiro para Lorde Palmerston, que era então, em 1835, o ministro das relações exteriores da mais poderosa nação do planeta. Nessa carta, o embaixador informava que fora chamado para um encontro sigiloso com o paulista (sempre os paulistas!) Diogo Antônio Feijó, que governava o Brasil como regente em nome de D. Pedro II, ainda criança.

Nessa reunião, Feijó informou que o nascente Império brasileiro enfrentava duas rebeliões, nos dois extremos do Brasil. Uma em São Pedro da Aldeia – o nosso atual Rio Grande do Sul – e outra na Amazônia, o Grão Pará e Rio Negro.O governo não podia reprimir os dois movimentos ao mesmo tempo. Por isso, decidira convocar não apenas o embaixador da Inglaterra, mas também os representantes da França e – pasmem – de Portugal, país do qual o Brasil ainda estava se libertando. Feijó sugeriu ao embaixador que reunisse mil homens da mais temida esquadra e invadisse Belém, matando quantos cabanos precisar, depois entregando a província “pacificada” ao Império, que ignoraria a invasão e as mortes.

Perplexo, o embaixador narrou o encontro e sugeriu a Palmerston que não acatasse a sugestão. Lembrou-lhe que a constituição brasileira não permitia a presença de tropa estrangeira em território nacional. Só com a autorização do congresso tropas estrangeiras podiam entrar no país. Que isso seria uma guerra e que não valia a pena à Inglaterra. A Inglaterra tinha que respeitar a soberania brasileira, mesmo com a autorização de Feijó, dada, porém, secretamente.

Nessa época a armada inglesa deslocara de Barbados para Belém uma expedição para averiguar ataque e saque praticado contra um navio mercantil inglês na costa do Pará. Toda a tripulação foi assassinada, exceto um sobrevivente, e a carga roubada. O comandante da expedição, depois de inspecionar Belém, ocupada pelos rebeldes, verificou que com apenas 150 fuzileiros poderia acabar com aquela rebelião. Não precisaria nem dos mil homens autorizados

Essa documentação obriga a uma profunda revisão histórica desse período. Por que o Feijó fez essa proposta tão monstruosa, renunciando à soberania nacional? Por que, tendo que optar, optou pela revolta farroupilha, no Sul, e entregou a revolta do Norte à repressão estrangeira? O império negociou durante cinco anos, para que São Pedro da Aldeia não tentasse se separar do Brasil e formar um novo país. Mas nós, da Amazônia, do distante Grão Pará, que não tínhamos nenhuma relação com a capital nacional, que não éramos exatamente um igual, nós tínhamos que ser reprimidos porque éramos selvagens. Selvagens que não tinham história, que não podiam ser respeitados, nem naquela época e nem hoje.

Não interessava se ingleses, franceses e portugueses matassem os bugres da Amazônia, talvez ainda dominados pelos colonizadores portugueses. Eles não eram iguais.

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Eram, na verdade, desconhecidos, integrantes de um Brasil tardio, atrasado, inferior. O Estado nacional lavava as mãos, queria manter a integridade nacional como um lastro para o projeto da hegemonia de um poder, de um colonialismo endógeno. Os estrangeiros fariam o serviço.

E até hoje, na maioria dos palanques, os líderes “neocabanos” de hoje dizem que os estrangeiros, sobretudo, a Inglaterra, não tomaram conta da Amazônia porque os cabanos resistiram, porque o presidente cabano Eduardo Angelim resistiu, porque ele recusou as armas que os ingleses lhe teriam oferecido para proclamar a independência da Amazônia. Toda uma mitologia baseada num ouvi dizer de um único testemunho escrito da época, de Domingos Antônio Raiol, autor do livro Motins Políticos, que – em cinco volumes – começou a ser publicado 30 anos depois da Cabanagem.

Na verdade, nem Inglaterra e nem França queriam naquela época transformar a Amazônia numa colônia. Era muito mais rentável explorá-la através do Estado nacional brasileiro, do capitão do mato, economizando recursos, investindo menos e extraindo mais, sem o custo da estrutura estatal metropolitana. Da mesma maneira como é por uma razão econômica que hoje se insere o conhecimento tradicional dos índios nos estatutos jurídicos internacionais.

Essa é uma lição terrível. Nós, da Amazônia, precisamos nos relacionar com o mundo exterior. Não existe a nossa história sem esse relacionamento. Nós sempre estivemos diante do mundo e só nos afirmaremos em face dele. O que significa jogar no lixo a retórica da geopolítica militar, que tem feito um mal terrível à Amazônia.

De outro lado, o Estado nacional nada nos diz. Nós fazemos parte de uma federação, unida por uma abstração, a língua nacional. Mas esse Estado nacional, não tem nada para nos dizer, nem nós a ele. Ele não é permeável a nós, não nos expressa, não nos representa. Ele se impõe a nós coercitivamente, de cima para baixo. Daí a Constituição de 1988 ter sido terrível para os interesses da Amazônia, a tal constituição-cidadão do nosso Ulysses Guimarães, que trabalhou sobre uma cláusula pétrea, inamovível, a organização federativa da república. Por ironia, essa constituinte foi convocada por um nativo híbrido da Amazônia, o maranhense José Sarney, o primeiro presidente civil desde 1964. Com essa cláusula prévia, ele traiu os interesses políticos e jurídicos da sua terra.

Nós tivemos outro momento de ligação espasmódica com o Brasil, na época da borracha. Para explicar nosso insucesso nessa época, inventamos mais uma mitologia, muito simpática e reconfortadora, de que só perdemos o domínio do mercado da borracha porque o inglês Henry Wickham, mais um estrangeiro na nossa vida, contrabandeou as sementes de seringueira lá de Santarém. Levou-as para se adaptarem no Kew Garden, em Londres, e depois foram plantadas no Oriente. Outro estrangeiro, o americano Warren Dean, no primeiro grande livro da história verdadeiramente ecológica do país, demonstrou a falácia: nós permitimos a saída legal das sementes da hevea brasiliensis. Talvez por estarmos convencidos de que Deus é realmente brasileiro e nos manteria com o monopólio.

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O mundo aprendeu uma lição nesse episódio: não podia depender do Brasil, da Amazônia, da biodiversidade. A Amazônia perdeu, com a borracha, uma guerra ecológica, experimentando o lado negativo de um caleidoscópio que lhe costuma ser favorável. A partir da perda do monopólio de produção e da expressão que nossa produção tinha, até se tornar insignificante no mercado internacional, nós entramos na nossa chamada Idade Média. Tão dominados somos pela mentalidade colonial, que um dos períodos mais ricos da nossa história nós chamamos de Idade Média, idade das trevas.

Ninguém então nos dominava e ninguém nos exigia. Tivemos que fazer vários esforços, inclusive, para os capitalistas, o esforço mais dolorido, que é tirar dinheiro do bolso. Nossos capitalistas tiveram que investir nos negócios deles e correr risco, o que constitui a pedra de toque do capitalismo. Por isso, a pedra contrária é a do monopólio, ou do subsídio estatal, que tem sido a constante ao longo da história da Amazônia, desde a época de Pombal.

E assim tivemos que dar conta das tarefas, entre as décadas de 20 e 40 do século passado, até que, logo depois do fim da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos mandaram uma missão econômica, com a qual começava uma nova era na Amazônia. Essa história até hoje permanece nos arquivos estrangeiros, esperando um pesquisador que tenha paciência de ler documento primário sobre essa nova história, que agora é definitiva. Nós não vamos mais nos desligar do mundo. Queiramos ou não.

Na década de 20, os Estados Unidos e o mundo começam a discutir para valer a Amazônia – para valer para eles, é claro. Queriam encontrar o caminho real entre os mitos de celeiro do mundo ou inferno verde. Verificaram que a Amazônia é muito diversificada, muito mais complexa do que pensavam. Aos poucos os estrangeiros foram aprendendo muito mais rápido do que nós. Porque eles tinham um projeto e nós não tínhamos. Eles tinham a tecnologia que nós não tínhamos, tecnologia compatível com o projeto que eles conceberam e que foi se adaptando, apesar de muitos erros cometidos, às peculiaridades locais. Eles começaram a descobrir que a Amazônia é diferente do resto do mundo tropical; que há alguma coisa específica nessa designação de Amazônia, a região que corresponde a mais da metade do território brasileiro e, no continente sul-americano, tem quase o tamanho dos Estados Unidos.

No esforço da Segunda Guerra Mundial e no trabalho que se seguiu, da Comissão Mista Militar Brasil-Estados Unidos, eles fizeram o levantamento aerofotogramétrico da calha central do rio Amazonas. Na época se imaginava que havia hidrocarbonetos nessa área, a maior bacia terciária do planeta, de terras muito recentes. Depois, verificaram que tinha petróleo, mas que a tecnologia não era suficiente para extraí-lo. As perfurações em águas profundas e o uso de helicóptero viriam depois. A bacia terciária deixou de ser área prioritária à época. O interesse foi desviado para os espinhaços do Pré-Cambriano, geologicamente mais antigos, no qual estavam as mineralizações.

Rapidamente foi iniciada a exploração do manganês do Amapá, a partir da metade da década de 50. Mas nós não chegamos a perceber que aquele manganês constituía uma

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das melhores jazidas do mundo ocidental, em uma época em que a indústria siderúrgica era toda a base da economia. Faziam-se festas para comemorar a saída, a cada ano, de 800 mil ou um milhão de toneladas de manganês para os Estados Unidos, numa escala tão intensa que, antes do fim da concessão, a Icomi, a empresa formada pela Bethlehem Steel com o empresário mineiro Azevedo Antunes, devolveu as jazidas – ou melhor, os buracos das jazidas.

E aí entram os intelectuais. Os intelectuais da época foram para o meio do mato, que é uma coisa não muito comum entre intelectuais. Foram recrutados alguns do sul do país, como Glycon de Paiva. Eles inventaram uma história. De que o manganês do Amapá não tinha preço para ser trazido para o sul do país, ajudando sua industrialização. Não tinha preço para chegar à Bahia, por exemplo. O comércio de cabotagem tornava o frete proibitivo.

Muita produção acadêmica passou a mostrar que a matemática era determinante para nós termos que exportar, a preços cada vez menores, o manganês para os Estados Unidos. Quando o teor baixou para 42%, 38%, 36% de manganês contido na rocha, a matemática mudou. E aí, o Amapá exportava crescentemente para a Bahia, para o Sul, e não houve o combate intelectual contrário a isso. A inteligência da esquerda não conseguiu combater com argumentos. Combateu com plataformas políticas e com gritos de urra. Não demonstrou que aquilo era uma manipulação. Esse “detalhe” é muito importante, porque, em geral, os temas amazônicos são debatidos com exuberância em palanque, mas não sobre esquadro e compasso.

Deixando a bacia sedimentar para depois e se concentrando nas terras mais antigas, os americanos descobriram Carajás, que é a maior província mineral do planeta. E descobriram saindo muito depois de iniciada a corrida ao minério. Nós tínhamos saído em 1954, com o Projeto Araguaia, que era o maior projeto de mapeamento mineral executado até então. É preciso considerar esse “detalhe”: o projeto internacional para a Amazônia, liderado pelos Estados Unidos, não era único e o Estado não era apenas caudatário, um mero “cão de fila do imperialismo ianque”, como se dizia no jargão da época. O Estado também tinha a sua margem de autonomia, a sua margem de interesses específicos, relacionados ao seu caráter patrimonial, burocrático, da sua própria elite, que costuma ser derivada da elite estrangeira, mas nem sempre.

Nos momentos de colisão, nossa elite consegue ser pior do que as elites estrangeiras. O Estado brasileiro chegou à conclusão de que a Amazônia tinha importância, ou viria a ter. Na base orgânica do Estado, agia o pensamento militar, com destaque na Amazônia. Um dos grandes erros que a esquerda cometeu até 1964 (e volta a ele atualmente) foi não dialogar com os militares. Em geral, a esquerda mantinha com os militares uma relação de Tom & Jerry. Eram militares com espada correndo numa direção e a esquerda, sem espada, correndo em outra direção. Não houve um fórum para o debate. Os fóruns, em geral, eram a praça pública e nós, realmente, quebrávamos a cabeça literalmente, no momento do choque.

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Pois os militares tinham um projeto seu para a Amazônia. Sempre tiveram. É uma das bases da weltanschaaung dos militares na base da república. Quando perceberam que os estrangeiros estavam na frente, os militares formularam projetos. Com a democratização de 1945, os militares souberam se ajustar como uma categoria moderna ao estado civil e surgiu a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia, como um dos elementos da origem do planejamento regional, que começou na Amazônia, apesar de tudo ter passado pelo Nordeste, graças ao brilho de Celso Furtado. O Estado brasileiro se comprometia a aplicar, durante 20 anos, 3% da renda tributária nacional na Amazônia. Os conceitos-chave eram valorizar a Amazônia, conhecer e valorizar a Amazônia. Esse era o jargão.

Por quê? Primeiro porque o Estado brasileiro vivia um dos momentos de maior democracia e, por isso, de maior lucidez. Não é mera coincidência a conciliação destes dois termos. Reconheceu a autonomia da região, reconheceu que precisava saber da região, reconheceu que ela não era uma terra vazia. Havia inteligência e desinteligência na Amazônia, mas ambas precisavam ser consideradas. Então, conhecer para valorizar e para utilizar.

Em 1956 o Brasil sediou o congresso internacional de geografia. Um dos roteiros oferecidos aos participantes era na Amazônia. Um grande brasileiro, Lúcio de Castro Soares, escreveu o roteiro da visita, contando também a história da Amazônia naquela época, 1956, dez anos antes da biota amazônica, da criação da Sudam, do Basa. E naquela época, qual era o grande anseio do planejamento regional mais antigo do país? Era que as dificuldades do inferno verde fossem resolvidas pela ciência e a tecnologia. Lúcio era um homem positivista, otimista, que achava que o agente de colonização da Amazônia ia ser o cientista, que herdaria o acervo deixado pelos viajantes estrangeiros, que foram mais longe do que os brasileiros no hinterland, exceto os poucos e honrosos brasileiros, como Alexandre Rodrigues Ferreira e Ferreira Pena.

Toda a confiança, toda a esperança da região, era de que ela não deveria mais ficar dominada pelo extrativismo, para não ficar inerte pelo extrativismo dos coronéis de barranco, os donos de rios, como José Júlio de Andrade, no rio Jari, José Porfírio de Miranda, no Xingu, Altevir Leal, no Envira. Tinha que sair desse feudalismo, conforme chegou a ser visto por teóricos marxistas. A ciência e a tecnologia à frente, seria possível conciliar a expansão econômica, incorporação das novas áreas, com a eliminação da Amazônia insalubre, terrível, que assustava os estrangeiros, que foi uma das principais causas de, até o início do século XX, nenhuma grande nação tentar tomar essa região de Portugal e, depois, do nascente império brasileiro.

A excursão foi em 1956, quando Juscelino decidia iniciar a construção da Brasília-Acre e da Belém-Brasília. É um momento de ruptura: um mundo vai ficar para trás e outro irá se estabelecer, sem ligação com o passado. Todas as projeções de futuro se fariam em torno de floresta e água. Na floresta havia uma combinação do conhecimento ocidental com o conhecimento das populações tradicionais. Os índios Tupi-Guarani conheciam a

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kaigapó, a floresta da várzea. Já então manejavam a floresta da várzea e também tinham um conhecimento – porém mais mitológico do que prático, utilitário – sobre a kaaété, que era a floresta de terra firme. Em tupi, ela significa a floresta verdadeira. Os índios tinham a plena consciência de que o grande desconhecido era a kaaété e não a kaigapó, determinada por suas características, pelo domínio da água, domínio que não podia ser contestado. O rio Amazonas chega a descarregar mais de 200 mil metros cúbicos (ou 200 milhões de litros) de água por segundo e a cada dia manda para o oceano seis milhões de toneladas de material em suspensão.

A verdadeira floresta estava na terra firme, com sua madeira de alta consistência, de grande densidade e, ao mesmo tempo, leve. Porque ali, a floresta verdadeira ia desafiar a nossa capacidade de ver a Amazônia.

Todos nós achamos que a Amazônia é o nosso ponto em comum, que é o pressuposto, mas esse pressuposto é falso. Porque raros conseguem ver a Amazônia. É preciso ter lentes especiais para vê-la, sem as quais não se conseguirá vê-la, por mais que se tenha informação cultural, tecnológica e científica. Sempre me lembro de um sobrevoo de helicóptero com técnico da Eletronorte em cima do que viria a ser o reservatório da hidrelétrica de Balbina, no rio Uatumã, no Amazonas, que eu criticava por causa do afogamento da floresta. E o técnico, bem intencionado, honesto dizendo: mas como é que você defende isso? Isso aqui é um latossolo amarelo vagabundo. Sim, e a floresta lá em cima do latossolo, respondi eu, com 40, 50 metros de altura, densidade fantástica? Não conta? Mas é justamente o que conta. Afinal, o que é a hileia, expressão grega, que inspirou Humboldt para fazer o grande batismo da nossa região? É floresta densa.

Este é o desafio: descobrir o coração, a essência, a alma da Amazônia nessa combinação de água e floresta. Que nós teimamos, relutamos, não aceitamos em descobrir até hoje.

A Amazônia é uma criação ao mesmo tempo da natureza e da cultura Mas qual cultura? A cultura que procura descobrir e adaptar, ou a cultura que muda, que transforma a paisagem, a expectativa de quem chega como um emigrante, seja o “seu” João da Silva, seja Daniel Ludwig. Quando Ludwig chegou à várzea do rio Amazonas, primeiro e único dos capitalistas dos grandes projetos, a ir para lá, em 1967, o que ele fez? Ele transplantou a técnica da Geórgia e fez uma plantação de arroz irrigado inviável, que faliu completamente. O que fez o “seu” João da Silva quando chegou pela primeira vez à Transamazônica? Desmatou o máximo de floresta que ele pôde ao redor, porque, entre muitas outras coisas, ele ouvia sons, que eram agressivos, que ele não conhecia, dos quais tinha medo. E de lá da floresta densa saía um terrível animal chamado pium, um mosquito com o qual os nativos conviviam sem alarde, mas que provocou febre hemorrágica entre os colonos e muita gente morreu sangrando. Seja o MST, seja a multinacional, eles não entendem o que é Amazônia. E querem fazer que a Amazônia deles seja a Amazônia verdadeira. Seja do assentado pobre, do assentado explorado, que vai destruir o capital dele sem saber que aquilo é capital.

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Porque nós não conseguimos descobrir a Amazônia. Nós nos recusamos a isso. Nós somos os eternos colonizadores. Mesmo aqueles que moram na região e pensam que são os agentes dos oprimidos, os intelectuais, rastreadores do sentido da história, mas que nela – e nela – não aprendem.

O futuro começou irremediavelmente, para nós, em 1973, quando, depois de todas essas preliminares – o levantamento aerofotogramétrico da Comissão Mista Militar Brasil/EUA, o Projeto Radam, o Projeto Araguaia –, já se tinham alvos selecionados na Amazônia. O Estado brasileiro, o mesmo que ofereceu a Amazônia aos franceses, ingleses e portugueses, que criou a SPVEA e o plano de valorização econômica, sem nunca aplicar na região os 3% da receita tributária que a valorizaria, sem nunca aprovar o seu plano de desenvolvimento, o primeiro plano regional, esse mesmo Estado esqueceu esses “detalhes” e criou a Sudam, com suas terríveis estradas, rasgando a floresta verdadeira, a da terra firme, e entregando-a na pira do sacrifício ao devastador insano, insensível, irracional.

Muitos dizem que sou pessimista quando faço esse discurso, que exagero. Remeto os increus ao texto do II PDA (Plano de Desenvolvimento da Amazônia), que foi produzido na administração imperial do nosso prussiano general Ernesto Geisel. No II PDA, que é um plano quinqüenal, para o período 1975/79, mas que até hoje é o enunciado mais claro do destino da Amazônia pela ótica de Brasília, esteja lá quem estiver, Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso ou Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

O ministro japonês Saburo Okita visitou Brasília, em 1971, e foi recebido pelo ministro mais poderoso de então, Delfim Netto, ainda poderoso a despeito das mutações do poder. Na época, os dois países milagreiros eram o Japão e o Brasil, que estava crescendo a mais de 10% ao ano. O ministro japonês do comércio exterior quis saber o que o Brasil ia fazer para manter aquela taxa de desenvolvimento, que não pode ser sustentada por muito tempo através de instrumentos como o AI-5. Delfim lhe respondeu, com pança e rompança, que o Brasil não tinha poupança igual à do Japão, mas contava com a Amazônia, que compensaria a insuficiente poupança nacional agregando produtos novos à economia brasileira, destinados totalmente à exportação, drenando volumes crescentes de dólares às contas do país.

Essa era a lógica que inspirava o PDA: o modelo de desenvolvimento da Amazônia é inevitavelmente desequilibrado. Ele gera o caos, uma concentração de renda fantástica, a irracionalidade. Ele é desequilibrado pela própria natureza, em função da necessidade de crescimento rápido. Mas esse desequilíbrio seria corrigido pelo planejamento, um ato de vontade do governo. Daí ser um modelo de desenvolvimento desequilibrado corrigido.

O problema é que o modelo tem sido eficiente apenas na criação do desequilíbrio. Já a correção são outros quinhentos. Por isso o Delfim, conselheiro putativo do presidente petista, receitar o crescimento do bolo e só depois o seu fatiamento, o que está sendo feito agora, como presente (ainda que de grego) aos excluídos do baile.

Esse desequilíbrio e esse caos são, em certa medida, resultados desejados, sob controle, mas em certos casos, não. Eles geram um monstro. É a relação do Dr. Jeckyll e

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Mr.Hyde. Imagine-se que o criador sempre irá controlar a criatura, mas isso será possível na Amazônia? O saber fazer poderá se impor ao fazer de qualquer maneira, a qualquer preço, para corrigir depois, compensar depois? Não acredito nessa hipótese. Só se chegará a um destino mais nobre para a Amazônia fazendo o certo desde o início, procurando o mais e o melhor antes de fazer.

A saída não é fechar a Amazônia para balanço, mesmo porque esse caminho é fictício: é preciso enfrentar imediatamente os desafios, de frente, com coragem, engenho e arte. O desafio é saber reverter o processo da exploração no sentido do processo do conhecimento e da libertação. Fazer aquilo que Marx fixou como uma utopia. Dizia ele que a ferrovia que os ingleses abriam para conquistar a Índia seria a mesmo pela qual os indianos os expulsariam. O segundo movimento demorou demais. Porque não foi por acaso que Marx desenvolveu essas idéias no Museu Britânico. Nós devemos nos abrir porque é impossível nos fecharmos. É preciso secionar as vias e as veias de sangria de riquezas da Amazônia.

Infelizmente a nossa história vem escrita de fora, o enredo já está pré-estabelecido fora de nós. E esse enredo provoca saltos de descontinuidade, que nos deixam no vácuo da compreensão. Fica faltando terra sob os nossos pés: ou caímos, ou levitamos. Eu digo que em 1973 começou a definitiva integração amazônica (sem aproximações seguidas de distanciamento, como aconteceu sob Pombal ou durante o monopólio da borracha) porque o mundo descobriu que a Amazônia é muita energia, na forma convencional ou a revelar. Desde então, para a região tem sido destinada a produção de eletrointensivos ou mesmo a obtenção de energia bruta.

O japonês Saburo Okita quis, em 1971, o aval do principal homem do sistema. Os japoneses iriam executar um projeto ousado, fechando todas as suas fábricas de alumínio, a partir do choque do petróleo. E a maior fábrica de alumínio japonesa foi construída a 20 mil quilômetros do seu território e produz para os japoneses 15% da demanda que eles têm de alumínio, a um preço inferior que os japoneses obteriam se produzissem ali mesmo, no Japão. É fantástica a capacidade desse povo, que realizou a maior transferência industrial que conheço, e é fantástica a incapacidade do povo que permitiu essa solução, que somos nós, sem tirar o mesmo benefício dessa relação, que, pelo contrário, nos tem sido altamente deficitária.

Quantas histórias iguais a essas ainda teremos que ouvir contar sobre o modo como estamos escrevendo e destruindo o Gênesis final? É possível escrever outra historia que não essa que nos têm imposto? Eu acho que é possível, e é o que justifica estarmos aqui. Nós queremos ser contemporâneos da história. Não queremos ser apenas o coro grego, só para bater palmas, não para fazer o contracanto. Nós queremos ser os personagens, porque a história está nos dando uma oportunidade, única. Muitos povos não conseguem fazer história porque a deles já passou ou não chegou. Outros não conseguem porque a história foi aprisionada.

Nós ainda temos uma possibilidade de liberdade, de livre arbítrio. Seria muito fácil no discurso dizer: não, o imperialismo, o capitalismo, seja lá qual for o demiurgo, já

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escreveu a história. O único que tem esse habeas-corpus é Deus. Que não está aqui. Como dizia Guimarães Rosa: se ele vier, que venha armado. É assim no Grande Sertão. Nós somos o grande sertão. Mas queremos ser o que somos: a grande floresta, a bela e maravilhosa floresta, a personagem principal da Amazônia e da ópera justa que pretendemos escrever.

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

OS CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA NA AMAZÔNIA (1912-2012) E OS DESAFIOS DA ECONOMIA VERDE E

INCLUSÃO SOCIOPRODUTIVA

Sylvio Mário Puga Ferreira

1 A AUSÊNC IA DE MARCO REGULATÓRIO NA REGIÃO (1912-1952)

Na primeira década do século XX, a Economia Amazônica experimentava a fase

final da euforia econômica propiciada pelo monopólio da oferta da borracha nativa no

mercado mundial alavancada pelos efeitos da Segunda Revolução Industrial (1870-1890) e

do surgimento da Indústria Automobilística no final do século XIX. Em 1908, a primeira

tonelada de borracha, oriunda das colônias tropicais britânicas (Ceilão, Malásia, Bornéu,

Java e Sumatra), ingressou no mercado internacional, sem causar preocupações nas classes

conservadoras regionais. O “mito” da invencibilidade da Borracha Amazônica, pelas suas

qualidades naturais, sem concorrência em nenhuma parte do mundo, permeava a convicção

que não existia a possibilidade do produto amazônico, ser superado pela concorrência

asiática. Em 1913 a produção asiática alcançou a marca de 47.618t versus 39.710t da

borracha amazônica, determinando a superação definitiva da mesma em quantidade

ofertada no mercado internacional.

As capitais amazônicas Belém e Manaus, foram fruto econômico quase que exclusivo de espetaculares rendimentos públicos e privados, auferidos com a exploração e exportação de borracha. Como a borracha atendia à demanda externa, sua dinâmica era determinada de fora para dentro, onde o produto ficava a mercê do jogo especulativo. Em 1911, os preços caem causando apreensão a todos como segue:

As flutuações enormes da borracha nesses últimos anos não lhe parecem que

sejam a conseqüência lógica de maior ou mais intensa procura nos mercados

consumidores, mas sim um efeito claro e insofismável de especulação desenfreada

e de pânico que estão possuídos os produtores da Amazônia, com os preços

baixos atuais comparados com os altíssimos que se caracterizam no ano anterior

(ACA, 1911, p. 40).

A superação da produção da borracha amazônica pela produção asiática provocou queda nos preços, e iniciou o colapso da economia da Amazônia em 1912. O Governo Brasileiro, por necessitar de receitas de exportação, buscou contornar a crise, pois do ponto de vista fiscal Amazonas e Pará, ao lado de São Paulo e Minas Gerais, respondiam no período 1889-1909, por mais de 50%, das receitas fiscais estaduais (COSTA, 1998, p. 30-36). Resultado do modelo de economia primário-exportadora.

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

TABELA 1 – Receita e despesa do Governo Central na Região Amazônica (1890-1910)

ANOReceita total

(preços constantes)Despesa total

(preços constantes)Receita/Despesa

1890 267,92 86,6 3.091891 223,77 61,3 3.651892 153,40 56,0 2.731893 170,94 48,9 3.491894 241,10 55,3 3.871895 226,72 79,0 2.861896 242,36 57,6 4.201897 249,39 47,1 5.291898 237,63 43,9 5.411899 304,99 43,3 7.041900 318,97 48,4 6.591901 294,31 60,6 4.851902 362,91 65,5 5.541903 449,16 125,1 3.591904 516,71 129,8 3.981905 659,19 128,6 5,121906 530,54 84,0 6.311907 692,36 114,9 6.021908 504,75 120,0 4.201909 715,58 123,0 5.811910 936,44 166,0 5.64

Fonte: SUDAM; FADE, 1997, p. 28.

Os problemas enfrentados pela borracha no mercado internacional afetaram a receita de exportação local, não somente no Amazonas, mas também no Pará. O problema provocou uma mudança de postura entre as lideranças políticas principalmente as amazonenses, que no período de bonança da borracha, buscavam nos limites da legalidade, extrair o máximo de vantagens sobre a borracha exportada, agora buscavam dialogar e encontrar estratégias comuns com as lideranças políticas paraenses para o enfrentamento da crise econômica.

O ouro negro, que tão extraordinariamente proventos podia trazer pelas aplicações múltiplas que a indústria moderna lhe dá, não reparte pelo produtor e aviador os benefícios compensadores dos esforços empregados na sua aquisição, porque, não ousa, um, estipular o valor do seu trabalho, nem pode o outro exigir a compensação exata dos riscos a que expos o capital empregado... E não sofre, com essa irregularidade somente o comércio amazonense: o paraense também está sujeito a idênticos prejuízos. Ë natural, porém, que haja um fim para todos os males e que para tão justo e alevantado desideratum se conjuguem todas as energias e esforços.

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

Assim as duas praças de Belém e de Manaós, de harmonia com os governos paraense e amazonense, todos unidos no mesmo propósito, assentaram as bases de um acordo para a valorização da borracha. (AMAZONAS, 1911, p. 6).

Os Estados do Amazonas e do Pará adoptarão, entre as medidas e providências, que julgarem adequadas e oportunas para estabilidade do preço da borracha, as que seguem:

Criação de dois Bancos de crédito agrícola e hipotecário, com o capital de três milhões de esterlinos, cada um, garantindo cada Estado, um juro até 6% ouro sobre o capital do respectivo Banco. Os Bancos terão suas sedes em Belém e Manaós e se organizarão nos termos dos projetos de leis que são aceitos e adoptados nesta data, ficando um exemplar rubricado em poder do Governador do Amazonas e outro em poder do representante do Governador do Pará. Os Bancos serão administrados por Diretorias autônomas, eleitas pelos acionistas, com exceção de um Diretor, que será de nomeação do Governo de cada Estado; mas ambas as Diretorias, ficarão subordinadas a um Comitê... (AMAZONAS, 1911, p. 10).

A partir da Mensagem Presidencial enviada por Hermes da Fonseca foi aprovado em dezembro de 1911, um Projeto de Lei convertido no Decreto n� 2.543-A, de 05 de Janeiro de 1912, aprovando o Plano de Defesa da Borracha, e no Decreto n� 9.521, de 17 de Abril de 1912, que aprovava o Regulamento de Defesa da Borracha. O Plano de Defesa da Borracha (ACA, 1912) era bastante completo e

isentava de impostos os materiais destinados à cultura da seringueira, instituía prêmios aqueles que plantassem seringueiras, criava estações experimentais nos territórios produtores, previa prêmios a usinas de beneficiamento nas zonas gomíferas, hospedarias de imigrantes, construção de estradas de ferro, isenção de impostos para embarcações, fomento às atividades agropecuárias, colonização, dispunha sobre legislação de terras, sobre acordos tributários entre a União e os Estados produtores e outras providências complementares (FONSECA, 1950, p. 150).

O Plano de Defesa da Borracha buscou criar mecanismos de intervenção não-exclusivamente econômica na Amazônia. A viagem do cientista Carlos Chagas (FIOCRUZ, 1996) aos Rios Negro e Branco, de outubro de 1912 a março de 1913, sinalizou essa forma de atuação.

Além disso, o Poder Central também planificou naquela época o saneamento do vele, a fim de proporcionar aos seringueiros as necessárias condições profilático-sanitárias indispensáveis ao desenvolvimento da produção e do futuro social e econômico da região amazônica. (ROCHA, 1952, p. 26).

A superação da Borracha Asiática pela Borracha Amazônica nos mercados mundiais inaugurou na região uma forte retração econômica entre 1913-1942, pois a transição do Monoextrativismo da Borracha para o Poliextrativismo de outras culturas como a Castanha e o Açaí, entre outros, era difícil numa economia não-monetizada, onde o escambo prevalecia nas trocas comerciais, ancorados na figura do Regatão.

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) aprofunda a crise, pois as transações comerciais dos produtos amazônicos eram efetuadas no mercado internacional, que se desorganizou por conta do conflito. Terminado o conflito mundial, a Inglaterra que controlava 75% da oferta mundial através de suas colônias elabora um plano para estabilizar os preços da borracha, cujos estudos foram liderados pelo Sir James Stevenson, criando mecanismo de controle artificial do preço da borracha no mercado internacional, conhecido como Plano Stevenson, causando prejuízos à indústria norte-americana, que consumia 75% da borracha produzida. Na Amazônia a consequência do Plano Stevenson foi à manutenção dos preços baixos no mercado internacional, ampliando as dificuldades econômicas existentes. Os Estados Unidos como maior mercado consumidor busca romper o cerco inglês, estimulando capitalistas que precisavam de Borracha, a buscarem viabilizar seus próprios empreendimentos.

A Ford Motor Company fabricava os carros que eram equipados com pneumáticos e câmaras de ar da Firestone Tires & Rubber Company. Henry Ford necessitava da independência da oferta asiática, controlada pelos ingleses. Vislumbrando a oportunidade de se autonomizar, produzindo numa região do mundo, de onde a seringueira era originária, Henry Ford autoriza a criação da Companhia Ford Industrial do Brasil, estimulado também da concessão de terras e demais benefícios, concedidos pelo Estado do Pará.

A Crise de 1929, com a paralisação das importações nos Estados Unidos trouxe prejuízos à Economia Mundial com reflexos no Brasil e Amazônia. Com uma pauta de exportações lastreada em produtos extrativos principalmente na Borracha e sem agregar valor ao produto final, pois eram exportados in natura, as receitas publicas tornaram-se cada vez mais deficitárias, no Amazonas e Pará. “Quer isto dizer que o Vale do Amazonas, concorrendo com mais de 61% da produção mundial em 1919, ainda figurou com mais de 50% dessa colheita, para decaírem estas em 1932, a menos de 1% (0,93%).” (MENDES, 1943, p. 10)

O Anuário Estatístico do Brasil (1939-1940)1 ao informar pela primeira vez a Exportação e Importação Exterior, registra a movimentação dos Postos Aduaneiros do Amazonas e Pará. Os mesmos apresentam superávit nas suas transações com o resto do mundo, refletindo certo grau de recuperação econômica, que se desenvolve a partir de 1935, portanto superados os efeitos da Crise de 1929, com os seguintes produtos exportados e maiores compradores respectivamente:

a) Borracha: Alemanha, Estados Unidos e Grã-Bretanha; b) Castanha: Estados Unidos, Alemanha, Argentina, Suécia, Itália e Holanda;c) Couros e peles: Alemanha e Estados Unidos;d) Frutos comestíveis (Castanha descascada): Estados Unidos, Canadá, Austrália,

Nova Zelândia e Grã-Bretanha;

1 Confeccionado pelo Instituto Nacional de Estatística, criado pelo Decreto nº 24.609 de 06 de julho de 1934, com a obrigação de publicar de forma regular e uniforme a série dos Anuários Estatísticos do Brasil.

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

e) Frutos oleaginosos (Castanha em casca): Grã-Bretanha, Estados Unidos e Alemanha;

f) Frutos oleaginosos (Coquilhos de Babaçu): Estados Unidos eg) Madeiras: Argentina, Alemanha, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Portugal,

Uruguai, União Sul.

Os Estados Unidos aparecem como o país que mais participa da pauta exportadora amazônica adquirindo todos os produtos listados. Grã-Bretanha (Borracha, Frutos Comestíveis, Frutos Oleaginosos, e Madeiras) e Alemanha (Borracha, Couros e Peles, Frutos Oleaginosos e Madeiras), têm uma presença significativa, com quatro produtos respectivamente, sendo que a Alemanha lidera a importação de Borracha e Couros e Peles e a Grã-Bretanha lidera a importação de Frutos Oleaginosos (Castanha em Casca). A produção agrícola dos produtos amazônicos destinava-se ao consumo doméstico e também interestadual, tendo como produtos agriculturáveis: Abacaxi, Arroz, Banana, Cacau, Cana de Açúcar, Feijão, Fumo, Laranja, Mandioca e Milho.

A eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939 e corte de fornecimentos do látex das áreas de cultivo da seringueira asiática, sob o domínio inglês entre 1940 e 1941, colocou novamente a Amazônia, no tabuleiro das questões mundiais, na medida em que somente a região dispunha de Borracha na sua forma original, com seringueiras nativas e produtivas. Como consequência, foram assinados entre Brasil e Estados Unidos, acordos de cooperação econômica, denominados de “Acordos de Washington”, assinados em 1942, iniciando o que se denominou de “Batalha da Borracha”, com o deslocamento de homens para a extração do látex, conhecidos como “Soldados da Borracha” em razão dos esforços de guerra, registrando-se também no mesmo ano a criação do Banco de Crédito da Borracha (BCB), atualmente Banco da Amazônia.

Terminado o conflito bélico mundial em 1945, as lideranças políticas e econômicas da região dos Estados do Amazonas e Pará, considerando que os resultados econômicos da “Batalha da Borracha” foram modestos e que toda a infraestrutura organizada em função do esforço de guerra foi abandonada, permitiram que esses atores econômicos e políticos, visualizassem na Assembléia Nacional Constituinte de 1946, uma oportunidade de perenizar recursos do Orçamento da União para a Região. Articuladas com outras bancadas, essas lideranças conseguem a aprovação do Artigo n° 199, o qual determina a aplicação de 3% da Renda Tributária Nacional para inversões, visando a Valorização Econômica da Amazônia. Aprovado o artigo, sua regulamentação e implantação ocorrem com a criação da Superintendência da Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) em 1953, sucedida pela atual Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia. (SUDAM).

2 A TRAJETÓRIA DO PLANEJAMENTO ECONÔMICO REGIONAL (1953-1990)

Em 06.01.1953 a Lei n° 1804 cria a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), gerando novas perspectivas para a região. Com objetivos de assegurar à ocupação da Amazônia um sentido brasileiro, construir na

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

Amazônia uma sociedade economicamente estável e progressiva capaz de, com seus próprios recursos, prover a execução de sua tarefa social e desenvolver a Amazônia num sentido paralelo e completar ao da economia brasileira, nasce a SPVEA, com os seguintes objetivos:

a) criar na Amazônia uma produção de alimentos pelo menos equivalentes às suas necessidades de consumo;

b) completar a economia brasileira, produzindo na Amazônia, no limite de suas possibilidades matérias-primas e produtos alimentares importados pelo país;

c) promover a exploração das riquezas energéticas e mineração da região; d) desenvolver a exploração de matérias-primas regionais; e) converter, gradualmente a economia, extrativa praticada na floresta, e comercial,

praticadas nas cidades, em economia agrícola e industrial; f) estimular a criação da riqueza e a sua movimentação através de sistemas de

credito e transportes adequados; g) elevar o nível de vida e de culturas, técnicas e política de sua população.

A nova política para a Amazônia tem na chamada “Operação Amazônia” seu marco principal (SUPERINTENDÊNCIA DO PLANO DE VALORIZAÇÃO ECONÔMICA DA AMAZÔNIA, 1954). Sua implantação acontece em 1966, reordenando, nos planos jurídico, institucional, econômico e político as formas de atuação do Governo Federal sobre a região. No bojo da nova política regional, a primeira mudança ocorre com a lei nº 5.122, de 28.08.1966, que transforma o Banco de Crédito da Amazônia S.A. (BCA.) em Banco da Amazônia S.A. (BASA), cujas atribuições são: efetivar operações bancárias em todas as modalidades, executar a política do Governo Federal relativa ao crédito na região, exercer função de agente financeiro da SPVEA para aplicação de recursos mobilizados interna ou externamente, de acordo com a legislação em vigor.

A segunda mudança ocorre logo após, com a lei nº 5.173, de 27.10.1966, que dispõe sobre o Plano de Valorização Econômica da Amazônia, extinguindo a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) e criando a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). A lei nº 5.174, de 22/10/1966, dispõe sobre a concessão de incentivos fiscais em favor da região amazônica.

Por essa nova sistemática, as pessoas jurídicas que tivessem empreendimentos instalados e em operação em 31.10.1966, teriam isenção de 100% no imposto de renda, e as pessoas jurídicas situadas em qualquer ponto do país, poderiam deduzir 50% do valor do imposto devido, caso destinassem esses recursos para projetos aprovados pela SUDAM. Além disso, permitia-se a isenção total no Imposto de Importação, na aquisição de máquinas e equipamentos, excetuando-se quando da existência de similar nacional. Como instrumento de concessão dos incentivos fiscais, criou-se o Fundo para Investimentos Privados no Desenvolvimento da Amazônia (FIDAM).

Entre os principais indicadores do descompasso entre as duas áreas, na época, temos: a) a Região Amazônica tem uma população equivalente a 3,4% da população

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

brasileira, sendo que a Amazônia Ocidental participa com 33% da população amazônica total;

b) a participação da Amazônia na formação da renda interna do país, em 1966, era de 2,04%, sendo que a Amazônia Ocidental participava com 33% do total, que correspondia a 0,6% da renda interna nacional;

c) em 1967, a renda per capita da Amazônia Ocidental correspondia a 76% da renda per capita da área oriental;

d) baixa densidade demográfica da área ocidental que, em 1960, era de 0,44 habitante por km², enquanto que, na área oriental, alcançava 1,17hab/km².

Todos esses fatos conduzem o Governo Federal a reorientar sua política para a Amazônia Ocidental com a edição do Decreto-Lei nº 288, de 28.02.67, que reformula a ZFM e cria a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), como entidade autárquica responsável pela administração da Zona Franca de Manaus (ZFM). O Art. 1º do Decreto-Lei 288 preceitua:

A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar, no interior da Amazônia, um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância em que se encontra dos centros consumidores de seus produtos” (BRASIL, 1974, p. 17).

O Decreto-Lei 288 de 28.02.1967, ao criar a Zona Franca de Manaus, buscou equilibrar a Renda Interna na Amazônia, pois em 1967 a Renda Interna na Amazônia Oriental era de 69% e da Amazônia Ocidental somava 31%. Os efeitos da Zona Franca de Manaus na economia amazonense são significativos. Entre 1967-1990, o PIB amazonense que representava de 0,7%, em 1970, mais do que duplica em 20 anos, alcançando a marca de 1,72%, em 1990, demonstrando a importância da ZFM enquanto modelo propulsor e dinamizador da economia amazonense.

Entre 1969-1974, o I Plano Nacional de Desenvolvimento insere a Amazônia através do Programa de Integração Nacional (PIN), buscando uma integração intra regional com a construção de grandes rodovias federais, como a BR-319 ( Manaus - Porto Velho), BR-174 (Manaus - Boa Vista), e interregional como a BR – 163 ( Cuiabá – Santarém) e a BR-230, a Transamazônica que ligava a Amazônia ao Nordeste. A integração geográfica era complementada pela “ocupação dos espaços vazios” através do Programa de Redistribuição de Terra (PROTERRA) e do Projeto Radar da Amazônia (RADAM), cujo objetivo era realizar um amplo levantamento sobre recursos minerais, tipos de solo e sobre a caracterização da floresta.

Com o II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974-1979), foi criado o Programa de Pólos Agropecuários e Minerais da Amazônia (POLAMAZÔNIA), com ênfase na exploração dos recursos minerais, a exemplo do Projeto Carajás. Também se inaugura na

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

região a utilização do seu potencial hidroelétrico, com as Hidroelétricas de Tucuruí, no Pará e Balbina, no Amazonas. A década de 1980 foi marcada pelo reflexo dessas políticas para a Amazônia, agudizando os problemas sociais e promovendo a concentração da população e renda.

3 DA GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA (1990) À CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL RIO + 20 (2012): A AMAZÔNIA E SEU POSICIONAMENTO ESTRATÉGICO GLOBAL

A Abertura Econômica Brasileira iniciada em 1990 e a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, ao consagrar o conceito de Desenvolvimento Sustentável e reconhecer a necessidade dos países em desenvolvimento receberem apoio tecnológico e financeiro para avançar no desenvolvimento sustentável, colocou a Amazônia numa condição ímpar no século XXI, cujos cenários para o desenvolvimento regional ganham novo escopo em especial com o crescimento da República Popular da China.

O crescimento da participação chinesa no comércio mundial é um fenômeno que já vem ocorrendo há mais de uma década, mas que se intensificaram fortemente nos últimos anos. “Um dos marcos recente na evolução dos fluxos comerciais chineses com o resto do mundo foi o ingresso do país na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, quando o comércio chinês deu um salto expressivo” (NONNENBERG, 2008, p. 35)e suas exportações entre 2001-2011, cresceram 4,9 vezes e as importações 4,7 vezes, representando na atualidade o segundo maior PIB mundial, perfazendo US$ 7,43 trilhões.

Uma das iniciativas em curso entre os países da América do Sul, para melhorar sua logística de transporte e ter mais acesso a costa do Oceano Pacífico, acontece através da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana (IIRSA, 2008),

que tem por objetivo promover o desenvolvimento da infra-estrutura, de transporte, energia, telecomunicações sob uma visão regional, procurando a integração física dos doze países da América do Sul, visando alcançar um padrão de desenvolvimento territorial eqüitativo e sustentável2

Dentre os Eixos de Integração do IIRSA, no que tange à Amazônia Brasileira, o Eixo Multimodal, Manta - Manaus, entre o Brasil e Equador, onde se pretende unir a cidade portuária de Manta no Equador com a Cidade de Manaus, que fica no centro geográfico da Amazônia, por meio de estradas, aeroportos, portos e vias fluviais. Esse

2 http://www.planejamento.gov.br/planejamento_investimento/conteudo/iirsa/IIRSA/Conteudo_do_Folder-IIRSA1.pdf. Acesso em 20.09.2008

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eixo concretizado reduzirá em 20 dias o tempo de viagem de produção do Pólo Industrial de Manaus aos portos asiáticos, que atualmente é de 45 dias, saindo pelo Rio Amazonas em direção ao Oceano Atlântico. O IIRSA é uma iniciativa que tende a se constituir uma alternativa ao Canal do Panamá.

No plano Global, a Convenção - Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, ratificada no Protocolo de Kioto, assinado em 11 de dezembro de 1997, para vigorar em 16 de fevereiro de 2005, trouxe para a Amazônia, novas possibilidades em relação a Serviços Ambientais.

Para a utilização racional da Biodiversidade Amazônica foi criado o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), inaugurado em 2002, configurando-se um complexo de 26 Laboratórios, para desenvolver novas tecnologias aplicáveis à industrialização de produtos da biodiversidade amazônica o que neste sentido faz com que a Bioindústria desponte como uma grande oportunidade.

A Portaria Interministerial MDIC/MCT nº 842, de 27.12.2007, que definiu o Processo Produtivo Básico (PPB) para produtos de Higiene Pessoal, Perfumarias e Cosméticos ao tornar factível a utilização de insumos locais, pois reduziu o índice de peso de uso da matéria-prima regional na composição dos produtos e estabeleceu percentuais mínimos em valor desses insumos, permite novas oportunidades de negócios, que devem estar conectados no Polo Industrial de Manaus (PIM), não como concorrentes, mas sim como atividades importantes e complementares para a superação dos desafios do desenvolvimento regional.

O Euromonitor, publicou em 2006, uma relação ao mercado mundial de HPPC – Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, o Brasil ocupa a terceira posição. È o segundo mercado em produtos infantis, desodorantes e perfumarias, terceiro em produtos para banho, produtos masculinos, higiene oral e cabelo; quarto em cosméticos cores; quinto em proteção solar; oitavo em pele; o nono em depilatórios. O Brasil destaca-se principalmente pelo crescimento de 26,2%, quase o dobro da República Popular da China, e embora esteja em sétimo lugar , é o terceiro maior em crescimento. (LOPES, 2008, p. 35).

Todos os relatos sejam de viajantes e cientistas apontavam a exuberância e grandiosidade da região, termos traduzidos na atualidade como Biodiversidade Amazônica. O Aquecimento Global colocou a Amazônia como uma região de prioridade no debate do desenvolvimento econômico mundial, pois sua preservação não se trata mais de uma questão particular ou localizada, mas sim uma questão global.

A Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável Rio + 20, traz a expectativa de comprometimentos de Governos e atores econômicos e Sociais com uma agenda comum denominada de Economia Verde e a Inclusão Sócioprodutiva, com os seguintes eixos temáticos: Desenvolvimento Rural Sustentável; Recursos Naturais e Soberania Alimentar e Produção e Consumo Sustentável.

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4 CONCLUSÃO

As conclusões dessa conferência formatarão as políticas públicas para a Amazônia, pelo menos nos próximos 20 anos. Considerando a criação da SPEVEA em 1953, estamos na atualidade com 59 anos de coordenação e execução de Políticas Públicas na Amazônia. Portanto se a Economia Verde for a Economia do século XXI, a Amazônia se coloca como palco privilegiado, assim como foi no Ciclo da Borracha (1870-1912), como o lócus de atenção global. Contudo, diferente da Borracha, quando se acreditava na superioridade do látex amazônico frente ao concorrente asiático, precisa-se investir fortemente na qualificação de recursos humanos na Amazônia com investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação, para que a Economia Verde nos próximos 100 anos não seja mais uma página virada na História Econômica da Amazônia, mas um capítulo de Desenvolvimento Econômico Regional, dentre outros que virão.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. [Leis]. Incentivos fiscais para o desenvolvimento: legislação federal, estadual e municipal. Manaus, CODEAMA, 1974.

COSTA, Wilma Peres. A questão fiscal na transformação republicana: continuidade e descontinuidade. Campinas, 1998,(Mimeografado).

FIOCRUZ. Revisitando a Amazônia: expedição aos Rios Negro e Branco refaz percurso de Carlos Chagas em 1913. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz; Fiocruz,1996.

FONSECA, Cassio. A economia da borracha. Rio de Janeiro: Comissão Executiva da Defesa da Borracha,1950.

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LIRA, Sergio Roberto Bacury. Morte e ressurreição da SUDAM: uma análise da deca-dência e extinção do padrão de planejamento regional na Amazônia. Tese (doutorado). NAEA/UFPA, 2005, p. 239.

LOPES, Rute Holanda. O Pólo de Biocosméticos no Amazonas: os atrativos para o ar-ranco desenvolvimentista, 2008. Disserta;áo (Mestrado) - Universidade Federal do Ama-

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

zonas, Manaus, 2008.

MENDES, Armando. A borracha no Brasil: São Paulo, Sociedade Impressora Brasileira, 1943.

NONNENBERG, Marcelo Braga; et. al. (2008) O crescimento econômico e a competi-tividade chinesa. Rio de Janeiro: IPEA, 2008. (Texto para discussão, n° 1333).

REVISTA DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO AMAZONAS. Manaus: ACA. Ano 4, out. 1911.

REVISTA DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO AMAZONAS. Manaus: ACA. Ano 5, abr. 1912.

ROCHA, Adauto. Introdução à economia amazônica: ensaio sobre a recuperação econô-mica da Amazônia. Manaus: Gráfica da Escola Técnica de Manaus, 1952.

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

BATALHA DA BORRACHA: A MAIS TRÁGICADAS TRANSUMÂNCIAS AMAZÔNICAS

João Tertuliano Lins NetoRamiro Fernandes NazaréMaria Lúcia Bahia Lopes

1 INTRODUÇÃO

Sendo 2012, o ano em que o fim do chamado Ciclo ou Fase Áurea da Borracha Amazônica, cujo declínio mais acentuado ocorreu em 1912, está completando 100 anos, nada mais adequado e oportuno que esse importante fato histórico para a Amazônia e para o Brasil, tenha sido escolhido como temática principal dos debates do VI Encontro de Entidades de Economistas da Região Norte (VI ENAM), sob o título de “1912-2012 Cem Anos da Crise da Borracha: do Retrospecto ao Prospecto”, com a coordenação do CORECON-PA.

A Coletânea de artigos, a ser publicada após os debates alusivos ao Centenário, na intenção de se tornar o produto mais significativo e duradouro do VI ENAM, não poderia deixar de abordar um dos fatos mais dramáticos e obscuros da história do Brasil, a Batalha da Borracha, ocorrido 19 anos após o final do Primeiro Ciclo da Borracha Amazônica, em plena 2ª Guerra Mundial.

Este artigo, objetiva, portanto, abordar em quatro tópicos, esse trágico acontecimento, recorrendo às melhores fontes bibliográficas disponíveis, após contextualizá-lo no âmbito da história econômica da borracha como um todo.

Assim, o primeiro tópico tratará da economia da borracha de 1870 a 1912 (ou da “primeira batalha”, no dizer de Samuel Benchimol), será fundamentado, basicamente, na “Transumância Amazônica”, capitulo escrito por Celso Furtado, na “Formação econômica do Brasil”. Apoiar-se-á também no clássico, “História econômica da Amazônia”, do renomado amazonólogo, Roberto Santos.

O segundo abordará o quinquênio de 1941 a 1945, obscurecido pelos acontecimentos maiores da 2ª Guerra Mundial, quando ocorreu a eufemisticamente chamada “Batalha da Borracha”, sob a égide dos famosos “Acordos de Washington”. É sobre esse verdadeiro extermínio de brasileiros, cem vezes maior na Amazônia do que o verificado nos “fronts” da Itália, com os “Pracinhas da FEB”, que serão feitas considerações, baseadas numa bibliografia restrita, mas valiosíssima que tem como autores principais, Samuel Benchimol, Pedro Martinello, Dennis Mahar e Nelson Ribeiro.

O terceiro discorrerá sobre vários aspectos da socioeconomia amazônica atual, nos quais, embora com toda a modernidade da Terceira Revolução Industrial e, em pleno

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Terceiro Milênio, continuam a ocorrer transumâncias e batalhas, tão violentas e desumanas quanto às de cem anos atrás.

Acrescentando-se, ainda, novos ciclos econômicos, como o da mineração e, potencialidades incontestáveis, expressas pelas condições de “região de maior biodiversidade da terra”, “maior bacia hidrográfica do planeta” que estão se esgotando sob o risco iminente da Amazônia, mais uma vez, como no passado das “batalhas da borracha” perder o “bonde da história” e não viabilizar um desenvolvimento efetivo e sustentável. E tudo isso, somado à insensibilidade política de um “pacto federativo”, distorcido pela própria Carta Magna em vigor, que a tudo preside sem que haja uma decisiva reação por parte da sociedade brasileira, nem mesmo da regional, no sentido de modificá-lo.

2 A ECONOMIA DA BORRACHA (1870-1912): A TRANSUMÂNCIA E A PRIMEIRA “BATALHA”

A partir do momento da efetiva conquista da região amazônica pelos portugueses, assegurada com a fundação de Santa Maria do Grão Pará, atualmente Belém, em 1616, na foz do Rio Amazonas, o chamado “ciclo das drogas do sertão” (PRADO, 1976, p. 69 apud LINS NETO, 1991), irá se constituir na primeira e mais consistente atividade econômica levada a efeito na região. Entretanto, apesar da boa performance alcançada pela coleta dessas drogas, seu caráter meramente extrativista não engendraria nenhuma outra atividade econômica regional de peso, como produção permanente e autossustentada. Nem a boa intenção do Marquês de Pombal modificaria esse quadro (CARDOSO; MULLER, 1977 apud LINS NETO, 1991). Ele não conseguiu substituir as atividades predominantes de simples coleta dos produtos florestais amazônicos pelo plantio de espécies vegetais que os propiciavam, embora tivesse tentado durante todo o período de vigência do seu Consulado (1750-1777) em Portugal.

Pelo contrário, da sua luta para retomar para a Coroa Portuguesa, o controle da produção extrativa exercida pelos Jesuítas na Amazônia, resultaria a desarticulação do engenhoso processo de exploração do trabalho indígena feito por aqueles religiosos no norte do Brasil. Isto só fez agravar o já crônico problema de mão de obra existente na região, contribuindo para que a Amazônia acompanhasse o estado de prostração econômica que se alastrou por toda a Colônia até o final do século XVIII (FURTADO, 1974). Paradoxalmente, entretanto, foi ele o idealizador da “grande via” de integração fluvial das bacias hidrográficas brasileiras que viabilizariam ainda mais essa produção, além de transformar completamente a matriz de produção regional.

Diferentemente de outras regiões da Colônia, onde a atividade econômica foi sendo retomada tão logo terminou o século XVIII, a prostração ou recessão amazônica só vislumbraria uma saída já em pleno século XIX (FURTADO, 1974), a partir de 1839 decorrente da descoberta do processo de vulcanização e consequente utilização da borracha como matéria prima industrial. Sem dúvida, a partir dessa data, a demanda pela borracha

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amazônica só faria crescer. As quantidades e preços alcançando escalas vertiginosamente ascendentes denotavam a importância estratégica que essa matéria prima teria para os países industrializados da época (FURTADO, 1974).

Mantida essa tendência, verificou-se na região, de 1870 a 1912 um surto de prosperidade econômica que historicamente ficaria conhecido como ciclo ou economia da borracha. Durante essa fase da borracha amazônica, que historicamente passou a ser tratada como áurea, foi superado muito de tudo quanto aconteceu no transcurso do chamado “ciclo das drogas do sertão”. Seus resultados econômicos ficariam próximos dos obtidos pela próspera economia do café que se desenvolvia, na mesma época, na região sul do país (CANO, 1981).

A chance de a Amazônia sair do impasse a que chegara após o ciclo das drogas passou a depender: a) do vigor e duração da demanda mundial de borracha; b) do ingresso de novos contingentes de mão de obra; c) da oferta de capital extra regional; e d) da superação do estrangulamento no setor dos transportes. Essas quatro condições foram cumpridas, em alguns aspectos totalmente, em outros apenas, parcialmente. De fato, a Amazônia venceu o impasse, ao dar início a uma fase de acelerado crescimento econômico até 1910, ainda que esse crescimento tenha afetado em grau e formas diferentes aos diversos setores da economia (SANTOS, 1980).

O emprego da borracha diretamente relacionado ao progresso tecnológico nas indústrias químicas e automobilísticas, ambas, em franca ascensão - era a melhor garantia quanto ao vigor e a duração de uma demanda mundial. “Todavia a rapidez com que crescia a procura de borracha nos países industrializados, ao final do século XIX, exigia uma solução em curto prazo”. A evolução da economia mundial da borracha desdobrou-se assim em duas etapas: durante a primeira, encontrou-se na Amazônia a conhecida solução de emergência para problemas da oferta do produto extrativo; a segunda se caracteriza pela produção organizada em bases racionais, permitindo que a oferta adquira elasticidade requerida pela rápida expansão mundial. A primeira fase, totalmente desenvolvida na Amazônia [...] (FURTADO, 1974, p.130) assim se processou.

Para superar as mencionadas carências de mão de obra, capital e transporte foram necessárias iniciativas de diversas ordens e magnitudes. Realizou-se um deslocamento populacional – basicamente do Nordeste brasileiro - para a região amazônica não inferior a meio milhão de pessoas, uma vez que, dos 340 mil habitantes nelas existentes em 1872, cresceram para mais de 1.400.000, em 1920 (FURTADO, 1974).

Essa enorme Transumância, continua Furtado, decorre da prolongada seca de 1877– 1980, durante a qual, desapareceu quase todo o rebanho da região e pereceram de cem a duzentas mil pessoas. O movimento de ajuda às populações vitimadas, logo foi habilmente orientado no sentido de promover sua emigração para outras regiões amazônicas. A concentração de gente nas cidades litorâneas facilitou o recrutamento. Por outro lado, a condição de miséria prevalecente dificultou, pelo menos durante algum tempo, a reação dos grupos dominantes da economia da região, os quais viam na saída da mão de obra a

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perda de sua principal fonte de riqueza. Iniciada a corrente transumante, foi mais fácil fazê-la prosseguir. Os governos dos estados amazônicos interessados, organizaram serviços de propaganda e concederam subsídios para gastos de transporte. Formou-se assim, grande corrente migratória que fez possível a expansão da produção de borracha na região amazônica, permitindo à economia mundial preparar-se para uma solução definitiva do problema (FURTADO, 1974).

Tão logo a borracha mostrou-se empreendimento economicamente viável, passou a atrair capitais estrangeiros que logo se instalaram nas cidades de Belém e Manaus (CARDOSO; MULLER, 1977; CANO, 1983; VERGOLINO, 1975; SANTOS, 1980). Por outro lado, pouco teria adiantado a existência de capitais e mão de obra, não fosse superada, também, a extrema dependência da produção de borracha ao transporte fluvial.

Isto permite perceber mais alguns aspectos importantes: a alta possibilidade de investimento e dinamismo da economia regional no período considerado; utilização de tecnologia naval considerada avançada para a época, visto que, grande número de embarcações, adquiridas no exterior, eram dotadas de estrutura metálica e propulsionadas a vapor (LINS NETO, 1991).

Mas a despeito de toda essa performance alcançada pela economia amazônica, os custos sempre crescentes da exploração da borracha nativa, associados a práticas altistas, feitas constantemente pelos intermediários do comércio do produto, acabaram por estimular, numa segunda fase, a produção de borracha cultivada no Oriente. Com o advento deste mercado, a Amazônia foi deslocada de sua posição, sobrevindo o colapso (SANTOS, 1980).

Nesse ambiente desfavorável, o Governo Hermes da Fonseca decidiu agir imediatamente a fim de defender a economia regional. O resultado foi a criação do Plano de Defesa da Borracha, no primeiro semestre de 1912. Porém, abrangente demais e, sem nenhum sentido pragmático, foi abolido em 1914 após ter tido um pedido de verbas complementares negado pelo Congresso Nacional. Seu defeito foi vincular a prosperidade e o futuro desenvolvimento da Amazônia a um só produto, que era vendido num mercado sobre o qual o Brasil tinha pouco ou nenhum controle (MAHAR, 1978 apud LINS NETO, 1991).

Fracassado o Plano de Defesa da Borracha e persistindo o crescimento acelerado da concorrência da borracha asiática, a economia amazônica mergulharia num período de 30 anos de colapso e estagnação.

Para compreender melhor a situação da Amazônia em sua fase pré-integração ao mercado nacional (CANO, 1981, p. 89-92 apud LINS NETO, 1991) propicia excelente contribuição, formulando a instigante pergunta: “[...] por que razões a Amazônia não conseguiu transformar essa fonte primária de energia econômica que foi a borracha, gerando um complexo econômico tão dinâmico quanto foi o cafeeiro, guardadas as proporções relativas de ambos?”.

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Algumas de suas respostas, a seguir sintetizadas, contêm explicações que extrapolam a simples comparação interregional que se propôs fazer. Delas emergem, também, algumas das explicações mais palpáveis para o fato da Amazônia ter se constituído na mais retardatária das regiões brasileiras ao processo de integração do mercado nacional:

a) a forma principal em que se desenvolveram as relações de produção na economia da Amazônia, ou seja, na preponderância do aviamento, constituiu-se no seu maior problema: a economia da borracha estruturou-se em torno do pequeno produtor independente, dominado e explorado pelo capital comercial;

b) a profunda dominação do capital comercial, na economia da borracha, possibilitou que boa parte dos lucros se transformasse em construções suntuárias, grandes importações de bens de luxo e remessa de rendimentos para o exterior, dada a participação do capital estrangeiro no comércio exportador/importador;

c) estagnação e posterior atrofiamento da economia amazônica foi o que ocorreu em face da base produtiva não ter se diversificado o suficiente para a efetiva acumulação de capitais nela gerados; vindo a crise ao longo da década de 1920, dadas suas condições naturais, poucas seriam as possibilidades de integração em novas correntes de comercio exterior e interior.

Quanto aos planos dos imigrantes nordestinos que seguiram para a Amazônia, seduzidos pela propaganda fantasista dos agentes pagos pelos interesses da borracha, ou pelo exemplo das poucas pessoas afortunadas que regressavam com recursos, baseavam-se nos preços que o produto havia alcançado em suas melhores etapas. Ao declinarem estes de vez, a miséria generalizou-se rapidamente. Sem meios para regressar e, na ignorância do que se passava na economia mundial do produto, lá foram ficando. Obrigados a completar seu orçamento com recursos locais de caça e pesca, foram regredindo à forma mais primitiva de economia de subsistência, que é a do homem que vive na floresta tropical, e que pode ser aferida por sua baixíssima taxa de reprodução. Excluídas as consequências políticas que possa ter tido, e o enriquecimento episódico de reduzido grupo, o grande movimento de população nordestina para Amazônia, constituiu basicamente em um enorme desgaste humano em uma etapa em que o problema fundamental da economia brasileira era aumentar a oferta de mão de obra (FURTADO, 1974).

3 A SEGUNDA BATALHA DA BORRACHA (1941-1945): RECRUTAMENTO, DRAMAS E INFORTÚNIOS DOS SOLDADOS DA BORRACHA

A eclosão da Segunda Guerra Mundial, conforme será descrita, alcançaria a economia amazônica em plena recessão, decorrente da exaustão, em 1912, do ciclo expansivo da borracha silvestre.

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3.1 A BATALHA DA BORRACHA NA VERSÃO MAIS CONHECIDA E DIVULGADA

A entrada dos Estados Unidos nesse conflito mundial ensejaria a assinatura dos chamados “Acordos de Washington” em março de 1942, através dos quais o Brasil, concordaria em cooperar com as Forças Aliadas no suprimento de matérias-primas estratégicas, inclusive borracha, iniciando-se, por isso, um grande esforço para elevar sua produção (MAHAR, 1978). O Brasil entraria no conflito nesse mesmo ano, e o trabalho desenvolvido para aumentar a produção de borracha compreendeu medidas no campo da saúde pública, transporte, abastecimento e crédito. A tais esforços de guerra realizados na Amazônia, convencionou-se chamar de “batalha da borracha” (MARTINELLO, 1988, p. 235)1 e podem ser resumidos da seguinte forma:

O Banco de Importação e Exportação americano destinou ao Brasil, um crédito de US$ 100 milhões com o intuito de facilitar a mobilização geral de seus recursos econômicos. A Rubber Reserve Company (RRC), depois Rubber Development Corporation (RDC), por sua vez, criou um fundo de US$ 5 milhões, especificamente para auxiliar o governo brasileiro no aumento da produção de borracha. Para implementar os “Acordos” foi rapidamente montada uma estrutura administrativa, compreendendo facilidades de crédito, compra de embarcações, saúde e recrutamento de mão de obra, que ficou sob a supervisão geral de uma Comissão Federal. A estrutura administrativa era encabeçada pelo Banco de Crédito da Borracha (BCB), precursor do atual Banco da Amazônia, que teve de início seu capital subscrito pelo Tesouro Nacional, pela RDC e por interesses privados, recebeu o monopólio de compra e venda da borracha e ainda a responsabilidade pela criação de colônias agrícolas, produção alimentar, instalação de transporte, cooperativas e crédito rural. A RDC obrigava o BCB a exportar toda a produção de borracha que superasse as necessidades domésticas para os Estados Unidos, ao preço fixo de $0,39 por libra peso (posteriormente elevado para $0,60 em 1944) e oferecia bonificação em dinheiro às exportações acima de 5.000 toneladas. A fim de cumprir esses compromissos de produção, o governo brasileiro enfrentou o problema imediato de mobilizar a força de trabalho requerida. Para esse fim, foi criado, em 1942, o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores (SEMTA). Entre 1942 e 1945, essa organização e sua sucessora, a Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia (CAETA) transportaram, principalmente do Nordeste para Belém, mais de 32.000 trabalhadores e seus dependentes, num total de 48.000 pessoas (MAHAR, 1978, p. 12)2.

Para os trabalhadores que realmente se incorporaram à força de trabalho, foram criados, pelo governo, vários órgãos para tratar dos problemas de saúde e abastecimento

1 Uma vez que “o expediente mais usado pelos aliciadores de emigrantes nordestinos foi o de apresentar o engajamento no “exército da borracha” como a única alternativa para fugirem da convocação para a Força Expedicionária Brasileira que lutava nos campos da Itália”.

2 Estes números informados por Mahar (1978), como os de outros autores, devem ser considerados com extrema cautela, tal como fez Benchimol (1977), embora tenha sido o autor que mais se empenhou para quanti� car essa 2ª Transumância, ocorrida durante a “batalha da borracha”.

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básico. O primeiro desses setores ficou sob jurisdição do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). O órgão encarregado de fornecer víveres necessários e outros suprimentos era a Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA).

Outro problema crucial durante os anos da guerra foi o transporte. Com o grande aumento da necessidade de transportar trabalhadores, equipamentos e borracha, a infraestrutura existente revelou-se inteiramente inadequada. De início, o problema foi superado pelo maior uso do transporte aéreo, construindo-se novos aeroportos em Manaus e Iquitos, no Peru, duas cidades de importância decisiva nas áreas produtoras. Mais tarde, em julho de 1943, a RDC assinou um contrato com o Serviço de Navegação da Amazônia e Administração do Porto do Pará (SNAPP), de propriedade do governo, pelo qual a primeira financiaria a modernização do transporte fluvial, em troca de garantia de praça nos navios. Na vigência desse contrato, a RDC adquiriu mais de 80 embarcações para o SNAPP e subsidiou a importação de carvão mineral dos Estados Unidos (MAHAR, 1978).

Simultaneamente a esses eventos altamente positivos que durante os anos de guerra se constituíram em providencial desafogo para a combalida economia regional, precisa lembrar, também, alguns fatos altamente inconvenientes acarretados, à socioeconomia amazônica pela volta revigorada da produção extrativa da borracha.

Com o início da guerra e as consequentes dificuldades dos transportes de cabotagem nacional, diz Barata (1944 apud LINS NETO, 1991) que o estado do Pará, defrontou-se com uma situação de carência alimentar sem precedentes na sua história, pois, já vinham sendo importados constantemente do sul do país, mais de dois terços dos gêneros alimentícios de que precisava o estado para as suas necessidades; com a guerra e a “batalha da borracha”, aumentaria ainda mais essa dependência, face ao “[...] aumento do consumo de gêneros alimentícios pelo afluxo de trabalhadores, que eram encaminhados para o trabalho dos seringais ou para as obras de defesa nacional, em cooperação com os nossos aliados americanos [...]”

Decorrência disto, a balança comercial do estado que vinha tendo superávits desde 1939, tornou-se deficitária a partir de 1943 (BARATA, 1944 apud LINS NETO, 1991). Mas, nem só na balança comercial do Pará foram visíveis alguns dos impactos negativos que a “batalha da borracha” ocasionou à economia amazônica. Mais grave que isso, foi o caso da comprovada questão do boicote às importações de castanha-do-pará, feito pelo mercado dos Estados Unidos e Inglaterra conforme testemunha, a enérgica reação conjunta das Associações Comerciais do Pará e Amazonas, junto à Comissão de Controle dos Acordos de Washington (CCAW), a seguir sintetizada:

Destituída de toda a verdade, é a objeção de que a colheita da castanha atrai o seringueiro. Em 1942 alegou-se para a restrição da importação da castanha na América do Norte a falta de praça nos navios, quando a campanha submarina, realmente alcançara alto e desastroso coeficiente. Depois, a “War Prodution Board”, por sugestões da RDC – Rubber Development Corporation, proibiu a sua entrada, matando as safras de 1943, 1944 e atingindo a do corrente ano de 1945. O prejuízo

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eleva-se a cerca de Cr$ 120.000.000,00, ou 6 milhões de dólares nos três anos, isto é, à base baixa de Cr$ 150,00 o hectolitro, Cif New York, preço de 1942, para uma safra média de 800.000 hectolitros. Se for contado o aumento que a castanha teria, como tiveram as suas semelhantes, em mais de 100% sobre os preços de 1942, essas cifras dobrarão para apurar que o Brasil foi desfalcado nestes três anos em mais de Cr$ 700.000.000,00. Esse vultoso rendimento foi anulado na economia amazônica pelo falso pressuposto de que seria prejudicial ao aumento da produção da borracha, quando é absolutamente verdadeiro que viria, mais que qualquer outro auxílio, favorecer esse aumento (LINS NETO, 1991, p. 56).

3.2 OS “ACORDOS DE WASHINGTON” E ALGUNS ASPECTOS POUCO REVELADOS

Tentando contribuir para o aprimoramento das versões mais conhecidas e convencionais sobre os Acordos de Washington, este tópico fará uma síntese das principais constatações sobre o assunto, encontrados nas obras fundamentais de Benchimol (1977) e Martinello (1988).

O ataque japonês de Pearl Harbor (dezembro de 1941) pôs fim à ambiguidade da política externa de Getúlio Vargas. A realização da Terceira Reunião de Chanceleres Americanos, em janeiro de 1942, no Rio de Janeiro ensejaria uma série de definições de princípios, políticos e econômicos que, sob a égide norte-americana, abriram caminho para o abastecimento de matérias primas aos aliados (MARTINELLO, 1988).

Estava assim o Ministro da Fazenda, Souza Costa, incumbido de ajustar com as autoridades americanas, as normas reguladoras do fornecimento das matérias-primas requeridas com urgência pela indústria bélica daquele país e, obter do governo americano em contra partida, a redução dos prazos para a entrega das encomendas de material bélico, material para a construção de Volta Redonda, para transporte marítimo e rodoviário, financiamento para a produção de matérias primas estratégicas, como ferro e borracha, bem como, arranjos para sua comercialização. Acima de tudo, se achava em jogo a questão dos suprimentos de equipamentos para as forças armadas. Vargas enfatizara que a liberação de material bélico pleiteado pelo Brasil era o mais urgente dos problemas, e que, a sua concessão, viria provar se, de fato valeria a pena ser amigo dos EUA (MARTINELLO, 1988).

Como fruto desses entendimentos, em 3 de março de 1942, o Ministro Souza Costa e o subsecretário de Estado, Summer Welles, assinaram não apenas o novo acordo do Leand-Lease, mas diversos outros convênios importantes que passariam à história com o nome de Acordos de Washington. Esses acordos abrangeram o período de 1942 a 1947, durante o qual a produção, comercialização e industrialização da borracha amazônica, passaram a ser controlados pelo governo federal. Os objetivos fundamentais do acordo sobre a borracha, era os de estimular ao máximo a produção extrativista amazônica, de forma a aumentar os excedentes exportáveis para os Estados Unidos (MARTINELLO, 1988), que, pela

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perda dos seringais da Malásia, que supriam de borracha os aliados, defrontava-se com um iminente colapso civil e militar, pela falta da matéria-prima mais estratégica – a borracha – considerada como, o “nervo da guerra”.

Constatou-se então, que, naquele momento, a única fonte alternativa de abastecimento, estava situada no mediterrâneo amazônico, cujos seringais nativos continuavam produzindo borracha, de forma residual, visto que, no fundo da crise, em 1932, sua exportação atingiu apenas 6.244 toneladas no valor de Cr$ 217.012,00. Comparadas essas cifras com o pico da prosperidade em 1910, quando o valor da borracha silvestre alcançou R$ 25.254.371,00, pode-se ter uma exata dimensão da catástrofe que desabou sobre a Amazônia: entre uma data e outra, a região havia perdido, em termos de borracha, quase 92% do seu Produto Regional Bruto (BENCHIMOL, 1977).

Mal saindo dessa depressão, viu-se a Amazônia, de uma hora para outra, envolvida no conflito mundial, em função do retorno forçado do monopólio da borracha silvestre, e, mormente em virtude dos compromissos assumidos pelo Brasil, com a assinatura dos famosos Acordos de Washington.

Os Acordos de Washington, é de justiça salientar, proporcionaram à região, a montagem de um esquema logístico-institucional, do qual participou, ativamente, o governo brasileiro, com o apoio americano, abrindo-se fontes operacionais e estratégicas na área. Os objetivos, no entanto, de um e de outro governo, eram até certo ponto conflitantes. Os americanos tinham o interesse marcado pela urgência e pelo prazo curto, enquanto o governo brasileiro e a região amazônica tinham os seus interesses voltados para o permanente e o duradouro, desejando montar na Amazônia, seguindo as linhas mestras do “Discurso do Rio Amazonas pronunciado por Getúlio Vargas”, uma política de desenvolvimento: “Conquistar a terra, dominar as águas, sujeitar a floresta [...] às tarefas da raça, nessa luta, que já se estende por séculos (BENCHIMOL, 1977, p. 206).

Esse esquema institucional e de serviço, que deveria servir de apoio para a abertura das frentes de trabalho e para a reativação dos seringais silvestres, visando ao abastecimento das forças aliadas, teve que enfrentar, em decorrência de sua improvisação, carência organizacional, desordem administrativa, sérias dificuldades no campo operacional. Dessa época, é bastante reveladora a entrevista do Major Oscar Passos, ex-interventor do Acre e ex presidente do Banco da Borracha, publicada em um jornal da Bahia, em 1943, na qual faz uma análise crítica do caos gerado pela desarticulação dos órgãos, criados para atuar durante a “Batalha da Borracha” bem como do desvirtuamento dos seus objetivos. Dentre as passagens mais contundentes desse discurso de Passos, resgatado por Benchimol, destaca-se a afirmação em que diz: “[...] As mil e uma organizações (CAETA/SEMTA, SAVA, SNAPP, BANCREVEA, entre outras), falando línguas diferentes, formam verdadeira Torre de Babel [...] (BENCHIMOL, 1977, p. 208-209).

Continuando, Benchimol afirma que, “este depoimento sincero e corajoso [...] ilustra bem o fim melancólico da Batalha da Borracha” e para bem atestar o fragor da derrota, face ao urgente esforço despendido e o sacrifício de quase cem mil nordestinos que para aqui

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se deslocaram, atendendo à convocação e ao apelo do governo brasileiro, apresenta dados estatísticos levantados pelo serviço Estatístico Econômico e Financeiro do Ministério da Fazenda, comprovando que, a maior produção de borracha obtida durante o período de 1941 a 1945, não passou de ínfimas 21.192t, em 1944.

Naturalmente, os custos sociais deste empreendimento foram elevados, para não dizer proibitivos como será visto no próximo tópico, alusivos aos “soldados da borracha”.

3.3 OS “SOLDADOS DA BORRACHA” NA MAIS CRUEL DAS TRANSUMÂNCIAS

Tal como ocorreu no Primeiro Ciclo – ou 1ª Batalha – da borracha amazônica, um dos maiores problemas que teria de ser enfrentado por autoridades brasileiras e americanas para implementar a chamada “Batalha da Borracha”, seria a crônica falta de mão de obra apta e suficiente, para superar as novas exigências que um renovado ciclo, ou 2ª batalha do produto, estava a exigir.

3.3.1 DNI, SEMTA E CAETA: MOBILIZANDO E ASSENTANDO “SOLDADOS”

Após o colapso da produção amazônica da borracha, provocado pela emergência do produto oriental, a migração externa e interna diminuiu sensivelmente nas zonas de produção, chegando praticamente a se extinguir. Tal constatação é corroborada pelo fato da taxa de crescimento demográfico que se apresentou da ordem de 4% ao ano para a região amazônica, no período de 1980-1900, ter baixado para a insignificância de 0,20% no período de 1900-1920 (SANTOS, 1980; MARTINELLO, 1988).

Esse decréscimo demográfico, explica os dois fenômenos mais significativos ocorridos na estrutura econômica da região, ou seja: no período de 1900-1910 a região apresentou o maior nível de produção de borracha até então registrado, atingindo seu ápice em 1912. Já no decênio seguinte, principalmente após 1912, ocorreu fenômeno inverso, com a queda da produção. Tal fato corrobora a tese de Celso Furtado, segundo a qual, o aumento da população segue o aumento da produção.

Outro fenômeno que merece registro constata-se no período (1920-1940) quanto à população nordestina que se via na contingência de emigrar, devido às estiagens cíclicas ou pelas crises econômicas que afetavam a região.

Enquanto no final do século XIX e início do Século XX, os nordestinos que emigravam, demandavam a Amazônia em busca quase que exclusivamente dos seringais, à medida que os estados sulinos e do Centro-Oeste iam se firmando e aumentando seu potencial econômico, a região nordeste passa a se constituir numa verdadeira oficina gentium para o povoamento e força de trabalho do sul do país, principalmente São Paulo, onde de 1934 a 1939, entraram 211.858 imigrantes nordestinos (BENCHIMOL, 1977).

Somente nos anos das grandes secas de 1915, 1919, 1932, 1936 e 1942, é que

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contingentes significativos de retirantes procuravam ainda a Amazônia, não obstante a crise de produção predominante na região. Como consequência de todos esses fatores, estimou-se que o número de seringueiros que sobraram na região, no inicio da década de quarenta, não ultrapassava a 34.000 extratores, com uma produção média anual de 16.000 a 18.000 toneladas de borracha. Para aumentar a produção anual para 45 mil toneladas em 1942, 60 mil em 1943, 100 mil toneladas em 1944, como era desejo dos americanos, seria necessário pelo menos, quintuplicar o número deste contingente de extratores (MARTINELLO, 1988).

Houve inclusive, por parte das autoridades americanas, um grande empenho para convencer a administração brasileira no sentido de que pudesse importar mão de obra de outros países. A tanto, porém, se recusou terminantemente o governo brasileiro que preferiu aproveitar a mão de obra necessária, transladando-a de outras regiões do país.

Coincidindo com esta necessidade premente de uma nova e abundante força de trabalho para a região, a seca de 1941-1942, que castigou sem piedade o sertão nordestino, veio reunir de 20 a 30 mil flagelados em Fortaleza, ensejando uma mão de obra farta para os seringais da Amazônia.

A RDC, vinculada à Agência Americana RRC, e o Departamento Nacional de Imigração (DNI) assinaram um convênio pelo qual, mediante o financiamento da primeira entidade e sob a supervisão do órgão brasileiro, encarregado da imigração, todo este potencial de mão de obra que se achava disponível no nordeste seria desviado para a Amazônia. Em operação, que ocupou todo o ano de 1942 até fevereiro de 1943, fez com que 14.484 pessoas, entre os quais se incluíam 7.435 homens, se deslocassem para a Amazônia (CORRÊA, 1977 apud MARTINELLO, 1988).

Esse primeiro movimento imigratório da “batalha da borracha” retratava as grandes levas de flagelados nordestinos que, tangidos pela seca, demandavam, à maneira tradicional, a Amazônia e os Altos Rios. Tratava-se de uma imigração familiar, porquanto os homens chegavam acompanhados de suas esposas e filhos e, embora tivessem maiores dificuldades para se integrarem na Amazônia, eram os que tinham as menores chances de retornar.

A motivação para emigrar, não era sabor da aventura, nem as miragens de um novo Eldorado. Emigravam por questão de sobrevivência e porque a seca já não lhes havia deixado nenhuma outra alternativa, como pode ser constatado nos vários depoimentos de “Soldados da Borracha” colhidos e publicados por Benchimol (1977) no seu “O Romanceiro da Batalha da Borracha”, inserido na sua obra maior “Amazônia: um pouco antes e além_depois”.

Não foi fácil ao DNI viabilizar um plano para colocação de dezenas de milhares de flagelados na Amazônia. Tratava-se de levas e mais levas de milhares de flagelados que, se de um lado constituíam uma mão de obra abundante para os seringais, por outro lado, criavam sérios obstáculos para a sua locomoção e colocação nas zonas produtoras.

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É verdade que, habilmente, o Presidente Getúlio Vargas, ponderando o alcance social e político de sua ação e as novas oportunidades que se abriam para a Amazônia, lançou mão de duas medidas altamente benéficas para a concretização dessa nova transumância de nordestinos para o grande vale3. A primeira foi a concessão de créditos em favor destes imigrantes para passagens em navios do Lloyd Brasileiro e do SNAPP; a segunda, créditos também, para a locação dos mesmos, como trabalhadores no vale Amazônico (MARTINELLO, 1988).

A despeito desta ajuda do governo brasileiro e do financiamento da RRC que se comprometia a pagar cem dólares por imigrante transportado, subsistiam ainda sérios entraves para a operacionalização do plano do DNI. Os mais agudos se localizavam na área dos transportes e de alojamentos. O problema dos transportes, dizia mais respeito àquele interno da Amazônia do que propriamente à capacidade do Lloyd de transladar essa massa humana de Fortaleza a Belém. Tal problema na navegação da Amazônia em geral, só seria resolvido a contento em 1943, quando a RDC resolveu investir maciçamente na potencialização do SNAPP, que - tal como as empresas particulares – por força da crise, estava com sua frota fortemente depreciada e desarticulada (MARTINELLO, 1988).

Outro problema sério que demandava solução urgente e impostergável, era o dos alojamentos, continua Martinello (1985), pois, a realidade era outra e, o problema deveria ser encarado em toda a sua seriedade e amplitude. Não era mais como anteriormente, quando a migração se dava em pequenos grupos e as pequenas e precárias hospedarias bastavam para acolher e abrigar esse pessoal. Trinta mil sertanejos flagelados pela seca encontravam-se aglomerados nos pontos iniciais, à espera da possibilidade de viajar, e não seria com um aparelhamento tão precário que se poderia manter um ritmo de escoamento compatível com tamanha massa humana e em consonância com as últimas normas da imigração.

Uma série de sugestões e medidas de ordem prática foram aventadas para por cobro a mais este problema: construção de uma hospedaria modelo, em Fortaleza, que viesse a substituir as antigas e precárias existentes; em Belém, fazer adaptação da hospedaria dos japoneses no bairro do Curro, em Manaus, construir uma nova hospedaria, de preferência na chácara do Pensador; nos altos rios, instalações inéditas de pequenas hospedarias, etc.

Apesar da pressurosidade dos prazos e da precariedade dos meios à disposição, este problema de alojamento até que teve uma solução relativamente satisfatória: em Fortaleza, foi construída uma hospedaria moderna de acordo com todos os requisitos e medidas das técnicas de migração e, em Belém, a adaptação da antiga hospedaria dos japoneses, permitiu uma solução apenas relativa, dado que a tendência natural era o imigrante estacionar ali por mais tempo, face às limitações nos meios de transportes.

Além disso, e que pela primeira vez foi alvo de atenções oficiais, por parte do DNI, foi o problema das despesas dos imigrantes. Apesar das passagens do Lloyd e do SNAPP

3 A palavra Transumância (no sentido transumanar) aqui usada, pretende denotar o mesmo signi� cado e a mesma drama-ticidade, alcançados por Celso Furtado, no célebre capítulo da sua “Formação econômica do Brasil”.

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serem gratuitas, os retirantes nordestinos, extremamente pobres, endividavam-se com os gastos nos albergues de Fortaleza, Belém e Manaus, Boca do Acre e em outros pontos de baldeação e com outras despesas extraordinárias feitas durante o trajeto. Pois bem, dada a premência da mão de obra para a coleta da borracha, o DNI, por sugestão do Conselho de Imigração e Colonização (CIC), resolveu estabelecer um plano de assistência por conta de verba daquele Conselho, no valor de R$1.000.000,00, que viria em muito aliviar a penúria dessa massa humana semi-indigente (MARTINELLO, 1988).

Outra preocupação, que pela primeira vez foi alvo das atenções do DNI, foi à questão das relações de trabalho nos seringais. Foi providenciado um contrato-padrão de trabalho, entre o patrão-seringalista e o seringueiro, para que se evitasse a tão estigmatizada compra de homens, já duramente denunciada no passado por escritores ilustres4. O contrato que foi redigido na época e que contou com a anuência da classe empresarial, representava um marco importante nas relações de trabalho na Amazônia.

Apesar de todos os entraves, prazos curtos e precariedade dos meios, a atuação do DNI vinha se desenvolvendo a contento porque, com sua larga experiência no ramo, este órgão procurava, de todas as formas, respeitar as normas básicas, da migração. Assim, tendo colocado no prazo de um ano, 14.484 pessoas das quais 7.435 homens, aptos para trabalhar nos seringais, seu desempenho poderia ser considerado, no mínimo, razoável.

Essas ocorrências estavam se desenvolvendo normalmente, quando um fato novo e imprevisto veio provocar uma verdadeira revolução no capítulo da migração de trabalhadores para a Amazônia. Apesar do empenho do DNI, já no final de 1942 ficava claro, pelas declarações dos oficiais americanos, encarregados do programa da borracha, que o fluxo de trabalhadores recrutados para a Amazônia, pelo órgão estatal brasileiro, não era considerado suficiente para agilizar o novo surto da borracha. Segundo Martinello (1985) nesse momento entra em cena a figura patética do recém nomeado Ministro da Mobilização Econômica para o esforço de guerra, Tenente Coronel João Alberto Lins e Barros.

Fazendo eco às palavras de Allen e percebendo que os Aliados careciam desesperadamente de mais borracha – e mais borracha equivalia a um número de trabalhadores cada vez maior nos seringais – o Ministro João Alberto entra em contato com as autoridades americanas para a criação de um novo organismo com o fito de promover o recrutamento e alocação de novos trabalhadores para a Amazônia, além dos nordestinos que estavam sendo recrutados.

O atento diplomata americano Caffery, convocou uma reunião entre Valetim Bouças, diretor executivo da Comissão de Controle dos Acordos de Washington (CCAW), e o próprio João Alberto, para se acertar um modus vivendi entre as diversas agências encarregadas do programa e integrantes do novo organismo proposto.

4 Dentre esses escritores ilustres, destaca-se Ferreira de Castro, autor de “A Selva”, romance escrito a partir da vivência desse português, como trabalhador de um seringal, durante a “fase áurea da borracha”.

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Nessa reunião, decidiu-se também, com anuência de um contrariado Bouças, que seria criado um novo serviço para a mobilização de trabalhadores para a Amazônia, com a supervisão do Ministro João Alberto e financiado pela RRC, desde que fosse providenciado um plano aceitável para a mencionada corporação americana (MARTINELLO, 1988).

Assim, usando das amplas atribuições que lhe conferia o novo cargo, inclusive usando decretos, o Ministro João Alberto criava, a 30 de novembro de 1942, pela portaria 28, o Serviço de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA) (RIBEIRO, 1943 apud MARTINELLO, 1988).

Definidas as amplas e pretensiosas prerrogativas do SEMTA, o Ministro João Alberto nomeou para chefiá-lo, o Dr. Paulo de Assis Ribeiro que, em tempo recorde, fixou as linhas mestras de trabalho do novo órgão. Em seguida, numa demonstração antecipada do irrealismo do plano e das atitudes disparatadas, que viria tomar, garantiu ao embaixador americano que a partir desse momento (novembro de 1942) até o final de 1943, mais de 50.000 trabalhadores poderiam ser recrutados e transportados para a Amazônia, a um custo aproximadamente de cem dólares per capita.

Tais planos, tão categoricamente reafirmados e tão seguramente defendidos por João Alberto, chegaram a impressionar positivamente o diplomata americano que começou a defender a liberação imediata de créditos (US$300.000,00) para que o SEMTA pudesse, o quanto antes, se estruturar. Seu mirabolante plano de imigração, apresentado a oficiais americanos em Washington e, posteriormente ao representante da RRC e a outras autoridades dos EUA, assegurava a movimentação de trabalhadores para a Amazônia que viriam do sul do Brasil, do Ceará e do Marajó (sic) deve ser Maranhão, descendo pelo Tocantins até o Amazonas. Esses trabalhadores “seriam organizados em grupos de 20, sobe a supervisão de líderes [...] sob uma suave, mas firme disciplina militar, para que pudessem liderar a manobra para pontos previamente designados, até o embarque no Tocantins” (MARTINELLO, 1988, p. 218-219).

O pior é que, apesar de tantas visíveis sandices, a viabilidade de tal plano não foi minimamente contestada pelos participantes dessa reunião em Washington, porque o ministro, frequentemente afirmava já ter feito pessoalmente tal manobra, embora a distância das áreas percorridas fosse bem maior do que as estipuladas 600 milhas de que falava.

Enquanto o ministro negociava o seu plano e obtinha de atônitos e inexperientes funcionários americanos a garantia de financiamento para executá-lo, o chefe do SEMTA, Dr. Paulo de Assis Ribeiro, procurava organizar e por em prática o complexo e ambicioso organograma dos serviços do SEMTA (MARTINELLO, 1988).

A ninguém, com um pouco mais de bom senso, escapava que tal serviço de imigração, estava fadado ao mais inglório dos insucessos.

Só para ter uma ideia geral do que representava a sua organização e, a tarefa a que se propunha, basta lembrar que o número de trabalhadores a selecionar, equipar,

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alimentar e transportar, era de 50.000 homens e que os dependentes a assistir nas zonas de recrutamento, guardadas as proporções dos trabalhadores a encaminhar eram, no mínimo, da ordem de 50.000 pessoas. E a distância que cada trabalhador devia percorrer em média, até ser apresentado na Amazônia, era de 2.500km, sendo que alguns milhares deveriam percorrer, até chegar a Belém, uma distância de mais de 5.000km.

Não durou muito tempo, de fato, para que começasse a aflorar o ceticismo dos americanos a respeito da viabilidade deste “plano” de imigração. A primeira manifestação partiu de Mr. D. Allen, em 13 de janeiro de 1943. O Diretor da RRC escrevia então que: “Em relação ao aspecto prático sobre a viabilidade de recrutar e transportar 50.000 trabalhadores em poucos meses [...] não passava de um blefe de mau gosto do qual não podemos nos livrar, desde que a falta de mão de obra continua sendo o ponto mais crítico de nosso programa de borracha na Amazônia (MARTINELO, 1988, p. 223).

Não tardou muito, também, para que as primeiras manifestações de reconhecimento sobre a inviabilidade de tão temerário projeto começassem a ser admitidas pelas próprias autoridades brasileiras que o haviam concebido e planejado, reconhecendo o próprio Ministro João Alberto, que as vias internas até o Tocantins eram inviáveis, devendo o escoamento ser feito, todo ele, pela rota nordeste: Fortaleza, São Luis e Belém.

Apesar de todos os ajustes e dos esforços do Dr. Paulo de Assis Ribeiro, chefe desse serviço, para transformá-lo, no mínimo, num arremedo de uma agência de imigração, o fato é que o SEMTA teria poucos meses mais de vida.

Do lado americano, o ceticismo e a desconfiança que as autoridades encarregadas da “batalha da borracha” nutriam desde o inicio do projeto logo se transformariam em aberta hostilidade. Já em meados de 1943, a péssima reputação do projeto era tão grande, que, à boca pequena, uma frase era atribuída aos americanos: preferimos perder a guerra a continuar financiando o SEMTA.

Da parte das agências brasileiras que atuavam na Amazônia, todas elas sob a jurisdição da Comissão dos Acordos de Washington, o ressentimento e a má vontade para com o SEMTA não era menor. Ninguém perdoava a afoiteza e temeridade do ministro João Alberto, por ter praticamente usurpado uma atividade que bem ou mal, já vinha sendo desempenhada por outra organização que era do ramo: o DNI. Em decorrência de tudo isso, como já era de se esperar, a falta de cooperação e de sintonia entre os órgãos encarregados desta tarefa de imigração era alardeada por todos. Instalou-se e instituiu-se uma verdadeira “torre de babel” como bem caracterizou o Coronel Oscar Passos, conforme mencionado.

Decorrência disso tudo, pelo decreto-lei nº 5.813, de 14 de setembro de 1943, foi criada a CAETA (Comissão do Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia) sob a jurisdição do CCAW que continuou, agora absoluta e, cada vez mais prestigiada pelos americanos. Quanto ao Ministro João Alberto e sua comissão da Mobilização Econômica, tiveram que se sujeitar a um encargo meramente decorativo e secundário fora da Amazônia: O controle das cotas de borracha para as fábricas do sul do país (MARTINELLO, 1988).

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3.3.2 PECULIARIDADES DA SEGUNDA CORRENTE IMIGRATÓRIA

A segunda corrente imigratória tinha em relação à primeira (patrocinada pelo DNI) uma diferença flagrante. Enquanto a primeira, conforme já foi ressaltado, tinha como motivação principal o flagelo da seca, esta segunda, que se formou a partir de 1943 e que foi aliciada e recrutada pelo SEMTA, provinda, inclusive dos centros urbanos, era formada na sua maior parte de homens solteiros ou desgarrados de sua parentela, muitos deles desempregados ou sem profissão definida.

Enquanto o primeiro movimento imigratório havia sido organizado, de inicio, à maneira tradicional com os sertanejos do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, este novo contingente ampliou-se e enriqueceu-se com elementos regionais desconhecidos e estranhos ao próprio meio e à história econômica e demográfica da Amazônia. Cariocas do morro e da cidade, fluminenses de Niterói e do interior do Rio, capixabas de Vitória do Espírito Santo, baianos de Ilhéus e de Salvador, pernambucanos de Recife, mineiros da Capital e das serras. De todas as classes, cores, profissões e idades, eis a grande “Arca de Noé” que formava esta segunda leva dos soldados da borracha (BENCHIMOL, 1977 apud MARTINELLO, 1988).

Segundo Martinello (1985), baseado em jornais da época, o que a Amazônia, naquela oportunidade viu, constituindo a maioria das levas de “soldados da borracha” que aqui chegavam, não foi a fina flor dos sertões, nada disso, e sim, a lama do asfalto, o rebutalho das grandes cidades, egressos de presídios inclusive, e aqui chegados, roubando e matando, saqueando e ferindo [...]. O que a Amazônia viu, salvo pequenas e honrosas exceções, foi o malandro dos morros cariocas, foi o sangrador das caatingas [...] enfim, o lado das ruas, a escória social brasileira” (MARTINELLO, 1988).

Certas organizações policiais do meio norte e do centro-sul do país, não se pode contestar, aproveitaram o ensejo para se livrar dos elementos mais perniciosos a suas respectivas sociedades, alistando-os compulsoriamente no exército da hévea, esse exército que deixava atrás de si, por onde passava a desolação e o pavor (MARTINELLO, 1988).

O movente principal desse novo contingente que demandava a Amazônia não era mais a fuga do flagelo que forçosamente obrigava os nordestinos a deixar os sertões, mas sim, o simples sabor da aventura, estimulada pala passagem de graça nos navios do Lloyd.

Esse espírito de aventura está bem delineado nas histórias de vida desses novos imigrantes, resgatados por Benchimol (1977), como, nestes dois exemplos: “me deu apetite de conhecer a Amazônia. Sou cabra de pé solto, o meu destino é andar” e “vim mesmo por safadeza e animação”.

Esses aventureiros que durante o percurso já haviam provocado as maiores desordens e arruaças, violando reiteradamente as cláusulas dos contratos, chegados a Belém e Manaus, continuavam a provocar sérios problemas. Ao invés de seguir para os seringais, preferiram ficar nas cidades, fugindo dos pousos e debandando dos seus companheiros de regimento. Soltos, andavam ao léu pelas ruas das cidades com seu uniforme típico de “Soldados da

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Borracha”: Calça frouxa de mescla, chapéu de palha virado, blusa larga de algodão, mochila às costas, alpercatas de rabicho, barba grande e a infalível peixeira a ilharga. Debandando dos companheiros, andavam aos bandos, infernizando os bairros periféricos à procura de diversões baratas e transformando as festas e forrós em cenas de bebedeiras e “pegas-para-capar”.

Talvez por essa sua característica de vagabundos, o povo logo os apelidou de “arigós”, apelativo que na versão folclórica se dava a uma ave de arribação típica do nordeste que vivia vagando de uma lagoa para outra. Esse apelido se estenderia, depois, a todos os “soldados da borracha” que demandavam a Amazônia por essa época. Com a fama já criada de arruaceiros e farristas inconsequentes, passaram a ser temidos e evitados pela população local e a se constituir em manchetes das crônicas policiais dos jornais daquelas cidades (MARTINELLO, 1988).

Somente o tempo e a convivência, viriam atenuar a fama de farristas e desordeiros e, facilitar a assimilação desses elementos que, aos poucos foram tomando conta de inteiros bairros de Manaus, impondo um estilo de vida e de atividades que se lhes tornaram particulares.

Todo esse quadro aqui descrito em relação a esta segunda leva de imigrantes, somado aos motivos anteriormente aduzidos, contribuíram em muito para que a imagem já desgastada do SEMTA se tornasse de fato insustentável, apressando ainda mais a criação da CAETA. O decreto-lei nº5.813, de 14 de setembro de 1943, além de criação da CAETA, ratificava o acordo celebrado pelo coordenador da Mobilização Econômica e pelo presidente da CCAW com a RDC, em 6 de setembro do mesmo ano.

Tal acordo, em vista das obrigações já assumidas com as organizações extintas (o SEMTA e a SAVA) estipulava várias cláusulas que descreviam detalhadamente os compromissos principais dessa nova organização, arrematando da seguinte maneira: Com a entrada em vigor do presente acordo ficaram canceladas, satisfeitas e liquidadas todas as responsabilidades financeiras e demais obrigações assumidas pela RDC com o SEMTA, o DNI e SAVA, relativo ao recrutamento, encaminhamento e colocação de trabalhadores e assistência às respectivas famílias destes.

“Na realidade, a primeira incumbência que coube a este novo Serviço de Imigração foi o recebimento do acervo da SEMTA e da SAVA, cujo balanço apresentou um déficit na ordem de 5.115.580,00. A orientação seguida pela CAETA, quanto às partes administrativas, financeira e técnica, foram detalhados no seu organograma específico” (MARTINELLO, 1988, p. 231). Por ele, pode-se observar, a CAETA conservou para si as funções administrativas, financeira e de assistência social e contratou com o DNI e com o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) os serviços específicos da imigração e da parte sanitária e de assistência médica.

Respaldada generosamente por quase três milhões de dólares da RDC e contando com aparelhamento logístico dos extintos SEMTA e SAVA, além da experiência e organização do DNI e do SESP, a CAETA conseguiu recrutar, encaminhar e colocar

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16.235 imigrantes, tendo sido encaminhado, também, 8.065 dependentes, perfazendo um total de 24.300 pessoas (MARTINELLO, 1988).

Esses trabalhadores, de preferência, foram recrutados do Nordeste, das zonas atingidas pelas secas e encaminhados ao Vale Amazônico acompanhados de suas famílias, evitando-se, portanto, a experiência malograda e de tristes conseqüências do SEMTA que enviara para a Amazônia trabalhadores solteiros e desgarrados de suas famílias.

3.3.3 O DESTINO INGLÓRIO DOS “SOLDADOS DA BORRACHA” APÓS LISONJEADA VITÓRIA DOS ALIADOS

Além dos motivos já vistos nas duas primeiras levas dessa segunda transumância amazônica, isto é, a fuga do flagelo das secas que compulsoriamente, obrigava o nordestino a emigrar e do espírito de aventura e das promessas mirabolantes que animaram o engajamento dos “arigós” do SEMTA, outros expedientes e atrativos foram usados no aliciamento dos incautos “soldados da borracha”.

O expediente mais usado pelos aliciadores foi o de apresentar o engajamento no “exército da borracha” como a única alternativa para fugirem da convocação para a Força Expedicionária Brasileira que lutava nos campos da Itália.

Vários depoimentos de soldados da borracha corroboram tal assertiva. Dentre eles, um dos mais significativos parece ter sido este: “Bom, para nós era dois tiros: ou vinha para a Amazônia ou ia para a linha de frente” (MARTINELLO, 1988, p. 235).

O sentimento de também estar servindo a pátria, cooperando com o esforço da borracha para a guerra, era outra variável constante de tais depoimentos. Nesse sentido, uma propaganda intensa e dirigida era veiculada pelos meios de comunicação da época, de modo que cada novo trabalhador da seringa se sentisse um genuíno soldado de um novo front, empenhado numa batalha não menos árdua: a “batalha da borracha”. A imprensa estampava, em suas manchetes, exaltações ao patriotismo e à contribuição dos “soldados da borracha” para a vitória final dos Aliados.

Além dessas duas motivações – a alternativa do front e o dever moral de servir à pátria mesmo labutando numa frente diferente como a “batalha da borracha” – a propaganda solerte se encarregou ainda de difundir outros atrativos para o aliciamento dos incautos futuros extratores. A mais chocante, porque mentirosa e desonesta, era a maneira como apresentava a coleta do látex. Conforme testemunhos de um desses ludibriados “soldados”: “Em Recife, tinha retratos de seringueiros em todas as esquinas com a tigela embutida em um pote como se fosse uma mangueira d’água [...]” (MARTINELLO, 1988, p. 241). Em outras capitais como Fortaleza, João Pessoa e Natal, foram afixados fotos de seringueiros em meio a infindáveis fileiras de árvores de hévea, colhendo o látex em grandes tambores carregados por caminhões e jeeps. É claro que não se tratava dos seringais da Amazônia, mas retratos das plantações da Firestone na África ou das plantations da Malásia e Ceilão.

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Outras promessas mirabolantes contidas nos próprios contratos de encaminhamento concorreram, em muito, com o engodo e chamariz para os desavisados futuros seringueiros. As cláusulas mais comumente burladas eram aquelas que empenhavam preciosamente as responsabilidades do SEMTA que tratavam respectivamente da assistência devida aos dependentes dos recrutados e do retorno dos mesmos a seus pagos de origem. Principalmente a primeira delas, foi acintosamente desrespeitada por esse serviço que chegou até a provocar a revolta dos americanos, fato esse que contribuiu, em muito para a extinção daquele órgão (MARTINELLO, 1988).

O medo e o pavor de os navios serem afundados por submarinos alemães, nas travessias do Nordeste para Belém, não eram menores do que os sobressaltos que tiveram que enfrentar nas viagens por terra. A vida nos pousos, à espera que seringalistas viessem para contratá-los finalmente para os seringais, o verdadeiro e derradeiro front desta batalha, era cheia de mazelas, conturbações e enervantes como todas as esperas. Construídas no período da guerra e com a urgência que a situação exigia, estas hospedarias, salvo raras exceções, não obedeceram a técnica de construção necessária para prédios dessa natureza, situadas, por vezes em zonas malarígenas, como foram as de Belém e Manaus.

A própria vida nestes pousos, à medida que os dias transcorriam, se tornava insuportável para esses “soldados da borracha” e esses acampamentos mais pareciam campos de concentração que hospedaria de imigrantes, como registrou o Daily News (MARTINELLO, 1988, p. 248), jornal americano de larga circulação, que na época fazia a cobertura da “batalha da borracha”:

Em Belém nós vimos cerca de 4.000 homens em um campo de concentração da SAVA. Em Manaus, em outro campo, vimos perto de 2.000 [...] muitos desses homens são prisioneiros involuntários, preguiçosos e inúteis, que custam aos contribuintes de impostos dos EUA dinheiro real para sua manutenção.

Foi precisamente devido a esse regime de opressão e arbitrariedade que vários motins e levantes eclodiram nestes acampamentos de “arigós”, entre eles e seus guardas ou funcionários do DNI.

Se os resultados de toda a parafernália legislativa e burocrática que foi montada durante a batalha da borracha foram, no mínimo, discutíveis no que se refere ao aspecto quantitativo da produção extrativista e pouco satisfatório no tocante ao próprio destino do extrativismo amazônico, os custos sociais de tais resultados foram, sem dúvida alguma, proibitiva (MARTINELLO, 1988).

Considerando todos os contratempos do recrutamento, encaminhamento, vida nos pousos e envio para os seringais, sob péssimas condições de trabalho, de saúde e relações de trabalho vigentes nos seringais, onde o seringueiro-extrator continuava sempre endividado com os patrões, além do vexame e maus tratos a que estava sujeito, Martinello (1985), diz ter feito um levantamento, cujos resultados foram os seguintes: Os serviços encarregados do recrutamento e encaminhamento, usados e criados pelo governo para o

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provimento de mão-de-obra para a “batalha da borracha” – DNI, SEMTA, CAETA e FBC – Fundação do Brasil Central – enviaram de 1941 a 1945, 55.339 pessoas à Amazônia e Mato Grosso (atualmente MT e MS) dentre os quais 36.280 homens aptos para o corte da seringa e 19.059 dependentes (crianças, mulheres e anciãos).

Com o refluxo e desmobilização dos americanos da Amazônia, que coincidiu com o fim da ditadura Vargas e a consequente liberalização da imprensa, violentas críticas começaram a aparecer nos órgãos de comunicação sobre a sorte desta população que começava a refluir dos seringais.

O estopim para todo esse debate que começou a aparecer na imprensa da época, foi proporcionado por uma grave denúncia de uma caravana de estudantes cearenses que, visitando a Amazônia para comprovar in loco a situação de seus coestaduanos, constataram o desaparecimento de 23 mil nordestinos tragados pela “batalha da borracha” (MARTINELLO, 1988).

Tal denúncia – cujos números, para alguns autores, ainda são considerados subestimados – repercutiu como um rastilho de pólvora na imprensa de todo o país, causando intensa celeuma.

Segundo Martinello (1988, p. 314) num editorial do Jornal do Brasil (JB) sob o título “A tragédia dos soldados da borracha”, dá uma idéia desse debate. Eis alguns trechos: “A ditadura cavilosa e desumana arrancou dos labores rurais, em plena guerra, 50.000 nordestinos e fê-los marchar para a fome e para a morte, com a legenda negaceadora de – soldados da borracha – induzindo-os, com lérias de patriotismo e falsas promessas, às regiões inóspitas da Amazônia, onde os abandonou de maneira impiedosa [...]. Daqueles 50.000 brasileiros, ingênuos e rudes, que viviam mal em seus pagos, porém não eram desgraçados, não eram enfermos e não sofriam fome, deles, 23.000 apodreceram na lama, sem pão, sem assistência médica, sem remédios para atenuar o febrão, a avitaminose, o assalto de parasitas. Lá ficaram sepultados naqueles desertos, vítimas de um mau governo e de suas ilusões, pela vitória das armas das Nações Unidas. Os outros 27 mil que sobreviveram àquela batalha sem glória, não tiveram sequer as passagens de retorno para os seus Estados de Origem”.

De acordo com ele em outra crônica, de Rubem Braga (apud MARTINELLO, 1988, p. 316), sob o título “borracha”, reproduzida da imprensa da época, dá mais uma ideia do calor deste debate.

[...] Ninguém poderia esperar que a “batalha da borracha” se desenvolvesse direitinho, bonitinha como no cinema. Mas houve um excesso de ineficiência e leviandade. Houve principalmente muita coragem em jogar com a vida de milhares de brasileiros – pobres diabos sacrificados numa luta de vaidades, ambições e politiquices. Acontece que no Brasil não há punições para essa espécie de crimes. A certa altura, todos lamentavam o fato e tudo fica por isso mesmo, inclusive os mortos que continuam absolutamente mortos.

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Todo esse debate, como não poderia deixar de ser, repercutiu também fortemente nos EUA, o maior responsável por toda essa tragédia, depois do Brasil, a ponto de ter provocado um significativo depoimento, sobre o assunto, do Procurador Geral dos EUA, no Congresso daquele país.

Tais denúncias e campanhas provocaram intensos debates no Congresso Nacional acerca da “batalha da borracha” e, em especial, sobre o destino dos soldados seringueiros.

Esse grave e angustioso problema social, criado pela “batalha da borracha” empolgou de tal maneira os debates da constituinte (de 1946) que o deputado Café Filho, representante do Rio Grande do Norte, apresentou um requerimento solicitando ao Plenário a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), destinada a apurar a real situação dos trabalhadores enviados à Amazônia.

Aprovado o requerimento, em sessão de 18 de junho de 1946, no dia imediato era instituída a Comissão de Inquérito da Campanha da Borracha. A 31 de junho, a Comissão realizou a sua primeira sessão, durante a qual foi aclamado presidente o deputado Fernando Távora, vice-presidente o senador Álvaro Maia e como relator Paulo Sarazate (MARTINELLO, 1988).

Nas doze sessões que se seguiram, foram tomados inúmeros depoimentos de ex-soldados da borracha, de médicos encarregados da assistência à saúde dos trabalhadores e, principalmente, dos responsáveis pelo recrutamento, transporte e financiamento dos serviços de imigração.

Grande expectativa se criou, especialmente, em volta dos depoimentos do ministro João Alberto Lins de Barros, idealizador e criador do SEMTA e do Sr. Valentim Bouças, Diretor Executivo do CCAW.

As declarações de João Alberto (que nunca foram publicadas) advogando para si a paternidade do fracasso pelo serviço do SEMTA e pela campanha da borracha na parte da imigração, se de uma parte estão a indicar alguma humildade e até certo desassombro, não o livraram, porém, da responsabilidade por esses crimes e nem das consequências que poderiam advir.

Como já foi dito que no Brasil não há punições para estes casos, pois “Os mortos continuavam absolutamente mortos” como afirmou Rubem Braga, outras declarações do Ministro indicam que, não obstante tudo, ele continuava impávido.

Quanto a Valentim Bouças, fez um longo depoimento de 32 páginas, após embair a comissão com os seus decantados conhecimentos financeiros e historias de todo o desenrolar da campanha da borracha, na qual não via fracasso algum; ao abordar a questão fundamental do inquérito que era o destino do “soldado da borracha”, também traz o pretexto da guerra como responsável por todos os descalabros e privações que foram impostos aos nordestinos imigrantes.

O relatório final desta CPI, que teve de ser dissolvida sem poder completar depoimentos importantes como o do Sr. Olímpio Flores e Dr. Dória Vasconcelos, enumera

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um rosário de lacunas, falhas, erros, desentendimentos, incúria e irresponsabilidades dos vários serviços encarregados da imigração dos “soldados da borracha”.

Quanto ao número de imigrantes, baseando-se no depoimento de Péricles de Carvalho, diretor do DNI, o total absoluto talvez passe um pouco de 52 mil, incluindo-se nesse número de trabalhadores e pessoas da família (MARTINELLO, 1988).

As dúvidas que se haviam suscitado no Plenário da Assembléia, acerca do número de imigrantes, resultaram da existência de mais de um órgão de encaminhamento [...] e assim persistirão essas dúvidas como será visto mais adiante.

Quanto ao problema alimentar são acordes os depoimentos atestando que os “soldados da borracha” não foram convenientemente atendidos quanto à alimentação, resultando daí dolorosas conseqüências.

Além da péssima alimentação servida nos postos e nos navios, também nos seringais a situação não era diferente, conforme declaração de um dos depoentes: “Nos seringais havia falta de tudo, até de alimentação” (MARTINELLO, 1988, p 314-315).

Segundo Martinello (1985), o Dr. Paulo de Assis Ribeiro, diretor executivo do SEMTA, declarou por sua vez: “Em Belém, o Rubber teve de jogar muitos alimentos ao rio, porque não tinha organização capaz de arcar com a responsabilidade assumida”.

Em relação à assistência médica e sanitária, embora se imponham merecidos elogios à obra do SESP, parece fora de dúvida que tal assistência, em razão das próprias condições geográficas e insuficiência de condições materiais de que dispunha o órgão, não se pôde fazer sentir com a desejada amplitude. Assim, o desfecho da campanha da borracha que, em lugar de resolver um problema, veio criar outros mais, problemas angustiosos do homem, seduzido pela propaganda fácil e depois abandonado em plena selva, sem assistência e sem recursos (MARTINELLO, 1988).

Foi precisamente dos seringais que as queixas mais se avolumavam, pois o SESP sempre foi criticado por ter prestado boa assistência nos acampamentos, nas cidades e nos centros de saúde, descurando as regiões mais distantes e principalmente os seringais.

Prova disso é que, no primeiro semestre de 1946, dos extratores que refluíam dos seringais, 248 foram julgados incapazes para o serviço da borracha, figurando a malária e a avitaminose como causas principais dessa inaptidão. Note-se que todos esses extratores, que agora eram recambiados por estarem incapazes para o serviço da borracha, quando recrutados no Nordeste se submeteram a rigoroso exame de sanidade física e mental, com o fim de serem selecionados os melhores. Agora, com o fim da “batalha” retornam como verdadeiros trapos humanos.

Na verdade, atentando para o número dos que sucumbiram à ação do impaludismo e outras doenças, pode-se afirmar que os que conseguiam escapar dos seringais e ser reencaminhados para os seus Estados de origem, poderiam se considerar mais que felizardos.

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A CPI, em seu relatório final, não se julgou capacitada para apontar sequer o número aproximativo dos que sucumbiram irremediavelmente na “batalha da borracha”, e isto para não ferir susceptibilidades. Como o relator da Comissão, Paulo Sarazate, afirmava: “O número de mortos é uma interrogação e para não provocar melindres, para não agitar suscetibilidades, nem ser acoimado de sensacionalista, me permito não articular algarismos nesse sentido” (MARTINELLO, 1988, p. 325).

Se para alguns a mortandade não foi elevada, para outros como o Sr. Pimentel Gomes, encarregado do serviço de Imigração do então Território do Acre (hoje estado), “morreu muita gente”.

Para não ficar apenas nesses inconclusivos resultados dessa CPI da “Batalha da Borracha”, felizmente existe uma gama de informações criteriosas que, certamente, somadas às excelentes pesquisas de Martinello (1988) muito contribuirão para um melhor entendimento sobre esse dramático e obscuro episódio da história do Brasil.

Segundo Samuel Benchimol (1977), quantos eram, ninguém saberá jamais. Nem o número dos nomes, nem o nome dos números, pois nunca existiram estatísticas de emigração no nordeste e nem de imigração na Amazônia. Também na I Batalha da Borracha, que se desenvolveu de 1850 a 1915, como no episódio da II Batalha da Borracha, (assistida e documentada pelo próprio Benchimol) no período de 1941 a 1945.

Quantos partiram, quantos chegaram, quantos morreram, a crônica não registrou; contudo, o que existe, pode dar uma ideia dessa massa crítica de homens, mulheres e curumins que largaram os seus lares em busca de salvação no exílio amazônico. E após minuciosos e prudentes levantamentos estatísticos, conclui (BENCHIMOL, 1977, p. 247 -255):

Deste modo, podemos estimar que nas duas Batalhas da Borracha, a primeira no período que vai de 1850 a 1915, cerca de 350.000 nordestinos buscaram a Amazônia; e na segunda, no período de 1941 a 1945, os imigrantes se aproximaram de 150.000. Sem muito exagero, mas com devida cautela, eis que as estatísticas são falhas e contraditórias, será possível avaliar, a grosso modo, um contingente de 500.000 nordestinos, altamente contributivo para a ocupação e o povoamento da Amazônia.

Quanto à pergunta, “quantos morreram” são da maior importância, para esclarecê-la, em parte, dois reveladores depoimentos a seguir apresentados:

O recrutamento e o encaminhamento dos “soldados da borracha” era encargo do SEMTA, criado pelo governo federal, exclusivamente para esse fim, acrônimo que o povo logo traduziu como Senta e Espera Miserável Trabalhador da Amazônia. O Tapanã, deserto, na época pouco habitado, que havia sido “escolhido a dedo” para receber e encaminhar os ínclitos “soldados” em trânsito para seu destino, quase sempre o da morte, também recebia os que não tendo sido enterrados entre as seringueiras, ali vinham morrer. Um dos médicos, já falecido, que lá serviu por vários anos, contou-nos e escreveu em obra inédita – cujos originais estão em nosso

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poder – o horror do que ali acontecia. Se tivesse sido publicado, o livro teria por título “Hospedaria do Diabo”. Houve necessidade de criar um serviço especial (que ironia!) na necrópole de Santa Izabel (de Belém) para sepultar em covas rasas os muitos que diariamente sucumbiam na “hospedaria”. Ocasiões houve em que, foi necessário empilhar até três corpos na mesma cova, sem caixão e, a partir do terceiro corpo, sem os sete palmos, evidentemente 5.

Outra informação não menos contundente e dramática pode ser encontrada na obra de Nelson de Figueiredo Ribeiro (2006, cap. 31, p. 160): “[...] A penúria e as doenças que grassavam na Região, sobretudo a malária, a febre amarela, o tifo e as verminoses, completavam o que faltava para de vez, esmagar o ironicamente, chamado “soldado da borracha”. Estima-se em cerca de 40 mil, isto é, uma quantidade quase 100 vezes maior que o número de soldados brasileiros que morreram nos campos de batalha da Itália, cujo total foi de 454 baixas, em um contingente de 25.223 expedicionários”.

Com a retirada dos Americanos da Amazônia e com a carência dos Acordos de Washington, prestes a expirar criou-se uma situação de extrema incerteza entre os produtores quanto à continuidade da exploração da borracha nos seringais originando uma debandada dos extratores. Se um plano de amparo dos Poderes Públicos a esses desajustados da batalha da borracha não fosse imediatamente implementado, tanto os governos dos Estados e, Territórios, como os órgãos da imigração temiam por uma situação de verdadeira calamidade pública.

Em certos locais, como em Rio Branco (AC), o refluxo de mais de dois mil seringueiros, dos seringais circunvizinhos, inquietou seriamente o governador Guiomar do Santos. Esta autoridade, por intermédio de um rádio passado ao Ministro do Trabalho, reclamava providências urgentes e imediatas para o problema.

A resposta do Ministério do Trabalho assegurava que medidas de emergência estavam sendo propostas ao Presidente da República e que um plano contando com a participação de todas as entidades governamentais estavam sendo montado para socorrer os nordestinos que voltavam dos seringais (MARTINELLO, 1988). Diante dessas pressões e recomendações dos governos locais, o Governo da União, pelo Decreto-lei nº 9.882, de 16 de setembro de 1946, autorizou a elaboração de um plano para a assistência dos trabalhadores da borracha. Para a execução desse plano, foi constituída uma Comissão composta pelo diretor do DNI e o do Diretor da CCAW, sob a presidência do Ministério do Trabalho.

Foram disponibilizados para a Comissão executar o plano, recursos do Ministério do Trabalho e recursos transferidos da CAETA para CCAW, no valor de ínfimos Cr$2.600.135,92, comparáveis a uma gota d’água no meio de um oceano de necessidades e misérias dos milhares de Soldados da Borracha.

5 Depoimento de Ramiro Nazaré, feito especialmente para este artigo. A história espera sinceramente, que este econo-mista, professor e pesquisador da UFPA – (também testemunho ocular da batalha da borracha) encontre meios para publicar o livro do Dr. Walmick Mendonça, onde certamente devem existir muito mais revelações acerca daquela “Hos-pedaria do Diabo”.

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Infelizmente, não foram levados em conta as sugestões de Valentim Bouças – Diretor da CCAW – que pleiteava que o fundo especial que se achava no Banco de Crédito da Borracha (BCB), atual Banco da Amazônia – uma soma de mais de R$10.000.000,00 – fosse aplicado integralmente na assistência do seringueiro, pois esse encaixe do Banco fruto do trabalho do próprio seringueiro, devia, por dever de justiça, ser destinado a ele e não a outros fins (BOUÇAS, 1953, p. 353).

Desgraçadamente, o envolvimento do BCB no financiamento de tantas aquisições do governo, como a compra da Cia. Ford do Brasil, do acervo da RDC e o fundo para financiar depois, a compra dos excedentes da borracha, levou esta instituição de crédito a consumir praticamente todo esse encaixe que deveria ser intocável, por que pertencente, de direito, aos seringueiros. Foi aí, aliás, onde se consumiu todo o numerário de tão comentado prêmio do Soldado da Borracha e desse prêmio, os seringueiros nunca mais, tomaram conhecimento! (MARTINELLO, 1988, p. 331-332). Referido autor, diz ainda que, no meio de todas as injustiças que sofreram e sofria os soldados da borracha, deve-se louvar a honrosa exceção do governador do Acre, Guiomar dos Santos que, consubstanciou planos de colonização, elaborados ainda em 1942, no governo Oscar Passos, loteando terras compradas de seringais ao redor de Rio Branco, nelas assentando retirantes dos seringais constituindo núcleos e colônias agrícolas, de 1947 a 1950.

4 ALGUNS ASPECTOS DA AMAZÔNIA ATUAL: NOVAS BATALHAS E NOVAS TRANSUMÂNCIAS

A Região Amazônica, embora não possa esquecer e nem curar, os traumas provocados pelas duas “batalhas” da borracha e suas transumâncias, ocorridas nos séculos XIX e XX – como descritas, em tópicos anteriores deste artigo – continua, tanto na 2ª metade do século XX, como no transcurso deste 3º milênio, esquecendo nefastas experiências anteriores – a ensejar novas “batalhas” e transumâncias, em nome de um desenvolvimento que, como no passado, tem propiciado mais efeito exógenos do que endógenos, com mais custos do que benefícios para a região.

O general Emílio Garrastazu Médici, por exemplo, em 1970, proclamou a Amazônia como sendo uma “terra sem homens para os homens sem terra”. Com esse arroubo de nacionalismo e bravata, embora ainda estivessem visíveis e bem recentes as “fraturas expostas” de malograda “batalha da borracha”, dava início ao Plano de Integração Nacional (PIN), sendo a construção da Rodovia Transamazônica, o primeiro e principal, dos “grandes projetos” a serem implantados na Amazônia.

Guardadas as devidas proporções, tal como ocorreu nas “batalhas da borracha”, quando multidões de nordestinos desvalidos, foram aliciados por meio de enganosas propagandas, para viajar para Amazônia, e, - “enricar com a borracha” e/ou “batalhar na seringa pra não ir batalhar na guerra”; nos anos mais recentes dos séculos XX e XXI, agora sob persuasão de novos aliciamentos do capitalismo nacional e internacional, não só nordestinos, mas trabalhadores de baixas condições socioeconômicas e qualificação

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profissional participaram e participam das novas “batalhas” e transumâncias tais como, a seguir, exemplificam-se: a) “Batalha” para execução dos “Grandes projetos” do PIN – com destaques para construções da Rodovia Transamazônica e UHE de Tucuruí; b) “Batalha” pela exploração do ouro do garimpo de Serra Pelada; etc. etc. Terminadas as obras nesses “Grandes Projetos” e esgotado o ouro de aluvião de Serra Pelada, os trabalhadores de baixa qualificação bem como os pequenos proprietários desapropriados, sem chances de outras fontes de trabalho, emigraram (e emigram) de forma desordenada, inchando periferias de núcleos urbanos ou passando a integrar problemáticos contingentes de “trabalhadores sem terra”, reivindicando medidas de “reforma agrária” e, na falta destas, promovendo invasões e distúrbios sociais de diversas ordens.

Nos canteiros de obras das UHEs de Santos Antônio e Girau, que estão sendo construídas no Rio Madeira, para onde já ocorreram grandes transumâncias, a mídia nacional e internacional tem noticiado, a ocorrência de levantes e revoltas de operários. Claro que os motivos de tais levantes não são os mesmos dos que provocaram “quebra-quebras” nas hospedarias e acampamentos dos “Soldados da Borracha”. Tais acontecimentos verificados no Rio Madeira, denotam que, as condições de trabalho desses “Soldados das Hidrelétricas”, em pleno século XXI, ainda padecem de precariedades e improvisações tão graves, quanto os que foram denunciados pela imprensa nacional, ao fim da Ditadura do Estado Novo.

Presentemente, nesse ano do Centenário do final da Primeira Batalha da Borracha, em que está sendo construída a UHE de Belo Monte, no Rio Xingú, considerada a segunda maior do mundo, vários estudos de impacto ambiental preveem uma imigração para a região de Altamira/PA, de um contingente populacional não inferior a 100.000 pessoas. Além dos impactos já sentidos na região, pela frágil e insuficiente infraestrutura existente, para suportar tamanho impacto demográfico, embargos judiciais patrocinados pelo Ministério Público Federal, denunciam e questionam o aventureirismo e as improvisações, ainda frequentes no projeto executivo da UHE. Os EIA-RIMAs da referida obra, não conseguem demonstrar com clareza, que providências serão tomadas, após a conclusão das obras, tanto para as populações – cablocos e indígenas – atualmente residentes nas áreas que serão inundadas, quanto para os trabalhadores desempregados ao final do projeto.

Além dessas batalhas e transumâncias que continuam a ocorrer na Amazônia em pleno terceiro milênio, impondo sacrifícios e injustiças aos menos favorecidos, durante e ao término dessas grandes obras nacionais, há outro aspecto dos projetos hidrelétricos, comprometendo gravemente, o futuro das vias navegáveis desta região, detentora da maior bacia hidrográfica do planeta: os projetos das UHEs que estão sendo construídas na Amazônia – Santo Antônio, Girau e Belo Monte - desprezando a obrigatoriedade de uso múltiplo para recursos hídricos do país, não consideraram a inclusão de eclusas nesses projetos energéticos. Isto significa um alto risco de repetição do mesmo erro cometido durante a construção da UHE de Tucuruí/PA, em 1986. Tal omissão, não só impediu a navegação plena no Tocantins, o 25º maior rio do mundo, como exigiu gastos do governo federal, superiores a um bilhão de reais, ainda com um agravante: caso este mesmo governo

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federal, não realize urgentemente as indispensáveis obras de derrocamentos do “Pedais do Lourenço”, situados a montante das eclusas, estas só funcionarão em tempos de águas altas, praticamente inviabilizando a construção em Marabá-PA, da Aços Laminados do Pará (ALPA), projetada para ser a primeira grande usina siderúrgica que verticalizaria a produção da mina de Carajás.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cem anos da crise da borracha, olhando o passado, analisando o presente e projetando um futuro diferente, foi o objetivo principal do VI ENAM, que contou com a sábia e entusiástica colaboração do saudoso Professor Armando Dias Mendes, até o momento de sua partida.

Este artigo da Coletânea que abordou o episódio da “batalha da borracha”, expandindo os objetivos do VI ENAM para além do período da chamada fase áurea da borracha, encerra-se aqui, propondo mais algumas reflexões como diz Pinto (2012, p. 20) que

a Amazônia passou a fazer parte do mundo antes de se integrar ao próprio país, seguindo curso mais inconstante e traumático na etapa da nacionalização do que na da internacionalização, que a precedeu. Tornamo-nos – e continuamos a ser-brasileiros, mas por dentro das nossas veias geográficas e culturais também fluem fluxos derivados de uma matriz (ou de várias delas) externas. Hoje, mais do que nunca, é impossível entender a Amazônia sem situá-la no contexto mundial. Tanto para manter a forma espoliativa da utilização dos seus recursos (naturais e humanos) como para mudá-la.

Assim, quando unidades federativas amazônicas, clamam por um novo pacto federativo, partem do pressuposto de que, os benefícios fiscais e creditícios, além do capital social básico construído e em construção, sob a égide do Estado Nacional, são empregados e utilizados, na maioria das vezes, menos para servir a região, do que propriamente, para servir-se dela, em benefício de outras regiões e interesses econômicos de corte interregional e internacional. Do que adianta ao Pará, ser o terceiro estado que mais gera divisas para o Brasil, graças 85% da sua pauta de exportação ser constituída por minério de ferro?

Enquanto não houver a devida compensação pelas perdas motivada pela Lei Kandir que isenta de ICMS quase todos os produtos que o Pará exporta, este segundo estado mais extenso da federação brasileira, continuará tendo a maioria da sua população – a nona maior do país – vivendo mal, com serviços de saúde e de alimentação precários, com índices de educação e violência, situados entre os mais baixos e os mais elevados do país, respectivamente.

A sociedade brasileira, para se sensibilizar pela criação de um novo “pacto federativo” que seja mais justo para com os brasileiros que vivem nos estados amazônicos, deve ser lembrada de que: o Presidente Franklin Roosevelt, dos EUA, só concordou com a

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instalação da grande usina siderúrgica de Volta Redonda, por Getúlio Vargas, quando este, aquiesceu aos EUA, durante a 2ª Guerra Mundial, em manter bases militares no norte e nordeste brasileiros, bem como criar a “batalha da borracha” para assegurar borracha amazônica para as frentes aliadas. Portanto, eis aí grandes contribuições históricas dadas pela Amazônia e, pelos “soldados da borracha”, sendo que esses até hoje, na sua maioria, como já foi visto não tiveram nem sepultura quanto mais, estátuas.

Além de um novo federalismo, o Brasil só adquirirá uma consciência clara quanto a sua grande diversidade – territorial, cultural e política – quando realmente for concebido e executado um Projeto Nacional de Desenvolvimento Regional, em que não se permitam absurdos como, o de destinar quase metade do gasto público federal – como ocorreu neste ano de 2012 – para pagar juros e amortizações da dívida externa, ficando menos de 1% para ser aplicado em ciência e tecnologia. Claro que o reflexo imediato, verificou-se na grande redução de verbas do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA).

Outro aspecto preocupante: Prenuncia-se para menos de um século, a duração da exploração dos minérios de Carajás. A cada dia, um trem com 300 vagões de 80 toneladas, arrasta 24 mil toneladas. Ao final do dia, são transportados e exportados 576 mil toneladas do melhor minério de ferro do mundo. Com essa velocidade de exploração, pode-se prever, sem exagero, que no século XXII a mina de Carajás estará extinta.

Quando terminou a Batalha da Borracha, com o cessar dos Acordos de Washington, meses depois, em 1946, o Brasil teve que se tornar importador de borracha para abastecer sua indústria nascente.

No próximo século, o que poderá acontecer em relação às necessidades de ferro do Brasil, diante do esgotamento do ferro de Carajás? A resposta para tais indagações vem de outra, deixada por Armando Mendes: “É para indagarmos a sério se não há nuvens negras à vista e se, mutatis mutandis, não é apropriado prospectar virtuais ameaças premonitórias de repetições de desastres históricos como os ocorridos nas duas batalhas da borracha?

Embora com tantos percalços, incertezas, repetições de injustiças e práticas ultrapassadas, aqui constatadas e relatadas, não há porque perder a esperança de dias melhores para a Amazônia. Afinal de contas, o Brasil está vivendo o maior período de plenitude democrática da sua história. Se assim continuar, a tão almejada e necessária reforma política, ocorrerá, e, mediante um federalismo mais justo – novo pacto federativo – poderá possibilitar que, projetos nacionais implantados na Amazônia, sejam também, menos danosos e mais benéficos para a Amazônia.

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AMAZÔNIA: DA CRISE À INTEGRAÇÃOATÍPICA E TRUNCADA1

Wilson Cano

1 INTRODUÇÃO

As dificuldades para obter dados e informações sobre a economia da Região Norte, anteriores ao final da década de 1960 e à própria evolução e transformação dessa economia, no período posterior àquele, recomendam uma reflexão mais sintética para o primeiro deles. Dessa forma, dividirei o texto em duas partes, a primeira correspondente a um período (ainda mais longo) que se estende até meados dos anos de 1960 e a segunda, ao período subseqüente. Para a primeira parte, usarei largamente, além das fontes citadas, alguns textos anteriores que escrevi.2

2 A CÉLULA EXPORTADORA REGIONAL DO NORTE: AUGE, DECLÍNIO E INÍCIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL

Excluída a parte amazônica da economia maranhense, a região Norte manteve-se, até meados do século XIX, na atividade extrativista-florestal, ligando-se precariamente ao comércio internacional. A atividade extratora da borracha expandiu-se lentamente nas décadas de 1860 e de 1870, atingindo, na seguinte, um período mais expressivo, chegando ao auge, entre 1890 e 1912. Essa expansão foi induzida pela subida de seus preços externos, que triplicam entre 1880 e 1910, situando-se, na média do período de 1911-1920, a nível 60% mais alto do que os preços médios vigentes no período de 1881-1890.3

No sentido de poder avaliar qualitativamente o potencial econômico dessa atividade, comparo-a com a expansão cafeeira em São Paulo, no período de 1870 a 1920. Vejamos o confronto das exportações paulistas de café e das de borracha pela Amazônia, assim como o de suas respectivas populações.

Acrescente-se, ainda, que, no mesmo período, o fluxo imigratório para a Amazônia equivaleu a 38,5% do recebido por São Paulo.4 Somadas as exportações desse meio século, as de borracha equivaleram aproximadamente, a 45% das exportações paulistas de café. Dados esses fatos, poder-se-ia perguntar por que razões a Amazônia não conseguiu transformar essa fonte primária de “energia” econômica que foi a borracha, gerando um

1 Texto apresentado no Seminário “1912-2012 Cem anos da crise da borracha: do retrospecto ao prospecto”, durante o VI ENAM (Encontro de Entidades de Economistas da Região Norte), Belém, junho de 2012.

2 Re� ro-me aos livros Raízes... (CANO, 2007 c, cap.1, p. 95-99) e Desequilíbrios... (CANO, 2007b, cap.3 e 5).3 Sobre as linhas gerais da evolução da economia da borracha, ver Furtado (1961, cap. 23).4 Essa porcentagem é calculada com base nas quanti� cações efetuadas, para São Paulo, por José F. Camargo (1953) e, para

a Amazônia, por Furtado (1961, cap. 23).

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“complexo econômico” tão dinâmico quanto foi o cafeeiro, guardadas as devidas proporções de ambos. Não parece difícil responder a essa indagação.

Em primeiro lugar, o problema maior parece ter residido na forma principal

em que se desenvolveram as relações de produção na economia da Amazônia, ou seja,

na preponderância do aviamento.5 Consistia esse sistema numa cadeia de agentes,

cujo primeiro elo (o maior e mais poderoso) era representado pelas grandes casas

exportadoras (e, naturalmente, também importadoras) que concediam crédito

(aviam) a intermediários menores, emprestando-lhes dinheiro e adiantando meios de

subsistência e bens de produção, os rudimentares instrumentos auxiliares da produção

da borracha.6 Os médios e pequenos intermediários, por sua vez, “repassavam” o

crédito recebido (e, portanto, eram ao mesmo tempo aviados e aviadores) aos últimos

elos dessa cadeia, que eram os produtores diretos da atividade extrativa. Estes últimos

constituíam genuinamente os aviados.

Esse fluxo de crédito, cuja componente monetária era pequena, predominando a

fração em espécie, tinha como contra partida outro fluxo em espécie (a borracha e, mais

tarde, também a juta), que era contabilizado a preços estabelecidos pelo primeiro elo

da cadeia.7 Esse fluxo compreendia as seguintes parcelas: o valor dos bens de produção

utilizados, o custo de subsistência do produtor direto e os juros e lucros da cadeia de

intermediação. A diferença contábil de ajuste nos dois fluxos era o saldo do produtor,

devedor na maioria das vezes, o que o tornava ainda mais dependente do sistema de

aviamentos. Quando credor, representava, no entanto, parcela insignificante.

Tratava-se, portanto, de um sistema em que cabia ao “comprador” determinar ao

produtor independente o preço de produção, provendo-o ainda dos meios de subsistência,

a preços da mesma maneira estabelecidos, fixando a “renda” do produtor na subsistência

física. Em suma, a economia da borracha estava organizada em torno do pequeno produtor

independente, que era dominado e explorado pelo capital comercial.

5 Para o tema sobre o aviamento ver o clássico trabalho de Santos (1968). Ver também Sampaio (2002).6 Como o próprio autor citado na nota anterior mostra, é evidente que à medida que o sistema bancário se desenvolve

e penetra mais no interior da Amazônia, o sistema de aviamento é enfraquecido; ainda hoje, subsistem seus resquícios tanto na atividade extrativa da borracha como na da produção de juta.

7 Ver às páginas 24 a 27 do citado livro de Santos, alguns exemplos da contabilização das contas entre aviadores e produtores, através dos quais se conclui que efetivamente, os � uxos em espécie são predominantes nessas típicas relações.

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Tabela 1 – Exportações de café e borracha e relação populacional, estado de São Paulo e Amazônia

Exportações: 1000 contos Anos Borracha Café habitantes

(AM) (SP) AM/SP AM/SP1871 a 1880 107,9 221,8 48,6% 39,7%1881 a 1890 185,5 490,7 37,8% 34,4%1891 a 1900 1163,3 2860,0 40,7% 30,5%1901 a 1910 2268,8 2899,2 78,3% ...1911 a 1920 1406,8 4942,0 28,5% 31,3%

Fonte: IBGE. Anuário estatístico do Brasil, 1939-40; Fraga, Constantino C. Resenha histórica do café no Brasil. Agricultura em São Paulo, v. 10, n. 1, 1963; Censos demográ� cos de 1872, 1890, 1900 e 1920 apud CANO, 2007 c.

Examinemos as raízes da baixa diferenciação da economia da borracha. Em primeiro lugar, é necessário lembrar que, devido à existência de ampla rede fluvial, não se requereram maiores investimentos para a implantação de sistema de transportes. Tais inversões restringiram-se à construção de portos e a oficinas de reparos de embarcações.

Por outro lado, não se estabeleceram as condições mínimas requeridas para o surgimento de uma agricultura mercantil de alimentos. Não, naturalmente, porque inexistisse demanda, que foi atendida por importações de alimentos em volumes apreciáveis. Ao contrário, foi o modo de organização da atividade extrativa, fundada no pequeno produtor independente internado e disperso na floresta virgem, que bloqueou, obviamente, seu nascimento. Quer dizer, nem há, como no café, uma empresa agrícola onde a atividade primária se desenvolve sob o comando do capital nem, muito menos, disponibilidade de terras abertas pela atividade exportadora em que a produção de alimentos pudesse ser efetivada, nem ainda, força de trabalho que excedesse ao requerido pela extração da borracha, que proporcionava ao capital comercial uma rentabilidade extremamente alta.

Por razões semelhantes, não se criam, também, oportunidades de inversão industrial mais expressiva, apesar da existência de mercado, ainda que de dimensões reduzidas, devido à baixa remuneração dos aviados e à extremamente limitada urbanização.8

Com efeito, as características de sua indústria, em 1907 e 1919, refletiam esses negativos aspectos: a indústria da madeira respondia por 25% da produção. industrial da Amazônia; a de bebidas, alimentação e fumo, juntas, representavam outros 25%. O censo de 1907 não constatou a existência de indústrias têxteis na região, e, a existente em 1919, perfazia apenas 5% da produção industrial da região.

Vista a estrutura industrial, pela dimensão dos estabelecimentos, os resultados não eram mais promissores: os estabelecimentos maiores concentravam apenas um quarto do capital industrial, tanto quanto a típica estrutura industrial da economia gaúcha, constituída, basicamente, pela pequena e média empresa. A indústria amazônica acompanharia a decadência da economia da borracha: em 1907, a região tinha produção

8 Note-se, nesse sentido, que, ainda em 1939, a população rural perfazia cerca de 75% da população total da Amazônia.

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industrial equivalente a 4,3% do total nacional e, em 1919, já na crise, essa participação era violentamente reduzida para 1,3%.

Por outro lado, dado o elevado número de intermediários em que estava assentada a economia do aviamento, pode-se pensar, ainda, numa relativa atomização do excedente, dificultando, portanto, a transformação do capital comercial em capital produtivo.

Justamente por tudo isso, que exprime a profunda dominação do capital mercantil na economia da borracha, é que boa parte dos lucros se transformou em construções suntuárias, grandes importações de bens de luxo e remessa de rendimento para o exterior, dada a participação do capital estrangeiro no comércio exportador/importador e em vários serviços.

Como essa base produtiva não se diversificou o suficiente para proporcionar a efetiva acumulação de capitais nela gerados, vinda a crise, ao longo da década de 1920, seria quase fatal a sua estagnação e posterior atrofiamento, uma vez que, dadas suas condições naturais, poucas seriam as possibilidades de integração em novas correntes de comércio exterior ou interior.9

Com a “Crise de 1929” e a subsequente política de defesa da economia, implantada por Vargas, as novas diretrizes econômicas desencadeariam não só a expansão e diversificação industrial do país, mas, principalmente, a formação e integração do mercado nacional.10 Esse processo, como demonstrei em obra anterior (CANO, 2007 c) beneficiou amplamente a economia paulista, mas incorporou a periferia nacional, cujas vendas e compras de São Paulo possibilitaram-lhe altas taxas de crescimento econômico e industrial, ao longo das décadas de 1930 à de 1960.

Contudo, a região Norte foi a que menos se beneficiou. Sua primitiva base produtiva e precárias relações sociais de produção não lhes possibilitaram, de imediato, essa integração. Nem mesmo a expansão da indústria nacional de pneumático em meados da década de 1930 faria com que a Amazônia retomasse seus anteriores níveis de produção da borracha. As experiências feitas pelos imigrantes japoneses no cultivo da pimenta do reino, da juta e fibras similares, somente alcançaram plenos resultados após a Segunda Guerra, o que retardou, em cinquenta anos, a integração dessa produção com a indústria de sacaria de São Paulo, que floresce desde 1889.11

A região Norte apresentaria o pior desempenho agrícola: sua participação nacional cairia de 3,3% para apenas 1,6% (e possivelmente sua renda agrícola teria diminuído em 12,3%) entre 1939 e 1955. A razão fundamental dessa queda poderia em parte ser explicada pelo comportamento depressivo de seus principais produtos de exportação. Entre 1939 e 1955, os preços médios da borracha, ao produtor, cairiam em cerca de 30% e, ao exportador, em torno de 50%; as quantidades exportadas para o mercado externo reduziram-se

9 Ver, a respeito, o citado trabalho de Furtado (1961, cap. 23).10 Sobre esses fatos, ver os clássicos capítulos 28-32 de Furtado (1961) e Cano (2006a).11 Sobre o importante papel da imigração japonesa na agricultura amazônica, ver Homma (2007).

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à metade, mas o mercado interno – São Paulo, principalmente - mais que compensou aquela redução, proporcionando um aumento de cerca de 80% em sua produção física. A castanha do Pará, segundo produto mais importante da Amazônia na época, apresentava crescimento físico nulo na produção e nas exportações e uma redução de 20% em seus preços ao produtor. Dado que ambos os produtos perfaziam 44% da produção agrícola da região, não é difícil estimar esse comportamento depressivo, muito embora o cálculo dessa queda de preços resulte da relação entre a evolução nominal desses preços e a do deflator implícito da renda agrícola do Brasil, que usei para deflacionar as rendas agrícolas de cada região, e esse deflator é fortemente influenciado pela agricultura do Centro-Sul.

Assim, o mau desempenho da região Norte teve fundamento no comportamento da demanda externa, tanto das quantidades exportadas quanto, principalmente, dos preços. Essa crise só não teve dimensão mais profunda graças ao fato de que desde o início da Segunda Guerra, a Amazônia começa a integrar-se mais ao mercado nacional, não só em termos de encontrar mercado substituto para a borracha, mas também de abrir novas frentes, como por exemplo, as crescentes exportações de pimenta e fibras duras (guaxima, malva e juta) para o Centro-Sul do país, onde despontava o mercado paulista, comprador de pelo menos dois terços da produção de borracha e de fibras duras da Amazônia. Com efeito, a integração com o mercado nacional, a partir de meados da década de 1950 alteraria aquele quadro pouco dinâmico, com o crescimento médio anual da agricultura regional superando largamente o nacional.

O período que se estende do imediato pós II Grande Guerra até aproximadamente 1973-1975, trouxe, além do espetacular crescimento econômico, importantes transformações estruturais econômicas (produtivas, do emprego e tecnológicas), políticas (a nova geopolítica com a consolidação da URSS, a descolonização, as democracias formais, etc. e sociais (as políticas de welfare state, melhorias das condições de trabalho, melhorias da distribuição de renda), estas, em geral apenas para os países desenvolvidos, trouxe também maior sensibilização ideológica para com a questão do desenvolvimento. Assim é que entre 1945 e meados da década de 1960, há todo um renascimento da discussão teórica sobre as questões do desenvolvimento econômico – e do subdesenvolvimento -, da questão urbana e da questão regional, temas que passaram, obrigatoriamente, a fazer parte da agenda política dos governos nacionais e dos principais órgãos internacionais.

Os países latinoamericanos também foram tocados por essa forte onda. No plano interno de cada um de nossos países, surgiram também outras pressões sobre aqueles temas, face à urbanização e à industrialização que aqui ocorria, fortemente concentradas em pequenas partes do território nacional.

No Brasil, além desses fatos, a magnitude dos investimentos do Plano de Metas se concentrava em São Paulo sendo que os benefícios (os malefícios viriam mais tarde) da urbanização, igualmente se concentravam em poucas e grandes metrópoles e cidades, notadamente em São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1951-1952 se iniciava a publicação das Contas Regionais, possibilitando melhores informações sobre as economias de nossas

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distintas regiões. Em 1957-1958 as graves secas do Nordeste apareceram “ao vivo” na recém instalada rede de TVs. Tudo isso fez com que a tomada de consciência sobre vários problemas sociais – em particular sobre a questão regional – aumentasse sobremodo.

Daí, a lucidez política de JK levou-o (em 1958-1959) a instaurar uma Operação Nordeste, que deveria resultar numa Política de Desenvolvimento regional (primeiro ao Nordeste), cuja elaboração coube a Celso Furtado. Disso surgiram em 1959-1960, o famoso documento do GTDN (Uma Política de Desenvolvimento para o Nordeste)12, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e seus Planos Diretores. Outras regiões, notadamente o Norte, também reivindicaram tratamento semelhante, o que faria surgir (além de outras instituições para outras regiões) a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) em 1966 e a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) em 1967.13

A reforma planejada por Furtado não se limitava à industrialização. Dela faziam parte várias políticas de igual magnitude, como as de colonização, reforma agrária e irrigação. Contudo, o golpe de 1964 liquidou com essa proposta ampla, praticamente resumindo as políticas da SUDENE (e mais tarde também as da SUDAM) à de atração de investimentos incentivados na indústria e na agropecuária. A centralização fiscal, política e administrativa imposta pelo regime militar minou a autonomia dessas instituições. A atomização que as mudanças das políticas de incentivos causou, estendendo-as a investimentos que também podiam ser localizados fora dessas regiões (turismo, pesca, reflorestamento, mercado de capitais e EMBRAER) acabaram por sucumbir essas instituições regionais, reduzindo suas ações, praticamente à política de investimentos privados incentivados, notadamente na indústria. Ainda assim, frutificaram muitos investimentos: indústrias leves, notadamente no Nordeste, agropecuários e de mineração, notadamente no Norte.

Um balanço muito geral do período 1939-1970 (Tabela 2) mostra, para a região Norte, os seguintes resultados:

a) pequena recuperação de sua participação no PIB nacional, em relação aos baixos níveis vigentes entre 1949 e 1960;

b) aumento de sua participação no PIB agrícola nacional, graças à sua integração com o mercado nacional;

c) pequena perda de participação no PIB nacional do setor serviços, certamente, devida à sua precária urbanização.

d) embora a estrutura produtiva de sua indústria de transformação pouco tenha mudado, sofreu pequena perda de participação no PIB nacional do setor, devido aos seguintes fatos:

- entre 1939 e 1949 a região também se beneficiou do efeito da industrialização

12 Ver Furtado (1967). 13 Algumas instituições preexistiam: o BNB, criado em 1952; a SPVEA criada em 1953 à qual sucederia a SUDAM, e o

BASA, sucessor do Banco de Credito da Borracha, criado em 1942. A Constituição de 1946 repunha o estabelecido pela de 1934, que concedia 3% da arrecadação federal pára a região Norte e outros 3% para o Nordeste. Para mais informa-ções, especialmente sobre o trabalho de Furtado, ver Cano (2006 c).

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nacional, tendo sido sua taxa média anual de crescimento do setor de 4%, mas inferior às do Brasil (7,8% e de São Paulo (9,8%);

- mas a partir do momento em que sua integração com o mercado nacional cresce, sua taxa se acelera (entre 1949 e 1970) para 8,8%, muito próxima às do Brasil (8,3%) e de São Paulo (9,2%), mostrando, no fim do período (1967-1970), os primeiros efeitos positivos da Zona Franca de Manaus.

As medidas mais importantes – da Sudam e da Suframa - embora criadas antes de 1970, praticamente pouco frutificariam antes dessa data.

3 A INTEGRAÇÃO ATÍPICA E TRUNCADA 14

Esta segunda parte será dividida em períodos específicos: 1- a década de 1970; 2- a “década perdida“ (1980-1989); 3- o período 1989-2003: o auge do neoliberalismo; 4- o período recente: 2003-2009. Com os fatos analisados em cada um dos tópicos tento explicitar a pertinência dessa periodização.

3.1 O PERÍODO 1970-1980

Este período é caracterizado, em termos da economia nacional, por apresentar elevadas taxas de crescimento e alterações marcantes da estrutura de produção e de emprego, cujos efeitos decorrem das reformas realizadas entre 1964-1965, das diretrizes fixadas pelos I e II PNDs, das principais medidas de política econômica, e das circunstancias internacionais que permitiram um enorme endividamento externo para bancar os grandes investimentos públicos e privados, organizados e coordenados por uma forte e autoritária intervenção do Estado.

Sob o ponto de vista regional, ocorre intensa desconcentração produtiva agrícola e industrial, que se deve aos seguintes fatores principais:

a) parte das diretrizes da política de desenvolvimento, tinham como objetivo expandir e diversificar a produção de insumos básicos, a agroindústria e a infraestrutura – notadamente a hidrelétrica e a construção da rodovia Transamazônica, segmentos altamente dependentes de recursos naturais, abundantes, principalmente, nas regiões Norte e Centro-Oeste;

b) decisões macropolíticas do regime militar, em deslocar e desconcentrar do eixo São Paulo-Rio de Janeiro, parte das atividades econômicas ali concentradas, com o que não só tentavam conter o poder político-econômico dessa área, mas fazer importantes realizações materiais na periferia nacional, para cooptar politicamente suas elites;

c) não se pode ignorar, contudo, que a Política de Desenvolvimento Regional

14 Para o período 1970-2004, além de outras obras consultadas, utilizei largamente meu livro Desconcentração... (CANO, 2007 a).

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implantada em 1967, a crescente integração do mercado nacional e a urbanização periférica, estimularam, também, o crescimento agrícola e das indústrias de bens de consumo não durável.

Na década, a população urbana cresceu à elevada taxa média anual de 6,7%, mas a taxa de urbanização ainda seria modesta em 1980 (50%). Em 1.000 habitantes, Belém passava de 633 para 933 e Manaus, de 311 para 633. Com a acelerada urbanização, também se desconcentrava parte da produção e emprego em serviços, aumentando a participação nacional do PIB regional do setor, de 2,3% para 2,8%.

Dada a precariedade e não conclusão da Transamazônica15, o projeto de colonização fracassou, embora tenha atraído muitos, em busca do “Eldorado” da terra. A imigração líquida nacional para a região (para a Zona Franca de Manaus, e para outras áreas urbanas e rurais), que em 1970 somava cerca de 100 mil pessoas, em 1980 atingiria 688 mil - 40% das quais nordestinas -, e para isso serviram as outras e poucas vias de penetração, notadamente a Belém-Brasília.

Com relação à agricultura, foram as culturas tradicionais (arroz, feijão, mandioca e milho, além da pecuária bovina) as que mais cresceram, pouca ou nenhuma presença tendo as culturas modernas de exportação. A despeito disso, a participação da região no PIB agrícola nacional passou de 4,1% para 5% no período. Nessa expansão, o Pará teve participação um pouco maior do que o Amazonas.

A grande expansão mercantil propiciada pela Zona Franca, permitiu o amortecimento do desemprego e da subocupação urbanos. Excluída a expansão da agricultura familiar, nas grandes inversões no setor rural, preponderou a abertura de fazendas para exploração pecuária que, em vários casos, significou, basicamente, abrir frentes para valorização da terra ao capital especulativo, principalmente o proveniente do pólo.16 Mesmo assim, não se redimiu a miséria, dados os baixos níveis salariais e a subocupação rural. Por outro lado, a região já demonstrava incapacidade relativa de assimilar as levas migrantes que para lá se dirigiam, principalmente, de nordestinos, mormente no setor urbano do Pará (MAHAR, 1978, p. 67).

A extrativa mineral ainda mantinha o manganês como principal produto, e o alumínio e o ferro ainda davam seus primeiros passos na região. Contudo, a participação regional no PIB nacional do setor subiu de 7,6% para 10,6%.

O maior salto se daria na indústria de transformação, não tanto pelos projetos aprovados na órbita da SUDAM, mas, principalmente, pela invenção da SUFRAMA, Zona Franca de Manaus (ZFM) que, no Brasil, tem a peculiaridade de “exportar para dentro”, ou

15 A Transamazônica cuja construção começa em 1972 a despeito de ter servido de via de penetração e de ter pretendido ser um grande projeto de colonização (as agrovilas), é obra inacabada, em grande parte não pavimentada e sujeita às fortes chuvas da região, o que chega a interromper o tráfego por longos períodos.

16 Sobre o papel do Capital Mercantil nas regiões subdesenvolvidas mais atrasadas, ver Cano (2010).

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seja, para o mercado nacional, ao contrário das ZPEs.17 Graças à magnitude dos incentivos fiscais e financeiros (federais e estaduais), concedidos aos investimentos ali localizados, transferiram-se para a ZFM, além de outros segmentos produtivos, parte substancial das indústrias de aparelhos eletrônicos de imagem e de som de São Paulo e Rio de Janeiro.

A participação da região no PIB nacional desse setor subiu de 1,3% para 2,4%. O estado do Amazonas à ZFM, passa a liderar a indústria regional, detendo 65% da mesma, saltando sua participação nacional, de 0,3% para 1,5% enquanto o Pará, que detinha 0,4% passava a 0,7%. Dos sete atuais estados nortistas, além dos dois citados, apenas Rondônia figurava, com apenas 0,1%.

Vista essa produção em termos do conceito de uso, seu segmento predominantemente produtor de bens de consumo não durável e o de bens intermediários aumentam suas participações no total nacional, ambos, de 1% para 1,8%, mas o grande salto foi o do segmento de bens de consumo duráveis e de capital (com produção predominante de aparelhos de som e imagem, embarcações e veículos “2 rodas”) que salta de 0,1% para 4,4%. A expansão desse segmento se deu de forma altamente concentrada na ZFM.

3.2 O PERÍODO 1980-198918

Chamado de “década perdida”, este período se caracteriza por uma depressão em seus três primeiros anos, um crescimento médio anual (1980-1989) medíocre do PIB (2,2% para o Brasil e 1,5% para São Paulo), elevadas taxas de inflação (hiperinflação em 1988-1990), forte queda da taxa de inversão, e uma profunda fragilização fiscal e financeira do setor público, que atingiu as três esferas de governo (federal, estadual e municipal).

Esse debilitamento do estado fez com que se perdessem os rumos desenvolvimentistas do país, e suas políticas nacional e regional de desenvolvimento. O corte do gasto público e a queda do investimento privado atingiram negativamente tanto a SUDENE como a SUDAM, que permaneceriam à míngua por longo período.

Os marcos centrais da política macroeconômica eram a difícil luta contra a inflação, o déficit público, os juros, o crédito e o câmbio, numa visão “curtoprazista”, que só piorava a situação, engordando as dívidas públicas externa e interna e piorando ainda mais os salários e a distribuição de renda.

Estados e municípios apelariam para a única alternativa que lhes restou: “hipotecar” receitas fiscais presentes e futuras para subsidiar o investimento privado, tentando com isso atraí-lo para seus territórios. Esse fenômeno, chamado de “Guerra Fiscal” tenderia a

17 No MERCOSUL, há outra ZF similar à ZFM, a Área Aduaneira Especial de Terra do Fogo, na Argentina, conforme Pereira e Romano (1992). Segundo Mahar (1978, p. 187-188), do total de investimentos industriais realizados na Zona Franca de Manaus até seus primeiros dez primeiros anos de existência, 41%, em média, referiam-se à indústria de têxteis sintéticos e de eletrônica, pouco tendo a ver, com a oferta e demanda da região e sim com o mercado do Centro-Sul.

18 Salvo quando se � zer menção diferente, os dados de Tocantins (criado por desmembramento de Goiás e incorporado à região Norte em 1988 pela Constituição Federal), já estão incorporados à região Norte.

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se generalizar, a partir da década seguinte, por quase todo o território nacional. Por outro lado, o crescimento da economia só não foi pior – em especial para o Norte e Nordeste, graças a investimentos remanescentes do II PND que ainda seriam conduzidos e (alguns) concluídos até meados da década de 1980.

A região Norte foi a mais beneficiada, com seu PIB crescendo à média anual de aproximadamente 7%19, graças aos fatos acima e aos seguintes:

a) o de a ZFM ter o mercado nacional cativo para sua produção, fato realçado pelas restrições que sofriam as importações do exterior. Acrescente-se que a inflação, restrições creditícias e cambiais e custos crescentes, e ausência de maiores benesses do Estado para a indústria concentrada no Centro-Sul – notadamente em SP-, estimularam ainda mais a continuidade da transferência da produção de vários segmentos industriais para a ZFM;

b) as exportações – notadamente de commodities - passaram a ser fortemente estimuladas, alargando os horizontes da fronteira agromineral da região, mais especificamente da pecuária e da mineração de minerais metálicos.

Vejamos sucintamente, os traços mais marcantes do período.

A agricultura, mais concentrada no PA, teve dois principais vetores de crescimento: a pecuária fortemente subsidiada, concentrando ainda mais a propriedade fundiária e a agricultura de tipo familiar, de culturas tradicionais e pequena produção animal. As culturas modernas de exportação dariam seus primeiros passos só no fim do período, pois sua notável expansão se dava no Centro Oeste. Graças a esses três segmentos, o PIB agrícola do Norte aumentou substancialmente sua participação no total nacional, de 5% para 10,9%.

A participação da extrativa mineral passou de 10,6% para 11,2% do total nacional só não aumentando mais devido à espetacular expansão da atividade petrolífera do Rio de Janeiro na Bacia de Campos. Em 1989, a produção de minerais metálicos passou a representar 27,4% do total nacional, e as de minerais não metálicos, 17,4%. As principais atividades da mineração no Norte estavam situadas em sua maior parte, no Pará, e eram as de:

a) ouro, principalmente o de Serra Pelada. A produção do Norte triplicou no período e atingiu uma participação de 53% no total nacional;

b) do ferro, com o início da exploração de Carajás pela CVRD, atingindo 17% do total nacional;

c) extração de bauxita, tornando o Pará responsável por 78% da produção nacional. A produção de alumínio propriamente dita seria iniciada a partir de 1985, ganhando maior destaque na década posterior;

d) cassiterita e manganês seriam os outros dois principais produtos.

Foi medíocre o crescimento da indústria de transformação do Brasil, com a média

19 Taxa estimada através da variação das participações da região no total nacional, entre 1980 e 1989.

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anual de 0,9%, mas a da região foi de 6,5%,20 daí ter sua participação nacional subido de 2,4% para 3.9%, concentrando o Amazonas 71% dessa produção e o Pará 22%.

Dado que o último Censo Industrial foi o de 1985, só se pode avaliar a mudança estrutural regional entre 1980 e 1985, e ela mostra pequena redução na participação dos bens de consumo não durável e de intermediários, e um aumento mais expressivo (de 45,6% para 51,7%) de bens de consumo durável e de capital, basicamente presentes na ZFM. Esta passava a apresentar elevadas participações na produção nacional de madeira e seus artefatos (12%), aparelhos receptores de som e imagem (66%), cronômetros e relógios (78%) e veículos “2 rodas” e embarcações (36%). Com exceção de madeiras, esses foram os principais segmentos deslocados da produção paulista, reforçando o processo de desconcentração produtiva espúria21.

Se a fronteira agromineral permitiu notável expansão de suas exportações, que passam a perfazer 4,8% das nacionais, as importações (majoritariamente da ZFM), passavam a 7,3%, gerando crescentes déficits comerciais com o exterior (MOTA, 2010).

Entre os Censos Demográficos de 1980 e de 1991, a taxa média anual de crescimento da população urbana foi de 5,2% - a mais alta taxa regional do país -, e sua taxa de urbanização saltou de 50% para 58%. Do incremento da população total, 73% se deu no mundo urbano. Belém e Manaus atingiram, respectivamente, 1,245 e 1,011 milhão de habitantes, situando-se entre as 12 maiores cidades do país. A região já contava com 8 outras cidades (das quais 4 capitais estaduais) com população entre 116 mil e 287 mil habitantes.

Assim, essa expansão não se deu apenas nas zonas já urbanizadas, deslocando a urbanização para o interior, notadamente pelas frentes de expansão da fronteira agromineral, que apenas se iniciava nessa década, mas que ganharia maiores resultados nas seguintes. O fluxo líquido imigratório aumentou, somando, entre aqueles Censos, 731 mil pessoas (das quais 49% nordestinas), pouco inferior ao de São Paulo (763 mil), mas quase o dobro do que foi para o Centro Oeste (407 mil).

A PEA total aumentou em 1,4 milhões de pessoas, com a agricultura absorvendo apenas 285 mil, pelas razões acima apontadas. A indústria total absorveu outras 255 mil, enquanto a de transformação recebeu o adicional de apenas 102 mil pessoas e a extrativa mineral apenas 75 mil. O grosso do aumento da ocupação (928 mil) se deu no setor serviços. Este último cujo PIB se estima que tenha aumentado em 52%22 entre 1980 e 1991, mostrou, entretanto, aumento do emprego de 122%, ocultando assim, o elevado número de ocupações de baixa produtividade (subemprego) e de baixos salários, e revelando o

20 Ver nota anterior.21 Em Cano (2007a) explico a diferença entre a desconcentração virtuosa da década de 1970 que é aquela que ocorre mesmo

com forte crescimento de São Paulo. Ao contrário, a espúria decorre tanto de efeitos causados pela Guerra Fiscal quanto os resultantes de meros efeitos estatísticos decorrentes da relação entre as baixas taxas de crescimento (positivos ou negativos de São Paulo vis-à-vis as de outras regiões do pais, igualmente baixas.

22 Ver nota 21.

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aumento potencial do desemprego aberto. Dado seu crescimento mais modesto (pela ótica da renda), a participação regional no PIB terciário nacional subiu de 2,8% para 3,8%, e os segmentos que mais cresceram foram os mais tradicionais, como o comércio e atividades de alojamento e alimentação, revelando o caráter mais pobre e subdesenvolvido dessa urbanização.

3.3 O PERÍODO 1989-2003: O AUGE DO NEOLIBERALISMO

O período se caracteriza pela implantação das reformas neoliberais do Consenso de Washington: a desregulamentação do sistema financeiro nacional e dos fluxos internacionais de capital, abertura comercial, flexibilização das relações capital-trabalho, previdência social, privatização, forte diminuição do papel do estado e “reforma administrativa” do setor público. Para atingir os objetivos do capital internacional – a globalização comercial e financeira e a abertura dos mercados internacionais, houve radical mudança na política de estabilização23, com acentuada valorização cambial, desmedida elevação da taxa de juros, corte do crédito e severo controle do gasto público.

Os resultados não demoraram, a partir de julho de 1994, quando se institui o Plano Real de estabilização e se implantam de forma mais intensa reformas ainda mais liberalizantes. A despeito da redemocratização e da Constituição Federal de 1988, o Governo Federal conseguiu recentralizar parte importante da receita fiscal total, insuficiente, contudo para pagar os próprios juros sobre a dívida pública.

Com isso, o debilitamento fiscal e financeiro do Estado Federal aumentou, reestruturando-se via drástico corte de gastos e investimentos públicos. Os governos estaduais e municipais foram, na prática, obrigados a negociar com o Governo Central, suas dívidas, que lhes impôs duras regras financeiras, imobilizando também seus investimentos, e recentralizando ainda mais as finanças na órbita federal. A abertura comercial e a forte valorização do câmbio prejudicaram ainda, pesadamente, a produção nacional (notadamente a industrial).24 Os juros elevados, o baixo crédito, a concorrência externa e a contenção do gasto público, inibiram fortemente o investimento privado. Dessa forma, o crescimento foi estimulado pelo (modesto) aumento das exportações (principalmente de commodities, cujos preços externos caem no período), forte expansão do comércio (importador e geral) e pelo consumo familiar, que cresce induzido pela melhoria da distribuição de renda causada pela estabilização e pela valorização cambial.

Em todo esse período, a estabilização primou sobre o desenvolvimento. Os principais órgãos federais de planejamento econômico, já debilitados no período anterior, foram desmantelados. Idêntico fenômeno ocorreu com a SUDENE e a SUDAM, que chegam a

23 Lembremos que predominou, entre 1988 e julho de 1994, um regime altamente in� acionário, que em alguns momentos revelou-se como de hiperin� ação.

24 O livro de Carvalho (2006) contém alguns ensaios sobre essas circunstâncias e seus efeitos sobre a economia Amazônica, em especial, do Fundo de Financiamento Constitucional para o Norte (FNO).

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ser extintas em 2001 e recriadas em 2007.25 Atitudes de planejamento e desenvolvimento na órbita regional, tiveram igual destino. Daí que restaria às Unidades Federadas e a vários municípios, o uso indiscriminado da Guerra Fiscal.

Em termos de crescimento econômico nacional, o período foi tão ruim como o anterior: o PIB cresceu à taxa média anual de 2,2% e a indústria de transformação foi o setor que menos cresceu (0,6%), despencando sua participação no PIB total, de 31% em 1989 para 19% em 2004, revelando uma precoce desindustrialização26. Para a região, contudo, o PIB cresceu a 4,9%. As exportações da região cresceram à média anual de 7,2% (em US$ correntes), e passaram de 4,6% para 5,7% do total nacional. A proporção de manufaturados na pauta subiu, de pouco menos de 20% para pouco mais de 35%. Ainda assim, acumulou déficits importantes entre 1994 e 2002, anos “de ouro” da enxurrada de importações.27

Para o conjunto do Brasil, o setor agrícola foi o que mais cresceu (taxa média anual de 4,1%), mas na região Norte seu crescimento (2%) foi modesto, ainda menor do que o de sua área colhida (2,7%). Conviveu isto sim, com a expansão predominante das culturas simples (mandioca, arroz, feijão, milho e outros), culturas típicas da agricultura familiar. A pecuária bovina apresentou enorme expansão, cujo rebanho aumentou 158%; soja e sorgo, davam seus primeiros passos na Amazônia, principalmente em Tocantins, Rondônia e Pará, apresentando taxas elevadíssimas de expansão, mas ainda obtendo pequenos volumes absolutos de produção. Lembremos que no início e meados desse período estavam baixos os preços internacionais das commodities agrícolas.

Tabela 2 – Participação (%) da Região Norte* no total do PIB Nacional

1939 1970 1980 1989 2003** 2009**PIB Total 2,6 2,2 3,2 4,3 4,8 5,0

Agricultura 3,3 4,1 5,0 10,9 8,2 7,2Mineração ... 7,0 10,6 11,2 9,3 11,6

Ind. Transformação 1,1 0,8 2,4 3,7 4,6 4,8Serviços 2,4 2,3 2,8 3,2 4,3 4,8

Fonte: IBGE e Fundação Getúlio Vargas. Contas Nacionais e Regionais, Censos Econômicos e PIAs.Nota: * Inclui Tocantins a partir de 1985. ** Nova metodologia das Contas Nac. e Reg. a partir de 2002.

Os dados oficiais mostram que a participação da região no PIB nacional da indústria extrativa mineral, cai de 11,2% para 9,3%, em que pese o extraordinário aumento da produção e exportação de vários minerais da região, notadamente do ferro e alumínio. São

25 Em 2001 foram substituídas por duas Agências Reguladoras (ADENE e ADA) e estas extintas em 2007. 26 Sobre o fenômeno, ver Cano (2007c e 2012).27 Sobre evolução e impactos do comércio externo nas estruturas regionais brasileiras ver Mota (2010, cap.3).

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duas as razões para isso: a forte queda dos preços internacionais no período e a grande elevação da extração petroleira no Rio de Janeiro, fazendo com que a participação desse estado aumentasse de 4% em 1980 para 78% do PIB setorial em 2004. Na região, o setor já representava 25% da produção nacional de minerais metálicos e seu setor como um todo, cresceu à média anual de 3,7% enquanto a nacional foi de 5,5%. O ferro continuou a liderar o setor na região, seguido pelo ouro, bauxita, manganês e níquel.

No que se refere à indústria de transformação, se passa fenômeno distinto: a taxa média anual do Brasil foi de apenas 0,6% mas a da região foi de 9,4%, fortemente influenciada pela do Amazonas (12,0%) e concentrada na ZFM, enquanto o Pará obtinha apenas 2,1%. Em 2003, a região concentrava 4,6% da produção nacional, 72% da qual estava no Amazonas e 22% no Pará.

Essa indústria cresceu e se diversificou, mas predominantemente em bens de consumo durável. A participação nacional do Norte (notadamente a ZFM, salvo em madeiras e metalurgia não ferrosa), em termos de seus principais segmentos produtivos, passou a ser a seguinte, entre 1985/2003 (em %):

- madeira serrada 12/14;- celulose 3/6;- metalurgia não ferrosa 1/17;- equipamentos eletrônicos para informática 2/8;- material eletrônico básico 8/28;- aparelhos eletrônicos transmissores (principalmente celulares) 5/45;- receptores de som e imagem 66/77;- aparelhos óticos, fotográficos e cinematográficos 8/23;- cronômetros e relógios 78/86; - embarcações e veículos “2 rodas” 36/76.

O avanço da urbanização e da indústria fez com que o PIB terciário aumentasse à taxa média anual de 3,9% 28, com o que a participação da região nesse PIB nacional sobe de 3,2% para 4,3% nesse período.

Embora entre os Censos Demográficos de 1991 e 2000 a taxa de crescimento da população urbana caísse para 4,7% anuais, ela foi a mais alta entre as regiões do país, assim como a da população total (2,9%), e a taxa de urbanização elevou-se a cerca de 70%. Enquanto a população total aumentou em 2,6 milhões de pessoas, a PEA ocupada cresceu em apenas 750 mil, sendo que a rural diminuiu (- 144 mil), a despeito da expansão agrícola. A ocupação industrial aumentou em apenas 70 mil, devido à desocupação de 82 mil na extrativa mineral e aos aumentos de 75 mil na construção civil e 77 mil na indústria de transformação, apesar do extraordinário crescimento da produção deste setor. Dessa forma, foram os serviços, o setor que mais empregou (824 mil), entre os quais o serviço doméstico adicionou 144 mil e o da categoria “ocupados sem remuneração nos demais setores urbanos” outros 61 mil.

28 Obtida por estimativa usando as proporções regionais e o crescimento nacional.

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As médias anuais dos fluxos imigratórios29 do período 1991-2000 foram três vezes menores do que as do período anterior, enquanto os fluxos de saída quase dobraram. Assim, o total de entradas líquidas no período foi de cerca de apenas 133 mil pessoas, parecendo indicar um possível “fechamento” daquele Eldorado, o qual, esperamos, tenha sido apenas transitório.

3.4 O PERÍODO RECENTE: 2003-2009

Este período, que compreende sete dos oito anos dos mandatos do Presidente Lula, trouxe importantes mudanças. No plano externo, uma elevada fase de crescimento da economia e do comércio internacional, especialmente da China e de vários países asiáticos, com forte alta da demanda e dos preços das commodities, e forte expansão dos fluxos de capitais forâneos – em parte produtivos, mas em parte fortemente especulativos – em direção aos países subdesenvolvidos, compensando nossos crescentes déficits externos e ainda gerando um grande excedente que valorizou fortemente a taxa de câmbio durante todo o período.

No plano interno, as principais mudanças da política econômica foram: a) a expansão do crédito ao setor privado, notadamente o pessoal, via decisiva

atitude do estado e dos bancos públicos, o que realimentaria o consumo familiar; b) uma pequena redução da (elevada) taxa de juros, somente a partir de 10/2006,

mantendo-a, entretanto em cerca de 9% anuais até fins de 2009. Mas ela subiria de novo, atingindo 10,5% em 7/2010, 12,4% em 8/2011 e começaria a cair em 4/2012, com 9,5%;

c) ativação de políticas sociais – notadamente o Bolsa Família e a elevação real do salário mínimo -, que deram uma certa melhoria na distribuição de renda e um novo alento ao mercado de bens de consumo;

d) com maior expressão a partir de 2006, uma modesta elevação do investimento público federal.

A reativação do consumo familiar e a expansão das exportações estimularam o investimento e a economia passou a ter taxas mais altas de crescimento da renda e do emprego. Com efeito, a substancial elevação dos preços externos e o aumento da demanda asiática fizeram com que as exportações da região crescessem à média anual de 15,7%, com saldos superavitários em todos os anos, e com os manufaturados perfazendo cerca de 30% da pauta exportadora. Contudo, essa rota de crescimento calcado nas exportações de commodities e no consumo familiar – a despeito da expansão do investimento -, é mais suscetível do que outras, para alterar a trajetória da economia. Com efeito, vinda a crise internacional de 2008, a economia nacional foi atingida em cheio. As políticas anticíclicas do estado permitiram rápida recuperação em fins de 2009, (não para a taxa de investimento), mas a crise européia em 2011 novamente deprimiria a economia nacional.

29 78% constituídos por nordestinos.

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Dessa forma, e em que pese as elevadas taxas de crescimento em 2004 e 2006-2008, a média para o período 2003-2009 foi de apenas 3,9%, pouco acima do período precedente. Para dificultar ainda mais esse quadro, a elevada valorização do câmbio ampliou desmedidamente as importações e deprimiu as exportações de produtos manufaturados,30 os quais, chegaram a representar pouco mais de 60% do total das exportações nacionais, caiu a 37% em 2012. Esse fato tornaria ainda mais problemática a trajetória da economia.

Sob o ponto de vista da economia regional, a ausência de uma política de desenvolvimento regional continuou, assim como os recursos financeiros para isso também minguaram. O que prevaleceu no período foram, além da Guerra Fiscal, alguns investimentos fortemente apoiados pelo estado (governo e estatais) e subsidiariamente assumidos pelo setor privado, basicamente em energia e transportes, em grande parte localizados no Norte e Nordeste do país. Além disso, o grosso do investimento privado dirigiu-se aos setores agroexportador, mineração e serviços (notadamente os financeiros).

Guerra Fiscal e valorização cambial seriam os inimigos figadais da indústria - principalmente da sediada em São Paulo -, causando-lhe desestruturação de várias cadeias produtivas. Mas essa desconcentração espúria não afetou apenas os estados mais industrializados, pois aqueles que mais se beneficiaram com esses investimentos subsidiados também sofreram percalços com a enxurrada de importações que se manifesta durante todo este período. Vejamos sucintamente, o movimento da economia da região Norte no período.

A Agricultura teve um comportamento modesto, com o PIB nacional crescendo à taxa média anual 2,5% e o do Norte à de apenas 1,1%. A área colhida aumentou apenas 190 mil hectares, com as principais culturas tradicionais de pequena e média produção diminuindo-a em 150 mil, o que se traduziu também em quedas de produção em torno de 15%. A área com soja cresceu 280 mil, além do aumento das áreas de cana e sorgo. Em que pese sua expressiva expansão, a soja representa apenas 2,5% da produção nacional. No que se refere à madeira, os dados da produção mostram drástica redução da produção de carvão vegetal, um estancamento na de lenha e considerável redução na de madeira em toras. Contudo, o desmatamento continuou, dado que o rebanho bovino atingiu a elevada cifra de 40,4 milhões de cabeças, ou 20% do rebanho nacional.

Reproduz-se na Amazônia o que Furtado denominou de Agricultura Itinerante, processo em que a agricultura de exportação e o latifúndio pecuarista deslocam espacialmente a agricultura familiar, destruindo-a e recriando-a. Ainda assim, a ocupação do setor cresceu 24,7% (mais 285 mil pessoas) entre 2000 e 2010, mas a estimativa que faço para os ocupados em Auto-Consumo no próprio setor teria mais que duplicado seu número no mesmo período, pois teriam passado de 207 mil para 440 mil, e seu aumento, de 233 mil pessoas, equivaleria a 82% do aumento total da PEA agrícola.31

30 Sobre a desindustrialização, que se agrava no período, ver Cano (2012).31 A hipótese está calcada na admissão de que os dados divulgados do Censo de 2010 estão corretos. A estimativa foi feita

multiplicando-se a relação Auto-Consumo na Agricultura/Auto-Consumo Total veri� cada no Censo de 2000, que era de 0,8873 pela Auto-Consumo Total do Censo de 2010 que foi de 496 mil pessoas.

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Embora essa ocupação tenha crescido em todos os estados da região, o Pará concentra 47% dela. Dado positivo é que os ocupados Sem remuneração diminuíram fortemente, não só pela mudança estrutural, pela Reforma Agrária do período, mas também pela maior fiscalização do Ministério do Trabalho.

O PIB da Indústria Extrativa Mineral cresceu à média anual de 5%, bem acima da média do Brasil (3,7%), com o que sua participação nacional elevou-se, de 9,3% para 11,6% e seu peso na estrutura produtiva regional subiu de 3,2% para 4%. A região Norte passou a representar 26% do valor da produção mineral (exclusive petróleo e gás), com o Pará concentrando cerca de 90% dela.

Em minerais metálicos (quase 70% do valor da produção mineral da região), só foram fracos os desempenhos da cassiterita e do manganês, a primeira tendo queda de produção de 25% e o segundo tendo crescimento quase nulo. Na dos outros quatro principais minerais (representando, juntos, 90% do valor da produção de minerais metálicos), houve grandes saltos na produção física do período: a mínima de 19% no ferro, 28% no níquel, 47% no ouro, e a do cobre crescendo sete vezes.

Parte importante desse crescimento se deu via preços internacionais, que praticamente dobram no período. Contudo, cabe criticar que na estrutura nacional das exportações minerais em 2003, os manufaturados, que compreendiam 31%, caem, atingindo somente 19% em 2009. E essa participação desses manufaturados, na pauta regional, certamente foi ainda mais nociva. Lembremos que a relação entre os preços das matérias primas (minério apenas beneficiado) e as manufaturas estão, na proporção de 1:4 no caso do cobre, 1:16 no do ferro, e 1:40 no alumínio (!), o que mostra a precariedade de atitudes mais responsáveis do estado a respeito dos interesses nacionais nesse setor. Recentemente, por exemplo, o estado permitiu que a CVRD alienasse suas jazidas e plantas de alumínio para um dos maiores trustes internacionais desse setor.32

Tabela 3 – Estrutura (%) produtiva da Região Norte*

1939 1970 1980 1989 2003** 2009**PIB Total 100 100 100 100 100 100

Agricultura 35,5 23,6 16,1 20,0 12,9 7,8Ind. Total 16,6 15,1 37,2 35,0 29,6 28,1Mineração ... ... ... 2,2 3,2 4,0

Transformação ... ... ... 24,7 17,0 13,5Construção ... ... ... 6,5 6,5 7,7

Serviços 47,9 61,3 46,7 45,0 57,2 61,8

Fonte: IBGE e Fundação Getúlio Vargas. Contas Nacionais e Regionais, Censos Econômicos e PIA.Notas: * Inclui Tocantins a partir de 1985. ** Nova metodologia das Contas Nacionais e Regionais a partir de 2002.

32 Fato ocorrido em 2010, quando vendeu o controle de suas minas e plantas (91% da Alunorte, 81% da Cia. Alumina do Pará e 51% da Albrás), do segmento de alumínio para a norueguesa Norsky Hydro, negócio que atingiu a soma de US$ 4,9 bilhões, conforme O Estado de São Paulo, São Paulo, p. B12, 3 maio 2010.

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A Indústria de Transformação foi o setor que mais se debilitou no período, pelas razões macroeconômicas acima apontadas, e principalmente pela valorização cambial, que exacerbou o crescimento das importações de insumos e produtos industriais finais de toda ordem. Não fosse a implantação de políticas anticíclicas em 2009, os resultados seriam ainda piores. Com isso, seu PIB cresceu à taxa média anual de apenas 2,2% no Brasil e de 3,2% na região, praticamente mantendo a participação nacional da região no período.33 Dado esse crescimento inferior e diferenciado em relação aos outros setores do PIB, bem como à mudança metodológica feita nas Contas Nacionais e Regionais a partir de 2002, a participação do setor no PIB total caiu também na região, passando dos 24,7% em 1989, para 17% em 2003 e somente 13,5% em 2009, mostrando claramente a desindustrialização que também atinge as indústrias regionais, a despeito da Guerra Fiscal.

Para este período, não conto com as tabulações especiais do IBGE que pude usar para os anteriores. Assim, só estão disponíveis os dados a dois dígitos publicados pelas PIAs e os da ZFM. Comparadas as PIAs de 2003 e 2009, constata-se que a participação da região nos ramos em que já apresentava uma expressiva concentração nacional, aumentou: é o caso de Impressão e reprodução de gravações, equipamentos e materiais eletrônicos e de informática (no qual se destacam: celulares, som e imagem e informática), e outros equipamentos de transporte (destaque para o segmento de motocicletas). Os dados de faturamento e produção física da ZFM confirmam esse movimento.

O PIB do setor Serviços foi o que mais cresceu, com média anual de 5,5%, acima da do Brasil (4,3%), ampliando a participação da região no total nacional, para 4,8%. A população urbana cresceu à taxa média anual de 2,6% atingindo 11,6 milhões de pessoas, fazendo com que a taxa de urbanização subisse para 73,5%. Com isso, aumentou o número de cidades com mais de 100 mil habitantes, de 14 para 21 (entre as quais as sete capitais), com várias delas inseridas em pontos focais da expansão da fronteira agrícola e da mineral, esta, especialmente no Sudeste Paraense.34

Como fato inusitado, no período 2000-2010, a PEA total cresceu 51%, bem acima do aumento da população rural (8%) e da urbana (34%). No da PEA não agrícola, que cresceu 61%, destaque-se o forte aumento da indústria de Construção Civil (87,7%), e da de transformação somente 23,5%, gerando apenas 85 mil novos empregos. No setor serviços, que aumentou 64,6%, e respondeu por 71% do aumento total do emprego, os dados divulgados em 2010 dificultam a comparação entre seus principais segmentos, com os dados de 2000. O emprego doméstico, embora tenha crescido bem menos (31%), respondeu por 95 mil novas ocupações. Em que pese às dificuldades de comparação, os dados da PEA revelam uma estrutura ocupacional urbana compatível com a precária

33 Há problemas metodológicos complexos entre as Contas Regionais que utilizo nos dados acima e os dados obtidos por outras pesquisas o� ciais (como a PIA, p.ex.), provavelmente devido a diferenças de composição no VTI e no VAB dessas variáveis. No caso acima, dado que a taxa de crescimento do NO foi ligeiramente superior à do Brasil, sua participação nacional deveria ter aumentado ligeiramente (conforme está na tabela 2), e não caído, como se concluiria pela série de Valor Agregado Bruto, das CRs.

34 Santos (2011) faz importante análise sobre essa região, destacando os efeitos econômicos e urbanos dessa expansão.

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urbanização da região e com as ambiguidades da estrutura produtiva, onde sobressaem como setores mais dinâmicos, exatamente os menos empregadores.

4 CONCLUSÕES

A recuperação e expansão da Amazônia ao longo do período pós “Crise de 1929”, também se faz presente nos dados demográficos: de 3,9% da população total nacional em 1939, passou a 8,3% em 2010, e, quanto à urbana, as cifras respectivas são 3,2 e 7,2%, sendo a região de maior crescimento, se excluirmos do Centro Oeste, o Distrito Federal.

Contudo sua população, em que pese o progresso material ocorrido nesse longo transcurso, padece de sérios problemas, sendo a segunda pior região do país em analfabetismo, escolaridade, mortalidade infantil, atendimento de serviço de água, de luz elétrica e de coleta de lixo, e a pior em esgoto sanitário. Daí ter alguns dos piores indicadores regionais em saúde, com forte incidência em várias doenças graves, como tuberculose, hanseníase, Chagas, leishmaniose visceral, dengue e malária.

Mas sua urbanização é tão problemática quanto a do resto do país, padecendo das mesmas mazelas urbanas, como favelização, periferização, transporte, habitação e segurança, bem como das deficiências no atendimento ao controle e planejamento urbanos e na especulação imobiliária.

Há cerca de 40 anos, a Amazônia passou a participar ativamente da agenda de governo, de políticos e de cientistas sociais, com temas sobre seu futuro, isto é, sobre o que e como deveria ser feito com a economia da região e com sua exuberante base de recursos naturais. Dessa agenda também fizeram (e fazem) parte pessoas e instituições internacionais, mormente aquelas voltadas para a defesa do meio ambiente. Mas também fizeram e fazem parte instituições internacionais financiadas por governos e empresas estrangeiras, muitas vezes suspeitas de defenderem – já de longa data -, e de várias formas, uma suposta internacionalização da região. Entre as mais esdrúxulas, lembro do absurdo projeto apresentado em 1969 por Herman Kahn – do Hudson Institute e da Rand Corporation – para alagar uma imensa área da Amazônia, sob o pretexto de “facilitar a circulação de pessoas e dar maior acesso aos recursos naturais”.

Foram muitas as propostas, inclusive a de dar vazão ao excedente demográfico nordestino e, com isso, evitar uma reforma agrária nacional, praticando uma colonização – com as então chamadas “agrovilas” -, ao longo da rodovia Transamazônica. Discutia-se, também, a impossibilidade de uma ocupação territorial humana, dada as condições e a imensidão do território. Talvez com gado bovino, o que efetivamente se fez, não ocupando plenamente o território, mas aumentando o desmatamento. Vários cientistas sociais da região externaram suas sinceras preocupações com os supostos destinos.35

35 Cabe lembrar entre eles, Mendes (1979) que criticava a falta de clareza dos objetivos dos projetos governamentais para a região e perguntava: “desenvolvimento de quem?, “para quê”, “[...] que desenvolvimento?’; e o de Costa (1979) que imaginava a possibilidade de um desenvolvimento baseado na pequena e média empresa, não predatório de recursos e em um sentido maior de justiça social. Fez-se, infelizmente, muito daquilo que esses críticos temiam. Venceu a selvageria do capitalismo brasileiro.

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Passados todos esses anos um balanço que se pode fazer da região terá que, necessariamente, apontar criticamente os principais efeitos positivos e negativos desse processo.

A ocupação acabou tendo um sentido maior de exploração de recursos naturais: a) a terra apropriada, entre 1970 e 2006 passou (em milhões de hectares) de 23 a

55, dos quais a pecuária passou de 4,4 para 26,5, as lavouras, de 0,5 para 4,2 e as matas de 13,8 para 22,3;

b) a despeito da realização de muitos assentamentos familiares, a concentração latifundiária e a especulação com a terra cresceu expressivamente, e o número de conflitos fundiários se multiplicou;

c) essa expansão causou, ainda, um maior desmatamento, cuja taxa média anual calculada pelo INPE36 acusa cifras (em 1000 K2) de 25 para os anos 2003-2004, 16,5 para 2005-2006, 12 para 2007-2008 e de 7 para 2009-2011;

d) em 2009, a extração de minério de ferro atingia cerca de 92 e a de bauxita 26, ambas em milhões de toneladas;

e) a exploração de recursos hídricos permitiu grande expansão na geração de energia elétrica, com a região participando com 12,4% do total, embora seu consumo perfaça 6,4%. (BRASIL, 2011; EMPRESA DE PESQUISA..., 2012).

A região foi beneficiada por uma dotação especial de infra estrutura, além de grandes projetos hidrelétricos federais, - constituída de meios de transporte e de comunicações, indispensável para dar vazão ao exterior, de parte preponderante de seus novos segmentos produtivos como madeira, celulose, minérios e agricultura de exportação. É óbvio que essa infraestrutura está, teoricamente, também disponível para outros segmentos produtivos.

Como se viu ao longo do texto, a produção de todos os macros setores (agricultura, extrativismo, mineração, indústria e serviços) cresceram acima da média nacional, nela aumentando sua participação. Contudo é sob o ponto de vista do emprego, que as contradições desse processo mais se agudizam: a despeito da elevada expansão da área rural apropriada, e de sua modernização, o setor segue com uma estrutura ocupacional muito precária. Por outro lado, no que se refere ao emprego urbano e industrial, há que ter presente o fato de que o setor mais dinâmico é o da extrativa mineral, escassamente empregador, dificultando assim uma expansão produtiva e ocupacional urbana mais moderna e eficiente.

Após 44 anos da instalação da ZFM, sua indústria de transformação continua problemática como antes. Vejamos alguns indicadores e relações, como % (aproximada) sobre o faturamento total da ZFM, comparados nos períodos 1988-1989 e os anos mais recentes:37

a) insumos importados: de 9 passou a 40;

36 Cf. programa de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (2012).37 Além de outras fontes já citadas, os dados coligidos sobre a ZFM estão em SUFRAMA (2012).

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

b) insumos regionais: caiu, de 18 para 14; c) insumos nacionais de outras regiões: caiu de 21 para 12, atingindo especialmente

a indústria paulista;d) exportações: para o exterior (para o mercado nacional): de 1 para 3,5 (de 99 para

96,5);e) importações: do exterior (do mercado nacional): 10 para 27 (42 para 23).

Temos notícias de que em alguns dos setores produtivos da ZFM houve aumento de interdependência técnica e produtiva, alargando um pouco suas cadeias produtivas.

Contudo, o que os dados acima mostram é que, em média, se progresso houve nestes quarenta anos, ele foi mínimo, inclusive com aumento da desnacionalização de várias empresas. Também entendemos, como muitos economistas, que o problema de nossa desindustrialização nacional não se restringe à valorização cambial. Há outros fatores impeditivos de maior competitividade externa que, aparentemente, não estão sendo investigados e tratados com a necessária objetividade empresarial e responsabilidade do Estado.

Mais três importantes pontos negativos devem ser lembrados. O primeiro é o crescente rombo de divisas (em US$ bilhões) que a ZFM tem causado: relativamente modesto nos cinco primeiros anos da série (1988-1992) quando soma 2,9 (média anual de 0,6 e elevado, entre 1993 e 2010, quando soma 60,6 (média anual de 3,4). Outro ponto, se refere à renúncia fiscal (federal e estadual) na ZFM, para o que não tenho dados recentes, mas somente para o período 1988-1992 quando teria totalizado o equivalente a 21% do faturamento, cifra muito alta (LYRA, 1995). Um terceiro é a questão dos salários pagos na ZFM: em 1988-1992, na estrutura salarial os trabalhadores que recebiam até dois salários mínimos perfaziam 23% e, nos anos mais recentes, essa cifra subiu para 34%. No mesmo período, os que recebiam mais de dez salários mínimos passaram, de 9,2% para 4,3%.

Finalizando, devo confessar ser muito difícil se fazer um prognóstico geral sobre o futuro imediato da região, pois são maiores as incertezas e questionamentos do que as evidências positivas. Existem vários grandes projetos em execução, notadamente hidrelétricos, e outros comentados pela imprensa e por grupos empresariais, principalmente de mineração, mas que, a meu juízo, não mudam substancialmente o quadro qualitativo atual:

a) primeiro, porque a região acelerou seu crescimento no último decênio, graças ao extraordinário boom do comercio internacional de produtos primários. Contudo, essa onda ao que tudo indica, pelo menos já desacelerou. Por outro lado, a China, o grande comprador mundial, tem nos anos recentes, aberto frentes de exploração em vários países subdesenvolvidos para a extração ou produção de produtos primários similares aos que lhe exportamos;

b) outro ponto, ainda mais relevante, é que o divórcio do estado brasileiro para com as políticas verdadeiramente desenvolvimentistas, atingiu em cheio a questão regional, truncando o processo virtuoso de integração que tivemos entre 1930 e

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

1980, desarticulando parte das relações econômicas interregionais e permitindo esse ato antinacional e antisocial que é a Guerra Fiscal, que só pode promover uma desconcentração espúria e atípica, e não uma virtuosa, como tivemos em nosso passado recente.

Finalizando, esclareço melhor o título do texto: integração atípica e truncada. Atípica, porque, após a instituição da SUFRAMA os determinantes do processo de integração, que obedeciam basicamente à dinâmica nacional e em especial à paulista, passam a depender mais da política cambial e do conjunto de incentivos (federais e os estaduais, da Guerra Fiscal). Ao invés de continuar, como parte do território do restante da periferia, transformando suas estruturas produtivas e ampliando sua complementaridade com a economia paulista e com a nacional, apenas serve-se do mercado desta, sem, contudo desenvolver uma estrutura industrial de caráter nacional, ou seja que se transforma e integra ao longo do período de sua implantação, incorporando e gerando crescentes economias externas e de escala.

Truncada, porque a política industrial que instituiu a SUFRAMA, de fato se restringiu a uma implantação industrial que pouco difere das Maquiladoras mexicanas, em termos de estrutura produtiva, mas difere radicalmente delas, em termos de mercado exterior e interior. Por outro lado, a partir da abertura neoliberal e, em especial a partir do boom internacional de commodities, as determinações maiores sobre a dinâmica regional passam a ser aquelas emanadas das condições do mercado externo e não do investimento nacional, por sinal fortemente rebaixado pelas políticas macroeconômicas de corte neoliberal, até hoje em grande parte vigentes.38

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38 Há que se fazer justiça às ações do atual governo (Dilma Roussef), no sentido de rebaixar a elevada taxa de juros do país, e às medidas anticíclicas tomadas em 2009 e recentemente. Contudo, isso tudo é muito pouco para uma mudança estrutural e uma retomada efetiva do desenvolvimento.

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

AMAZÔNIA E MERCADO INTERNO BRASILEIRO: A BORRACHA COMO VELHA E NOVA QUESTÃO

Humberto Miranda do Nascimento

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo foi fornecer um quadro geral da produção de borracha no Brasil, chamando a atenção para o deslocamento da problemática regional no período recente. Os aspectos históricos são utilizados apenas para situar o leitor quanto à evolução da atividade, salientando o papel da Amazônia para o crescimento do mercado interno hoje. Começamos o texto com uma breve descrição das primeiras iniciativas de valorização da borracha e, em seguida, com uma discussão a respeito da participação dessa atividade na estruturação do mercado interno brasileiro.

O Plano de Defesa da Borracha de 1912, Decreto nº 2.543ª (05/01/1912), foi a primeira ação de grande envergadura e talvez a última esperança para os estados amazonenses recuperarem a economia extrativista da borracha com controle efetivo a partir do seu próprio território. Tornar mais racional o processo de extração do látex da hevea brasilienses amazônica não seria algo trivial nas condições sociais e físico-territoriais da floresta no início do século XX. A iniciativa dos governantes dos estados do Amazonas, Rondônia e do Pará e do Território do Acre, dos comerciantes locais e da Liga dos Aviadores para recuperar a renda gerada pelas exportações do látex foi importante, mas esbarrou na oposição paulista do então Senador Francisco Glicério, e do conjunto da burguesia cafeeira, à aprovação do Plano. Os opositores chamavam a atenção para as dificuldades que a borracha extraída da Amazônia vinha tendo em sustentar o crescimento da demanda mundial, coisa bem diferente do que acontecia com o cultivo do café, atividade em franca ascensão e através da qual o Brasil guardava uma posição de semimonopólio no mercado mundial. O primeiro ciclo da borracha esgotou-se em 1912.

Uma segunda tentativa se deu mais no sentido de recuperar a economia extrativa da borracha. Durante o primeiro período Vargas (1930-45) foi convocado e alistado um grande contingente de nordestinos — que ficaram conhecidos como os “soldados da borracha”, especialmente os cearenses, os mais afetados pelas frequentes secas naquela região —, conforme o acordo firmado pelo Brasil com os Estados Unidos para fornecer o produto nativo da Amazônia em prol do esforço de guerra. Porém, o controle efetivo sobre o processo extrativista na região já estava subordinado ao interesse do Estado Nacional. Mais tarde, no segundo período Vargas (1950-54), o governo federal baixou um decreto que obrigava a indústria

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

de pneumáticos a investir cerca de 20% de seus lucros no cultivo da seringueira1, o que marcaria uma terceira iniciativa governamental. E assim seria também na quarta grande iniciativa em prol do extrativismo da borracha na Amazônia durante o regime militar (1964-84), com a implantação do Programa de Incentivo à Produção de Borracha Natural (PROBOR), que vigorou por 10 anos (1972-82) e terminou em fracasso: a meta estabelecida de produzir 18 mil hectares em 1972 foi cumprida em torno de 72%; a meta estabelecida em 1977, de produzir 120 mil hectares, atingiu cerca de 70%; e, finalmente, em 1982, a meta de produzir 250 mil hectares só atingiu 8%, segundo Rossmann (2007). Veremos adiante o que esse período sumariamente descrito representou em termos de produção.

Com exceção das duas primeiras iniciativas, voltada essencialmente para a

sustentação ou negociação dos preços externos da borracha natural no mercado externo,

ao enfrentamento da concorrência asiática e ao esforço de guerra, as duas últimas, de maior

envergadura, tinham uma estratégia diferente: ampliar a produção para mercado interno

brasileiro. Isso ocorreu precisamente a partir de 1951, quando tem início o estímulo ao

cultivo da seringueira e não apenas seu extrativismo, conforme tabelas 1 e 2.

Podemos notar que no período 1850-1956, apesar da política de incentivo ao

cultivo da borracha natural a partir de 1951, o país não mais alcançou os mesmos níveis

de produção do início daquele século, tendo 1912 como o ano em que a exportação da

borracha alcançou o seu maior patamar, com 42,4 mil toneladas exportadas (PRADO;

CAPELATO, 2006). Teríamos, assim, dois subperíodos cujas determinações para a

evolução da produção da borracha preencheriam objetivos diferentes: o 1939-47, atendendo

a demanda gerada pela II Guerra Mundial na vigência do acordo com os EUA no período

1951-56, atendendo à política de abastecimento do mercado interno. Já no período 1976-

95, podemos notar que os incentivos dados pelo PROBOR abriram a possibilidade de

aumento da produção extrativista e de cultivo da borracha natural simultaneamente. Essa

mudança foi fundamental para estruturar pela primeira vez o setor.

1 Segundo Rossmann (2007), em 1954, a Goodyear, Pirelli, Fiestone, Dunlop e General, cada uma se comprometeu a plantar 1,2 mil hectares de seringueira em troca da revogação do decreto do governo.

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

Tabela 1 – BRASIL - Evolução da produção de borracha natural, por cultivo e extrativismo (1850-1956)

Tabela 2 – BRASIL - Evolução da produção de borracha natural, por cultivo e extrativismo (1976-1995)

Ano

Borracha natural

Ano

Borracha natural

Cultivo (ton)

Extrativismo (ton)

Total (ton)

Cultivo (ton)

Extrativismo (ton)

Total (ton)

1850 - 1.450 1.450 1976 2.428 17.870 20.298

1907 - 38.000 38.000 1977 2.020 20.540 22.560

1911 - 45.000 45.000 1978 2.298 21.410 23.708

1939 - 12.323 12.323 1979 4.109 20.850 24.959

1940 - 13.713 13.713 1980 3.703 24.110 27.813

1941 - 12.840 12.840 1981 3.367 26.890 30.257

1942 - 16.777 16.777 1982 4.945 27.580 32.795

1943 - 18.395 18.395 1983 5.160 30.060 35.220

1944 - 21.321 21.321 1984 5.706 30.300 36.006

1945 - 22.902 22.902 1985 5.811 34.560 40.371

1946 - 22.518 22.518 1986 7.896 24.750 32.646

1947 - 24.632 24.632 1987 8.078 18.330 32.917

1948 - 19.267 19.267 1988 14.587 18.550 26.638

1949 - 21.267 21.267 1989 13.757 16.900 30.657

1950 - 18.619 18.619 1990 16.634 14.192 30.826

1951 1.340 20.071 21.411 1991 16.863 12.680 29.543

1952 1.604 25.062 26.666 1992 24.386 6.326 30.712

1953 1.575 23.925 25.500 1993 34.526 5.880 40.406

1954 1.471 21.029 22.500 1994 39.726 5.367 45.093

1955 1.551 20.360 21.911 1995 41.700 4.000 45.700

1956 1.677 22.547 24.224

Fonte: Associação Paulista e Bene� ciadores de Borracha (APABOR).

Houve uma considerável mudança nessa evolução no subperíodo 1976-85, momento de crescimento vigoroso da produção extrativista. Com a crise financeira do Estado, o país teve dificuldade em manter os incentivos à atividade e ela entra em declínio em 1986, com uma queda na produção total da ordem de 20%. Entretanto, o declínio da borracha de cultivo extrativista foi mais acentuado, em torno de 28%, nunca mais voltando a se recuperar. É a partir dos anos de 1990, até o momento atual, que a produção cultivada da borracha natural passa a predominar. Uma maior presença empresarial e a articulação com as políticas de incentivo estaduais, especialmente em São Paulo, ganharam corpo recentemente. O franco declínio da extrativista depois de 1992 pode ser visto no gráfico 1.

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

Grá� co 1: BRASIL - Evolução da produção de borracha natural extrativista e de cultivo no período 1976/1995 (em ton).

Fonte: APABOR (http://www.apabor.org.br/sitio)

O Governo Federal voltou a incentivar a atividade em 1996 e 1997, adotando uma política de contingenciamento que, segundo Rossmann (2007), estabelecia que 45% da produção borracha deveriam ser adquiridos no mercado interno e incluía uma subvenção econômica aos produtores para aumentarem o cultivo. Ainda no âmbito do Governo Federal, o Plano-Safra de 2004/2005 garantiu preços mínimos e foi instalada a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Borracha pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em 2005. Um incentivo importante aconteceria em São Paulo, onde a Associação Paulista e Beneficiadores de Borracha (APABOR), fundada em 1992, no Município de São José do Rio Preto, visando o desenvolvimento agrícola, tecnológico, beneficiamento e industrialização da borracha conduz a política de expansão do cultivo da seringueira. O estado de São Paulo prevê um aumento de 250 mil hectares no estado até 2020. O caráter da organização econômica nesse estado lhe dá uma vantagem que deve ser levada em conta, há toda uma infraestrutura que reúne 08 (oito) usinas de beneficiamento, centros de excelência na pesquisa e na assistência técnica e uma razoável capacidade de investimento.

A mudança na política de incentivos à produção extrativista da borracha natural encontrou nos anos de 1980, um contexto bastante desfavorável à continuidade da evolução do setor. O cenário macroeconômico de elevação da dívida externa dos países subdesenvolvidos, crise inflacionária, falta de crescimento econômico na década e comprometimento da situação financeira do Estado. Enfim, em tal contexto, a política do governo federal de subsídios agrícolas sofre profundo revés e o setor fica sem

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alternativas nesta década. Nos anos de 1990, em pleno cenário de abertura econômica, que começa no período Collor (1990/92) e prossegue com o aprofundamento das políticas neoliberais nos governos FCH e Lula, os condicionantes externos alteram-se drasticamente com a entrada da China no mercado de commodities. O “efeito China”, a subida prolongada dos preços das commodities agrícolas e não agrícolas no mercado mundial principalmente nos anos 2000, levou ao crescimento da demanda na Ásia e, como se verá no tópico a seguir, isso propiciará um reaquecimento notável no mercado da borracha natural. Salvo outras determinações de caráter técnico-tecnológico produtivo e de cultivo, a mudança de cenário nos anos 1990, de forma geral, tornou inviável o incentivo ao crescimento da produção extrativista e elevou a patamares extraordinários a produção cultivada da borracha natural.

O novo contexto de crescimento da demanda externa da borracha natural, acompanhada também do crescimento da demanda interna da indústria de pneumáticos a partir de 2006, trouxe consequências para a questão regional amazônica. Primeiro, as novas determinações em torno da economia da borracha natural passam a exigir uma maior afinidade com as condições expansão do mercado interno e a colidir com as restrições ambientais vinculadas à floresta, não havendo mais a possibilidade de idealização da borracha como uma cultura extrativa apenas. Segundo, do ponto de vista da exportação, mesmo com o cultivo borracha brasileira crescendo a um ritmo mais acelerado nos últimos 10 anos, a região está longe de ter uma participação relevante, em termos de valor, na pauta de produtos florestais exportáveis, dominada pela celulose e madeira. Terceiro, a preocupação principal recai sobre os níveis crescentes de importação de borracha natural para responder à retomada do crescimento nacional no médio e longo prazo, isto é, para satisfazer o consumo interno da indústria de pneumáticos e derivados.

É preciso considerar que a economia da borracha não se traduz mais, estritamente, como ocorreu até 1985, numa questão regional para o Brasil, tanto em função da perda de importância relativa da produção extrativista da borracha na Amazônia, quanto das restrições ambientais impostas pela legislação brasileira à exploração extensiva da seringueira no bioma amazônico. A Amazônia passa a ser acionada mais pelas reservas minerais e hídricos que possui. Portanto, a borracha responde a um desafio nacional de retomada do crescimento econômico.

2 O MERCADO DA BORRACHA NATURAL COMO UM DESAFIO BRASILEIRO

A produção e o consumo mundial de borracha natural evoluíram consideravelmente nos últimos dez anos. Em 2009, a produção mundial foi de 9,6 milhões de toneladas e o consumo, de 9,5 milhões, segundo dados da Câmara Setorial da Borracha (VIRGENS FILHO, 2010). Na produção mundial, a participação do Brasil é de um pouco mais de 1% ou 104 mil toneladas, a da Tailândia foi 32,1%, a da Indonésia, de 26,4% e, a partir daí, os demais países participam com menos de 10% da produção, ficando a China com uma participação de apenas 6,5% naquele ano. No consumo mundial, a

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

China tem participação absolutamente dominante com 38,4%, seguida de longe por Índia (9,5%), União Europeia (8,4%), Estados Unidos (7,2%) e Japão (6,7%). O Brasil participa com 2,6% ou 254 mil toneladas consumidas. Esse quadro é inédito e muda consideravelmente a fonte de dinamismo para a economia da borracha nos diferentes países no que diz respeito ao crescimento do cultivo e a composição do setor de insumos básicos para a indústria de pneumáticos e derivados.

O desafio brasileiro é criar condições internas de produção que minore o impacto das importações, reduzindo a dependência externa do setor de insumos básicos. Ainda segundo a Virgens Filho (2010), as condições do mercado internacional se alterarão fortemente do lado da demanda por borracha natural nos próximos anos, com crescimento mundial projetado para consumo de pneumáticos em torno de 14,7 milhões de unidades para 2020, tendo sido de pouco mais de 7 milhões em 1990, e o das borrachas natural e sintéticas em torno de 28 milhões de toneladas em 2020, tendo sido de 17,5 milhões em 2001 (VIRGENS FILHO, 2010). No Brasil, entre 1998 e 2008, a produção da borracha e derivados cresceu em 154%, enquanto que o consumo chegou a crescer 245%. A evolução de nossas importações alcançaram níveis preocupantes na década de 2010, segundo Souza (2011, p. 32),

ainda que o movimento do câmbio afete qualquer modalidade de importação, no caso dos produtos básicos do grupo borracha, a força do crescimento econômico – em especial da indústria automobilística - as importações aumentaram de US$82 milhões em 2001 – ano de lançamento dos veículos flex fuel – para US$157 milhões em 2003. O crescimento da economia catapultou essas vantagens da apreciação do câmbio elevando as compras externas desse grupo para US$790,47 milhões em 2010.

O aumento da corrente de comércio exterior brasileira foi favorecido pelo aprofundamento da abertura da economia, a partir de 1994, com o Plano Real, mas o saldo comercial deteriorou continuamente e a valorização cambial estimulou fortemente as importações dos artigos de borracha (natural) e plástico (sintético), afetando estruturalmente o setor de produtos básicos. As exportações dos mesmos produtos foram bastante elevadas a partir de 2003, devido ao aumento dos preços mundiais das commodities. Apesar da crise econômica mundial de 2008, cresceu o volume exportado e importado pela ação combinada de dois efeitos simultâneos: apreciação cambial e a elevação dos preços externos da borracha, como vemos nos gráficos 2 e 3.

É importante lembrar que o comportamento do mercado brasileiro da borracha não é tipicamente primário-exportador, no sentido que uma elevação do preço internacional do produto eleva sua produção e consequentemente à exportação.

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Grá� co 2: BRASIL - Evolução do valor das exportações, importações, saldo comercial e corrente de comércio dos artigos de borracha e plástico, período 1996/2011 (em milhões US$)

Fonte: IPEA-DATA - elaboração própria

Grá� co 3: BRASIL - Evolução do preço internacional médio da Borracha US$/Kg (2001/2012)

Fonte: IPEA-DATA - elaboração própria

Como observam Gonçalves e Vicente (2012), apesar de a elevação dos preços internacionais de commodities de modo geral favorecer o aumento das exportações, as quantidades exportadas para alguns delas recuam. Como exemplo, os autores recorrem ao caso da exportação de suco de laranja em São Paulo, mas o mesmo argumento pode servir ao caso da borracha, ainda que apenas para São Paulo.

Nas exportações da borracha paulista, a variação positiva no preço médio do produto em moeda americana (+36,7%) resultou num recuo das quantidades exportadas

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(-0,9). Já a variação positiva no preço médio do produto em moeda americana (+25,3%) para as exportações de borracha realizadas pelo conjunto dos estados brasileiros, ainda que inferior à de São Paulo, resultou num volume exportado de borracha muito superior (+5,2) ao daquele estado (GONÇALVES; VICENTE, 2012). Neste caso em particular, a variação maior do preço médio em dólar da borracha no mercado internacional não resultou de imediato em maior volume exportado por São Paulo, embora resultasse em maiores quantidades exportadas pelo Brasil como um todo, mostrando que São Paulo tem mais capacidade para vincular sua produção de borracha ao crescimento da demanda interna da indústria de insumo básico que qualquer outro estado da federação, ainda que de forma insuficiente para atender suas necessidades.

Examinando a Tabela 3, vê-se que, no mercado da borracha no Brasil, há um descolamento claro entre os índices de preço de exportações e importações e a quantidade de exportações e importações no que se refere aos artigos de borracha e plástico após 2006. Isso mostra uma tendência de deterioração dos termos de troca nesse setor de insumos básicos de borracha/plástico após 2010. Tomando o ano de 2006 como referência, podemos notar que após esse ano o nível de deterioração da relação de troca recuou em aproximadamente 39% em 2011. Antes de 2006, o nível médio dessa deterioração era de 11,09% em média de 1996 a 2005; após 2006, saltou para 23,72% de 2007 a 2011, mais que o dobro do período anterior.

Tabela 3 - BRASIL - Evolução recente dos índices de preços e quantum de exportações e importações dos artigos de borracha e plástico, período 1996/2011 (2006 = 100)

Data

Exportações ImportaçõesRelação de

TrocaÍndice de quantidade

Índice de preços

Índice de quantidade

Índice de preços

1996 40,0 103,2 48,4 103,9 82,11997 43,5 101,7 61,9 90,3 79,11998 43,9 100,0 66,3 86,3 76,71999 47,4 87,9 53,0 88,0 89,32000 55,6 83,3 63,4 84,4 86,62001 56,8 80,3 64,9 80,8 87,02002 57,7 77,5 65,7 77,3 88,12003 74,2 76,6 67,7 80,6 104,22004 83,9 81,2 80,2 86,7 98,02005 92,8 89,4 94,6 89,5 98,02006 100,0 100,0 100,0 100,0 100,02007 108,4 114,9 117,6 110,0 96,32008 104,0 133,6 144,9 123,8 77,52009 86,2 130,4 117,8 116,2 82,12010 99,3 139,9 177,2 121,8 64,42011 101,7 161,7 189,4 142,1 61,1

Fonte: Ipea Data (2012) – elaboração própria

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Constata-se que a expansão significativa dos índices de quantidade das importações vem sendo superior ao crescimento dos preços das importações, causando a dependência externa do setor. Enquanto isso, nas exportações, mesmo com seus preços mais elevados, a expansão das quantidades não acompanha os preços, supostamente pela resposta do setor à demanda existente no mercado interno, como ilustra o Gráfico 4. Em resumo, nem a produção interna e nem as importações, hoje, estão sendo suficientes para suprir as necessidades do setor e isso tem levado a ajustes pesadíssimos via comércio exterior, reclamando a reestruturação da economia da borracha no quadro do desenvolvimento nacional. A região amazônica, sozinha, não teria como responder ao crescimento da demanda, visto que a economia da borracha deixou de ser uma “batalha” pela expansão, para ser uma “batalha” pela produtividade. E nisso outras regiões são demandas.

Grá� co 4: BRASIL - Evolução recente dos índices de preços e quantum de exportações e importações dos artigos de borracha e plástico, período 1996/2011 (2006=100)

Fonte: IPEA-DATA - elaboração própria

Observamos na sessão anterior que a resposta agora não depende, como foi no passado, do crescimento da produção extrativista da borracha natural, o que levaria o país a ter de acionar mais uma vez Região Norte. Essa forma histórica de acionamento das regiões vem mudando, em que pese inexistir uma política nacional de desenvolvimento regional nessa direção desde os anos 1980, ou seja, a cerca de 30 anos. Independentemente desta crítica mais geral, o fato é que a região Amazônia está longe de poder arcar de modo decisivo com uma resposta às necessidades estruturais da economia da borracha no Brasil e, além do mais, nem sequer reuniria mais as condições de no curto e médio prazo, devido ao nível maior de restrições sociais e ambientais à exploração de recursos florestais nativos, para expandir a área de produção extrativista, embora possa fazê-lo com a produção da borracha de cultivo em áreas degradas.

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3 O DESAFIO DA PRODUÇÃO DA BORRACHA NATURAL NA AMAZÔNIA

A Amazônia, como vimos, desempenhou um papel histórico relevante na economia da borracha no início do século XX. Após a industrialização da borracha em 1890, Europa e Estados Unidos tornaram-se os principais demandantes de látex da Hévea brasileira. O que era um produto, a “goma elástica”, voltado para a fabricação de vários utensílios para uso doméstico, bélico e hospitalar (seringa), passou a ser uma commodity exportada em quantidades crescentes na região até 1912, para atender nova indústria de pneumáticos em crescente expansão, modificando totalmente a produção territorial do seringal amazônico, segundo Prado e Capelato (2006, p. 316),

no início da exploração, os seringais se localizavam principalmente na região das ilhas, inclusive Marajó, alcançando o Xingu e o Jari. As populações mestiças ou tapuias passaram a se dedicar inteiramente à produção da borracha. Entretanto, as seringueiras logo foram sendo destruídas em virtude das técnicas utilizadas na sua extração.

A floresta passou a sofrer uma enorme ofensiva desde então. Um processo de depredação sem trégua de maciços florestais e deterioração social do homem amazônico tomou forma e praticamente definiu o sistema de exploração. Daí ser imperioso lembrar que na sua fase histórica de maior auge, a borracha da Amazônia, no início do século XX, foi um negócio extremamente lucrativo e degradador, devido ao alto custo ecológico e social com penetração e ocupação territorial da floresta. Mais que qualquer idealismo ambientalista, é a natureza predatória daquele sistema de exploração territorial que precisa ser lembrado para não ser repetido. Inclusive, porque é a diversidade da produção dos recursos florestais que deve ser mantida em função da intimidade do homem com floresta e não a expensas deste, opondo belenenses e manauaras e castigando suas populações tradicionais.

Dito isto, passemos a refletir mais detidamente quanto ao sentido da produção regional da Hévea amazônica para responder ao desafio brasileiro na reestruturação de sua economia da borracha. Em termos atuais, pode-se constatar que a participação da borracha nativa via extrativismo na produção nacional recuou flagrantemente de 48,5% em 1990 para 1,5% em 2010, segundo dados da produção agrícola e florestal do IBGE. O momento de maior inflexão se deu na implantação do Plano Real, entre 1995 e 1996, quando a produção regional da borracha nativa já em declínio sofreu uma queda de quase 60%, recuando sua participação na produção nacional de 14,7% para 7,0%, respectivamente, e se aprofundou.

Considerando os dados para a Região Norte, veremos que o gap na produção da borracha nativa entre 1995 e 1996 ampliou-se, conforme o Gráfico 5. Mesmo na borracha de cultivo houve um recuo. Portanto, na soma da borracha nativa mais a de cultivo, o recuo foi de um patamar de 25 mil toneladas produzidas em 1990 para menos de 10 mil em 1996. No período 1996-2010, por sua vez, houve um crescimento relativo da borracha

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de cultivo, mas que apenas compensou o recuo da nativa, não retomando os mesmos níveis de produção do início dos anos de 1990. A borracha da região Amazônia, após o período de abertura da economia e do Plano Real, perde capacidade de resposta imediata e mediata ao desafio brasileiro.

Grá� co 5: REGIÃO NORTE - Produção de borracha nativa (por extrativismo) e por cultivo, período 1990/2010 (em toneladas).

Fonte: IBGE (2010) - PAM e Extração vegetal

O contrário se viu em outros estados brasileiros, que tiveram sua produção de borracha de cultivo crescendo extraordinariamente no mesmo período. Em termos da participação na produção nacional, os destaques mais negativos são justamente os estados da Região Norte, em especial: Acre, com participação de 25% em 1990 recuou para 0,5% em 2010; Rondônia, de 13% recuou para inexpressivos 0,2% no mesmo período; e Pará, de 9,3% recuou para 1,2% também no mesmo período. Em situação diametralmente oposta, encontram-se: São Paulo, com sua participação na produção nacional de borracha passando de 16,3% em 1990 para relevantes 58,2% em 2010 e Goiás, que iniciou sua participação de forma mais consistente a partir de 1998 (1,4%) e alcançou 4% em 2010. O forte nesses dois estados são os níveis de produtividade, acima de 2,7 mil quilos por hectare.

Como a região Centro Oeste capta a dinâmica de crescimento do Sudeste, a expectativa é que a produção nas áreas do cerrado brasileiro se expanda nos próximos anos, juntamente com a produção nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, com participação de 4,0% e 4,4% em 2010, respectivamente. Fora do eixo sudeste/centro-oeste, somente o estado da Bahia merece maior destaque, pois permanece com patamares de

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

produção relativamente muito bons, com participação na produção nacional entre 14 e 18% no período 1990-2010, embora tenha índice de produtividade baixo, cerca de mil quilos por hectare.

Como vemos, o eixo de polarização regional na produção da borracha se inverteu completamente a partir de meados dos anos de 1990, com a expansão da fronteira da borracha voltando-se para a região economicamente mais desenvolvida do país e sua área imediata de influência. Isto não é tão visível em termos de área plantada, área colhida e quantidade produzida, em que os maiores produtores são, pela ordem, os estados de São Paulo, com quase 52 mil hectares de área plantada, Bahia, com 31,5 mil hectares de área plantada e Mato Grosso, com mais de 22 mil hectares de área plantada, conforme a Tabela 4. Porém, em termos de produtividade física, medida em quilos de borracha por hectare, os que se destacam são, pela ordem, os estados de Goiás (2.812 kg/ha), São Paulo (2.781 kg/ha) e Minas Gerais (2.107 kg/ha) para o ano de 2010.

Tabela 4 - Brasil e os 10 estados maiores produtores de borracha natural, por extrativismo e cultivo, segundo a área plantada e colhida, a produção e a produtividade (em 2010)

Brasil e UFÁrea plantada

(mil ha)Área colhida

(mil ha)Produção (mil

ton)Produtividade

(kg/ha)

Brasil 129,3 123,8 221,8 1.792São Paulo 51,7 47,2 131,1 2.781

Bahia 31,5 31,5 31,9 1.014Mato Grosso 22,6 22,6 19,6 867

Espírito Santo 7,5 7,5 9,9 1.313Minas Gerais 4,2 4,2 8,8 2.107

Goiás 3,4 3,3 9,3 2.812Pará 2,1 2,1 2,6 1.244

Amazonas 1,3 1,3 1,3 968Acre 1,2 1,1 0,6 573

Rondônia 0,8 0,1 0,1 607

Fonte: Elaboração a partir dos dados do IBGE - PAM e Extração Vegetal (2010)

Apesar da área plantada e colhida ser muito inferior em Goiás e Minas Gerais à de São Paulo, como se pode ver na Tabela 4, o nível de produtividade física é considerável em terras goianas e mineiras. O mesmo não acontece com a Bahia e o Mato Grosso, que possuem menos da metade do índice de produtividade física daqueles estados, inclusive São Paulo, e, no caso dos estados amazônicos, apenas o Pará mantém níveis de produtividade mais razoáveis, pouco acima de mil quilos por hectare. O que se reitera aqui é que se faz necessário encontrar uma solução de conjunto (nacional) para a borracha e isso requer soluções técnicas e de manejos, bem como de arranjos organizacionais e financeiros apropriados a cada um dos estados, mantendo-se as características e diversidade socioeconômicas e ambientais regionais prevalecentes.

No caso da Região Norte, o conjunto articulado de incentivos à borracha de cultivo

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

deve se dar de modo que as demais culturas extrativas (animal, vegetal e mineral) e os produtos florestais nativos não sofram perdas econômicas, pelo contrário, que ganhem como vêm ganhando cada vez mais espaço, principalmente porque boa parte das populações tradicionais depende das reservas naturais para preservar seu modo de vida. As alternativas mais apropriadas são aquelas que vinculam o destino econômico da região ao de sua população, incluindo-a.

4 BREVES CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esperamos que esta modesta contribuição ao debate tenha mostrado três coisas: a primeira, os fatores históricos que determinaram a campanha em prol da borracha no início do século XX não se repõem mais hoje e muito menos nos termos socioeconômicos primário-exportadores e degradadores da floresta e do homem como naquele tempo. Além de os tempos serem outros, o mercado interno brasileiro acumula atualmente uma defasagem na produção da borracha como um insumo básico para a indústria de pneumáticos, por efeito do crescimento da demanda interna com os incentivos domésticos dados às vendas de automóveis no período Lula-Dilma (2002-2011) e dos preços externos crescentes; a segunda, a modificação substancial na relação intersetorial/estrutural no que concerne às questões de produção e consumo intermediário não deve ser menosprezada, requerendo tratamento específico inclusive na Amazônia; e terceira, a questão regional da Amazônia não se resume mais a apelos pelo aumento da participação da borracha nativa na produção nacional ou na pauta exportadora primária, ela se amplia na direção de estratégias econômicas que respeitem os limites ambientais. Os limites impostos ao crescimento extensivo das áreas destinadas à agricultura e pecuária em substituição à floresta, seja para o cultivo da seringueira e qualquer outro, seja para aumentar a pressão sobre seus recursos hídricos e minerais, decorrente dos investimentos em infraestrutura, precisam ser observados. Está mais que na hora de se pensar numa economia mais integrada à exploração racional de seus recursos territoriais (floresta, terra, água e subsolo) e que verdadeiramente gere benefícios duradouros a sua população.

REFERÊNCIAS

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GONÇALVES, J. S.; VICENTE, J. R. Exportações dos agronegócios paulistas e brasilei-ros: detalhamento das evoluções de quantidades e de preços na comparação 2010-2011.

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

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IPEA. Ipea Data: indicadores macroeconômicos de comércio exterior. 2011. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br/>. Acesso em: 17 abr. 2012.

PRADO, Maria Ligia Coelho. CAPELATO, Maria Helena Rolim. A Borracha na Eco-nomia Brasileira da Primeira Republica. In: FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. 8. Ed. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2006. T. 3, v. 8

ROSSMANN, H. Panorama nacional da heveicultura: borracha natural brasileira. 2007. Disponível em: <http://www.borrachanatural.agr.br/cms/index.php?option=com_con-tentB& task=category&sectionid=8&id=17&Itemid=37>. Acesso em: 16 abr. 2012.

SOUZA, Sueli A. M. Comércio exterior de produtos florestais, Brasil, 1997-2010. Infor-mações Econômicas: Revista Técnica do Instituto de Economia Agrícola. São Paulo: IEA, v. 41, n. 10, p. 28-37, out. 2011.

VIRGENS FILHO, Adonias de Castro. O crédito agrícola como suporte ao desen-volvimento da heveicultura sustentável. Brasília, DF: Ministério da Agricultura, Pe-cuária e Abastecimento, Câmara Setorial da Borracha, 2010. 56 slides, color. Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/camaras_setoriais/Borracha_natu-ral/16_reuniao/Credito.pdf>. Acesso em: 16 maio 2012.

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

A QUESTÃO DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO REGIONAL E A BIODIVERSIDADE

Alfredo Kingo Oyama Homma

1 INTRODUÇÃO

A crise da borracha em 1912 decorreu da imprevidência com relação à domesticação de recursos extrativos. Em 1908, a produção de borracha extrativa da Amazônia representava 94,4% do total mundial; em 1913, a produção de borracha do sudeste asiático alcançou a produção do vale amazônico; e, em 1918, a produção de borracha extrativa da Amazônia caiu para 10,9% do total mundial. A abundância de recursos na Natureza faz com que muitas vezes o sucesso da domesticação ocorra em locais distantes do seu local de origem. O capital extrativo funciona como um mecanismo de autocontrole a la Miller Paiva, uma tragédia anunciada, não somente amazônica, que tem ocorrido para outras plantas e países.

Os ensinamentos (positivos e negativos), que podemos tirar das plantações do Oriente, são múltiplos, e do aproveitamento deles depende em grande parte o futuro da nossa indústria extrativa.Esperando que esta pequena contribuição possa ser de alguma utilidade na nobre campanha empreendida por V. Ex, em prol da nossa indústria extrativa, reitero-vos a expressão de minha alta estima e consideração.1 (CASTRO et al., 2009; CUNHA, 2009, p. 501).

A sina da seringueira, já tinha ocorrido anteriormente com o cacaueiro levada em 1746, por Louis Frederic Warneaux, para a fazenda de Antônio Dias Ribeiro, no município de Canavieiras, Bahia. Deste Estado foram levadas para a África e a Ásia que se tornaram em grandes produtores mundiais. Na Bahia o cacaueiro incorporou-se na cultura local, romanceada pelo escritor Jorge Amado (1912-2001), tornando-se grande produtor nacional e, a partir de 1989, com a entrada da vassoura-da-bruxa, o país importando um terço do cacau consumido.

É atribuída a Clements Markham (1830-1916) com a ajuda do botânico Richard Spruce (1817-1893) a transferência com sucesso das sementes de cinchona, em 1860, desenvolvendo plantios iniciais na Índia e Sri Lanka. Os espanhóis descobriram que os índios da parte baixa dos Andes utilizavam a casca da cinchona para o tratamento da malária, cujo primeiro relato escrito data de 1636. A malária representava um terrível flagelo para muitas colônias do Império britânico e esta descoberta salvou milhões de pessoas durante séculos (SMITH, 1990).

1 Jacques Huber (1867-1914), Diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi, ao retornar de uma longa viagem às áreas pro-dutoras de seringueira no Ceilão, Sumatra, Java e Península Malaia onde permaneceu de 31/12/1911 a 18/05/1912, a pedido do governador João Antônio Luís Coelho (1909-1913). As advertências não tiveram nenhum efeito, pois a crise já estava instalada (CASTRO et al., 2009; CUNHA, 2009).

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Muito antes os espanhóis tinham levado do Novo Mundo os tubérculos do que ficou conhecido como a batata inglesa (1537), o tomate, o milho, entre outras, constituindo-se em alimentos universais. Os portugueses levaram a mandioca para as suas colônias na África e Ásia tornando-se, também, em importante fonte de alimento e grandes produtores mundiais. O cajueiro foi outra planta levada pelos portugueses para as suas colônias africanas e asiáticas, promovendo a sua disseminação.

Em sentido inverso, esta transferência de recursos genéticos ocorreu para várias plantas e animais. Entre o mais importante destaca-se o cafeeiro trazido de Caiena por Francisco de Mello Palheta em 1727, para Belém, tornando-se a maior riqueza nacional e cujo ramo ao lado do fumo enfeita o brasão da República brasileira. O búfalo foi introduzido por Vicente Chermont de Miranda (1849-1907), em 1882, fazendo parte da paisagem marajoara. Na década de 1930 o imigrante japonês Ryota Oyama (1882-1972) efetuou a aclimatação da juta e Makinossuke Ussui (1896-1993) a introdução das mudas de pimenta-do-reino transformando-se em importantes atividades agrícolas na região. Grande parte dos produtos da agricultura brasileira é exótica (café, bovinos, suínos, aves, banana, eucalipto, laranja, soja, frango, etc.) dos quais o país é um dos maiores produtores e exportadores mundiais.

É interessante mencionar que a lição da borracha não foi aprendida pelos amazônidas, que continuam a lamentar a façanha de Henry Alexander Wickham (1846-1928), realizada em 1876. A alegria do fausto da borracha durou enquanto os ingleses estavam multiplicando as seringueiras. Entre o carregamento das sementes e o declínio da borracha transcorreram 36 anos, um longo tempo para mudanças, que os ingleses utilizaram para pesquisa, esperando frutificar as seringueiras e efetuando contínuos plantios. Pode-se afirmar que foi uma grande conquista da agronomia tropical do século XIX.

Com o assassinato de Chico Mendes (1944-1988) reacendeu novamente a importância da coleta de produtos florestais como a melhor opção para a Amazônia. O extrativismo com nova roupagem moderna, utilizando tecnologia high-tech na selva, acreditam os defensores, garantiria renda, emprego, evitaria a derrubada e a queimada e preservaria a floresta. Entre estes produtos poderia ser mencionado o couro vegetal, camisinha de látex de borracha nativa, óleos (castanha-do-pará, babaçu, murumuru, copaíba, andiroba, etc.), compensação por serviços ambientais, frutas nativas (açaí, cupuaçu, castanha-do-pará, uxi, etc.), cosméticos, fármacos, plantas inseticidas, produtos orgânicos (FIÚZA, 2008). Se possível, todas obtidas da Natureza, cognominadas de não-madeireiros, numa falsa concepção de serem sustentáveis por definição.

A acepção de não-madeireiros como sustentáveis é errônea, pois depende da capacidade de regeneração versus a velocidade de extração. A sustentabilidade econômica pode não garantir a sustentabilidade biológica e vice versa. Do ponto de vista econômico não existe diferença entre produtos não-madeireiros e madeireiros.

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2 DO RETROSPECTIVO AO PROSPECTO

Em mensagem do governador Augusto Montenegro (1901-1909) (PARÁ, 1906), ao Congresso Legislativo do Pará, no dia 7 de setembro de 1906, afirmava:

E porque falo de nossa producção é do meu dever chamar a attenção dos exploradores do nosso solo [...] para a necessidade de enveredar pelo caminho por outros paizes abertos, de transformação da nossa indústria extractiva em uma verdadeira industria agrícola. Quem possue o nosso privilegiado solo em que a Hevea floresce naturalmente, não deve esquecer o dia de amanhã, renovando e augmentando a area occupada por essa arvore verdadeiramente admiravel. Nada nos custa approveitar das licções que outros paizes offerecem, plantando a Hevea de maneira racional e methodica.

A Amazônia ficou a reboque das pressões ambientais externas, com o controle das ONGs (nacionais e externas), que provocam efeitos na alocação de recursos, favorecimento para determinados objetivos, criação de situações de complementaridade e suplementaridade para ações meramente preservacionistas e conservacionistas. Associa a este cenário a fraqueza do empresariado local, da comunidade acadêmica, do capital social e da força política provinciana.

O mito da biodiversidade como algo mágico capaz de curar todos os males (geriátrico, colesterol, câncer, AIDS, impotência masculina, pressão alta, etc.) perpassa no imaginário popular, de muitas propostas da área acadêmica e das políticas públicas (BUCHALLA, 2002). Com isso esquece-se a biodiversidade do passado, do presente e, do estabelecimento de metas concretas para conhecer a biodiversidade do futuro.

Pode-se afirmar que o primeiro grande mito no Novo Mundo surgiu com a obsessão da busca da Fonte da Juventude, por Juan Ponce de León (1474-1521), que veio na segunda viagem de Cristóvão Colombo (1451-1506), em 1493. Juan Ponce de Leon, até a sua morte, em Cuba, em 1521, descobriu Porto Rico, em 1506 e, a Flórida, em 13/03/1513, procurou tenazmente encontrar a Fonte da Juventude. Outro mito que os exploradores espanhóis se dedicaram foi à busca do Eldorado, nos séculos XV e XVI, acreditando na existência de fabulosas cidades de ouro e prata transmitidas pelas populações das terras conquistadas (HOMMA, 2012). Sem dúvida que esses mitos foram importantes para a ampliação do conhecimento sobre a geografia, a flora e a fauna e, também, para realimentar ainda mais os mistérios sobre a Amazônia. A primeira descida do Rio Amazonas, que recebeu o seu batismo, pela expedição de Francisco de Orellana (1490-1546), em 1541/1542, foi na crença da busca de riquezas impulsionadas pelo mito do Eldorado.

O ciclo do cacau teve o pico de participação na economia colonial, com 97% do valor das exportações (1736); a da seringueira como terceiro produto da pauta das exportações nacionais por 30 anos (1887-1917) teve o seu apogeu em 1910, com 39% e, novamente, em 1945, por ocasião da II Guerra Mundial, com 70% do valor das exportações da Região Norte. O pau-rosa teve a sua participação máxima nas exportações da Região Norte, em

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1955, com 16% e, a castanha-do-pará, em 1956, com 71% (HOMMA, 2003). No contexto histórico mudou-se das exportações de produtos extrativos vegetais para o extrativismo mineral, que atualmente representa 75% do valor das exportações do estado do Pará.

Assiste-se no País um forte processo de migração rural-urbana e que não é diferente na Amazônia. Apesar do estereótipo da imagem de “povos da floresta”, a Amazônia, é praticamente urbana. A urbanização, segundo o Censo Demográfico 2010, atinge 63,08% (Maranhão), 68,48% (Pará), 72,56% (Acre), 73,55% (Rondônia), 76,55% (Roraima), 78,80% (Tocantins), 79,09% (Amazonas), 81,80% (Mato Grosso), 89,77% (Amapá) e 71,74% para a Amazônia Legal. Esses migrantes, ao se dirigirem em direção aos centros urbanos, engordam os níveis de desemprego e subemprego, favelamento e criminalidade, neutralizam as políticas sociais e as soluções envolvem altíssimos custos sociais. Para evitar a formação deste apartheid urbano, pode-se justificar uma política em favor da manutenção do extrativismo, evitando-se a migração para os centros urbanos e de preservação de direitos de minorias, do que uma opção de desenvolvimento regional. A urbanização, como corolário, implica na redução relativa e absoluta da população rural, indicando a necessidade de elevar a produtividade da mão-de-obra e da terra.

Para muitos produtos extrativos da Amazônia se evidencia um conflito entre a demanda e a oferta. Exemplifica-se com o produto símbolo da Amazônia e dos movimentos sociais: a seringueira. A despeito do seu aspecto emblemático, a produção de borracha extrativa representou 1,64% do total de borracha natural produzida no país (2008/10). A reversão iniciou em 1990 quando a produção de borracha plantada superou a borracha extrativa. A partir de 1951, o país começou a importar a borracha em ritmo crescente, alcançado 790,46 milhões de dólares (2010), indicando a necessidade de implementar um Plano Nacional de Borracha.

Várias frutas amazônicas como a castanha-do-pará, açaí, bacuri, tucumã, uxi, camu-camu, mangaba, pequi, piquiá, bacaba, entre outras, pela dependência da produção extrativa ou manejada, não conseguem atender a demanda. Para outras plantas e animais amazônicos como a copaíba, andiroba, timbó, pau-rosa, cumaru, espécies madeireiras e de peixes, verifica-se um forte processo de extração e esgotamento das reservas naturais.

Os grandes projetos em implantação (planejadas) na Amazônia: hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio (Rondônia), Estreito (Maranhão e Tocantins), Dardanelos (Mato Grosso) e Belo Monte, eclusas de Tucurui e porto de Espadarte (Pará) revelam que as atividades do setor agrícola precisam ficar a reboque do setor mineral e energético, para aproveitar a infra-estrutura construída.

Para os produtos extrativos alimentícios que apresentem conflitos entre a oferta e a demanda é urgente promover a sua domesticação. A fabricação de fitoterápicos e cosméticos, que constitui a utopia de muitas propostas do aproveitamento da biodiversidade na Amazônia, que além de demandar grandes custos de pesquisa e de testes, esbarra na Medida Provisória 2.186-16, de 23/08/2001. Esta Medida Provisória dispõe sobre o patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento

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tradicional associado à repartição de benefícios e a transferência de tecnologia para a sua conservação e utilização. A repartição de benefícios econômicos com comunidades nativas não estimula grandes empresas em efetuar investimentos de alto risco. Está ocorrendo na Amazônia pesados investimentos na criação de Parques Tecnológicos e, no qual o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), instituído em 2002, pelo Decreto 4.284, no âmbito do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade (PROBEM), inscrito no Primeiro PPA- Plano Plurianual do Governo Federal revelam equívocos na condução dessa política com relação à biodiversidade abstrata.

As conquistas trabalhistas no país iniciadas no Governo Vargas na década de 1930 estão mudando os sistemas de produção agrícola e, também, industriais e no setor de serviços. O aumento no custo da mão de obra e o progresso tecnológico induzido pela mecanização vêm provocando o abandono das atividades intensivas no uso deste insumo. Médias e grandes propriedades agrícolas procuram dedicar as atividades menos intensiva em mão-de-obra, como as grandes lavouras mecanizadas de grãos (soja, milho, arroz, feijão, etc.), utilização da colheita mecanizada nas lavouras de algodão, café, cana-de-açúcar, laranja, mandioca, entre outros. A falência do modelo do seringal, criando a figura do seringueiro autônomo está associado à custa de encargos trabalhistas que o seringalista seria responsável pelas horas extras, insalubridade, encargos sociais, inviabilizando a atividade (SANTOS, 1968).

O desafio futuro seria gerar emprego e renda para a massa de marginalizados, com baixa qualificação, que não podem ficar apoiados em transferências governamentais (Bolsa Família, Bolsa Verde, aposentadorias, etc.). A Amazônia Legal contabilizava mais de 2,5 milhões de famílias (03/2012) atendidas pelo Programa de Bolsa Família, perfazendo quase 18% do total nacional, superior ao percentual da população residente na região (12,9%). Enquanto outros indicadores, como número de doutores e investimentos em C&T estão na casa dos 5% do total nacional.

Esse cenário traz, contudo, uma grande alternativa para a agricultura familiar, sobretudo para àquelas atividades onde não seria possível a mecanização agrícola em alguma fase do processo produtivo. Dificilmente será inventada uma máquina para efetuar a sangria da seringueira e da colheita mecanizada do cacau, cupuaçu, pimenta-do-reino, coco, pupunha, dendê, maracujá, juta, malva, entre outros. Este seria, portanto, um mercado cativo para a agricultura familiar na Amazônia, com capacidade de gerar emprego e renda e criando uma porta de saída para os programas sociais que assumem postura assistencialista e sem perspectivas futuras.

3 O EFEITO “DUTCH DISEASE” NOS PRODUTOS DA BIODIVERSIDADE AMAZÔNICA

Em 1977 a revista The Economist cunhou o termo “Dutch Disease” para descrever os efeitos da bonança proporcionada pelas descobertas de gás natural no Mar do Norte

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na década de 1960, provocando aumento nas importações de alimentos, deslocamento da mão-de-obra, inflação e na desindustrialização de setores menos competitivos da economia holandesa. A excessiva valorização cambial decorrente da renda gerada pela nova descoberta implicou numa retração do setor de bens comercializáveis manufatureiro holandês, que acabou por gerar desemprego e menores taxas de crescimento. A situação econômica do país piorou após a descoberta das reservas numa situação paradoxal que ficou conhecida como “Dutch Disease” ou maldição dos recursos naturais. Em termos mais gerais, a síndrome da “Dutch Disease” está vinculada aos efeitos negativos decorrentes das rendas econômicas geradas por grandes descobertas ou abundância de recursos naturais, tais como ouro, diamante, petróleo e gás.

O modelo de “Dutch Disease” foi interpretado teoricamente por Coorden e Neary (1982). Barham e Coomes (1994) utilizaram o modelo para explicar a falência da economia extrativa da borracha. A economia amazônica tem-se apoiado no contínuo aproveitamento dos recursos disponíveis na natureza. A economia extrativa baseada na exportação de recursos disponíveis na natureza, negligencia quanto ao seu esgotamento, fundamenta-se na exportação de matéria-prima, desestimula a industrialização, provoca realocação no mercado de mão de obra e, perversamente, afeta a economia local. Foi o que ocorreu com a extração da borracha, da castanha-do-pará, do pau-rosa, do óleo de tartaruga, do pirarucu e, em época mais contemporânea, da madeira, do palmito e do fruto de açaizeiro, da mineração, do petróleo, da energia hidráulica, entre outros.

As exportações de matéria-prima bruta (madeira, borracha, castanha-do-pará, polpa de açaí, etc.) tem sido a tônica para a grande maioria dos produtos da biodiversidade amazônica, restringindo o beneficiamento ao mínimo possível, para facilitar o transporte e reduzir a perecibilidade. As implicações ambientais podem ampliar o grau de industrialização local, para evitar atividades geradoras de resíduos nos países desenvolvidos.

a) Biodiversidade exótica

A despeito da ênfase na biodiversidade nativa grande parte da agricultura amazônica está apoiada nas plantas e animais de outros continentes ou de outras áreas extra-Amazônia. Pode-se destacar a soja, algodão, milho, arroz, feijão, juta, pimenta-do-reino, bananeira, laranjeira, cafeeiro, coqueiro, abacaxi, dendezeiro, mamoeiro, meloeiro, aceroleira, bovinos e bubalinos, frangos, etc. Para muitas destas culturas a região amazônica tornou-se a maior produtora nacional, concentrando-se um terço da produção de soja, metade da produção de algodão, a totalidade de pimenta-do-reino, juta e malva e do rebanho bubalino, abacaxi, dendezeiro, etc. No contexto nacional, o Brasil tornou-se um dos maiores produtores e exportadores mundiais de carne bovina e frango, café, suco de laranja, soja, açúcar, fumo, álcool, milho, carne suína, etc.

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b) Perda e ocupação de mercados

A Amazônia ao longo do tempo tem sido prejudicada pela perda de mercado de produtos da sua biodiversidade, como ocorreu com a cinchona, cacau, borracha, guaraná, pupunha, jambu, que foram transplantados para outras partes do país e do mundo. Outras culturas exóticas como o cafeeiro, mamoeiro, meloeiro, que tiveram seu desenvolvimento inicial no Estado do Pará, perderam competitividade para outras

áreas do país.

O movimento inverso, também, ocorreu como a expansão da pecuária, soja e algodão

(Mato Grosso é o maior produtor), dendezeiro (Pará é o maior produtor) e coqueiro (maior

plantio do país). O estado do Pará lidera a exportação de boi vivo e madeira de floresta nativa,

possui o maior rebanho bubalino que se integrou a paisagem marajoara e a Amazônia Legal

responde por quase um quinto das exportações brasileiras de pescado. Quanto à questão da sustentabilidade deixa muito a desejar.

c) Novos mercados artificiais?

É muito enfatizado pelos representantes das ONGs, das instituições internacionais

e dos países desenvolvidos quanto à importância dos green products (couro vegetal,

camisinha de látex de borracha extrativa, babaçu, etc.), da venda de créditos de carbono,

produtos orgânicos, produtos certificados, pagamentos por serviços ambientais, entre

outras acepções (FIUZA, 2008). A idéia da redução dos desmatamentos e queimadas na

Amazônia pelos países desenvolvidos e instituições internacionais está sendo tentado via

REDD (Reduce Emissions for Deforestation and Degradation). Prevê-se o pagamento para

não desflorestar e por serviços ambientais, imputando um baixo custo de oportunidade

para os pequenos produtores, extrativistas, ribeirinhos e comunidades indígenas, na idéia

de manter a “floresta em pé” e coletar produtos da floresta. Envolve a mercantilização do

carbono, conta com o apoio dos governadores da região amazônica, empresários e parte da

comunidade acadêmica (BECKER, 2010).

É importante lembrar as limitações da economia extrativa no qual se baseiam muitas destas propostas, a democratização dos green products, a qualidade dos produtos e do aumento da oferta de serviços ambientais levando a queda nos preços no longo prazo.

d) O interesse pelos genes

Uma mudança na concepção da biodiversidade está associada na busca de determinados genes de plantas e animais de ancestrais primitivos ou de parentes próximos. Isto indica que a figura de caçadores de plantas do passado está mudando para caçadores de

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genes. Isso já está ocorrendo nos novos plantios de dendezeiros híbridos na Amazônia obtidos com o cruzamento do dendezeiro africano (masculino) com a palmeira caiauê (feminina), nativa da região, que foi desenvolvido pela Embrapa Amazônia Ocidental, sediada em Manaus. Dessa forma, a despeito dos ambientalistas serem contra o plantio de dendezeiro na Amazônia, por ser planta exótica, este híbrido traz nova conotação de não ser integralmente exótica.

Há um interesse muito grande dos geneticistas dos países desenvolvidos em localizarem os ancestrais do tomateiro e da batata-inglesa, que tem a sua origem nos platôs andinos, bem como da mandioca, milho, cacaueiro, seringueira, na busca de genes que poderão transferir resistência contra pragas e moléstias (ILTIS, 1997; PLOTKIN, 1997). As sementes transgênicas são um exemplo, deste vasto mercado, no qual se inserem genes de outras plantas ou até de animais através da engenharia genética.

4 UMA CONCEPÇÃO FORDISTA E TAYLORISTA PARA CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA AMAZÔNIA

Vamos propor um novo paradigma de crescimento que não pareça etéreo e fantasioso. Ninguém aceita discutir a fantasia. Eu tenho que explicar para as pessoas como é que elas vão comer. (BRASIL, 2012) 2.

É urgente promover uma revolução científica e tecnológica na Amazônia para se alcançar um desenvolvimento adequado para a região. A sociedade brasileira mostrou que tem capacidade, em diversos momentos: a primeira, em 1953, quando foi criada a Petrobrás, pelo presidente Getúlio Vargas (1882-1954). O Brasil alcançou a autosuficiência do petróleo em 2009 e, desenvolveu a tecnologia para exploração em águas profundas, culminando com a descoberta do Pré-Sal, em 2006. Em 1969 foi criada a Embraer, pelo presidente Artur da Costa e Silva (1899-1969) e o país passou a exportar aeronaves de médio porte para o mundo; em 1973 foi criado a Embrapa pelo presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985) que em colaboração com outros centros de pesquisa e de ensino agrícola geraram a tecnologia de ocupação nos cerrados; em 1976, durante o governo do presidente Ernesto Geisel (1907-1996) foi desenvolvido a tecnologia de uso de álcool em motores apropriados e a produção de álcool de cana-de-açúcar em grande escala (BECKER, 2010).

Há necessidade, portanto, conduzir uma quinta revolução tecnológica sobre a Amazônia. Para isso é imprescindível ampliar a capacidade de geração de tecnologia. Em 2010 o Governo Federal investiu, em nível nacional, cerca de 60.895,5 milhões de reais em Ciência e Tecnologia (C&T), correspondendo a 1,16% do PIB. Os recursos dos governos estaduais para Ciência e Tecnologia na Amazônia Legal, em 2010, somaram o montante de 610,9 milhões de reais, representando 5,99% do total nacional dos governos estaduais.

2 Trecho do discurso da Presidenta Dilma Rousseff no Fórum Brasileiro sobre Mudanças Climáticas, no dia 4 de abril de 2012, em Brasília.

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Quanto aos recursos federais aplicados em C&T é bastante complexa a sua estimativa, pois muitas instituições de pesquisas como a Embrapa, Instituto de Pesquisa Evandro Chagas, Inpa, Museu Paraense Emílio Goeldi, Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Inpe, Instituto Leônidas e Maria Deane, Universidades Federais, tem uma abrangência regional e não apenas dedicada à pesquisa, sem mencionar os Editais de Pesquisa, Convênios Internacionais, do setor privado e de pesquisadores e instituições avulsas (pais e exterior).

Se utilizar o percentual do PIB nacional (1,16%) para a região amazônica, verificar-se-ia que teria que investir em C&T, mais de 3,3 bilhões de reais por ano. Este valor seria equivalente a metade do que o Estado de São Paulo investe em Ciência e Tecnologia, ou 10% do total nacional. Pelo baixo valor do PIB da Amazônia Legal, os investimentos em C&T devem ser entendidos como investimentos para o futuro.

Em termos de recursos humanos, em agosto de 2012 havia 5.485 doutores cadastrados na Plataforma Lattes na região amazônica, para uma população de 96.493 doutores no país para todos os campos do conhecimento, o que representa 5,68%, para a Amazônia Legal que concentra 12,9% da população do país. Há uma assimetria tecnológica com relação às regiões Sudeste e Sul, necessitando dobrar os investimentos em C&T na Amazônia.

Nesse contexto, dentro de uma política de Ciência e Tecnologia, há necessidade de pelo menos duplicar o número de doutores na Amazônia. Ressalta-se que a atual estrutura de C&T na Amazônia não tem condições de comportar essa magnitude de investimentos no momento, que precisa ser gradativo, uma vez que apresenta limites. A criação da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) sinaliza mudança neste sentido. Há necessidade de se criar novos Centros de Pesquisa Agrícola em Santarém, Marabá e Imperatriz, bem como novas Universidades Federais, uma vez que com os recursos humanos disponíveis, não adianta efetuar programas de transversalidade, cooperação, pois estão no limite de sua capacidade. Está se discutindo muito sobre C&T, apenas no contexto de colocar mais verbas e doutores, mas não existe um Projeto sobre a Amazônia (ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS, 2008).

Já se passou o tempo de empinar uma pipa e descobrir o pára-raios, como fez Benjamin Franklin (1753), Edward Jenner (1796 – varíola), Louis Jacques Mandé Daguerre (1837 - filme fotográfico), Alexander Fleming (1921 - penicilina) e outras descobertas decorrentes do acaso. Isto não exclui as descobertas acidentais na ciência denominada de serendipismo ou serenditipidade que constituem ainda a razão de muitas descobertas nas últimas décadas: viagra, bloco de notas post-it, celofane, velcro, etc. O desafio contemporâneo seria implantar um modelo fabril de produtividade científica e avaliação administrativa, defendida pelo psicólogo estoniano Jaan Valsiner (1951), que envolve a aplicação do fordismo e taylorismo na geração do conhecimento científico e tecnológico (VALSINER, 2005). Há falta de pessoal qualificado, de maiores investimentos, da atmosfera científica competitiva, etc.

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Esse choque tecnológico é muito importante, e no caso da Amazônia estar-se-á ainda assistindo o drama da carroça andar na frente dos bois. Isso aconteceu na colonização da Transamazônica (1972), na implantação de grandes projetos (1966), nos Projetos de Assentamentos no Sul do Pará, construção das hidrelétricas, conflito de políticas públicas, etc. Os resultados de C&T ainda não deram o grande choque que a região está aguardando há décadas e que uma grande parcela da destruição dos recursos naturais da Amazônia decorre desta fraqueza.

5 PERSPECTIVAS PARA PRODUTOS DA BIODIVERSIDADE AMAZÔNICA

A análise do processo histórico da humanidade evidencia que a atividade extrativa apresenta grandes limitações. Desde quando Adão e Eva provaram a primeira maçã extrativa no Paraíso, o homem verificou que não poderia depender exclusivamente da caça, pesca e coleta de produtos florestais. Desta forma, há dez mil anos, quando se iniciou a agricultura foram domesticadas cerca de 3.000 plantas e centenas de animais, que constitui a base da agricultura mundial e que este mesmo fenômeno ocorreu e está ocorrendo na Amazônia.

Defende-se a importância de gerar renda e emprego e reduzir os impactos ambientais na região amazônica. A questão ambiental na Amazônia precisa sair da fantasia, procurar o pragmatismo, buscar resultados concretos ao invés do culto ao atraso e da defesa de interesse de determinadas ONGs e de pressupostos de instituições internacionais e de países desenvolvidos (CARRASCO, 2007). Entende-se que a reduzida oferta de tecnologias agrícolas e ambientais associada ao baixo nível de capital social tem sido a causa e o efeito

das atividades altamente dependentes da depredação dos recursos naturais na Amazônia.

5.1 POLÍTICAS DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES

Vários produtos da Amazônia (cacau, borracha, guaraná) e exóticas com potencialidade de cultivo (dendê, juta, arroz, açúcar) são atualmente importados, tanto de outras áreas do país ou do exterior. A sua dinamização seria importante para criar alternativas produtivas, reduzir os desmatamentos ocupando as áreas alteradas e recompondo ecossistemas destruídos.

a) Borracha natural: a busca da auto-suficiência

A partir de 1951 o Brasil iniciou a importação de borracha vegetal, que atinge atualmente 70% do consumo nacional. As importações de borracha natural totalizaram 260,8 mil toneladas em 2010 provenientes da Indonésia (45%) e pela Tailândia (35%). O país deve se precaver de uma possível entrada do mal-das-folhas no Sudeste asiático, como parte das facilidades da globalização, do bioterrorismo e, da busca da auto-suficiência nacional (DAVIS, 1997).

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Para suprimir as importações já devia estar em idade de corte cerca de 300.000 ha de seringueiras, que poderia gerar emprego e renda para 150 mil famílias de pequenos produtores. A Índia, China e Vietnã conseguiram aumentar a produção de borracha vegetal num curto período, enquanto o Brasil produz pouco mais de 211 mil toneladas, destacando-se os estados de São Paulo, Bahia e Mato Grosso.

Os próprios seringueiros do Acre já chegaram à conclusão de que não se pode viver apenas da extração do látex, basta dizer que a borracha extrativa no país caiu de 24.014t para 3.516t (1990-2010). A produção de borracha vegetal a despeito de planos como o PROHEVEA (1967), PROBOR I (1972), PROBOR II (1977) e PROBOR III (1981), foram um fracasso e mecanismo de corrupção (HOMMA, 2012). Não é com o extrativismo da seringueira mas com a implementação de um Plano Nacional da Borracha que o país pode atingir a auto-suficiência nos próximos 10 a 20 anos. A proposta de criação da Embrapa Seringueira, apresentada em fevereiro de 2012, com sede em São Paulo, numa modalidade de Parceria-Público-Privada pode ser importante apoio tecnológico para a expansão desta cultura.

A agricultura familiar deveria ser incluída em um programa de expansão de seringais de cultivo para buscar a auto-suficiência deste produto estratégico para a indústria nacional.

b) Cacau: fábricas de chocolate na Amazônia

A despeito da existência de 105.145 hectares de cacaueiros plantados nos Estados do

Pará e Rondônia, representando 15,60% da área plantada no país e produzindo 32,52% da

produção nacional (média 2008/2010), toda a produção é exportada como matéria-prima.

Há necessidade da verticalização do cacau na própria região. No triênio 2008/2010, quase

65 mil toneladas de amêndoa de cacau foram importadas somando mais de 159 milhões

de dólares, equivalente a 1/3 da produção brasileira de cacau. Isso indica a necessidade

de duplicar a área plantada nos estados do Pará e Rondônia nos próximos cinco anos,

gerando renda, emprego, sobretudo para a agricultura familiar, mesmo com crises cíclicas

de preços e promovendo a recuperação de áreas alteradas. A falta de mão-de-obra no meio

rural tende a comprometer esta atividade em Rondônia.

O ciclo do extrativismo e do plantio semidomesticado do cacaueiro foi à primeira atividade econômica na Amazônia que perdurou até a época da Independência do Brasil, quando foi suplantado pelos plantios da Bahia. Com a entrada da vassoura-de-bruxa nos cacauais da Bahia em 1989, a produção decresceu do máximo alcançado em 1986, de 460 mil toneladas de amêndoas secas, para o nível mais baixo em 2003 com 170 mil toneladas e o início da recuperação com as técnicas de enxertia de copa para 196 mil toneladas em 2004.

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c) Malva: a sósia da juta

A lavoura de juta foi difundida pelos imigrantes japoneses, após aclimatação efetuada pelo colono japonês Ryota Oyama (1882-1972), em Parintins, em 1934, iniciando a produção comercial em 1937. Com a produção nos Estados do Amazonas e Pará, o Brasil atingiu a auto-suficiência em 1953 e iniciando novamente as importações em 1970. Com a introdução da juta ocorreu à valorização da malva que era uma planta daninha que ocorria em grande intensidade no Nordeste Paraense, que passou a ocupar o lugar da juta nas áreas de várzeas a partir de 1971, passando a dominar a produção. Em 1978 a produção de fibra de malva alcançou o dobro da de juta e, em 1983, o triplo e, em 2010, mais de 93%. As culturas de juta e malva apresentam um alto risco na perda com enchentes do rio Solimões/Amazonas e da dependência de sementes de juta provenientes de Alenquer e de malva do Nordeste Paraense, todas no estado do Pará.

Em 2011 o Brasil importou mais de 21 milhões de dólares de fibra bruta e sacaria de juta da Índia e Bangladesh, totalizando 16 mil toneladas. As importações de sacarias constituem atualmente o maior risco para as indústrias e produtores de fibra de juta ou malva. Para o país atingir a auto-suficiência é necessário a produção de 25 mil a 30 mil toneladas de fibra, envolvendo 10 mil a 15 mil produtores, sendo necessário duplicar a atual produção concentrada no Estado do Amazonas (HOMMA et al., 2011). Há um crescente interesse do uso da fibra de juta e malva para a substituição de embalagens plásticas.

d) Guaraná: uma bebida genuinamente nacional

É interessante frisar que o guaraná, utilizado pelos índios saterê-mawé, de Maués, Amazonas, tenha caído no gosto nacional como refrigerante, numa época em que não havia propaganda como se fazem atualmente. O primeiro guaraná Andrade foi produzido em 1907, seguindo-se do guaraná Antarctica em 1921 e o guaraná Brahma em 1927. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (ABIR) em 2010, o consumo per capita de água de guaraná no país foi de 1,81 litro, sendo a mínima de 0,41 litro no Nordeste, 0,95 litro no Sul, 1,75 litro no Centro-Oeste, 4,03 litros no Sudeste, 0,62 litro no Norte e de 6,63 litros na Grande Rio de Janeiro e 2,22 litros na Grande São Paulo.

Durante a gestão do Presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985) e como Ministro da Agricultura Luís Fernando Cirne Lima (1933) foi assinado a Lei 5.823 de 14/11/1972, conhecida como a Lei dos Sucos que foi regulamentada pelo Decreto-Lei 73.267, de 6/12/1973. Esta Lei estabeleceu no caso do guaraná, quantitativos de 0,2 grama a 2 gramas de guaraná para cada litro de refrigerante e, de 1 grama a 10 gramas de guaraná para cada litro de xarope. Apesar do quantitativo entre o mínimo e o máximo permitido ser de 10 vezes, provocou uma grande demanda pelo produto, fazendo com que a produção semiextrativa do Estado do Amazonas que oscilava entre 200 a 250 toneladas anuais atingisse patamares de até 5.500 toneladas (1999) caindo no triênio 2008/10

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para 3.800 toneladas, no qual a Bahia produziu 89%. Há necessidade de se criar uma identidade para o guaraná regional, deslocando o eixo produtor da Bahia para o seu local de origem.

5.2 A QUESTÃO AMBIENTAL DÁ VISIBILIDADE ÀS FRUTAS NATIVAS DA AMAZÔNIA

A questão ambiental na Amazônia, a despeito do controle externo sobre a região, desencadeado pós-assassinato de Chico Mendes deu visibilidade as frutas amazônicas como açaí, cupuaçu, bacuri, pupunha, taperebá, tucumã, uxi, bacaba, que tinha consumo local e restrito a época da safra. As frutas amazônicas impressionaram pelo cheiro, sabor, cor e formato, textura e, até a audição, afetando os cinco sentidos do corpo humano. Com o crescimento do mercado foram aperfeiçoadas as técnicas de beneficiamento e armazenamento, fazendo com que o consumo seja efetuado durante o ano, além do crescimento do mercado local e a entrada no mercado nacional e internacional. Outras frutas cultivadas no país, tanto exóticas ou de outras partes do país, também, tiveram grande crescimento como abacaxi, laranja, banana, maracujá, acerola, mangostão, rambutã, entre as principais (HOMMA, 2012).

a) Açaí: das amassadeiras às modernas agroindústrias

A polpa de açaí teve um crescimento extraordinário a partir da década de 1990, ganhando dimensão nacional e internacional. Consumido pelas populações ribeirinhas e por parte da população urbana como alimento acompanhado de farinha, camarão salgado e carne seca, despertou a atenção mundial pelo conteúdo de antocianina constituindo como alimento nutracêutico. As exportações de polpa de açaí, com baixa agregação de valor, repete a sina da borracha, necessitando a verticalização nos estados do Pará, Amapá ou Amazonas.

As áreas de ocorrência de açaizeiros no estado do Pará a partir da década de 1970 sofreram grandes derrubadas para extração do palmito, o que levou o presidente Ernesto Geisel (1974-79) a assinar a Lei 6.576/1978, proibindo a sua derrubada, que não obteve êxito. A valorização do fruto a partir da década de 1990 teve efeito positivo sobre a conservação de açaizais. Os açaizeiros, cuja localização, permitia o transporte de frutos por um dia para os locais de beneficiamento deixaram de ser derrubados para a extração de palmito (NOGUEIRA; HOMMA, 1998). Apesar da existência de um milhão de hectares onde se verifica a presença de açaizeiros nativos na foz do rio Amazonas e, no qual mediante manejo poderia aumentar a densidade, a sua transformação em floresta oligárquica escondem riscos ambientais refletindo para a flora e a fauna.

Estima-se em 80 mil hectares de ecossistemas das várzeas que foram transformados em bosques homogêneos de açaizeiros. São áreas sujeitas a inundações diárias com o movimento das marés, construção de canais de escoamento de água, movimentação de

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embarcações, contínua retirada de frutos sem reposição de nutrientes, especulando riscos de estagnação da produção a médio e longo prazos. É necessário que os plantios de açaizeiros sejam dirigidos para as áreas desmatadas de terra firme e para áreas que não deveriam ter sido desmatadas. O plantio em áreas de terra firme seria passível de adubação e da colheita semimecanizada, bastante difícil para as áreas de várzeas e, evitando o penoso trabalho dos trepadores de açaizeiros. O plantio irrigado em áreas de terra firme e o zoneamento climático poderiam ampliar a obtenção de fruto de açaí para diferentes épocas do ano e reduzir os preços para os consumidores locais, que chegou a R$ 24,00/litro em 2008, provocando uma exclusão social de um produto alimentício das classes menos favorecidas. A migração rural-urbana transferiu consumidores rurais para o meio urbano aumentando a pressão sobre este produto. A estimativa é que seja possível expandir os plantios de açaizeiros em áreas de terra firme para mais de 50 mil hectares com mercado assegurado. Em 2004 a Embrapa Amazônia Oriental lançou a cultivar BRS Pará com ampla aceitação no setor produtivo, sobretudo nas áreas de terra firme.

b) Castanha-do-pará: a solução é plantar

No final da década de 1970, a Embrapa Amazônia Oriental dominou a tecnologia de produção de mudas e de enxertia permitindo a implantação de plantios pioneiros de castanheira-do-pará, um de 3.000 ha, com 300 mil pés plantados na década de 1980, na estrada Manaus-Itacoatiara e, outro na região de Marabá, pertencente ao ex-Grupo Bamerindus, que foi destruído pelos posseiros e integrantes do MST. No município de Tomé-Açu existem mais de 21 mil castanheiras plantadas em 548 hectares compondo diferentes sistemas agroflorestais, desde o início da década de 1970. A produtividade das castanheiras plantadas tomando o exemplo do Sr. Tomio Sasahara, que possui 230 castanheiras, dos quais 128 em produção, a mais produtiva chegou a produzir 67 kg de castanha, sendo a média de 45 kg/árvore. Seria possível expandir para 100 mil hectares, para recompor Áreas de Reserva Legal e de Preservação Permanente e com mercado assegurado. Toda a atual produção extrativa espalhada em uma área estimada em mais de um milhão de hectares poderia ser obtida em apenas 20 mil hectares cultivados. O risco decorre do longo tempo, estimado em 27 anos para a maturação do projeto em monocultivo, que poderia ser reduzido com adoção de sistemas agroflorestais.

Atualmente a Bolívia é o maior produtor mundial de castanha-do-pará e onde em Cobija, está localizada a Tahuamanu SA, considerada a indústria de beneficiamento mais moderna do mundo. Uma parte da produção brasileira de castanha-do-pará está sendo exportada ou desviada para a Bolívia. A capacidade da oferta extrativa do Brasil, Bolívia e Peru está estagnada, cuja produção mundial tem sido constante há seis décadas. Há necessidade de ampliar a oferta mediante plantios (HOMMA; MENEZES, 2008). Os estoques de castanheiras no Sudeste Paraense foram substituídos por pastagens, projetos de assentamentos, extração madeireira, mineração, expansão urbana, etc.

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c) Cupuaçu: a fruta nacional

Em 1998, a empresa japonesa Asahi Foods Co. Ltd. efetuou o registro da marca cupuaçu além de patentes de componentes da semente do cupuaçu em 2001 e 2002. Em 2003, a organização não governamental Amazonlink descobriu o registro de cupuaçu no Japão desencadeando um movimento nacional levando a Japan Patent Office a cancelar o seu registro. A ação da Asahi Foods Co. Ltd. envergonha todo o esforço dos imigrantes japoneses que se estabeleceram no país e contribuíram para a agricultura nacional. É interessante frisar que esta empresa continua atuando no país, simplesmente mudou o nome de fantasia. Para evitar repetição desta natureza, em 2005, foi lançado um selo alusivo ao cupuaçu e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 11.675, estabelecendo como fruta nacional.

Enquanto o açaí teve um rápido crescimento do mercado, a polpa de cupuaçu apesar de ter sido lançado no final da década de 1980, o seu consumo foi bastante restrito. Existem 20 mil hectares plantados de cupuaçuzeiros na Amazônia e há necessidade do desenvolvimento de novas alternativas, como a implantação de indústria de bombons e cosméticos. As amêndoas de cupuaçu apresentam possibilidades para as indústrias de fármacos, cosméticos e, principalmente, para a produção de chocolate de cupuaçu (cupulate patenteada pela Embrapa Amazônia Oriental em 1990), para as pessoas que são alérgicas para cafeína e teobromina presentes no cacau. A oferta de amêndoas vai depender do aumento de consumo da polpa de cupuaçu.

Em 2002 a Embrapa Amazônia Oriental procedeu ao lançamento das cultivares Coari, Codajás, Manacapuru e Belém obtidas da coleta efetuada pelo Prof. Rubens Rodrigues Lima e, em 2012, a cultivar BRS Carimbó, com mais tolerância a vassoura-de-bruxa e de alta produtividade. A oferta de cupuaçu nativo está em declínio na região de Marabá, decorrente da baixa densidade na floresta, destruição dos ecossistemas para o plantio de roças, pastagens e da obtenção de frutos mediante cultivo em dois a três anos, o que induziu a expansão dos plantios. O perigo do desmatamento das áreas de ocorrência de cupuaçuzeiros nativos é a destruição de material genético que pode ser importante para programas de melhoramento.

d) Bacuri: a fruta predileta do Barão do Rio Branco

Um fato curioso sobre a fruta é relatado pelo escritor paraense Osvaldo Orico (1900-1981) em seu livro Cozinha amazônica: uma autobiografia do paladar, de 1972: o diplomata José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), o barão do Rio Branco, famoso pela solução dos problemas de fronteira do Brasil com os países vizinhos, nas recepções oficiais do palácio do Itamarati, no Rio de Janeiro como ministro das Relações Exteriores (1902 a 1912) adotou o bacuri como sobremesa nos grandes banquetes (HOMMA et al., 2010).

Com o crescimento do mercado de frutas amazônicas a polpa de bacuri tornou-se

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a mais cara, atingindo R$ 32,00/kg e sem condições de atender nem o mercado local. Isto fez com que a pressão da demanda fosse sentida nas áreas de ocorrência induzindo o manejo desses rebrotamentos e, também o estabelecimento de plantios por agricultores nipo-paraenses.

O bacurizeiro é uma das poucas espécies arbórea de grande porte que apresenta estratégias de reprodução por sementes e por brotações oriundas de raízes. Nos locais de ocorrência natural, que vai desde a ilha de Marajó, seguindo a faixa costeira do Pará e do Maranhão e adentrando no Piauí, a densidade de bacurizeiros em início de regeneração chega a alcançar a expressiva marca de 40 mil indivíduos/hectare. Este aspecto constitui-se em importante alternativa para promover a recuperação de mais de 50 mil hectares de áreas alteradas e para recompor Áreas de Reserva Legal e de Preservação Permanente, mediante seu manejo ou efetuando plantios racionais. O manejo consiste em privilegiar as brotações mais vigorosas que nascem nos roçados abandonados colocando no espaçamento adequado e a primeira produção de frutos ocorre entre cinco e sete anos (HOMMA et al., 2010).

e) Pupunha: de fruto cozido e palmito para alta culinária

Os paraenses têm predileção pela pupunha cozida enquanto os amazonenses pelo tucumã, que inclusive criaram o “X-Caboquinho”, um sanduíche com essa fruta. Atualmente, a pupunha cozida é componente de pratos finos bem como do palmito. Estima-se em 15 mil hectares de pupunheiras no país, dos quais 7.500 hectares em São Paulo e 2.500 hectares na Bahia, destinados para produção de palmito e, 1.500 hectares na Amazônia. Além da sua utilização para a indústria de palmito apresenta possibilidade para a produção de ração para animais e óleo vegetal. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia é a instituição que mais avançou na domesticação dessa planta. É interessante o conhecimento popular para verificar a qualidade da pupunha: uns pressionam com a unha, verificam se têm bicadas de pássaros, a coloração, etc. Decorrente da divulgação efetuada pelo chef-de-cuisine Paulo Martins (1946-2010), do conhecido restaurante Lá em Casa, criado em 1972, a pupunha entrou no circuito da alta culinária nacional e do exterior (HOMMA et al., 2011).

f) Uxi: péssima aparência, só caroço, mas muito apreciado

O uxi apesar da sua aparência de fruto estragado, com pouca polpa, oleoso e farinhento ou seco é bastante consumido pelas populações do interior. Ultimamente a sua atenção tem sido despertada pelo alto conteúdo de fitoesteróis (CARVALHO; MULLER; BENCHIMOL, 2007). O uxizeiro foi bastante derrubado para extração madeireira e para a formação de roçados, cuja produção depende de remanescentes que sobreviveram e que tem um amplo mercado local. Ainda nos primórdios da domesticação tem como desafio a dificuldade para a germinação de suas sementes, do processo de enxertia e da qualidade

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dos seus frutos. A estratégia seria aproveitar as mudas que nascem debaixo dos uxizeiros existentes na floresta, daí a importância da conservação dessas áreas de ocorrência. Os colonos nipo-paraenses de Tomé-Açu estão introduzindo esta planta, o bacurizeiro e o piquiazeiro em sistemas agroflorestais, formando novas combinações com açaizeiros, cacaueiros e cupuaçuzeiros.

5.3 PLANTAS MEDICINAIS, AROMÁTICAS E INSETICIDAS NATURAIS

Questiona-se as mega oportunidades para as plantas medicinais em se apoiar apenas na coleta extrativa, que com certeza ficará restrito ao mercado da angústia (PRADAL, 1979). Muitas dessas utilizações em chás, infusões e garrafadas, das vendedoras da Feira do Ver-o-Peso e de locais similares na Amazônia, fazem parte do conhecimento tradicional e popular, tem importância folclórica e turística, mas com baixo impacto como opção futura. Muitas destas plantas de conhecimento tradicional e popular sofreram evolução ao longo do tempo, para tratamento de doenças totalmente impossíveis de serem identificadas no passado (colesterol, próstata, triglicerídeos, etc.).

Discute-se muito sobre o potencial da biodiversidade amazônica, na crença da obtenção de extratos de plantas, animais ou microorganismos, que seria possível a cura de diversos males contemporâneos (CROSBY, 1993; ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS, 2008). Na outra vertente enquadram-se a obtenção de corantes, inseticidas naturais e essências aromáticas, para substituir produtos sintéticos, entre outros. O desenvolvimento da Amazônia com base em cosméticos, fármacos, aromáticos, a la Natura, atende nichos específicos, sujeita a constantes mudanças. A grande questão é se esses novos produtos vão ser tão populares como o Leite de Rosas desenvolvido pelo seringalista amazonense Francisco Olympio de Oliveira em 1929 e do Leite de Colônia desenvolvido pelo médico, farmacêutico e advogado Arthur Studart, em 1960, no Rio de Janeiro.

a) Pau-rosa: componente do Chanel nº 5

As Perfumarias Phebo Ltda., fundada em 1932, em Belém, Pará, que fabricava o conhecido sabonete Phebo tinha como componente o óleo essencial de pau-rosa. A escassez do produto fez com que seu uso ficasse restrito a perfumaria fina, como o Chanel nº 5, lançado no dia 5 de maio de 1921, pela estilista Gabrielle Chanel, mais conhecida como Coco Chanel, criado pelo perfumista Ernest Beaux (ERENO, 2005). A famosa atriz americana Norma Jean Baker (1926-1962), que ficou conhecida como Marilyn Monroe, afirmava que dormia todas as noites com algumas gotas de Channel nº 5, no qual continha o óleo essencial do pau-rosa (SILVA; LEÃO, 2006).

Os estados do Pará e Amazonas já chegaram a exportar 444 t de óleo essencial de pau-rosa, em 1951, caindo, no triênio 2009/2011 para pouco mais de 8 t e o preço do óleo essencial por volta de US$ 129.00/kg. Para exportar a quantidade máxima já

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deveria ter iniciado plantios há cerca de 20 a 30 anos, permitindo o corte de 30 mil árvores/ano, gerando divisas da ordem de 74 milhões de dólares anuais sem incluir mais de 6 milhões de dólares do similar sintético importado. Uma experiência em Tomé-Açu, em cultivo consorciado com pimenta-do-reino, mostra a possibilidade do seu desenvolvimento utilizando áreas já desmatadas nos Estados do Pará e Amazonas. A sua verticalização na região constitui alternativa na formação de um polo floro-xilo-químico para a produção de óleos essenciais para perfumaria, cosméticos e fármacos na Amazônia.

b) Jaborandi: um medicamento centenário

O interesse pelo jaborandi decorre do conteúdo da pilocarpina que vem sendo utilizado no tratamento de glaucoma desde 1876. O plantio de 500 ha de jaborandi pela antiga Merck, de origem alemã, em Barra do Corda, no estado do Maranhão, levou a auto-suficiência a partir de 2002. Esta empresa foi adquirida pela Quercegen Agroindústria Ltda, de nacionalidade norte americana e luxemburguesa, em abril de 2010. Com isso os extratores dessa planta ficaram dependentes do mercado avulso de cosméticos e de fármacos. O controle da domesticação sem a sua democratização para o segmento de agricultura familiar ou para médios produtores trouxe como consequência à desagregação da economia extrativa de jaborandi.

c) Timbó: um inseticida orgânico

Os indígenas batiam a raiz do timbó nos cursos de água para capturar peixes promovendo a sua intoxicação. O timbó foi muito utilizado como inseticida natural antes do advento dos inseticidas sintéticos, desapareceu e está retornando a sua importância para a agricultura orgânica. Antes da II Guerra Mundial os estados do Amazonas e Pará eram grandes exportadores de raiz de timbó que era utilizado como inseticida. A descoberta da utilização do DDT pelo químico suíço Paul Hermann Müller (1899-1965), em 1939, para controle de insetos transmissores de doenças, fez com que em 1948, recebesse o Prêmio Nobel de Medicina, e reduziu o mercado de inseticidas naturais. O lançamento do livro “A Primavera Silenciosa” de Rachel Louise Carson (1907-1964), em 1962, tornou evidente os riscos do uso indiscriminado de inseticidas sintéticos na agricultura. Com isso começou a crescer a importância do uso de inseticidas orgânicos, sobretudo a partir da década de 1990, aumentando o interesse do uso de plantas inseticidas, como o timbó, neen, fumo, etc. Pode-se estimar um mercado potencial para agricultura orgânica e para a recuperação de áreas degradadas como leguminosa. O timbó é exemplo de uma planta, que foi amplamente cultivada no sudeste asiático, Japão, Porto Rico e Peru. Houve a seleção de variedades efetuada pelos ingleses, americanos, japoneses, peruanos e brasileiros que foram perdidas, necessitando novo recomeço.

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a) Andiroba: óleo e madeira

O óleo de andiroba foi muito utilizado no passado, não somente na medicina popular, mas para iluminação, lustrar móveis, componentes industriais de tintas e vernizes, etc. Já existem diversos plantios de andirobeira combinando com cultivos de cacaueiros, integrando sistemas agroflorestais nos municípios de Tomé-Açu e Acará. Como o período de colheita é coincidente, o aproveitamento tem sido efetuado em favor do cacau, que é mais lucrativo. Há necessidade de desenvolvimento de máquinas para a retirada das cascas após o cozimento que é bastante trabalhosa. Medidas para inibir as fraudes precisam ser aperfeiçoadas. O potencial extrativo é grande, necessitando da organização de comunidades, o beneficiamento, a qualidade e a comercialização. As opções do plantio da andirobeira para produção madeireira e fruto como subproduto nas áreas já desmatadas constituem alternativas que precisam ser consideradas, mesmo que isto seja em detrimento do extrativismo das áreas tradicionais, com o crescimento do mercado.

e) Copaíba: necessidade de padronização

A oferta de óleo de copaíba depende integralmente do extrativismo que precisa ser substituído por plantios, por razões de crescimento de mercado, padronização do óleo, atualmente originárias de meia dúzia de espécies, com cor, densidade e composição diferenciadas. Há necessidade de investir na pesquisa quanto à identificação de espécies mais promissoras, desenvolver técnicas de domesticação e efetuar plantios. Por ser árvore perene, as decisões atuais só terão impacto nas próximas décadas, daí a necessidade de urgência com relação a esses investimentos.

f) Outras plantas da biodiversidade amazônica

A lista seria extensa, que pelas limitações de espaço, mencionaria outras plantas, tais como: urucum, jambu, camú-camú, patauá, baunilha, priprioca, breu-branco, patchuli, cubiu, buriti, taperebá, tucumã, bromélias e orquídeas, muitas delas com plantios comerciais e exportados.

5.4 PISCICULTURA: LANÇAR UMA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

É interessante mencionar que na Amazônia, a despeito da grande disponibilidade de água, o pescado não constitui um alimento barato sobretudo para as populações urbanas. Para os consumidores de baixa renda, a carne bovina representa a fonte de proteína mais econômica ao se comparar o rendimento de peso similar de frango ou de peixe.

A partir da década de 1960 o país iniciou uma grande expansão da avicultura e a

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produção de carne de frango suplantou a da carne bovina em 2003 a 2006 e a partir de 2009 com menor impacto ambiental. O Brasil tornou-se o maior exportador de frangos e de carne bovina destinando 30% e 20%, respectivamente, da produção nacional. O mesmo não ocorre com a pesca, onde 73% da produção nacional é de origem extrativa e 27% proveniente de criatórios. Em nível mundial essa proporção é 50% entre extrativa e aquicultura. Deve-se ressaltar que no país a produção de pescado não atinge 10% do que é produzido de carne bovina ou de frango. Com certeza o desmatamento da Amazônia teria sido maior se a produção de frango não tivesse alcançado os atuais patamares tecnológicos.

A disponibilidade de água na Amazônia, sem paralelo no mundo, permitiria promover uma revolução na produção de pescado similar ao que ocorreu com o frango no país. Enquanto a pecuária de corte leva 2 a 3 anos para se conseguir 300 a 500 kg de boi vivo/hectare, nessa mesma área pode-se atingir até 50 t de peixe/hectare/ano, em caráter experimental. Há necessidade de se efetuar uma Revolução na Aquicultura Brasileira, viabilizando criatórios de peixes amazônicos como tambaqui, pirarucu, tucunaré e a criação da tartaruga-da-amazônia, tracajá, muçuã, etc. Os maiores avanços na piscicultura na Amazônia estão ocorrendo em Mato Grosso, Amazonas, Rondônia, Tocantins e, mais recente, no Acre, com vistas a sua exportação via Peru.

5.5 REFLORESTAMENTO: REVERTER À CURVA DA COBERTURA FLORESTAL

Na Amazônia encontra-se somente 6% da área reflorestada do país, com 330 mil hectares. Segundo a National Academy of Sciences (USA) o mundo consome atualmente 67% de madeira proveniente de florestas nativas que tende a decrescer para 50% (2025) e 25% (2050). Dessa forma, algumas políticas recentes no país (Lei 11.284/2006) podem estar na contramão da história, ao propor concessões florestais, quando vários países desenvolvidos e em desenvolvimento estão efetuando reflorestamento em grande escala (KAUPPI et al., 2006). É possível decuplicar a atual área reflorestada e substituir o modelo de extração de florestas nativas, garantindo a demanda do país para celulose (37,5%), lenha e carvão (35,4%), serrados (15,8%), painéis (7,8%) e compensados (3,5%) e promover a verticalização do setor, com a implantação da indústria moveleira.

Quanto aos plantios silviculturais na Amazônia estas ficaram em segundo plano, destacando-se a experiência pioneira do Projeto Jari, do milionário americano Daniel K. Ludwig (1897-1992), iniciado em 1967, com o mega-plantio de gmelina, pinus e, mais tarde, substituído para eucalipto. Dos 6,5 milhões de hectares reflorestados no país até 2010, decorrente dos plantios do Projeto Jari e outros em curso, o estado do Pará detinha 149 mil hectares e o do Amapá com 49 mil hectares, representando 3,1% do total nacional. Quantidade ínfima, se comparar com ao do Espírito Santo, que detinha mais de 207 mil hectares, com superfície 27 vezes menor do que o estado do Pará. A expansão do paricá, em plantios comerciais atingiu mais de 60 mil hectares, tendo como foco irradiador o município de Dom Eliseu, Pará, a partir do final da década de 1990 e a criação do Centro

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de Pesquisas do Paricá, em 2003 (MARQUES et al., 2006). Deve-se destacar o interesse pelo plantio do mogno africano, sobretudo em Minas Gerais, que já atinge um milhão de árvores e 400 produtores no país, quase todas originadas de matrizes introduzidas pela Embrapa Amazônia Oriental na década de 1970. Este mesmo raciocínio seria válido para o mogno, onde já devia estar com 40 mil hectares plantados, permitindo o corte anual de um mil hectares (BROWDER et al., 1996). A exportação de ferro gusa de mais de 2 milhões de toneladas (2011) no Pólo Carajás, com quase um bilhão de dólares indica de que é necessário o corte anual de 120 mil hectares de eucaliptos e de outras espécies madeireiras de rápido crescimento para a produção de carvão vegetal. Há necessidade de induzir o reflorestamento para reduzir a dependência da madeira de florestas nativas da Amazônia cujo consumo em 2009 foi: Nordeste (12% excluindo Maranhão), Sudeste (31%, somente São Paulo consumiu 17%), Sul (15%), Centro-Oeste (4% excluindo Mato Grosso), Amazônia Legal (17%) e, para o exterior (21%) (SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO; INSTITUTO, 2010).

6 CONCLUSÕES

Em 1980, quando o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) divulgou a primeira estimativa da área desmatada na Amazônia Legal, com base nas imagens do satélite Landsat–MSS, referente a 1975, era pouco mais de 15 milhões de hectares, atingiu mais de 41 milhões de hectares em 1990 e mais de 74 milhões de hectares em 2011. Isso corresponde a quase três vezes o Estado de São Paulo ou quase a metade do Estado do Amazonas. A floresta original é a Primeira Natureza. As áreas derrubadas, a Segunda. O grande desafio de uma política pública para a Amazônia seria a de transformar parcialmente essa Segunda Natureza com atividades produtivas adequadas, recuperar áreas que não deveriam ter sido desmatadas e deixar outras áreas para recuperação natural, transformando-se em uma Terceira Natureza. São as áreas que, depois de serem alteradas, sofrem outra intervenção humana, ou para recuperação ou para um aproveitamento específico, como a agricultura. Em resumo: enquanto a maioria pensa em salvar o que resta da floresta, o importante seria recuperar o que já se devastou reduzindo os custos dessa recuperação e criar uma economia que torne desinteressante o avanço sobre a floresta. Há necessidade de promover, portanto, uma grande revolução tecnológica na Amazônia, visando atingir este objetivo (HOMMA, 2011).

A redução dos desmatamentos e queimadas, a geração de renda e emprego vai depender da adoção de uma efetiva política agrícola para resolver os problemas ambientais. A conotação essencialmente ambientalista das políticas públicas na Amazônia sem a criação de efetivas condições para resolver os problemas do cotidiano tornam inócuas as propostas para se reduzir os impactos ambientais na região (HOMMA, 2010).

Não se deve esquecer que os problemas da Amazônia não são independentes, onde cada Unidade Federativa apresenta uma história econômica, social, ambiental e política peculiares que não pode ser generalizado para toda a região. Muitos deles dependem de

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soluções externas à região, como o combate à pobreza do Nordeste que concentra 47,81% (2010) da população rural do país, de onde saem milhares de migrantes em busca de alternativa de sobrevivência e de esperanças.

É importante promover a integração da agricultura e pecuária na Amazônia, reduzindo às atuais áreas de pastagens pela metade (25 milhões de hectares) e mantendo o mesmo rebanho (77 milhões de cabeças) via aumento da produtividade, decuplicar a atual área reflorestada (3 milhões de hectares), dobrar as áreas com cultivos perenes (1.300 mil hectares) e manter as atuais áreas com cultivos anuais (13 milhões de hectares).

No caso da Amazônia, muitas propostas ditas sustentáveis que estão sendo colocadas, não passam de um subdesenvolvimento sustentado ou uma sustentabilidade exógena em vez de vir endogenamente ao sistema, funcionando com se fossem sistemas fechados e que a sustentabilidade está vindo de fora. Estes sistemas dependem de produtos provenientes de áreas desmatadas, de insumos energéticos, etc. criando um desenvolvimento egoísta, como os Estados do Amazonas e Amapá, apresentam baixo nível de desmatamento. Há necessidade de não confundir políticas públicas com políticas de governo.

A ênfase no extrativismo vegetal e na biodiversidade que está para ser descoberta está ofuscando as ações que precisam ser desencadeadas para implantar plantios de pau-rosa, cacaueiros, bacurizeiro, castanheiras, seringueira, reflorestamento para produção de madeiras nobres, compensados e para carvão vegetal, além de outros cultivos. A exaltação da biodiversidade da Amazônia está desperdiçando as potencialidades da biodiversidade do presente, tais como do cacaueiro, cupuaçuzeiro, açaizeiro, pastagens, dendezeiro, cafeeiro, laranjeira, entre dezenas de outras plantas e criações, cuja intensificação é importante para melhoria de vida da população regional. A exploração da biodiversidade futura exige metas concretas de identificação e domesticação, tais como de cinco novos recursos a cada quinquênio e, assim por diante.

A domesticação traz riscos de pragas e doenças que devem ser minimizadas com esforços de pesquisa agrícola concreta, em vez da falácia da inaptidão dos trópicos para os cultivos agrícolas. A domesticação pode levar a concentração da produção, mas os benefícios sociais e econômicos para os produtores e consumidores, superam a da forma extrativa. A domesticação seria importante para a conservação e a preservação dos recursos genéticos e dos ecossistemas, decorrente do crescimento do mercado. A falta de atenção com relação a essas plantas potenciais aumenta o risco de patenteamento e o seu plantio em outras partes do País e do mundo.

Está ocorrendo uma forte inserção da economia amazônica no contexto mundial, apesar disso a ênfase dos movimentos ambientalistas em dar um sentido global para produtos extrativos, podem apresentar restrições com a democratização do consumo e da estagnação da oferta extrativa.

Alguns produtos são mais fáceis de serem domesticados. Aqueles produtos que apresentam alta elasticidade de demanda ou quando todo o excedente do produtor é captado pelos produtores apresentam grandes chances de sua domesticação imediata. Nem

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todos os produtos vão ser domesticados, aqueles que apresentam em grandes estoques na natureza, baixa importância econômica, existência de substitutos, dificuldades técnicas para o plantio e criação, longo tempo para a obtenção do produto econômico, terão maiores dificuldades para que se transformem em plantas ou animais domesticados. A insistência na manutenção do extrativismo conduz a perda do excedente econômico, tanto para os produtores e consumidores. Para a manutenção do extrativismo é importante que não sejam desenvolvidas tecnologias de domesticação, evitar criar alternativas econômicas e manter baixo o custo de oportunidade da terra e da mão-de-obra. A defesa cega ao extrativismo, oculta, portanto, prejuízos para toda a sociedade amazônica e nacional.

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MINERAÇÃO NA AMAZÔNIA: MALDIÇÃO OU DÁDIVA?

Maria Amélia Enríquez

1 INTRODUÇÃO

É amplamente reconhecido o papel de destaque da mineração no processo de ocupação territorial e na formação histórica do Brasil. Essa importância é ainda mais expressiva no período recente, uma vez que a “fronteira mineral” é uma das mais importantes forças responsáveis pelo avanço da ocupação do território Amazônico, conforme demonstra o dinamismo de vilas, cidades e microrregiões no interior dos estados Amazônicos, com amplo destaque para o Pará, segundo maior estado minerador do Brasil. Todavia, persistem sérios questionamentos sobre a contribuição (ou não) da atividade mineradora para o desenvolvimento socioeconômico regional.

Isso não é por acaso, já que a região, apesar de já ter transcorrido exatamente neste ano de 2012 um século da derrocada do ciclo da borracha, até hoje sente os traumas dos dissabores de uma economia meramente extrativa, voltada para a demanda externa, sem a contrapartida da garantia de ganhos reais e de diversificação produtiva regional. Isso também ocorreu com as famosas “drogas do sertão” e tem se repetido com a extração da medeira e de outros produtos naturais, inclusive, com o uso intensivo da terra para pastagens. Assim, a fase de apogeu da mineração desperta questionamentos até mais graves que os do “ciclo da borracha”, pois distintamente deste se trata de recurso natural não renovável que mais cedo ou mais tarde se esgotará. Portanto, passado o apogeu do ciclo extrativista, resta saber quais benefícios se perpetuarão para a sociedade?

A partir da primeira década do século XXI, a mineração vem gozando de um período muito favorável nos preços internacionais e os diversos cenários, a despeito da crise econômica global que persiste e se agrava desde 2008, apontam que o setor vivenciará por um bom tempo ainda esta fase de preços atrativos, devido à dinâmica do crescimento da população mundial e à inclusão de milhões de novos consumidores no mercado a demandar bens e serviços que usam os minérios como matéria-prima e insumos, o que é potencializado por programas para melhor distribuição de renda, com destaque para os países emergentes que compõem a sigla BRICS.

Assim, ao se confrontar a dotação mineral da região Amazônica, de um lado, e as tendências futuras do mercado, de outro, percebe-se que o questionamento sobre a relação da mineração com o processo de desenvolvimento persistirá por um bom tempo, mas, as possíveis respostas, não são tão óbvias e diretas.

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Dessa forma, a principal motivação deste estudo é a tentativa de elucidar alguns aspectos desses questionamentos a fim de propor diretrizes para o processo de desenvolvimento regional, a partir de sua base mineira. O artigo está estruturado em três partes, além desta introdução e das considerações finais. A segunda parte trata do marco de referência teórico-conceitual de onde surge a indagação central do texto: afinal, a mineração é maldição ou dádiva para os territórios hospedeiros? A terceira parte destaca as principais características e desafios da mineração da Amazônia, com ênfase para o Estado do Pará, que é o grande produtor de bens minerais (exceto petróleo e gás natural) da região, e finalmente, a quarta parte, apresenta uma proposta de diretriz de políticas que visa ampliar e potencializar os benefícios que a atividade mineral gera.

2 O MARCO DE REFERÊNCIA TEÓRICO-CONCEITUAL – MALDIÇÃO OU DÁDIVA

O marco de referência teórico-conceitual sobre o qual está assentada a principal questão deste artigo - a mineração é maldição ou dádiva? - faz parte de uma vasta área de pesquisas voltada ao estudo das “economias baseadas em recursos” (resource-based economies). Uma ampla discussão das principais referências das correntes mais expressivas pode se encontrada em Enríquez (2008).

De uma forma sintética, podem-se distinguir duas percepções radicalmente opostas: 1) De um lado, a partir de uma vasta gama de argumentos, destacam-se as teses que asseguram que a mineração proporciona muito mais danos que benefícios ao desenvolvimento das economias hospedeiras de empreendimentos mineradores. Nessa linha, aliam-se “a tese da maldição dos recursos” (resource curse thesis), as “teorias do enclave” e a denominada “doença holandesa” (Dutch disease1); 2) De outro lado, destacam-se os estudos das agências multilaterais, com destaque para o Banco Mundial que, em grande parte, se baseiam nas tese liberais das teorias vantagens comparativas e correntes que partem de evidências históricas de países que avançaram em seu processo de desenvolvimento, a partir de uma base econômica assentada em recursos naturais, com destaque para a “teoria do produto

primário de exportação” (staple theory). De acordo com a tese do staple, o modelo de desenvolvimento é essencialmente orientado pelo produto de exportação (commodity) que cria uma demanda derivada por meio de conexões produtivas. A transformação bem sucedida de uma commodity por outra está associada à dinâmica dos mercados ou a mudança de tecnologia. Assim, por exemplo, o cobre pode ser substituído por fios de cobre, que são depois substituídas pelas exportações de níquel e assim por diante, de forma que a diversificação da produção vai ocorrendo na medida em que o país deixa de ser produtor de commodities. O desenvolvimento da província de Ontário (Canadá), por exemplo,

1 Denominação que tipi� cou a relação perversa entre o apogeu da atividade minerária (produção de gás natural), a valori-zação do câmbio e a perda de competitividade da indústria holandesa. Nesse caso, o câmbio valorizado tornou as impor-tações mais atrativas em detrimento da competitividade da indústria local. Assim, a pujança da mineração e os ganhos da exportação acabam se convertendo em perdas para outros setores e di� cultando o desenvolvimento de outras atividades.

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iniciou com as exportações de trigo e progrediu para o desenvolvimento industrial com a industrialização de implementos agrícolas e bens de consumo para os produtores de trigo (INNIS, 1956). Importante ressaltar que continuar a produzir commodities que não geram um rendimento adequado é a principal armadilha do staple.

Há também posições intermediárias e, mais recentemente, um grande esforço no sentido de associar a mineração às estratégicas de sustentabilidade, mas que ainda não chegam a formar um corpo teórico consolidado. O Quadro 1 é uma simplificação das variáveis mais significativas e seus argumentos que dão suporte ao debate sobre a relação favorável ou negativa da mineração com o desenvolvimento.

Quadro 1 – Principais variáveis que delimitam a fronteira positiva ou negativa de mineração com o desenvolvimento

Principaisvariáveis

Relação da mineração com o desenvolvimento

Negativa Positiva

Câmbio Valorização excessiva, o que é ruim para as exportações e para a competitividade de setores não mineradores.

A valorização pode ser neutralizada, por meio da aplicação das divisas em fundos soberanos.

Renda econômica Difícil de capturar. Gera problemas de intermediação financeira. Grande parte é apropriada pelas multinacionais.

Sua captura é a principal missão das economias baseadas em recursos.

Uso de rendas

Risco rent seeking. Falta competência e qualificação ao setor público para bem utilizara as rendas. Desperdiçada no boom mineral. Favorecem o esbanjamento e causam déficit na fase de queda dos preços.

Há exemplos de regiões que usaram tais rendas de forma inteligente a fim de mobilizar as forças produtivas da sociedade (Noruega, Canadá, Austrália, EUA, Chile, Botswana etc.). Mas para isso, os governos precisam saber como evitar as armadilhas associadas à dependência mineral.

Distribuiçãode renda

Concentrada. Apenas para segmentos privilegiados.Cabe ao governo a redistribuição da renda, por intermédio da promoção de setores estratégicos.

Receita pública Instável por conta da alta volatilidade dos preços.Instável sim, mas isso pode ser neutralizado com a criação dos fundos.

Dinâmica com outros setores da economia

Simbiose negativa. Enclave econômico.Simbiose positiva. Serve de alavanca para dinamizar regiões remotas e outros setores produtivos, por intermédio das demandas que gera.

Criação deinfraestrutura

A infraestrutura serve apenas aos interesses específicos do setor e tem natureza efêmera, pois é difícil convertê-la a outros usos.

É o ponto forte da mineração. Os investimentos necessários à viabilidade dos projetos (eletrificação, portos, estradas etc.) geram benefícios permanentes à economia regional.

Indução de outras atividades produtivas

Limitada, devido aos fracos efeitos de encadeamento e, mesmo quando ocorre, está sujeito ao ciclo de apogeu e colapso da mineração.

As atividades laterais dinamizam a economia e geram ondas de inovação na oferta de bens e serviços.

Possibilidade de gerar empregos

Mercado monopsônico. Mão de obra especializada gera rigidez para adaptação em outros setores, nas fases de colapso do setor.

Impulsiona a melhoria da qualificação da mão-de-obra o que favorece a empregabilidade.

Nível dos salários Elevados no setor mineral, mas sua participação é pequena em termos de valor adicionado.

O nível elevado dos salários beneficia a economia regional, por intermédio do aumento do poder de compra.

Geração deimpostos

Seu nível depende da força do governo. As economias de base minerais forjam governos fracos.

É um dos principais benefícios, mas é preciso adquirir competência para arrecadar e bem gerenciar.

Benefíciosem geral

Tendem a diminuir por causa da tecnologia que cada vez mais eleva a escala de produção e reduz a vida útil das minas.

O bom gerenciamento deixa benefícios permanentes em infraestrutura e formação de capital humano.

Fonte: Elaborado a partir do Capítulo 2 de ENRÍQUEZ (2008)

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Como é possível perceber por essa amostragem, tanto um lado quanto o outro, tem justificativas bem robustas. Importante chamar atenção de que grande parte das variáveis que pode converter a mineração em dádiva ou maldição está associada às politicas macroeconômicas nacionais (taxa de câmbio, desenho da política tributária, políticas de rendas, política industrial, política salarial etc.) e, a depender do nível de centralização da política mineral (se definida pelo governo central ou descentralizada por estados e províncias), as economias subnacionais, como o caso dos Estados da Região Amazônica, tem pequena autonomia para influenciar nesse processo, já que a política mineraria é definida pelo Governo Federal, conforme determina a Constituição Federal (art. 20).

Da vasta gama de fatores que pode levar uma economia baseada em recursos ao sucesso ou a um rotundo fracasso, conforme Quadro 1, há dois fatores críticos que são reiteradamente mencionados pelas diversas correntes de pensamento (Enríquez, 2008): 1) captura e bom uso da renda mineral e 2) geração de dinamismo em outros setores produtivos. Da interação desses dois fatores é possível identificar quatro tipologias para as economias baseadas em recursos minerais, conforme ilustra a Figura 1.

Figura 1 – Tipologias de economias baseadas em recursos, a partir da captura e uso das rendas e da dinamização de outros setores

Fonte: Elaborada a partir do Quadro 1

De uma forma genérica pode-se identificar quatro tipologias, caracterizadas como:a) Rota progressiva para o subdesenvolvimento (quadrante I) – sem acesso às

rendas mineiras, consideradas os principais benefícios de uma economia baseada em recursos, e desprovido de estratégias para diversificação e de dinamização econômica de outros setores produtivos, o futuro (e provavelmente o próprio presente) dessa sociedade será eminentemente insustentável. Já que o recurso mineral se esgota e, junto com ele, também se esvai toda a base produtiva de apoio à economia mineral. Dentre os exemplos mais conhecidos destaca-se o

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caso de Zâmbia (mineração de cobre) e de Papua Nova Guiné.b) Armadilha rent seeking (quadrante II) – a existência de fartos recursos

financeiros provenientes das rendas minerais estimula o aparecimento de uma elite que se especializa na busca de rendas; isso aliado à falta de uma estratégia para o uso racional dessas rendas direciona o foco da política apenas à assegurar a manutenção dessas benefícios a qualquer custo. Países produtores de petróleo são exemplos mais próximos.

c) Lacunas estruturais para agregar valor (quadrante IV) – sem acesso à principal fonte de formação de capital regional de economias mineiras, as tentativas para diversificar e dinamizar a economia são limitadas pelas lacunas pré-existentes e que não foram preenchidas por falta de capacidade financeira do Estado para realizar os gastos públicos necessários à formação do capital social e da infraestrutura. Pode-se exemplificar com região de países mineradores que não tem acesso a renda mineral.

d) Mobilização das forças produtivas em prol do desenvolvimento (quadrante III) – política inteligente para captura e uso das rendas, aliado à estratégia eficaz para agregação de valor e diversificação econômica, são as duas condições indispensáveis para que a mineração possa mobilizar as forças sociais e econômicas em prol do desenvolvimento. Além disso, é preciso que o setor produtivo assuma um forte compromisso com as gerações atuais, no sentido minimizar os danos ao meio ambiente e garantir ao máximo a integridade ecossistêmica no pós-fechamento. A Austrália tem dado bons exemplos nesse sentido.

Gunton e Richards (1987), em estudo clássico sobre a economia de recursos naturais do Canadá (madeira, minérios, pesca e energia proveniente de hidrelétricas), ressaltam que por razões de eficiência e de equidade, os governos de economias baseadas em recursos devem dar prioridade à cobrança de rendas. A cobrança eficiente dessas rendas atreladas a uma gestão eficaz de recursos são tarefas exigentes repletas de decisões tomadas muitas vezes sob incerteza e permeadas por dura barganha política, porém abandonar essas tarefas assegura um futuro menos desejável para todas as partes interessadas, afirmam os autores.

3 CARACTERÍSTICAS E DESAFIOS DA MINERAÇÃO DA AMAZÔNIA

O desenvolvimento da mineração na Amazônia, respeitadas as especificidades de cada estado, se caracteriza por:

1 Histórico comum de convívio com atividade garimpeira;2 Predomínio de enormes “vazios cartográficos” em meio a grande riqueza mineral; 3 Destaque do Pará enquanto maior produtor e exportador de bens minerais da

região;3.1 Empreendimentos mineradores intensivos em capital com a produção especialmente voltada para o mercado exterior;

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4 Falta de vínculos entre a mineração e os indicadores regionais de desenvolvi-mento;

5 Ausência de uma clara diretriz sobre as perspectivas futuras de região a partir de seu potencial mineral.

Veremos cada um destes aspectos:

3.1 HISTÓRICO COMUM DE CONVÍVIO COM ATIVIDADE GARIMPEIRA

A atividade garimpeira está presente em praticamente todos os estados amazônico, embora nem sempre haja registros oficiais. Ouro, diamante, cassiterita, wolframita, gemas e pedras preciosas tem sido objeto de intensa atividade garimpeira na Amazônia. Mas o que predomina, de fato, são os garimpos de ouro. Mathis (1997) destaca que é a possibilidade de apropriação da renda diferencial gerada nas áreas de produtividade natural que anima a persistência do garimpo.

O ritmo e a intensidade do garimpo, além da existência de ouro aluvionar2, variam de acordo com a cotação da onça troy e com a taxa de câmbio. Nos anos 1980, esses fatores possibilitaram o boom da atividade garimpeira na Amazônia, com a eclosão de Serra Pelada3 e o auge da produção na região do Tapajós4. Nos anos 1990, a estabilização monetária e a consequente valorização do real, aliada ao gradual processo de esgotamento dos aluviões, provocaram uma forte retração da atividade garimpeira. No final de 1990 e início dos anos 2000, a desvalorização da moeda e a subida na cotação do ouro, concomitante ao baixo custo de oportunidade da mão de obra não qualificada local, deram novo fôlego ao garimpo. Isso foi bastante reforçado no final da primeira e neste início da segunda década dos 2000, em função da crise econômica que atingiu praticamente todas as economias e que contribuiu para que a cotação da onça troy5 tivesse um aumento de 550%, passando de US$ 255, em fevereiro de 2000, para US$ 1.650, em agosto de 2012.

Meirelles Filho (2006, p. 220) afirma que “inexiste garimpo que respeite as leis trabalhistas e a de crimes ambientais”. Berbert e Araújo Neto (1996, p. 239) destacam que “a garimpagem no Brasil é feita de maneira muitas vezes irregular e ilegal, tornando-se um problema político, econômico, social e ecológico incontrolável, e ameaça às fronteiras e às boas relações com os países vizinhos”. Esses autores sistematizaram as principais

2 É aquele que ocorre em ambientes formados por sedimentos (areia, cascalho ou laterita) depositados por um sistema � uvial no leito ou nas margens das drenagens.

3 No início dos anos1980 estima-se que este garimpo atraiu cerca de 116 mil homens. Nos seus 12 anos de vigência entre 300 e 500 homens foram mortos. Meirelles Filho (2006, p. 219) estima a produção total de ouro (inclusive o contraban-do) deve ter alcançado 56, 7 toneladas.

4 De acordo com a Associação dos Mineradores de Tapajós (AMOT), na década de 1980, apenas a região do Tapajós chegou a produzir 10 toneladas de ouro por mês. Estudos recentes da Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração do Pará - SEICOM (2012) estimam a existência de 2000 garimpos ativos no Tapajós e uma produção, no mínimo, uma tonelada por mês.

5 Equivalente a 31,103478 gramas.

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questões dos garimpos a partir de distintas perspectivas.

• Institucional � apesar do avanço da legislação sobre o tema (Constituição de 1988, alteração do Código de Mineração com a criação do regime de lavra garimpeira, e Portaria do DNPM, de 1991) a ausência de uma definição precisa do que é o garimpo limita a existência de clara institucionalidade sobre o setor;

• Político � o garimpo gera uma imagem distorcida da mineração e induz a uma visão preconceituosa por parte da sociedade, que não consegue distinguir entre a lavra organizada e o garimpo;

• Tecnológico � na melhor das hipóteses o garimpo consegue aproveitar 50% do depósito, o restante é abandonado nos barrancos por falta de técnicas adequadas;

• Social � é fato que o garimpo funciona à margem das normas trabalhistas e de saúde e segurança ocupacionais, além de atrair para o seu entorno atividades que também degradam o tecido social;

• Ecológico � é flagrante os danos ao meio ambiente, tanto físicos quanto químicos. Do ponto de vista físico, os desmatamentos ao longo das drenagens, os desmontes das margens, os desvios dos cursos d’água e o acúmulo de material nas redondezas provocam assoreamento dos rios e consequente morte da biodiversidade. Todavia, são os feitos químicos que provocam os maiores perigos por sua duração e alcance da cadeia antrópica. Além das graxas, detergentes e combustíveis que são lançados nos solos e nas drenagens, além do mercúrio utilizado na recuperação de ouro. (BERBERT; ARAÚJO NETO, 1996, p. 237).

Apenas na década de 1980, estima-se que os garimpos do leito do Tapajós despejaram 600 toneladas de mercúrio nas águas dos rios. No período recente, há denuncias de que as empresas têm utilizado cianeto (substância altamente tóxica e mortal) para retirar as impurezas ouro (BRASIL. Ministério da Integração Regional, 2006). A Quadro 2 sintetiza apenas estimativas de alguns números da atividade garimpeira na, já que não há informações oficiais e confiáveis sobre esta atividade.

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Quadro 2 – Garimpos da Amazônia Legal: estimativa de pessoas envolvidas e de produção

Estado Substância LocalidadeProduçãoestimada

Estimativa depessoas

Acre nd

Amapá ouroTartarugalzinho (garimpo do Lourenço); Calçoene

Amazonas ouroGarimpo do Juma (Rio Juma - px a Novo Aripuanã e Apuí)

4.000

Maranhão

MatoGrosso

ouroRio Teles Pires (Peixoto de Azevedo)Poconé, Alta Floresta

Paráouro,

gemas,

Rio Tapajós (primeira descoberta de ouro, em Itaituba, 1958), São Félix do Xingu, BR-316 - Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso, Trairão, Altamira.Nordeste paraense: Gurupi, Senador José Porfírio, Cachoeira do Piriá, Itupiranga, Jacundá, Porto de Moz, Portel

Anos 1980 – 13 t/ano de ouro (Tapajós)1986-89 = 46 t/ano**

Anos 2000 – 300 kg/mês (AMOT)

2012 – uma tonelada/mês

60.000 (Tapajós)

Anos 1983/84 = 100 mil pessoas,. Anos 2000 – 400 garimpos **Anos 1990 - 30 mil pessoas em 245 garimpos*2012 – 2000 garimpos; 40 mil pessoas

Rondônia

Ouro,estanho,

columbita (nióbio)

Rio Madeira. Cachoeirinha (Itapuã do Oeste)

RoraimaOuro,

diamante.Reserva dos índios Yanomami

Anos 1987/1990 = 50t **

Anos 1987/1990 = 40 mil pessoas; 80 garimpos **

Tocantins nd

Fonte: Elaborado a parir de informações contidas em Berbert e Araújo Neto (1996); Mathis et al. (1997)Notas: * Bezerra et al. (1996); **Meirelles Filho (2006, p. 218)

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

As dificuldades para a permanência dos garimpos estão associadas, principalmente, a dificuldades de acesso às áreas aptas à extração com algum lucro. Em função disso, um movimento recente que está ocorrendo, principalmente, no estado do Pará é a reconversão de remanescentes garimpos de ouro em atividade formal. No caso do ex-garimpo de Serra Pelada, a partir dos acordos para sua reativação, a Cooperativa Mista de Garimpeiros de Serra Pelada (COOMIGASP) estima que mais de 40 mil garimpeiros devem receber os lucros da extração do ouro. O mesmo está ocorrendo na região do Tapajós em que há 12 empresas de mineração atuando em áreas remanescentes de garimpo.

3.2 PREDOMÍNIO DE “VAZIOS CARTOGRÁFICOS” EM MEIO A GRANDE RIQUEZA MINERAL

O mapa extraído do Plano Nacional de Mineração (BRASIL. Ministério de Minas e Energia, 2011) revela que um dos maiores problemas relativos ao conhecimento geológico no país está relacionado à Região Amazônica que apresenta um dos maiores vazios de cartografia geológica do País, comparativamente ao restante do território nacional (Figura 2).

Figura 2 – Cartogra� a Geológica do Brasil

Fonte: BRASIL. Ministério de Minas e Energia, 2011.

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

Na Amazônia Legal apenas 50% do território está mapeado na escala 1/250.000, que é o que permite conhecer os grandes ambientes geológicos, mas para acessar áreas propícias à formação de jazidas há necessidade de pesquisas adicionais. Áreas com cartografia geológica em escala 1:100.000, que permite conhecer condições geológicas favoráveis a descobertas de jazidas são escassas ou praticamente inexistentes, de sua área total somente 1% está mapeado nessa escala.

Não obstante a esses “vazios cartográficos”, a Amazônia detém importantes reservas de expressão internacional, com destaque para: tantalita (Amazonas e Rondônia), caulim (Pará e Amapá), estanho (Amazonas, Rondônia e Pará), bauxita metalúrgica (Pará) nióbio (Amazonas) e cobre (Pará), com reservas crescentes. Várias reservas minerais, embora de pouca expressão internacional, têm peso elevado no cenário nacional. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) registra em torno de 40 substâncias devidamente quantificadas na Amazônia (DNPM, 2012). Respondendo por mais de 20% das reservas brasileiras destacam-se 15 (Figura 3).

Figura 3 – Amazônia Legal (AML) - Reservas de minerais de expressão nacional

Fonte: Elaborado a partir do Anuário Mineral Brasileiro 2010 (BRASIL. Departamento Nacional de Produção Mineral, 2010).

O Pará se destaca em cobre, bauxita metalúrgica, níquel, caulim, manganês, bauxita refratária, ouro, gipsita e ferro, entre outras. No Amazonas há reservas de fluorita, zircônio, estanho, tungstênio e gás natural, além do petróleo. No Amapá as reservas são de caulim, ouro e cromo. Em Rondônia há estanho. Nos estados do Acre e Roraima ainda não há reservas comprovadas. O Mato Grosso tem chumbo, cobre, estanho, ouro, prata, além de calcário e pedras preciosas. O Maranhão apresenta reservas de ouro, gipsita, calcário e granito e o Tocantins de estanho, ouro, calcário, gipsita, mica e potássio. Nos

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

demais estados há reservas identificadas, porém com expressão aquém de 5% das reservas nacionais.

Boa parte dos recursos minerais identificados na Amazônia ainda não é economicamente aproveitável, pois ainda requer estudos adicionais para conhecer custos, requisitos tecnológicos para extração, além de condições de viabilidade socioambiental. Esse é o caso do chumbo, do zircônio e de grande quantidade de ocorrências de minerais não-metálicos. A efetiva produção mineral da Amazônia está concentrada em poucos estados e em poucas substâncias (Quadro 3).

Quadro 3 – Substâncias minerais extraídas da Amazônia, por empresas formais (2009)

Estados/Classes de substâncias

VPM*R$ milhão

Mão de obraempregada Metálicos

Não-metálicos

empregado terceirizado** C. Civil industriais energeticos Gemas

Acre 17 126 12 - Areiaágua mineral , rocha britada

(cascalho)- -

Amazonas 332 1.111 202estanho, ferro e nióbio

areia, argila, gipsita,

saibro e rocha britada

água mineral,gipsita e calcário

petróleoe gás

natural-

Amapá 575 1.023 410cromo, ferro, manganês,

ouro

areia, argilas, cascalho e

rocha britada rocha ornat

bauxita refratária,

água mineral, caulim

- -

Maranhão 205 1.258 146 -

areia, argilas, cascalho e rochas britadas

caulim, dolomito,gipsita e calcário

- -

Mato Grosso

620 2.759 840 ferro, ouro

areia, argilas, cascalho e rochas britadas

calcário e dolomito

- diamante

Pará 12.220 8.321 3.977

bauxita metalúr-

gica, cobre,ferro,

cassiterita,manganês

ouro, níquel, prata e

tugnstênio

areia, argilas, calcário, rochas

ornamentais e rochas britadas

água mineral,areia

industrial,argilas

plásticas,calcário, caulim,

grafita e quartzo

- -

Rondônia 343 2.691 1.147

estanho, manganês,

nióbio, tântalo e

tungstênio

areia, argilas, rochas

ornamentais, rochas

britadas e cascalho

água mineral, argilas

plásticas,dolomito e

quartzo

-gema

secundária

Roraima16

217 12 ouro

areia, argila, rochas

britadas e cascalho

água mineral - -

Tocantins107

977 138manganês,

ouro

areias, argilas, rochas

fosfáticas, rochas

ornamentais,rochas

britadas, gipsita e cascalho

água mineral, argilas

refratárias, calcário,

dolomito, gipsita

- -

Total 14.435 18.483 6.884 - - -- - -

Fonte: BRASIL. Departamento Nacional de Produção Mineral, 2010.Notas: * Valor da Produção Mineral Brasileira; ** Inclui cooperativados

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

Excluindo-se os minerais de uso direto na construção civil, os nove Estados que compõem a Amazônia Legal extraem de seu subsolo por volta de 30 substâncias, entre minerais metálicos (13), não-metálicos (16), energéticos (dois) e gemas (um). Nos estados do Acre, Maranhão e Roraima não há atividade extrativa mineral de larga escala. A produção de metálicos do Tocantins e do Mato Grosso tem crescido razoavelmente. O Amapá foi um grande produtor internacional de manganês, com o esgotamento da mina da ICOMI se voltou para a produção de cromita e caulim, mas com o avanço dos preços as minas de ouro e ferro tornaram-se economicamente viáveis. A produção de Rondônia é semelhante a do Amazonas, exceto por este último ser o único estado da Amazônia Legal (AML) a produzir minerais energéticos. O Pará se destaca como o grande produtor da AML, principalmente, de metálicos, ao todo o estado extrai 20 substâncias.

3 .3 DESTAQUE DO PARÁ ENQUANTO MAIOR PRODUTOR E EXPORTADOR DE BENS MINERAIS DA REGIÃO

De acordo com o Anuário Mineral Brasileiro 2010 (dados de 2009), os nove estados Amazônicos respondem por 28% do valor da produção mineral (VPM) do Brasil, o equivalente a R$ 14,5 bilhões/ano6. O estado do Pará responde por 85% desse montante (Figura 4). Computando-se a produção de petróleo e gás natural, que não entra nas estatísticas do DNPM, esse valor sobe significativamente.

Figura 4 – Amazônia – valor da produção mineral (2009)

Fonte: Elaborado a partir do Anuário Mineral Brasileiro 2010 (BRASIL. Departamento Nacional de Produção Mineral, 2010)

6 Para o ano de 2009, o mercado de bens minerais do Brasil movimentou R$ 52,3 bilhões. (BRASIL. Departamento Na-cional de Produção Mineral, 2010).

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

Considerando-se os processos existentes no DNPM, há uma expectativa de que as reservas e, por conseguinte, a produção mineral cresçam significativamente nas próximas décadas, já que há crescente interesse pela pesquisa na região que, a depender de condições propícias aos investimentos minerais, poderão se converter em efetiva produção.

O Pará é o principal estado minerador da Amazônia, principalmente, quando se considera a mineração de larga escala, em especial, de minério de ferro e bauxita metalúrgica, o que possibilita ao Estado se destacar por sua contribuição à balança comercial brasileira. Em 2011, a participação do Pará nas exportações minerais nacionais foi de 30% (US$ 13 bilhões). Foram as descobertas de jazidas que possibilitaram esse perfil; primeiramente por grupos multinacionais, nos anos 1960, e depois pelo capital estatal, com destaque para a então estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), atual Vale, nos anos 1970. Os maciços investimentos realizados em infraestrutura viária, energética e portuária, aliados à excelente qualidade dos depósitos minerais e às políticas públicas voltadas para a urgente necessidade de o Brasil gerar divisas, forjaram o perfil exportador do segmento mínero-metálico do Pará. Todavia, como será possível verificar adiante, as finanças do Estado são extremamente prejudicadas por isso, já que as exportações de bens primários e semi elaborados estão isentas do recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é a principal fonte de receita própria dos Estados.

3.1.1 EMPREENDIMENTOS MINERADORES INTENSIVOS EM CAPITAL COM A PRODUÇÃO ESPECIALMENTE VOLTADA PARA O MERCADO EXTERIOR

Talvez uma das intervenções mais exitosas do Governo Federal para alcançar seus objetivos de geração de superávits comerciais tenha sido a promoção do Programa Grande Carajás, no inicio dos anos 1980. Desde seu início em 1985 o projeto ferro-Carajás já gerou divisas da ordem de US$ 60 bilhões de dólares (a preços correntes está por volta de R$ 120 bilhões); isso ocorre ao mesmo tempo em que os lucros da Vale registram recordes sucessivos7. No período recente, graças às exportações do setor mineral, o Estado do Pará já é o 5º maior exportador do Brasil e o 2° Estado com maior saldo comercial (Figura 5).

7 De acordo com os relatório anuais da Cia, no período de 2004 a 2011, isto é apenas oito anos, os lucros acumuladas da Vale (em valores correntes) alcançaram a cifra de R$ 150 bilhões – 2004 (R$ 6,5 milhões), 2005 (R$ 10, 5 milhões ) , 2006 ( R$ 13,5 milhões) , 2007 (R$ 20 milhões) , 2008 (R$ 21, 3 milhões) , 2009 (R$ 10,3 milhões ) , 2010 (R$ 30 milhões ) e 2011 (R$ 38 milhões).

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

Figura 5 – Balança comercial dos estados brasileiros, 2011

Fonte: Elaborado com base nos dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2012).

Chama atenção que os superávits gerados pelos estados de base mineral - Pará e Minas Gerais, o segundo e o primeiro estados mineradores do Brasil - financiam o déficit dos estados de base industrial - São Paulo e Amazonas. Assim, vê-se que, no caso do Pará, a observação de Lewis (1984 apud ENRÍQUEZ 2008) sobre as regiões ricas em recursos minerais de que exercem um importante, porém servil, de captador de divisas para financiar o desenvolvimento econômico em outras regiões do país.

Quando os estados Amazônicos são observados em conjunto, o Pará é o que, de longe, apresenta o maior nível de produtividade da mão de obra empregada na mineração, expressa pela relação VPM dividido pelo número de empregados (empregos diretos, terceirizados e cooperativados) – de quase R$ 1 milhão por trabalhador, ao passo que é a

menor produtividade é de Roraima com R$ 70 mil (Figura 6).

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

Figura 6 – Estados Amazônicos – produtividade da mão de obra da mineração, 2010

Fonte: Elaborado a partir do Anuário Mineral Brasileiro 2010 (BRASIL. Departamento Nacional de Produção Mineral, 2010).

Salta aos olhos constatar que no estado de Minas Gerais, adotado com parâmetro comparativo, o nível de produtividade da mão de obra é a metade do registrado no Pará. Isso significa que para um mesmo valor de produção mineral gerado em Minas Gerais e no Pará, o primeiro estado emprega o dobro de mão de obra. Assim, no Pará os benefícios da mineração, expressos pelo emprego e, por conseguinte, pelos ganhos salários representam, proporcionalmente, a metade dos ganhos auferidos por Minas Gerais.

Uma das possíveis causas dessas diferenças é quantidade de minas de médio e de pequenos portes que Minas Gerais têm; este Estado produz mais de 60 substâncias de praticamente todos os elementos da tabela periódica. Além disso, a produção e as vendas de bens minerais são mais descentralizadas e diversificadas. A título de exemplo, a participação da Vale no VPM de Minas Gerais é 41,5%, ao passo que no Pará é de 84%. Do ferro produzido em Minas Gerais, 73% destina-se ao mercado externo, já no Para esse percentual de 97%. No Pará prevalecem as minas de porte internacional, cuja escala e infraestrutura de apoio requerem empreendimentos intensivos em capital.

Portanto, a mineração do Pará é de grande relevância para o Brasil, devido aos vultosos saldos de divisas gerados, e de maior interesse ainda para as empresas que operam no estado, pelos elevados lucros que obtém devido a excelente qualidade das jazidas e a elevada produtividade da mão de obra empregada na mineração.

3.4 FALTA DE VÍNCULO ENTRE A MINERAÇÃO E OS INDICADORES REGIONAIS DE DESENVOLVIMENTO

Quando se observam os indicadores de produção e comercialização dos bens

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

minerais, de um lado, o peso da atividade mineral em termos de PIB e de exportações, principalmente do Pará8 e os indicadores socioeconômicos dos estados amazônicos, de outro, percebe-se grande distanciamento entre o sucesso global e nacional da mineração e os parcos proveitos regionais.

3.4.1 EMPREGOS GERADOS PELA ATIVIDADE MINERAL

Se a geração de divisas é o grande sucesso da mineração na Amazônia, o mesmo não pode ser dito quanto ao emprego. A demanda por mão de obra da mineração é muito restrita, por causa da própria natureza da atividade mineradora, que é intensiva em capital, e também por causa da qualidade das minas, que permite maior produção por unidade de trabalho empregada (Tabela 1).

Tabela 1 – Amazônia: mão de obra com carteira assinada em atividades selecionadas, 2010

EstadoExtrativa

mineral (A)

Total de mão de obra empregada

(B)(A) / (B)

Agropecuária, extração vegetal, caça e pesca ( C )

( C )/ (B)

Rondônia 1.099 334.290 0,33% 10.471 3,13%

Acre 220 121.187 0,18% 3.260 2,69%

Amazonas 1.666 575.739 0,29% 3.099 0,54%

Roraima 71 78.585 0,09% 822 1,05%

Pará 14.225 951.235 1,50% 39.976 4,20%

Amapá 1.081 108.191 1,00% 1.035 0,96%

Tocantins 1.004 238.955 0,42% 14.684 6,15%

Maranhão 1.649 636.625 0,26% 17.894 2,81%

Mato Grosso

2.764 656.542 0,42% 88.300 13,45%

Amazônia 23.779 3.701.349 0,64% 179.541 4,85%

Brasil 211.216 44.068.355 0,48% 1.409.597 3,20%

Fonte: Elaborado a partir dos dados do Ministério do Trabalho e Emprego. (BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego, 2012).

Nota: * Trabalhadores com carteira assinada.

Considerando-se o emprego com carteira assinada, a indústria extrativa mineral responde por tão somente 0,48% do total da mão de obra empregada na Amazônia Legal. Mesmo no maior estado minerador, o Pará, este percentual é bem modesto de 1,5%. O contraste é ainda maior quando comparado aos setores econômicos tradicionais, como

8 O peso da indústria extrativa mineral no Pará está estimado em 10% do PIB e 70% das exportações, de acordo com informações (BRASIL. Departamento Nacional de Pesquisa Mineral, 2011; BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, 2012).

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a agropecuária, extração vegetal, caça a pesca que, particularmente na Amazônia, se caracterizam pelo predomínio da informalidade. Ainda assim, o percentual de mão de obra formal supera com folga o da mineração. Quando se considera a população ocupada9, as diferenças são muito mais expressivas.

Mesmo ao longo da primeira década dos anos 2000, período em que o preço dos bens minerais iniciou uma escalada crescente e que novos projetos minerais foram implantados e expandidos, o emprego no segmento mineral ficou muito longe de gerar algum tipo de impacto substantivo no cenário macro do emprego da região. Assim, percebe-se que, com raras exceções, são as atividades tradicionais, típicas de economia de subsistência, a única alternativa para a ocupação da mão de obra regional.

3.4.2 CONTRIBUIÇÃO AOS COFRES PÚBLICOS

A contribuição da atividade extrativa mineral aos cofres públicos dos estados da Amazônia também deixa muito a desejar, e isso é particularmente agravado pelo perfil exportador da produção regional, já que, conforme mencionado, as exportações de produtos primários e semi-elaborados (como os minérios) estão isentos do recolhimento do ICMS10 e o encargo específico que incide sobre a mineração - a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM)11 - é irrisório face à dimensão do valor gerado pela extração mineral. As alíquotas da CFEM variam de 0,2% a 3% sobre o valor do “faturamento líquido”12, o que em média, equivalente a 0,89% do VPM que é gerado na Amazônia Legal13 (Tabela 2). A CFEM é o único encargo específico da mineração. Do montante arrecadado 65% ficam no município produtor, 23% no Estado e 12% vai para a União.

Tabela 2 – Estados Amazônicos: Compensação Financeira pela Exploração Mineral-CFEM. (R$ 1.000), 2009

Item/UF AC AP AM MA MT PA RO RR TOTotal AML

BR

CFEM 81 12.032 2.806 1.631 5.781 314.966 2.471 23 1.329 341.120 1.083.142

CFEM/CFEM AML

0,02% 3,53% 0,82% 0,48% 1,69% 92,33% 0,72% 0,01% 0,39% 31,49%

CFEM AML/VPM

0,48% 2,09% 0,85% 0,80% 0,93% 2,58% 0,72% 0,14% 1,24% 0,89% 1,40%

Fonte: Elaborado com base no Anuário Mineral Brasileiro, 2010 (BRASIL. Departamento Nacional de Produção Mineral, 2010).

Uma relação menos iníqua se dá na repartição dos royalties do petróleo que corresponde a 10% do valor da produção. Todavia, apenas o Estado do Amazonas, único

9 O IBGE considera como “ocupada” a pessoa que se declara que trabalhou na semana de referência da pesquisa. 10 A Lei Complementar no 87/1996, conhecida como a “Lei Kandir”.11 É o equivalente aos royalties internacionalmente conhecidos.12 É a receita bruta das vendas, deduzidos os impostos, o transporte e o seguro incidentes sobre a comercialização.13 Já que 12% dos valores arrecadados se destinam à União.

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

produtor de petróleo da região, tem participação direta nos royalties e participação especial proveniente da extração de petróleo. Em 2009, o Amazonas recebeu por volta R$ 150 milhões, apenas de royalties petróleo, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), ou seja, o equivalente a 50% ao que toda a AML recebeu a título de CFEM.

No que se refere especificamente ao Pará, não obstante sua pujança mineral, o Estado não consegue arrecadar a partir dessa base produtiva. Assim, como a produção mineral se destina majoritariamente ao mercado externo, que está desonerado de impostos, na medida em que aumenta, cai a arrecadação do ICMS (Imposto pela Circulação de Mercadoria e de Serviços). A Tabela 5 mostra que, em 2011, do valor da riqueza gerada pela mineração extrativa do Estado apenas 0,29% foi destinado aos cofres públicos do Estado a título de ICMS e 2% a título de CFEM.

Figura 5 – Pará: vendas de bens minerais para os mercados interno e exterior

Fonte: Elaborado a partir de Economia Mineral do Pará 2011(BRASIL. Departamento Nacional de Produção Mineral,

2011)

3.5 AUSÊNCIA DE UMA DIRETRIZ SOBRE AS PERSPECTIVAS FUTURAS DE REGIÃO A PARTIR DE SEU POTENCIAL MINERAL

O perfil primário exportador de baixo valor adicionado, que gera poucos encadeamentos produtivos na região, sem a contrapartida de uma receita fiscal adequada para que o poder público possa desenvolver outras estratégias de desenvolvimento, tais como: diversificação econômica com inclusão social e fortalecimento do sistema de ciência e da tecnologia para as atividades regionais, entre outras ações, talvez seja um dos fatores responsáveis pelo fato de o Estado do Pará revelar o pior coeficiente de desenvolvimento entre os estados amazônicos (Figura 7) conforme atesta o Índice Firjan de Desenvolvimento (IFDM).

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

Figura 7 – Estados amazônicos, Índice Firjan de Desenvolvimento (IFDM), 2000-2009

Fonte: Elaborado a partir do IFDM (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2011)

O caso do Pará parece confirmar que regiões ricas em recursos minerais têm muitos problemas para gerir o seu desenvolvimento. Dos nove estados amazônicos, em 2000, o Pará ocupava a 5ª posição no IFDM. Em 2009, a despeito da situação extremamente favorável vivenciada pelo mercado de bens minerais (segundo os analistas, a primeira década dos anos 2000 ficou conhecida com a fase do “super-ciclo” dos preços dos bens minerais) o Estado passou para a última posição. Uma forte hipótese é a de que o Pará encontra-se no Quadrante I, da Figura 1, apresentada na primeira parte deste artigo, que supõe que o Estado não está conseguindo capturar as rendas econômicas proveniente da mineração e tampouco convertê-las em estratégias de desenvolvimento a partir de alternativas de diversificação produtiva.

Distintas abordagens econômicas mostram que em regiões economicamente deprimidas é muito difícil a promoção do desenvolvimento sem a intervenção do Estado. Esse desafio é ainda maior para as economias baseadas em recursos, como o caso das economias de base mineira. Em uma perspectiva histórica, verifica-se que políticas públicas foram essenciais para produzir o crescimento com mudança estrutural que caracteriza o processo de desenvolvimento e as instituições tem importância central nesse processo de mudanças estruturais. Uma dessas mudanças institucionais urgentes é o enfrentamento da questão do acesso e bom uso da renda mineral. Portanto, apesar dos problemas inerentes à sua condição de economia de base mineira, a vantagem que o Pará atualmente goza e os ganhos potenciais de uma melhor gestão das rendas minerais são tão grandes que a política mineral a ser implementada deve priorizar uma gestão racional dessas rendas.

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

4 ALTERNATIVAS PARA ORIENTAR POLÍTICAS QUE VISEM AMPLIAR E POTENCIALIZAR OS BENEFÍCIOS QUE A ATIVIDADE MINERAL PROPORCIONA

Por suas especificidades geoambientais e condição histórica que forjaram o seu perfil socioeconômico, a Amazônia requer um tratamento diferenciado. E isso impõe um desafio adicional às políticas minerais para a região, pois além de visar à competitividade do setor mineral, como um todo, tais políticas devem contemplar fortemente o contexto do desenvolvimento regional.

Assim, as alternativas de política mineral para a Amazônia devem considerar toda a cadeia produtiva mineral, desde o conhecimento do subsolo até a mineração e o pós-fechamento da mina, passando por estratégias para transformação e descarte dos resíduos provenientes do uso produtivo da mineração. Tudo isso, sem desconsiderar que todas essas etapas provocam impactos ecossistêmicos que precisam ser conhecidos em profundidade, conforme ilustra a parte central da Figura 8. Essas políticas devem considerar também os efeitos dessas cadeias sobre as características socioeconômicas e ambientais da região, no sentido de que o somatório seja positivo, a fim de promover o fortalecimento do círculo externo – o desenvolvimento sustentável - da Figura 8.

Figura 8 – Estratégia de Política Mineral para Amazônia

Fonte: Elaboração própria.

No que se refere às politicas para geologia, é fundamental ampliar o conhecimento da região, pois isso serve não somente para detectar alvos minerais que aumentem as reservas minerais do país, mas também para o auxílio ao ordenamento territorial, implantação de projetos de infraestrutura, reconhecimento de áreas que apresentam riscos geológicos, entre outros. Foi mostrado que apenas 1% da Amazônia está mapeada na escala de 1:100.000 e a meta do Ministério de Minas e Energia (MME), para os próximos vinte anos, é ampliar essa proporção apenas para 10%, em virtude da extrema dificuldade

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de acesso a certas partes da região. No entanto, observa-se que, particularmente no Pará, há uma intensa atividade de pesquisa mineral que é desenvolvida pelas empresas privadas. O mapa (Figura 9) ilustra os Requerimentos e Alvarás de Pesquisa14 incidentes em praticamente todos os estados da região. Segundo o setor empresarial, para cada 1.000 alvos pesquisados apenas um tem a chance de se converter em um depósito mineral. Assim, embora haja um importante conhecimento sendo gerado pela iniciativa privada, via de regra, acaba sendo descartado, já que não há mecanismos institucionais adequados para reunir e sistematizar tais informações que seriam de grande utilidade para a sociedade.

Figura 9 – Brasil: processos minerais existentes no DNPM

Fonte: Elaborado com base no Anuário Mineral Brasileiro, 2009 (BRASIL. Departamento Nacional de Produção Mineral, 2009).

Do ponto de vista da política pública, no processo dos levantamentos geológicos é importante garantir a forte presença das instituições de ensino e pesquisa regionais, com vistas a formar e capacitar os recursos humanos locais. Do ponto de vista da iniciativa privada, é importante que o acervo desenvolvido, uma vez esgotado o prazo de sigilo

14 Etapas relacionadas à pesquisa mineral. Os Requerimentos geram expectativa de direitos, caso a área requerida esteja livre. Os Alvarás de Pesquisa garantem ao titular o direito de prospectar o subsolo por até sete anos.

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empresarial, possa ser reunido, consolidado e sistematizado, além de, da mesma forma, que as empresas envolvam pessoal da região em suas pesquisas. Isso, além de contribuir para a redução do déficit do conhecimento do subsolo regional, favorece a elevação da qualificação do capital humano, que é o bem mais estratégico de qualquer região.

No que se refere à mineração (etapa extrativa), é preciso considerar três situações, o que requer políticas distintas. A primeira é a mineração informal, normalmente de garimpos e a extração de agregados para construção civil. A segunda é a mineração de larga escala em localidades remotas e com poucas possibilidades de formação de cadeias produtivas integradas e, a terceira, é a mineração de larga escala com a possibilidade de formação de aglomerados, quer seja pela dimensão e diversidade dos depósitos minerais, quer seja pela proximidade de grandes centros urbanos e de mercado exportador, entre outras. No primeiro caso, é necessário ampliar os trabalhos de formalização, o que requer um amplo conjunto de ações, algumas das quais já há projetos pilotos como, por exemplo, o extensionismo mineral, promovido pelo MME. Mas essas iniciativas precisam ganhar escala, o que requer a indispensável parceria dos estados e dos municípios mineradores.

O modelo das conexões produtivas de Hirschman (1977), já apresentado em outros estudos (ENRÍQUEZ, 2008, 2011), é muito elucidativo para conhecer as possibilidades de um investimento mineral gerar benefícios líquidos regionais (Figura 10).

Figura 10 – Efeitos em cadeia: produção, consumo e � scais

Fonte: Elaborado a partir das propostas de Hirschman (1977).

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Os efeitos de encadeamento, para frente e para trás, e os efeitos fiscais podem

conduzir a região a uma rota de desenvolvimento, ou, o contrário, ao “uma rota

progressiva para subdesenvolvimento”, caso sejam negativos ou nulos. Baseado

nesse esquema é são sugeridas as propostas a seguir.

No segundo caso, em que há grandes empreendimentos sem possibilidade

de estabelecer fortes conexões (efeitos para frente e para trás) com outros

empreendimentos, quer seja por seu isolamento, sob a forma de enclaves, quer seja

pelas características próprias da jazida em termos de teor, vida útil etc., é preciso

elaborar uma estratégia para captura e o bom uso da renda mineral (encadeamento

fiscal). No entanto, isso requer um esforço suplementar da política pública, pois

além de uma política tributária e de royalties muito eficiente, é necessário que o

poder público também promova uma política para a diversificação produtiva, a fim

de manter a vitalidade socioeconômica do território, tanto durante, quanto no pós-

fechamento da mina. Para isso é indispensável a existência de instituições fortes

e comprometidas com o desenvolvimento regional, a fim de implementar políticas

pró-ativas e inclusivas.

Gunton e Richards (1987) destacam que a renda econômica é o meio mais

adequado de contribuição dos recursos naturais para o bem-estar econômico e,

consequentemente, o principal objetivo da política de recursos minerais deve ser

o maximizar essa renda, o que deve ser feito por intermédio das conexões fiscais.

Ampliar a parcela dessa renda é importante por razões de eficiência (geração de

renda econômica) e de equidade (arrecadação da renda econômica). Importante

destacar que é praticamente impossível definir eficiência independentemente da

noção de equidade, já que alteração na realocação da renda pode mudar a demanda

relativa pelos distintos bens, modificar preços relativos e, portanto, alterar a

definição de um resultado eficiente. Além disso, ineficiência no processo de

captura das rendas pode agir como um subsídio que distorce preços e, portanto,

a decisão de produção do empreendedor. Tal subsídio permite às empresas obter

seu lucro normal sem muito se importar com os custos de produção (denominado

x-ineficiência) e reter do setor uma renda que poderia ser melhor empregada em

outros setores (conhecido como “ineficiência alocativa”). Assim, uma política de

captura de rendas pode melhorar a eficiência e, consequentemente, a quantidade

de renda gerada.

No terceiro caso, em que há possibilidade de estabelecimento de conexões produtivas com outras atividades mineradores e/ou outras atividades produtivas, ou seja, de fortes efeitos de encadeamento para frente e para trás, é necessário elaborar estratégias para

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fortalecer e adensar esses vínculo, quer seja por intermédio de arranjos produtivos locais (APLs), distritos mineradores, polos industriais etc., em uma perspectiva de criar maiores e melhores oportunidades para geração de emprego e renda para a economia regional. Essas ações são realmente urgentes, especialmente quando se considera os investimentos em expansão e os novos investimentos da cadeia mineral previstos para ser implementados na Amazônia, particularmente, no estado do Pará15.

Quanto à transformação mineral, não obstante haja indícios de que os impactos ambientais se potencializem, na medida em que a cadeia vai se adensando, principalmente nas primeiras etapas da transformação de minerais metálicos (alumínio, cobre, níquel etc), não se pode prescindir de avançar nessa direção, pois é a partir da transformação que ocorrem os maiores ganhos. Basta comparar o emprego por unidade produzida de bens vendidos de forma bruta e de bens transformados. No caso da cadeia produtiva do ferro e do aço, produzir um milhão de tonelada de ferro demanda, em média, 100 empregos, mas esse montante passa para 4.000 empregos, quando se produz uma tonelada de aço (BRASIL. Ministério de Minas e Energia, 2011). Assim, a outra face de exportar minérios de forma bruta é que se está também exportando empregos mais bens remunerados e mais estáveis.

Nesse sentido, considerando-se os ganhos socioeconômicos da transformação e sua externalidade que também são significativas, como contraponto, a região deve reforçar as políticas ambientais no sentido de minimizar os impactos adversos ao máximo possível. Isso é especialmente válido para o caso da produção de bens que estão no estágio da transformação intermediária. No caso da transformação final, as políticas devem visar atrair novos empreendimentos. O que, lamentavelmente, não tem sido feito, apesar das boas oportunidades que a região dispõe para atrair indústrias do “terceiro ciclo” para produção de semi-acabados de alumínio, por exemplo, (PIRES, 2005). Basta verificar o perfil das exportações da região. A Figura 11, elaborada a partir dos produtos exportados que estão listados na Tabela 5, mostra como essa chance tem sido desperdiçada, já que apenas 1% do valor das exportações provém de indústrias que estão no estágio III.

15 Entre 2011 e 2015, segundo o Simineral, o Pará receberá investimentos estimados em US$ 42 bilhões, muitos dos quais já estão em pleno andamento.

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Figura 11 – Per� l dos produtos minerais exportados pela Amazônia

Fonte: Elaborado a partir dos dados de exportação do SECEX (BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, 2012)

Quanto às políticas para disposição de resíduos e controle do pós–fechamento, voltadas para a regulação dos impactos socioambientais da mineração na AML, é preciso destacar que os efeitos socioambientais da mineração variam significativamente de acordo com o tipo de bem mineral e com o estágio de desenvolvimento da cadeia produtiva, entre outros; o que requer um conhecimento das classes de bens minerais e de suas técnicas de extração, de concentração, de transformação, etc., além de estudos de como essas técnicas interagem com os ecossistemas regionais. Um grande desafio, nesse sentido, é integrar em um sistema de banco de dados os vários estudos de impacto ambientais (EIA) que são feitos para fins de licenciamento dos projetos. Sem essa integração, os novos conhecimentos sobre os ecossistemas da região perdem seu potencial de contribuir para sustentabilidade.

5 SÍNTESE E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na tentativa de buscar respostas para a pergunta sugerida no início deste texto que questiona se a mineração na Amazônia é dádiva ou maldição, ou seja, se oferece condições para a região avançar em seu desenvolvimento, ou se apenas reforça sua histórica condição periférica, foram apresentados indicadores sobre a dimensão e a importância da atividade mineral e sobre as condições socioeconômicas da região.

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Os indicadores sobre a mineração revelaram a importância desta atividade para a Amazônia e para o Brasil. Tem destaque especial as divisas geradas a partir da exportação de produtos minerais e a dimensão dos depósitos minerais explorados ou a explorar. Em contrapartida, os indicadores socioeconômicos mostraram que o principal estado minerador da região, o Pará, não está conseguindo utilizar essa riqueza em prol de seu desenvolvimento, o que se revela no contraste entre o valor da produção e das exportações dos bens minerais e a dinâmica do seu desenvolvimento que é o pior entre os nove estados da Amazônia.

É certo que em nível municipal há benefícios pontuais (ENRÍQUEZ, 2008). Todavia, dadas a escala e a proporção desta atividade vis à vis à dimensão da economia regional, é natural que haja uma expectativa de que esses benefícios devam se expandir para um raio de abrangência bem mais amplo. O que até então não tem se verificado. Muito pelo contrário.

As razões para isso estão relacionadas fundamentalmente à baixa capacidade de a

região absorver as bonanças que uma economia de base mineral proporciona. Assim, são

necessárias ações para o fortalecimento institucional que permitam à região tirar o máximo

proveito dessa base produtiva e ampliar sua parcela nos benefícios que a mineração gera,

convertendo essa riqueza, que é impermanente e volátil, em prol de um desenvolvimento

que possa realmente ser sustentável.

Dado o estágio de evolução da economia mineira da Amazônia e, em especial do

Pará – fundamentalmente assentada na etapa extrativa que não proporciona muitos

efeitos de encadeamento – além do estímulo ao aproveitamento das “atividades laterais”

que devem ser induzidas a partir de um eficiente programa de compras de bens e serviços

na região, o Pará tem a obrigação de elevar sua parcela nos benefícios financeiros que a

mineração proporciona, via uma política bem estruturada para captar e bem utilizar as

rendas minerais em prol do desenvolvimento do Estado.

Para isso, é preciso considerar o estágio da cadeia produtiva e o tipo de atividade que

é praticada. No caso de projetos isolados, com características de enclaves, a melhor forma de

captar os benefícios é por intermédio dos encadeamentos fiscais, o que pressupõe o acesso

e boa utilização da renda mineira, a fim de diversificar e potencializar as oportunidades

de geração de emprego e renda na região. No caso de províncias mineiras com potencial

para formação de encadeamentos produtivos integrados, é preciso a presença indutora do

Estado. Dado o tempo de existência dessa atividade na região, era de se esperar que os

mercados promovessem esses encadeamentos. Todavia, parece que deixado ao livre jogo

das forças espontâneas de mercado esses encadeamentos não ocorrerão. Nesse sentido, É

necessária uma ação proativa do poder público, o que requer instituições fortalecidas e

comprometidas com o desenvolvimento regional e um aparato legal de suporte.

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O FEDERALISMO BRASILEIRO EA ECONOMIA AMAZÔNICA

José Raimundo Vergolino

1 INTRODUÇÃO

Ao lon go de 2012, a Amazônia brasileira estará presente nas manchetes acadêmicas. Este ano marca o centenário da grande crise da borracha, o ano em que a Amazônia começou a pagar a conta do grande roubo no fim do mundo, citado no livro O ladrão no fim do mundo: como um inglês roubou 70 mil sementes de seringueira e acabou com o monopólio do Brasil sobre a borracha do jornalista americano Joe Jackson, publicado em língua inglesa no ano de 2008.

Em 2002, o Banco da Amazônia comemorou 60 anos de criação. Seu nascimento, mesmo três décadas depois da crise, tem muito a ver com esse roubo. Para marcar a passagem de tão importante efeméride, a Instituição promoveu a publicação do livro Amazônia e o seu Banco, convidando o grande pensador paraense, prof. Armando Dias Mendes (2002), para organizar a publicação. Trata-se de um documento que contempla interpretações singulares sobre a trajetória da socioeconomia regional. A Introdução, elaborada pelo professor Armando Mendes, constitui uma narrativa primorosa dos fatos e acontecimentos importantes que marcaram a região nos últimos 60 anos e dos quais, em alguns momentos, o ilustre mestre participou na condição de ator.

Já em 2005, Roberto Cavalcanti de Albuquerque, economista de origem nordestina, publicou o ensaio Nordeste e Amazônia: novos caminhos do desenvolvimento, no XVII Forum Nacional no Rio de Janeiro.

Em 2010 foi lançado em língua portuguesa o livro Fordlândia: ascenção e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva escrito por Greg Grandin, historiador e professor da University of New York, publicado em língua inglesa em 2009. Em 2011 surge a tradução em português do livro O ladrão no fim do mundo: como um inglês roubou 70 mil sementes de seringueira e acabou com o monopólio do Brasil sobre a borracha, do jornalista americano Joe Jackson, publicado em língua inglesa no ano de 2008.

O ano de 1980 está marcado pelo lançamento da obra magistral de Santos (1980). Pelos idos de 1992, Costa (1992), deu uma importante contribuição para o melhor conhecimento da região ao publicar, na condição de organizador e também pesquisador, o livro Amazônia: desenvolvimento e retrocesso. Na sequência, destaca-se o trabalho de Maia Gomes e Vergolino (1997). Em 2012, surge o excelente trabalho de Carvalho (2012), em que autor se propõe a investigar e discutir teoricamente os principais fatores responsáveis pela dinâmica do desmatamento florestal na Amazônia paraense, numa perspectiva de abordagem realizada por intermédio da Nova Economia Institucional.

O grande ensinamento que podemos agregar das obras acima referidas, é que a

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história socioeconômica da Amazônia brasileira está umbilicalmente atrelada, para pior ou para melhor, ao comportamento do Estado, diga-se União, na condição de planejador, investidor, regulador, empregador, produtor de bens e serviços, fornecedor de capital ao setor privado, e de segurança.

Na medida em que se mergulha na leitura dos trabalhos acadêmicos e não

acadêmicos sobre a Amazônia brasileira, cresce de importância o método histórico como

paradigma para melhor interpretar a evolução da socioeconomia regional. No seu clássico

trabalho, Caio Prado Junior (1965, p.13) afirma que “todo povo tem na sua evolução, vista

à distância, um certo ‘sentido’”. Pergunta-se então: qual o “sentido” da Amazônia para

a maioria da sociedade brasileira contemporânea? Parece não haver dúvida que muito

brasileiros continuam a se comportar, em relação à Amazônia do século XXI, como

verdadeiros piratas do século XVII, ao promover um padrão destrutivo de ocupação do

espaço geográfico regional. A ambição, a ganância, o desejo de enriquecimento rápido tem,

infelizmente com raríssimas exceções, constituído o “sentido” da maioria dos que chegam

à região Amazônica, com o beneplácito do poder estatal. Carvalho (2012) apresenta, em

sua tese, inúmeros exemplos que corroboram tal assertiva. Observado em uma perspectiva

histórica, o território amazônico se tornou o repositório, mais uma vez enfatizando os casos

especiais, de experiências mal sucedidas de exploração da Hiléia. A arrogância de Henry

Ford e de Daniel Ludwig está presente nos corações e mentes dos paraenses. O primeiro

deixou uma cidade fantasma e o segundo legou o Beiradão, a maior favela flutuante do

Brasil e quiçá da América Latina.

Nesse trabalho procura-se analisar a trajetória recente da economia amazônica, com ênfase nos entes subnacionais, através de um modelo teórico que privilegia o lado da demanda agregada, valendo-se também de algumas incursões à história regional para interpretar o desenvolvimento econômico. A ideia geral consiste em discutir, ainda que preliminarmente, as capacidades governativas dos governos estaduais, aqui entendidas como aquele conjunto de elementos que possibilitam aos governos orientar o sentido do desenvolvimento em seus territórios. A pergunta chave é a seguinte: possuem os governos estaduais condições infra institucionais para demarrar um processo de desenvolvimento de seus territórios, através de políticas específicas, gestadas pelos agentes governamentais locais, que privilegie os desejos dos amazônidas, com a mínima interferência da União?

Como o objetivo geral apresenta forte relação com a questão do Federalismo procura-se, no capitulo 2, traçar um breve histórico da evolução econômica regional à luz dos diferentes desenhos de Federalismo pelos quais passou a nação brasileira. No capítulo 3, enfatizam-se as variáveis do modelo teórico. No capítulo 4, discute-se a dinâmica de crescimento dos estados e o nível de dependência fiscal dos entes regionais em relação ao governo federal.

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2 A AMAZÔNIA FRENTE AOS DIFERENTES DESENHOS FEDERALISTAS: BREVES NOTAS SOBRE O PASSADO

1876. Abril. O navio SS Amazonas, de propriedade da empresa Inman Line, aportava no porto de Belém do Pará, vindo de Santarém, com uma carga de 750 kg de sementes de borracha, correspondendo a 70 mil sementes, “um total de cinquenta cestos em forma de meia esfera com um diâmetro de 50 centímetros, suspensos nas vigas [do navio]” (JACKSON, 2011, p. 209). Dias depois, partia para Liverpool, na Inglaterra. Consumava-se assim o grande roubo no fim do mundo.

No mesmo período acontecia outro fato relevante - a grande seca de 1877, na região Nordeste do Brasil (a seca dos três anos) – que promoveu uma revolução no mercado de trabalho na Amazônia brasileira, e que foi objeto de análise de Furtado (2009), sob a denominação de Transumância Amazônica.

A Tabela 1 apresenta a população e renda da Amazônia, segundo as informações do Censo e as estimativas de renda elaborada por Santos (1980).

Tabela 1 – Amazônia: população e renda per capita no período de 1872 a 1970

Ano População Renda per capita-US$1872 332.847 175a

1880 389.997 2751890 476.370 3391900 695.112 3321910 1.217.024 3231920 1.090.545 741940 1.462.420 1141950 1.844.655 1211960 2.601.519 1531970 3.603.860 171

Fonte: SANTOS, 1980. Notas: Dados de população no Quadro A.1, p. 317- Apêndice Metodológico. A estimativa da Renda Interna no Quadro A-8, p. 338. A taxa de câmbio média do ano de 1972 (CR$ 5,899 por US$1).

Os fatos acima destacados aconteceram em um cenário econômico cujo arcabouço institucional era extremamente perverso para o desenvolvimento econômico da Amazônia. Trata-se de um período da vida política nacional dominada pelo autoritarismo, pelo absolutismo de um imperador que detinha um quarto poder – Moderador – e, pelas famílias que se instalaram no Brasil, nos primórdios da colonização, e se tornaram proprietárias de grandes feudos. A primeira Constituição do país é de 1824 e a mais longeva do Brasil (VILLA, 2011). Esta constituição foi chamada de constituição da mandioca. O governo imperial não possuía capacidade técnica e gerencial para administrar um país de dimensões continentais. O Estado delegava poder para pessoas privadas. No âmbito fiscal, o cenário

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era claramente centralizador. Todo o excedente se encaminhava para o município da Corte. As Províncias recebiam quase nada da arrecadação.

Uma fase do “boom” da produção de borracha na região se desenrolou dentro desse cenário. O governo imperial praticamente nada investiu na região. Pela Constituição de 1824, os impostos de Exportação e Importação, principais fontes de formação da receita fiscal eram de propriedade do governo central. As Províncias, especialmente do Norte do império, ficavam com migalhas.

Esse cenário de desigualdade foi gerando, pouco a pouco, um sentimento de revolta de parte da elite local, ampliando o número de adeptos ao regime republicano. No caso do Pará, um pequeno grupo fundou o Clube Republicano Paraense em 1886. Destacavam-se nesse grupo Justo Chermont (32 anos), Lauro Sodré (31 anos), Innocêncio Serzedelo Correa (30 anos), jovens políticos que não possuíam qualquer ligação com os partidos Liberal e Conservador existentes na Província. Sabe-se, todavia, que alguns líderes republicanos paraenses possuíam fortes laços de parentesco com famílias proprietárias de fazendas de criação de gado na ilha do Marajó. A origem social dos sócios do Clube Republicano paraense era extremamente diversificada. Excetuando-se a comunidade comercial que era sub-representada, todos os outros grupos sociais eram sócios do clube, com destaque para a pequena burguesia paraense, os burocratas locais, os grandes proprietários de terras e algumas figuras de prestígio nacional. “Todavia, o que mais consistentemente distingue os Republicanos Paraenses dos seus compatriotas membros dos partidos ditos “constitucionais” eram as influências profissionais e intelectuais e menos os fatores estritamente de natureza social e econômica dos seus membros” (WEINSTEIN, 1983, p. 107).1

1891. Em 15 de novembro, o governo imperial colapsa e o Brasil se torna uma República Federativa. Uma nova Constituição é promulgada em 24 de Fevereiro de 1891. Surge o novo Federalismo Fiscal. A Constituição transferiu aos governos estaduais, membros da federação, o direito de coletar os impostos de exportação (que, durante o Império, representavam a segunda maior fonte geradora de recursos do governo central), os de transmissão de propriedade, o imposto predial (décima urbana) e o de indústria e de profissões. Tratava-se de um movimento amplo de descentralização fiscal e administrativa que se implantava no país2. Nas palavras de Oliveira (1995, p. 80) “a Federação, pois,

1 Justo Chermont era membro do Corpo Diplomático brasileiro e, durante uma fase de sua carreira, residiu na cidade de Washington, D.C. Ali desenvolveu um forte entusiasmo por um governo democrático, descentralizador. Era adepto da corrente positivista. Lauro Sodré e Serzedelo Correa foram alunos da Escola Militar durante o � nal dos anos setenta e tornaram-se adeptos da ideologia positivista, intensamente propagada por Benjamim Constant, professor da Escola Mi-litar, e principal ideólogo do movimento republicano no Brasil e adepto da � loso� a de August Comte. Serzedelo Correia era professor de Biologia e Positivismo Econômico na cidade do Rio de Janeiro, antes de militar na política paraense. Lauro Sodré foi professor da disciplina Sociologia na Escola Militar. (WEINSTEIN, op. cit., p. 107).

2 “A Federação oligárquica foi o produto cruzado e contraditório de uma aliança de classes antiliberal: a precoce dominação econômica do café [...], uniu-se aos latifundiários do sertão, tirando do fogo as castanhas de uma política cambial – a única ao alcance da precária autonomia do Estado brasileiro – que dizia respeito aos interesses de exportadores, fossem cafeicultores, [...], fossem algodoeiros, na ponta sertaneja nordestina, fossem extrativas, na ponta amazônica” (OLIVEI-RA, 1995, p. 78).

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resumia-se à soma dos estados e estes, por sua vez, representavam o espaço da dominação oligárquica”.

Com a implantação do novo federalismo fiscal no país, o salto na arrecadação própria dos estados da Amazônia foi substancial. Com os recursos arrecadados, foi possível investir em projetos de infraestrutura econômica e social, tanto no segmento urbano quanto no rural. As informações sistematizadas por Santos (1980) são preciosas. O autor mostra que no caso do Estado do Pará as receitas e os gastos estaduais cresceram exponencialmente no período 1885-1900. Em 1885, a receita foi de 2.807 contos de reis. Em 1892, essa receita alcançou a cifra de 8.459 contos de réis. A trajetória das despesas do estado do Pará se apresentou semelhante a das receitas. Houve uma acentuada melhoria das condições de vida de uma parte da população regional, especialmente daquela localizada nos dois principais centros urbanos – Belém e Manaus - graças aos investimentos do setor público estadual em educação, colonização, transporte ferroviário e saneamento.

Sem embargo, a fase de prosperidade da economia amazônica – 1850/1920 – também foi extremamente positiva para a economia brasileira. Os saldos positivos da balança comercial regional geraram um volume de divisas que favoreceu o processo de industrialização da região sudeste do país. O mesmo se pode afirmar a respeito dos impostos federais de importação, arrecadados durante o período acima citado. O governo federal arrecadou mais do que gastou na região, daí que a mesma contribuiu positivamente para o desenvolvimento do país, diga-se centro-sul.3

Na segunda década do século XX, instala-se a grande crise. A crise do mercado da borracha nacional tentou ser remediada pelos entes federativos locais e pelo governo da União. Os governos do Pará e Amazonas negociaram um convênio em março de 1911, voltado para a valorização do setor gomífero. Tentaram copiar o modelo do Convênio de Taubaté de 1906, em relação ao café. O resultado foi nulo, posto que os Estados do Norte estavam com suas finanças virtualmente destroçadas e não possuíam condições financeiras de bancar o endosso aos empréstimos solicitados junto à banca internacional. O governo da União, em 1912, lançou um Plano de Valorização da Amazônia que, segundo Santos (1980, p. 251)4 se constituiu num verdadeiro fracasso.

Depois de realizar um resgate precioso da história econômica da região, Santos (1980, p.259), em um momento de extrema indignação em relação aos fatos narrados, escreve:

A descontinuidade da ação federal, criando elevado nível de boas expectativas numa hora e o irresponsável aniquilamento delas na hora seguintes, exprime o grau de incompetência técnica com que a União enfrentou o problema amazônico – incompetência que em alguns pormenores chegou às raias do ridículo e mal escondia o crescente desinteresse federal pela região.Esse desinteresse oficial, que vigorou pelo menos até a década dos cinquenta,

3 Santos (1980, p. 282-310) apresenta uma análise magistral da contribuição da região amazônica para o desenvolvimento da industrialização do país e para as contas públicas federais no período do “boom” da economia regional.

4 Santos (op. cit., p. 229-259) dedica, em sua obra já clássica na historiogra� a regional, um capítulo especial sobre as trata-tivas e tentativas do setor público de minorar a crise, capítulo esse denominado de O grande colapso.

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acabou por comunicar-se à grande maioria do povo brasileiro, cujo longo silêncio acerca da Amazônia e suas seríssimas vicissitudes constituíram uma nova sorte de massacre. [Grifo do autor], em certo sentido não menos destrutivo que o colapso econômico.

Analisando-se o conjunto dos acontecimentos, é possível destacar alguns pontos relevantes relativos à trajetória da economia amazônica no período em questão. Em primeiro lugar, foi o mercado o grande responsável pela prosperidade e declínio da economia regional. A fase de prosperidade aconteceu em um regime de mercado monopolista. Quando o regime passou a ser competitivo, a economia regional colapsou.

Em segundo lugar, a mudança na estrutura de mercado foi resultado de grandes investimentos em pesquisa e extensão, realizados pelo governo britânico, resultado de um projeto explícito de imperialismo. “O Royal Botanic Gardens, em Kew, foi a grande máquina. Fundado pelo Parlamento e incumbido de ‘auxiliar a pátria-mãe em tudo o que fosse proveitoso em relação ao reino vegetal’[...] seu verdadeiro papel era o de pesquisa e desenvolvimento, fornecendo apoio científico a grande economia imperial baseada em plantações – uma missão considerada vital para a ‘fundação de novas colônias’ e a manutenção de suas economias” (JACKSON, 2011, p. 52-53).

Em terceiro, o domínio do capital mercantil como motor do crescimento regional. 5 No caso da Amazônia, os comerciantes locais não realizaram a tão famosa transição do comercial-financeiro para o industrial, daí que os muitos frutos, gerados durante o período de prosperidade, não se reproduziram.6 Em quarto lugar, a ausência do Estado como indutor, facilitador, e promotor do desenvolvimento através de investimentos maciços em ciência & tecnologia e inovação, seguindo os passos dos ingleses. O pensamento liberal das elites locais conspirou a favor do declínio. As elites sabiam que os ingleses estavam investindo em grandes plantações na Malásia e que o fim do monopólio estava próximo. O panorama institucional da época – fase imperial e a fase da república das oligarquias – não contribuiu para a construção de um projeto estratégico de crescimento regional que independesse do extrativismo natural.

1934 e 1937. As Constituições de 1934 e de 1937, são filhotes da ditadura Varguista. Na opinião de Oliveira (1995, p. 80), “a Revolução de 1930 dá o golpe de morte na ‘Federação’ oligárquica; não nas oligarquias, por certo, que subsistirão”. Segundo Villa (2011, p. 50) “o nacionalismo foi a pedra de toque da primeira Constituição”. Na Carta de

5 “With the triumph of the capitalist mode of production, the role of merchant capital changed: it became less indepen-dent, not to say less freewheeling, as an economic agent; and, although it remained dependent politically and socially […]. Under mature capitalist conditions in which the market acts as a regulator, a fall in the merchants ´rate of pro� t should dictate a � ow of capital from commerce and � nance into industry, broadly de� ned to include agriculture as well as manufacturing” (GENOVE; GENOVESE, 1983, p. 39). Eis aí o fenômeno da transição. Na Amazônia isso não aconteceu.

6 “Normally, merchants and � nanciers adjusted their interests to those of the prevailing ruling classes and resisted all attempts to introduce revolutionary transformations into the economy, into politics, into class relations. In a word, they normally lived as parasites on the old order.” (GENOVESE; GENOVESE, 1983, p. 5).

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1934, existe um titulo inteiro sobre a vida econômica e social e o texto está inspirado na Constituição de Weimar. A Constituição de 1937 possuía nítido conteúdo autoritário. O governo central recebeu plenos poderes, como não havia acontecido antes na história do Brasil. O nacionalismo esteve presente nas disposições econômicas, mas nada foi adotado (VILLA, 2011, p. 71). A Carta de 1937 tinha um conteúdo nitidamente autoritário. Essa Constituição vigorou por oito anos e só foi revogada pela nova Carta Constitucional, promulgada em 18 de setembro de 1945.

Durante os anos 30 começa o processo de integração do mercado nacional, na perspectiva da circulação das mercadorias. A integração produtiva vai se desenrolar nos anos 70. As medidas revolucionárias implodem com a “Federação “oligárquica (OLIVEIRA, 1995, p. 81).

Durante o período em que vigorou as duas Cartas de cunho autoritário (1934 e 1937), “os governos do Brasil e dos Estados Unidos negociaram 41 acordos, conhecidos por ‘acordos de Washington’, dos quais 21 diziam respeito à produção lactífera” (REIS, 1953, p. 75). Era o período da 2ª Guerra Mundial. As grandes plantações asiáticas de borracha natural estavam sob o controle do Japão, inimigo declarado dos Estados Unidos. A borracha natural era um produto estratégico e os países aliados só contavam com a Amazônia para suprir as necessidades de curto prazo. Como bem afirma Ferreira Reis (1953, p. 75),

programava-se uma revolução: a ‘batalha da borracha’. A ação dinâmica prevista estava a cargo da ‘Rubber Reserve Company’, Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia, Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia, Banco da Borracha, Serviço Especial de Saúde Pública.

Mais uma vez se recorre ao Nordeste, para colaborar no esforço de guerra, através de sua população sertaneja. Em 1942, a produção de borracha alcançou 20.364 ton. Em 1945, chegou a 30.594. Ainda segundo Ferreira Reis, tal esforço foi magnífico, mas com o fim do conflito, abriu-se nova crise no mercado de borracha nacional em decorrência do retorno da produção asiática às linhas do comércio internacional.

1945. Em 18 de setembro foi promulgada a quinta Constituição brasileira, a quarta republicana. A Constituição refletia os novos tempos. Era democrática, e com forte viés descentralizador. É a única Carta que trata de forma explícita a questão regional. O Art. 198 estabelecia que a União deveria despender na região Nordeste, “com obras e os serviços de assistência econômica e social, quantia nunca inferior a três por cento de sua renda tributária”. O artigo 199 determinava que a União também deveria despender não menos de 3% da receita tributária durante 20 anos para executar um plano de valorização econômica da Amazônia”. Segundo Villa (2011, p. 88-89), os dois artigos foram letras mortas pois a União não cumpriu nada do estabelecido na Carta Magna.

Já a partir de 1930, o Estado passa a desempenhar um papel-chave na condução

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do desenvolvimento capitalista nacional e que vai se aprofundar após 1940, com a forte

presença do Estado na produção de bens e serviços finais. Em relação à Amazônia, por

conta dos desdobramentos da Batalha da Borracha, instala-se e cresce a presença do

Estado na economia regional.

Para esse período, existem estimativas confiáveis do comportamento do Produto

Real da economia amazônica – Região Norte - e dos Estados e territórios. Dessa forma

é possível fazer uma comparação do comportamento do Produto Real entre as três

principais economias do país. Embasado nas estimativas abaixo, é possível observar que as

duas regiões mais pobres do país – Amazônia e Nordeste – apresentaram uma trajetória

de crescimento modesta, abaixo da média do Centro-Sul e do Brasil. Tal comportamento

assimétrico já representa um reflexo do processo de industrialização que se instalou na

economia do centro-sul. A indústria manufatureira, ao gerar retornos crescentes à escala,

promoveu um crescimento do tipo circular e cumulativo, concentrando os seus efeitos para

frente e para trás em uma reduzida faixa do território nacional.

Tabela 2 – Índices do produto real, segundo regiões selecionadas, 1948-1956

Anos Amazôniaa Nordesteb Centro-sulb Brasilb

1948 93 97,9 95,4 95,81949 100 100,0 100,0 100,01950 100,2 104,6 107,3 106,81951 106,2 99,0 116,0 173,81952 109,7 103,9 123,3 120,31953 117,1 108,4 126,0 123,31954 123,9 119,8 135,3 133,01955 127 127,1 140,5 138,41956 138,3 134,4 144,1 142,7

Fontes: (a) Banco da Amazônia. Desenvolvimento econômico da Amazônia. Belém: Ed. da UFPA, 1967. Quadro 1, p. 96. (b) SUDENE. GTDN - Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste, Recife, 1978, Quadro 4, p. 20.

O papel positivo gerado pelo desenvolvimento das atividades manufatureiras no

processo de crescimento econômico de uma região está fartamente documentado na

literatura econômica. No caso da Amazônia, para o período em questão, as estimativas

do Produto Real reforçam a assertiva. À luz das estimativas do índice do Produto Real

da região Norte referente ao período 1948-1963, é possível observar a existência de um

forte ponto de inflexão a partir do ano de 1957. Essa mudança é resultado da implantação

de dois projetos privados de grande impacto na economia regional: a implantação de uma

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refinaria de petróleo em Manaus7 e o início da exportação de minério de manganês da Serra do Navio, de propriedade, na época, da empresa ICOMI, de capital privado nacional localizada no então território do Amapá (MONTEIRO, 2003)8. O que restou desses investimentos? No estado do Amazonas, positivamente, um complexo petroquímico que pode (hoje) mudar a trajetória econômica do Estado, com a agregação de valor ao petróleo e gás descoberto pela Petrobrás na região do rio Urucú no rio Tefé, não muito distante da cidade de Manaus9. De negativo, apenas a destruição do grande palacete da família Sabbá, no centro histórico da cidade de Manaus, memória de uma época, transformado hoje em um simples hotel três estrelas. O mesmo não se pode afirmar a respeito do caso da ICOMI no Amapá. Nesse caso só resta a cidade fantasma, uma ferrovia sem uso e uma grande cratera, depois que a mina de manganês foi esgotada e as atividades de exploração foram encerradas.

Grá� co 1 – Índice do Produto Real, Região Norte entre 1948-1963

Fonte: Banco da Amazônia. Desenvolvimento econômico da Amazônia. Belém: Ed. da UFPA, 1967. Quadro 1, p. 96.

7 A re� naria do Amazonas foi fundada em 1956 pelo empresário Isaac Sabbá e inaugurada em 1957, pelo então presidente da República, Juscelino Kubitschek. Em 1971 a Petrobrás assumiu o controle da re� naria, adotando o nome de Renam. Em 1997, foi rebatizada como Re� naria Isaac Sabbá em homenagem ao fundador. Fonte: Valor Econômico/CS, 29 de maio de 2012.

8 Trata-se de um excelente texto que analisa, com profundidade, o impacto e o papel da empresa na economia do Amapá.9 Isaac Benaion Sabbá (Belém, 12 de fevereiro de 1907 – 26 de março de 1996) foi um self-made man, empresário e pioneiro

brasileiro na Amazônia. Nascido em uma família judaica na capital do Grão-pará, sendo o � lho mais novo dentre os 5 � lhos dos imigrantes marroquinos Primo Sabbá e Fortuna Benayon Sabbá, ele começou a vida como vendedor de cartela de cigarro, conseguindo acumular capital para fundar com seu irmão, Jacob Benayon Sabbá, sua primeira empresa, a J. B. Sabba Ltda., na qual era responsável pela propaganda e seu irmão pela administração. Diversi� cou seus negócios investindo na extração de borracha, conseguindo depois criar 42 fábricas, como a Fetejuta, que produzia sacos de juta, indústria de curtição de couro de jacaré. Havia também empresas de extração de pau rosa e castanha-do-pará. Sua companhia mais bem sucedida foi a Petróleo Sabbá, com uma re� naria em Manaus inaugurada por Juscelino Kubitschek, chegando a ser o terceiro maior pagador de impostos à federação (Re� naria Isaac, 2012)

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O período entre 1946, ano da promulgação da quinta Carta Magna, e Março de 1964, dia do golpe militar, caracterizou-se por um ambiente democrático e de descentralização fiscal. É também uma fase de crescimento da presença do Estado na economia nacional. A indústria manufatureira de bens de consumo e capital cresceu de forma significativa. A integração produtiva avançou. A malha rodoviária construída nos anos 60 ligando Brasilia à Belém e a Porto Velho, ampliou-se e contribuiu para a unificação do mercado nacional. O transporte de cabotagem, que monopolizava a distribuição de bens de consumo entre Belém e as praças do Centro-Sul, colapsa frente à abertura da estrada Belém-Brasília. Novas centralidades urbanas surgem na Amazônia paraense, advindas da construção de estradas, provocando a lenta agonia do sistema de “aviamento” e do poder de monopólio dos armazéns de representação e dos sindicatos portuários.

1964. Em março, houve o golpe militar. Instala-se o regime ditatorial no Brasil. Os militares lançam uma Constituição – 1967 – mas que será atropelada pelo AI-5 de 1968. O modelo centralizador volta a ser implantado no país. No âmbito fiscal, observa-se uma violentíssima concentração de recursos em poder da União, acompanhada de uma centralização dos procedimentos de arrecadação e dos critérios de aplicação. Amplia-se a integração produtiva em todo o território nacional.

Em relação à Amazônia clássica – Região Norte – o governo militar cria a Operação Amazônia. Em sua tese de doutorado, Carvalho (2012, p. 59-66) elabora uma detalhada periodização do processo de construção da Operação, afirmando que a mesma se deu em “três estágios: “no primeiro, já em dezembro de 1965, foram estendidos à Amazônia Legal todos os incentivos fiscais e creditícios; em setembro e outubro de 1966 foram votadas as leis básicas e, por fim, em fevereiro de 1967 foi criada, por meio do decreto-lei nº 288, a Zona Franca de Manaus.” Tal Projeto foi anunciado pelo presidente Humberto Castelo Branco, em 1º de dezembro de 1966, no território do Amapá. A Lei nº 5.173, de 27/10/1966, definiu os objetivos da federalização institucional que deu origem à Amazônia Legal que incorporou os estados da Amazônia Clássica e parte dos estados do Maranhão e Mato Grosso. Para marcar definitivamente a

presença da ação federal na Amazônia Legal foi criada – pela lei nº 5173 – a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia SUDAM, (antiga SPEVEA). O governo federal resolveu também transformar, através da lei nº 5122, de 29/09/1966, o Banco de Crédito da Amazônia em Banco da Amazônia S/A – BASA. Para viabilizar a política de ocupação e desenvolvimento da Amazônia Legal, o governo militar institui – através da lei nº 5174, de 27/10/1966 – a política de incentivos fiscais que iria se constituir no principal instrumento sancionador dos recursos de suporte aos investidores na Amazônia. Com o intuito de viabilizar as ações da União, por cima dos interesses dos estados subnacionais, o governo federal instituiu uma federação de regiões (Nordeste, Amazônia Legal, Centro-Oeste e Sul) com suas respectivas agências regionais de desenvolvimento (SUDENE, SUDAM, SUDECO e SUDESUL).O regime militar, desde meados de 1966, transformou a Amazônia Legal na maior fronteira de ocupação territorial do Brasil a partir da convivência conflituosa de duas frentes de ocupação: a frente de expansão e a frente pioneira (CARVALHO

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2012, p. 56). Durante o governo do General Garrastazu Médici, foi criada a política colonização dirigida, como resposta a seca que se instalou na região semiárida do Nordeste. Em julho de 1970 é criado o Programa de Integração Nacional (PIN).

É desse período a construção da primeira grande estrada federal seccionando a Amazônia no sentido leste-oeste, transversal, que recebeu o nome de Transamazônica. Em junho de 1971 foi instituído o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulos a Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA). A percuciente análise elaborada por Carvalho (2012) em relação às ações dos governos autoritários merece um adendo: todo o planejamento estratégico para a região Amazônica durante o período militar foi realizado sem o concurso dos governos estaduais que, na época, eram nomeados e não dispunham de autonomia institucional e financeira para tocar os projetos dito estruturadores. Durante o regime militar, a região Amazônica integra-se totalmente ao modelo de desenvolvimento capitalista nacional, e um dos objetivos principais da estratégia consistia em criar na região uma base infraestrutural, que ensejasse a geração de um grande volume de excedente produtivo e, por via de consequência, um substancial saldo, em dólares, do balanço de conta corrente da região. Esse excedente de divisas representava um fator-chave para a continuidade do processo de industrialização e também para assegurar o equilíbrio do balanço de pagamentos do país.

3 A TRAJETÓRIA DE CRESCIMENTO DOS ESTADOS: CONCEITOS BÁSICOS E O MODELO DE INTERPRETAÇÃO

O Brasil é um país extremamente desigual. A distribuição de renda do país, medida por qualquer indicador, é uma das mais concentradas do mundo.10 Para uma corrente do pensamento econômico brasileiro, trata-se de um sistema econômico que apresenta inúmeras falhas de mercado que, no longo prazo, engendra esse tipo de situação. O principal papel do setor público está exatamente em compensar essas falhas de mercado através da provisão de bens e serviços que o mercado privado é incapaz de ofertar de maneira satisfatória para os indivíduos de reduzida renda pessoal disponível. Os grupos sociais localizados na base da pirâmide da distribuição da renda dependem do governo para ter acesso aos serviços de educação, saúde, transporte, segurança, cultura e lazer. Evidentemente que tal interpretação além de conservadora, ortodoxa, não é capaz de resgatar, em perspectiva histórica, o papel do Estado no processo de evolução e transformação das relações capitalistas na sociedade brasileira.

O referencial teórico para interpretar o crescimento econômico dos estados brasileiros encontra-se explicitado na Figura 1, a seguir.11 Parte-se do pressuposto de que o crescimento de uma região é determinado por forças ligadas à demanda agregada, e não a maior disponibilidade de fatores produtivos. Como se trata de uma economia aberta –

10 No âmbito regional, vide Albuquerque (2005). No contexto histórico e nacional, leia-se, Albuquerque (2011). 11 Com as necessárias adaptações para a situação em análise, utiliza-se o modelo proposto por Gomes e Vergolino (1997).

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comércio internacional e interregional - a livre mobilidade do fatores produtivos descarta a tese de que o crescimento de uma dada região depende da constelação de fatores de produção.O modelo procura relacionar, de forma sistemática, o crescimento econômico a um conjunto de variáveis, circunstâncias e processos, que possuem correspondentes no mundo real. A ideia central é aprofundar a investigação não sobre as grandes variáveis e sim sobre a caixa Governo e suas interrelações com os outros elementos do modelo.

Na medida em que a economia dos entes subnacionais é do tipo aberta, com fluxos de compra e venda de mercadorias para o exterior e o resto do país, torna-se necessário destacar também o papel do setor externo no modelo em questão.

A Figura 1 apresenta o governo e o setor externo (internacional e inter-regional) no modelo e o papel exercido por essas duas variáveis no processo de crescimento das economias estaduais.

Em trabalhos anteriores Gomes e Vergolino (1995, 1997), Vergolino e Monteiro Neto (2001), identificaram vários papéis importantes desempenhados pelo setor público em um processo de desenvolvimento. Entre eles estão os de supridor de serviços públicos, empregador, regulador do setor privado, agente de transferências a pessoas, investidor, financiador e supridor de fundos para o investimento privado. No caso em discussão, os entes subnacionais apresentam um menor número de papéis, como decorrência das especificidades do federalismo brasileiro. Embora o modelo apresentado na Figura 1 procure estilizar o funcionamento de uma região que está representada por um dado conjunto de entes subnacionais, o mesmo pode ser adaptado para o caso de um sistema econômico estadual.

O governo estadual (administração direta, indireta e empresas) entra no quadro, explicitamente, com três papéis: o de empregador, para cujo desempenho faz despesas de consumo, contribuindo para criar demanda; o de produtor de bens e serviços, pelo qual contribui diretamente para o produto; e o de investidor, por meio do qual contribui tanto para a geração de demanda quanto para a expansão da capacidade produtiva. Com base nas considerações acima, cabe verificar o papel que o governo estadual pode desempenhar na economia estadual representada na figura 1. Parte-se do pressuposto que o modelo considera a ação do governo como sendo determinada exogenamente. Como empregador, o governo paga salários e realiza despesas de custeio. No primeiro caso, indiretamente e, no segundo caso, diretamente, este contribui para a formação da demanda. Esse efeito será tanto maior quanto maior for a proporção das despesas do governo estadual e de seus funcionários incidente sobre a produção local. O mesmo pode ser dito para o caso do governo estadual enquanto investidor: sua contribuição à demanda é, nesse caso, direta: se os investimentos forem financiados com recursos trazidos de outras regiões do país ou do exterior e se os gastos incidirem sobre os produtos feitos localmente, a contribuição do governo, nesse papel de investidor, para a criação de demanda dirigida à produção local, será máxima. (O investimento governamental desempenha, como os demais investimentos, não apenas um papel criador de demanda, mas também o de criador de

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nova capacidade produtiva). Finalmente, o governo, tanto a administração direta quanto a indireta e as empresas, produz bens e serviços e pode regular essa produção (contribui, pois, diretamente, para o produto) de modo independente da prévia criação de demanda.

Figura 1 – Representação esquemática de um processo de desenvolvimento

Fonte: Gomes; Vergolino (1997)

Um segundo aspecto importante do modelo e que tem tudo a ver com a trajetória de crescimento de longo prazo da economia estadual, está relacionado ao balanço estadual de pagamentos. A Figura 1 mostra que a questão do recebimento ou do envio de renda entre regiões torna-se relevante na medida em que influencia a magnitude da demanda incidente sobre a produção estadual. As exportações são um componente da demanda agregada; a renda recebida de fora do Estado e as entradas de capital (descontada a parte que vaza para fora do Estado e se transforma em importações) alimentam a demanda pelo produto estadual. Na outra ponta, entretanto, uma parte do produto gerado transforma-se em importações, ou em renda enviada para fora do Estado, ou, ainda, em fontes de financiamento para saídas de capital. Cada uma dessas situações diminui a demanda dirigida à produção local e reduz, portanto, o produto que poderia ser alcançado na rodada seguinte. Além disso, a demanda menor faz decrescerem os incentivos para novos investimentos e, portanto, diminui as adições à capacidade produtiva que de outro modo aconteceriam. Desse modo reduz-se a taxa máxima de crescimento do produto (que poderia ser alcançado nos anos seguintes). É importante não limitar o problema do desenvolvimento (nacional, regional ou estadual) a uma questão da determinação keynesiana do produto, no curto prazo. Os efeitos dos vazamentos de renda sobre a demanda são muito importantes no contexto

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das economias regional e estadual. Se o vazamento toma a forma da importação de um bem de capital, o efeito negativo (de redução da demanda) que esta importação tem será, provavelmente, mais do que compensado pelo efeito positivo (de expansão da capacidade produtiva) permitido pela mesma importação.

4 A TRAJETÓRIA DA ECONOMIA DOS ESTADOS AMAZÔNICOS - 1990-2010: BREVES NOTAS

Nessa seção procura-se analisar a trajetória de crescimento econômico dos estados da Amazônia Clássica - Região Norte segundo o IBGE -, durante o período 1990-2010.

No período 1990-1993, a economia do país se defrontou com dois planos de estabilização mal sucedidos – Collor I e II –; com o recrudescimento da inflação a taxas galopantes; com o desequilíbrio fiscal e com fortes desigualdades regionais. O Brasil, com a Constituição de 1988, tinha um novo desenho federalista. Existiam agora três entes federados: União, Estados e, pela primeira vez na história da federação, os municípios, que foram elevados ao status constitucional de quase membros da federação brasileira (SERRA; AFONSO, 1999). Como fatos relevantes associados à nova Carta Magna, destacam-se: 1) Descentralização fiscal com o natural enfraquecimento do poder central; 2) Fortalecimento e consolidação da capacidade de tributação própria das esferas subnacionais de governo; 3) Tendência à redistribuição dos recursos públicos, com uma nova política de repartição; 4) Reduzido grau de coordenação do governo central com forte autonomia dos entes subnacionais na adoção de políticas.

Em maio de 1993 a inflação estava em 25% ao mês. A partir de junho de 1993 foi desenhado um novo programa de combate à inflação e uma de suas etapas foi o Programa de Ação Imediata. O programa incluía um conjunto de metas, com destaque para os cortes profundos no orçamento federal para 1993, renegociação das dívidas de estados e municípios com o governo federal, reorganização do relacionamento contábil entre o Banco Central e o Tesouro Nacional e renegociação da dívida externa do governo com bancos estrangeiros (BACHA, 1995).

Em 7 de dezembro de 1993, o Ministro da Fazenda anunciava o Plano Real ao povo brasileiro. Segundo Bacha (1995, p. 7), o

Plano Real foi um programa de estabilização pré-anunciado em três estágios. [...] O primeiro estágio era um mecanismo de equilíbrio orçamentário. O segundo introduzia uma unidade de conta estável para alinhar os preços relativos mais importantes da economia. O terceiro estabelecia a conversão dessa unidade de conta da nova moeda do país, a uma taxa de paridade semifixa com o dólar.

Em 1º de janeiro de 1995 uma nova administração tomou posse (BACHA, 1997) – Governo Fernando Henrique Cardoso – e governou até dezembro de 2002.

Inúmeras medidas no sentido de garantir a estabilidade macroeconômica foram

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tomadas no primeiro período do governo e impactaram na trajetória do PIB per capita, do emprego, da distribuição de riqueza e da renda no país. Com destaque para a consolidação das dívidas internas e externas, vencidas e não pagas, dos estados e dos grandes municípios e assumidas pela União; para o Programa de Reestruturação dos Bancos Privados (PROER), com a liquidação ou venda à iniciativa privada da maior parte dos bancos estaduais. Durante a década de 1990 também foi implantado um conjunto de reformas de natureza microeconômicas. Algumas, de tão comentadas, ainda estão presentes na memória popular: Programa de privatização; o desenho de uma nova política comercial, com ênfase na remoção das barreiras às importações; a Lei Kandir (1996), que eliminou a tributação das exportações de produtos primários e industrializados semielaborados (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Em 2000 é aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Nessa década, vários acontecimentos econômicos e políticos ocorreram no cenário nacional e internacional. No contexto interno destaca-se a vitória do Partido dos Trabalhadores nas eleições presidenciais de 2002, com a ascensão de Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República e sua reeleição para um segundo mandato (janeiro de 2003 a dezembro de 2010). Durante esse período é formulada e implantada uma nova agenda econômica e social. A questão da distribuição de renda e das desigualdades sociais é incorporada à agenda macroeconômica do país.

No plano global destacam-se as guerras no Oriente Médio, a luta contra o terrorismo internacional (11 de setembro de 2001), a nova divisão internacional do trabalho com o ingresso da China como um grande player e a crise bancária de 2008, acontecimentos estes que afetaram as relações financeiras, comerciais e de investimentos de todas as economias mundiais, gerando a mais intensa recessão global do pós-guerra. Nesse período, internamente, avançou a reforma da previdência; ampliou-se o escopo da política social com a criação de instrumentos voltados para as famílias de baixa renda (Bolsa Família); reformas microeconômicas foram realizadas como, por exemplo, a Lei das Falências; e foi criado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Evidentemente que os fatos acima destacados afetaram, positiva e negativamente, a trajetória econômica dos entes subregionais. Torna-se importante, então, investigar a trajetória econômica dos entes federativos da região, durante o período pós-estabilização. Mesmo reconhecendo suas limitações, utiliza-se o PIB per capita – indicador que mensura o nível de bem estar do conjunto da sociedade - para avaliar a dinâmica econômica dos estados da região.

A Tabela 3 apresenta as estimativas do PIB per capita real, para anos selecionados, referente aos estados da Região Norte e para os três estados vizinhos – Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. Em 1990, o estado do Amazonas apresentava o maior PIB per capita regional, enquanto o Acre se destacava como o mais pobre. Em relação aos estados vizinhos, o Maranhão se destacava como o campeão da pobreza. No ano de 2008, o Amazonas continua como o estado mais rico da região Norte mas, à luz do comportamento do PIB per capita de outros entes federativos, constata-se um fenômeno de convergência do

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produto. Para os nossos propósitos, o fato mais relevante está associado ao comportamento dos estados vizinhos. Tocantins que, em 1990, apresentava um PIB per capita da ordem de 51,9% em relação ao estado mais pobre da região Norte – Acre – chega em 2008, com um Produto Real superior ao Acre, em 3,2%. Mesmo comportamento teve o estado de Mato Grosso. Em 1990, o seu PIB representava 47 % do PIB do Amazonas, estado mais rico da região Norte. Em 2008, essa relação se inverte, e o Produto de Mato Grosso supera em 27,9% o PIB do Amazonas.

Constata-se assim que, no conjunto, todos melhoraram. Todavia, os entes regionais apresentam plataformas produtivas diferentes. Quando se procura associar crescimento econômico versus plataformas de produção, desponta o seguinte fenômeno: os estados exportadores/processadores de grãos apresentaram uma dinâmica econômica altamente positiva, enquanto os estados de base industrial – Amazonas – e agropecuária/ extrativa mineral –Pará – cresceram a taxas bastante modestas.

Tabela 3 – Evolução do PIB estadual per capita, mil R$ de 2000

Estado 1990 1993 1994 2000 2001 2002 2003 2008

Acre 3,035 2,979 3,354 3,048 3,071 3,908 3,852 5,123

Amazonas 7,906 7,843 7,132 6,663 6,538 6,020 5,912 7,254

Amapá 5,075 4,505 4,931 4,216 4,248 5,146 4,540 5,711

Pará 3,802 4,267 4,418 3,007 3,105 3,252 3,247 4,137

Rondônia 3,927 2,243 3,599 3,888 3,784 4,452 4,813 6,200

Roraima 4,672 2,605 2,643 3,347 3,238 5,407 5,441 6,131

NORTE 4,497 4,630 4,610 3,873 3,907 4,192 4,219 5,288

Tocantins 1,577 9,148 1,898 2,117 2,378 3,799 4,221 5,292

Maranhão 1,485 1,720 1,599 1,616 1,635 2,189 2,271 3,159Mato Grosso 3,753 5,561 5,059 5,297 5,125 6,581 7,552 9,280

Fonte: Elaboração a partir de dados do IPEADATA. 2012

As informações disponibilizadas na Tabela 4 fornecem algumas luzes sobre o enigma do crescimento assimétrico. O PIB do Amazonas, o mais industrializado da região, apresentou uma longa tendência de queda, com uma leve recuperação no ano de 2008. O PIB do Pará sinaliza um crescimento medíocre. O Produto real dos estados de Rondônia, Acre e Roraima apresentaram tendência positiva. O comportamento do PIB das duas principais economias do Norte – Amazonas e Pará – contrasta fortemente com a trajetória dos vizinhos. No período total, o PIB per capita do Tocantins triplica, os do Maranhão e de Mato Grosso, duplicam.

Cabe, então, uma pergunta: o que pode explicar esse crescimento tão desigual?

Tome-se, à guisa de análise, o período 1994-2000, fase do ajuste fiscal dos Estados, da Lei Kandir e da Lei da Responsabilidade Fiscal. Todos os entes regionais foram afetados, para pior por essa parafernália regulatória. Observando as estimativas do índice de crescimento constata-se que, exceto no caso de Rondônia e Roraima, todos os outros

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entes da região Norte apresentaram uma trajetória declinante do PIB per capita. Todavia, em relação aos estados vizinhos observam-se incrementos positivos de produto per capita entre os anos 1994-2000, sugerindo então que a assimetria de crescimento pode estar associada, de alguma forma, à plataforma produtiva dos entes regionais.

Tabela 4 – Índice de Crescimento PIB estadual per capita em mil R$, de 2000

Estado 1990 1993 1994 2000 2001 2002 2003 2008Acre 100 98,1 110,5 100,4 101,2 128,7 126,9 168,8

Amazonas 100 99,2 90,2 84,3 82,7 76,1 74,8 91,8Amapá 100 88,8 97,2 83,1 83,7 101,4 89,4 112,5Pará 100 112,3 116,2 79,1 81,7 85,5 85,4 108,8

Rondônia 100 57,1 91,6 99,0 96,3 113,3 122,6 157,9Roraima 100 55,8 56,6 71,7 69,3 115,7 116,5 131,2NORTE 100 103,0 102,5 86,1 86,9 93,2 93,8 117,6

Tocantins 100 580,1 120,3 134,3 150,8 240,9 267,7 335,6Maranhão 100 115,8 107,6 108,8 110,1 147,4 152,9 212,8

Mato Grosso 100 148,2 134,8 141,1 136,6 175,4 201,2 247,3

Fonte: Elaborado a partir dos dados do IPEADATA, 2012

As evidências destacadas acima sugerem que os modelos de exploração implantados em territórios da Amazônia clássica apresentam sérios problemas de transbordamento e de crescimento sustentado.

A criação de um complexo industrial na cidade de Manaus, como resultado da criação da Zona Franca, não promoveu uma ampliação significativa do nível de bem-estar dos amazonenses, pelo menos no período 1990-2008. Esperava-se que a forte penetração do setor manufatureiro na economia do Estado, gerasse um processo de crescimento do produto do tipo circular e cumulativo, como resultado dos rendimentos crescentes gerados pela atividade manufatureira. À luz da leitura do índice, conclui-se que tal processo não está ocorrendo. É possível especular que tal comportamento do PIB seja uma decorrência da tipologia das unidades industriais implantadas no Estado, do tipo maquiladoras. Os efeitos propulsores derivados da implantação das mesmas no território estadual estão se tornando cada vez mais fracos, não contribuindo mais para alavancar o PIB per capita estadual a taxas virtuosas, como aconteceu no período 1970-1990. Passado o “boom” do investimento em novas estruturas, a etapa seguinte será da produção de bens finais. Quanto maior o mercado demandante maior a produção final, maiores lucros, mais investimento e mais crescimento. As evidências sugerem uma tendência declinante do crescimento do produto real sinalizando, portanto, sérios problemas para o mercado demandante, fundamentalmente, extrarregional.

Em relação ao estado do Pará, a situação não é muito diferente. O modelo de desenvolvimento do Estado, apoiado na pecuária extensiva, na indústria extrativa vegetal e mineral, também não está apresentando um resultado que se possa reputar de invejável.

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Bilhões de dólares investidos na construção de hidroelétricas, estradas de ferro, exploração de minério, indústrias processadoras de alumínio, rodovias e fartos incentivos fiscais não foram capazes, pelo menos no período 1990-2008, de promover um crescimento virtuoso do PIB per capita estadual. É notória a ausência de agregação de valor nas atividades produtivas do estado do Pará. À guisa de exemplo, destaca-se a pecuária bovina exportando animais vivos ao invés de exportar carne processada; a exportação de minério de ferro sem existir uma siderúrgica capaz de ofertar chapas de aço para suprir as necessidades da indústria naval regional; a exportação de toras de madeira para o centro-sul do país, na ausência de um complexo moveleiro/exportador para suprir as necessidades dos demandantes locais e extrarregionais e até internacionais; uma indústria de alumínio/alumina de grande porte que realiza as etapas mais custosas do processo produtivo, mas que não é capaz de gerar os trefilados, produto final largamente demandado pela indústria de construção civil regional, obrigando esta a importar do centro-sul, folhas, chapas e tarugos de alumínio.

A Tabela 5 apresenta as estimativas do índice de crescimento do PIB do setor agropecuário. Observa-se que Rondônia, Roraima e Acre apresentaram taxas virtuosas, enquanto Amazonas e Pará se destacam pela trajetória claramente decadente de sua agropecuária. Em relação ao Amazonas a explicação é simples: a Zona Franca absorveu grande parte da força de trabalho da área rural e daí o consequente declínio da agropecuária estadual. Em relação ao Pará a situação é realmente desconfortável. Uma grande parte da floresta do Estado foi destruída e substituída por capim, para a criação de gado. Qual o resultado dessa substituição? À luz das estatísticas disponíveis, pode-se afirmar que a contribuição do setor foi negativa para a economia paraense durante o período 1990-2008. Carvalho (2012) em sua tese de doutorado identificou esse problema.

A Tabela 6 contempla as estimativas do índice do Produto Industrial real. O produto amazonense foi o que apresentou o pior comportamento. É possível especular que tal trajetória do produto industrial do Amazonas pode estar fortemente associada ao comportamento do câmbio que, valorizado, permitiu o ingresso no mercado doméstico, especialmente da China, de produtos similares aos produzidos na Zona Franca e a preços mais competitivos.

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Tabela 5 – Índice de Crescimento PIB estadual - agropecuária - valor adicionado – preços básicos, mil R$, de 2000

Estado 1990 1993 1994 2000 2002 2003 2004 2007 2008Acre 100 102 113 102 500 585 602 680 796

Amazonas 100 36 48 34 95 81 69 83 93Amapá 100 109 202 125 156 101 114 195 179Para 100 151 108 65 38 36 31 33 30

Rondônia 100 131 135 157 210 269 274 279 349Roraima 100 86 113 148 608 697 668 496 518NORTE 100 133 102 68 64 66 60 65 70

VIZINHOS 100 87 160 194 283 357 443 382 474BRASIL 100 127 110 85 94 105 112 108 125

Fonte: Elaboração a partir dos dados do IPEADATA, 2012

O setor industrial dos outros Estados apresentou uma dinâmica positiva, mesmo diante de uma conjuntura cambial adversa. Nos Estados em cuja base industrial predominam atividades de processamento, a situação se apresentou confortável, em virtude do crescimento da demanda internacional – efeito China – que impactou nos preços de venda dos exportáveis processados.

Tabela 6 – Índice de Crescimento PIB estadual - indústria - valor adicionado, preços básicos - em mil R$, de 2000

Estado 1990 1993 1994 2000 2002 2003 2004 2007 2008

Acre 100 134 142 146 103 92 158 193 177

Amazonas 100 121 106 111 70 72 82 87 85

Amapá 100 143 147 133 269 254 207 254 250

Pará 100 134 141 124 130 137 164 174 223

Rondônia 100 133 138 167 104 100 111 141 132

Roraima 100 130 140 85 212 276 183 247 297

NORTE 100 126 119 119 92 96 111 119 132

Vizinhos 100 139 144 177 193 215 278 266 290

Brasil 100 113 108 110 77 80 91 96 100

Fonte: Elaboração a partir dos dados do IPEADATA, 2012

Finalmente, destaca-se o setor de Serviços, vide Tabela 7, que apresentou um dinamismo invejável em relação a todos os entes federativos regionais. O crescimento desse setor pode ser creditado, em parte, à evolução do comércio varejista e atacadista. É possível supor que o desenvolvimento do turismo tenha alavancado uma parte do crescimento do setor de serviços, bem como a forte participação do governo, na condição de empregador e investidor.

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Tabela 7 – Índice de Crescimento do PIB estadual dos serviços, valor adicionado, preços básicos, em mil R$, de 2000

Estado 1990 1993 1994 2000 2002 2003 2004 2007 2008

Acre 100 118 119 121 160 159 165 203 223

Amazonas 100 110 98 115 133 136 149 188 190

Amapá 100 124 127 137 180 166 176 228 239

Pará 100 108 149 117 156 158 178 213 219

Rondônia 100 87 85 106 135 144 156 171 187

Roraima 100 56 55 99 157 156 156 198 212

NORTE 100 104 116 115 148 150 164 199 207

Vizinhos 100 132 117 123 175 188 201 239 264

Brasil 100 133 110 111 145 144 147 177 183

Fonte: Elaborado a partir dos dados do IPEADATA, 2012.

5 A CAPACIDADE GOVERNATIVA DOS ESTADOS AMAZÔNICOS

Foi salientada, em seção anterior, a importância da variável Governo no processo de desenvolvimento econômico da Amazônia. Sabe-se que a ação pública, através da política fiscal, apresenta três funções clássicas: alocativa, distributiva e estabilizadora. A função alocativa está associada ao provisionamento dos bens públicos, que são ofertados pelo agente público graças à receita de impostos. A função distributiva está associada ao papel do governo como o agente que procura diminuir as desigualdades entre as pessoas e entre regiões de uma federação. A função estabilizadora está voltada para minimizar os efeitos dos ciclos econômicos, especialmente durante os períodos recessivos e depressivos.

Uma questão fundamental é verificar a capacidade dos entes regionais de amealhar recursos necessários ao cumprimento das funções alocativas e redistributivas. Segundo Castro e Vidal (2011)12, pela Constituição de 1988, as fontes dos recursos dos estados eram: o ICMS; IPVA; Imposto de Transmissão causas mortis e doação; o imposto de renda sobre os servidores públicos estaduais; 30% do imposto sobre operações financeiras com ouro; e 10 % do imposto sobre produtos industrializados (como compensação pelas exportações). A Constituição estabelecia também o montante de Transferências Constitucionais. Ficou estabelecido que 48% do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados formariam o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Distrito Federal (21,5%), e o Fundo de Participação dos Municípios (23,5%).

A fim de avaliar a capacidade fiscal dos estados para realizar as funções estabelecidas

12 CASTRO, Inez da Silva & VIDAL Antônio Ricardo. Desequilíbrios � scais na Região Nordeste in Revista Econômi-ca do Nordeste – Banco do Nordeste do Brasil. v. 42, n. 2, p. 393-408, abr. - jun. 2011.

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na Constituição, procurou-se quantificar o grau de independência financeira. O índice está representado pela razão da receita de transferências em relação à receita total do estado. Quanto mais próximo de 100, maior a capacidade do ente federativo de gerar todas as suas receitas tributárias. Segundo Castro e Vidal (2011, p. 397), “o índice de dependência ou vulnerabilidade financeira é um indicador de desequilíbrio vertical - ou o grau em que cada governo subnacional depende das receitas da União para apoiar suas despesas”.

A Tabela 8 apresenta as estimativas do Índice de Independência Financeira dos estados da Amazônia. À luz dessas estimativas, é possível afirmar que a totalidade dos estados da região apresenta uma forte dependência às transferências governamentais federais. Trata-se de uma situação de grande vulnerabilidade dos entes federativos da região em relação à administração federal. Os resultados apresentados na tabela abaixo, indicam que os governantes dos estados da região Norte não dispõem de grau de liberdade para desenvolver políticas públicas próprias, geradas pela inteligência local, capazes de alavancar o desenvolvimento econômico da região. Qualquer política pública, gestada dentro de uma visão eminentemente local, que envolva aportes significativos de recursos, terá que ser realizada de forma cooperativa com o governo da União, pois os entes locais não possuem graus de liberdade para implantar os projetos.

Tabela 8 - Amazônia - Índice de Independência Financeira (%) - 1995-2010

Estados 1995 1996 2000 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Acre 15,3 26,6 29,0 25,5 27,7 29,9 30,4 26,9 31,2 41,7 41,3

Amazonas 80,9 81,2 75,5 72,5 70,9 70,2 67,6 68,2 66,3 71,6 70,8

Amapá 18,5 81,4 23,5 10,6 14,8 15,0 17,0 17,6 14,9 21,0 15,1

Pará 58,6 63,1 49,8 56,0 54,6 52,6 55,8 55,5 53,0 55,3 57,4

Rondônia 48,1 45,0 55,7 54,6 55,9 55,1 53,2 51,5 51,3 53,2 56,8

Roraima 19,5 27,1 26,1 10,3 12,3 15,8 14,2 18,2 32,4 31,6 32,6

Amazônia 55,5 66,1 54,6 55,2 53,2 50,8 51,5 51,6 49,7 53,6 54,9

Tocantins 34,5 41,2 46,3 45,5 44,5 34,7 37,8 41,7 33,1 38,6 41,8

Maranhão 40,6 49,1 47,9 44,8 37,1 36,9 40,3 40,3 37,1 41,3 43,1

Matogrosso

78,0 80,6 73,5 80,9 74,4 72,4 73,1 72,9 70,5 72,1 73,3

Fonte: Elaboração baseada em dados básicos da STN - Secretaria do Tesouro Nacional – Ministério da Fazenda, ano 2012.Notas: Total das Receitas = Receitas Correntes; Receitas de Transferência = Englobam todas as categorias de Transferências.

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6 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

À guisa de conclusão, é possível destacar os seguintes pontos:• O período de grande prosperidade da economia amazônica ocorreu em um

cenário mercadológico do tipo monopolista, voltado para o mercado externo, dominado pelo capital mercantil, com ausência de progresso técnico, elevada especialização produtiva – borracha natural - e sem a efetiva presença do Estado como agente indutor. Acrescente-se a esses fatores, o processo de mudança no mercado regional do trabalho, provocado pela grande seca de 1877 no Nordeste.

• Com a mudança nas regras do mercado da goma elástica, diga-se a passagem do monopólio natural para o mercado competitivo, o sistema de exploração da borracha colapsou. Os capitalistas mercantis, principais beneficiários do “boom”, não realizaram a transição do capital mercantil para o industrial. O modelo de exploração, frágil em suas bases – extrativismo natural –, não resistiu à concorrência.

• O período de estagnação e decadência foi extremamente longo –1915-1950–. Grande parte do capital social básico acumulado durante o período de prosperidade foi destruído. Parte da destruição desse capital social pode ser creditada à efetiva ausência do governo da União, que não alocou recursos para o reordenamento da atividade produtiva na região.

• O curto período de prosperidade durante a Segunda Grande Guerra resultou, em parte, da ação dos comerciantes locais – capital mercantil – fenômeno muito semelhante ao que ocorreu na primeira fase. Dessa feita, esses comerciantes passaram a contar com um agente financeiro público que financiava a exploração: o Banco da Borracha. Quando o conflito acabou e o comércio internacional da borracha voltou ao normal, desapareceu a força do principal staple regional. Todavia, as condições institucionais nacionais haviam mudado e então surge o governo federal para apoiar, através de políticas públicas, o crescimento regional.

• A partir de 1960 até os dias atuais, cresce de forma exponencial a participação do Governo Federal como indutor do crescimento regional. Os entes regionais continuavam atuando de forma subsidiária. Foram construídas hidroelétricas, ferrovias, rodovias, linhas de transmissão, aeroportos, portos. O Estado proveu os capitalistas de fartos recursos, subsidiados, para implantar unidades industriais de média e grande escala. O Produto Interno Bruto real per capita cresceu a taxas virtuosas, acima da média nacional, e assim aumentou a participação da região no produto nacional. Todavia, os indicadores sociais não cresceram no mesmo diapasão, daí a grande quantidade de pobres e miseráveis gravitando nas periferias dos centros urbanos e também sobrevivendo nas barrancas dos grandes rios da região. As evidências estatísticas indicam que os famosos investimentos ditos estruturadores beneficiaram uns poucos em detrimento da maioria da população.

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• O que se pode observar é que a região se tornou uma grande plataforma exportadora de minério bruto, de carne bovina e de madeira não processada (pouca agregação de valor), de energia elétrica para outras regiões, sem uma justa compensação pecuniária aos entes regionais e, finalmente, dispondo de um parque industrial altamente dependente de incentivos fiscais e creditícios e de baixa competitividade.

• No período recente – 2012 – como resultado da globalização, da nova divisão internacional do trabalho, da questão ambiental, das políticas macroeconômicas nacionais que, em várias situações afetam negativamente a frágil base econômica regional – política cambial e política fiscal (caso da Lei Kandir, p.exemplo) – o desenvolvimento econômico futuro da região Amazônica não se mostra confortável.

• O caminho para o desenvolvimento futuro da Amazônia e dos amazônidas está bastante claro. Embasado nos fatos acima destacados, é possível afirmar que o desenvolvimento econômico da Amazônia é extremamente viável, mas não replicando o modelo atual. Qual o caminho então? Investimentos maciços em Ciência & Tecnologia & Inovação, com a formação de cientistas e técnicos locais, que tenham sentido de pertencimento, em um verdadeiro mutirão científico. Prioridade máxima para a educação em todos os seus níveis.

REFERÊNCIAS

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A AMAZÔNIA E A PROBLEMÁTICA DO SUBDESENVOLVIMENTO: UMA ANÁLISEA PARTIR DA VISÃO DE CELSO FURTADO

Alex Fiúza de MelloEduardo José Monteiro da Costa

1 INTRODUÇÃO

O interesse pela Amazônia é crescente no mundo contemporâneo. Contudo, em que pese a Região estar no centro dos interesses mundiais ainda permanece na periferia dos interesses estratégicos da nação. Configura-se como uma típica região subdesenvolvida, impactada por um pacto federativo perverso, que a trata como mero “almoxarifado” do desenvolvimento alheio. É estratégica no que se refere à exportação de commodities minerais ou agrícolas, na produção de energia elétrica, e na conservação da floresta. Contudo, as compensações financeiras e sociais não são compatíveis com o papel desempenhado.

Desta forma, este artigo procura rediscutir a problemática da superação da condição de subdesenvolvimento da Amazônia a partir, fundamentalmente, da contraposição do paradigma do desenvolvimento hoje hegemônico, aqui chamado de nova cosmologia, com a clássica formulação estruturalista de Celso Furtado. Parte-se do pressuposto de que, apesar de Celso Furtado não ter focado na Amazônia com objeto analítico principal de suas análises, muitas das considerações feitas podem ser perfeitamente mediadas para a compreensão da problemática “Amazônia”. Assim, para atingir o escopo colimado este artigo está divido em três partes. A primeira apresenta uma discussão conceitual sobre a visão de desenvolvimento hoje predominante com as idéias seminais de Celso Furtado. A segunda parte procura discutir o desafio do desenvolvimento amazônico sob a ótica do legado de Celso Furtado. Finalmente, a parte conclusiva deste artigo está reservada, como de praxe, as considerações finais sobre o desafio “Amazônia”.

2 O DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO, O SUBDESENVOLVIMENTO E A VISÃO DE CELSO FURTADO

No último quartel do Século XX ocorreram intensas transformações econômicas, culturais, sociais e políticas. Foi um período marcado pelo fim da Guerra Fria, ascensão de uma revolução tecnológica (a informacional), manifestação, propagação e tomada de consistência de uma nova ordem econômica internacional e difusão, sem precedentes, do ideário do livre-mercado. Este conjunto simultâneo de eventos – recíproca e dialeticamente intercorrentes – propiciou profundas alterações na cosmologia interpretativa da Ciência Econômica, Sociologia, Ciência Política e Geografia, cuja visão interpretativa do mundo, aqui denominada de nova cosmologia, culminou por impactar uma nova concepção de

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Estado e impulsionar, decisivamente, os estudos nas áreas de desenvolvimento urbano e regional, dando-lhes forma e direção1.

Segundo esta visão de mundo, a dinâmica do capitalismo contemporâneo é geradora de uma conexão espontânea e equilibrada dos espaços e do acirramento de um inédito e transversal processo de integração – consubstanciado na unificação do espaço global –, contexto no qual o Estado Nacional vai perdendo suas funções pretéritas de impulsionador e financiador do desenvolvimento econômico para assumir – pelo “arcaísmo” de suas configurações estruturais – a condição de instância problemática e geradora de fricções que, em última análise, entravam a penetração dos fluxos de capital no espaço nacional de acumulação2. À luz dessa perspectiva – e em consequência –, a escala nacional passa a ser rejeitada enquanto principal centro decisório de um país, redimensionando o poder na direção dos governos e das comunidades locais, considerados instâncias mais aptas a cumprir as funções de acumulação, regulação e legitimação3, outrora atribuídas aos Poderes Centrais.4

O busílis passa ao largo das escalas intermediárias e centra-se, diretamente, no contraponto global-local. A dimensão internacionalizante do espaço regional torna-se o alvo sócio-territorial estratégico do desenvolvimento5, arena onde se materializa a competitividade das empresas, inserem-se e mobilizam-se as instituições e se exprime, num caleidoscópio de singularidades, a própria “economia nacional”, transfigurada em fenômeno derivado e, do conjunto das partes, decorrente. Por consequência lógica, a recomendação básica é que empresas, regiões e governos pensem globalmente, mas intervenham localmente – realizando-se o “universal” (a acumulação) no “particular”.

De acordo com os pressupostos desta cosmologia, todas as comunidades territoriais, independentemente das latitudes e longitudes, dispõem de (ou podem ter acesso a) um conjunto de recursos (econômicos, humanos, institucionais e culturais) que possibilitam e concretizam as suas potencialidades de desenvolvimento econômico endógeno, bastando

1 Para maiores detalhes sobre a nova cosmologia analítica do desenvolvimento, ver Costa (2003) e Campos e Costa (2006).2 Segundo este corpo teórico, a NOEI fragiliza os Estados Nacionais ao reduzir o seu grau de liberdade para a formulação

de políticas públicas, uma vez que considerados grandes demais para a realização de determinadas funções e pequenos demais para o cumprimento de outras. O direcionamento da atenção do Estado passa a ser na coordenação de decisões econômicas, na regulação de mercados e serviços públicos, no provimento de serviços sociais básicos e na proteção do meio-ambiente.

3 A ação do Estado Nacional imposta é apenas um fator limitante da criatividade dos agentes locais. Estes focalizam di-retamente a vinculação na rede internacional de acumulação, evitando, se possível, qualquer mediação que se dê fora da escala local e dentro da escala nacional. A economia, para estes, condensar-se-ia do local ao global e do global ao local.

4 A respeito, ver Vainer (2001).5 Tal importância estratégica do local, enquanto centro de gestão do global, segundo o novo paradigma técnico-econômico,

é apreciada por Borja e Castells (1997) em três âmbitos principais: (i) o da produtividade e competitividade econômicas; (ii) o da integração sociocultural; (iii) o da representação e gestão políticas. Os autores citados defendem a supremacia escalar do local e dos governos locais que possuiriam condições de atrair empresas e promover a sua competitividade, além de oferecer as bases históricas e culturais para a integração dos indivíduos. Para Ohmae (1996), o sucesso de um setor da economia ou de uma região não é função de uma nação per se, mas da combinação especí� ca de indivíduos, de instituições e da cultura nesse setor ou nessa região.

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identificar as vantagens competitivas e as oportunidades presentes em cena. No entanto, a irrupção e a manutenção desse processo requerem, a todo o momento, como condição de realização, uma atitude criativa e pró-ativa por parte das lideranças locais, com superação das barreiras que, porventura, apresentem-se como obstáculos ao processo de acumulação, em cada caso específico (VÁZQUEZ BARQUERO, 1998).

Ao fim e ao cabo, de forma autocéfala e onipotente, o local passa a aglutinar e direcionar suas forças na elaboração e execução de uma “agenda estratégica” que enseje o aproveitamento e/ou a construção de ativos aí presentes, capazes de: (i) conferir ao local os atributos da velocidade, flexibilidade, maleabilidade, modernidade e competitividade; (ii) difundir uma cultura empreendedora; (iii) propiciar a confiança mútua entre os agentes; (iv) tornar o local atrativo (“eleito”) para a internacionalização do capital, através da venda de uma imagem positiva e da criação de um ambiente aprazível e sedutor aos investidores de plantão.

A função do governo local aparece de forma extremamente relevante ao assumir o papel de indutor legítimo da mobilização dos atores locais, transformando a ação político-administrativa numa estratégia híbrida, resultante de parcerias entre os setores público e privado (CASTELLS; HALL, 1993), tudo em vista da elaboração de mecanismos de inserção da região no regime global de acumulação. Cria-se, dessa forma, uma “organização social local” (BOISIER, 1988) que, mediante “ações partilhadas” (SCHMITZ, 1997), amplia a base de autonomia das decisões por parte dos agentes locais, de tal forma que coloca nas mãos destes a responsabilidade, quase que integral, sobre o destino da economia local, potencializando um “acidente histórico positivo”.

Um dos pressupostos subjacentes fundamentais desse tipo de abordagem é o de que a configuração estrutural do sistema capitalista contemporâneo se expressa e se dinamiza em forma de rede, planetariamente articulada, tessitura à qual o local se apresenta atado e subsumido, conformado numa espécie de nó, sistemicamente dependente. Assim, é redesenhada uma nova divisão internacional do trabalho, que não mais ocorre entre países, mas entre agentes econômicos localizados ao longo de toda a estrutura global de teias e fluxos, que interpenetra (ainda que de forma desigual) todos os países e territorialidades e dá compleição a um mundo binário, abarcando regiões conectadas à rede (on line) e regiões excluídas (off line). Essa dinâmica, atrelada ao uso intensivo da telemática e dos sistemas de transporte, estaria gerando “efeitos de túnel” por zonas atravessadas e não conectadas, delineando uma faixa territorial descontínua e fraturada, ao longo da qual se observam afastamentos cada vez maiores, em todas as escalas, entre zonas integradas e zonas periféricas e abandonadas.6

Na visão de Manuel Castells (1999), observa-se, em tal cenário, um redimensionamento de escalas e estruturas de poder, que não mais se concentram nas instituições (Estado), organizações (empresas capitalistas) ou mecanismos simbólicos

6 Essa rede conecta lugares especí� cos, com características sociais, culturais, físicas e funcionais bem de� nidas. A este respeito, ver Castells (1999) e Compans (2001).

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de controle (mídia corporativa, igrejas). Ao contrário, difundem-se nas redes globais de riqueza, poder, informações e imagens, que circulam e passam por transmutações em um sistema de geometria variável e geografia desmaterializada. No entanto, o poder não desaparece. Ele se reequaciona e se impõe à sociedade em novos moldes, exercendo domínio sobre os atores e reproduzindo-se nos códigos culturais mediante os quais as pessoas e as instituições representam a vida e tomam decisões, inclusive políticas. Em certo sentido, o poder, embora real, torna-se imaterial, assume formas mais sutis de manifestação e efetivação, com o poder dos fluxos tornando-se mais determinante que os fluxos de poder7.

Nesse quadro – como já se observou –, a intervenção do Estado é considerada fator gerador de fricções que entravam o desenvolvimento do capitalismo, cabendo uma guinada em favor da implantação de práticas liberais que estimulem o setor privado e diminuam o controle estatal da economia. A única exceção admitida à interferência do Estado se dá no caso de a economia encontrar-se numa posição de “equilíbrio sub-ótima”, resultante de eventuais “falhas de mercado”. Contudo, mesmo numa tal situação, a ação pública deve limitar-se à construção de um “ambiente favorável” e estimulante aos investimentos privados, assumindo, o Estado, os principais gastos com educação, melhorias na regulação e investimentos em infraestrutura que resultem na desobstrução e/ou restauração de condições adequadas a uma maior produtividade dos fatores, com aperfeiçoamento do ambiente institucional e diminuição dos “custos de transação” que se situam na base de operação do sistema econômico. Noutras palavras, a ação estatal fica limitada à regulamentação do mercado e à provisão da estabilidade macroeconômica capazes de possibilitar às “forças de mercado”, por movimento autônomo, a condução do sistema capitalista à otimização de seu desenvolvimento. Liberalização comercial e desregulamentação financeira são condições desejáveis para que o capital tenha absoluta liberdade de movimento e submeta todos os campos da vida social, sem exceção, ao seu processo de valorização, inclusive o próprio local, tornado objeto mercantil em si mesmo.

Implicitamente, esta construção teórica, embutida numa visão de mundo, traz um conteúdo tácito de ideologia, conformismo e submissão, na moldura do qual o local aparece como a escala suprema do processo de dinamização do desenvolvimento, desprovida de qualquer tipo de mediação com sua hinterlândia8 ou vínculos mais alargados de institucionalidade. Em decorrência, condenadas ao ostracismo ficam as políticas desenvolvimentistas macrorregionais. À escala local é creditada uma “onipotência endógena” para a gestação do processo sustentado de desenvolvimento, com evidenciação

7 De acordo com Castells (1999), a globalização do capital, a “multilateralização” das instituições de poder e a descentra-lização da autoridade para governos locais e regionais ocasionam uma nova geometria do poder, talvez levando a uma nova forma de Estado ¾ o Estado em rede. Atores sociais e cidadãos em geral maximizam as chances de representação de seus interesses e valores, utilizando-se de estratégias em redes de relações entre várias instituições, em diversas esferas de competência.

8 Apesar deste corpo teórico resgatar o conceito de forças centrífugas e centrípetas de Hirschman, a aplicação que faz dele é completamente distinta da formulação teórica original do autor, na medida em que ele não se preocupa com a relação entre locais e regiões e nem com o papel do Estado na correção de desequilíbrios regionais, mas, sim, unicamente, com a atração de fatores produtivos para os aglomerados.

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de uma crença a-histórica, a-temporal e, mesmo, em certo sentido, a-espacial (pela redução da concepção social de “território”) de suas trajetórias de constituição e formas de estruturação. Por conseguinte, tão somente por meio da elaboração e da implantação da insigne “agenda estratégica”, focada nas possibilidades de cada microrregião, podem ser gestados os condicionantes precípuos de um processo suscetível de transformar o local em mais um “nó eleito” da rede virtual de acumulação capitalista.9

Nesse prisma, a competição capitalista deixa de ocorrer somente entre agentes, para se processar, igualmente, entre localidades que “quase tudo podem”, numa espécie de “darwinismo localista”, azado pela “venda” da melhor imagem e consubstanciado na disputa entre os contendores para atrair os investidores para o seu “clima local de negócios”. Torna-se factível, portanto, entreluzir o nascimento de uma nova espécie de “concorrência harmônica” entre os agentes, baseada numa comunidade “cívica” e “solidária”, numa cultura adequada para o desenvolvimento do seu Capital Social local, e nos seus ativos flexíveis e globalizantes, que, ao buscarem uma boa governança10 local e adequadas estratégias cooperativas, estariam promovendo o bem comum e o desenvolvimento de forma endógena.

Em suma, a nova cosmologia em voga infere que, hodiernamente, a culpa do subdesenvolvimento recai (e tem suas raízes explicativas) na escala local, em decorrência da incompetência dos agentes locais em gestar estratégias adequadas ao deslanche de um processo de desenvolvimento econômico endógeno, isentando o sistema capitalista tout court de tensões e estruturas dominação e subordinação, tanto econômicas quanto políticas.

Sem a intenção de explorar as insuficiências presentes no eixo teórico dessa nova cosmologia e das teorias do desenvolvimento urbano e regional nela inspiradas, um questionamento merece destaque na discussão proposta neste artigo: em que medida é desejável – e, mesmo, possível – estimular processos de desenvolvimento centrados exclusivamente no local, desconsiderado o espaço nacional presente e as disparidades socioeconômicas entre cidades ou regiões que podem, em decorrência, ser engendradas, com reflexos na ordem política e econômica estabelecida? As abordagens em questão pouco enfatizam a dimensão (real) da articulação comercial, produtiva e financeira

9 Esta análise não deixa de possuir certa contradição ao a� rmar, por um lado, que o local “quase tudo pode” e, por outro e ao mesmo tempo, acreditar que as sobredeterminações principais do capitalismo se dão no âmbito da rede de acumu-lação global.

10 Para Cassiolato e Szapiro (2003), o conceito de governança parte da idéia geral do estabelecimento de práticas democrá-ticas locais por meio da intervenção e participação de diferentes categorias de atores – Estado, em seus diferentes níveis, empresas privadas locais, cidadãos e trabalhadores, organizações não-governamentais – nos processos decisórios locais. Porém, para os referidos autores, tal visão não pode ignorar o fato de que grandes empresas, localizadas fora do arranjo, de fato coordenam as relações técnicas e econômicas ao longo da cadeia produtiva, condicionando, signi� cativamente, os processos decisórios locais. Já segundo o SEBRAE (2003), veri� cam-se duas formas principais de governança: (i) as hierárquicas são aquelas em que a liderança é claramente exercida por um único ator, com real ou potencial capacidade de coordenar as relações econômicas e tecnológicas no âmbito local. Surgem, geralmente, a partir de uma série de situ-ações em que alguma forma de coordenação e liderança local condiciona e induz ao surgimento de uma aglomeração de empresas (exemplo de uma empresa âncora); (ii) a forma de “rede” caracteriza-se pela existência de aglomerações de empresas, sem que um ator isolado exerça o papel de coordenação das atividades econômicas e tecnológicas. É marcada pela intensidade de relações entre um amplo número de agentes, em que nenhum deles é dominante.

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entre regiões que constituem uma mesma unidade federativa – como é o caso do Brasil –, minorando a tematização do desenvolvimento nacional, sua especificidade histórica e seus desafios contemporâneos, tão cara a autores como Celso Furtado e outras linhagens teóricas das Ciências Econômicas e Sociais. Mínima importância também é dada à problemática da relativa autonomia das cidades e regiões vis-à-vis o Estado nacional, uma vez que tais enfoques pressupõem (sem demonstrar) a existência de uma (suposta) ampla independência das esferas locais de poder político e econômico, descurando das demais intermediações e sobredeterminações presentes em cena. Além disso, grande parte dessas vertentes crê na possibilidade indiscriminada de replicação universal do eventual “êxito” apresentado por certas experiências localizadas de desenvolvimento, a despeito da enorme diversidade histórica, cultural, institucional e estrutural existente entre cidades e regiões mundo afora (BRANDÃO, 2003). Em resumo, a essência da visão localista repousa na excessiva (e questionável) valorização da territorialidade física do processo de desenvolvimento econômico, proclamando o desaparecimento (ou o descarte) das escalas intermediárias, principalmente a do Estado nacional, nas relações entre o espaço local e a economia globalizada (BRANDÃO, 2003).

Destaque-se que é justamente esta visão teórica que tem pautado, ultimamente, a realização de inúmeras investigações empíricas e trabalhos acadêmicos no Brasil, bem como orientado muitas das políticas públicas praticadas no país ao longo dos últimos anos.11 Campos e Costa (2006) já haviam lançado a hipótese de que, no caso do Brasil, a atual configuração macro-institucional aponta para um cenário de frágeis e insuficientes articulações entre as escalas nacional e local, com graves riscos à configuração do pacto federativo em vigor.12 Os mesmos autores argumentam que os atuais laços socioeconômicos, produtivos e financeiros entre os entes federativos, construídos durante a industrialização da segunda metade do século XX (que promoveu a substituição de importações), encontram-se ameaçados pela maneira como o país, na condição de nação subdesenvolvida e com históricas desigualdades regionais, faz sua inserção na nova ordem mundial, desde a década de 1990. Assume-se, nessa ótica, que o atual quadro econômico, político e institucional brasileiro respaldam a penetração e a aplicação de muitas das idéias

11 Para um bom panorama da in� uência das visões localistas nos trabalhos acadêmicos recentes e na condução das políti-cas públicas brasileiras (nas esferas regional e urbana), ver, entre outros, Arantes, Maricato e Vainer (2000); Cassiolato e Lastres (1999); Rezende e Lima (1999); Jiménez (2002) e Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais da ANPUR (1999).

12 Segundo Affonso (1995, p. 71-72), o pacto federativo consiste em um “intrincado sistema de trocas, na maioria das vezes implícito, centrado em grande parte nos fundos públicos e responsável pela soldagem dos interesses regionais e pela constituição de um espaço nacional de poder. Nos últimos anos, forças centrífugas desagregadoras, tanto internas quan-to externas ao espaço nacional, têm atuado no sentido de problematizar esse pacto federativo e di� cultar a sua recom-posição em novas bases. A isso chamamos de ‘crise do federalismo’ ou ‘crise da federação’, a qual é uma dimensão fun-damental da crise do Estado. A referência à dimensão espacial da crise impõe-se, principalmente, em um país marcado por tão grandes disparidades regionais”. Jiménez (2002, p. 46) acrescenta que, na maioria das nações latino-americanas, ganharam força dois processos importantes no quadro do novo marco histórico: “[...] la desvalorización de la plani� ca-ción y de las políticas sectoriales y regionales, y la descentralización, para aligerar al Estado nacional de responsabilidades que supuestamente podían ser mejor cumplidas por los niveles subnacionales”.

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apregoadas pela nova cosmologia, uma vez que a grande maioria dessas vertentes estimula uma dinâmica socioeconômica e espacial vinculada estritamente às exigências do setor externo.

Em contraposição a essa perspectiva analítica, entende-se que num país com graves e históricas disparidades regionais, como o Brasil, cujos reflexos se estampam, diuturnamente, nos diversos espaços de expressão política, a validação indiscriminada de políticas localistas de desenvolvimento representa um retrocesso no processo de construção do sistema econômico sólido e mundialmente competitivo. Não se trata, aqui, de condenar, arbitrariamente, esforços reflexivos comprometidos com o estímulo ao crescimento econômico de uma determinada localidade ou região dentro do Brasil. A intenção é ressaltar que há espaço para a formulação de políticas de desenvolvimento em diferentes escalas geográficas (nacional, regional, estadual e/ou local), desde que a orientação dessas políticas responda a um projeto maior – uma agenda nacional – capaz de determinar quais as bases materiais e institucionais do processo de desenvolvimento da nação, em seu conjunto, e de suas partes (consideradas as especificidades), tal como propõe o legado teórico de Celso Furtado.

Na visão desse grande economista e pensador brasileiro, o desenvolvimento econômico das partes (portanto, das regiões e dos locais) só se sustenta à medida que o rumo das decisões esteja centrado em um projeto social mais amplo, articulado a um conjunto de ações e instâncias mais abrangentes, sendo esse todo referenciado à própria “questão nacional”, cujo enfrentamento se torna vital num cenário de dinâmica econômica global e de acumulação sistêmica. Um plano de desenvolvimento, calcado na intermediação do Estado – o elo considerado mais importante da cadeia que sustenta os centros internos de decisão –, só ganha sustentabilidade quando satisfeitos, pelo menos, três aspectos: (i) aumento da eficácia do sistema social de produção; (ii) satisfação das necessidades elementares da população; e (iii) realização de objetivos dos grupos dominantes que disputam a utilização de recursos escassos em uma determinada sociedade (FURTADO, 1980, p. 21). Em outras palavras, o desenvolvimento se constitui na capacidade dos grupos internos subordinarem o avanço das forças produtivas, o ritmo do progresso técnico e a divisão social do trabalho aos desígnios gerais de uma coletividade que se expressa (justo) por suas diversidades no conjunto federativo.

Celso Furtado, ao reforçar este caráter nacional das sociedades contemporâneas – não eliminado pela globalização –, também alerta para o fato de que o mesmo capitalismo histórico que conduziu ao desenvolvimento algumas nações modernas, engendrou, em contraposição, o seu revés: regiões e países igualmente imersos no sistema, mas carentes de desenvolvimento. O dinamismo capitalista produziu o desenvolvimento no seu centro difusor, porém, ao mesmo tempo, em certas regiões periféricas por ele irradiadas, estabeleceu outra paisagem, sem a mesma forma e os mesmos efeitos. A ausência de desenvolvimento nos países e regiões que se constituíram a margem do centro capitalista, mas complementares à realização do sistema, foi denominada de “subdesenvolvimento” (FURTADO, 1980, p. 23). Desenvolvimento e subdesenvolvimento são, portanto,

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formações coetâneas que jamais podem ser entendidas, analiticamente, como resultado de etapas distintas ou paralelas do processo histórico.13

O resgate da tradição intelectual furtadiana, ao contradizer os pressupostos das elites hegemônicas das últimas décadas e a teoria do fim do Estado-nação, como protagonista da história contemporânea, repõe na ordem do dia a importância de um Projeto de País face os desafios e dilemas presentes nos insondáveis rumos da globalização, e, nesse sentido, resgata a “questão regional” como parte integrante – e necessária – de um processo de superação do subdesenvolvimento em âmbito do próprio espaço nacional.14 Isso porque Furtado, ao ser influenciado pelas teorias de François Perroux – de quem foi aluno em Paris –, acreditava que, por mais que em determinado local de uma região subdesenvolvida ocorresse um processo virtuoso de desenvolvimento, este processo não tenderia a se propagar no vasto conjunto ou, no caso disso ocorrer, provocaria desequilíbrios que não seriam fecundos ou não se corrigiriam espontaneamente, justamente pelo fato da economia subdesenvolvida ser desarticulada.15 Desta forma, ao se questionar quais as vias possíveis para a superação do subdesenvolvimento, Furtado acaba rejeitando, categoricamente, a ideologia do liberalismo econômico e a crença de que o mercado seria capaz de fornecer, por si só, os elementos necessários. Muito pelo contrário, o liberalismo somente tenderia a aprofundar os determinantes estruturais do subdesenvolvimento.

A análise de Furtado, longe de decretar o fim do Estado nacional – em nome da internacionalização irrestrita do espaço local ou regional –, esgrima a noção de subdesenvolvimento como expressão de um insuficiente nível de racionalidade pública. Por isso, a sua superação somente pode ser concebida no quadro de um projeto político transescalar, articulado e coordenado pelo Estado – enquanto centro legítimo de decisão –, capaz de subordinar os interesses individuais e localistas aos interesses coletivos regionais e nacionais, buscados a médio e longo prazo por meio do planejamento do desenvolvimento, fundamentados, sempre, numa clara compreensão da estrutura sócio-econômica e espacial da região em causa, e na superação da situação de dependência e exploração.

O papel desempenhado pelo Estado e pelas unidades produtivas dominantes (em especial as empresas multinacionais) representa elemento central do debate, na medida em

13 Ou seja, “seu estudo não pode realizar-se isoladamente, como uma ‘fase’ do processo de desenvolvimento, fase essa que seria necessariamente superada sempre que atuassem conjuntamente certos fatores. Pelo fato mesmo de que são das economias desenvolvidas, isto é, das economias que provocaram e lideraram o processo de formação de um sistema econômico de base mundial, que os atuais países subdesenvolvidos não podem repetir a experiência dessas economias. É num confronto com o desenvolvimento que teremos que captar o que é especí� co ao subdesenvolvimento. Somente assim poderemos saber onde a experiência dos países desenvolvidos deixa de apresentar validez para os países cujo avanço pelos caminhos do desenvolvimento passa a depender de sua própria capacidade para criar-se uma história” (FURTADO, 1968a, p. 4).

14 Para uma análise do exercício de teorização do subdesenvolvimento aplicado à questão regional em Celso Furtado, ver Pellegrino (2003).

15 Perroux (1967) já esclarecia que uma economia subdesenvolvida, em geral, caracteriza-se por ser uma economia desar-ticulada, dualista, conformada em dois setores: um moderno e outro arcaico. Daí resulta que uma força de crescimento, aplicada em determinado ponto, não se propaga no vasto conjunto ou, no caso de isso ocorrer, provoca desequilíbrios que não são fecundos ou não se corrigem espontaneamente.

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que ressalta a importância, para o direcionamento da conformação do espaço capitalista, das macrodecisões tomadas por agentes privilegiados, entendendo que o funcionamento da economia não pode ser compreendido com base nas decisões dos pequenos agentes ou tão somente no mecanismo de mercado. Perroux foi o primeiro a trabalhar com este conceito de “macrodecisão”, definindo-o como uma escolha intencional e economicamente racional de uma unidade dominante que se utiliza do uso do poder, da força e da coação para tornar compatíveis os comportamentos discordantes. Para isto, fundamenta-se em decisões, cálculos e opções sobre resultados futuros, baseados numa antecipação global das reações dos agentes em curso num meio de impacto e transmissão16.

Essa visão pressupõe uma economia dual de dominantes e dominados, sejam eles Estados, empresas, regiões ou cidades, com o efeito de dominação existindo no momento em que a influência de um agente sobre outro se manifesta em distintos graus de reciprocidade, com ou não intencionalidade17. Em última instância, as ações econômicas são reflexos de macrodecisões motivadas pela superestrutura, com toda a ação econômica sendo determinada por alguma forma de poder. O Estado é o agente privilegiado – e único ente legítimo perante a sociedade – para avaliar e realizar a síntese das inúmeras cadeias de reações provocadas pelas múltiplas decisões, por possuir e aglutinar os mais estratégicos centros de decisão. Assim, a situação ex post da economia será resultante de uma “mão-visível” do Estado, que representa os interesses da superestrutura social ex ante.

Celso Furtado, nas suas análises estruturais sobre economias periféricas, captura diversos desses elementos, destacando a importância das macrodecisões enquanto objeto da vontade política na transformação das estruturas regionais subdesenvolvidas, afirmando que mais do que do que transformação, o desenvolvimento é invenção, na medida em que comporta um elemento de intencionalidade. Segundo seu arcabouço teórico, o sistema econômico, seja este local, regional ou, mesmo, nacional, significa a existência de dispositivos de coordenação e certa unidade de propósitos e comando, com intervenções de centros de decisão que representam a estrutura legítima de poder, depositária de ideais sociais, políticos e econômicos. Há, portanto, nesta estrutura, um quadro institucional e um poder regulador, fundado na coação e/ou consentimento, capaz de arbitrar os conflitos que se manifestam em torno da apropriação e da alocação dos recursos escassos. Conseqüentemente, o entendimento do comportamento dos agentes econômicos somente é possível por meio da análise de como estão arquitetadas as suas estruturas sociais.

Em vista da superação do subdesenvolvimento, Celso Furtado aponta três direções a serem seguidas na política econômica. Em primeiro lugar, deve-se abandonar o critério das

16 Perroux (1967) descreve que a coação pode ser implementada por sujeitos privados ou públicos. A coação pública é a coação organizada e socialmente legitimada. É exercida pelo Estado, detentor do monopólio desse bem. Os cálculos e opções relativos ao seu emprego são freqüentemente considerados como decisões “políticas”, estranhas à análise eco-nômica e encaradas como dados em que esta não tem de penetrar. A macrodecisão é a decisão do agente com maior poder de coação.

17 Até mesmo dentro de uma economia nacional, Perroux (1967) distingue a existência de zonas ativas e passivas. A zona ativa exerce um efeito irreversível sobre a zona passiva, que receberia esta ação sem reação ou poder de reversão do efeito inicial gerado pela zona ativa. Em suma, as reações de in� uência de uma zona sobre a outra não são simétricas.

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vantagens comparativas estáticas como fundamento da inserção na divisão internacional do trabalho em favor de uma nova forma de inserção estimuladora do avanço tecnológico. Em segundo lugar, é imprescindível a introdução do planejamento como instrumento ordenador da ação do Estado, cujas funções, no campo econômico, tenderiam a crescer na medida em que se ampliasse o esforço de superação do subdesenvolvimento. Para isto, defende o fortalecimento da burocracia, fundamental à continuidade das políticas públicas em regimes democráticos. E, finalmente, destaca o fortalecimento das instituições da sociedade civil, de cuja ação se pode esperar a renovação das bases sociais de sustentação do Estado e a contestação dos padrões prevalecentes de distribuição da renda.

Diante desta ampla e complexa agenda, pautada pelo revigoramento da federação e do federalismo, o pensamento de Celso Furtado representa um resgate da importância da escala nacional no planejamento do desenvolvimento, na articulação e na condução do processo de superação do secular atraso socioeconômico, particularmente em regiões como o Norte e Nordeste brasileiros, prementes de investimentos estratégicos capitaneados pela ação centralizada do poder de Estado. Não por acaso o eixo teórico do autor confere, ao poder público, a função de subordinar o funcionamento da economia às necessidades mais essenciais do conjunto da sociedade nacional, com tratamento privilegiado da “questão regional” e, portanto, das diversidades presentes no cenário.

No caso da Amazônia – tema polêmico, de moda e de forte apelo internacional –, o desafio da construção de um modelo de desenvolvimento que seja sustentável, socialmente inclusivo e atenda às exigências de preservação do meio ambiente, por certo encontra, no pensamento de Celso Furtado, elementos seminais que iluminam caminhos e estimulam alternativas analíticas, até aqui pouco exploradas. Ainda que a matriz referencial de sua inspiração seja o Nordeste, berço e origem, o potencial teórico que emerge de suas teses permite uma transposição fecunda de abordagem para a “questão amazônica”, não obstante as especificidades e singularidades próprias do contexto. No centro do debate, a luta contra a dependência externa e a necessidade de um projeto nacional de desenvolvimento para a região, consubstanciado em estratégias de aproveitamento econômico de suas vantagens comparativas e inserção dinâmica no mercado nacional e mundial. Na ótica de Furtado, a simples internacionalização do espaço regional – e isto também é válido para a Amazônia – impede as localidades de se integrarem, com soberania, ao mundo e à dinâmica civilizatória contemporânea, visto que somente um projeto inequivocamente nacional, comprometido com os destinos da comunidade de interesses que representa, é capaz de romper as restrições tecnológicas, culturais e financeiras do subdesenvolvimento. Para isso, o exercício da vontade política, apoiada num amplo consenso social e referenciada a um Projeto de Nação, precisa ser entendido como um processo dinâmico que transcende aspectos de natureza puramente econômica, alcançando todas as demais dimensões da vida social e, por isso mesmo, comportando, sempre, um elemento de invenção. O desenvolvimento se manifesta como um processo autônomo, auto-sustentado e civilizador, baseado no progresso tecnológico e amparado em estruturas sociais mais complexas (englobando aspectos culturais, institucionais, políticos e sociais), que alarga os horizontes

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de possibilidades dos agentes e conduz à consagração de valores, bens e serviços que se difundem mais homogeneamente por toda a sociedade, em função da felicidade dos partícipes.

3 O DESAFIO DO DESENVOLVIMENTO AMAZÔNICO SOB A ÓTICA DO LEGADO DE CELSO FURTADO

Desenvolvimento nacional e questão regional são eixos estruturantes do pensamento de Celso Furtado, fato que o credencia como referência obrigatória aos enfrentamentos teóricos que a problemática do desenvolvimento/subdesenvolvimento ainda coloca em pauta no horizonte do Brasil do século 21. Tal é o caso da “questão amazônica”.

A Amazônia, hoje, figura no discurso mundial como tema de enorme centralidade e gerador de grande interesse, fato que deve ser considerado positivo e desejável, tendo em vista o contexto de acelerada exploração econômica dos recursos naturais do planeta, com os óbvios riscos ambientais e climáticos para toda a humanidade. Entretanto, esta Região, compartilhada nada menos que por nove países, não recebe, por parte daqueles mais ricos, igual nível de atenção quando se trata de arcar, globalmente, com o ônus de sua preservação e com os investimentos necessários à geração de alternativas econômicas sustentáveis aos seus habitantes. Esta condição passa, obrigatoriamente, pelo fomento de um modelo viável de desenvolvimento regional, cujos requisitos dependem, basicamente, da agregação de conhecimento e do emprego de tecnologia inovadora aos empreendimentos econômicos locais, com valorização, sobretudo, da biodiversidade. A tese da intocabilidade da floresta amazônica, além de tecnicamente insustentável, é a mais nova – e astuta – ideologia “pós-moderna”, que nutre de mitos o imaginário da comunidade internacional, sobretudo daqueles que mais se beneficiam de seus efeitos, os países ricos, justo por possuírem em abundância aquilo que se negam a transferir: ciência, tecnologia e capital.

No Brasil, só mais recentemente o tema “Amazônia” começou a receber o devido destaque em documentos oficiais de envergadura e em fóruns nacionais de reconhecida expressão. Em 2008, a Academia Brasileira de Ciências o consagrou como o maior desafio brasileiro do século XXI. Igualmente foi distinguido pela 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que destinou, em suas conclusões – no denominado “Livro Azul” (2010) –, capítulo específico sobre a questão. Por sua vez, a CAPES, em seu novo Plano Nacional de Pós-Graduação (2011-2020), dedica capítulo específico ao tema amazônico. Não obstante a consagração do foco, os avanços do discurso ainda não obtiveram a contrapartida proporcional dos investimentos requeridos.

O bioma amazônico, a maior extensão de florestas tropicais do planeta (350 milhões de hectares), com 7 milhões de km² e mais de 100 bilhões de toneladas de carbono, equivale a uma área de dimensões continentais que traspassa todos os países setentrionais da América do Sul (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa), unificando-os num único e integrado (ainda que diverso) ecossistema. Neste imenso território, de inigualável diversidade biológica e cultural, concentra-se

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uma das mais importantes províncias minerais do planeta (gás, petróleo, nióbio, ferro, ouro, cassiterita, manganês, bauxita, etc.), a maior bacia hidrográfica da Terra (20% de todo o estoque de água doce) e a maior reserva mundial de biodiversidade (flora, fauna e microrganismos). Tais condições credenciam a Região, para além de “pulmão do mundo”, como o mais exuberante e promissor laboratório natural para o avanço do conhecimento científico sobre processos evolutivos que geram e mantém a diversidade de genes, espécies e ecossistemas e o desenvolvimento de experimentos revolucionários nos campos da Química, da Bioquímica, da Microbiologia e da Engenharia Genética, com notórias possibilidades de inovação em segmentos de negócios de crescente interesse mercadológico (fármacos, fitoterápicos, cosméticos, perfumes, alimentos, nutracêuticos, agroquímicos, etc.), anunciando, em toda a sua virtualidade, uma potencial e vigorosa economia de futuro. Além de tudo, graças à força das águas, a Região oferece, em complemento, o maior potencial de geração de energia elétrica (e limpa) do Brasil e de toda a América Latina, devendo se tornar, dentro em breve, o fornecedor estratégico de cerca de um terço de toda a energia consumida no país.

Apesar de toda essa riqueza natural disponível – incomparável por sua exuberância e diversidade –, a Amazônia brasileira ainda não figura como objeto prioritário de um plano nacional de desenvolvimento, suficientemente amplo e inclusivo, moldado por uma visão estratégica de futuro. No caso brasileiro, as áreas amazônicas seguem sendo tratadas, colonialmente, como mera periferia do país pelos sucessivos Governos da União, ignoradas em suas amplas potencialidades e singularidade, reduzidas à condição de almoxarifado para usufruto exógeno, excluídas das vantagens ou compensações de uma justa política fiscal e tributária, alvo de intervenções do Poder Central e do grande capital não raramente desastrosas do ponto de vista social e ambiental.

Dito em outras palavras: a “questão amazônica”, numa ótica de País – apesar das manifestações discursivas oficiais em contrário –, segue, de fato, minimizada e subvalorizada; propalada, tão-somente, como tema de conotações exóticas pela grande imprensa – por pressão internacional e em sua exclusiva dimensão preservacionista –, ao invés de ser tratada como uma questão essencialmente estratégica e prioritária para a economia nacional – o maior desafio brasileiro do século XXI – e assim entendida e assimilada por Governos e sociedade civil.

Não haverá possibilidade de um projeto de Brasil moderno – que necessita de uma remodelação de sua matriz energética, de um maior aproveitamento de seus recursos naturais, do uso inteligente de sua biodiversidade, da diversificação de seu parque produtivo, do crescimento de seu mercado interno e de uma crescente eficiência ambiental (servindo de paradigma para o mundo) – sem a inclusão da Amazônia como espaço social e economicamente estratégico no âmbito das futuras políticas nacionais de desenvolvimento. Para isso, a eliminação da pobreza (pelo acesso a bens públicos fundamentais), a diminuição das desigualdades regionais e de renda (que dificultam a expansão do mercado interno), bem como a redução das disparidades extremas de nível educacional e científico (que realimentam, na raiz, toda essa cadeia de assimetrias) são pré-condições indispensáveis à

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construção das condições objetivas capazes de eliminar todo esse tradicional e complexo conjunto de vulnerabilidades, impedindo a conjugação dos fatores (infraestruturais e humanos) necessários à ruptura dos sucessivos ciclos de atraso e subdesenvolvimento.

Ao longo da história, o Brasil tem buscado a soberania sobre a Amazônia, prioritariamente, por intermédio do recurso às armas. Os resultados têm sido precários e duvidosos – como testemunham a biopirataria e o tráfico de drogas. Na marcha do tempo, muito pouco se investiu em conhecimento, isto é, em ciência e tecnologia. Desconsiderou-se que a única defesa possível – e consequente – para tamanha amazonidade repousa no domínio hegemônico do conhecimento sobre os ativos ambientais que a região encerra e no seu manejo tecnológico customizado, para fins de desenvolvimento humano; que reside na institucionalização de estruturas robustas de geração de informação e de conhecimento a insubstituível condição de mobilização dos atores sociais locais e de seu comprometimento com os destinos do espaço onde habitam; que depende de uma ousada geopolítica da inteligência a principal estratégia para a defesa efetiva da mais cobiçada reserva de biodiversidade de todo o planeta.

Celso Furtado ensina que, para as regiões economicamente mais atrasadas e dependentes, denominadas por ele de regiões subdesenvolvidas, que num contexto de capitalismo tardio já partem de um patamar educacional, científico e tecnológico significativamente inferior ao dos demais centros e países desenvolvidos, o desafio da superação da condição de subdesenvolvimento e periferia é algo colossal. São barreiras acumuladas e pendências não resolvidas ao longo dos séculos que, somadas às novas e intransferíveis tarefas da Era do Conhecimento (que inaugura o XXI), definem as coordenadas que mapeiam o complexo quadro de enfrentamentos no tempo presente e que terá de ser vencido, em tempo hábil, com determinação e vontade política, e com o apoio direto do Estado, caso se queira projetar qualquer possibilidade de futuro. Constitui-se, portanto, como anteriormente já dito em um exercício de incitação criativa por meio do planejamento.

Do ponto de vista das sociedades amazônicas – cuja maioria populacional já vive em cidades, com imensos contingentes marginalizados em bairros carentes, favelas e alagados –, não há sentido ou legitimidade na defesa de todo o extraordinário patrimônio natural regional por recurso ao seu isolamento produtivo. O fundamento da empreitada, ao contrário, deve ser o de definir a Amazônia como vanguarda, e não como retaguarda das políticas desenvolvimentistas apoiadas pelo Estado brasileiro. Por sua especificidade, o desafio amazônico requer uma plataforma produtiva inovadora, ousada, que utilize a biodiversidade – a maior riqueza regional – como capital natural por aplicação de C&T. “O desafio de transformar o capital natural da Amazônia em ganhos econômicos e sociais de maneira ambientalmente sustentável é singular. Não existe um ‘modelo’ a ser copiado, pois não há sequer um país tropical desenvolvido com economia baseada em recursos naturais diversificados, principalmente de base florestal, intensivo uso de C&T de ponta e força de trabalho educada e capacitada na utilização de C&T” (ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS, 2008, p. 10).

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Não são poucas as vantagens comparativas que se apresentam neste cenário, particularmente no horizonte de um mercado mundial que, nas próximas décadas, demandará, de forma crescente, por matérias-primas estratégicas – minérios, alimentos, água, energia, biocombustíveis – e diante do qual a Amazônia não pode se acomodar à exportação de produtos in natura e/ou semi-elaborados, repetindo os erros do passado. A ela cabe alavancar, paralelamente, uma produção industrial e de serviços capitaneada por empresas modernas e competitivas, construídas com base tecnológica avançada e investimentos em P&D, transformando, em definitivo – pela aplicação do conhecimento –, todas essas vantagens comparativas estáticas em vantagens competitivas dinâmicas.

Do ponto de vista econômico e, mesmo, geopolítico, não há alternativas sustentáveis de desenvolvimento e de defesa para uma região com tais características e importância sem uma transformação radical de seu modelo tradicional de produção e de ocupação, até hoje pautado no simples extrativismo, na derrubada e queima da floresta (para exploração irracional da madeira ou pastagem de gado) e na utilização irresponsável de seus recursos hídricos (poluídos por mercúrio e outros resíduos industriais). Uma mudança de paradigma, contudo, pautado e inspirado numa “economia verde”, descarbonizada (da floresta em pé) – como aspira a corrente ambientalista internacional –, supõe, essencial e prioritariamente, de uma parte, investimento maciço em conhecimento, isto é, em ciência e tecnologia, em todos os domínios necessários; e de outra, um regime tributário e regulatório que promova uma maior valorização da floresta em pé relativamente à sua derrubada. “A promoção da base tecnológica para a economia verde não pode prescindir da inclusão de setores fundamentais e estruturantes para a economia brasileira: produção agrícola sustentável, construção civil sustentável, química verde, processos industriais, transportes, gestão de resíduos e novos materiais, [...] [com] ênfase especial às energias renováveis, à eficiência energética, à biotecnologia, à biodiversidade e ao enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas” (BRASIL, 2011, p. 75).

Diante desse desafiante cenário, e com toda a reconhecida (e internacionalmente ambicionada) biodiversidade que possui, não é possível à Amazônia acolher, tão-somente, 3% do número de doutores de todo o país – contra 35% do total nacional apenas no estado de São Paulo –, restando impedida, de antemão, pela baixa densidade científica instalada, de responder, positiva e tempestivamente, às demandas por conhecimento e inovação. Trata-se de um abismo cognitivo colossal; talvez a maior de todas as assimetrias e injustiças nacionais, alicerçada nas fundações do Império e retocada nos acabamentos da República; uma condenação a priori dos brasileiros do Norte à dependência quase que total de outras regiões do país: dependência na formação qualificada; dependência na capacidade de inovação tecnológica; dependência na produção industrial; na geração de informação e conhecimento; nas iniciativas empreendedoras capazes de agregar escala de mercado aos produtos gerados, emprego e renda. A condição amazônica representa a maior prova da inexistência de um Projeto (inclusivo) de Nação e da não efetividade de um Pacto Federativo responsável, justo e solidário – como apontava Furtado, no mesmo tom, para o caso do Nordeste.

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Uma situação de subdesenvolvimento estrutural, cujas raízes repousam na omissão do Estado e nos equívocos dos modelos de planejamento historicamente impostos à região.

Por aplicação da ótica furtadiana, o desafio do desenvolvimento amazônico é, ao mesmo tempo, de natureza científico-tecnológica e política. Supõe ciência de ponta e um Projeto de Nação alicerçado num Pacto Federativo mais justo e solidário, com indução, pelo Estado brasileiro, de oportunidades mais igualitárias a todos os seus cidadãos. As históricas desigualdades regionais, como se sabe – que reproduzem, em nível interno, a mesma ordem de contrastes entre países ricos e pobres, em plano internacional –, em muito decorrem das assimetrias dos investimentos nacionais, entre outras coisas, em ciência e tecnologia, canalizados, ao longo de décadas, para poucos estados da Federação. Disto resultou o paradoxo do surgimento e consolidação de algumas (e importantes) “ilhas de competência”, sobretudo no Sul/Sudeste, mas cercadas por um oceano de limitações e óbices relativamente ao restante do conjunto federativo (caso do Nordeste e da Amazônia), não obstante as potencialidades e vocações produtivas presentes em todo o território nacional.

O modelo de desenvolvimento a ser buscado para a Amazônia é um imenso desafio, na medida em que não há disponível, no mundo, referência de país tropical desenvolvido com economia baseada no aproveitamento racional de recursos florestais, em que o desenvolvimento social e econômico esteja conciliado com a conservação da natureza e das diferentes culturas autóctones. Os próprios países que lideraram a revolução científico-tecnológica e a constituição do atual sistema capitalista mundial criaram um modelo de progresso pautado na destruição da natureza e dos povos, hoje com esgotamento do padrão dominante refletido na grave crise ecológica instalada em todo o planeta. Ou seja: não dá para confiar no capital internacional, nem nas forças “espontâneas” do mercado.

O desafio brasileiro, nesse quadro, não é nada trivial: tentar – com as contribuições cruciais da ciência, da tecnologia e da inovação – a construção da única “civilização florestal” da história moderna, em bases sustentáveis e tecnologicamente avançadas, servindo de paradigma alternativo para o mundo, com oferta de soluções criativas e inovadoras para os crônicos problemas sociais e ambientais em zonas do Trópico Úmido. Sim, o futuro da Amazônia depende de um modelo de desenvolvimento em que a base de todo o progresso humano esteja fincada na exploração inteligente, seletiva e ambientalmente segura de seus inigualáveis recursos naturais (solo, sub-solo, floresta, rios e lagos), assentada numa excepcional condição de geração de energia em bases limpas (fontes renováveis e não poluentes) – fator diferencial de forte atração a novos investimentos num contexto de crise ambiental-energética mundial –, e com planejamento e apoio do Estado brasileiro. O novo paradigma que deve organizar e dirigir os novos investimentos terá de estar orientado, prioritariamente, ao aproveitamento racional desses ativos ambientais, compostos, basicamente, por recursos naturais renováveis, com políticas públicas comprometidas com a emergência de uma “economia verde”, de base científica, tecnologias customizadas e visão dilatada sobre as populações locais e as gerações futuras.

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Nos quadros da atual crise ambiental planetária, um novo modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia poderia anunciar um inédito e amplo horizonte de oportunidades, com liderança mundial na formulação e atuação de um paradigma econômico conciliador do progresso material com o respeito ao meio ambiente. A plena demonstração que “economia verde” e redução da pobreza podem ser fatores diretamente complementares e elementos de uma nova equação desenvolvimentista, de forte apelo internacional e fator catalisador de futuros (e necessários) investimentos globais, mas regidos com soberania nacional.

É de bom alvitre destacar que a imagem midiaticamente construída da Amazônia – e que coloniza o senso comum em âmbito nacional e internacional – é, tão-somente, a de um local exótico, quase inabitado, espécie de “santuário intocável” que precisa ser preservado a todo custo, negando-se a ela (às suas populações) as condições científicas e tecnológicas necessárias à formulação de alternativas adequadas de desenvolvimento humano. O destino da Amazônia, contudo, não pode ficar refém da histórica condição de “território primitivo”, de função de reserva extrativista ou estoque genético das multinacionais. Em nome da preservação da floresta não se pode admitir, acriticamente, a contra-hegemonia da ideologia fetichizada do falso ambientalismo, socialmente excludente e politicamente reacionário, quando se sabe que um dos aspectos centrais da acirrada disputa internacional, neste início de milênio, dar-se-á pelo acesso às principais fontes de recursos naturais estratégicos ainda preservados, com destaque para as reservas da África e da América do Sul – e com foco na Amazônia. “Um projeto de desenvolvimento sustentável [para a Amazônia] exige a superação do falso dilema desenvolvimento x conservação, [em que] ao lado das Áreas Protegidas é urgente conceber e implementar um novo modelo de desenvolvimento capaz de utilizar – sem destruição – o seu capital natural para gerar e distribuir riqueza para as populações regionais, a região e o País” (BRASIL, 2010, p. 86).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: O DESAFIO “AMAZÔNIA”

Celso Furtado nos legou uma grande e inesquecível lição: a de que o subdesenvolvimento de uma sociedade acaba sendo, sempre, a expressão de um insuficiente nível de racionalidade pública e social. Desta forma, a sua superação somente pode ser concebida no quadro de um projeto político capaz de subordinar os interesses individuais aos interesses coletivos, buscados a médio e longo prazo através do planejamento do desenvolvimento. Implica, portanto, na tentativa de encontrar resposta a múltiplas e interconectadas questões. Mas, acima de tudo, na manipulação correta da “mão visível” do Estado.

Na ótica furtadiana, qualquer tentativa de superação do subdesenvolvimento deve estar assentada num projeto político, fundado em percuciente conhecimento da realidade e esposado por amplos segmentos sociais, que aumente o poder regulador das atividades econômicas, única forma de colocá-las a serviço da satisfação das necessidades sociais legitimamente conhecidas e com capacidade de romper o quadro de dependência estrutural

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de uma economia periférica. Este processo deve estar ancorado à idéia de um projeto que recupere o mercado interno como centro dinâmico da economia, reforme as estruturas anacrônicas que pesam sobre a sociedade e comprometem sua estabilidade, e resista às forças que operam no sentido da desarticulação do sistema econômico regional e nacional, e que, portanto, ameaçam a unidade federativa.

Isto pressupõe o exercício de uma vontade política socialmente respaldada e num projeto político-social bem definido, tendo-se em vista, sempre, que o desenvolvimento econômico precisa ser entendido como um processo dinâmico que transcende aspectos de natureza puramente econômica, alcançando toda a estrutura de organização da sociedade, comportando sempre elementos de intervenção e invenção. O desenvolvimento é um processo autônomo, sustentado e civilizador, baseado no progresso tecnológico e manifesto numa estrutura de sociedade mais adiantada, englobando aspectos culturais, institucionais, sociais e econômicos, que alargam os horizontes de possibilidades dos agentes e que conduzem a acumulação capitalista à criação de valores, bens e serviços que se difundem mais homogeneamente pela coletividade e que preservam o meio-ambiente para gerações futuras. Em última instância, implica na ampliação da liberdade em todas as esferas da vida e da sociedade. Neste sentido, na sua morfogênese, o desenvolvimento necessita desobstruir as forças que conspiram pela manutenção das estruturas tradicionais de dominação e reprodução do poder.

Hoje a Amazônia está submetida a um pacto federativo que relega a região a um papel de mera fornecedora de insumos, matérias-primas e produtos com baixo valor agregado, unicamente com a função de garantir o processo de acumulação do capital no centro-sul do Brasil ou em outras partes do mundo, sem uma devida compensação financeira ou social. Contraditoriamente, em que pese estar no centro dos interesses mundiais, vista como área estratégica de preservação ambiental, a região permanece na periferia dos interesses estratégicos nacionais.

A única forma possível de preservar a Amazônia e dar-lhe densidade e dinamismo social e econômico sustentável, no presente e no futuro, com inclusão de suas populações tradicionais – concordaria Celso Furtado –, é construir um Projeto Nacional para a região, coordenado pelo Estado brasileiro e pautado numa estratégia de desenvolvimento centrada na utilização de suas fontes energéticas renováveis e de sua inigualável biodiversidade. Nessa perspectiva – e em conseqüência –, deve-se alterar o paradigma produtivo, evoluindo-se do obsoleto extrativismo secular e predatório (centrado unicamente na exportação) a uma vigorosa e moderna economia do conhecimento, alavancada por investimentos estratégicos em ciência e tecnologia, com fins de inovação. Somente os frutos dessa nova economia verde – ainda por vir – permitem vislumbrar uma maior e mais dinâmica inserção regional nos mercados nacional e global, uma vez que a agregação de conhecimento à produção local renderá maior eficiência e competitividade aos setores mais dinâmicos da economia regional – sobretudo no que toca à inovação de produtos que tenham a biodiversidade como insumo – gerando-se, na escala necessária, ocupação, emprego e renda.

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O fundamento da guinada histórica da Amazônia repousa numa revolução científico-tecnológica, com apoio decisivo da União – um Projeto Nacional para a região – e orientação ao aproveitamento inteligente dos recursos da biodiversidade por meio da fixação e difusão de conhecimentos e padrões produtivos substitutivos das velhas e superadas estruturas tradicionais. Trata-se de um desafio imenso, necessário, a requerer vontade política, prioridade nacional e envolvimento dos atores e agentes institucionais em todos os níveis de sua atuação. Um desafio que envolve reflexão, planejamento e ação, elementos que reverberam, conferindo atualidade, a muitos dos pressupostos do ideário de Celso Furtado.

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CRESCIMENTO ECONÔMICO NA REGIÃO AMAZÔNICA: O CASO DO ESTADO DO TOCANTINS

Waldecy Rodrigues

1 INTRODUÇÃO

O trabalho tem como objetivo analisar o processo de crescimento econômico do estado do Tocantins, considerando o cenário amazônico, bem como, apontar possíveis políticas para um processo de desenvolvimento sustentado em uma perspectiva de longo prazo. Parte de uma visão institucionalista do crescimento econômico que ressalta a importância das políticas públicas e do ambiente institucional no processo, bem como destaca a importância da escolha de trajetórias eficientes pela sociedade.

A partir da metodologia comparativa, principalmente, entre os estados da região norte, notadamente na avaliação de dados relacionados com Produto Interno Bruto (PIB) o trabalho foi dividido em três fases: diagnóstico, perspectivas e políticas. O enfoque da metodologia comparativa consiste em relacionar indicadores selecionados com intervenções e/ou características de grupos, sem exigências a respeito da distribuição de probabilidade dessas variáveis (RAGIN, 1989). Porém, o método comparativo permite estabelecer regularidades dos fenômenos e enxergá-los a partir de similaridades e heterogeneidades entre as observações coletadas.

O estado do Tocantins foi fundado no ano de 1988, sendo resultado da divisão do estado de Goiás. A economia do estado do Tocantins encontra-se em um ritmo moderado de expansão, porém apresenta grandes potencialidades de desenvolvimento. Sua localização estratégica no centro do país, sendo uma área de transição entre os Cerrados e a Amazônia, faz com essa região, dependendo das estratégias de desenvolvimento utilizadas possa dar saltos qualitativos e quantitativos consideráveis nas próximas décadas (RODRIGUES, 2003).

A economia do Tocantins foi historicamente influenciada pela pecuária extensiva de corte e pela grande concentração fundiária. Após a criação do estado em 1988, foram elaboradas políticas no sentido de dinamizar outras atividades econômicas, onde se destaca o apoio à agricultura familiar, o estímulo ao processo de industrialização, a tentativa da implantação de arranjos produtivos locais (principalmente a fruticultura) e o impulso do ecoturismo em algumas regiões do estado. Após o ano de 1999, uma nova onda do impulso do crescimento do agronegócio tocantinense foi estimulado pela ampliação da produção e da quantidade produzida da soja em escalas exponenciais. Porém, este processo de crescimento foi atenuado com a recente crise do agronegócio brasileiro ocorrido, principalmente, no ano de 2005 devido ao processo de valorização da moeda brasileira.

Entretanto o crescimento não planejado do chamado “grande agronegócio” no estado trás algumas indagações sobre sua efetividade no desenvolvimento econômico e

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ecologicamente sustentado do estado, uma vez que esta cultura tende a promover uma forte concentração de renda e particularmente no Tocantins avança em direção a áreas ambientalmente frágeis.

2 A ECONOMIA DO TOCANTINS NO CENÁRIO AMAZÔNICO: DIAGNÓSTICO

A região Norte do país vem demonstrando desde o início da década de 1990 um processo contínuo de crescimento econômico, seguindo uma tendência diferenciada com relação ao restante do país (Gráfico 1).

Grá� co 1: Taxas absolutas de crescimento econômico no cenário amazônico - 1991-2006

Fonte: elaborado a partir de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA-DATA, 2006). (*) projeções.

A região apresentou no período de 1991-2006 uma média de crescimento de 4,0% ao ano, superior a média brasileira de 2,7% ao ano (Gráfico 2). Outro bom indicador para a região Norte do país é o coeficiente de variação1. As taxas crescimento variaram em torno de 5,0% com relação à média de crescimento, o que demonstra uma persistência do processo de crescimento, sem grandes sobressaltos. Enquanto no caso brasileiro, o coeficiente de variação ficou em 73,51% o que demonstra uma grande instabilidade no processo de crescimento ao do período em análise.

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Grá� co 2: Taxas relativas de crescimento econômico no cenário amazônico - 1991-2006

Fonte: elaborado a partir de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA-DATA, 2006). (*) projeções.

O estado do Tocantins obteve um crescimento médio de 3,2%, no período de 1991-2006, abaixo da média da região Norte, porém pouco acima do crescimento econômico brasileiro. Entretanto, o estado tem um dos menores PIB per capita do país, cerca de R$ 2.460 por ano, ficando em todo país apenas na frente dos estados do Maranhão e Piauí. O PIB per capita do estado representa 60,74% e 38,5% dos indicadores da Região Norte e do Brasil, respectivamente (Gráfico 3). Ressalta-se que o estado do Tocantins é o de menor PIB per capita da região Norte do País.

Grá� co 3: PIB per capita (em R$) no cenário amazônico - Ano 2005

Fonte: elaborado a partir de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA-DATA, 2006).

O baixo nível de PIB per capita demonstra que o estado do Tocantins ainda enfrenta grandes desafios para seu crescimento e desenvolvimento econômico e social. A situação socioeconômica do estado é agravada pela grande proporção existente de pobres, no ano

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de 2005, 34% da população tem renda familiar mensal menor do que 0,5 salário mínimo. Ressalta-se o avanço nesse indicador social para o estado, uma vez que o índice entre 1999-2005 caiu 14% em termos absolutos, mas mesmo assim é um indicador superior a média nacional (23%) (Gráfico 4). Isso demonstra que no estado às pressões por serviços públicos e por políticas compensadoras de renda exercem uma forte pressão por recursos no estado.

Grá� co 4: Evolução da proporção de pobres no cenário amazônico - 1999 e 2005

Fonte: elaborado a partir de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA-DATA, 2006).

As capitais da região Norte do país, com exceção de Belém, Pará tem taxas de crescimento demográfico superiores à média nacional de 1,6% ao ano. Merece destaque a cidade de Palmas, Tocantins, após sua construção em 1990 para ser a nova capital do estado, houve um grande incremento demográfico no município. Considerando o período em análise, 1991-2005, as taxas médias de crescimento demográfico são de 15,9% ao ano (Gráfico 5). Naturalmente, esta expansão demográfica tornou a capital do estado do Tocantins e sua nova capital local de novas oportunidades, com a atração de correntes migratórias de todas as partes do País, entretanto também trouxe uma necessidade rápida da expansão da infraestrutura, principalmente, relacionada à saúde e à educação para atender as crescentes necessidades da população (Gráfico 5).

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Grá� co 5: Taxas anuais de crescimento demográ� co nas capitais do cenário amazônico - 1991-2005

Fonte: elaborado a partir de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA-DATA, 2006).

3 A ECONOMIA DO TOCANTINS NO CENÁRIO AMAZÔNICO: PERSPECTIVAS

Através do método comparativo, ao se relacionar os níveis médios das taxas de crescimento econômico com os patamares dos Produtos Internos Brutos per capita, podem-se tirar conclusões sobre a natureza do processo de crescimento econômico, que as unidades da Federação estão sujeitas. Observa-se no gráfico 6, que comparando com a média brasileira todos os estados da região Norte tiveram um crescimento econômico superior. Porém, com exceção do estado do Amazonas, todos os demais possuem um produto per capita inferior à média nacional.

Considerando o período de 1991-2006, podem-se dividir os estados da região norte em quatro grupos com relação ao crescimento econômico (Gráfico 6):

• Estados com crescimento baixo: Tocantins e Pará.• Estados com crescimento moderado: Roraima, Acre, Amapá e Rondônia.• Estados com crescimento alto: Amazonas.

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Grá� co 6: Crescimento econômico médio (1991-2006) x renda per capita no Brasil

Fonte: elaborado a partir de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA-DATA, 2006). (*) a partir do ano de 2003 os dados foram projetados.

O estado do Tocantins necessita encontrar um processo vigoroso e consistente de crescimento econômico. O fato de que, praticamente, desde sua fundação até os dias de hoje o estado do Tocantins cresceu em média 3,1% ao ano, acima da média brasileira que foi de 2,5% ao ano, porém bastante abaixo de grande parte dos entes federados.

O estado do Tocantins continua com um dos mais baixos produtos per capita do país, ficando a frente somente dos estados do Piauí e do Maranhão. Diante dos desafios econômicos e sociais que o estado enfrenta pode-se afirmar que as taxas de crescimento são bastante tímidas. Chama atenção o fato de todos os estados da região Norte cresceram mais em média que o estado do Tocantins, senão vejamos: Amazonas (8,5%), Amapá (4,8%), Rondônia (4,7%), Acre (4,1%), Roraima (4,1%) e Pará (3,3%).

Por que o estado do Tocantins cresce menos que maioria absoluta dos estados do Centro-Norte do país? O que se deve fazer para acelerar o processo de crescimento econômico, de preferência, estimulando a distribuição de renda?

O estado do Tocantins tem uma economia bastante incipiente e as instituições ainda em processo de consolidação. Ainda, alicerçada em cadeias produtivas com baixos níveis de competitividade, sem contar que combinado com um baixo nível de renda per capita existe uma forte concentração da riqueza. Também, acresce-se a isso uma forte dependência da economia com relação ao setor público.

Conforme pode ser observado no Gráfico 7, a composição do PIB do estado do Tocantins entre 1991 e 2003 teve um avanço significativo com a maior participação do setor industrial, saindo de uma participação relativa de 5,8% para 26,1% do total

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do PIB. Porém, bastante abaixo dos estados produtores da região Norte, Amazonas (66,6%) e Pará (35,2%). Já a participação da administração pública no PIB se mantém praticamente estável no estado do Tocantins, indo em 1991 de 24,6% para 23,6% em 2003. Porém, bastante superior às participações relativas da administração pública do PIB, no Amazonas (9,74%) e no Pará (16,5%). Porém, trata-se de uma tendência para a economia do estado do Tocantins, uma vez que isso representa no avanço do coeficiente capital/produto, que é um indicador que representa a melhoria da capacidade instalada da economia.

Grá� co 7: Composição do PIB a preços de mercado do estado do Tocantins - 1991 e 2003

Fonte: elaborado a partir de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA-DATA, 2006).

4 PROJEÇÃO DE CRESCIMENTO DA ECONOMIA DO TOCANTINS (2030)

Para projeção dos futuros possíveis da economia do Tocantins, bem como, para a elaboração de políticas que possam situar a economia em cenários alternativos é necessário um modelo econométrico adequado para a realização das predições. A análise de regressão é um dos instrumentos mais adequados para o tratamento, sistematização e projeção de dados. É constituída por uma série de instrumentos capazes de estabelecer relações causais entre variáveis e possibilitar predições destas variáveis, a partir de modelos econômicos e matemáticos definidos.

O modelo escolhido para explicar o crescimento do Produto Interno Bruto do Tocantins foi o seguinte:

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Equação 1 - Modelo para previsão do crescimento econômico do Tocantin

PIBTocantins= F( IConsumo, ICTO, IGG, IPIBBR*, IGA)

Onde:

IPIBTO – Índice da evolução do crescimento do Produto Interno Bruto do Tocantins;

ICONSUMO – Índice da evolução do consumo de energia elétrica das unidades residenciais;

ICTO – Índice da evolução do crescimento da participação da indústria da construção civil do Tocantins no país;

IGG – Índice da evolução dos gastos do governo;

IPIBBR – Índice da evolução do crescimento do PIB brasileiro;

IGA – Índice do grau de abertura da economia do Tocantins ao resto do mundo.

Assim, o crescimento econômico no Tocantins é explicado pela variação do consumo de energia elétrica das unidades residenciais, que é uma aproximação da evolução das despesas de consumo das unidades familiares do Estado. Já a participação da indústria da construção civil do Tocantins no País se constitui em uma aproximação dos níveis de investimentos privados realizados no Estado. Já a evolução dos gastos públicos1 teria uma relação diretamente proporcional com o processo de crescimento econômico do Estado. Espera-se que o maior crescimento da economia brasileira2 amplie a demanda interregional por bens e serviços produzidos no Tocantins. Também, espera-se que com a maior inserção internacional da economia do Tocantins, representado pelo aumento do grau de abertura da economia, ocorra um maior crescimento econômico do Estado.

Portanto, o modelo que projetará o PIB do Tocantins, e servirá de elemento para a projeção das demais variáveis (população, PIB per capita) é o seguinte:

Tabela 1 – Modelo de projeção do crescimento econômico do Tocantins

Parâmetro Coeficientes Erro Padrão Teste t P-valor.Constante 25,96816 15,99034 1,62399 0,13882Consumo de energia elétrica das unidades residenciais

0,41329 0,195449 2,11456 0,06360

Participação da Indústria da Construção do Tocantins no país

0,084919 0,015005 5,65952 0,00031

Gastos do governo 0,22088 0,13845 1,59535 0,14510

Produto Interno Bruto do Brasil 0,23700 0,024801 9,55614 0,00000

Grau de abertura 0,00047 0,000289 1,59557 0,13889

R² 0,97799

P-Valor 0,00000

Durbin-Watson (d) 2,7277

Fonte: Elaboração própria.

1 Com exceção dos gastos com pessoal.2 Excetuando o crescimento econômico do Tocantins.

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O poder explicativo do modelo ajustado resultou em R² = 0,97799, representa o quanto a variabilidade total do PIB do Tocantins, é explicada pelas variáveis independentes presentes no modelo. Trata-se de um coeficiente de determinação satisfatório e robusto. Na Análise de Variância (ANOVA) constatou-se um nível de significância do modelo (P-valor)3 = 0,000, representa que suas projeções serão confiáveis.

A análise dos valores absolutos dos coeficientes de regressão e da probabilidade de significância das variáveis (P-valor) permite concluir:

a) Com relação ao nível de consumo de energia elétrica das unidades residenciais (X1), trata-se de uma variável que se apresentou altamente significativa, p = 0,06360, foi confirmada a expectativa teórica, uma vez que apresentou uma relação direta com o nível de crescimento econômico do Estado. Quanto maior o nível de consumo privado implicará num maior nível de crescimento da economia do Estado.

b) Quanto à participação da Indústria da construção do Tocantins no país (X2), também demonstrou ser uma variável significativa, p = 0,00031, com coeficiente de regressão positivo, indicando que a expansão relativa do nível de atividade da construção civil implica em um impulso para o crescimento econômico do Estado.

c) A variável gastos do governo (X3) se apresentou significativa, p = 0,14510, com coeficiente de regressão apresentou positivo, indicando que a expansão relativa dos gastos do governo implica em um impulso para o crescimento econômico do Estado.

d) A variável Produto Interno Bruto do Brasil (X4) também se apresentou significativa, p = 0,00000, com coeficiente positivo. Isso significa que a ampliação do PIB brasileiro representa um maior poder de compra para as demais unidades da federação dos bens e serviços produzidos no Tocantins.

e) A variável grau de abertura (X5), também, demonstrou-se significativa p = 0,13889, com coeficiente de regressão positivo, indicando que quanto mais internacionalizada a economia do Tocantins, maiores serão os efeitos sobre o seu crescimento econômico.

A investigação dos prováveis futuros da economia do Tocantins até o ano de 2030 gerou três cenários que se diferenciam pelas visões contrastadas que se tem sobre o futuro do Estado: pessimista, provável e otimista.

No cenário pessimista conta-se com uma relativa desaceleração do crescimento econômico do país, uma relativa desaceleração dos níveis de consumo interno, pouca aceleração do processo de investimento e da expansão da indústria da construção, redução da evolução dos gastos do governo para a metade de sua média histórica e uma economia com o atual nível de abertura ao exterior e uma política de comércio exterior bastante

3 A signi� cância estatística de um resultado é uma medida estimada do grau em que este resultado é “verdadeiro” Mais tec-nicamente, o valor do nível-p representa um índice decrescente da con� abilidade de um resultado. Quanto mais baixo o nível-p, mais se pode acreditar que a relação observada entre as variáveis na amostra é um indicador con� ável da relação entre as respectivas variáveis na população.

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tímida, ou seja muito pouco integrada ao cenário internacional.

No cenário provável conta-se com uma manutenção dos atuais níveis de crescimento econômico do país, uma manutenção dos atuais níveis de expansão do consumo interno, moderada aceleração do processo de investimento e da expansão da indústria da construção, redução da evolução dos gastos do governo para dois terços de sua média histórica e uma economia com moderado nível de abertura ao exterior e uma política de comércio exterior de eficácia moderada, ou seja, relativamente integrada ao cenário internacional.

No cenário otimista conta-se com uma expansão dos atuais níveis de crescimento econômico do país, um crescimento dos atuais níveis de expansão do consumo interno, acentuada aceleração do processo de investimento e da expansão da indústria da construção, manutenção da evolução dos gastos do governo para atender as necessidades do crescimento econômico e uma economia com alto nível de abertura ao exterior e uma política de comércio exterior arrojada, ou seja, bastante integrada ao cenário internacional.

O nível de desenvolvimento econômico do estado do Tocantins vai depender de uma série de fatores conjunturais e estruturais. Algo que não é comumente discutido, é que também os padrões de desenvolvimento econômico presente e futuro dependem das escolhas estratégicas que a sociedade faz.

Quais são as suas escolhas estratégicas que o estado do Tocantins em termos de padrão de desenvolvimento? Quais serão os efeitos econômicos concretos - em termos de PIB, expansão demográfica e estrutura da economia - se o estado adotar ou não uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo?

O contraste entre os cenários elaborados (do mais pessimista ao mais otimista) traz a clara noção de como será o futuro econômico do estado do Tocantins no ano de 2030:

1. O PIB do Tocantins será no mínimo R$ 25,4 bilhões e no máximo a R$ 120,5 bilhões, provavelmente girará em torno de R$ 53,6 bilhões (Gráfico 8);

2. A população do Tocantins será no mínimo 2,1 milhões no máximo de 5,5 milhões habitantes, provavelmente girará em torno de 3,2 milhões habitantes (Gráfico 9);

3. O PIB per capita anual de Palmas será no mínimo R$ 12.226 e no máximo a R$ 23.880, provavelmente girará em torno de R$ 16.616 (Gráfico 10);

4 A participação do setor público na economia será no mínimo de 17,5% e no máximo de 34,7%, provavelmente girará em torno de 25,6% (Gráfico 11);.

5. As exportações tocantinenses serão no mínimo U$ 349 milhões e no máximo de U$ 5,3 bilhões, provavelmente girará em torno de U$ 1,2 bilhões (Gráfico 12).

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

Grá� co 8: Cenários futuros da evolução do Produto Interno Bruto (PIB) - Tocantins - 2008-2030

Fonte: Resultado da Pesquisa.

Grá� co 9: Cenários futuros da evolução da população - Tocantins - 2008-2030

Fonte: Resultado da Pesquisa.

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A AMAZÔNIA EM DOZE ENSAIOS - COLETÂNEA DO VI ENAM

Grá� co 10: Cenários futuros da evolução do PIB per capita - Tocantins - 2008-2030

Fonte: Resultado da Pesquisa.

Grá� co 11: Cenários futuros da evolução da participação do setor público no PIB - Tocantins - 2008-2030

Fonte: Resultado da Pesquisa.

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1912 – 2012 CEM ANOS DA CRISE DA BORRACHA: DO RETROSPECTO AO PROSPECTO

Grá� co 12: Cenários futuros da evolução das exportações tocantinenses - Tocantins - 2008-2030

Fonte: Resultado da Pesquisa.

5 A ECONOMIA DO TOCANTINS NO CENÁRIO AMAZÔNICO: POLÍTICAS

A seguir são elencadas algumas políticas públicas que podem ser capazes de retirar o estado do Tocantins do ciclo vicioso que se encontra: baixo nível de crescimento econômico mesclado com um baixo Produto Interno Bruto per capita.

Em primeiro lugar, necessita-se de dinamizar a estrutura econômica. A economia do estado é historicamente influenciada pela pecuária extensiva de corte, subsidiariamente, pela grande monocultura e pela forte presença da administração pública. A grande concentração fundiária também é um fator marcante do ambiente econômico tocantinense. Recentemente foram elaboradas políticas no sentido de dinamizar outras atividades econômicas, onde se destaca o apoio à Agricultura Familiar, o estímulo ao processo de industrialização, a tentativa da implantação de Arranjos Produtivos Locais, o impulso ao ecoturismo em algumas regiões do estado. Esse processo deve continuar, principalmente, promovendo a agregação de valores em nosso território. Nesse particular, o estímulo a investimentos em melhoria de processos e produtos deve ser particularmente incentivado.

Em segundo lugar, atrair novos investimentos e investidores. Para isso o estado deve se mostrar confiável aos mesmos, manter ou ampliar as condições de crédito, ter uma legislação tributária “competitiva” (até que chegue a Reforma Tributária na esfera nacional) e, principalmente, discutir os incentivos tributários que o estado recebe em comparação com os demais da região Norte. Pois se aparentemente a economia do Tocantins não tem grandes desvantagens localizacionais, indaga-se por que a economia tocantinense vem se mostrando do ponto de vista do crescimento econômico, menos dinâmica que os demais estados da região. Também deve-se ter crédito disponível para o atendimento aos investidores, não apenas em volume, mas na liberação de recursos em tempo hábil.

Em terceiro, lugar ter um estado bem gerido e planejado, com dívida interna sob controle e com uma moderna gestão pública. Um dos grandes desafios para o crescimento

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econômico sustentado do estado do Tocantins é desassociar a dinâmica econômica da expansão dos gastos públicos, principalmente os correntes. A capacidade de expansão do setor público praticamente já atingiu seu ápice, restando à busca de novas alternativas de crescimento econômico no estado alicerçado fundamentalmente na expansão do setor privado. Também, é importante fortalecer a capacidade institucional (e de gestão) dos municípios. Deve-se investir o que for necessário para a modernização dos municípios e para a implantação de políticas públicas capazes de elevar o nível de inovação no território.

Em quarto lugar, continuar fomentando a implantação das chamadas obras estruturantes. Merece destaque a continuidade da Ferrovia Norte-Sul. Porém, o complexo logístico necessita de outros incrementos em modais complementares de transporte e armazenagem. O investimento em grandes usinas hidroelétricas também é aparentemente bem vindo, porém a questão compensações ambientais deve ser tomada com uma “bandeira” para o estado do Tocantins, uma vez que temos poucos benefícios econômicos relativos dada à quantidade de energia que é gerada para outros mercados.

Em quinto lugar, deve-se estimular a implantação de Arranjos Produtivos Locais e cadeias produtivas, principalmente, orientada para o mercado internacional. A abertura da economia sempre é positiva para a modernização dos diversos processos produtivos. Deve-se investir com seriedade nas possibilidades que o estado tem de inserir no mercado internacional, principalmente naqueles produtos com maior conteúdo tecnológico. Merecem destaque, tanto os esforços realizados em fruticultura quanto em cadeias de produção agroenergéticas já em curso no estado.

Por fim, deve-se fortalecer institucionalmente a sociedade. Deve-se investir com eficácia no bom funcionamento das instituições, com destaque para a educação, a cultura, a segurança e a saúde. Por outro lado, os contratos devem ser respeitados e o ambiente jurídico deve permitir seu cumprimento. As legislações devem ser conformadas para a defesa da sociedade, porém, sem ser um entrave ao processo de crescimento econômico.

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ECONOMIA VERDE E OS DESAFIOS DECONSERVAÇÃO DA AMAZÔNIA

João Tezza Neto

1 REFLEXÕES SOBRE ECONOMIA VERDE

O termo desenvolvimento sustentável suscita muitas interpretações e diferentes aplicações dependendo do contexto ou os interesses envolvidos. Certamente a compreensão dos economistas convencionais não é a mesma daqueles que se posicionam com maior sensibilidade ao problema ambiental. Apesar de que a compreensão clássica sobre desenvolvimento sustentável está relacionada à capacidade de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações, em última instância trata-se de uma discussão sobre os limites da economia na relação com o meio ambiente e na percepção de finitude1 dos recursos naturais. O primeiro grande questionamento a esse respeito ocorre no trabalho de um grupo multidisciplinar de cientistas do MIT com o relatório Os limites do Crescimento, apresentado em 1972 conjuntamente ao Clube de Roma. A partir desse trabalho, baseado de forma pioneira na modelagem computacional, o debate acadêmico (por vezes ideológico) ganha contornos formais em torno de idéias apoiadas no controle populacional, nos limites da tecnologia enquanto solução para todos os males da escassez de recursos, e no efeito colateral perverso para o meio ambiente e para a saúde humana de medidas tecnológicas tidas como inevitáveis – tendo como um dos principais exemplos a defesa dos agrotóxicos.

No mesmo período de efervescência das indagações à respeito de uma nova sociedade, segundo Norman Borlaug (McCORMICK 1992, apud CORAZZA, 2005, p. 440), agrobiologista americano, “pai” da revolução verde, e defensor da tese de que [...] “o mundo está condenado, não por envenenamento químico, mas pela fome”2 ganha o prêmio Nobel da Paz em 1970. Em um período de guerra fria e um forte viés ideológico no ambiente acadêmico, as teses da economia convencional prevaleceram no mundo prático e os chamados maníacos do crescimento seguiram freqüentando o centro do ringue no debate econômico internacional. Poderíamos afirmar que avançamos em termos de arcabouço teórico do desenvolvimento sustentável, mas pouco disso desdobrou-se em valores e princípios para a sociedade delinear prioridades políticas e práticas.

Ainda que os fenômenos sociais econômicos vividos pela sociedade contemporânea tenham raízes profundas e estejam conectadas com a ancestralidade humana, assim como a chegada da era do sedentarismo, é possível determinar passagens de nossa sociedade que

1 Como ressaltado por Del� n Neto em “O que os economistas pensam sobre sustentabilidade” (2010).2 Corazza (2005).

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refletem pontos de inflexão agudos de inquestionável relevância. Nesse sentido, um olhar retrospectivo aponta especial relevância para os últimos 250 anos de nossa história. De fato, quando a economia assumiu as feições de ciência independente da filosofia referenciada na obra de Adam Smith e de outros clássicos, a sociedade passava por um decisivo ponto de transformação que provocaria uma série de revoluções: industrial, dos transportes, médica, agrícola e mais recentemente a digital.

A população humana no planeta, que havia levado milênios para acumular pouco mais de 500 milhões de pessoas, precisou (sob os efeitos desse conjunto de valores, comportamentos e métodos) apenas de 250 anos para atingir os 7 bilhões dos dias de hoje. É crucial indagar sobre o que aconteceu com o nosso sistema de crenças3 que nos levou a tão significativo salto e a partir daí pesquisar a relação entre sociedade humana e natureza.

Grá� co 1 - Evolução da população humana na Terra

Fonte: Grá� co obtido a partir de dados da Divisão de Populações das Nações Unidas (1999). – The World of Six Bilions (1999) - http://www.un.org/esa/population/publications/sixbillion/sixbillion.htm

Quais foram as doutrinas que se cristalizaram no contexto das profundas transformações dos últimos duzentos e cinqüenta anos? Ou ainda, que conjunto de valores e princípios formadores de um sistema religioso, político, filosófico, pedagógico e econômico, está na origem de nosso “super êxito” enquanto espécie no topo absoluto da cadeia de domínio dos recursos naturais no planeta? Dentro desse período, o cientificismo finalmente cria as bases metodológicas de produção capazes de um impulso sem precedentes

3 Um sistema de crenças reúne crenças e valores compartilhados por uma determinada cultura, que de� nem sistematica-mente o modo como perceber o mundo social, cultural, físico e psicológico. Nossa compreensão dos valores de uma cultura e nossa aceitação ou rejeição desses valores são freqüentemente baseados em nosso próprio sistema de crenças.

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na sociedade humana para interferir e transformar recursos naturais em produtos de consumo. Agregamos tecnologia e produtividade ao mito grego da satisfação pela ação4, e explorando ao máximo suas potencialidades, nunca nos atentamos verdadeiramente para finitude dos recursos naturais ou para as conseqüências climáticas das emissões dos gases decorrentes da atividade humana na terra.

Teria sido uma falha filosófica e científica da economia considerar os recursos naturais como uma espécie de donativo infinito da mãe natureza? Ou mesmo que poderíamos ser eternamente capazes de solucionar através da tecnologia a redução dos recursos naturais? Certamente, o conceito de recursos escassos tão no cerne da explicação sobre economia difere integralmente do conceito de recursos finitos. Uma pista da negação de finitude está na afirmação dos economistas convencionais, de que a sustentabilidade é entendida como um capital constante5 formado por recursos naturais, trabalho e capital produzido. Sendo assim, a capacidade de produzir (e não os recursos naturais) é o elemento chave para a sobrevivência das próximas gerações e, portanto para a sustentabilidade, pois à medida que se perde em proporção os recursos naturais, o sistema poderá compensar com maior aporte dos outros dois fatores, mantendo assim a sustentabilidade. Mesmo com essa compreensão, onde a sustentabilidade resulta da relação entre três elementos (e portanto conceitualmente diferente), o argumento de redução de um dos elementos, não é o mesmo argumento de eliminação de um dos elementos. “A tecnologia pode amenizar os sintomas de um problema sem afetar as causas subjacentes [...] e pode sim desviar nossa atenção do problema mais fundamental: o problema do crescimento num sistema finito” (MEADOWS, 1972 apud CORAZZA, 2005, p. 439) Por outro lado, assumimos a nomenclatura de recursos não-renováveis para identificar aqueles que não oferecem um ciclo de reposição em prazo factível para a sociedade humana, ekm que nem mesmo a noção de longo prazo alcança. A nomenclatura aqui escolhida identifica algo por sua negação, deixando uma clara lacuna conceitual sobre a natureza desses recursos e que pode explicar a espécie de analgesia coletiva em torno da compreensão de finitude dos recursos naturais e fragilidade dos ecossistemas. Sendo assim, poder-se-ia dar outra dimensão doutrinária para o desenvolvimento da ciência econômica que não culminasse na corrida armamentista do consumo6 extremamente predatória ao planeta?

Definitivamente a ciência econômica não ofereceu tratamento conceitual voltado à percepção de valor do meio ambiente, além daquele emanado do esforço em obtê-lo e o interesse em usá-lo. A ausência do tratamento econômico para o valor intrínseco do meio ambiente pode estar na raiz de uma das premissas mais determinantes da doutrina econômica contemporânea: a de que crescimento do produto e do consumo é receituário

4 Correlação proposta por André Lara Resende em “O que os economistas pensam sobre sustentabilidade” (2010).5 José Eli da Veiga faz uma esclarecedora explicação sobre o entendimento de sustentabilidade enquanto capital constante

em Meio Ambiente & Desenvolvimento, 2006, p. 60.6 Eduardo Gianetti (2010), citando o conceito de “o bem posicional” de Fred Hirsh (1997), onde bens com essa caracte-

rística só fazem sentido à medida que podem produzir algum tipo de proeminência a quem o consome. Sendo assim a satisfação pelo consumo teoricamente acaba sempre que aquele bem ao ser massi� cado deixa de identi� car a posição de quem o consome.

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básico para a política macroeconômica. A popularidade do PIB enquanto índice econômico nos leva a conclusão de que crescimento econômico puro poderia vir antes até que mesmo que bem estar na escala de prioridades. Como bem registra André Trigueiro (2012)7, “a idéia de crescimento em si não é suficiente para determinar o elemento qualidade”. No entanto, a questão a ser respondida passa a ser como seria uma sociedade com a economia sem crescimento? Se crescem as necessidades, decorrentes e potencializadas pelo crescimento populacional, como não poderá crescer a economia?

Eli da Veiga (2006, p. 56), ao abordar a posição dos economistas mais pessimistas, resgata a obra de economistas clássicos como J. Stuart Mil e explica que “para a corrente mais cética só haverá alternativa para a decadência ecológica na chamada condição estacionária, que não corresponde, como muitos pensam, a crescimentos zero [...]. Na condição estacionária, a economia continuaria a melhorar em termos qualitativos, substituindo, por exemplo, energia fóssil por energia limpa. Mas nessas sociedades mais avançadas seria abolida a obsessão pelo crescimento”. A dinâmica seria dada pela melhoria contínua de qualidade de vida associada a conservação de recursos naturais, apontando muito mais para a termodinâmica do que para a mecânica, conforme abordado na lei da entropia (GEORGESCU-ROEGEN , 1995 apud VEIGA, 2006, p. 57)8, onde “todas as formas de energia são gradualmente transformadas em calor, sendo que o calor acaba se tornando tão difuso que o homem não pode mais utilizá-lo.”

Pode-se perceber que a inflexão em favor da mecânica corresponde ao surgimento do estágio científico do espírito humano, marcado pela teoria heliocêntrica e culminando com o domínio do pensamento positivista das universidades, onde [...] “reconhecendo a impossibilidade de alcançar noções absolutas, renuncia a buscar a origem e o destino do universo e a reconhecer as causas íntimas dos fenômenos, limitando-se com maior modéstia, mas resultados fecundos, a individuar as leis que regem o mundo físico” (NICOLA, 2005, p. 239). A compartimentalização do raciocínio proporcionou a sociedade avanço técnico e científico linear incontestável, mas que perde força a medida que a complexidade das inter-conectividade dos fenômenos se aprofunda, pois passa a impressão de que seria “desfocada” e excessivamente relativizante dos resultados. Nos dias atuais é senso comum a percepção de que vivemos a sociedade da especialização. No entanto, diante dos desafios ambientais, a carência é por compreensão e internalização da complexa teia de causas e efeitos da relação entre a espécie humana e a natureza. Não seria esse, um dos problemas filosóficos impostos pelo dilema sócio ambiental em que vivemos?

Atendo-se apenas ao paradigma das quantidades, a doutrina econômica vigente foi extremante eficiente: chegamos rapidamente ao número de 7 bilhões no planeta, ao mesmo tempo que contrariamos o anúncio de Malthus sobre a falta de alimentos. Com a superação dos limites propostos por Malthus, provavelmente (e ironicamente) conseguida a partir de seu alarme, a idéia de que a sociedade humana sempre será capaz de gerar

7 Em palestra proferida em junho de 2012 na Fundação Amazonas Sustentável.8 Citando Georgescu-Roegen em “Meio Ambiente e Desenvolvimento”, p. 57.

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progresso e inovação para enfrentar os desafios da escassez de recursos esteve presente como um firme pano de fundo para a civilização do século XX. Por sua vez, a análise ultra otimista de superação pela tecnologia, pode não se aplicar às questões climáticas. Segundo o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC), a atividade humana na terra está provocando alterações no equilíbrio climático do planeta de forma irreversível. As emissões de gases de efeito estufa representam uma forma de dano ambiental sistêmica e global. Ou seja, contém em seu argumento, necessariamente um elemento de solução conjunta entre os países. Aqui, não mais na condição de habitantes da crosta terrestre, mas sim de seres das profundezas da atmosfera, a racionalidade nos impõem novas dificuldades para dialogar num mundo compartimentalizado por limites exclusivamente territoriais.

No chamado ponto de não retorno, onde a partir de um determinado grau de alteração qualitativa do clima não haveria mais como retroceder, as medidas teriam apenas efeito paliativo além de racionalidade econômica fraca. Nesse sentido, o Relatório Stern9 (do nome de seu coordenador, Sir Nicholas Stern, economista britânico do Banco Mundial) estudo encomendado pelo governo Britânico para avaliar os efeitos na economia das alterações climáticas, chega a conclusões bastante favoráveis aos esforços de mitigação em relação aos custos de adaptação. Segundo o relatório, o custo dos riscos da mudança climática equivale a uma perda de até 20% do PIB mundial por ano. Em contrapartida agir para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, poderia custar apenas 1% do PIB mundial. Pode-se dizer, portanto que para as questões climáticas, a precaução é melhor não somente por princípio, mas também por racionalidade econômica. Traduzindo em sabedoria popular, os resultados do estudo confirmam a máxima que muitos de nós escutou de seus avós: melhor do que remediar, é prevenir.

No entanto, aqui a questão é se está superada ou não a convicção de que progresso e inovação sempre irão ser suficientes para contornar os limites impostos pela escassez (finitude) de recursos naturais e garantir o bem estar. Mesmo que com maior força retórica do que prática, quando nos referimos à idéia de que, se continuarmos com o mesmo sistema de produção e consumo, precisaremos de dois ou três planetas dentro de x anos, tudo indica que tenhamos chegado ao limite desse modelo e fluxo de utilização dos recursos.

Além do esforço das Nações para se organizarem em torno de uma agenda formal de enfrentamento do problema climático no planeta, também existem argumentos poderosos na política econômica internacional de que a problematização ambiental em que vivemos é orquestrada por interesses econômicos de dominação. Esses argumentos surgem do nacionalismo ligado à setores econômicos diretamente afetados nos países com reservas relativamente abundantes de recursos naturais que acusam o movimento ambientalista em torno das mudanças climáticas como uma articulação maquiavélica das economias centrais para criar obstáculos ao protagonismo das economias do Sul ao mesmo tempo em

9 Publicado em 30 de outubro de 2006, e um dos primeiros estudos encomendado por um governo a um economista e não a um cientista das áreas correlatas à climatologia.

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que contribui para fortalecer as barreiras de acesso ao mercado de alimentos dos países desenvolvidos. Ainda que do ponto de vista retórico e histórico, dado pelo recente período da exploração colonial, tais argumentos poderiam ser verdadeiros, no entanto o que está em jogo aqui, fundamentalmente, é a dificuldade política de se priorizar a qualidade, mais que a quantidade, assim como o longo prazo, mais que o curto prazo. Trata-se mais de uma mudança de foco, e não isoladamente, a idéia de restrição ou de sacrifício.

Ricardo Arnt (2010) problematiza de forma precisa o fato de que a proposta ambientalista está sempre muito associada à idéia de restrições: para as empresas advogam restrições e regulação; para os consumidores, menos consumo, menos gasto. Em termos políticos é uma proposta sombria e pouco atraente, avessa a abundância e ao desfrute. Se essas percepções estão corretas, que motivação teríamos para mudá-las?10 Mesmo que a resposta possa nos remeter à clara conclusão de ao seguir o modelo estabelecido, agravaríamos as condições de vida de todos no planeta, como essa percepção coletiva dialoga com a percepção de progresso individual no curto prazo? Seremos capazes de ser precavidos? Essa capacidade oscila consideravelmente entre as nações. Somos formados por grupos que realizam, em maior ou menor grau, o exercício da precaução (prover para o inverno), assim como por aqueles que vivem um dia após o outro.

Como se forjaram as sociedades mais precavidas é uma pista para identificar como se dá o processo de desenvolvimento desse atributo. Certamente o ponto de partida está no campo das necessidades de sobrevivência. Desse ponto cria-se o ferramental de conhecimento, valores, princípios, costumes, cultura e comportamentos adaptados ao contexto da sobrevivência. O dilema ambiental nos impõe novas necessidades. Se é definitiva a conclusão que precisamos mudar o relacionamento entre sociedade humana e meio ambiente, é preciso assumir que uma parte das providências é controle (racionalização) e outra parte é doutrina (comportamento).

Sem pretensão alguma de esgotar o tema, quaisquer que sejam as formas de interferência social, as mesmas devem passar sempre por: (i) processos educativos para o desenvolvimento da consciência dos limites do planeta, (ii) processos legislativos para estabelecer o marco regulatório com as novas condicionantes ambientais, e encontrar os meios de (iv) valorizar os serviços ambientais da natureza aceitando na prática a dimensão complexa do meio ambiente. Paralelamente a (v) valorização da sociedade civil organizada enquanto promotora de ações dirigidas para as soluções ambientais e climáticas é um fenômeno social que conta com propulsão própria e embalada pelas redes sociais. Esse elemento proporciona uma nova dimensão para o tempo que as mudanças necessitam. Com as redes sociais e a digitalização da informação o que poderia demorar anos para ser processado pela sociedade, talvez necessite apenas de algumas semanas nos dias atuais. Além disso, as iniciativas da sociedade civil ainda que, na maioria dos casos, não são capazes de oferecer respostas numa dimensão definitiva para a sociedade como um todo, carregam em si a semente da mudança de paradigma. Nessa condição,

10 Questionamento proposto por Ricardo Arnt (2010) em “O que os economistas pensam sobre sustentabilidade”.

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as pequenas ações geradoras de referenciais e pioneirismos, ao serem somadas em determinado tempo, poderão produzir um salto qualitativo social na direção de uma sociedade humana mais equilibrada com o meio ambiente.

Em qualquer um dos casos, se assumirmos o juízo de que é necessária uma mudança doutrinária, ou seja, mudanças no conjunto de valores e comportamento social deveremos ter em conta dois elementos: primeiro que esse processo envolve um tempo geracional, ou seja, depende de uma decantação que vai além de uma geração. Segundo, que não se trata de algo plenamente controlável. Está no campo dos fenômenos e ocorre nas idas e vindas dos avanços e retrocessos sociais marcados pela política. Sendo assim, é pertinente indagarmos sobre qual seria o nosso papel.

Além de aspectos referentes a uma nova racionalização da produção, é preciso considerar a necessidade de mudanças profundas na forma de se consumir. Ou seja, para solucionar o impasse entre sociedade e meio ambiente precisamos aderir não apenas novas premissas para os métodos de produção, mas fundamentalmente conceber e assumir um novo conjunto de valores. Nesse caso é preciso ter em conta o tempo histórico. Mesmo que as mudanças sejam aparentemente lentas, quando examinadas com o distanciamento adequado, vemos que inclusive pela lógica e velocidade do mundo contemporâneo, os processos estão ocorrendo rapidamente. Ainda que estejamos diante de um desafio urgente, o impacto brutal que pode significar uma mudança de cunho paradigmático, a paciência para esperar (e participar) o tempo de transição necessária seja o mais sensato a fazer.

Assim como nas “pistas” contidas na frase atribuída a Albert Eistein de que “os problemas significativos que enfrentamos não podem ser resolvidos no mesmo nível de pensamento em que estávamos quando os criamos”, as soluções relacionadas às mudanças de interação da sociedade humana e o meio ambiente depende de uma transformação doutrinária pois envolvem fundamentalmente mudanças comportamentais na sociedade. Possivelmente esse seja um elemento principal para re-equacionar o impacto de nossa população sobre a “nave espacial” chamada terra.

2 REFLEXÕES SOBRE A AMAZÔNIA NO CONTEXTO DA NOVA ECONOMIA

A Amazônia é a maior floresta tropical do planeta e, ainda que 60% do bioma esteja no Brasil, envolve outros 8 países. Mesmo sendo centro do dilema estabelecido entre economia e conservação do meio ambiente, a floresta Amazônica é uma imensidão com valor econômico ainda incalculado para a sociedade e chama a atenção do mundo não somente por seu potencial, sua grandeza, beleza ou mistérios, mas por ser a próxima vítima11 anunciada do conceito de produção da velha economia.

Mesmo o desmatamento tendo sofrido oscilações nos últimos vinte anos que

11 Vide avanços da economia do desmatamento proporcionados pelo novo código � orestal.

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poderiam nos dar a impressão de progressos no seu combate, estamos longe de poder afirmar uma reversão na tendência de perda de florestas primárias (Figura 1). Redução de taxas indica apenas que ganhamos prazo, mas não que tenhamos tocado verdadeiramente na solução do problema. O modus operandi econômico e as formalidades legais vigentes relacionadas à economia do desmatamento nos permitem prever uma inevitável expansão dessa fronteira.

Figura 1 – Evolução da taxa de desmatamento na Amazônia Legal entre 1988 a 2009

(a) Média entre 1977 e 1988 (b) Media entre 1993 e 1994 (d) Taxa Estimada Fonte: Elaborado a partir de dados do INPE (2010)

Dados da EMBRAPA indicam que 30% das áreas abertas na Amazônia estão em situação de abandono e degradação. Esse “desperdício” provavelmente está relacionado ao processo de ocupação denominado por boom-colapso (SCHNEIDER et al., 2000), que começa com a exploração predatória de madeira, financiando o desmatamento e a implantação da pecuária extensiva até que as condições do solo sejam exauridas, levando à derrocada econômica do município. Quando a transição para uma pecuária mais intensiva ou a adaptação para agricultura de melhor performance não ocorra por falta de condições de recuperação do solo e infraestruturas de logística (estradas, armazéns e mão-de-obra especializada), a tendência é de abandono ou de uso absolutamente incipiente da terra.

Mesmo na melhor das hipóteses, ou na fase próspera12 (boom) da economia convencional, os resultados em termos de geração de riqueza são muito aquém do desejável. Arrecada poucos impostos, agrega pouco valor e distribui pessimamente a renda gerada. Conforme estudo do Imazon “o PIB per capita (US$ 2,32 mil) cresceu apenas 1% ao ano nos últimos anos na Amazônia, mantendo-se 40% inferior à média brasileira. (CELENTANO;

12 Cerca de 15 anos.

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VERISSIMO, 2007, p. 23). Além disso, apenas 21% da população economicamente ativa tinham um emprego formal em 2004 sendo a maioria no setor público” (CELENTANO; VERISSIMO, 2007, p. 25).

Diante desse cenário é notório que a reversão dos fenômenos do desmatamento somente ocorrerá quando a economia florestal da nova economia tenha uma análise de custo-benefício favorável em relação às opções que a economia convencional pode oferecer. Traduzindo para a linguagem popular, significa o mesmo que fazer a floresta valer mais em pé do que derrubada. Diante disso é salutar indagar a respeito do “clima” para o investimento baseado na biodiversidade da Amazônia. Se por um lado contamos com argumentos teoricamente favoráveis, a proposta encontra uma prática complicada por uma regulação confusa e até mesmo refratária aos empreendimentos que pretendem dinamizar a economia da biodiversidade.

Nesse sentido, o marco regulatório da economia florestal da atualidade combina um intrincado processo de licenciamento com impunidade13. Se por um lado o excesso de burocracia abre espaço para a corrupção, a falta de responsabilização criminal efetiva faz o ilícito compensar. A política de contenção do desmatamento tem sido quase que exclusivamente focada no “comando e controle”, no entanto, é necessário buscar um equilíbrio mais eficiente combinando maior confiança na anotação de responsabilidade técnica privada com foco no esforço de fiscalização à posterior e incentivo à produção sustentável.

Com isso, reduziríamos o custo da burocracia melhorando o ambiente para legalidade, dando mais agilidade ao licenciamento, reduzindo os níveis de corrupção e elevação da arrecadação de tributos. Se o modelo jurídico institucional funcionasse para aumentar o nível de legalidade significa que, mesmo aparentemente menos “desconfiado”, o sistema resultaria em melhor controle e qualidade na gestão ambiental, ao mesmo tempo em que estaria fortalecendo a nova economia como estratégia principal.

O efeito econômico perverso da predominância de ilegalidade nas atividades da economia florestal estabelece um patamar de competitividade e competência empresarial definido pelos chamados fatores ocultos14, aumentando o risco e afugentando os empreendimentos que (de forma ainda mais indesejável) são justamente aqueles com maior interesse e preparo para o empreendimento sustentável. A Figura 2 demonstra - apenas como exemplo - dados relativos ao perfil econômico de quatro Estados da Amazônia. A visualização corresponde ao peso relativo de cada setor na economia total do Estado.

13 A proporção de madeira ilegal proveniente da Amazônia nos mercados do Sudeste Brasileiro é signi� cativa, como apontam estudos do Greenpeace.

14 São aqueles fatores de competitividade conseguida por algum tipo de ilícito.

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Figura 2 – Participação econômica no valor adicionado bruto a preços básicos, (%) 2009.

Fonte: Dados obtidos a partir dos relatórios do IBGE, 2009 - 10/09/2012 http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/contasregionais/2009

Os dados da Figura 2 apontam basicamente para três realidades: Os estados do Acre e do Amapá com uma economia deficitária e desproporcional dependência de recursos públicos da Federação; O Amazonas, com forte atividade industrial (Zona Franca de Manaus) combinada com menor dependência direta de recursos públicos, e o Pará com uma economia mais diversificada entre os setores prevalecendo um destaque para o setor público e (comparativamente aos outros) a indústria extrativa mineral. Por outro lado, o perfil do desmatamento apresenta-se como sendo agressivo no Pará e atenuado no Amazonas (com exceção do sul do Estado) e no Amapá. Já o Estado Acre se coloca em uma posição intermediária de desmatamento e degradação relativa. O que chama mais atenção, é que mesmo sendo objeto de argumento político amplamente frequentado, em nenhum dos casos a economia florestal extrativista é representativa. Esse parece ser o maior desequilíbrio do cenário apresentado: a incoerência entre o argumento verde e a realidade prática da economia da região. Enquanto não contarmos com uma economia florestal sustentável representativa e atuante, a floresta não poderá competir como melhor opção de custo-benefício em relação à economia que dinamiza o desmatamento.

A economia florestal já teve seu lugar de protagonista na economia Brasileira. Quando a borracha rivalizava com o café a condição de produto principal na pauta de exportação do País, provavelmente não era necessário gastar argumentos no

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sentido de preservar a Amazônia. Durante o período de algumas décadas entre os séculos XIX e XX, o Brasil apresentava como ícones de sua economia, o café (cultura importada) diretamente relacionado ao desmatamento na Mata Atlântica, e a borracha que dinamizava a economia florestal e tinha como conseqüência a ausência de pressão pelo desmatamento. De fato, até a década de 70, após quatro séculos de ocupação, tudo indica que a área desmata na Amazônia era ínfima, podendo não ultrapassar 1% de seu território, no entanto, bastaram apenas três décadas para de mudanças na estratégia de ocupação para o desmatamento saltar para 18% da região. A decisão programática de promover a ocupação da Amazônia pela agropecuária durante o governo militar da década de 70, ocorre quando a derrocada da economia extrativista da borracha já há décadas era uma evidência incontestável e custava muito aos cofres públicos em perdão de dívidas e subsídios. Claro que esse argumento não deve servir ao retrocesso para uma economia com parâmetros ultrapassados, no entanto, é possível imaginar um mundo industrial sem a borracha? Se isso é difícil imaginar, qual será a próxima descoberta da biotecnologia para as soluções da contemporaneidade? Como na pergunta proposta por Ignacy Sachs (2009): “Qual o papel da Amazônia para o desafio de encontrar novas soluções para novos problemas?” 15.

A natureza é uma desconhecida oferta de soluções para a vida e perder biodiversidade significa perder fonte inspiradora de processos, estruturas, formas, fibras, princípios ativos e bem estar. Fica cada vez mais clara a necessidade de resolver um paradoxo: impedir a expansão territorial da agricultura evitando que a mesma destrua aquilo do qual poderia receber os melhores benefícios: equilíbrio climático (regime de chuvas) e oferta de ativos da biodiversidade. O caminho para os ativos e produtos que se tornam essenciais à sociedade e ganham uma demanda crescente é inevitavelmente a sua domesticação. Assim como aconteceu emblematicamente com a borracha, a tendência natural no processo econômico convencional será sempre o de crescimento indefinido, buscando saídas para baixar o custo e diminuir riscos. E no rastro dessa máxima, o Brasil como nação, explorou oportunidades tanto nas fases de extração e coleta quanto nas fases de agricultura, iniciando com o pau Brasil, passando pela cana de açúcar, café, borracha, entre outros.

Talvez aqui esteja uma chave para reflexão sobre a sustentabilidade e competitividade da economia extrativista regida por novos parâmetros de mercado, de produção e de tecnologia. Entretanto, não se trata de pensar na economia extrativista como repetição do modelo social produtivo dos seringais nativos do período da revolução industrial. O modelo extrativista dos seringais nativos na Amazônia, não tem a menor aderência aos modelos possíveis para os dias de hoje. Do ponto de vista social, seriam enquadrados imediatamente ao regime de trabalho escravo, pois no chamado “regime do seringal” não havia a liberdade de ir e vir e criava-se total dependência ao sistema de abastecimento dos barracões, numa relação de troca perversa entre

15 Indagação proposta por Ignacy Sachs em palestra proferida durante Seminário Fórum Amazônia Sustentável na cidade de Belém, PA, 2009.

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produção e o suprimento de gêneros de primeira necessidade. Os elevados preços dos produtos de consumo do barracão transferiam para o saldo do seringueiro o prejuízo e o fracasso do modelo, criando uma legião de trabalhadores com liberdades cerceadas e vivendo na pobreza extrema. Por outro lado, não parece adaptável os fundamentos do agronegócios para economia extrativista. Então voltamos à questão: que fatores determinarão ou quais estratégias, para que a economia florestal, baseada na biodiversidade Amazônica, seja competitiva em relação à opção equivalente pela agricultura, garantindo conservação, renda e inclusão social?

As opções colocadas no cenário da nova economia de baixo carbono, conservação ambiental e qualidade de vida, apontam para o reconhecimento do valor dos serviços ambientais dos ecossistemas, combinados com a oferta diversificada de produtos florestais de alto valor agregado. A construção dessa economia na Amazônia exige uma profunda compreensão social dos valores intrínsecos da floresta, assim como de instrumentos práticos concretos para organizar seu marco legislativo, operacional e tecnológico. Poderíamos partir com a seguinte pergunta: quanto nos custa e qual o valor da perda do equilíbrio ecossistêmico, da biodiversidade e do bem estar relacionado à natureza? O valor econômico dos recursos naturais (YOUNG, 2012)16 pode ser compreendido entre dois grupos: valor de uso e valor de não-uso. No grupo valor de uso, estão os de uso direto (recursos diretamente consumíveis), uso indireto (benefícios das funções ecossistêmicas) e o valor de opção (valores diretos e indiretos futuros). Já o valor de não-uso é o próprio valor da existência e de sua simples continuidade. O problema está no desequilíbrio de nossa ênfase para valorar - nos concentramos quase que exclusivamente ao valor de uso direto em concorrência às demais formas de valorar os recursos naturais. Aqui, novamente se verifica a prioridade pela quantidade e objetividade, mais que para qualidade e subjetividade no processo de valoração e consumo na economia.

Embora tenha havido esforços para calcular17 o valor dos serviços ambientais, o seu caráter difuso confunde a lógica estabelecida nas economias de mercado, pois quanto mais claro estiver o sujeito da oferta e da demanda de um determinado produto ou serviço, melhor será para definir os preços. Obviamente, por diversas vias, os serviços ambientais estão nas bases da oferta de alimentos e energia para a sociedade e é possível aludir que no caso Brasileiro, tais serviços estejam diretamente relacionados à segurança da oferta de água nos reservatórios hidroelétricos e contribui significativamente para a competitividade do agronegócio do País. Como se referiu Prof. Carlos Carvalho, “os limites da produção agrícola serão estabelecidos pela falta de água e não de terra” 18 oferecendo uma nova perspectiva para o valor das florestas, pois sem floresta altera-se definitivamente o fluxo das águas.

16 Conforme apresentado pelo Prof. Carlos Young, em palestra durante evento promovido pelo Grupo Abril em março de 2012 no Amazonas.

17 Tal como vem estudando o TEEB – The Economics of Ecosystems & Biodiversity, liderado pelo economista Pavan Sukhdev.

18 A� rmação proposta durante apresentação em audiência pública no Senado Federal por ocasião das negociações em torno do código � orestal brasileiro.

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Se por um lado a conservação da biodiversidade tropical nos oferece uma série de oportunidades econômicas no contexto da nova economia, seguir promovendo os “negócios como sempre”, também nos leva a uma série de complicações e riscos econômicos concretos. Tanto colabora para “afrouxar” a necessidade de aumento de produtividade média no setor de agronegócios, quanto nos mantém em atitude perniciosa com os problemas ambientais no contexto global. Estando o índice de produtividade média da pecuária bovina brasileira apontando para apenas 1 animal por hectare, e sendo atividade diretamente ligada ao desmatamento, conclui-se que esse é um processo mais de expansão da ineficiência a um custo ambiental inadmissível, do que propriamente de produção.

O cenário de produtividade média ainda muito baixa da agropecuária no Brasil nos leva à evidência de que deveríamos nos concentrar mais em criar mecanismos nesse tipo de ganho ao invés de advogar por uma legislação permissiva com o desmatamento. Se a sociedade apresenta necessidade e boas condições de ganhos tecnológicos, as restrições à ampliação das áreas desmatadas, no médio e longo prazo, tende a provocar o aumento do valor relativo das terras já convertidas para agricultura, ampliando a capacidade de lastrear e converter investimentos. Do mesmo modo em que excesso de terra colabora com a racionalidade da produção extensiva, a sua escassez está diretamente relacionada à produção intensiva. Assim como as restrições à conversão de novas aéreas para agricultura estão relacionadas ao aumento do valor do ativo terras convertidas, facilitando o processo de financiamento da tecnologia para o agronegócios, o valor dos ativos ambientais deveria servir de lastro para os investimentos em tecnologia da economia florestal verde e desenvolvimento social das comunidades locais. Nesse sentido, não há como dissociar conservação na Amazônia de nova economia, pois as soluções para a Amazônia carregam em si as sementes da nova economia de baixo carbono.

Apesar de ainda não ter sido considerado, do ponto de vista prático no Protocolo de Kyoto, o desmatamento e queima de florestas tropicais são extremamente eficientes para contribuir com as emissões de gases de efeitos estufa, oscilando entre 10 e 35% das emissões globais (IPCC, 2007 apud INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA, 2011. p. 21). No Brasil, atividades de uso do solo, especialmente, desmatamento pode ter atingido em 2005 a 70% das emissões brasileiras (BRASIL. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2009). Diante de números absolutamente relevantes para um dos principais desafios da sociedade contemporânea (redução das emissões de gases de efeito estufa), é preciso ficar atento as barreiras comerciais (formais e informais) que poderão ser impostas a partir de argumentos climáticos, assim como não há como prescindir das oportunidades em torno da geração de créditos de carbono baseados nas metodologias de Redução de Emissões ocasionadas por Desmatamento e Degradação (REDD). No entanto, uma lista considerável de críticas (INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA, 2011) está na base da justificativa para que os mecanismos internacionais ainda não tenham

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reconhecido as alternativas de créditos advindos do REDD no mercado formal de carbono. O debate internacional se dá em torno de questões técnicas, tais como as incertezas para monitorar o desmatamento globalmente, incertezas quanto a linha de base a ser adotada para calcular os créditos, fragilidade no controle de “vazamentos”, e riscos de uma super oferta de créditos, provocando uma “inundação” no mercado e queda generalizada de preços e debilitando a viabilidade econômica do esforço por reduzir emissões. Mesmo sem perder o otimismo, nem o sentimento de que é necessário avançar com espírito de urgência para encontrar as soluções necessárias, é importante admitir que as questões técnicas relacionadas ao REDD não são triviais, principalmente quando se tem a prerrogativa de que deve ser um mecanismo capaz de atender os mais diferentes panoramas entre os países detentores de florestas tropicais. No entanto, o cenário de debate técnico científico para estruturar o REDD tem se mostrado dinâmico e criativo na busca de soluções.

As iniciativas nacionais e regionais de baixo carbono, incluindo mecanismos de mercado, têm apresentado avanços entre os países. O Ato de Energia Limpa incluindo um sistema de cap-and-trade nacional para a Austrália em 2015, a regulação do cap-and-trade na Califórnia, e mais recentemente também em Québec, demonstram uma rápida mobilização em direção contexto voluntário de transações de carbono com capacidade de gerar efeitos consideráveis sobre o mercado. Paralelamente os sistemas de certificação voluntária de carbono têm conseguido avanços concretos19 na direção do REDD.

Cada vez mais, o ponto principal de superação deixa de ser os aspectos técnicos da metodologia para estar mais relacionado ao entendimento sobre a política econômica de natureza estrutural, aquela que visa modificar a estrutura macro-econômico. Os diferentes estágios de desenvolvimento e institucionalidade dos países com florestas tropicais impõem diferentes taxas de risco para entrega efetiva de reduções verificáveis de emissões. Um interessante estudo20 realizado pela consultoria Mackinsey & Company (2009) analisou economicamente 120 possibilidades de reduções emissões de gases de efeito estufa no Brasil. O estudo desenvolveu a chamada curva de abatimento, que basicamente combina informações relativas ao potencial de redução de emissões de cada setor, com os custos relacionados à essa redução. A primeira grande constatação do estudo é a de que as florestas representam de forma expressiva a melhor oportunidade de gerar reduções a custos relativamente baixos.

19 A metodologia de redução de emissões por desmatamento e degradação � orestal (REDD+) apresentada pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS), em conjunto com Carbon Decisions Internacional (CDi) e Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), marca pioneirismo ao ser a primeira metodologia de REDD+ do Brasil a receber o primeiro parecer favorável pelo sistema Voluntary Carbon Standard (VCS). A validação desta metodo-logia permitirá a elaboração, validação e implementação de diversos projetos de REDD ao redor do mundo.

20 Tal estudo resultou na publicação “Caminhos para uma economia de baixa emissão de carbono no Brasil” (2009).

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Figura 3 Curva de custo de redução de gases de efeito estufa no Brasil em 2030

5 O custo inclui a somatória dos investimentos e custos operacionais menos benefícios econômicos auferidos

Fonte: Global Abalement Cost Curve v2.0, estudo “Caminhos para uma Economia de Baixa Emissão de Carbono no Brasil” (MACKINSEY, 2009).

Segundo os dados da curva21, a maior parcela de redução é representada pela redução de emissões ocasionadas pelo desmatamento, indicando que poderia atingir 72% das oportunidades de abatimento brasileiras em 2030. Quando se analisa a estratégia que o estudo estabelece para evitar o desmatamento da Amazônia e que compõem os custos da redução de emissões, novamente percebe-se uma maior ênfase para ações de comando e controle do que para o desenvolvimento econômico em bases sustentáveis. O conjunto de iniciativas e ações que se desdobram em custos estimados não contempla como eixo central a estruturação de uma nova economia de base florestal voltada para reverter o perfil das economias na Amazônia conforme apresentado na Figura 2. Apesar do estudo apontar conclusões relevantes, tudo indica que tenha subestimado os custos para estruturar uma nova economia, assim como os benefícios gerados para a sociedade. Ou seja, não se aprofundou ainda na pesquisa do que poderia representar uma economia florestal sustentável eficiente, pujante e geradora de riquezas para o País.

Nesse sentido, é apropriado pensar no REDD como um mecanismo essencialmente de investimentos para se atingir um determinado estado da arte na produção florestal.

21 [...] “a largura da barra representa o potencial da oportunidade de reduzir as emissões em um ano especí� co, em com-paração ao desenvolvimento do caso base”; [...] já a altura da barra representa o custo médio para se evitar a emissão de 1 tonelada de CO2e até 2030. (MACKINSEY, 2009, p. 37).

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Ainda que extremamente necessária para o momento, não se pretende indefinidamente apenas compensar emissões. Portanto, o REDD assim como o mercado de carbono em geral, tem o papel principal de permitir uma transição para uma economia de baixo carbono rentável e capaz de substituir com vantagens a economia do desperdício ambiental.

3 REFLEXÕES22 SOBRE O PERFIL DE UMA ECONOMIA FLORESTAL SUSTENTÁVEL

O modelo extrativista presente no imaginário da sociedade, em boa medida ainda está apoiado pela mesma lógica produtiva do período áureo da borracha de cem anos atrás. Em sentido oposto, nesse mesmo período as técnicas de produção agropecuárias evoluíram em progressão geométrica e foi objeto de grandes investimentos públicos e privados. Tal contraste, diante da economia florestal extrativista rudimentar e conseqüentemente incapaz de gerar valor suficiente para a verdadeira inclusão social e geração de riqueza, impõe ao Brasil um debate de aparências entre o “romantismo” conservacionista e o pragmatismo econômico do próspero agronegócio do centro sul. No entanto, ao mudarmos o elemento tempo, as vantagens de uma opção se transferem, quase que naturalmente, para o seu eixo oposto. À medida que se amplia o horizonte de visão, vai se percebendo que, com o desenrolar dos cenários futuros nas negociações internacionais em torno de equilíbrio climático e bem estar, os ativos ambientais tendem para a valorização. Transformar tal valor em lastro para os investimentos depende do contexto institucional e regulatório dessa nova economia.

Partindo da premissa de que é possível ter uma economia florestal de produção e conservação na Amazônia representativa na economia brasileira, a questão passa a ser, sobre quais princípios deveriam estar sustentada a eficiência do sistema? Qual estratégia maximiza os benefícios e gerencia menores riscos? Essa opção de desenvolvimento econômico precisa criar os métodos para uma produção florestal de alto desempenho e buscar a sua viabilização prática.

Do ponto de vista de desenho e arquitetura, a produção sustentável realizada em ambiente de biodiversidade deve encontrar seus próprios parâmetros e métodos. O desenvolvimento de uma economia florestal sustentável realmente competitiva como opção de uso da terra e conseqüentemente auto-protegida, seguindo a lógica do valer mais em pé do que derrubada, depende essencialmente de volumes consideráveis de investimento. No entanto, quando o sistema de financiamento público1 para o desenvolvimento técnico, científico, institucional, estrutural e financeiro, priorizar os empreendimentos florestais sustentáveis, provavelmente seremos testemunhas de significativa e rápida melhora econômica na região alinhada aos requisitos da sustentabilidade, da baixa emissão de carbono e de conservação dos recursos naturais.

22 Muitas das idéias contidas aqui foram desenvolvidas a partir de textos que embasaram o Plano de Negócios da Magama Industrial, no pólo da Zona Franca de Manaus, e originalmente propostas pelo agrônomo e empreendedor da indústria � orestal sustentável, Daniel Israel.

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Os sistemas de produção primária baseados na domesticação dependem de escala e uniformidade para desenvolver os mecanismos de produtividade. Trata-se de uma ação de altíssima especialidade (monocultura) focada principalmente para as quantidades materiais. Já o sistema de produção biodiverso precisa encontrar suas estratégias para atingir os níveis de produtividade necessários a sua manutenção por sua lógica econômica.

Nesse sentido, o modelo deveria sugerir uma arquitetura que tirasse o melhor proveito de aspectos inerentes à produção extrativista, tais como sazonalidade complexa, biodiversidade e multifuncionalidade e a produção poderia até gerar quantidades materiais significativas, mas a sustentação do modelo deveria ser a qualidade. Significa que o processo produtivo deve observar as múltiplas opções da natureza e preparar-se para realizar uma diversidade de processos atendendo uma diversidade de segmentos de mercado. A Figura 4 desenha um fluxo básico de como deveriam se organizar os processos produtivos.

Figura 4 - Aspectos da cadeia produtiva � orestal que combina sazonalidade e diversidade biológica, de processos e de segmentos.

Fonte: Elaborada por Daniel Israel e João Tezza Neto, (2010).

4 CONCLUSÃO

Enquanto a sazonalidade permite atuar em diferentes cadeias produtivas ao longo do ano, a diversidade de processos (multifuncionalidade) se combina com a biodiversidade, ganhando escala no conjunto de produção para mais de um segmento de mercado. O foco estratégico deve estar na busca por funcionalidades diferenciadas, nos serviços exclusivos e nos cobenefícios sociais e ambientais. Cada vez mais as certificações deverão desempenhar um papel fundamental de credibilizar as mensagens e os diferenciais dos processos produtivos ligados a oferta de produtos, serviços ambientais e conservação da natureza.

No entanto, a concepção e criação das condições reais de implantação de uma nova plataforma econômica para a região Amazônica, baseada em sua conservação e que ao

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mesmo tempo seja capaz de figurar com relevância nas estatísticas econômicas nacionais, precisa ganhar credibilidade e consequentemente respaldo orçamentário, estrutural, técnico-científico e político sem precedentes. Deveríamos encarar a necessidade de investimentos de forma análoga à decisão dos investimentos realizados na ocasião da criação da EMBRAPA, o que foi determinante para a economia agropecuária do país. O Brasil pode (e deve) assumir a economia florestal sustentável como uma oportunidade econômica tão grande quanto desconhecida, mas claramente alinhada com os melhores anseios para a sociedade humana no planeta.

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