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r--- Simpósios Interação Solo x Planto x Animal Modelos de RAD: Sucessão Ecológica Na natureza as comunidades vege- tais se formam gradualmente ao lon- go do tempo, devido a mudanças em sua composição e estrutura, transfor- mações essasque não se restringem apenas à fisionomia, ou às espécies presentes, mas que alteram profun- damente todo o ecossistema.Essefe- nômeno de graduais transformações, muito complexo e diversificado, foi denominado de sucessão ecológica e embora sua conceituação mais formal tenha surgido praticamente junto com o aparecimento da Ecologia como uma ciência independente, ele é ainda hoje objeto de muitas discussões. A restauração ecológica de áreas degradadas, enquanto um ramo da Ecologia que busca transformar uma série de conceitos teóricos e trabalhos empíricos em uma ferramenta para a preservação da biodiversidade, pela recriação de habitats, comunidades e ecossistemas, tem no conceito de su- cessão sua base científica principal. (Parker 1997; Rodrigues et aI. 2007) Embora outros autores tivessem já realizado estudos sobre a sucessão de diferentes comunidades vegetais Cle- ments (1905; 1916) foi quem inicial- mente propôs uma conceituação mais extensa e detalhada, segundo a qual o processo sucessional começaria em uma área aberta, que seria inicialmen- te ocupada por um pequeno número de espécies, que mais tarde seriam gra- dualmente substituídas por outras, e assim por diante, de forma previsível e Sergius Gandolfil unidirecional, até o estabelecimento de uma comunidade final, denomina clí- max, em equilíbrio com o clima local, que se manteria sem mudanças signifi- cativas, enquanto o clima permaneces- se o mesmo. Com contínuos ajustes, mas sem grandes mudanças fundamentais, essa percepção da sucessão foi sendo man- tida pelo autor (Clements 1936), e veio a predominar na Ecologia até a metade do século XX, embora muitas opiniões diversas tenham também surgido nes- se período (p.ex.; Gleason 1926). Se muitos aspectos básicos da visão Clemetisiana foram sendo abandonados durante a década de 50, em função de questionamentos propostos por autores como (Whit- taker 1953) e (Egler 1954), mais tar- de, com a emergência da ecologia de ecossistemas, e defendida por autores como Odum (1959; 1969) e Margalef (1963; 1968), surge uma nova concei- tuação de sucessão que foi chamada de Neo-Clementisiana que se torna- ria clássica no pensamento ecológico, sendo ensinada por décadas a suces- sivas gerações de biólogos e ecólogos. Essa formulação propunha que as mudanças ambientais ocorridas ao longo do processo sucessional seriam predominantemente determinadas pela comunidade existente (facili- tação), e que o processo sucessional seria ordenado, razoavelmente dire- cional e previsível, e convergia para uma comunidade clímax estável. 42 I Departamento de Ciências Biológicas. Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz". Universidade de São Paulo Caixa Postal: 9 - CEP: 13418-900. Piracicaba. São Paulo. [email protected] YT ,l " ~j?; Se por mais de meio século a principal ênfase das pesquisas esteve voltada à descrição dos padrões de mudanças, de composição florística e de estrutura, que as comunidades apresentavam durante a sucessão, e à discussão sobre a existência, a nature- za e as características da comunidade clímax, nas décadas seguintes, sobre- tudo a partir dos anos 70 e 80, houve uma mudança de enfoque, que pri- vilegiou a pesquisa de processos que seriam a causa da sucessão. Também progressivamente o au- mento dos estudos sobre a sucessão se- cundária de florestas tropicais levantou dúvidas se os modelos então existentes poderiam explicar adequadamente a sucessão dessas comunidades ricas em espécies (Whitmore 1975; 1989; Gua- riguata & Ostertag 2002) Novos dados, evidências e inter- pretações fizeram com que o mode- lo Neo-Clementisiano fosse sendo gradualmente substituído por novas formulações (Drury & Nisbet 1973; Connell & Slatyer 1977; Finegan 1984; Pickett, & White 1985; Pickett et aI. 1987; Tilman 1988; etc.). Hoje a visão predominante entre os pesquisadoresaceita que o proces- so sucessional pode se desenvolver através de múltiplas trajetórias, não previsíveis, e não convergentes para um único clímax e que a sucessão deve ser vista apenas como um dos tipos de dinâmica que as vegetações apresentar. (Pickett & Cadenasso 2005) Essa mudança tão radical de pers- pectiva implica na aceitação de que em uma dada área o processo de sucessão apresenta pequena previsibilidade, uma concepção com importante re- flexos tanto nas idéias de conservação quanto de restauração ecológica. No sentido oposto, o da previsibi- lidade, desde a década de 70 uma nova :>'mposlos estratégia para o estudo da sucessão se '~,t:~~~~o~:o~ desenvolveu, com a criação de com- plexas modelagens matemáticas que procuravam simular o processo de su- cessão secundária florestal e a dinâmica florestal de longo prazo. (Botkin et a!. 1972) Esses modelos (Forest Gap Mo- dels) procuram entender a sucessão a partir da sim ulação do estabelecimento, crescimento, desenvolvimento, repro- dução e morte de árvores individuais em uma área, inicialmente desnuda, que com a simulação vai se tornando uma floresta que evolui e persiste lo- calmente. (Shugart 1984) Esses mode- los se multiplicaram nos últimos trinta anos tornando-se progressivamente mais sofisticados pela incorporação de mais variáveis ambientais, e um maior número de espécies arbóreas em suas simulações. Todavia, persistem ainda muitas críticas sobre a sua utilidade, em especial, pelas dificuldades em se dispor de dados reais que possam va- lidá-Ios. (Bugmann 2001). Esse brevíssimo resumo visou ape- nas chamar a atenção para o fato de que as concepções teóricas existentes sobre a sucessão ecológica mudaram e continuam mudando, e uma atua- lização frente a essas mudanças se faz necessária, pois diferentes concepções podem levar à formulação de métodos e expectativas muito diferentes sobre a restauração de áreas degradadas, se- gundo a visão utilizada. Podemos então concluir pergun- tando: Que modelo, ou modelos de su- cessão secundária estão sendo hoje usados como referência teórica dos programas de recuperação de áreas degradadas em curso no Brasil? Que implicações o uso de dife- rentes modelos de sucessão tem na obtenção de sucessão em programas de restauração? 543

x Modelos de RAD: Sucessão Ecológica ,l - lerf.eco.br Modelos de RAD Sucessão... · ciência independente, ele é ainda hoje objeto de muitas discussões. ... max, em equilíbrio

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Page 1: x Modelos de RAD: Sucessão Ecológica ,l - lerf.eco.br Modelos de RAD Sucessão... · ciência independente, ele é ainda hoje objeto de muitas discussões. ... max, em equilíbrio

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Simpósios

Interação Solo x

Planto x Animal

Modelos de RAD: Sucessão Ecológica

Nanatureza as comunidades vege-tais se formam gradualmente ao lon-go do tempo, devido a mudanças emsua composição e estrutura, transfor-

mações essasque não se restringemapenas à fisionomia, ou às espéciespresentes, mas que alteram profun-damente todo o ecossistema.Essefe-nômeno de graduais transformações,muito complexo e diversificado, foi

denominado de sucessão ecológica eembora sua conceituação mais formaltenha surgido praticamente junto como aparecimento da Ecologia como uma

ciência independente, ele é ainda hojeobjeto de muitas discussões.

A restauraçãoecológica de áreasdegradadas, enquanto um ramo daEcologia que busca transformar umasérie de conceitos teóricos e trabalhos

empíricos em uma ferramenta para apreservação da biodiversidade, pelarecriação de habitats, comunidades eecossistemas, tem no conceito de su-

cessão sua base científica principal.(Parker 1997; Rodrigues etaI.2007)

Embora outros autores tivessem járealizado estudos sobre a sucessão de

diferentes comunidades vegetais Cle-ments (1905; 1916) foi quem inicial-mente propôs uma conceituação maisextensa e detalhada, segundo a qualo processo sucessionalcomeçaria emuma área aberta, que seria inicialmen-te ocupada por um pequeno númerode espécies, que mais tarde seriam gra-dualmente substituídas por outras, eassim por diante, de forma previsível e

Sergius Gandolfil

unidirecional, até o estabelecimento deuma comunidade final, denomina clí-

max, em equilíbrio com o clima local,que se manteria sem mudanças signifi-cativas, enquanto o clima permaneces-se o mesmo.

Com contínuos ajustes, mas semgrandes mudanças fundamentais, essapercepção da sucessão foi sendo man-tida pelo autor (Clements 1936), e veioa predominar na Ecologia até a metadedo século XX, embora muitas opiniõesdiversas tenham também surgido nes-se período (p.ex.; Gleason 1926).

Se muitos aspectos básicos davisão Clemetisiana foram sendoabandonados durante a década de50, em função de questionamentospropostos por autores como (Whit-taker 1953) e (Egler 1954), mais tar-

de, com a emergência da ecologia deecossistemas, e defendida por autorescomo Odum (1959; 1969) e Margalef(1963; 1968), surge uma nova concei-tuação de sucessão que foi chamadade Neo-Clementisiana que se torna-

ria clássica no pensamento ecológico,sendo ensinada por décadas a suces-

sivas gerações de biólogos e ecólogos.Essa formulação propunha que asmudanças ambientais ocorridas aolongo do processo sucessional seriampredominantemente determinadaspela comunidade existente (facili-tação), e que o processo sucessionalseria ordenado, razoavelmente dire-

cional e previsível, e convergia parauma comunidade clímax estável.

42I Departamento de Ciências Biológicas. Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz". Universidade de São PauloCaixa Postal: 9 - CEP: 13418-900. Piracicaba. São Paulo. [email protected]

YT

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~j?;

Se por mais de meio século aprincipal ênfase das pesquisas estevevoltada à descrição dos padrões demudanças, de composição florísticae de estrutura, que as comunidadesapresentavam durante a sucessão, e àdiscussão sobre a existência, a nature-za e as características da comunidade

clímax, nas décadas seguintes, sobre-tudo a partir dos anos 70 e 80, houveuma mudança de enfoque, que pri-vilegiou a pesquisa de processos queseriam a causa da sucessão.

Também progressivamente o au-mento dos estudos sobre a sucessão se-

cundária de florestas tropicais levantoudúvidas se os modelos então existentes

poderiam explicar adequadamente asucessão dessas comunidades ricas em

espécies (Whitmore 1975; 1989; Gua-riguata & Ostertag 2002)

Novos dados, evidências e inter-pretações fizeram com que o mode-lo Neo-Clementisiano fosse sendo

gradualmente substituído por novasformulações (Drury & Nisbet 1973;Connell & Slatyer 1977; Finegan 1984;Pickett, & White 1985; Pickett et aI.1987; Tilman 1988; etc.).

Hoje a visão predominante entreos pesquisadoresaceita que o proces-so sucessional pode se desenvolveratravés de múltiplas trajetórias, nãoprevisíveis, e não convergentes paraum único clímax e que a sucessão deveser vista apenas como um dos tipos dedinâmica que as vegetações apresentar.(Pickett & Cadenasso 2005)

Essa mudança tão radical de pers-pectiva implica na aceitação de que emuma dada área o processo de sucessãoapresenta pequena previsibilidade,uma concepção com importante re-flexos tanto nas idéias de conservaçãoquanto de restauração ecológica.

No sentido oposto, o da previsibi-lidade, desde a década de 70 uma nova

:>'mposlos

estratégia para o estudo da sucessão se '~,t:~~~~o~:o~desenvolveu, com a criação de com-plexas modelagens matemáticas queprocuravam simular o processo de su-cessão secundária florestal e a dinâmica

florestal de longo prazo. (Botkin et a!.1972) Esses modelos (Forest Gap Mo-dels) procuram entender a sucessão apartir da simulação do estabelecimento,crescimento, desenvolvimento, repro-dução e morte de árvores individuaisem uma área, inicialmente desnuda,que com a simulação vai se tornandouma floresta que evolui e persiste lo-calmente. (Shugart 1984) Esses mode-los se multiplicaram nos últimos trintaanos tornando-se progressivamentemais sofisticados pela incorporação demais variáveis ambientais, e um maiornúmero de espécies arbóreas em suassimulações. Todavia, persistem aindamuitas críticas sobre a sua utilidade,

em especial, pelas dificuldades em sedispor de dados reais que possam va-lidá-Ios. (Bugmann 2001).

Esse brevíssimo resumo visou ape-nas chamar a atenção para o fato deque as concepções teóricas existentessobre a sucessão ecológica mudarame continuam mudando, e uma atua-

lização frente a essas mudanças se faznecessária, pois diferentes concepçõespodem levar à formulação de métodose expectativas muito diferentes sobrea restauração de áreas degradadas, se-gundo a visão utilizada.

Podemos então concluir pergun-tando:

Que modelo, ou modelos de su-cessão secundária estão sendo hojeusados como referência teórica dos

programas de recuperação de áreasdegradadas em curso no Brasil?

Que implicações o uso de dife-rentes modelos de sucessão tem na

obtenção de sucessão em programasde restauração?

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Simpósios

Interação Solo xPlanta x Animol Sãojá conhecidos os padrões e pro-

cessos de sucessão secundária de cada

uma das diferentes formações flores-tais brasileiras?

A modelagem matemática da res-tauração de diferentes formações flo-restais brasileiras poderia auxiliar amelhoria de futuros projetos?

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4'"

Editoração

Percepção Design

RevisãoVera Severo

CTP,Impressão e AcabamentoImprensa Oficialdo Estado de São Paulo

Picha Catalográfica elaborada pelaSeção de Biblioteca do Instituto de Botânica

Barbosa, L.M.; Santos Junior, N.A. dos, orgs. B238aA botânica no Brasil: pesquisa, ensino e políticas públicasambientais / Luiz Mauro Barbosa; Nelson Augusto dos SantosJunior -- São Paulo, Sociedade Botânica do Brasil, 2007.

680 p.

ISBN 978-85-60428-01-4

I. Botânica. 2. Meio Ambiente. L Título

CDU 58