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Faculdade Ciências Sociais e Humanas Licenciatura Ciência das Religiões 1º Ciclo Xamanismo e Espiritismo José João Marques Rita 20091698 História das Religiões IV José Carlos Calazans

Xamanismo e Espiritismo

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Faculdade Ciências Sociais e Humanas

Licenciatura Ciência das Religiões1º Ciclo

Xamanismo e Espiritismo

José João Marques Rita

20091698

História das Religiões IVJosé Carlos Calazans

Abril 2011

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Índice

Introdução..........................................................................................................................3

Espírito..............................................................................................................................4

Xamanismo........................................................................................................................5

Xamã..................................................................................................................................6

Função do Xamã................................................................................................................7

Morte na crença Xamânica................................................................................................9

Espiritismo.......................................................................................................................10

Médium e métodos..........................................................................................................12

Espíritos...........................................................................................................................13

Cosmogonia do Espiritismo............................................................................................14

Conclusão........................................................................................................................15

Bibliografia......................................................................................................................17

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Introdução

A comunicação com os mortos ou com os antepassados é algo que sempre esteve presente na mentalidade e no quotidiano da vida humana, desde os tempos mais remotos até à actualidade.

Num longo caminho de tradição cristã e mais tarde com a separação da religião com a ciência, este tema passa a ser tema tabu na sociedade ocidental, é assumido como algo do passado pertencente ao homem inculto, quem pratica actualmente estes rituais é considerado charlatão que engana as pessoas mais ignorantes.

Estamos perante uma crença em espíritos que foi condenada durante séculos com a introdução de uma religião espiritual de tradição judaica que negava todas as outras realidades excepto a sua, inevitavelmente com o passar dos anos evoluiria para um nível de ateísmo; mas como se sabe a opinião generalizada está longe da realidade; especialmente em casos de Tabu, existe uma vergonha ou uma negação sobre a possibilidade de interferência dos espíritos no mundo tangível dos vivos, no entanto existem várias práticas e praticantes que se envergonham de o assumir frontalmente.

No oriente a religião ainda possui ligações com a ciência e história, apesar de já existirem fortes correntes de pensamento ocidental, estas duas ciências não são usadas para desmentir a religião mas para a completar.

Houve também esta abordagem na Europa, mais propriamente na França com Allan Kardec que desenvolveu um sistema de espiritismo científico sem nunca conseguir no entanto a aprovação da classe científica; isto porque estamos perante um método científico que apenas aceita o que se consegue explicar por métodos palpáveis e visíveis; enquanto não se conseguir transpor teorias para o campo tangível estas ficam no campo da especulação, assim as provas que Kardec mostrou como a levitação de objectos e a comunicação entre duas pessoas distantes nunca foram aceites como manifestações espíritas, não havia possibilidade de se conseguir uma explicação científica fora do campo religioso.

No entanto o objectivo deste trabalho é estabelecer uma comparação entre a comunicação dos espíritos de Allan Kardec com a tradição milenar ainda presente no oriente através de rituais que foram catalogados pela antropologia como Xamânicos para estabelecer uma mentalidade comum presente no Homem durante milénios.

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Espírito

Antes de se proceder com este trabalho deve se procurar entender o que é propriamente o espírito, o termo espírito vem do latim “spiritus” por tradução do grego “πνευμα”, que significa ar, o termo era usado para designar o sopro vital dado pelos deus que animava a matéria consciente, muito semelhante ao conceito de alma que deriva também do latim “anima” que por evolução linguística se deu a elisão do “i” dando anma e consequentemente alma.

Este conceito de um duplo imaterial do corpo vem já desde a pré-história estando ligado ao conceito da vida após a morte, nas inumações do neolítico os corpos eram deixados em posição fetal virados para oriente rodeados de objectos valiosos do seu quotidiano, estamos perante uma forte simbologia de renascimento.

Tylor na sua obra “Primitive Culture” defendeu que o animismo é uma das formas mais antigas de religiosidade humana1, o animismo é a crença de uma essência divina presente em todos os seres e objectos e não só no homem, por exemplo os antigos Sumérios tinham os Mé e os Egípcios o Bá, uma essência não só dos objectos mas também das artes e do conhecimento que a deusa Inana levou para a sua cidade estado, como já se referiu na pré-história os mortos eram acompanhados de várias peças de cerâmica, estas eram muitas das vezes quebradas propositadamente para permitir que a sua essência se liberta-se e acompanhe-se o morto.

A partir desta crença surgem inevitavelmente as primeiras formas do que hoje chamamos ciência, é assim procurada a essência de plantas, minerais, animais, factores atmosféricos e apreende-se os seus efeitos benéficos e maléficos.

Está assim inerente ao homem a crença num duplo imaterial da parte material, a matéria é considerada a parte física enquanto o espírito está mais ligado à parte mental.

Existe um outro factor que se deve de ter em conta, a noção de espírito era no passado muito diferente da que temos hoje em dia, existe uma procura incessante pelo Homem pelo conforto físico, por esta razão se dá a separação e isolamento do Homem da Natureza, o Homem deixa de viver em contacto com o mundo natural e isola-se em fortalezas humanas ficando a natureza do lado exterior, assim surge o mundo civilizado e tudo o que está fora deste mundo é rapidamente associado à desorganização e à parte selvagem, desta forma as crenças evoluem para algo mais humano e menos natural, o Homem afasta-se da natureza e o seu espírito diviniza-se, mas não estamos perante uma mentalidade igual à dos nossos dias, os espíritos dos mortos segunda a mentalidade da antiguidade ou iam para a lua segundo umas crenças ou para as profundezas da terra segundo outras, por vezes não achavam o caminho e ficavam a vaguear pela terra sem rumo sendo assim responsáveis por malefícios, ao contrário da nossa noção ligada ao

1 TYLOR, Primitive Culture, p.417

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conceito de religiões de salvação, onde presentemente ao espírito do homem está reservada uma recompensa celeste se praticar o bem durante a vida, enquanto na antiguidade o mal praticado durante considerava-se ser castigado rapidamente pelos deuses enquanto vivo, após a morte não havia paraíso mas tormentas, não se seguia para perto dos Deuses, esta crença ainda permanece nos nossos dias estando associado à morte violenta.

A lua cheia era considerada nefasta, nessa altura está estabelecida a ponte entre o reino dos vivos, a terra; e o reino dos mortos, a lua; o meio de comunicação, ou o médium é o Xamã, que possui a capacidade de ir ao mundo dos mortos e transmitir a sua mensagem aos vivos através de pontes como espirituais como árvores ou menires.

Xamanismo

É complicado definir ou falar sobre Xamanismo porque depressa se pode cair em erro, em primeiro lugar o Xamanismo não é uma forma de magia, a magia é algo que não existe propriamente a não ser em conceito, a magia é uma associação dos cultos praticados fora do contexto cultural e histórico, esta forma de pensamento desenvolveu-se bastante na Idade Média quando ainda se praticam rituais antigos de influência clássica e de outras culturas; assim o que para nós é magia já foi assim religião de alguém no passado; assim ao se praticarem rituais de influência Egípcia, Grega ou de alguma tribo mais remota e menos ligada à civilização é considerado magia, da mesma forma a liturgia Cristã pode ser considerada magia aos olhos de um Xamã.

O termo Xamanismo surge dos etnógrafos russos quando estudavam a cultura da Sibéria2, esse termo foi aproveitado pela antropologia para designar práticas religiosas semelhantes, onde restam indícios de actividade xamânica praticamente todo o mundo; mas existem ainda Xamãs no activo nos nossos dias, principalmente nos nativos da América do Norte, Ásia e Oceânia; mas não nos podemos esquecer que em Portugal ainda persistem as chamadas curandeiras ou bruxas que são o testemunho vivo dum Xamanismo matriarcal, assim temos que ter consciência que não existe um Xamanismo puro porque o Homem é extremamente adaptável e a sua tendência religiosa é para o sincretismo, dessa forma surgem religiões com várias influências exteriores, não se consegue apurar um conceito original religioso que muitas das vezes nunca houve.

Por exemplo não existe um termo popular português para designar o que se considera antropologicamente um Xamã, é chamado frequentemente bruxo, feiticeiro ou curandeiro, é preciso ter atenção no entanto para os termos usados, a bruxaria é algo que está ligado à sociedade ocidental Cristã durante a Idade Média e Moderna contendo em si vestígios de paganismo e de xamanismo da mesma maneira que o cristianismo conserva em si esses mesmo vestígios, não se deve assim confundir bruxaria com o

2 RIVIÈRE, Introdução à Antropologia, p.146

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xamanismo, da mesma forma a feitiçaria é algo de tradição principalmente clássica onde se manipula a ordem natural das coisas para um objectivo pessoal, é um termo que está mais próximo do termo Xamanismo mas que não se deve de confundir um xamã com um feiticeiro; o termo magia é raramente usado na nossa linguagem popular, tem origem dos antigos Persas Magos ou Medos seguidores do Zoroastrismo que difundiram a astrologia e magia como ciência, assim como a concepção dualista do bem e do mal que influenciou muito a mentalidade cristã medieval.

O Xamanismo pode-se considerar uma forma primitiva de religião, não se deve de considerar inferior mas uma religião natural mais ligada à natureza e menos ligada ao homem, com as grandes cidades surgem as religiões hierárquicas ligadas a uma organização social que condenam fortemente o xamanismo ligando-o ao povo não civilizado e ignorante que vive na floresta fora dos limites da cidade.

Xamã

O Xamã em termos gerais é um líder tribal, é escolhido não por vontade própria mas por vontade da tribo ou por meio hereditário, segue uma via ascética de jejuns e de isolamento, possui a capacidade de entrar em transe e comunicar directamente com os espíritos, profetiza viajando ao reino dos mortos trazendo a sua mensagem, esta viagem pode ser ctónica através das grutas que simbolizam as entranhas da terra, ou por via celeste que se atinge por meio de árvores sagradas ou menires.

Para se tornar Xamã passa-se por uma iniciação extensa, onde é verificada a sua personalidade e capacidade espiritual, ao longo de vários anos recebem um conhecimento variado de tradição oral transmitido apenas dentro do seu grupo restrito.

Estão frequentemente isolados da sociedade e da civilização3, não são letrados e não seguem o método científico, não devem de ser encarados como ignorantes mas com um estilo de vida em harmonia com o mundo e com a natureza, restabelecem o equilíbrio natural e pontos de ligação com o sobrenatural.

O Xamã é normalmente escolhido já com uma idade matura, possuindo grande conhecimento não académico mas natural e espiritual, a idade é um símbolo de conhecimento, assim os xamãs são na grande parte anciãos, daqui persiste a imagem que temos da bruxa velha, visto grande parte do xamanismo ser matriarcal, mas não sendo esta uma regra rígida, existe sociedades patriarcais onde os xamãs são homens por exemplo na Sibéria e na América do Norte, enquanto no Japão e por exemplo em Portugal esta tendência é para o feminino, apesar de haver homens que praticam o Xamanismo em locais de tendência feminina, Toshiaki Harada etnógrafo japonês refere

3 Fornecem no entanto os seus serviços e auxilio à comunidade.

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que grande parte destes Xamãs masculinos usam acessórios femininos no decorrer dos rituais.4

A razão para o Xamanismo estar mais ligado ao feminino é devido ao transe que é mais facilmente atingido pelas mulheres, É também comum o xamã ter um espírito guardião que o acompanha em todas as suas funções, este guardião é escolhido ou por via hereditária ou por chamamento espontâneo, não é uma escolha directa do xamã5

O seu ritual de transe consiste numa forma de dança primitiva ao som de precursão que vai aumentando o ritmo gradualmente até se abrirem as portas para o lado dos mortos.

O transe é o principal ritual do xamã, consiste numa alteração de personalidade que visto do nosso ponto de vista ocidental se considera uma possessão, mas o xamã tem conhecimento e capacidade de controlar este transe, que não é apenas possessivo, o xamã pode também entrar noutros corpos sendo este transe migratório.6

Função do Xamã

O Xamã é um guia espiritual de uma tribo, clã ou povo, reza para obter boas influências indispensáveis para a sobrevivência da sociedade, pedindo uma agricultura, caça ou pesca favorável, saúde e segurança da comunidade.

Fornecem também consultas pessoais principalmente através de rituais de divinação, entram assim em contacto com os deuses ou com os antepassados, pedindo ajuda para um determinado problema pessoal ou familiar, por exemplo sucesso num projecto, problemas no casamento, má sorte, benzer um objecto de valor através de encantamentos.7

Surgem por vezes em trabalhos antropológicos termos como magia branca e magia negra, na magia branca procura-se o benefício, na negra o malefício, ambas invocando forças espirituais, no entanto as diferenças entre estes tipos de magia e a nossa convencional medicina ou química são por vezes muito ténues ou completamente opostas.

O Xamã é assim mais médico do que feiticeiro quando alguém procura os seus serviços curativos, as causas são diferentes, enquanto para o Xamã a causa é espiritual e está ligada a um desequilíbrio espiritual, para um médico a causa é sempre fisiológica, mas o

4 FAIRCHILD, “Shamanism in Japan”, in Folklore Studies, v21, p. 245 FAIRCHILD, “Shamanism in Japan”, in Folklore Studies, v21, p. 26 FAIRCHILD, “Shamanism in Japan”, in Folklore Studies, v21, p. 247 Um objecto encantado é um objecto que recebeu um canto de um sacerdote e ficou embutido de sacralidade.

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efeito procurado e obtido é por vezes semelhante, tendo cada vertente as suas desvantagens.

É muito comum no nosso território a crença no mau-olhado, é uma má sorte lançada por uma pessoa invejosa que amaldiçoa não necessariamente por vontade própria podendo ser involuntariamente; a pessoa que recebe este mau-olhado fica debaixo de uma maldição de má sorte, quando se apercebe este estado é frequente recorrer aos serviços dos curandeiros.

As doenças podem também ser causadas por feitiçaria, ou por obsessão de um espírito maléfico ou por um antepassado que procura atenção, o xamã tem a capacidade de desfazer o feitiço absorvendo-o o mal para si, e através de uma bênção livra a pessoa do mal, normalmente quando o tormento é causado por espíritos deve ser oferecido algo em ao espírito para o tranquilizar, como orações, sacrifícios, velas ou incenso, ou visitas ao local do seu sepultamento que se encontra esquecido.

Por vezes desenvolvem-se sistemas de apaziguamento dos deuses, os deuses bons não necessitam de rituais mas sim os deuses maus, porque estes atormentam o homem enquanto não recebem os seus favores.

Por outro lado existem outras crenças de que o afastamento dos bons deuses pode ser a causa das doenças e da má sorte, pois existe um afastamento da sua protecção, está é a Teodiceia presente no Cristianismo onde se pede a ajuda do bem para afastar o mal.

Um Xamã tem também um importante papel na família, abençoa o casamento e chama os deuses benfazejos para a habitação familiar para que tragam prosperidade material e afastem as discórdias familiares, são também chamados para benzer casas de negócio sendo este a principal fonte de sustento familiar.

Estamos perante de uma crença na obsessão de espíritos malignos que trazem a má sorte às más pessoas que não cumprem os rituais religiosos, atormentam os vivos, mas a possessão propriamente dita ocorre em grande parte apenas no xamã que incorpora o espírito não só de homens mas também de seres animais, vegetais e até minerais por vezes, transmitindo a sua mensagem.

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Morte na crença Xamânica

Existe a crença num duplo imaterial que habita o corpo material, assim quando se dá a morte este duplo tem uma vida com várias semelhanças à vida carnal mas livre da matéria, na antiguidade e em muitos sistemas xamânicos os mortos ou vão para a lua ou para o submundo, estes mundos são normalmente guardados pelos deuses, no entanto os recém-falecidos continuam neste mundo num estado de confusão por não se aperceberem da sua morte,8 atormentam assim os vivos e estando num estando limbónico entre mundos deixam as portas abertas ao mortos para vir ao mundo dos vivos, este é um considerado um estado perigoso para os familiares e próximos do defunto pois estão sujeitos a obsessões de toda a espécie de espíritos malfazejos.

Quando as pessoas morrem fora de casa considera-se que as almas ficam a assombrar esse local9, esta é uma crença que está ainda muito presente nas mortes súbitas e brutais surgindo os mitos urbanos de locais assombrados.

Depois da morte os xamãs acreditam que existe um julgamento, os que cometeram crimes e suicídio recebem grandes tormentos, para aliviar estes tormentos os seus descendentes devem de implorar aos deuses o seu perdão, assim as almas em tortura tentam sempre escapar para pedir aos vivos rituais e orações para aliviar a sua dor, se ninguém os lembrar após a morte e não obterem o perdão dos deuses tornam-se em espíritos maléficos, sendo estes que trazem má sorte aos vivos10, como doenças, mau sucesso, acidentes, etc., os vivos devem assim interpretar esta má sorte e aplacar as almas de quem os atormenta11.

Na teologia xamânica homem nasce com um objectivo por cumprir, muitos morrem sem cumprir este objectivo, os espíritos falecidos tentar transmitir aos seus descendentes uma mensagem para que cumpram a restante missão para que eles possam ficar libertos, mas é mais frequente voltarem a nascer ou a reencarnar para completar a sua missão12

8 NAOKO, “Miyako Theology: Shamans’ Interpretation of Traditional Beliefs” in - Asian Folklore Studies, v. 46 p.169 NAOKO, “Miyako Theology: Shamans’ Interpretation of Traditional Beliefs” in - Asian Folklore Studies, v. 46 p.1710 NAOKO, “Miyako Theology: Shamans’ Interpretation of Traditional Beliefs” in - Asian Folklore Studies, v. 46 p.1711 NAOKO, “Miyako Theology: Shamans’ Interpretation of Traditional Beliefs” in - Asian Folklore Studies, v. 46 p.1712 NAOKO, “Miyako Theology: Shamans’ Interpretation of Traditional Beliefs” in - Asian Folklore Studies, v. 46 p.18

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Espiritismo

O espiritismo é um termo vulgar actual que se usa sem ter consciência da sua origem, foi criado por Allan Kardec, os seus objectivos não eram propriamente religiosos, mas científicos dentro de uma culturalidade cristã, o que pode levar ao erro de se julgar que estamos perante uma igreja ou um grupo religioso.

Os métodos divulgados consistiam na comunicação com espíritos tendo o homem como o meio de comunicação, o médium uma pessoa com esta capacidade que se atinge com treino; qualquer mecanismo de manifestação espírita desde que pudesse ser descodificado servia, o mais frequente era o da pergunta do médium e o da resposta do espírito, a técnica da resposta varia.

Os primeiros sistemas consistiam na resposta por estalos, sendo um sistema muito limitado recebendo simples respostas como o Sim ou Não, o outro método já mais complexo que permitia respostas simples era o da mesa pé de galo, com as inscrições de letras do alfabeto latino num tampo de mesa que gira livremente13, por fim a técnica que se acabou por adoptar mais dentro do espiritismo foi a da escrita, é um método menos vistoso mas muito tão rápido quanto uma conversa vulgar14, o da comunicação oral que não se deve de confundir como possessão mas sempre dentro do campo de comunicação com um espírito é raramente usado apenas por pessoas que têm esta capacidade.15

Apesar de haver várias semelhanças com o Xamanismo, Allan Kardec era fortemente cristão e as suas influências eram principalmente o Platonismo, Cristianismo e o Positivismo.

Kardec convidou várias pessoas de renome dentro do meio científico para que pudessem comprovar a cientificidade dos seus métodos, mas todos os que assistiram negaram vivamente que o que viram que fosse feito por intermédio de espíritos.

Kardec criticou estas individualidades fortemente nas suas obras, descartaram imediatamente a hipótese de que os fenómenos eram causados por espíritos, no entanto nenhum deles conseguiu explicar o que viram e forneceram outras teorias fantásticas como o poder da mente humana ou coincidências magnéticas, onde seria mais fácil e lógico aceitar que os fenómenos tivessem sido provocados por uma outra entidade inteligente.

A levitação de mesas no ar sem qualquer tipo de apoio que depois de despenhavam no chão quebrando-se com enorme violência, a comunicação entre duas pessoas em países diferentes que se confirmaram à vista de cientistas em ambos os locais, referencias de

13 KARDEC, O livro dos Médiuns p. 8214 Para mais detalhes sobre a evolução dos métodos de comunicação com espíritos consultar a introdução do livro “O Livro dos Espiritos”.15 KARDEC, O livro dos Médiuns p. 192

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locais desconhecidos por todos na sala que depois se veio a confirmar, estalos na mobília que respondiam de maneira inteligente a respostas, tudo foi explicado pelo acaso e pelas capacidades mentais do ser humano, Kardec confrontou-os ao afirmar que se o ser humano tem capacidade de ir a locais onde o seu corpo nunca esteve e de comunicar através de longas distâncias ou de levitar objectos, mesmo que esse fenómeno não seja da responsabilidade de espíritos era algo que deveria ser estudado e aprofundado.

Certamente ninguém teve a ousadia de enveredar por tais campos pois esse seria rapidamente um motivo para a destruição da sua carreira profissional.

Kardec defendeu assim que a ciência estava cheia de homens orgulhosos que se apoiam muitas das vezes numa razão pré-concebida com erros, sendo esta uma das causas do atraso da humanidade por se permitir que erros científicos se perpetuem durante largos anos.16

Kardec explicou estes factos de uma maneira mais científica possível, mas houve dois problemas fundamentais para que os seus objectivos não se cumprissem; o seu legado segui infelizmente um caminho religioso, principalmente no Brasil e na América do sul, onde existem associações que o tomam como um ídolo que decifrou as comunicações dos espíritos; este nunca foi o objectivo de Kardec de formar mais um grupo religioso, a sua convicção e esforço era para trazer à luz da ciência provas da existência de um outro mundo imaterial, e trabalhar nos métodos de comunicação entre os dois planos, pode-se considerar assim que o seu trabalho ficou por acabar porque as instituições que se denominam espíritas pouco mais fazem que seguir os seus livros.

O outro problema fundamental foi o do charlatanismo, surgiram várias pessoas que utilizavam truques para simular manifestações espíritas, entre outras que cobravam dinheiro fornecendo os seus serviços, rapidamente foi assumido que seria assim todos charlatões pela opinião generalizada.17

Os seus livros não foram propriamente escritos por Kardec, são uma reunião de vários respostas efectuadas a espíritos superiores de vários médiuns, contêm algumas anotações e exemplos em notas de rodapé efectuadas por Kardec, grande parte destas respostas contidas nestes livros são de teor muito simples e lógico, mesmo para os crentes no espírito após a morte na realidade, Kardec avisava que se deve sempre ter em conta de que o outro lado tinha muitas semelhanças com este, não existe assim uma inefabilidade dos espíritos apenas por estarem do outro lado, existe é uma capacidade mais fácil do plano imaterial ver e conhecer o plano material, enquanto para o nosso plano nos é vedado o conhecimento do plano espiritual, para que este conhecimento não interfira na nossa evolução própria, assim está apenas aberta uma possibilidade de haver comunicações entre estes dois mundos, mas havendo também do outro lado espíritos falsos e mentirosos da mesma forma que existem homens de baixos valores, segundo

16 KARDEC, O livro dos Espíritos, p. 3017 KARDEC, O livro dos Médiuns p. 408

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Kardec é também mais fácil surgir um espírito ignorante do que um espírito culto com o qual se possa realmente apreender algo.

Médium e métodos

Dentro do espiritismo não é qualquer pessoa que têm a capacidade para exercer a função de médium, umas têm mais facilidade em obter respostas por estalos, outras não apresentam dificuldades em obter respostas pelo método da escrita, mas muitas não conseguem receber estas mensagens e passa-las para o campo material.

O médium no estado de comunicação pode ficar em estado de transe, principalmente nas comunicações verbais, alguns têm plena consciência, outros não se recordam de nada e acordam após a comunicação, no método da escrita o médium treinado não têm qualquer influência na resposta, ou seja está consciente mas recebe respostas fora do seu alcance de conhecimento intelectual estando quase sempre dentro das limitações da sua capacidade linguística; o médium pode descrever locais onde nunca esteve, referir posicionamento de objectos em locais esquecidos, referir factos da vida pessoal desconhecidos por todos, e em casos mais raros referir termos de línguas que desconhece ou até mesmo escrever e falar fluentemente outras línguas.

Nos outros métodos mais primitivos como o método da mesa, da prancheta ou dos estalos, as comunicações têm que ser efectuadas em grupo, formando um círculo ao redor da mesa ou tabuleiro colocando todos as mãos no objecto que transmite a mensagem.

O objectivo principal do médium é a recolha de conhecimento do lado dos espíritos, não se procurava saber o futuro, nem coisas fantásticas mas sim um conhecimento útil e não fútil, era desta forma que se distingue os espíritos evoluídos dos espíritos ignorantes, por exemplo muitos dos espíritos evoluídos não revelam o seu nome, porque este não têm importância, enquanto um espírito de classe baixa depressa se revela com um nome de alguém importante para se conseguir enaltecer mas não consegue revelar nada de útil.

O médium não procura assim nem riqueza nem glória, preocupa-se apenas com a sua evolução e missão espiritual, ajudando outros indivíduos no mesmo caminho.18

18 KARDEC, O livro dos Médiuns, p. 39

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Espíritos

Para Kardec falar com os espíritos devia de ser encarado como falar com os vivos, assim era fácil falar com um espírito que procurasse divertir com a admiração e receio dos vivos contando-lhe mentiras fantásticas com um pouco de verdade, para que o médium ao confirmar os dados acredita-se em tudo o que lhe era dito por esse espírito, Kardec considerava estes médiuns num estado de Fascinação, ou de obsessão por espíritos19, um estado perigoso dai a razão de se ter de procurar ajuda de médiuns maduros, alerta para as mentiras mais frequentes dos espíritos, a da revelação de tesouros em locais ermos descrevendo os locais exaustivamente e o caminho para o mesmos, a pessoa ao deslocar-se ao local seguindo as indicações do espírito encontra o local como lhe foi descrito e por consequência acredita piamente de que lá está um tesouro; peditórios para deslocações a cemitérios onde lá está o nome de que lhe foi indicado pedindo favores múltiplos e ridículos, a revelação de vidas passadas revelando nomes de personalidades importantes que o próprio médium desconhece e com pesquisa vêm se a revelar a existência.

Estes são truques frequentemente usados por espíritos inferiores para conseguirem alcançar um servo, ou alguém para que se possam divertir às suas custas resultando em graves prejuízos para o médium obcecado.

Segundo as obras de Kardec, não existe o bem nem o mal, mas sim a ignorância e o conhecimento20, os espíritos ignorantes são assim frequentes nas comunicações dos médiuns iniciados, mas com a experiencia após um espírito superior verificar que as intenções do médium não são para divertimento, este revela-se e passa a ser o seu espírito tutelar, que durante longos anos o acompanha e ensina, normalmente o médium passa a conhecer os espíritos que se lhe manifestam, através de sinais e palavras comuns, é estes que ele passa unicamente a invocar para deixar as portas fechadas aos espíritos de baixa categoria evitando assim os perigos.

Kardec alerta também que por vezes surgem espíritos falsificadores que tomam o lugar de outros, mas que com atenção se percebe pela sua maneira de comunicar que não passam de impostores.

Kardec criou um sistema de sessões que estavam abertas ao público em geral não cobrando qualquer tipo de ajuda, os médiuns mais experientes guiavam a pessoa na sua evolução espiritual não fornecendo respostas a perguntas fúteis que procurassem divertimento ou prazeres materiais, pois essas perguntas atraiam espíritos semelhantes zombadores com a ingenuidade das pessoas21; este sistema consegue-se explicar através cosmogonia do espiritismo.

19 KARDEC, O livro dos Médiuns, p. 30620 KARDEC, O livro dos Espíritos, p. 8721 KARDEC, O livro dos Médiuns, p. 324

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Cosmogonia do Espiritismo

Segundo as obras escritas de Allan Kardec a vida na terra estava ligada a uma missão de valor humanitário, cada ser humano deveria cumprir esta missão pelo bem, enquanto não se cumprir esta missão que está ligada à evolução espiritual o corpo continua a reencarnar até completar o ciclo.22

O Ceú é o último patamar, local onde apenas os espíritos puros conseguem alcançar, os que estão muito próximo deste local celestial passam pelo purgatório, uma espécie de hospital espiritual onde recebem a restante purificação sendo recebidos por um guia espiritual evoluído que se podem considerar anjos.23

Para Kardec o inferno e mal não existe24, o que existe é a corrupção e ignorância, após a morte segue-se um estado de confusão para o espírito que continua a coexistir entre mundos numa realidade completamente estranha, os menos preparados principalmente os que não acreditam na vida após a morte vagueiam nesta terra num estado de invisibilidade até se aperceberem da realidade da sua morte25, passado algum tempo muitos não se apercebem e são levados para o outro lado à força uma vez que foram incapazes de achar a “porta” para o outro lado, após uns anos nascem novamente neste plano sem as memórias do passado permanecendo no entanto com um conhecimento interior e pequenas lembranças para que possa continuar o seu caminho de evolução espiritual.

O Cristianismo têm muita importância no sistema de Kardec, a sua interpretação da função de Cristo é como a um espírito superior que veio trazer uma mensagem à terra, a sua ressurreição é algo perfeitamente plausível na concepção do espiritismo, referindo vários casos nas suas obras onde muitas das vezes uma pessoa que falece surge visualmente a um familiar ou amigo próximo em locais inesperados, onde mais tarde se recebe a noticia da sua morte.

Segundo o espiritismo após a morte a evolução contínua, mas é impossível regredir para níveis inferiores porque um ser quando aprende e é iluminado já não se esquece mais.

22 KARDEC, O livro dos Espíritos, p. 10323 KARDEC, O livro dos Espíritos, p. 47224 KARDEC, O Céu e o Inferno, p. 4025 KARDEC, O livro dos Espíritos, p. 154

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Conclusão

Apesar de o Espiritismo ser claramente uma vertente Cristã, assumindo apenas um Deus como criador e verdadeiro tem várias semelhanças com a crença Xamânica, é muito difícil estabelecer o contacto de Kardec com Xamãs ou com estudos antropológicos que estavam a iniciar no tempo de vida em que Kardec viveu e que inevitavelmente teve acesso aos mesmos, observa-se claramente nos seus textos o uso de termos antropológicos entre outros termos científicos; Kardec era claramente um homem de grande conhecimento científico; a resposta do ponto de vista dos crentes é que Kardec e os Xamãs ao estarem em contacto com os espíritos recebem inevitavelmente a mesma descrição do lado dos mortos; mas esta não pode ser uma explicação aceite do ponto de vista científico que nega a existência da alma e do espírito e principalmente a vida após a morte; existe uma outra hipótese que se consegue explicar com a lógica teológica, ao se assumir a existência de uma vida após morte e o tormento dos espíritos sobre os vivos pode se chegar às mesmas conclusões, mas este seria um campo muito especulativo.

As principais semelhanças entre o Espiritismo e Xamanismo, além da crença do espírito no homem está principalmente na missão e na reencarnação, o homem têm uma missão para cumprir ao serviço do bem da humanidade, este mundo é um local onde decorre uma prova que o espírito tem de passar, uma espécie de iniciação, após o sucesso neste mundo o espírito fica livre da matéria e por consequência das tormentas.

Para se tornar um Xamã ou um Médium é preciso treino, e ter uma capacidade que não está presente em todas as pessoas, existem métodos que se adaptam mais a um determinado médium ou Xamã, não existe uma forma única de comunicar com os espíritos.

Para ambas crenças após a morte o espírito não se apercebe desta condição e fica errante neste mundo até achar a passagem para o outro lado, os espíritos atormentam o homem para que este lhes faça favores pessoais, a lembrança do morto é fundamental para apaziguar e evitar a sua tormenta no outro lado, pois a reza à sua alma é uma prova do bem que fez neste mundo, os espíritos familiares e próximos são os mesmos que se cruzam nesta vida, ou seja os laços mantêm-se na vida e na morte.

Existem também grandes diferenças nestes dois sistemas, no Xamanismo é maioritariamente panteísta, enquanto o Espiritismo considera como único o Deus Cristão, apesar de haver Xamanismo com sincretismo cristão, que da mesma forma considera apenas um deus como verdadeiro.

Um Xamã é animista considera que todas as coisas têm uma essência divina que se pode ligar e comunicar através do espírito, o espiritismo não admite tal hipótese e refere que apenas o homem possui um espírito, existe a possibilidade de se receber uma resposta

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ao chamar objectos, mas quem responde normalmente nestas invocações são espíritos inferiores que procuram divertimento.

A diferença fundamental entre o Xamanismo e o Espiritismo reside na classificação de espíritos, apesar de ambos considerarem espíritos evoluídos aqueles que foram de grandes homens, existe uma grande diferença na classificação dos espíritos inferiores, é frequente no Xamanismo as ofertas em géneros alimentícios e por vezes até o sacrifício, o Espiritismo considera que estes pedidos estão ligados a espíritos inferiores ou recém-falecidos que ainda estão presos aos desejos da matéria; nos casos de rituais xamânicos onde estas ofertas são feitas a um espírito para o apaziguar, está em conformidade com o espiritismo, mas o problema reside que muitas destas ofertas são feitas aos deuses dos xamãs, assim aos olhos de um seguidor do espiritismo o Xamã está sobre a obsessão de um espírito inferior que o atormenta com pedidos vários e fúteis para a evolução espiritual, os seus deuses só podem ser assim inferiores quando ainda continuam com ligações à parte material, por outro lado para um Xamã mais tradicional o espiritismo encontra-se poluído com conceitos cristãos tendo perdido a usa essência original, onde os homens que o praticam seguem dois conceitos completamente distintos, podendo até considerar que quem é atormentado por falsos espíritos é o espírita que apenas considera um deus como o verdadeiro, sendo esse o espírito de um tirano que nega todos os outros.

Deve-se assim concluir que o sistema de crenças em espíritos é o mesmo mas não se consegue unir estas duas vertentes devido a diferenças teológicas e cosmogónicas, pelo sincretismo surge um xamanismo inevitavelmente semelhante a um espiritismo, mas este completamente afastado das raízes da ciência, é no entanto este o espiritismo que prevalece principalmente nas várias correntes brasileiras de espiritismo que são mais xamânicas dos que propriamente “Kardecianas”.

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